A ocupação do continente americano à luz dos novos dados genéticos e o sensacionalismo midiático

Por JuCa // Publicação original em 09/11/2018, última atualização em 30/03/2021

Novos dados corroboram a ideia de que a genética ameríndia já estava presente em grupos paleoíndios, mas o registro arqueológico como um todo deve ser considerado para entender essa história.

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A rota de vários dos primeiros grupos humanos que chegaram no continente americano foi o estreito de Bering.

Dia 08 de Novembro de 2018, foram publicados dois artigos científicos – um na revista prestigiada revista Science e outro na também prestigiada revista Cell – que geraram muito material para a mídia jornalística usufruir e, como é de costume, distorcer boa parte do discurso científico com matérias cujas manchetes são bastante sensacionalistas (com algumas exceções de algumas poucas reportagens muito bem elaboradas).  Mas afinal, o que foi realmente que os cientistas publicaram?

Os novos dados genéticos de povos paleoíndios e a “reconstrução” de sua história

Os novos artigos publicados apresentam dados da análise genética de mais de 60 esqueletos (alguns deles perdidos recentemente no incêndio do Museu Nacional) datados do final do Pleistoceno e do Holoceno Médio (entre 13 mil e 5 mil anos atrás, aproximadamente) e indicam dados bastante similares. Os dois artigos defendem que há similaridades de traços genéticos entre os primeiros grupos paleoíndios e os grupos ameríndios.

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Reconstituição artística da caça durante o período paleoíndio.

Paleoíndio é como são chamadas as culturas arqueológicas do continente americano que antecedem o advento da agricultura e cerâmica, geralmente datados entre 13 mil e 5 mil anos, sendo que alguns poucos sítio arqueológicos (como os da região de Lagoa Santa) mostram uma persistência desse grupos até cerca de 1 mil anos atrás.

Ameríndio é como são chamadas as culturas arqueológicas do continente americano cujos traços culturais remetem a atividades horticultoras e a presença de  indústrias cerâmicas, que se espalharam pelo continente há menos de 4 mil anos atrás, ainda que alguns poucos sítios arqueológicos apresentem evidências que remontem a até 6 mil anos atrás na Amazônia. Basicamente, esses traços culturais ameríndios são aqueles que também observamos na grande maioria das populações indígenas existentes atualmente e nas outras registradas nos últimos séculos desde a chegada dos europeus a partir do ano de 1492.

Em resumo, os artigos mostram que os grupos paleoíndios já possuíam a genética que os grupos ameríndios apresentavam (e ainda apresentam). Ainda que diferenças possam ser apontadas no genes paleoíndios e ameríndios e diversas linhagens tenham surgido desde o primeiros paleoíndios, a similaridade genética ainda é maior entre paleoíndios e ameríndios do que entre paleoíndios e outros grupos humanos de fora do continente americano. Os novos dados são extremamente importantes para a arqueologia do nosso continente.

Essa descoberta não é exatamente inédita, ao contrário do que muitos jornais tem divulgado. Outros artigos científicos já apresentaram dados de genoma de populações paleoamericana e que chegavam a essa mesma conclusão, incluindo dados de esqueletos do Alaska, e até mesmo do único esqueleto supostamente Clovis, de modo que estes novos artigos apenas corroboram para esta ideia, comparando os novos dados com os dados anteriormente publicados e ampliam a nossa gama de conhecimento acerca da ocupação inicial do continente americano.

Um problema por trás dos novos artigos, ou mais especificamente daquele publicado na revista Cell, é o seu título “Reconstructing the Deep Population History of Central and South America” (em português: Reconstruindo a História Profunda da América Central e do Sul). O titulo lembra aquelas manchetes sensacionalistas de jornais, e quem não lê o artigo de fato leva a crer que absolutamente tudo o que a ciência já recuperou dessa história é inválido. E isso está longe de ser verdade, principalmente pelo fato de que o artigo não leva em consideração nenhuma das inúmeras evidências arqueológicas que construíram a história das populações humanas que habitaram o continente desde há pelo menos 20 mil anos atrás. Infelizmente, os artigos tentam reconstruir essa história considerando a Cultura Clovis (datada entre 13,2 e 12,5 mil anos atrás) como ponto inicial da ocupação das Américas – algo que já foi refutado e superado pela maioria dos arqueólogos.

Ainda que o DNA seja um tipo de evidência arqueológica muito importante, não se pode excluir as demais evidências, principalmente as culturais, para a construção (ou reconstrução) da história de um povo ou de vários grupos humanos. E estes novos artigos estão muito longe de reconstruírem a história humana no continente americano, uma vez que as discussões dos artigos tentam refutar apenas os resultados das evidências de morfologia craniana.

