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Ilustrações

 

 

Prefácio de Caetano Beirão

 

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DRAMA  DE  SANGUE  EM  COIMBRA

 

Coimbra, ……….. de 137..

 

(…) Acordou subitamente D. Maria e, ao ver a sua câmara assim invadida por aquela gente, alçou-se do leito tão espantada e tenebrosa que mal se podia ter em pé. Não teve tempo para pôr sobre si vestido ou manto, nem quem lho desse, porque as damas que a acompanhavam não se podiam mover de terror. Cobriu-se então com uma colcha branca e encostou-se à parede, como quem procura defesa. Ao ver, porém , entrar o Infante, recobrou ânimo e disse:

- «Senhor, que vinda é esta tão desacostumada?».

Lançou-lhe D. João em rosto o seu procedimento de ter divulgado o casamento secreto que os unia, de modo que dele chegou conhecimento ao Rei, à Rainha e a toda a Corte, o que seria motivo de o mandarem matar ou prender para sempre. E acrescentou que, se era sua mulher, merecia a morte, porque o atraiçoava, dormindo com outro homem.

Pretendeu D. Maria justificar-se, rogou ao Infante que a ouvisse; mas ele retorquiu-lhe apenas:

- «Não vim eu aqui para estar convosco em palavras!» - e arrancou-lhe a colcha, de modo que todos os presentes desviaram a vista e não puderam ter-se que não chorassem pela sorte que ali mesmo a esperava.

Então o Infante agarrou-a e, brandindo o punhal que o Conde de Barcelos lhe dera, cravou-lho entre o ombro e os peitos, cerca do coração. Ela só pôde dizer:

- «Mãe de Deus!, socorrei-me e havei mercê desta minha alma».

Deu-lhe novamente o Infante com o bulhão no ventre; ela invocou «Jesus, filho da Virgem!», botou uma golfada de sangue, e caiu sem vida.

 

Texto integral do episódio em

 

 

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UMA  REVOLUÇÃO  EM  LISBOA

 

Lisboa, 7 de Dezembro de 1383

 

(…) Despediu-se [o Mestre de Aviz] da Rainha, tomou o Conde pela mão e conduziu-o a uma grande sala contígua à câmara em que estavam. Seguiram-nos os companheiros do Mestre, que já sabiam o que se ia passar, e, mais cerca, Rui Pereira e Lourenço Martins. Uma vez ali, D. João levou o Conde de Andeiro para junto duma janela e falou-lhe tão baixo que ninguém conseguiu ouvir o que lhe dizia; todavia, afirma-se que as frases trocadas foram estas:

- «Conde, eu me maravilho muito de serdes pessoa que eu estimava e trabalhardes vós de minha deshonra e morte!».

- «Eu, Senhor?! – replicou ele. – Quem vos tal coisa disse mentiu-vos mui grão mentira».

O Mestre, que mais vontade tinha de o matar que de se travar razões, tirou logo um cutelo comprido e mandou-lhe um golpe à cabeça. Não seria a ferida mortal, pois que o Conde ainda tentou acolher-se à câmara da Rainha. Os outros, porém, logo que isto viram,  rodearam-no, desembainharam as espadas, e foi Rui Pereira quem, duma estocada, o matou de pronto. Quiseram outros feri-lo também, mas o Mestre mandou-os estar quedos e nenhum se moveu.

 

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D.  JOÃO  II  E  O  DUQUE  DE  VISEU

 

Setúbal, 28 de Agosto de 1484

 

 (…) Recebeu-o El-Rei Nosso Senhor, no seu guarda-roupa, estando presentes D. Pedro de Eça, alcaide-mor de Moura, Diogo de Azambuja, que tornou há pouco de África, e Lopo Mendes do Rio.

Disseram-me alguns criados do Paço, com quem há pouco falei, que mal o Duque entrou na câmara, Sua Alteza o chamou de parte e lhe dirigiu algumas palavras, certamente de áspera censura pela reincidência no seu condenável procedimento, após o que tomou o punhal e rapidamente lho cravou no peito, caindo logo o Duque morto, sem soltar um gemido ou ai.

(…) Logo que o Duque caiu sem vida, ordenou El-Rei as diligências a que já fizemos referência e mandou chamar à sua presença o Senhor D. Manuel, último irmão da Rainha Nossa Senhora, porque lhe queria falar.

Apesar de enfermo, acorreu este senhor ao chamamento, acompanhado do seu aio, Diogo da Silva. Tão novo ainda – pois conta 15 anos apenas – ao entrar onde estava El-Rei, vinha pálido e atemorizado por tudo quanto se passara.

