O Santo Sacrifício da Missa

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“LITÍROICA”

COLEÇÃO

VOLUME

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O Santo Sacrifício da Missa na tradiçáo e em sua estrutura atual

Z. DE KORTE Tradução autorizada do holandês, pelos PP. Henrique T. Peters c Carlos Ortiz.

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EDIÇÕES “LUMEN CHRISTI" Caixa Postai 2666 — Rio de Janeiro


Nihíl obstat P. Oswaldo Barros Bindlo Censor a d hoc.

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Taubatc, 23 de Agosto de (939

IMPR1MATUR yv

Taubatc, 24-9-39 ANDRÉ, Bíspo-díocesano


PRIMEIRA PARTE

DESENVOLVIMENTO PROGRESSIVO DA LITURGIA SACRIFICAL até o Missal Romano



fNDICE l.a P A R T E Pag. Introdução.................................................................... Capítulo I — A última ceia...................................... Capítulo II — Nos tempos apóstoiicos....................... Capítulo III — Primeiros testemunhos pos-apoetólicos Capítulo IV •— As diversas Liturgias........................ Prenotanda............................................................ § 1 — Liturgias orientais...................................... A — História............................................ B — Uso atual......................................... § II — Liturgias ocidentais............................... A — As três Liturgias r.ão-Romanas .. B — A Missa no rito gilico.................. C — Expansão da Liturgia Romana .. D — Liturgia neo-Romana....................... E — Histórico do rito mozarábico .. .. Capítulo V — O rito Romano................................ § 1 — Primeiros documentos.............................. § 2 Livros litúrgicos da Igreja Romana.......... § 3 — Gênese do Missale Plenariura.............. § 4 — O Missale Romanum........................... A — Histórico....................................... B — Divisão do Missal Romano............

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2.* PARTE Preparação para a s. Missa conforme o Missal Romano Capítulo T. — Orações A — Matinas e Laudes B — Os salmos ná Liturgia.............. C — Os cinco salmos antes da s. Missa

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Pag. Capítulo II — Os paramentos sagTados.................................... Simbolismo............................................................................ § 1— O omito...................................................................... § 2— À alva........................................................................ § 3— O cír.gulo.................................................................. § 4— O manipulo................................................................ § 5— A estola..................................................................... § 6— A casula..................................................................... Apêndice sobre vários paramentos sagrados, cores liturgietts, cálice e altar....................................................... Capítulo III — Benção da ágna e aspersão do povo............. Origem e história................................................................ Ritual atual.......................................................................... Legislação.............................................................................

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3.a PARTE Capítulo I •— As Orações ao pé do altar O sinal da cruz................................... O salmo ao pé do altar e o Confiteor Dominus vtbiscuin.............................. Notando A Missa dialogada .. . Saudação do altar .. .. A incensação................ Conto do intróito .. .. A antífona................... O salmo....................... O Lugar........................ O sinal da cruz........... Textos móveis............. Capítulo II — A Ànte-Missa • 9

O Kyrie..................... O Glória .. .. .. .. . Orações e comemorações Saudação ao povo .. .. O beijo do altar........... A coleta.................... Comemorações .... .. Lições e epístola .. ..

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Póg. Canto intermediário........... ................. O tractus .......................... .................... A grande aleluia...................... .... .. , As sequências................................... O evangelho......................................... A homília........................................... O símbolo ............................................. Apêndice............................................... Capítulo III — O Ofertório...................... • Explicação dos textos c cerimônias .. (Merecimento do celebrante e do povo A incensação........................................ O lavabo ............................................... Oração final......................................... A secreta ............................................... Capítulo IV — Canon................................ Sanctus................................................. Esquema do cãnon............ .................. As cruzes durante o cãnon................. O “Tc igitur” e o T ornamental .. . Memento dos vivos.............................. Rubricas............................................... O “Cominunicar.tes”........................... “Hanc igitur”..................................... “Quam oblationem”............................ A consagração...................................... As elevações.............................. .. A vela do sanclus e a* loclias........... Anamnese............................................ “Supra quae”........... .......................... “Supplices”.......................................... A epíclese............................................ O memento dos mortos...................... “Nobis quoque peccatoribus”........... O memento da natureza irracional .. O final do cãnon................................. Capítulo V — A Comunhão...................... A preparação para a comuhao .. .. Oração dominical............................... A froeção e a “commixtio”............ .

O Agnus Dei.......... .....................

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0 Sakto Sacrifício da Missa Pag.

O beijo da paz.......................................................... Orações antes da s. comunhão........................... A sumpção............................................................... As abluções................................................................ Orações de ação de graças ..................................... “Communio”............................................................. Pos-comunhão............................................................ A oração sobre o povo........................................... Capítulo VI — Ritos finais........................................... “Dominus vobiscum”............................................. “Ite, Missa esl*’.................................................... “Benedicamus Domino".......................................... "Requiescant in pace”........................................... "Placeat".................................................................. A benção final........................................................ O beijo do altar...................................................... O último evangelho................................................. Orações depois da Missa......................................... Ação de graças do celebrante..................... .. Capitulo VII — A campainha na e. Missa.............. Origem e desenvolvimento..................................... Prescrição atual....................................................... Apêndice — Exemplos de tropos do Kyrie e do Glória Literatura consultada para este livro..........................

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INTRODUÇÃO A obra de Z. de Korte, que vertemos para o português, é dessas que se podem denominar — sem favor algum — “oòra de fôlego Poder-se-á encontrar muito trabalho de vasta erudi­ ção, sobre o palpitante tema da s. Missa. Mas estes traba­ lhos quasi todos encaram a s. Missa sob aspectos particular res. Oru,. estudam-se as rubricas da s. Missa. Ora, a sua história. Ora, a ascese da s. Missa. E assim por diante. Z. de Korte nos oferece uma obra que tem a inestimá­ vel vantagem de estudar o tema da S. Missa, simultanea­ mente, sob os seus múltiplos e variados aspectos. Ey um livro de pesquisa histórica, de erudição teoló­ gica, de conhecimento litúrgico, de alta ascese. de profunda mística. E9 um livro católico, na visão ampla e global que tem das coisas. E9 um livro em que o autor explora e aprofunda esses veios magníficos da piedade orgânica e ecumênica da Igreja, toda ela centralizada no maior Ato do universo: o Sacrifício do Verbo Humanado ! Este sacrifício estupendo que se prolonga nos arcanos de nossos altares. m

Z. de Korte compilou em seu livro as lições de Litur­ gia que deu aos alunos do Seminário maior em Warmond. 0 estilo didático domina a sua obra, mas não lhe impede a unção nem o entusiasmo com. que desenvolve o seu tema. Como lodo bom mestre, o autor é por vezes difuso e até exaustivo. Eis porque sua obra, em nossas mãos, sofreu algo mais do que uma simples tradução. Mais de uma vez submetemos o original holandês a uma adatação, mas sem


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termos perpetrado — cremos nós — o crime de trair o pen• sarnento do autor.

Finalikentc, a obra aí está. Temos certeza de que ela prestará o seu concurso ao renascimento lilúrgieo tão promissor, que se vai operando em nossa terra. i

Os especialistas acharão defeitos na obra e falhas na tradução. Será com o máximo prazer que receberemos as suas sugestões para as emendas das possíveis edições futuras. Confiando ao público uO Santo Sacrifício da Missa”9 fazêmodo com a alma ao largo, quando pensamos que ha tantos corações de apóstolos por êsse Brasil a dentro, em­ penhados numa tarefa surda e gigantesca de restauração litúrgica. Ey a êlcs, especialmente, que confiamos este fruto de um trabalho penoso, que Deus fará frutificar. E isto9 ex­ clusivamente, para que em tudo, “per lpsum, cum Ipso et in lpso”> seja dada a Deus toda honra e glória ! Taubaté, oitava da Assunção da ss. Virgem do ano 1939. Os tradutores.


CAPÍTULO I

A ÚLTIMA CEIA A redenção do cativeiro do Egito significava o renas­ cimento do povo de Israel. E determinou-se na Lei que todo,ano, em cada famí­ lia, se celebrasse este renascimento, com um cerimonial so­ lene. Deveria matar-se o cordeiro, assar e comer sem maiores preparativos: era a lembrança do êxodo apressa­ do do Egito. O anjo exterminador, vendo os portais tintos de sangue dêste cordeiro, passaria adiante, enquanto os Is­ raelitas se preparassem para a ceia santa. TODOS os benefícios dc Deus ao seu povo escolhido eram então celebrados nos salmos 112-117, que juntos for­ mam o “Hallel”. Geralmente se admite que também o sal­ mo 135: “Confitcmini Domino quoniam bonus: quoniam in ccternum misericórdia cius — Louvai ao Senhor, porque Êle c bom, porque é eterna a sua misericórdia” — se incluía no ritual, o que facilmente se admite pelo conteúdo do salmo. Pois na ceia o pensamento predominante é o do êxodo, e o mesmo sucede no salmo. Na ceia usavam-se hervas amargas, pão ázimo e charoseth (mistura cozida de frutas e vinho), que lem­ bravam respectivamente a amargura da servidão egípcia, a fuga precipitada, que não deu tempo de preparar o ne­ cessário, e o charoseth, pêla sua cor semelhante à dos tijolos, lembrava o pesadíssimo trabalho do Egito. 0 chefe de família devia recordar e explicar êste ritual. Rezava-se ainda uma bênção solene sobre diversos cálices de vinho, dos quais todos deveríam beber, como símbolo do povo rejuvenescido de Deus. O Cristo também cumpriu mais ou menos êste ritual na celebração da ceia pascal. E esta lembrança solene da redenção do povo hebreu ofereceu ao Salvador do mundo a ocasião oportuna de ini­ ciar a Nova Aliança, a Aliança da Ju9tiça e da Misericór-