Mas o que dizem os dados da morfologia craniana?

Cerca de 20 anos atrás, o bioantropólogo brasileiro Dr. Walter Neves (fundador e ex-coordenador do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos, IB-USP), a partir da análise dos crânios das populações pré-históricas da região de Lagoa Santa (Minas Gerais), percebeu que os crânios das primeiras populações do continente americano não se assemelhavam àquelas dos grupos indígenas mais recentes – os grupos ameríndios. Na verdade, os crânios destes indivíduos, incluindo Luzia, eram muito mais similares com os crânios de populações contemporâneas do continente africano e da região da Melanésia (Austrália a ilhas próximas). Em algum momento parece haver uma substituição na população em termo biológicos. Os crânios de morfologia africana/melanésia desapareceram e surgiram os ameríndios. Com o passar dos anos novas pesquisas realizadas por Neves, colaboradores e outros autores vieram a corroborar todos estes dados.

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Exemplo de crânio com alguns dos pontos anatômicos usados como referência para medições e análise da forma.

Essa similaridade entre paleoíndios, africanos e melanésios em termos da morfologia craniana jamais foi questionada, nem mesmo pelos novos artigos sobre genética. O que estes novos artigos desafiam é o modelo proposto por Neves para ocupação do continente. Para Neves, a ocupação do continente teria ocorrido, inicialmente, no final do Pleistoceno, de povos que saíram da África, passaram pela Ásia (onde parte dessa população ficou), passaram pelo estreito de Bering e chegaram na América do Norte e consecutivamente foram descendo o continente. Uma segunda onda migratória teria ocorrido milhares de anos depois, de povos vindos da Ásia que já possuíam crânios com morfologia similar a dos asiáticos atuais. Estes asiáticos teriam chegado no continente americano também passando pelo estreito de Bering e teriam dado origem aos povos ameríndios.

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Foto antiga de um homem Botocudo.

Os dados genéticos contradizem esse modelo, uma vez que indicam que os grupos que chegaram há cerca de 13 mil anos já possuíam genoma ameríndio. Mas ainda não explicam a razão de serem fenotipicamente distintos. Ou seja, se o genoma paleoíndio e o ameríndio são tão similares, porque os crânios são tão diferentes? Certamente alguns dos coautores destes artigos (ou pelo menos alguns deles) reconhecem  este problema, já que também participaram destas análises de morfologia craniana.

Afinal, nem sempre genética e morfologia craniana vão fornecer dados equivalentes (e não precisam). A forma do crânio é apenas um dos traços fenotípicos proporcionados pelo genótipo.  Veja só o exemplo que os Botocudos nos proporcionam: Eles eram  culturalmente ameríndios, apresentavam a morfologia africana/melanésia, e ainda tinham traços de DNA polinésio. A genética por si só não conta, ou “reconstrói” toda essa história.

Mas e quanto às demais evidências arqueológicas?

Sítios arqueológicos ainda mais antigos, mas que não há esqueletos preservados, comprovam que o continente americano já vem sendo ocupado muito antes de Clovis. A região da Serra da Capivara, no Piauí, concentra sítios arqueológicos como o Boqueirão da Pedra Furada e a Toca da Tira Péia, com artefatos de pedra lascada simples (seixos lascados) que remontam a até pelo menos 22 mil anos (8 mil anos antes de Clovis). Mas existem evidências de até 50 mil anos nestes mesmos sítios.

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Exemplos de artefatos de pedra lascada datados em 20 mil anos na região da Serra da Capivara.
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Adornos de colar feitos em osso de preguiça gigante, datados em 20 mil anos, no sítio Santa Elina, Mato Grosso.

O sítio arqueológico Santa Elina, no Mato Grosso, apresenta artefatos de pedra lascada (lascas retocadas de calcário) e até mesmo adorno de colares produzidos por polimento em ossos de preguiça gigante. O sítio data em pelo menos 25 mil anos (10 mil anos antes de Clovis).O sítio Monte Verde, no Chile, apresenta artefatos bastante similares àqueles encontrados na Serra da Capivara, e data de pelo menos 18 mil anos (3 mil anos mais antigo que Clovis).

Mais recentemente, foi descoberto o sítio Chiquihuite Cave, com artefatos líticos simples, em calcário, de até 33 mil anos atrás.