 (…) D. Manuel, com muito acatamento, pôs o joelho em terra e beijou a mão a El-Rei, que lhe mudou o título de Duque de Viseu – o qual lhe competia pela morte do irmão – no de Duque de Beja e senhor de Viseu, que ora tem.

 

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VASCO  DA  GAMA  CHEGA  DA  ÍNDIA

 

Angra, 11 de Agosto de 1499

 

Encontram-se neste porto a nau almirante da armada que foi em demanda da Índia, e uma caravela, a bordo da qual vem o capitão-mor Vasco da Gama, que regressa a Portugal. A nau, que entrou muito depois da caravela, está velha e desmantelada e trazia a bordo muita gente doente e morta. A nau S. Rafael foi queimada nos baixios do mesmo nome e a Berrio separou-se da almirante em águas de Cabo Verde, não conhecendo os que aqui arribaram se se perdeu ou se terá ido em direitura a Lisboa.

Não há, pois, dúvida que os portugueses chegaram à Índia, feito que obscurece os dos heróis gregos e romanos; e contam coisas maravilhosas do que por lá passaram e por lá viram.

 

Lisboa, 1 de Setembro de 1499

 

Estão ainda as gentes alvoroçadas das novidades da Índia e do grande recebi­mento que foi feito a Vasco da Gama.

Era notável de ver-se aquele cortejo magnífico que se formou desde a praia de Belém até aos paços da Alcáçova, com El-Rei a cavalgar à dianteira, tendo ao lado o nobre capitão-mor, com saio de solia cerrado, seu barrete redondo e as barbas muito compridas, que nunca mais as quis cortar depois que saiu de Lisboa.

 

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DEPOIS  DO  2º  CERCO  DE  DIU

 

Goa, 23 de Abril de 1547

 

(…) Desembarcou o Governador no cais da Porta de Santa Catarina, que estava adornado com muitas árvores e estandartes, assim como os muros da cidade ao longo do cais, que se apresentavam paramentados com panos de muitas cores. Formou-se a procissão, com a gente ordenada em duas alas, e assim seguiu até onde estavam os oficiais da cidade; aí foi o Governador recebido sob o pálio, depois do que atravessou a muralha adornada com dois leões grandes que tinham nos peitos escudos das armas de D. João e por baixo um letreiro em que estava excrito: Bem-aventurado e imortal triunfo, pela lei, por El-Rei e pela grei.

Vinha o Governador vestido com uma roupeta francesa de setim carmezim, forrada de tafetá encarnado e guarnecida de passamantes de oiro, e trazia na cabeça uma gorra de veludo preto, sobre a qual Tristão de Paiva colocou uma capela de palma verde, ao mesmo tempo que lhe pôs uma palma na mão para que assim laureado bem mostrasse ser vencedor de tamanho feito. Por ordem do mesmo Governador, todos quantos com ele vinham levaram capelas de rama miúda na cabeça.

Abriam o cortejo folias, pélas, figuras de gigantes, danças de amazonas e vilãos, momos, diabretes e outras coisas de folgar. Seguiam-se os bombardeiros, com seus bota-fogos, a gente do mar, com lanças e rodelas de vinte tiros de metal carregados e carretas com pólvora, pelouros, panelas entre duas alas de gente com muita espingardia que ia disparando e com seus pífaros, tambores, guiões, trombetas e charamelas, o que tudo produzia surpreendente efeito. Vinham depois dois carros com almadias, vaivens, tavolado e mais apetrechos do arraial…

 

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O  NAUFRÁGIO  DA  NAU  «CONCEIÇÃO»

 

Cochim, 20 de Janeiro de 1557

 

Acabam de chagar aqui os sobreviventes da nau Conceição, que se perdeu, há dois anos, nos baixos de Pero dos Banhos. Vieram trazidos numa embarcação que lhes forneceu o Rei Cananor. Contam episódios extraordinários e comoventes de tudo quanto passaram depois que o mar lhes despedaçou a nau em que saíram de Lisboa.

 

(…) Garantido deste modo o sustento dos náufragos por algum tempo, foi seu primeiro cuidado construírem um barco com que pudessem safar-se daquela ilha perdida no meio do mar. Quis Nosso Senhor que à paria fosse dar um pedaço do chapitéu da nau, com o que houveram madeira para construir embarcações em que coubessem sessenta ou setenta pessoas. Fizeram primeiro uma jangada com que foram à nau buscar mais madeira e, dentro em pouco, sob a direcção de um marinheiro, a quem chamavam Braz Gonçalves, começou a construção do navio. De uma espada se fez uma serra. Para isso um ferreiro e um sapateiro que ali se encontravam, com uma cana da Índia e umas peles que o mar botara for a, improvisaram um fole, e assim todos se lançaram ao trabalho e, ao cabo de dezasseis dias, estava pronto o barco, com seus mastros e vergas e tudo o que era necessário para navegar.