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dia, da qusl nascería o novo Israel. Depois da última ceia, ou durante ela, tomou Jesus o pão que restara da ceia pas­ cal, e dando graças, abençoou, partiu e disse: “Tomai e comei, este c o meu Corpo que E' ENTREGUE (que brado) por amor de vós: fazei isto em memória de mim”. Depois tomou o cálix, rendeu de novo graças e disse aos Apóstolos: “Bebei dêste todos; este é o meu Sangue, o San­ gue do Novo Testamento, que E7 DERRAMADO por vós, para remissão dos pecados As duas palavras espaçadas fazem ver que o Salvador, já naquele momento, se sacrificava. E a intenção dêsse sacrifício se esclarece nas palavras: “para a remissão dos oecados”. A Antiga Aliança de Javé com o seu povo fora rati­ ficada ao pé do Sinai, quando Moisés ofereceu um sacrifí­ cio e com o sangue da vítima aspergiu os Judeus excla­ mando: “Este é o Sangue do Testamento, que o Senhor ce­ lebrou convosco, sobre todas estas palavras”. Por isso tambem o Fundador da Nova Aliança fala do Sangue do Novo Testamento. “Fazei isto em memória de Mim”, é como que o con­ tra-texto do Êxodo, 12, 14: “Fareis dêste dia um dia me­ morável, e vós o celebrareis nas vossas gerações com um culto perpétuo, como dia solene do Senhor”, passagem esta relativa à celebração da páscoa judáica. Os Apóstolos comeram e beberam, conforme o convite de Jesus. Tomaram parte, portanto, no sacrifício, e goza­ ram da união tão desejada com Deus. Ao mesmo tempo tornaram-se, pêlas palavras supra-mencionadas, os minis­ tros autorizados do Novo Sacrifício. Disso resulta que ha uma dupla concordância entre o Sacrifício Pascal da Antiga Lei e o da Nova. Ambos teem o duplo caráter preparativo e c o m em o r a ti v o. 0 Cordeiro pascal da Antiga Aliança teve o seu cará­ ter preparativo, quando os Judeus, comendo-o pela primeira vez, tingiram com o sangue da vítima as portas de â


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suas casas; de modo que o anjo exterminador, quando pas­ sou matando os primogênitos egípcios, poupou os primo­ gênitos judeus. Èsse acontecimento lhes valeu o êxodo e lhes preparou a libertação. E essa ceia pascal guarda o seu caráter comemo­ rativo cada vez que ela se repete, na noite do dia 14 dc Nizan, com o cerimonial indicado, acentuando, em cores bem fortes, todos os benefícios de Deus ao seu povo. espe­ cialmente o inestimável benefício da libertação do jugo dos Faraós. 0 primeiro Sacrifício da Missa teve, por sua vez, o seu caráter preparativo. Jesus Cristo causaria a re­ denção do gênero humano das peias do pecado, das cadeias do inferno. Ora, o caráter perfeito de Sacrifício desta pai­ xão e morte exigia o consentimento pleno e espontâneo do Salvador. Êlenão o poderia demonstrar tanto na Cruz, dada a natureza de seu próprio sofrimento, pois não Lhe era permitido colaborar positivamente com a injustiça dos ho­ Por isso. num ato cheio de mistério, Êle demons­ mens. trou antecipadamente que sua paixão e morte — não obs­ tante a aparência — teria o caráter de um verdadeiro sa­ crifício. Pois Jesus antecipara, de modo incruento, o ato do sacrifício, quando, consagrando pêla primeira vez, disse: “Êste é o meu Corpo que E9 ENTREGUE por vós”, e “êste é o meu Sangue, que E9 DERRAMADO por vós”. Êste ato do Salvador não efetuava ainda a redenção, mas preparava a redenção real do pecado. Toda Missa tem, ainda, o seu caráter comemo­ rativo. O fato de Cristo, “na noite em que foi entregue”, fazer a primeira consagração acrescentando, como derra­ deiro legado, as palavras: “Fazei isto em memória de Mim”, fez, de cada repetição deste ato, uma lembrança da paixão e morte de Cristo. Na santa Missa a Ação sacrifical do Redentor está cm estreita conexão com o Sacrifício cruento do Calvário, e é êste mesmo Sacrifício que se renova na s. Missa de mo-


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do completamente equivalente, pêlas mãos do sacerdote, ministro dc Jesus Cristo. Também a fracção do pão, que simboliza a imolaçao, e a comunhão, que segue logo depois, teem estreitíssima li­ gação com o Sacrifício cruento, “porque todas as vezes que comerdes êsle pão e beberdes deste cálice, anunciareis a mor­ te do Senhor, até que venha”. No Sacrifício da s. Missa deixou Jesus a lembrança de sua paixão e morte. E não só de sua paixão e morte, como tambem de todas as suas obras. Pois Êle dera a sua ordem \ “Fazei isto em memória de MIM”. NO Cristo foi dado ao novo povo de Deus o maior dom do amor misericordioso e divino: sua vida, sua paixão e morte, sua ressurreição, ascensão, comunicação do Espí­ rito Santo. A Èle devemos toda a obra da Redenção. E como na ceia pascal todos os benefícios de Deus ao povo antigo de Israel foram comemorados, e especialmente a li­ bertação do Egito, assim tambem no santo Sacrifício da Nova Aliança é oferecido o Cordeiro de Deus em gra­ tidão de toda a obra redentora, mas especialmente da sua paixão e morte. Por isso é que o sacerdote, imediatamente depois da consagração, repete as palavras do Grande Sa­ cerdote: “Todas as vezes que fizerdes estas coisas9 fazei-as em memória dc MIM”. E relembra, logo a seguir, os ele­ mentos de toda a obra da Redenção: “Por esta razão, Se­ nhor. nós que somos vossos servos, lembramo-nos da bem-aventurada paixão do mesmo Jesus Cristo Senhor Nosso, e da sua ressurreição, como tambem de sua gloriosa ascensão99. Em todas as Liturgias, tanto orientais como ocidentais, aparece esta recordação denominada “Anamnese” (isto é, lembrança), e que constitue parte principal do s. Sacrifício. No primeiro dia da Páscoa ofereciam os Judeus as priinicias do trigo. 0 que brota para a vida c o símbolo benvindo da renascença do povo depois do cativeiro. Assim é que o Cristo se enterra, pêla morte, como um grão de trigo, mas tam­ bem Êle revive c é lembrado em cada Missa: o primeiro da colheita da ressurreição.


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Êle c lembrado ainda como Cabeça da humanidade nova. como Rcconquistador do direito de bera-aventurança, mesmo para o corpo material. Por is6o foi que Èlc, “na presença dos discípulos, subiu aos ccus, afim de nos fazer participantes de sua Divindade”. Á missão do Espírito Santo c o selo da Nova Aliança, como fora na Antiga Aliança o sangue aspergido sôbrc o povo ao pc do Sinai, depois da promulgação da Lei, festividade comemo­ rada no dia do Pentecostes judaico. Êles também lembravam, 110 sacrifício, as primícias do trigo no final da colheita. Da mesma maneira jubila a Igreja, cm cada Sacrifício, pela posse plena da sua herança, porque cm cada Sacrifício pede-se e realiza-sc de novo a descida do Espírito Santo, quando Êle — ao qual dc modo particular é atribuída a santificação — coopera na consagração, c por via deste Sacrifício, aplica-nos os frutos dc santificação. E isto, temo-lo na oração “Quam oblationem5', imediatamente antes da consagração, c no fim da terceira oração “Supplices” depois da consagração. Estas fór­ mulas juntas, denominadas Epíclese, ou invocação do Es­ pírito Santo sobre as oblatas, existem em todas as Liturgias ainda muito mais acentuadas do que na Liturgia Romana.

Enconlramos, pois. como que em germe, nos aconteci­ mentos da última ccia, — que tem como ponto central a ins­ tituirão do santo Sacrifício da Missa — os elementos capitais da Liturgia sacrificial: 1. Gratiarum actio> isto é, a ação de graças. Pois o momento principal de iodo Sacrifício da Missa é anuncia­ do pelo gralias agamus, demos graças ao Senhor Nosso Deus. “E’ verdadeiramente digno e justo que sempre e em toda parte, vos demos graças, Senhor santo, Pai onipotente, Deus eterno, por Jesus Cristo Nosso Senhor”. E assim, esclarecendo o mistério da Redenção, que se comemora em cada período do ano eclesiástico, o sacerdote começa imediatamente o ato principal, a consagração, pela qual o Cristo se toma presente, como sacrifício de ação de graças. No texto dc nosso Missal Romano, entre esta in­ trodução denominada prefácio e a consagração, intercalam-se diversas orações que, primitivamente, figuravam em outros lugares. 2. A consagração, isto é, a transsubstanciação do pão


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e do vinho no Corpo c Sangue preciosíssimo de Jesus Cristo. £ esta mudança realiza-se com as mesmas palavras que o Cristo pronunciou, no primeiro Sacrifício da Missa. 3. A fradio panis, isto é, o quebrar do pão. Já nos sacrifícios da Antiga Lei quebrava-se o pão, como imagem realista da destruição. O Cristo o fez, para representar sua própria paixão c morte cruenta. Assim é que ainda hoje, cm cada Missa, o sacerdote quebra em três partes a santa Hóstia, e dirige-se* ao Cordeiro imolado com a súplica três vezes repetida: Cordeiro de Deus, que tiraÍ6 os pecados do mundo, tende compaixão de nós”. 4. A lembrança: “Fazei isto em memória de lMIM”, palavras que revivem os mistérios da Redenção. 5. A santa comunhão, a união com Deus, fini de todos os sacrifícios, coisa que se toma inefável realidade no s. Sacrifício da Missa, no qual o sacerdote e os fiéis que o desejam, tomam o Corpo e o Sangue de Cristo. Eis os principais elementos que voltam na Liturgia de cada Missa, tanto no Oriente como no Ocidente.