Os sítios Gault e Friedkin, no Texas, Estados Unidos, apresentam uma ocupação densa da Cultura Clovis. Mas também apresentam vestígios de uma ocupação ainda mais antiga com presença de pontas pedunculadas produzidas sob uma tecnologia lítica muito distinta de Clovis, que data em até 7 mil anos antes de Clovis. Sem contar nos inúmeros sítios com presença de artefatos conhecidos como “Folhas de Louro” encontrados em sítios no leste da América do Norte e que possuem uma ancestralidade clara na cultura Solutreense da Europa, dada a similaridade tecnológica.

Estes são apenas alguns exemplos de sítios arqueológicos que apresentam evidências que descartam qualquer modelo de ocupação inicial da América que considere Clovis como a primeira cultura arqueológica do continente, ou que o continente só tenha sido ocupado há pouco menos de 15 mil anos. Ou seja, independente de quantas ondas migratórias de povos vindos por Bering tenham ocorrido, independente de seu genótipo, independente do seu fenótipo, a história do início da ocupação do continente é ainda mais antiga, e não pode ser resumida àquilo que apenas os vestígios biológicos nos dizem. Existe uma história de mudanças e persistências culturais que começou há mais de 20 mil anos.

Então qual é o modelo correto de ocupação das Américas?

A chegada dos humanos no continente americano pelo estreito de Bering é indiscutível. As pessoas definitivamente atravessaram a região em algum momento pouco antes da Cultura Clovis se espalhar pela América do Norte e diversas outras culturas arqueológicas se espalharem pelo resto do continente. E é bem provável também que as pessoas não tenham atravessado esse estreito apenas uma vez, de modo que elas poderiam ir e vir por essa rota várias vezes ao longo de milênios. Se diversos animais da Megafauna já haviam feito isso antes, o que impede os humanos de terem realizado a mesma façanha?

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Exemplos de artefatos conhecidos como “Folha de Louro” encontrados em sítios da cultura Solutreense, no sudoeste Europeu, datados entre 22 e 18 mil anos atrás.

Também há agora evidências que apontam uma segunda rota de chegada no continente americano. Essa outra rota é uma hipótese elaborada com base em diversos dados da tecnologia lítica e até mesmo de estudos genéticos (os quais não foram discutidos nos artigos publicados esta semana). Estudos conduzidos pelos arqueólogos Dr. Dennis Stanford (Smithsonian Institute) (in memoriam) e Dr. Bruce Bradley (University of Exeter) mostram que as Folhas de Louro encontradas em sítios de até 20 mil anos no leste dos Estados Unidos são tecnologicamente idênticas às Folhas de Louro da Cultura Solutreense no sudoeste Europeu que remonta em até 22 mil anos, indicando uma ancestralidade em termos culturais. De alguma maneira, a tecnologia Solutreense chegou na América do Norte alguns milhares de anos depois de ter surgido na Europa. Os dados também mostram que os artefatos líticos da Cultura Clovis tem sua ancestralidade na Cultura Solutreense, uma vez que compartilham de mais de 40 traços tecnologicamente similares, dos quais a maioria não é encontrada em nenhuma outra cultura arqueológica no mundo.

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Exemplos de artefatos pré-Clovis conhecidos como “Folha de Louro” encontrados em sítios do leste dos Estados Unidos.

No fim dos anos 90 e começo dos anos 2000 alguns geneticistas realizaram algumas análises de nativos americanos e perceberam que há um gene nos nativos americanos do leste da América do Norte (gene X2a) que possui sua ancestralidade no sudoeste Europeu (mesma região da cultura Solutreense). Uma vez que o Gene X2a é uma mutação que ocorreu já em território americano, e sua proximidade geográfica com seu ancestral (gene X) está no sudoeste Europeu, fica claro que em algum momento do Holoceno Inicial ou Médio uma travessia transatlântica foi realizada. Logo, a hipótese de rotas marítimas ainda mais antigas entre a América do Norte e a Europa é fortalecida, principalmente ao se considerar que há cerca de 20 mil anos atrás havia uma camada de gelo que interligava os dois continentes e havia abundante fonte de alimentação no meio do caminho, facilitando o fluxo de pessoas nessa rota. Esses dados genéticos não foram discutidos nos artigos da Science e da Cell.

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Localização geográfica dos genes X e X2 durante o Holoceno Inicial e Médio.

E também desconsideram os dados publicados no European Journal of Human Genetics, que atesta uma relação entre o genoma de paleoíndios e europeus que suportam a hipótese de uma travessia trans-atlântica.