 

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CONSPIRAÇÃO  CONTRA  D.  JOÃO  IV

 

Lisboa, 30 de Agosto de 1641

 

 (…) No Rossio se armara o teatro ou patíbulo, que comunicava por um passadiço com umas das janelas baixas da casa em que os condenados se encontravam. Sobre o patíbulo estavam colocadas quatro cadeiras: uma, assentava num estrado com três degraus, que era para o Duque; outra, com dois, para o Marquês; a terceira, com um degrau apenas, era para o Conde de Armamar; e a de D. Agostinho estava colocada no pavimento. Assim se teve conta, até o último momento de vida, a jerarquia dos conspiradores.

Ontem, 29, logo ao romper da manhã, formou, no Rossio, o Terço da Ordenança, comandado pelo coronel D. Francisco de Noronha. Os desembargadores reuniram-se no Palácio da Inquisição, para deferirem, com brevidade, aos embargos que os condenados interpusessem; mas estes, reconhecendo já inúteis todos os remédios humanos, entregaram-se apenas aos que convinham à salvação de suas almas. Informam-nos de que praticaram todos os actos de verdadeiros católicos, com demonstrações de arrependimento.

Muito antes do meio-dia já a praça estava coalhada de gente, que se comprimia para presenciar o triste espectáculo daquela castigo tão merecido.

À uma hora apareceu sobre o passadiço o Marquês de Vila Real, que, acompanhado dos corregedores do crime da Corte e outras justiças, de alguns irmãos da Misericórdia e dos seus criados, se dirigiu para o lugar do suplício. Vinha de capuz, com as mãos levantadas e os dedos polegares atados com uma fita negra. O Rei de Armas de Portugal, de cota vestida, ditava o delito ao porteiro.

 

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A  DEPOSIÇÃO  DE  D.  AFONSO  VI

           

Lisboa, 23 de Novembro de 1667

 

(…)  Mas o Rei tomou conhecimento destes dizeres, entrou em desordenada fúria; meteu-se no coche que o esperava para o levar ao campo e mandou marchar para o convento [da Esperança]. Uma vez ali, ao ver que a Madre Superiora não acedia a abrir a porta, conforme ele ordenara, começou a bradar, de dentro da carruagem:

– «Trazei machados! Trazei machados para arrombar as portas!».

Queria levar por força a Rainha.

Evitou maior escândalo a chegada precipitada do Senhor Infante, que, informado do que se passava, acorreu do Côrte-Real à Esperança, acompanhado de muitos fidalgos, entre os quais o Ex.mo Marquês de Fronteira, que, vendo seu cunhado, o Ex.mo Conde da Vidigueira, a bater furiosamente a um dos portões do convento e a pedir machados, como o soberano mandara, lhe disse, muito exaltado:

– «Os machados não se hão-de lançar à porta da clausura, mas à cabeça de quem os trouxer!».

            Sua Alteza então, pondo-se de joelhos, pediu a seu irmão que desistisse de tão louco intento e regressasse ao palácio, onde, junto com o Conselho de Estado, se disporiam as coisas à conveniência e à honra de Sua Majestade. Sossegou um pouco El-Rei; meteu-se no coche com o Senhor Infante e tornou para o Paço.

 

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A  DEPOSIÇÃO  DE  D.  AFONSO  VI  (Cont.)

           

Lisboa, 24 de Novembro de 1667

           

(…) Nisto, ouviu-se gritar que «haviam morto El-Rei dentro do palácio»… Correrias, gritos, imprecações. As mulheres choravam, os homens enfurecidos, corriam em direcção ao Paço. Dentro em pouco, juntou-se na praça tal multidão que não se podia romper. Eu tomei pelo Arco do Oiro para ver se conseguia entrar por aí no palácio. Ganhei a porta que fica por trás da Ermida, e não tardou que me encontrasse na Sala dos Tudescos. Então presenciei a cena mais extraordinária de toda a minha vida.