CAPÍTULO II

• NOS TEMPOS APOSTOLICOS E’ claro que o primeiro dever ao qual os Apóstolos se sentiram obrigados, depois da ascensão do seu querido Mes­ tre, era o cumprimento do encargo: “Fazei isto em memó­ ria de Mim”. E fizeram-no com tanto maior solicitude, quanto maio­ res eram as saudades que sentiam do Mestre. Êles não po­ deríam esquecer-se das palavras do Mestre. Quanto a isso, se dúvidas restassem, desapareceríam diante das palavras que o próprio Mestre pronunciara, falando, antes da sua des­ pedida, do Espírito de Verdade: “Paraclitus aulem Spiritus Sanctus, quem mittet Valer in nomine meo, Ille vos docebit omitia, et suggeret vobis omnia qucecumque dixero vobis — Mas o Consolador, o Espírito Santo que o Pai vos ha de enviar, Êle vos ensinará todas as coisas, e vos lembrará de tudo quanto vos tenho dito”. Aliás, é o que se lê no texto sagrado. Pois imediatamenle depois de narrar a entrada dos primeiros cristãos na Igreja nascente, no dia mesmo em que o Espírito Santo des­ cera sobre ela, lemos nos Atos: “Erant autem perseverantes in doctrina Aposlolorum et communicalione fraclionis panis et orationibus (Atos, 2,42). Quotidie quoque perdurantes unanimiter in templo et /rangentes circa damos panem, sumebant ciburn cum exsultatione et simplicitate cordis, collaudantes Deum et habentes gratiam ad omnem plebem (Atos, 2, 46-47). E todos perseveravam na doutrina dos Após­ tolos, na comunhão da fracção do pão e nas orações... Todos os dias perseverando unanimemente no templo, e partindo o pão pelas casas, tomavam a sua rejeição com re­ gozijo e simplicidade de coração, louvando a Deus e achan­ do graça perante o povo”'. Lemos na expressão fracção do pão, não um simples uso profano, o que teria aqui pouco sentido, mas o termo ca­ racterístico da celebração da sagrada Eucaristia (isto é,. ação de graças). A prova disso vemo-la aí, no texto citado, como


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em outras passagens dos Atos (c. 20, 7-11), e ainda no conjunto de expicssões análogas que se encontram^ em s. Paulo (I Cor. 10, 16), como também na interpretação dos escri­ tores eclesiásticos mais antigos. Estes textos, principalmenle quando esclarecidos e comparados com outras passagens do Novo Testamento, demons­ tram os elementos fundamentais do culto, que desde o prin­ cípio se enumeraram em relação mais ou menos estreita com a fradio pauis. (Comparem-se os textos acima indicados, e mais I Cor. 14, 26; Ef. 5, 19; Atos, 20, 7 e segs). Daí se compreende que os primitivos cristãos, conver­ tidos do Judaismo, não pensavam numa separação e exclu­ são completa das fórmulas judaicas do serviço do templo e da Sinagoga. Êles se apegavam demais àquilo que os seus pais amaram respeitosamente e lhes transmitiram com edifi­ cante piedade. Demais, no princípio não era tão sensível o que depois se tornou necessidade, isto é, a constituição de um culto todo novo, todo particular. Os cristãos de Jerusalent continuavam a frequentar o templo, cantando e lendo os profetas e demais livros do povo eleito. No entanto, deviam ter sentido logo as diver­ gências na compreensão dêsses textos, como também a dife­ rença nos conceitos de vida, de modo que no começo se reu­ niram nos pórticos do templo, onde se reuniam os libertos, os Cirineus e Alexandrinos (Atos 6, 9); mas, mais tarde, foram se reunindo em suas próprias casas, separadas do santuário judáico. Estas novas assembléias tornavam-se mais fáceis para êles. visto que já se reuniam nessas casas para a “fracção do pão”. Mas. de todos os testemunhos dessa época não se pode ainda concluir que os primitivos cristãos fizessem uma só espécie de assembléia. Esta suposição seria infundada. Os cristãos tinham duas reuniões religiosas, das quais a pri­ meira consistia em reproduzir fielmente o acontecimento do cenáculo, da noite antes da Morte de Cristo, isto é, uma ceia comum (I Cor. 11). com a celebração da santa Euca-


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rislia; e a segunda assembléia, para se cantar salmos, rezar cm comum, seguir as leituras dos livros sagrados, com a pre­ gação da doutrina. 0 que, porem, primilivamente não era unido, reuniuse postcriormcnlc num só ato de culto. E’ o que se pode concluir dos testemunhos que daremos a seguir. Assim é que se pôs, já nos tempos apostólicos, aquilo que vamos conhecer como a ante-Missa, ou preparação para a santa Missa: 1.

A leitura dos livros sagrados.

2.

A pregação da doutrina.

3.

Oração e canto em comum.


CAPÍTULO III

PRIMEIROS TESTEMUNHOS POS-APOSTOUCOS (80-150) I. O livro histórico conhecido por Doctrina duodecim Aposlolorum, lambem denominado D i d a c h é, e que data do fim do primeiro século, dá os conceitos e usos da Igre­ ja na sua idade primitiva. Traduzimos aqui alguns textos que veem confirmar os elementos acima mencionados e tes­ temunhar-nos a existência de novos elementos. Reuní-vos no dia do Senhor, quebrai o pão e rendei graças, depois de terdes confessado os vossos pecados, para que o vosso Sacrifício seja puro” (14,1). “Escolhei, pois, para isso, bispos e diáconos que sejam dignos do Senhor, homens bons, desinteressados, que amem a verdade c sejam provados; êles preencherão junto de vós o encargo de profetas e mestres. (15.1). “Os profetas rendam graças quanto quiserem. (10,7). Alem do testemunho importante da escolha do dia do Senhor para a celebração da s. Eucaristia, aqui se ressalta: 1. Que a confissão da culpa estava em íntima cone­ xão com a celebração do Sacrifício. 2. O bispo celebrante tinha a faculdade de improvi­ sar a oração de ação de graças (o que se verá tam­ bém dos testemunhos que seguem). A D i d a c h é apresenta-nos ainda, nos capítulos 9 e 10, duas orações e bênçãos, que provavelmente se possam conside­ rar como modelos de orações eucarísticas. Outros querem ver nelas fórmulas de orações para ceias profanas ou para os ágapes comuns.

II. Do mesmo tempo data a epístola do Papa Clemente Romano (90-99) à Igreja de Corinto. Depois de ter exortado insistentemente aos Coríntios, no cap. 40, fazendo-lhes ver o preceito do Mestre que orde-


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nara o culto 6acrifical e as solenidadcs litúrgicas, não quan­ do nos conveem, mas em tempo e hora determinadas, Cle­ mente exara, sem dúvida, o texto da Oração eucarÍ9tica, nos capítulos 59, 60 e 61. Mesmo que essa oração não figure aí como tal, toda­ via o tema e estilo ligam-se tão estreitamente com os dos formulários tradicionais, que é impossível não se reconhecer nela uma oração. Acerca do seu conteúdo é de se notar o seguinte: 1. E* dirigida ao Pai celeste. 2. Contem uma série de títulos de honra ao Altíssimo. 3. E’ um hino à sua grandeza, que se irradia nas suas obras, pelo seu Filho Jesus Cristo. 4. Contem uma súplica pêla Igreja, pelas suas diver­ sas categorias hierárquicas, e ainda súplicas espe­ ciais pelas autoridades temporais. 5. Termina com uma doxologia, isto é, com hino de louvor a Deus. Deste sumário, comparado não somente.com 09 formu­ lários seguintes, mas também com o texto do cânon de nossa Missa, já se pode concluir que se trata de uma autêntica Oração eucarística, embora o escritor não comunique a fonte do formulário, nem em que circunstâncias tal oração se pro­ nunciava. Pode causar extranheza o falo de não se mencionar aí o ponto central da Oração, a saber, as palavras da consa­ gração, como o não se mencionar também a palavra “Euca­ ristia”. Ma9 temos de nos recordar da disciplina arcani. Por disciplina arcani se entende o sistema, entre os cris­ tãos primitivos, de se guardar segrêdo, ante os não-batizados, sôbre o conteúdo dos símbolos dos Apóstolos e, principal­ mente, do SS. Sacramento do altar. Esta era uma prática ditada como mais prudente, dada a experiência feita com os pagãos e falsos cristãos. E era também mais consentânea com as palavras do evangelho: “nolite sanctum dare cani-


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bus — Não queirais dar ao9 cães o que é santo \ Encontramos aqui, pois, no fim do primeiro século, as partes principais da Oração Eucarística, e finalmente, uma doxologia. III. No meio do século 2 dirige 9. Justino a sua pri­ meira Apologia a Antonino Pio (133-161). ^Entre outra9 coisas, refuta as histórias caluniosas dos pagãos, a proposilo das reuniões dos cristãos, e descreve justamenle as ce­ rimônias do batismo e o rito completo da celebração da s. Eucaristia. Ei9 o resumo: 1. Nós nos reunimos no dia do Senhor, num determi­ nado lugar. 2. Quando terminámos as nossas orações, damo-nos muluamente o ósculo da paz. 3. Leem-se depois os escritos dos Apóstolos. (E, como se deduz do cap. 66,3» trata-se aí dos evange­ lhos). 4. Leem-se ainda as palavras dos profetas, quando o tempo o permite. 5. No fim desta leitura o presidente faz uma alocução em torno do que foi lido. 6. Depois todos se levantím e oram juntos, em voz alta. 7. Traz-se ao presidente pão e um cálix com vinho e um pouco dágua. Êle os recebe, louva e glorifica ao Pai do universo, em nome do Filho e do Espírito Santo. 8. Em seguida o celebrante pronuncia uma longa ora­ ção de ação de graças, “tanto quanto pode”, por todos os benefícios recebidos de Cristo, especial­ mente pelo grande benefício da Redenção. 9. 0 alimento que os cristãos denominam Eucaristia não é um pão comum, nem uma bebida vulgar, mas é realmente o Corpo e o Sangue de Jesus. 0 Senhor foi o primeiro que operou esta consagração


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na última ceia, e depois dÊle a mesma se realiza nas assembléias dos cristãos. 10.

Quando o presidente termina a sua oração de ação dc graças, toda a assembléia exclama: Amen.

11.

Das mãos do diácono cada qual recebe a sua parte das dádivas sagradas, e as mesmas são também le­ vadas aos ausentes.

Que maravilhosa força apologética conservou até aos nossos dias essa defesa da íé, em pleno século 2. Graças a s. Juslino podemos apresentar aos nossos irmãos extravia­ dos essa descrição clara do ritual eucarístico, escrita pelas mãos de um mártir e de um herói que deu seu sangue em testemunho da Verdade ! Alem da confirmação de qiiasi todos os elementos já mencionados, essa apologia nos oferece algun9 elementos novos. Vejamos: a. O óscuio da paz; , b. c. d.

A distinção das leituras, isto e, dos profetas e dos evangelhos; A aclamação Amen9 por todo o povo, no final da ação de graças; A comunhão geral das mãos de um diácono.

N.B. — A oração em voz alta já se menciona aí como uso daqueles tempos. %

Resumindo todos os documentos citados, nós verificamos que pelo ano 150 já estavam fixadas, na Liturgia da s. Missa, as partes seguintes: 1.

A Confissão

2.

Orações e cânticos em co­ mum

i i

Dida ch é Atos dos Apóstolos S. Paulo S. Justino


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3.

Leitura dos livro9 sagrados do Antigo e Novo Testa­ mento

Ato9 dos Apóstolos S. Justino

4.

Pregação da doutrina

Atos do9 Apóstolos S. Justino

5.

Ação de graças:

Evangelhos e S. Paulo

numa oração improvisada, cuja9 partes essenciais ain­ da hoje estão em uso:

Didaché S. Clemente Romano S. Justino.

