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“POST SCRIPTUM”: A Pintura Mural da Grécia Pré-Helênica ao México Pós-Revolução

29 jan

A obra de Diego Rivera tem uma importância dentro do contexto artístico não tanto por inovações técnicas ou estéticas, mas exatamente pela retomada de processos de produção artística que haviam perdido prestígio nos últimos 3 séculos: a pintura de afrescos.

Os afrescos (ou frescos) têm seu nome ligado quase que literalmente ao princípio básico para a sua pintura, já que as tintas precisam ser aplicadas rapidamente sobre a camada de gesso ainda úmida. O contato desse pigmentos gera uma reação química capaz de proteger as cores da oxidação natural evitando o clareamento observado, por exemplo, na pintura sobre pedra ou sobre a cerâmica cozida.

A produção dos afrescos é muito antiga, mas incrivelmente semelhante nas diferentes regiões em que foi utilizada. Em 1500 A.C, na ilha de Creta na Grécia, já eram pintados murais relacionados à decoração e a cerimônias religiosas, com técnicas possivelmente trazidas pelas rotas comerciais,  uma vez que modelos contemporâneos foram encontrados no Oriente Próximo e na Ásia.

Fragmento de afresco da cidade de Tiryns (atual Grécia) c. 1500 BC [Museu Arqueológico de Atenas]

Fragmento de afresco da cidade de Tiryns (atual Grécia) c. 1300 BC [Museu Arqueológico de Atenas] ©errantius

Afrescos nas tumbas da Necrópole Etrusca de Tarquínia (atual Itália, c. 600 BC)

Afrescos nas tumbas da Necrópole Etrusca de Tarquínia (atual Itália, c. 600 BC) ©errantius

O fato é que civilizações gregas produziram afrescos em todas as suas colônias espalhadas pelo Mediterrâneo e foram as grandes responsáveis por sua popularização. Os romanos anos mais tarde assimilaram a técnica, que assumiu uma posição de status e luxo decorativo como pode ser visto nas cidades etruscas de Cerveteri e Tarquínia e nas casas de Pompéia e Herculano. Do mesmo modo, as primeiras catacumbas e igrejas paleocristãs na Capadócia, na Grécia e na atual Itália tinham suas paredes forradas por afrescos com as símbolos e histórias da religião que rapidamente se difundia e que tentava se fazer entendida pelos fiéis.

Afresco em teto de igreja paleocristã na Capadócia (Ihlara Gore, c.700 DC)

Afresco em teto de igreja paleocristã na Capadócia (Ihlara Gorge, c.700 DC) ©errantius

Se na Idade Média houve uma convivência gradual da pintura mural com os mosaicos, mais simples dentro do padrão esquemático do época,  o Renascimento viu os afrescos de grandes expoentes financiados pelos mecenas e pela igreja católica recobrir os palácios, villas e igrejas: Giotto, Piero de la Francesca, Luca Signorelli, Raphael e finalmente Michelangelo com a obra-máxima: a Capela Sistina no Vaticano.

A Escola de Atenas, de Raphael, no Vaticano (c. 1510) ©errantius

A Escola de Atenas, de Raphael, no Vaticano (c. 1510) ©errantius

Quattrocento que popularizou os afrescos também mostrou seu lado mais fraco: a imobilidade. Na era das navegações e do comércio internacional, os murais “aprisionados” nas paredes não podiam ser divulgados tão facilmente, não podiam ser vendidos ou trocados e, para serem apreciados, exigiam o deslocamento do peregrino-expectador. É bem verdade que modelos e projetos se difundiam pelo mundo, no entanto longe de dar a dimensão exata do efeito que a pintura mural provocava.

Assim, a tinta a óleo aplicada sobre telas foi ocupando os nichos e retábulos das igrejas e as paredes dos palácios, deixando os tetos guarnecidos pelas colunas e duomos quase que como único espaço para os afrescos. No auge da produção artística ligada à igreja que convencionamos chamar de Barroco, com sua pompa quase teatral, a perspectiva em fuga e a ilusão de ótica criaram o paraíso, escondido entre nuvens e anjos pintados numa camada de gesso de poucos milímetros.

