Terra da Gente

Por Luciano Lima*, Terra da Gente


Coruja-orelhuda possui hábitos noturnos e, durante o dia, fica camuflada nas árvores — Foto: Oséias Pinheiro/VC no TG

Muito se fala sobre as superstições envolvendo algumas aves e nesse quesito as corujas sempre são citadas. Na coluna Histórias Naturais dessa semana você vai ver que encontrar essa ave não só pode ser um sinal de muita sorte como também uma oportunidade de conhecer mais sobre essas belezas da nossa natureza.

Histórias Naturais é a coluna semanal do biólogo Luciano Lima no Terra da Gente — Foto: Arte/TG

A observação de aves é um passatempo praticado por milhões de pessoas em todo mundo, sendo considerada uma das atividades de lazer ao ar livre que mais cresce. Embora tenha começado a ser praticada em mais larga escala como um passatempo a partir do início do século XX, prestar atenção nas espécies de aves e seus comportamentos é uma atividade antiquíssima. Observar aves sempre foi parte da rotina de inúmeros povos ancestrais que utilizavam os registros desses animais para marcar o tempo, prever o clima, e até mesmo para adivinhar o futuro através da ornitomancia (sim, esse termo existe).

Na Roma antiga, a ornitomancia era levada tão a sério a ponto de ter sacerdotes exclusivamente dedicados ao assunto, os áugures, que também eram conhecidos como auspex (literalmente, observadores de aves). Eram eles que consultavam a aprovação, ou não, dos deuses para qualquer questão minimamente importante. O papel dos áugures era tão fundamental que na Roma antiga praticamente nada se fazia sem consultá-los, de guerras à fundação de cidades. A palavra "inauguração", por exemplo, tem origem no verbo latim inaugurare que é o ato de "tirar presságios das aves".

Na Roma antiga, a ornitomancia era levada tão a sério a ponto de ter sacerdotes exclusivamente dedicados ao assunto, os áugures — Foto: Wikimedia Commons

Praticar o augúrio dependia da identificação tanto da espécie de ave quanto do seu comportamento, que assim revelaria um "bom agouro" ou "mau agouro". A identificação era importante pois apenas algumas aves forneciam auguros, entre elas as corujas, que eram consideradas representantes da deusa Minerva e tidas com grande estima.

Em outras culturas, no entanto, as corujas são tidas como animais portadores de maus presságios, uma característica geralmente compartilhada com outras aves noturnas. Mas humildemente acredito que as culturas que interpretam as corujas como sinal de mau agouro por serem noturnas deveriam prestar mais atenção nesses animais. Pois é justamente uma série de adaptações para conseguirem lidar com a noite que fazem dessas aves *seres* incríveis

As corujas conseguem perceber a presença de presas através de sons tão baixos quanto os passos de um roedor em meio à vegetação — Foto: Daniel Violin/VC no TG

As corujas são animais geralmente lembrados por sua visão poderosa, capaz de enxergar no escuro quase total, mas sua audição é ainda melhor, permitindo que elas cacem na mais completa escuridão, quando mesmo seus olhos não conseguem enxergar.

As corujas conseguem perceber a presença de presas através de sons tão baixos quanto os passos de um roedor em meio à vegetação. A sensibilidade delas para alguns tipos de sons é cerca de dez vezes superior a nossa. Mas muito além de somente se dar conta da presença de uma eventual presa por perto, a audição das corujas consegue localizar exatamente a posição da presa sem que elas precisem enxergá-la. Isso é possível graças a algumas adaptações fantásticas.

Diferente dos nossos ouvidos, que estão localizados na mesma altura na nossa cabeça, os ouvidos de muitas espécies de corujas estão posicionados em alturas diferentes. Essa sutil diferença faz com que os sons cheguem aos ouvidos desses animais em momentos distintos e essa diferença permite que as corujas localizem suas presas no espaço com precisão.

Suindara tem visão privilegiada e audição aguçada — Foto: Ananda Porto/TG

Além disso, se você encarar uma coruja de frente, como a suindara, por exemplo, você irá notar imediatamente que sua face é circular, como uma antena de satélite, formato que amplifica os sons e os direciona com mais precisão para o seu ouvido.

Uma outra adaptação notável das corujas relacionadas com o som é sua capacidade de voar no mais completo silêncio graças a estrutura das suas penas. Além de mantê-las ocultas das suas presas, voar sem fazer barulho também ajuda as próprias corujas, mesmo em voo, a escutar apenas o som que lhes interessam.

Essas adaptações fazem das corujas verdadeiras máquinas de caça, e por isso importantíssimas no controle das populações de roedores, insetos e outros animais.

Da próxima vez que você encontrar com uma coruja, acreditando ou não na ornitomancia, sinta-se um sortudo por conseguir ver de perto criaturas tão fantásticas.

*Luciano Lima é biólogo e faz parte da equipe do Terra da Gente

Veja também

Mais lidas

Mais do G1
Deseja receber as notícias mais importantes em tempo real? Ative as notificações do G1!