6.

Consagração:

Evangelhos S. Paulo Atos e S. Justino.

7.

Anamnese, ou lembran­ ça da Redenção:

Evangelhos S. Paulo S. Justino.

8.

Doxologia como final da Oração eucarística:

9.

A aclamação Amen, fina­ lizada a Oração:

S. Justino.

10.

Fradio panis:

Evangelhos Atos dos Apóstolos S. Paulo.

11.

Ósculo da paz:

| S. Justino.

12.

Comunhão:

{ Evangelhos e S. Paulo.

administrada cono:

pelo

diá-

i

S. Clemente Romano.

S. Ju9tino.


CAPITULO

IV

AS DIVERSAS LITURGIAS Prcnotanda Os elementos que citámos, em suas fontes, são de ins­ tituição dos Apóstolos, alguns mesmo de Jesus Cristo, ou daqueles que estiveram em estreita ligação com os Apósto­ los e lhes sucederam imediatamente no ministério. Assim e que em todo o mundo cristão nós iremos en­ contrar, no s. Sacrifício da Missa, apesar das múltiplas di­ ferenças accessórias, todos esses elementos fundamentais. Por onde se verá o cuidado e conciencioso carinho com que se procurou guardar tudo aquilo que era, mediata ou ime­ diatamente, de origem apostólica. Vários fatores podem explicar, ao lado dessa unida­ de fundamental, a variedade dos elementos segundos das diversas Liturgias. Primeiramente, representa um papel importantíssimo a condição ctnica dos países em que ela9 se desenvolveram. E* assim que a índole meditativa do oriental acentua as doutrinas do Cristianismo que teem, especialmente, um teor especulativo. E esta índole especulativa caracteriza as Liturgias orientais. Vemos, então, como nesses ritos volta sempre a cele­ bração e comemoração do mistério da SS. Trindade. Daí se explicam, ainda, as solenidadcs longas e monótonas, co­ mo a verbosidade típica dos ritos orientais, coisa que tanto lisongeia a sua passividade.


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A Liturgia do Ocidente apresenta, por sua vez, notas opostas: expressões condensadas, exuberância e variabili­ dade de textos, cerimonial discreto. Esta diversidade temperamental das diversas Liturgias foi se acentuando a tal ponto que, a priori. se excluiu sem­ pre a hipótese de as fraternizar por completo. O Ocidente, recebendo o evangelho, recebeu também com élc as formas essenciais do culto cristão, mas começou logo a alargar essas expressões rituais conforme sua índole própria. E ai temos, iniciahncnte, dois grandes grupos Iitúrgicos: O rito oriental e ocidental, formas que se desenvolvem paralelas, embota o desenvolvimento desta última seja bem mais florescente que o da primeira. Alein desses fatores étnicos, outros fatores de lugar, país, e circunstâncias de tempo influem poderosamente na evolução desses grupos rituais. Observa-se, por exemplo, que enquanto na Liturgia Oriental se traduz a luta da verdade contra a heresia, 11a Liturgia Ocidental se acentua a preocugacão de expurgar c cristianizar os cerimoniais pagãos. Assinala-sc ainda que não havia, nesses tempos, diretri­ zes pontificais, pelas quais se devessem reger os desenvol­ vimentos das formas cultuais. E assim, no Oriente, sobre­ tudo, os bispos tinham liberdade ampla de introduzir alte­ rações ou mudanças nos textos e nos cerimoniais. No Oci­ dente restringiu-se bem cedo essa liberdade, como depois se demonstrará. E assim foi que, no Oriente, êsse9 fatores influiram de modo tão decisivo na Liturgia, que se tornou quasi impos­ sível enumerar com precisão as suas variadíssimas formas. Aqui segue uma árvore genealógica reduzida das liturgias orientais.


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§ I

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LITURGIAS ORIENTAIS

2 S. Marcos

3 S. Taddeo (e Maris)

\ S* Tiago

Tres Cópíícas (Ba$ilio,Cir. Alcx. GregNaz.)

Tcod. de Mops* Nestório

/l\

Síria

iii

J6 Etiéplcas

umas 40

Antioch.

Maronita

9 Anáforas e o Can. Rom. Armênia (trad. da Grega)

Basílio João Crís.

A.

Lít# praes.

HISTORIA.

Os documentos liturgicos do9 3 primeiros séculos do cristia­ nismo, especialmente o que diz respeito ao Oriente, são de bem diminuto valor, para se tirar deles uma conclusão indiscutível. N&9 constituições apostólicas encontramos um& descrição minuciosa da Liturgia da s. Missa, muito semelhante a que ainda hoje se celebra nos ritos orientais. Embora tenham essas constituições um valor duvidoso, pois trata-se de uma compilação na qual entram várias partes de diferentes épocas nem todas dc valor incontestável, mesmo assim, porem, não sc pode considerar a Liturgia alí explanada como mera ficção. Ha razões suficientes para se ver aí uma forma de culto usada r.esta ou naquela igreja do Oriente. Qual tenha sido essa igreja é impossível precÍ6or-se.


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Antes de tudo se pode estabelecer que a Liturgia que traz o nome de Tiago, com todo o direito o traz. Quando se compaiam 06 catequeses de s. Cirilo de Jerusalcm (pelo ano de 350) com a Liturgia de s. Tiago, vo-se que os doÍ9 rit09 são idênticos, o que é notável visto que s. Tiago foi também o primeiro bispo dc Jerusalém. Demais, prova-o ainda o testemunho inequívoco do Sínodo de Trula (ano 692) e a tradição universal do Oriente. I. A primeira família lilúrgica foi a que se formou cm redor do altar no qual se celebrou a primeira Missa: a de s. Tiago, A esta família pertencem: a. A Liturgia grega. ò. A Liturgia síria. c. A Liturgia armênia. a) Pelo nome de Liturgia grega entendemos a de s. Basílio Magno (+379). £ste celebre doutor eclesiástico e bÍ6po de Ccsaréia encurtou a Liturgia de s. Tiago, quando se afrouxava o primitivo fervor dos cristãos. Quando esta Liturgia grega parecia ainda por demais extensa à devoção decadente, 6. João Crisóstomo teve dc redigir um ritual ainda mais abreviado. Entre os rituais dessa Liturgia devc-sc contar a Liturgia prtesanc• tificatorum. Com isto se entende a solenidade que sc concentra em redor da SAgrada Hóstia e do Preciosíssimo Sangue, consagrados num dos dias anteriores c consumidos durante esta solenidade. 09 gregos não tinham esta Liturgia prasanctificatorum somente na sexta-feira santa, mas durante todo 0 tempo da quaresma, exceto aos sábados e domingos. Nessa primeira família Jitúrgica incluímos tombem a Liturgia da Igreja Constontinopolitana • / b) Também as Liturgias sinas nascem da Liturgia de s. Tiago. Esta Liturgia síria existe ainda, em língua grega, mas é incerto si c o texto original. Possível é que 09 cristãos mais antigos da Palestina celebrassem a 6ua Liturgia em hebraico. Como, porem, a Epístola ad Hccbreos aos cristãos de Palestina foi redigida cm grego presume-se que também a Liturgia primitiva era composta em grego. O certo é que a hoje usada Liturgia Síria de e. Tiago ó uma tradução da grega. Porque essas Liturgias Orientais constara de textos quasi sem­ pre invariáveis e se restringem a um formulário fixo 0 extenso, de­ nominam-se geralmente aná/oras, o que significa realmente 0 mesmo que a palavra latina cánon.


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A6sim c que, do cânon fundamental da Liturgia Síria do 6. Tiago, descnvolvcram-6e, no decurso dos tempos, cerca do 40 anáíoras, e todas estiveram simultaneamente cm uso; a maior parte destas onáforas formaram-se depois do nascimento do Monofisitismo. No tempo medieval, quando a tribu dos Maronitas residentes no Líbano, graças às suas relações com os Cruzados, passaram à Igreja Católica, aceitaram eles muita coisa da Liturgia Romana, conservando, porem, a língua árabe. Surgiu outra ramificação: o Rito puramente Sírio, iato c, o de Anlioquia; e o Rito Maronita, do planalto sírio. Êsto último possuo, por 9na vez, 9 onáforas, das quais uma contem o cânon romano quasi completo, e outra a Missa proesanc• tificatorum, à imitação do Roma. c) Finalmente, as Liturgias armênias são os filhas legítimas da grega. No princípio era a Liturgia dos Armênios uma pura Ltadução da grega, e mesmo depois de aeu desenvolvimento, ela conservou parentescomuito mais estreito com a Liturgia grega do que com a síria. Noinício do século 5 s. Mesrópio compôs um alí&bnto para os Armênios; a língua grega era, pois, a língua lilúrgica. Devido às relações amigáveis dos Armcnios com Roma, per­ cebe-se na Liturgia dê&sc povo a influência romana (mitra romana; salmo Judica mc; Símbolo depois do evangelho). II. Mais difícil é a questão sõbrc a origem da Liturgia do s. Marcos, pois não estámais cm uso, e mesmo na antiguidade é quasi desconhecida. Ha, com efeito, uma tradição que dá a s. Marcos os direitos dc autor de uma Liturgia. Mas Teodoro Balsamon, jurista bizantino, a considera intrusa e a dciiva da Liturgia de s. Tiago. Aqueles, porem, quo estudaram os motivos dc Balsamon, concluiram que o seu critério era parcial o o seu conhecimento insuficiente. Quando ec comparam entre 6Í os diversas Liturgias egípcias que ainda hoje existem, parece que elas teem a mesma origem grega, outra, porem, que não c a Liturgia de s. Tiago. Assim pode bem ser que s. Marcos, como primeiro bispo de Alexandria, esta­ belecesse os primeiros elementos do culto dos quais nasceu & Li­ turgia mais antiga e que leva o seu nome. Desta Liturgia do s. Marcos derivam-sc 3 Liturgias compostas pelos Koptas: 1. A que usa dc preferência a anáfora dc s. Basílio; 2. A que tem por base a anáfora de s. Cirilo de Alexan­

dria (+444);


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3. A que se funda sôbrc a and fora dc s. Grcgório Nazisnzeno (.-4-390). Destas LiturgiAs kópticas derivam-se todas as Liturgias dos Etiópios ou Abissínios. As Liturgias Abissíiiifl9 tcem todas como fundamento um cânon que c a tradução do kóptico de s. Basílio. Neste se fundam, por sua vez, outros 16 cânones. A Igreja de Etiópia foi fundada por s. Frumêncio, dc Alexandria. III. A terceira família c a dc Mesopolômia. A Liturgia ori­ ginal dessa região tem o nome dc A deu íTadeu) e Maris. Estes tcriam sido os apóstolos da Mesopotômia. Sua Liturgia e antiquissima, c já se usava muito antes do tempo da heresia de Nestório. Foi essa Liturgia também que fixou o cânon primitivo, junto a duas anáforas, das quais uma se atribue a Teodoro de Mopsueste e outra ao lierege Nestório.