Subi direito aos quartos de El-Rei. Já muita gente lá estava em cima. Grande borborinho. Na porta secreta para a câmara real, o Sr. D. João Teles da Silva, com alguns soldados, atava os fechos com cordas porque a porta não tinha a chave por fora. À outra porta chegava o Ex.mo Marquês de Marialva, e ele mesmo a fechava com a chave que tirara da mão de António de Perêda e foi-se para outro lugar. Seguiu-o, disfarçado com outros criados, para não perder de vista o mais que ia suceder. Do outro lado do quarto de El-Rei, o Senhor Infante, acom­pa­nha­do de seus conselheiros, o Sr. D. Rodrigo de Menezes, o Duque de Cadaval, O Marquês de Fronteira e os marqueses acima citados, de muitos outros títulos, do Senado da Câmara e de bastante povo, que se atrevera a entrar no Paço, acabava de fechar ele próprio as outras portas do aposento real e dava as suas primeiras ordens como Regente do Reino.

 

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FUGA  DO  INFANTE  D. MANUEL

           

Lisboa, 6 de Novembro de 1715

 

(…) Supõe-se que fosse ainda noite fechada quando Sua Alteza, aproveitando o sono em que a Côrte jazia, de combinação com o seu fiel reposteiro João Henriques do Bem e com um criado inferior, de nome João Pedro, saiu do seu quarto pela janela e ganhou a liberdade. Na rua, esperava-o numa sege o Sr. D. Manuel Teles, na qual todos se meteram e seguiram, velozmente, em direcção a Pedroiços. Clareava o dia e gente que se dirigia para a cidade, a essa hora matutina, confirmou ter-se cruzado com a sege dos fugitivos. Mas estava bem longe de supor que dentro dela seguia clandestinamente um irmão de El-Rei Nosso Senhor.

Chegados ao Convento de Santa Catarina de Ribamar, quis o Senhor Infante ouvir missa. Como era frequente a ida do mesmo Senhor ali, a sua presença não levantou suspeitas. Se alguns dos frades sabiam o destino que Sua Alteza levava, fingiram muito bem ignorá-lo… E a sege prosseguiu viagem em direcção a Caxias.

Ora, próximo desta praia estacionava, prestes a fazer-se à vela, a galera inglesa, de seis peças, de nome «Fénix», de que é capitão Mateus Lind e que leva um carregamento de fruta para Amsterdão. Tudo estava industriosamente combinado para que a galera, mal recebesse a bordo Sua Alteza, largasse a todo o pano a caminho do mar. Como fôra feita essa combinação é que não se conseguiu ainda saber, mas suspeita-se da intervenção de certo frei Caetano, que entrava por portas travessas no quarto do Senhor Infante, e de cuja intimidade o Sr. Marquês de Alegrete nos confessou que já procurava desviar seus sobrinhos (…). Quem podia, porém, suspeitar que se tramava coisa de tanto vulto?

 

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TROCA  DE  PRINCESAS  NO  CAIA

           

Elvas, 18 de Janeiro de 1729

 

(…)  Domingo, às 6 da manhã, foram Suas Majestades e Altezas ouvir missa à igreja da Conceição. Entretanto, os tenentes-coronéis D. Tomaz de Aragão e Luiz Bívar dispunham a marcha do cortejo que ia seguir para Elvas da seguinte forma: uma partida de 15 cavalos, com seus alferes, 24 trombetas e atabaleiros, os cavalos de mão de El-Rei, dos Príncipes e Infantes, 12 postilhões do Gabinete, 170 carruagens da Casa Real – se­ges, berlindas, estufas e coches – um esquadrão da guarda, composto de 500 cavalos, e muitos nobres, comunidades de Évora e particulares que seria impossível enumerar.

Durante todo o percurso, multidão de gentes dos arredores acorreu a ver aquele espectáculo magnífico e a implorar piedade das pessoas reais, que atendiam todos os que lhes aproximavam com maior bonomia. Na Atalaia dos Matos, a duas léguas de Elvas, estava o Ex.mo Senhor Marquês de Abrantes no seu paquebote puxado a seis mulas, vindo de Madrid, donde acompanhara o cortejo dos Reis Católicos. Depois eram filas ininterruptas de esquadrões de infantaria e cavalaria a fazerem a guarda de honra às Majestades até os muros da cidade.

 

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TROCA  DE  PRINCESAS  NO  CAIA  (Cont.)

 

Elvas, 19 de Janeiro de 1729

 

(…) Abriram-se as portas de ambos os lados e entraram ao mesmo tempo os Reis e Príncipes das duas Nações. Foi um momento soleníssimo em que me senti comovido, pois não creio que a História registe concurso tão numeroso de pessoas reais como este.

O meu primeiro cuidado foi examinar a família de Espanha.