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A análise filogenética aponta uma maior similaridade e provável relação de ancestralidade entre grupos paleolíticos europeus e paleoamericanos. Fonte: Wei et al. (2018).

Também é importante notar que nenhuma cultura arqueológica na América do Sul apresentam traços tecnológicos que remetam a uma possível ancestralidade com a Cultura Clovis. Mesmo que exista algum traço genético que tenha vindo dos grupos Clovis, os traços culturais não vieram. Ou pelo menos ainda não existem dados que apresentam essas similaridades. Muitos trabalhos ainda precisam ser feitos antes de bater o martelo nessa questão. Alguns deles já estão demonstrando que, pelo menos no território Brasileiro, as ocupações humanas mais densas que se iniciaram há cerca de 13 mil anos são caracterizadas por culturas arqueológicas bastante distintas, e sem traços de ancestralidade em lugar nenhum.

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Exemplos de pontas da Cultura Clovis, datadas entre 13 e 12 mil anos.

Mais recentemente, um artigo liderado por pesquisadores do Instituto de Biociências da USP publicado na PNAS comprovou a presença de genes australo-melanésios em grupos indígenas viventes da Amazônia, o que indica que em algum momento do passado grupos do Pacífico migraram até chegar à América do Sul. Esta evidência fortalece a hipótese proposta anteriormente por Walter Neves de que os primeiros grupos no continente sul americano teriam uma relação de ancestralidade com grupos do Pacífico.

Afinal, qual é a relação entre a Cultura Clovis e a Cultura Lagoassantense?

Quase nenhuma. A única relação parece mesmo ser essa apresentada pelos novos artigos. O DNA de alguns esqueletos de Lagoa Santa compartilham de uma mesma ancestralidade que o garoto de Anzick. O garoto de Anzick é o único “esqueleto” já encontrado associado de maneira forçada à cultura Clovis – forçada, pois ele possui cerca de 12,7 mil anos (poucos séculos antes da Cultura Clovis desaparecer), e nenhum artefato Clovis estava associado a ele. Todo o genoma geralmente associado a Clovis por esses pesquisadores está, na verdade, associado apenas a este indivíduo cuja associação cultural é desconhecida. Infelizmente, apenas a calota craniana foi preservada, impossibilitando até mesmo a análise morfológica do crânio.

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Exemplo de lâmina de machado polido encontrado na região de Lagoa Santa, datado em 11 mil anos

Como já foi dito, nenhuma cultura arqueológica sul-americana compartilha de traços  culturais com Clovis. Uma similaridade genética com apenas um indivíduo, ainda que seja importante, não diz muito a respeito da história das culturas arqueológicas sul-americanas. A cultura Lagoassantense não é definida pela sua biologia, mas sim pela sua… cultura! Já sabemos hoje que a cultura Lagoassantense surgiu há cerca de 12,5 mil anos, e que outros grupos culturais já haviam passado pelo local, ainda que não houvessem se estabelecido por lá. A cultura Lagoassantense persistiu até cerca de 1 mil anos, quando parece ter desaparecido. Ela é bem definida atualmente pela sua grande diversidade nos rituais mortuários, por uma dieta bastante diversificada, pela produção de alguns tipos de registros rupestres (incluindo aquele com a datação mais antiga do continente) e por uma indústria lítica cuja tecnologia é bem distinta das demais culturas arqueológicas sul americanas. Um artigo publicado poucas semanas antes dos artigos da Science e da Cell definiu a tecnologia da indústria lítica Lagoassantense. Estes grupos produziam mais de 90% de seus artefatos em lascas provenientes de pequenos cristais de quartzo – que só são encontrados em locais bem afastados dos sítios. Eventualmente produziam algumas lâminas de machado polido, as mais antigas já registradas no continente americano, e que até pouco tempo atrás eram pensadas como artefatos exclusivos de grupos ameríndios. Não há nada nesta cultura arqueológica que remeta a qualquer similaridade com a Cultura Clovis.

Onde Luzia se encaixa em meio a tudo isso?

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Crânio de Luzia antes de sua destruição pelo incêndio no Museu Nacional.