B.

USO ATUAL.

A Igreja Oriental usa, em grande parte, da Liturgia de 9. João Crisostomo. Bem cedo a Liturgia de s. Basílio teve de lhe ceder o lugar. Apenas em alguns dias do ano esta $e usa. Mas a Liturgia de s. João Crisóstomo dominou lambem dois ramos da Liturgia de s. Tiago, graças a influencia crescente dc Constantinopla e de 6eus patriarcas. Os primeiros que abandonaram a herança antiquíssima de s. Tiago foram os cristãos da Palestina, aceitando a Liturgia de Bizâncio. Como lembrança histórica, conservam apenas a ordem da Missa do seu fundador, no dia de sua festa. Nos tempos medievais os patriarcas bizantinos obrigaram 09 Egípcios, mesmo à força, a seguir o seu rito, e foi assim que se eliminou a Liturgia de s. Marcos. Balsamon, acima citado, foi nisto o conselheiro do patriarca Marcos de Alexandria, mas não se celebrizou muito honrosamente com as suas palavras sábias: “Nada se encontra na 8. Es­ critura, acerca da formação de uma Liturgia de s. Tiago ou de s: Marcos. Ora, nós temos os nossos santos padres Basílio e Cri­ sóstomo, inspirados por Deus, e não resta dúvida que o mundo inteiro deve se inclinar diante deles” ! Finalmente, Constantinopla transmitiu a sua Liturgia aos povos slavos. Era esle um caminho natural, visto que com todo zelo tinham trabalhado para a cristianização dele9. Com o leite materno os slavos receberam os costumes, mas não a língua grega, de modo que toda a Liturgia grega teve de ser traduzida no idioma deles. Assim se compreende que, depois da Liturgia Romana, nenhu-


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ma outra tenha tantos adeptos quanto a dc Bizãncio. Milhões de fiéis unidos a seguem. Com tudo isso a Liturgia Síria dc s. Tiago ainda esta cm uso: a) A Liturgia de Anlioquia entre os Monofisitas da Síria, na Mcsopotárnia, e cm parte nas Índias (alguns milhões). Seguem tamhem essa Liturgia os Sírios católicos, sob o patriarcado sírio-antioquouo. Éstcs últimos possuem ainda, no seu Missal, as 7 unáforus seguintes: De s. Tiago; s. Pedro; b. João Crisóstomo; s. Ôixto Fnpa; s. Mateus Apóstolo; s. Basílio; 6. João Apóstolo. b) Os católicos sob o patriarcado maronita seguem lambem essa Liturgia. A maioria dele9 reside no Líbano. Alguns também na América do Sul. Somam todos uma metade dc milhão. A Litmgia Armênia 6 conservada pelos Armênios cismáticos espalhados por toda a parte (cerca de 6 milhões) e pelos Armênios unidos tumbem esparsos, e sob o patriarcado católico armênio. Este, até 1923, tinhu sua sede cm Constautinopla, mas foi pelo Papa Pio XI transferida para Beirute. Em 1930 êlcs obtiveram iiin colégio próprio cm Roma. Da família de s. Marcos vivem ainda a Liturgia Koptica e a Etiópica. A primeira em uso entre os cristãos cismáticos do Egito (alguns milhões), e entre os copta9 unidos cerca de 20.000). A Liturgia da Mesopolàmia, na sua forma nestoriana, é ainda seguida por um pequeno grupo dc Ncstorianos que sobrevivem, sobretudo no Turquestão. Mas também os • Nestorianos unidos da Mesopotâmia, os denominados Caldcus (cêrca de. 70.000), ainda celebram ne99a Liturgia, dc conformidade, porem, com as determinações de seus apóstolos. Estes pertencem ao patriarcado babilônio^aldeu.

§11- LITURGIAS OCIDENTAIS A mesma dificuldade se encontra quando se quer se­ guir os primeiros passos do desenvolvimento das Liturgias ocidentais: faltam as fontes dos séculos em que se ope­ rou a expansão do cristianismo. Quando a pesquisa histórica, nos séculos 4 e 5, en­ contra terreno firme, é obrigada a verificar uma variedade que. si não c tão profunda como no Oriente, tem, todavia, raizes profundamenle escondidas.


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Primeiramente parece existir a Liturgia Romana no domínio da Igreja Romana e na África. Posteriormente mais tres outras, espalhadas pela Europa, que teem de Galicana, comum uma acentuação forlemenlc oriental: p. Ambrosiana e a Mozarábica. Estas 3, principalmente, não são absolutanienle iguais cm todas as regiões, mas variam notavelmente conforme os lugares. A.

As três Liturgias n ã o • R o m a n a s.

Destas Liturgias aceitam todos os Liturgistas como assente: 1. Si as Liturgias Ambrosiana, Mozarábica e Gálica não se reduzem a uma mesma fonte comum, ao menos estão debaixo da influência de uma única. Isto se tem de con­ cluir dos pontos de aproximação que existem entre elas, e que depois serão citados. 2. Estas Liturgias não descendem de Éfeso, isto é, de uma Liturgia que teria por autor s. João Evangelista. Até pouco tempo isto se aceitava. S. Irineu e s. Pótino,. bispos de Lião, no século 2, teriam trazido esta Liturgia de s. João para a França, e dali ela se terfíf espalhado no Ocidente, com as suas variações inevitáveis. E* muito duvidoso que s. João tenha creado uma Li­ turgia própria, como também se duvida que já no século 2 a Liturgia começasse a florescer. E, de outro lado, quando no 4.° século verificamos a vida exuberante da Liturgia, Lião perdera muito da sua influência para poder impor os seus usos, como no centro das igrejas ocidentais. Mas oude se acha então êste centro ? a. EM MILÃO, responde Mgr. Duchesne. Êle chega a esta conclusão por argumentos históricos e topográficos. I. A cidade de Milão é, no fim do 4.° e princípio do 5.° século, o ponto de atração de todo o Ocidente. Bispos de França, dc Hespanha c até da África vão buscar a so­ lução das questões eclesiásticas tanto com o bispo de Milão como com o Papa. Assim se compreende como a Liturgia


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de Milão se tenha repartido, cá e acolá, pêlas diversas igrejas. 2. Milão está em ligação estreita com o Oriente. O antecessor de s. Ambrósio era um Capadócio, Auxêncio, que não sabia latim. Êle góvernou de 355 a 374. Será crível que naqueles dias em que a Liturgia se formava, c quando os bispos eram mais do que seus simples tutores — será crível que não se tenham implantado no culto milanês formulários e cerimônias orientais? Embora Auxêncio fosse um ariano ardoroso, s. Ambrósio podia ter as suas boas razoes de conservar a Litur­ gia como estava, e sancioná-la. Então se poderia compre­ ender porque as Liturgias Ocidentais (exceto a Romana) não somente conteem elementos orientais, mas são mesmo, em toda a sua feição e composição, como que a Liturgia de um rito oriental. 3. . Finalmente, deve-se ponderar que Auxêncio não era o único oriental numa sede episcopal ocidental. De modo que os colegas de Auxêncio poderiam lambem ter trazido a influência oriental às suas respectivas dioceses e ter, facilmente, aceito a influência de Milão. A influên­ cia dc Roma, e não a de Milão, é naquele século lotalmente inverossímil. 4. Com esta não-intervenção de Roma se podem ex­ plicar facilmente as influencias orientais. Roma se alheia complelamentc. E quando o perigo ameaça, então sim, o Papa se opõe energicamente, como se demonstra de uma carta de Inocêncio I a Decêncio, bispo de Gúbio e sufrarrâneo de Roma. A influência de Milão foi breve, e a sua Liturgia de­ veu ceder então, quasi por completo, aos direitos que Roma reclamava. 6. A esta opinião ?se opõem d. Cagin e d. Cabrol, que não admitem parentesco das três Liturgias Ocidentais com as Orientais, e querem deduzí-las todas, com a Ro­ mana, de uma forma latina, originária e comum.


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1. Em favor desla opinião ha, com efeito, um traço essencial que diferencia as 4 Liturgias Ocidentais das Liturgias do Oriente. E êste traço específico é a variabi­ lidade dos textos, inerente a todos os ritos ocidentais, traço êste alheio às Liturgias do Oriente, em que o texto da Missa é o mesmo para o ano todo. A riqueza de textos é tão variada e tão abundante em todas as Liturgias Oci­ dentais, que desde o princípio elas se reservam para isso livros próprios, como sejam os Sacramentários. ftste fato, não ha negar, oferece base suficiente a tese de d. Cagin e d. Cabrol. 2. Um segundo motivo, não tão forte, mas ainda apreciável, é a diferença do formulário da consagração nas Liturgias do Oriente e do Ocidente. Em todos os ritos orientais ela se inicia pela fórmula in nocte qua traácbatur, “na noite em que Êle era entregue"; ao passo que em todas as Liturgias ocidentais: qui pridie quam pateretur9 Uque, no dia antes da sua paixão”. c.

Crítica.

Com efeito, conclue-se dos argumentos de Duchesne que Milão (e de certo modo alguns bispos orientais no Ocidente) tenha influído sobre a formação da Liturgia no oeste da Europa. Mas não se segue daí que estas Li­ turgias ocidentais tenham sido, desde o princípio, orien­ tais. São estes argumentos que deixam intacta a possibili­ dade de uma forma latina primitiva. E os aigumentos em favor da segunda opinião, isto é, de d. Cagin e de d. Cabrol, fazem muito crível a existência dessa forma latina primitiva, sem negar a grande seme­ lhança das três Liturgias Ocidentais com as Orientais. É uma tese que apenas quer assentar que a substância pri­ mitiva dessas Liturgias não era oriental. Ora, pode ser que lenha existido a forma latina pri­ mitiva das quatro Liturgias do Ocidente, e que o desen­ volvimento dessa substância latina se tenha influenciado por motivos orientais. Sob o domínio dessa influência


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oriental teria ficado inabalável o princípio ocidental da variabilidade dos textos.

fl.