O Rei Felipe V traz um aspecto melancólico, acabrunhado, aparentando mais idade do que tem, mas sorri, afável, para o Soberano português e examina-o atentamente. A Rainha Isabel, pelo contrário, com um ar altivo e majestoso, mostra uma desenvoltura e contentamento que domina toda a cena. Está ainda formosa, bem conservada, mal se percebendo as marcas das bexigas, e veste com muita elegância, apesar de demasiadamente nutrida. O seu olhar vai incessantemente da Princesinha sua filha para a Princesa das Astúrias.

            Que dizer da Ser.ma Princesa do Brasil senão que ela excede em graça e beleza tudo quanto podíamos imaginar? El-Rei Nosso Senhor não tira os olhos dela e lê-se-lhe no semblante a ternura que desde este momento fica tendo pela nora. A Senhora D. Mariana Vitória não sabe se há-de sorrir se há-de chorar e mira o noivo, que lhe fica em frente, com um misto de curiosidade e de admiração. Embora tenha onze anos, é pequenina de tamanho, seus olhos todavia revelam a ponderação e perspicácia de quem tem mais idade.

            Sua Alteza o Príncipe das Astúrias é triste como seu pai, e alia a um garbo próprio da sua estirpe o aspecto franzino de quem não tem muita idade. Mas é simpático e atraente a mais não poder ser.

 

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A  EXECUÇÃO  DOS  TÁVORAS

 

Lisboa, 13 de Janeiro de 1759

 

(…) Madrugada fria e chuvosa, a que o eclipse da lua veio dar mais triste aspecto. Tropa em redor do cadafalso e nos caminhos próximos, para revistar e apalpar os transeuntes. Parece que temiam qualquer surpresa.

(…) Seguiu-se o suplício de José Maria de Távora, filho segundo dos Marqueses. Voltaram a cadeirinha e os dragões a buscá-lo. Vi apear-se um moço de vinte e poucos anos, loiro, gentil, levado entre dois frades arrábicos, meio desfalecido. Ao ser apresentado ao povo, falou. Não pude entender suas palavras, todavia vi lágrimas nos olhos de muitos que o escutaram.

Estenderam-no numa aspa para lhe quebrarem os ossos ao mesmo tempo que o garrotassem, o que abreviaria o suplício. Mas a corda que o carrasco principal apertava, antes de o asfixiar, estalou, e o pobre jovem sofreu horrorosamente primeiro que a maça de ferro, com que os outros algozes lhe esmigalhavam as canas dos braços e das pernas, lhe dilacerasse as carnes até lhe tirar a vida.

Confesso que me ia falecendo o ânimo para continuar a presenciar aquele espectáculo, que não cuidava nesta época pudesse ser visto.

 

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ENTREVISTA  COM  O  MARQUÊS  DE  POMBAL

 

Lisboa, 10 de Junho de 1775

 

– «O Senhor Marquês de Pombal quer falar ao País e ao Mundo, e para isso deu-nos a ines­ti­mável honra de escolher a nossa gazeta para seu porta-voz. Ficou assente Vossa Mercê apresentar-se amanhã, pelas 8 horas, na Secretaria de Estado, para ouvir Sua Excelência. Seja pontual e esteja atento». Foi em virtude destas palavras, ditas em tom imperativo pelo director do jornal, que me apresentei, ontem de manhã, à hora indicada.

(…) Achei o Senhor Marquês com a sua bela presença de sempre; na testa, uma ruga do peso das responsabilidades e do trabalho, que não dos anos; e o olhar severo e dominador que toda a Europa conhece, tanto pelos despachos de seus ministros acreditados nesta Côrte, como pela fama que do seu génio se tem espalhado, génio que o seu olhar traduz.

Mal me abeirei da sua banca de trabalho, mirou-me através dos vidros da luneta, indicou-me que me sentasse e disse-me:

–  «Pegue na sua pena de lápis e escreva».

Tentei proferir duas palavras sobre a minha missão, chegar à primeira pergunta, que levava arquitectada…

– «Ex.mo Senhor…»

Mas o Senhor Marquês não me deixou prosseguir. Sem levantar os olhos dos papéis que tinha em frente, acariciando com a mão esquerda a Cruz de Cristo, de brilhantes e rubis, pendente da volta de rendas brancas sobre o colete de seda amarela, principiou o seu discurso.

 

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ACLAMAÇÃO  DE  D. MARIA I

 

Lisboa, 14 de Maio de 1777

 

Dia sob todos os aspectos formosíssimo foi o de ontem em Lisboa. As ruas inundadas de foras­teiros, o Tejo coalhado de embarcações embandeiradas; alegria em todos os rostos, animação por toda a parte. Há quantos anos se não respirava tamanha felicidade nesta capital?