A nossa querida Luzia, tragicamente destruída pelo incêndio no Museu Nacional junto com diversos outros esqueletos de Lagoa Santa, mas felizmente recuperada (ainda que apenas parcialmente) tem pouca participação nessa história toda. É verdade que ela é famosa não só por ser o esqueleto mais antigo do continente – status esse que ela divide agora com o esqueleto de Naia, uma mulher datada em 13 mil anos numa caverna marinha no México – mas também por ter sido a primeira com reconstituição facial. Reconstituição essa realizada a partir da sua morfologia craniana, mas com diversos traços artísticos produzidos com base no modelo proposto por Walter Neves. Ou seja, a cara de Luzia como ela é sempre divulgada é resultado de uma reconstituição que tinha como objetivo fazer ela se assemelhar com uma pessoa aborígene da melanésia (Austrália e ilhas próximas).

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O esqueleto de Naia foi encontrado em uma caverna submersa no México.

A verdade é que todas as reconstituições são feitas com base na interpretação que o artista ou alguns pesquisadores possuem sobre um indivíduo. Afinal, não sabemos como era o formato do nariz, das orelhas, dos lábios, cor da pele, cor dos olhos, cabelo, etc… As vezes a genética até consegue identificar esses aspectos, como foi o caso do Homem de Cheddar. O Homem de Cheddar é um esqueleto datado de 14 mil anos na Inglaterra, cujo DNA preservado possibilitou identificar a cor da sua pele: ele era negro! Será então que há 14 mil anos atrás os grupos paleoíndios também tinham a pele negra? Não sabemos. A morfologia craniana não é capaz de responder nada além da própria forma do crânio. E a genética ainda não chegou a nenhuma conclusão quanto a isso. Ainda que a similaridade genética seja com a de grupos indígenas, que possuem uma cor de pele morena (ou parda, como prefiram chamar), nada indica que entre os traços similares estão os genes de cor da pele, ou mesmo do tamanho do nariz, das orelhas, do tipo de cabelo, etc etc…

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Reconstituição facial do Homem de Cheddar, esqueleto encontrado na Inglaterra datado em 14 mil anos.

Pensando nisso um outro indivíduo de Lagoa Santa teve sua reconstituição facial produzida. Desta vez um homem, mas não tão antigo quanto Luzia. Este tem “apenas” 9 mil anos, e sua reconstituição foi pensada para algo mais “generalizado”, que não remeta tanto aos traços aborígenes da reconstituição de Luzia. Mas a verdade é que ainda não temos dados o suficiente para saber qual era a verdadeira aparência destes indivíduos. Ambas as reconstituições são apostas válidas.

Luzia não foi reconstituída novamente, não ganhou uma “nova cara”, diferente do que muitas manchetes de jornal afirmam, e seu DNA jamais foi analisado. Não por falta de tentativa! Alguns dentes dela já haviam sido sacrificados em busca de DNA, com a esperança de que ainda houvesse colágeno preservando o DNA dela. Não obtivemos sucesso… Luzia não preservou DNA, infelizmente. Se ainda havia DNA em algum lugar do seu esqueleto que ainda não havia sido sacrificado pela ciência, agora certamente não há mais. O que restou após o incêndio está em cacos que passaram por alta temperatura. E há de preservar ao máximo essa mulher que ainda luta para ficar, de alguma forma, viva na história do Brasil e das Américas.

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Fragmentos do crânio de Luzia encontrados dentre os destroços do Museu nacional. Crédito: Patrícia Teixeira/G1

Para saber mais

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Sobre o autor:

João Carlos Moreno de Sousa é arqueólogo. Atualmente é pesquisador de pós-doutorado do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos (IB-USP). Bacharel em Arqueologia pelo Instituto Goiano de Pre-História e Antropologia da PUC GO, Mestre em arqueologia pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, Doutor em arqueologia pelo Museu Nacional-UFRJ com doutorado sanduíche (PDSE) pela University of Exeter (Reino Unido). Sua área de especialidade é a análise de indústrias líticas e o período paleoíndio brasileiro, com diversos artigos científicos publicado sobre assunto. Também possui experiência em arqueologia experimental, arqueologia cognitiva e divulgação científica da arqueologia .

6 comentários

  1. Não acha que o translado entre america e europa pôde ter sido feito por conta da existência (nesta época) do continente atlânte? As evidências são muitas…

  2. […] Para ler outras matérias no nosso site sobre o WHSA ouhttps://arqueologiaeprehistoria.com/2020/10/20/maior-trilha-de-pegadas-humanas-do-pleistoceno-tardio-revela-importantes-interacoes-paleoecologicas/https://arqueologiaeprehistoria.com/2018/11/09/a-ocupacao-do-continente-americano-a-luz-dos-novos-da…https://arqueologiaeprehistoria.com/2021/04/05/evidencia-genetica-australo-melanesia-em-grupos-nativos-da-america-do-sul/ […]

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