A Missa no rito gá lie o.

Êste rito alcança o seu pleno desenvolvimento no 5.° e 6.° século. Existem ainda bastantes manuscritos nos quais se descreve esta Liturgia, para se poder determinar a sequên­ cia do s. Sacrifício da Missa nesse rito. 1. Entrando o sacerdote no presbitério cantava-se uma antífona, e depois das reverências diante do altar cantava-se três vezes o k y r i e, seguido do cântico de Za­ carias, o “Benedictus”. Seguiam-se duas leituras: uma dos profetas e outra dos Apóstolos; finalmente o cântico dos três jovens, de Daniel. O K y r i e acompanhava tam­ bém a ida e volta da procissão do evangelho. À homilia explicavam-se os textos. Tnlercalava-se aqui uma ladainha de caráter especificamente oriental: uma série de orações do diácono pêlas necessidades da Igreja; às quais os fiéis respondiam mais ou menos da seguinte maneira: “Digamos todos: tende piedade de nós, Senhor”. Kyrie eleison, kyrie eleison, kyrie eleison. Em outras regiões colocava-se esta ladainha em outro lugar. Terminada «esta seguia-se a demissão dos catecúmenos. 2. A segunda grande parte começa com a procissão da oblata, que já fôra preparada no presbitério antes que o celebrante entrasse no altar. Também durante esta pro­ cissão canta-se a antífona “post Evangelium”. Segue-se imedintamente a antífona do ofertório. Um convite à ora­ ção e recita-se uma prece particular sôbre as oblatas, de­ pois da qual se leem as dípticas (listas de nomes das pessoas particularmente recomendadas à oração), a ora­ ção comum depois dêsses nomes, a oração da paz e a troca mútua do ósculo da paz. 3. A oração eucarística contem:


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a contestatio, que corresponde ao nosso pre­ fácio ; b) o Sanctus; c) o “ Vere sanctus”, no qual o celebrante continua sozinho o cântico de louvor iniciado pelo povo; d) o texto termina com o “qui pridie”, ao qual se seguem as palavras da consagração; e) segue a epíclcse: invocação do Espírito Santo sobre as oblatas; 4. Depois qucbra-se a s. Hóstia em certo número de pedaços que são depositados no altar, formando uma ou outra figura. O Paler Noster e o “embolismo” (o de­ senvolvimento do último pedido dessa oração), a mixtura de uma partícula da s. Hóstia no cálix e a bênção solene do bispo antecedem imediatamente a s. comunhão. a)

A esta segue-se a oração de ação de graças e a de­ missão. Eis, em grandes linhas, a ordem litúrgica do s. Sa­ crifício da Missa, não somente na Gália, mas, guardadas as alterações e variações secundárias, nos demais países do ocidente europeu, durante os séculos 5.° e 6.°. C. Expansão da Liturgia Romana. O monge Agostinho, que viaja com os seus 40 com­ panheiros pela Gália, em demanda da sua terra de missão, a Inglaterra, exprime ao Papa Gregório Magno a sua admi­ ração com os diversos ritos que encontra na Gália e na Inglaterra: "Cum una sit jides, cur sunl ecclesiarum consuetudines tarn diversac, et altera consueludo missarum est in /íomana ecclesia alque altera in Galliarum ecclesiis tenentur? — Visto que a fé é uma só e a mesma, porque então são tão diferentes os costumes das igrejas, e na ordem da 5. Missa se ha de seguir na Gália um rito diverso de Roma?”


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Era uma pergunta na qual falava um pouco de pesar, mas o Papa Gregório lha responde, cora grande sabedoria e rara largueza de idéias: “Como somos irmãos, alimen­ tados pelos usos eclesiásticos romanos, compreendo que estes te impressionem antes de tudo mais. O meu desejo, porem, é que si encontrares na igreja romana, ou na gálica, ou em qualquer outra igreja, algo que possa agradar mais ao Deus onipotente, tu o escolhas e transplantes na igreja anglicana esse novo rebento da fé. Non enim pro locis res, sed pro rebus loca nobis amanda sunt”. Estas últimas e belas palavras poderiamos traduzir livremente: É preferível abandonar os nossos hábitos do que abandonar as a{mas de um povo. No entanto, essas belas palavras não impediram que depois de algum tempo a Liturgia Romana dominasse na Inglaterra. E isto porque os monges beneditinos adotavam, na fundação de novos centros cristãos, os usos romanos. S. Wilfrido e s. Benedito, abade de Wearmoulh, que esta­ vam em contato habitual com Roma, tomavam emprestado à igreja de Roma livros de cânticos c outros livros ri­ tuais. As regiões do norte, que tinham recebido os seus ritos célticos de monges irlandeses, deveram capitular di­ ante dos ritos romanos, quando s. Teodoro, nascido em Tarso da Cilícia, como arcebispo de Canterbury, com es­ pírito organizador e mão firme, levou a cabo a adopção completa da Liturgia Romana. Isto se deu pelo fim do 7.° século. S. Wilibrordo, s. Wilibaldo, s. Suitberto, todos filhos de s. Bento, trazem, com o evangelho, a Liturgia Romana da Gran-Bretanha para a Frísia; s. Anscário para a Dina­ marca e Suécia; s. Bonifácio para as terras alemãs e fran­ cesas. Na França já se fizera sentir antes influência ro­ mana. Pois, os missionários romanos, de passagem para a Inglaterra, e os peregrinos ingleses para Roma achavam abrigo e repouso nos conventos e nos centros episcopais


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da Gália. Alí ofereciam imagens e relíquias da Igreja Mãe, que engendrara os seu9 filhos a custo de tanto sangue, e que guardava com carinho a lembrança dos seus márti­ res. E, por esse culto dos mártires, que tem parte tão im­ portante na Liturgia Romana, esta se transplantou para a Gália. Os núcleos de vida beneditina eram os canais pelos quais os costumes romanos se comunicavam ao ocidente europeu. Principalmente s. Bonifácio era um defensor fervoroso da Liturgia Romana. Em 754 s. Chrodegang de Metz introduziu lambem a Liturgia Romana no seu território. Para esta expansão da Liturgia Romana contribuiu também o poder civil. Um antigo monge de Exeter, diocese sufragânea de Canterbury, ungiu Pepino íei em Soissons, e Pepino re­ cebeu do Papa Paulo I (757-767) o Antifonário e Responsorial romanos. Isto em 760. S. Remédio, filho de Carlo9 Martcl, amigo de Alcuino, soube interessar o vice-diretor da schola cantorum de Roma nos trabalhos de sua igreja de Rouen. Pepino baixou um decreto pelo qual abolia a Liturgia Gálica, tornando a Ro­ mana obrigatória. Para poder executar esse decreto Carlos Magno obteve um Sacramentário do Papa Hadriano, que lhe foi entregue por um monge de Ravena. D.

Liturgia

neo-Romana.

Depois trataremos mais profusamente do Sacramentá­ rio do Papa Hadriano. Antecipemos, porem, que se trata dc um livro que continha a coleção dos textos de que se servia o Papa nas festas e selenidades das estações em Roma, e o ritual de administração das ordens. Para que tal livro pudesse ser utilizado na Gália deveria ser adatado e compietado, e isto se fez sob a vigilância carinhosa de Carlos Magno, e na sua própria corte. O livro referido


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era intitulado pelo Papa Hadriano como obra do Papa Gregório Magno; donde seu nome, na história, de Sacra• mentarium Gregorianum. iS"es9a adatação e aperfeiçoamento do Sacramentário muito contribuiram os livros litúrgico9 já existentes na Gália e o concurso de Alcuino, famoso sábio da côrte de Carlos Magno (735*804). O discípulo de Alcuino, Amalário, continuou a estu­ dar o desenvolvimento do culto e ofereceu a Carlos, em 823, o resultadoi dos seus esforços: De ecclesiasticis officiis libri IV, uma espécie de enciclopédia litúrgica tratando do ano litúrgico, das santas ordens, da 8. Missa e do ofí­ cio. Voltando da sua missão junto ao Papa Gregório IV (827*844), Amalário compõe um Antifonário, uma compi­ lação de diversos já existentes. A consequência de tudo foi uma Liturgia de partes romanas e gálicas, portanto de caráter mixto. Esta se espalha enláo, no curso do século 9 e 10, era todas as igrejas da França. E quando ela volta a Roma novamente, no século 11, não é tratada como extrangeira, mas consi­ derada como um romeiro estropiado e gasto depois da sua peregrinação. Perdera muito da simplicidade e sobriedade romana. Mas Roma é extremamente complacente: os acrés­ cimos gálicos não são todos recusados; muita coisa se adota c se liga aos elementos romanos existentes. Assim foi que nasceu a Liturgia neo-Romana, que desde aí continuou a viver. E. Histórico do rito Mozarábico. 1. A Liturgia Romana tinha de ceder à Liturgia na­ cional. A Hespanha tivera de bem cedo a sua igreja cristã, e a sua Liturgia deveria provir, direta ou indiretamente, dos mesmos Apóstolos. No decurso dos tempos foi ela sujeita a muitas alterações, em consequência da ação dos novos povos e da suspeição de heresias. Alamanos, Suevos, Vândalos, Godos tinham passado


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os Pirincus c expandiram-sc na Península com as suas prá­ ticas pagãs e seus ritos infeccionados de Arianismo. O Pricílianismo semeava os seus erros gnóstico-maniqueus na Galiza, entre os povos suevos, e teve a ousadia de falsear os textos da S. Escritura e contaminar assim a Liturgia. Proíulurus, bispo dc Braga, com os seus sufragâneos, começou a luta quando os erros já se insinuavam no ter­ reno do culto; mas éle não poude contar com os outros bispos ao seu lado, pelo que dirigiu-se ao Papa. O Papa Virgílio (537-555) mandou-lhe em resposta, entre outras regras disciplinares, o ritual do batismo como também o da s. Missa. Êste último continha apenas o cânon. Mas o Papa manda-lhe junto as suas indicações sobre o uso romano dc parafrasear essa oração imutável do cânon com certos formulários variáveis, que juntos formam a maior parte do Sacraraentário. E, para a hipótese em que o bispo de Braga quisesse compor tambein um Sacramentário próprio, junta-lhe o Papa o formulário da s. Missa de Páscoa. Quando um pouco mais tarde, em 561, o rei dos Suevos se converteu ao catolicismo, puderam os bispos con­ vocar um concilio nacional. Aí tornaram obrigatórios os textos litúrgicos que Roma tinha enviado a Profuturus. Mas foi essa uma alegria efêmera. Quando o reino dos Suevos, em 585, foi incorporado ao dos Visigodos, submeternm-se também as suas igrejas aos concílios na­ cionais de Toledo. Êstes eram muito favoráveis à unidade da Liturgia antiga. Realmente, convoca-se no ano 633, o quarlo concilio de Toledo, presidido por s. Isidoro, que impõe a unidade da Liturgia em todas as províncias do reino visigodo, dos dois lados dos Alpes. Os usos romanos, que já se tinham estabelecido na Galiza, foram considerados como aberrações, e cuidadosa­ mente extirpados, em favor da Liturgia antiga de Hespa-


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nha. Desde esse concilio tudo se acoberta com o nome e com a autoridade de s. Isidoro. Essa Liturgia vigora sob o domínio dos Árabes, tanto nas regiões onde os Árabes se convertem ao cristianismo, como nas regiões em que os cristãos podem viver livremente, no meio das tríbus árabes. Essa Liturgia denominou-se Mozarábica, palavra que se deriva de moesláriba, e significa “assimilado ao9 ára­ bes”. Na língua deles essa palavra denomina os homens que, não sendo árabes pêla raça, como árabes se comportam. 2.