Afrescos de Andrea Pozzo na nave da Igreja de Sant'Ignazio, Roma (c. 1685) ©errantius

Afrescos de Andrea Pozzo no teto da nave da Igreja de Sant’Ignazio, Roma (c. 1685) ©errantius

Foi reconstruindo esse mesmo caminho de uma arte “didática”, em que as paredes pretendiam ensinar as histórias de um povo e também afirmar o poder de um governo que buscava sua afirmação e sua legitimidade, que surgiu o muralismo mexicano.

Seus grandes expoentes – Diego Rivera, David Alfaro Siqueiros e José Clemente Orozco – de uma forma ou de outra puderam observar na Itália a força dessas imagens e ao retornar ao México no início dos anos 20 – em um dos maiores e mais organizados programas de financiamento público para a produção artística, antes mesmo da publicidade soviética ou do Federal Art Project do New Deal americano – cobriram as paredes dos colégios, palácios, sedes governamentais e secretarias, igrejas e hospitais com as lendas pré-hispânicas, com os líderes da independência e da Revolução, com as críticas aos antigos políticos e com os 400 anos de história do seu povo que buscavam re-significar.

El Abrazo Campesino, um dos primeiros murais de Rivera, na Secretaria de Educación Publica (c. 1923): quase um santo na paisagem renascentista.

El Abrazo Campesino, um dos primeiros murais de Rivera, na Secretaria de Educación Publica (c. 1923): quase um santo na paisagem renascentista.

São Francisco pintado por Giotto na Basilica de Assis (c. 1300)

São Francisco pintado por Giotto na Basilica de Santa Croce, Firenze (c. 1320)

Siqueiros e Rivera ao longo das três décadas seguintes foram gradativamente se distanciando nas suas linhas políticas e nos seus traços artísticos. Enquanto o primeiro inovava no uso de novas técnicas e materiais, na composição tridimensional, curva e irregular, muito mais alinhada com o restante dos movimentos artísticos do seu tempo, Rivera manteve-se rigorosamente fiel à uma perspectiva quase bizantina, em que seus personagens de linhas claras e bem definidas apareciam em camadas (e histórias) sobrepostas nos cerca de 300 murais que produziu.

Siqueiros Del Porfirismo a la Revolución (Palacio de Chapultepec,

Siqueiros: Del Porfirismo a la Revolución (Castillo de Chapultepec, 1957)

Sua obsessão pelo mural foi tão grande que para uma exposição no Museu de Arte Moderna em New York, no início dos anos 30, produziu um conjunto de 8 murais “portáteis” com quase 500 kg cada mas que podiam ser transportados, quase que como uma vingança contra toda a história do aprisionamento das imagens dos afrescos às paredes.

Murais "portáteis" de Rivera no MoMA em novo exibição, 2011-2012

Murais “portáteis” de Rivera no MoMA em novo exibição, 2011-2012
[www.moma.org]

Nos anos 50, no entanto, o muralismo perdeu sua força, talvez por todas as mudanças dos anos do pós-guerra ou pelo simples diminuição das expectativas que os artistas depositavam na Revolução Mexicana. O fato é que até hoje enfrentam as críticas daqueles que o vinculam à idéia de uma arte relacionada à publicidade oficial.

Aos olhos do expectador atual, em que todas as revoluções parecem cobertas por uma camada de poeira de quase um quarto de século, as paredes e muros das cidades são muito maiores e não precisam de qualquer afresco ou financiamento para serem cobertos com graffiti.  E outros artistas, anônimos ou não, mantém a tradição que pode ser resumida em uma simples necessidade de contar suas histórias.

Zapata Jedi, em Chicago, by Jasso [http://sundaynoises.wordpress.com]

Zapata Jedi, em Chicago, by Jasso
[http://sundaynoises.wordpress.com]

Bansky no México, 2001.

Mariachi de Banksy no México, 2001.

Exército Zapatista de Libertação Nacional (Bansky, 2001)

Exército Zapatista de Libertação Nacional (Banksy, 2001)