Quando chegámos ao Terreiro do Paço já nele se comprimia uma multidão de gente das mais variadas condições, não só de Lisboa e arredores, mas vinda de terras mui distantes para presenciar a grande solenidade da Aclamação e as festas que se vão seguir. Quatro regimentos de infantaria se formaram em batalha, na dita real praça, fazendo frente para a varanda.

Esta, onde teve lugar a cerimónia, é uma obra magnificente, erguida onde eram os antigos Paços da Ribeira. Delineou o seu risco felicíssimo o sargento-mor Mateus Vicente de Oliveira e compõe-se duma galeria com vinte e oito arcos, rematada ao norte e sul por dois corpos de nobre arqui­tectura com escadarias repartidas em tabuleiros por onde se sobe para a Varanda. Mede esta galeria 473 palmos de comprido por 45 de largo e está adornada exteriormente com figuras alegóricas, trofeus, medalhões e festões de seda de soberbo efeito, e interiormente com sanefas de veludo carmesim franjadas a oiro, alcatifas de França de riquíssima qualidade e painéis no tecto de surpreendente pintura.

Ao fundo da galeria, o trono para Suas Majestades, ornado de seda e talha sobre-doirada, de tão primoroso artifício que não se torna possível descreve-lo.

 

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PARTIDA  DA  FAMÍLIA  REAL  PARA  O  BRASIL

 

Lisboa, 29 de Novembro de 1807

 

(…) Sabendo o povo de Lisboa que a Família Real havia de embarcar anteontem nas naus que a transportam à América, acorreu às imediações da Ajuda e de Belém para se despedir, saudoso, dos seus amados Soberanos.

A primeira carruagem da Casa que chegou ao cais transportava o Príncipe Nosso Senhor e o Infante D. Pedro Carlos. Era meio-dia. Nem o piquete de cavalaria nem guardas acompanhavam Suas Altezas. A multidão, ao ver apear-se o Sereníssimo Príncipe D. João, precipitou-se sobre ele com mos­tras de entranhado amor e da mais viva saudade. Sua Alteza Real pedia, por acenos, que se afastassem para poder ganhar o escaler, mas ao mesmo tempo chorava copiosamente, revelando assim o quanto lhe custava afastar-se deste seu Reino, abandonar os seus fiéis vassalos.

Chegou depois a Rainha Nossa Senhora, a quem o povo não via há cerca de dezasseis anos. Parece que a razão se lhe desanuviou com a partida, pois há quem diga ter ouvido Sua Majestade dizer para o cocheiro: – Não tão depressa que pensarão que vamos fugidos. Foi transportada para uma cadeirinha que a levou ao escaler.

A seguir, a Sereníssima Princesa viúva D. Maria Benedita e a Senhora Infanta D. Maria Ana. Por fim, a Sereníssima Princesa do Brasil, acompanhada de todos os seus filhos, de duas camareiras-mores e de uma aia de leite.  

 

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O  HOMEM  DAS  BOTAS

 

Santarém, 5 de Dezembro de 1811

 

Santarém está em festa porque acaba de reaver o maior tesouro que se guardava dentro das suas muralhas: – a Sagrada Partícula que foi objecto do Santo Milagre, o qual teve lugar há mais de 500 anos, e que era pertença desta vila. Os lisboetas não no-la queriam ceder, mas graças ao logro em que caíram, foi-nos finalmente restituída aquela preciosidade, que é nossa e bem nossa e que há oito meses reclamá­vamos nos fosse entregue.

(…) Libertos [Santarém], portanto, daqueles malvados [tropas de Massena], quisemos logo que o Santo Milagre nos fosse restituído. Os lisboetas é que não queriam consentir em tão legítima resti­tuição! Era boa a vontade das autoridades civis e eclesiásticas, do Patriarcado e dos Governadores do Reino. Temia-se, porém, a revolta do povo, que proclamava haver de opor-se por todos os modos à saída do Santo Milagre.

Ora ele era nosso e Lisboa tinha de no-lo restituir quanto antes.

Cerca de oito meses durou esta polémica, com troca de ofícios, conferências e outras tentativas infrutíferas, até que as autoridades da capital tiveram uma ideia luminosa, simples como o ovo de Co­lombo e cuja eficácia só podia falhar se fosse cometida alguma indiscrição.

Na manhã de sábado, 30 de Novembro, apareceu, afixada pelas esquinas de Lisboa, a seguinte

Notícia  ao  Público  –  Um oficial do exército britânico, tendo apostado 500 libras esterlinas que há-de passar a travessa do rio Tejo, na segunda-feira que vem, à uma hora depois do meio-dia, em um par de botas de cortiça, principiando o seu passeio pela Torre de Belém e daí à Torre Velha.