Liturgia suspeita.

A monarquia tranquila desses ritos teve logo de defender-se contra os concorrentes nacionais e extrangeiros. Félix, bispo de Argelis, e Elipandus, arcebispo de To­ ledo, procuram na Liturgia Mozarábica argumentos para a heresia que defendem, denominada adopcianismo. Esta heresia, atribuindo a filiação às duas naturezas, dis­ tingue em Jesus Cristo o filho de Maria e o Filho eterno do Pai. Para se justificarem êlcs citam fórmulas extraidas das Missas de quinta-feira santa, da ascensão e da Missa de s. Esperatò, formulários que atribuem aos bispos ante* riores dc Toledo. Elipandus apela para Carlos Magno, pois que a diocese de Félix pertence ao território dêsle. Con­ voca-se um concilio em Frankfurt sobre o Meno, em 794. Êste condena o adopcianismo e culpa os textos litúrgicos do Missal como responsáveis da heresia. O con­ cilio sublinha o perigo das liturgias nacionais e declara a unidade da Liturgia o meio mais seguro de se assegurar a unidade da fé. No seu tratado contra Félix demonstra Alcuino que tais fórmulas heréticas não se achavam no Missal hespahol, mas eram corrupções dos cabeças da heresia. Tive­ ram êste9 o despi ante de mudar as palavras adsumptionem e adsnmpli em “adoptionem” e “adoptivi”. Não obstante


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creou-se era torno da Liturgia Mozarábica uma atmosfera de desconfiança. Em 918 veiu à Hespanha ura embaixador do Papa João X (914*928) chamado Zanelo, afim de recomendar o santo Padre ao Apóstolo s. Tiago, no seu famoso san­ tuário de Compostela. Voltando a Roma, Zanelo exprime ao Papa a sua admiração pelo ofício mozarábico. Cioso da inviolabilidade do dogma, manda-o Roma de volta para a Hespanha, com o encargo de examinar os livros usados na Liturgia. O seu relatório tranquiliza o Papa. Somente a fórmu!a da consagração deveria ceder lugar à de Roma; quanto ao mais é aprovado o rito Mozarábico pelo sínodo romano do ano 924. 3.

Luta difícil e vitória de Roma.

Em 1064 chega a Castela o embaixador pontifício Hugo Cândido e começa a extinção do rito Mozarábico. A igreja de Hespanha, irritada, manda a sua deputação dé bispos ao concilio de Mântua. Alí examinam-se de novo os livros rituais, que obteem nova aprovação. Mas contra a intenção do Papa e do concilio, Cân­ dido insiste no intento de reprimir a Liturgia nacional. Era 1067 realizou nova tentativa na Hespanha. E não sem fruto, pois realmente, no dia 22 de Março de 1071, terçaícira da segunda semana da quaresma, a Liturgia Romana entrava triunfalmente no convento de s. Juan de la Pena em Aragao, onde, com grande solenidade, cantou-se a Noa, em presença de Cândido, do rei, dos bispos e de toda a corte de Aragão. De Aragão a Liturgia Romana se expande em todo o reino. Propagandistas zelosos foram os beneditinos de Cluny. Sob uma série de abades ilustres desenvolveu-se naquele tempo a abadia de Cluny, tornando-se um centro podero­ síssimo: dois mil conventos eram por ela dirigidos, e diversos na Hespanha, principalmente na zona dos Pirineus. Aos seus discípulos são confiadas dioceses importan­ tes — recurso magnífico de expansão do prestígio de Cluny


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c de Roma. Alera do que, muitos dêsses monges-bispos eram francêses ardorosos, que dificilmente se esquivariam à tentação de fazer servir a Liturgia ao patriotismo. O que é certo é que êles não eram extranhos aos sa­ lões das princesas hespanholas. E estas, de origem fran­ cesa, não seriam menos solícitas de implantar a Liturgia que lhes lembrava a sua França, e que elas, por isso, de­ nominaram “galicana’\ Uma dessa9 princesas foi Almodis, condessa de Cata­ lunha. A propósito de Liturgia compreende-se facilmente a visita de Hugo Cândido a essa condessa, em Barcelona. Uma audiência com ela significaria um decreto pelo qual a Liturgia hespanhola cederia lugar à de Roma. E foi as­ sim que em 1071 a Catalunha tornou-9e liturgicamente Romana. Enquanto Cândido regressa para Roma, s. Hugo, abade de Cluny recebe uma carta de Afonso VI, de Castela, na qual este comunicava ser-lhe impossível aceitar o ofício romano, por causa das amotinaçÕes do povo. Pede por isso a s. Hugo que interceda junto do Papa, afim de que, si necessário fosse, o cardial Geraldo viesse corrigir o ofício do rito Mozarábico. Alexandre II (1061-1073) manda, em 1071 ou 1072, dois legados, Geraldo e Rembaldo. Êstes procedem com excessivo rigor, e todo o clero se revolta contra êles. 09 bispos por êles depostos apelam para o novo Papa Gregório VII. E o 6anto diplomata procede da seguinte forma: a. Sem ter recebido informações de Geraldo, absolve os bispos e restitue-lhes o govêrno episcopal. Mas exorta-os. de modo muito particular — vê-se o antigo monge de Cluny — a trabalharem para que seja aceita a Liturgia Romana (1073). b. Pessoalraente dirige uma carta ao rei de Aragão, felicitando-o pêlas lutas vencidas e pêla introdução do ofício Romano. c. Ao mesmo tempo vão cartas pessoais aos reis de Castela, Navarra e ao poderoso bispo de Oca, afim de


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que se esforcem para realizar o ardente desejo do Papa: a introdução do rito Romano. Desde aí, tanto os reis como os bispos estão magnificamente dispostos para a empresa. Quando, em 1076, Navarra passa a ser governada pelos reis de Aragão, alí também se opera a mudança. Afonso VI, dc Castela, teve de vencer uma grande resislcncia do povo. Mas por insistência de sua esposa, do novo legado papal, também beneditino, e do episcopado, decide-se afinal, em 1078, a proibir a Liturgia Mozarábica e aceitar a Romana em Leão e Castela. Depois da vitória sobre os Mouros, esse rei eleva Toledo a capital. Restabelece-se aí a sede arquiepiscopal, para a qual é indicado Bernardo, um francês e antigo monge de Cluny. Bernardo alcança de Urbano II (1088-1099) a piomoção à dignidade primacial, e ainda a substituição do legado pontifício, de modo que o cardial Rainier, antigo monge de Cluny, veiu a ser o embaixador. Êstes fatos, juntos todos à amizade íntima de Afonso VI com s. Hugo, como também a influência de sua esposa Constância, viuva de Hugo II dc Lémur e sobrinha do abade de Cluny, susten­ tam a boa vontade do rei, a quem cabe a vitória final. 4.

Restos do rito Mozarábico.

Ésse rito não se extinguiu por completo. Com o con­ sentimento do legado papal continuou em vigor nas antigas igrejas mozarábicas de Toledo. Mas a sua celebração redu­ ziu-se apenas a alguns dias do ano, do século 12.° até 15.°. O cardial Ximenes organizou na catedral de Toledo uma capela para o culto antigo. Nomeou 13 capelães que tinham por encargo celebrar o culto com orações e cerimo­ nial da antiga liturgia nacional. Encarregou um cônego da diocese de Toledo de compilar os antigos rituais, e, em 1500, publicou o Missal, e dois mêses mais tarde o breviário. Rodngo de Talavera fundou também, no convento da catedral de Salamanca, uma capela com a obrigação de nela


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celebrar-se, uma vez por mês, e em certas festas, a Missa Mozarábica, conforme o uso da capela de Toledo. (1517). Hoje em dia a Liturgia Mozarábica vive apenas na diocese de Toledo, e isto: a. Na capela do cardial Ximenes, cujo número de ca­ pelães foi reduzido a 8, pela concordata de 1851. b. Na capela de Talavera, em Salamanca. c. Nas igrejas paroquiais mozarábicas de Toledo, que, atê 1842, eram cm número de 6. Hoje existem ainda duas, a saber: a de s. Justa e Rufina, e a de s. Marcos. 5.

A renascença de Braga.