 

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É  ENFORCADO  GOMES  FREIRE

 

Paço de Arcos, 18 de Outubro de 1817

 

(…) Passa-se o portão da fortaleza. O sol doira as ondas do Tejo. O vento abrandou. Cá fora o povo é contido a distância por cinco companhias do 19. Novo incidente. Os magistrados estão rece­osos de qualquer sedição para salvar o condenado e pedem ao coronel Amaral que dê a voz de «meia volta à direita» para que os soldados virem costas ao patíbulo. O prestígio de Gomes Freire podia ainda revoltá-los. Porém, Amaral respondeu altivo:

– «Não faço essa injúria a bravos que tantas vezes encararam o inimigo sem nunca lhe voltar as costas».

O tenente-coronel Roberto Haddock chora e os soldados choram também. Eu mal retenho as lágrimas e um tremor se apodera de mim. Pela primeira vez assisto a uma pena capital – oxalá seja também a última – e para mais de uma pessoa de tal envergadura como Gomes Freire. Mas domino-me e continuo a presenciar o terrível drama, para dele dar boa conta aos meus leitores. Deveres do ofício...

O condenado sobe os degraus do patíbulo. Sussurro na populaça, que o enxerga agora melhor. Rodeiam-no sacerdotes e oficiais de justiça. Gomes Freire vai falar. Oiço as suas primeiras palavras:

– «Amei sempre a Pátria  e nunca fui traidor. Perdoem-me todos, e vocês soldados, que foram sempre a minha gente, continuem a servir a Pátria como sempre a serviram os portugueses…»

Depois, a voz perdeu-se por entre as preces dos frades, que a abafaram por completo.

O carrasco eleva-o, passa-lhe a corda… Não posso ver mais! Quando torno a olhar, o corpo de Gomes Freire baloiça já sem vida.

 

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A  MORTE  MISTERIOSA  DO  MARQUÊS  DE  LOULÉ

 

Salvaterra, 1 de Março de 1824

 

Começou a correr ontem à tarde, em Lisboa, a notícia de que aparecera morto, num pátio do Palácio de Salvaterra, onde a Família Real e a Côrte se encontram a passar a época do entrudo, o Estri­beiro-mor de El-Rei, Senhor Marquês de Loulé. Quem trouxera a má nova foram uns forasteiros de Alcochete que atracaram junto do Cais dos Soldados e que asseveravam ser corrente no Ribatejo a versão de que o senhor Marquês fôra assassinado!

(…) – «Quem deu pelo desastre… ou pelo crime?» – perguntei eu, ainda pouco satisfeito com o muito que já ouvira.

– «Foi o Rafael Martins, o reposteiro que estava ao serviço do Marquês de Loulé. Esperou o amo até à meia-noite e, como ele não aparecesse, deitou-se vestido. Pela manhã, já em cuidado, foi procurá-lo e deparou com o triste espectáculo que sabe. O Marquês estava estirado de costas, sobre o entulho. A cabeça ensopada em sangue, os braços abertos em cruz, e numa das mãos ervas mal compri­midas, agarradas não se sabe onde… Aqui começa o mistério!…»

(…) Tínhamos chegado ao vão, ou saguão, onde fôra encontrado o cadáver do Marquês de Loulé. É um quadrilátero que outrora foi sala e que o incêndio que destruiu o palácio velho, em 1817, reduziu a um montão de ruínas. Esta parte está por reedificar, por isso aquela sala é hoje um pátio sujo, ao ar livre, e para onde as portas do primeiro andar estão abertas como se fossem janelas, mas sem grades. Um perigo.

 

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MORTE  E  SUCESSÃO  DO REI  D. JOÃO  VI

 

Lisboa, 11 de Março de 1826

 

Faleceu ontem, pelas 4 horas e quarenta minutos da tarde, Sua Majestade Imperial e Real o Senhor D. João VI, Nosso Senhor.

Se a notícia da morte de tão bondoso Monarca vai encher de luto coração dos portugueses, a perspectiva sombria do problema da sua sucessão suscita graves apreensões no espírito de todos os que amam desinteressadamente a sua Pátria.

Causou uma dor profunda mas não constituiu surpresa o desaparecimento do nosso amado Soberano. Desde há tempo que era precário o seu estado de saúde. À inchação das pernas, que muito atormentava Sua Majestade, juntavam-se os mil cuidados e desgostos que ultimamente dilaceravam o seu amantíssimo coração de pai e de Rei. Sobretudo, desde os tristes sucessos de 1824.

(…) Entretanto agravava-se a moléstia de El-Rei. No dia 9 do corrente, pelas 6 horas da tarde, foi Sua Majestade acometido de novo insulto nervoso, felizmente de pouca duração. Passou a noite bastante sossegado e na manhã do dia 10 as melhoras pareciam querer acentuar-se; porém, às 8 e meia, teve um delíquio que durou dois minutos e que inspirou sérios cuidados. À uma e dezassete, novo insulto nervoso; depois outro, às 2 horas. Por fim, tornaram-se muito frequentes. A partir das 3, começou El-Rei Nosso Senhor a padecer grandes ansiedades, até que, às 4 e vinte e cinco, foi acometido de uma síncope, depois da qual não tornou a si.

Às 4 e quarenta, conforme dissemos, deixava Sua Majestade de existir, tendo sido a morte verificada pelas experiências eléctricas.

 

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OS  TUMÚLTOS  DO NATAL

 

Lisboa, 26 de Dezembro de 1861

 

(…) À tarde recrudesceram os tumultos. Cerca das 4 horas, correu de novo muita gente para o Terreiro do Paço.

(…) Aumentando de momento a momento a multidão e exacerbando-se cada vez mais os âni­mos, saiu do Quartel do Carmo uma força da Guarda Municipal, de 100 baionetas e 50 cavalos, comandada pelo Sr. brigadeiro Bravo. Formou na Praça pacificamente, mas o clamor não cessou. Pelo contrário: a população parecia mais excitada ainda, em virtude de que a força se transferiu para o Largo do Pelourinho.

Como aumentasse a clamor e a exaltação chegasse ao ponto de vários grupos invadirem as escadas e algumas salas da Secretaria da Fazenda, voltou a guarda para a Praça, escorvou e carregou as armas, sem que, todavia, pudesse dispersar o povo. Este gritava que havia de ir às Necessidades, pelo que o brigadeiro Bravo mandou que a guarda a cavalo seguisse também para o Paço.

(…) Parte daquela gente, encontrando o Sr. Conde da Ponte, que saía do Paço, maltratou-o cruelmente, dando-lhe muita pancada e fazendo-lhe cinco feridas na cabeça, uma num braço e uma contusão nas costas. Quando a Guarda Municipal acudiu e fez um muro de baionetas em redor do Sr. Conde, já era tarde para evitar que ele fosse ferido; evitou, todavia, que acabassem por matá-lo. Reconduzido ao Paço, ali se acha em tratamento. Era intuito daquele titular dirigir-se a casa onde, segundo lhe disseram, o povo apedrejava as janelas e insultava a sua família.

 

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CHEGADA  DOS  HERÓIS  DE  ÁFRICA  A  LISBOA

 

Lisboa, 21 de Janeiro de 1896

 

(…) Portugal vive horas de intenso júbilo, do mais legítimo orgulho nacional, levados à maior intensidade quando à Metrópole chegou a notícia de que finalmente havia sido preso o temível Gungunhana.

Sabido que o Zaire devia entrar anteontem no Tejo, trazendo a seu bordo grande parte dos expedicionários e dos chefes gloriosos que os conduziram à vitória, tudo se preparou – da parte do elemento oficial e do público – para lhes dispensar condigna recepção.

Domingo de manhã, toda a cidade se apresentou embandeirada e nas ruas por onde os expe­di­cionários haviam de desfilar viam-se colchas pelas janelas e grande movimento de lisboetas e forasteiros que acorreram a presenciar as festas em sua honra. Por sobre o arco da Rua Augusta, lia-se a seguinte inscrição: - «A Pátria vos saúda» (…).

O dia estava lindo, como se a Natureza quisesse associar-se à alegria nacional. Muito antes das duas, já enorme multidão pejava as Ruas do Arsenal e do Ouro, as Praças do Comércio e de D. Pedro, e a Avenida da Liberdade até o Quartel do Vale de Pereiro. Ao mesmo tempo inúmeras embarcações se dirigiam para Paço de Arcos, a fim de comboiarem o Zaire até à ponte do Arsenal.

Era uma e meia quando se avistou aquele transporte, seguido do Duque da Terceira, da canho­neira Liberal, do Mandovi, do Faro, do Vitória do Sr. Burnay, do D. Afonso, da Companhia dos Caminhos de Ferro do Sul, que trazia a bordo a charanga de engenharia, todos estes barcos e muitos outros cheios de convidados que não cessavam de vitoriar os heróis que regressavam à Pátria.

 

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