Como única exceção no terrilório espanhol viu Braga, a antiga capital dos Suevos, a renascença da sua antiga Liturgia. Como acima se disse, nasceu a Liturgia de Braga no 6.° século. Essa Liturgia se compôs, em parte, pelo cânon romano enviado pelo Papa Virgílio ao bispo Profuturus; e de outra parte, por formulários feitos no próprio país, ou tomados de empréstimos a outras Liturgias. Depois do 4.° concilio de Toledo (7.° século), foi substituida pela JJturgia Mozarábica, e após o concilio de Bur­ gos (11.? século), pela Liturgia Romana. Mas a Liturgia bracarense revivesceu, provavelmente no fim do século 13, aproveitando-se do privilégio concedido na bula de Pio V, Quod a nobis, (1568), pela qual todas as Liturgias bi-cenlenárias poderíam continuar em vigor. Apesar da obrigação de a seguir, imposta pelas cons­ tituições sinodais, essa Liturgia não se reintroduziu a nao ser na catedral, e isto por diversos motivos, dos quais o principal era a falta de livros. A última edição do breviário era de 1724 e a do Missal, de 1558. O atual arcebispo de Braga, d. Vieira de Matos, resol­ veu restaurar a antiga Liturgia de sua arquiodiocese, e obteve do Papa Bento XV a bula Sedis huius apostolcoe,


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de 14 de maio dc 1919, pêla qual se tomou obrigatório o uso da Liturgia bracarensc. Graças aos esforços do arce­ bispo foram reeditados o Missal e o breviário. Êle chegou mesmo a insistir e obter permissão de celebrar em Roma uma Missa Pontificai solene, no rito de Braga. Hoje c essa a Liturgia de um território de 4.914 kms. quadrados, com uma população de 600.000 almas, aproximadamente. Damos aqui um resumo do cerimonial solene da 8. Missa no rito bracarense: 1. O celebrante põe incenso no turíbulo antes do deixar a sacristia. À cabeça da procissão vai o cruciferário, entre dois ceroferários. Nas festas solenes seguem 4 ou 6 sacerdotes em sobrepelia e capa. Veem depois o sub-diácono com o cálix e o diácono com o Missal. Nas festas soleníssimas não carregam nada. 2. O diácono põe o Missal na almofada e o sub-diácono coloca o cálix no altar ao lado da epístola; coloca também o corporal, deixando a parte da frente dobrada para o meio. Diácono e subdiácono respondem, ajoelhados ao pé do altar, às orações do cele­ brante. 3. Depois das coletas o celebrante e diácono vão assentar-se, e ouvem dai a leitura da epístola pelo sub-diácono. No fim este vem pedir a bênção ao celebrante. Dada esta, levanta-se o oficiante e do pé, em frente à sua cadeira, lê o Gradual, Aleluia, sequência ou tractus do Missal que lhe apresentam o diácono e subdiácono. O oficiante não lê a epístola nem o evangelho, mas o subdiácono deposita o Missal na almofada sobre o altar, ao lado do evangelho, e volta ao celebrante, oferecendo-lhe o cálix com o sanguinho. O sacerdote assenta-se novamente, e com a assistência do diácono e do sub-diácono, ajoelhados aos seus pés, prepara o cálix que o diácono leva ao altar e cobre com o véu. 4. Depois do Munia cor meum ao pé do altar, o diácono, do joeihos, pede a bênção do celebrante que está de pé, em frente de sua cadeira. Todos se ajoelham, quando se pronuncia o nome de Jesus, exceto o celebrante, que apenas inclina a cabêça. 5. O sub-diácono não se reveste do véu de ombro. Êle acom­ panha o celebrante na incensação e incensa o diácono. A pregação se faz entre o incensar do altar e o Lavabo. O pregador vem, do joelhos, pedir a bênção que o sacerdote lhe dá, sem se levantar df sua cadeira. 6. No gratias agimus fazem o diácono e sub-diácono uma


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nuflexão dupla. Depois do “Bcnedictus qui venit99 recebo o subdiácono o véu de ombro e toma a patena. Cobre*6e o cálix com a pala, logo depois da consagração, mesmo antes da elevação. 7. Durante a segunda (nossa pequena) elevação da 8. Hóstia, ajoelha-se somente o diácono. No dimilit nobis recebe o diácono, sobre o véu do cálix, a patena do sub-diácono. Em íestas menos solenes ha algumas alterações. Destas a mais importante é que os ministros, após as orações ou coletas, perma­ necem no altar e o celebrante prepara o cálix a( mesmo. Também a Missa rezada sofre algumas variações nas orações fixas, a preparação do cálix se faz logo na entrada do altar, ha vária9 genufiexões de dois joelhos, o voltar-6e um pouco com a s. Hóstia paia o povo, antes da comunhão, e — isto bó nos ritÓ6 simples e semi-duplos — depois do benedicamus Domino, a bênção sem palavras. As cores litúrgicas 6Õo as mesmas do rito Romano, mais o amarelo, nas Missas dos confessores não-pontíficea.


CAPÍTULO V

O RITO ROMANO § 1.

Primeiros documentos

Do mesmo modo que no Oriente e no Ocidente, a Li­ turgia se desenvolveu tomando cada qual o seu rumo pró­ prio, assim também o mesmo sucede com a Liturgia de Roma. Neste capítulo o que tencionamos é descobrir esse rumo. Aqui consideraremos os primeiros vestígios da Li­ turgia especificamente Romana. A. Na tradilio npostolica, outrora denominada a nor­ ma eclesiástica egípcia, e quo hoje se alribue a s. Hipólito, (+235), achamos o testemunho mais antigo, que remonta ao início do 3.° século. Hipólito encabeçou um movimento cismático como anti-papa de Calixto (217-222). Portanto, quando êle cita nessa obra a oração eucarística, seria ca­ bível que aí introduzisse algo de discordante do texto usado pela única Igreja de Roma. Todavia, tal não sucede, pois Hipólito acusa o seu adversário de introduzir novidades; donde se presume que êle não tenha introduzido alterações lão profundas, como seria a mudança do texto do cânon usado em toda a Igreja Romana. 0 que êsse texto contem de principal é o que segue: Dcminus vobiscum. Et cum spiritu tuo. Sursum corda. Habemus ad Dominum. Gratias agamus Domino. Dignum et justum est. Gratias tibi referimust Deust per dileclupt pucrum tuum Jcsum Christum, quem in ultimis temporibus misisti nobis salvatorem ct redemptorem et angelum voluntatis tua:; Qui est verbum tuum inseparabilem, per quem omnia fecisti et bene placitum tibi fuit; misisti dc coelo in matricem virgin is, quique in utero habitus incamatus est, et filius tibi ostensus est ex spiritu sancto et virgine natas;


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qui voluntatcm tuam complens, et populum sanctum libi adquirens, cxtendit manus, cum patcretur, ut a passione liberarei eos, qui in te credidcrunt; qui cum que tradcretur voluntarice passiorti, ut mortem solvat et vincula diaboli dirumpat, ct infcrnum calcet, et justos inluminet, et terminum figat, et resurrectionem manifestei, accipiens panem, gratias tibi agens dixit: Accipite, manducate: hoc est corpus meam, quod pro vobis confringetur. Similiter et calicem dicens: Hic est sanguis meus, çui pro t/oòú effunditur; quando hoc facitis. meam commemorationem facitis. Memores igilur mortis et resurrectionis ejus offerimus tibi panem et calicem gratias tibi agentes, quia nos dignos habuisti astare coram te et tibi. Et petimus, ut mittas spiritum sanctum tuum in oblationem sanctcc ccclesia:; in unum congregans des omnibus, qui pcrcipiunt, sanctis in rcpletionem spiritus sancti; ad confirmationem fidei in veritate, ut te laudemus et glorificemus, per puerum tuum Jcsum C/irwtum, per quem tibi gloria et honor, palri et filio cum soneto spiritu, in sancta ecclesia tua, et nunc et in sascula saeculorum. Amen. (“Eucharistia” D. Cagin, pág. 303 e 304).

Deste texto temos de ressaltar o que ha de mais no­ tável, a saber: 1. A ordem da oração de ação de graças não é in­ terrompida por orações de súplica, o que parece ter sido introduzido em tempos posteriores. 2. E* dirigida ao Pai, oferecida pelo Filho. 3. Os benefícios que o Filho nos alcançou são men­ cionados. 4. A narração da última ceia e as palavras da con­ sagração são intimamente unidas à menção da segunda paixão.


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Segue-se a lembrança agradecida .dos atos da Re­ denção (anamnese). 6. A invocação do Espírito Santo sobre o Sacrifício da Igreja (epíclese), afim de que Êle distribua os frutos da unidade e a plenitude dos seus dons, para confirmação na fé. 7. A doxologia com o nome da Igreja, como o fez s. Paulo na epístola aos Efésios: “Ipsi gloria in Ecclesia et in Christo Jesu..

5.

(3,21). Também na oração eucarística da epístola de s. Clemente Romano encontra-se, antes da doxologia, uma oração pela Igreja. O mesmo se vê nas fórmulas dispu­ tadas do cánon da Didaché (9,10) . No texto acima tem-se a medula de toda a oração eu­ carística dc nosso Missal Romano. Faltam apenas o Sanctus e os mementos. Na terceira parte, quando tratarmos espe­ cialmente do cânon, demonstraremos que esses elementos foram introduzidos em tempos posteriores. B. O segundo testemunho achamo-lo no texto do de Sacramentis, do 4.° século. Esta obra foi, durante muito tempo, atribuída a s. Ambrósio. Hoje não se aceita mais a autoria de santo Ambrósio, mas sustenta-se que a obra foi escrita antes de 400, no centro milanês. No capítulo 4 do IV livro, o autor descreve a instituição da s. Eucaristia e a mudança do pão e do vinho pelas palavras de Cristo que o sacerdote repete, conforme o texto, no momento da consagração: “Tudo o que antes fora dito, era a palavra do sacer­ dote: as orações de louvor que eram dirigidas a Deus, a oração de súplica que Lhe foi dirigida, pelo povo, pelo rei e por todos os demais. Mas quando se decide. a realizar o altíssimo Mistcrio ,então não é mais a palavra do sa­ cerdote que se ouve, mas a palavra de Cristo!” Daí não se pode deduzir cabalmente, mas com bas­ tante probabilidade, que já naquela época tinham entrado


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no cânor, as orações dcuonúnadas dípticaa, a saber, orações de súplicas para as diversas categorias de fiéis. Em seguida o autor traz, no capítulo 5, do mesmo livro, o texto das orações da consagração: “rar no bis hanc oblalionem ascriptam, ratam, rationabilem, acceptabilem, quod figura esl corporis et sanguinis Jesu Christi. Qui pridic quam paleretur, in sanctis manibus suis accepit panem, rcspexit 'n cceinm ad te, Snnctc Patcr omnipotens, cclerne Deus, gratias agens, henedixit, fregit, fractumque apostolis suis et discipulis suis tradidit, dicens: Accipite et edite ex hoc omnes: Hoc est enim corpus meum quod pro multis confringctur. Similiter ctiam caHcem, postquam catnatum est, pridic quam paleretur, dccepit, respexit in cceinm ad te, sancte Pater omnipotens, cetcrne Deus, gratia agens, benedixit, apostolis suis et discipulis suis tradidit, dicens: Accipite ct bibite ex hoc omnes: hic est enim Sanguis mtus”. Ainda diz o sacerdote: uErgo memores gloriosíssima ejus passionis et ab inferis resurrectionis, in coelum ascensionis, offcrimus tibi hanc immaculalam hostiam, hunc panem sanctum et calicem vitce aeternae, et petimus et precamur, ut hanc oblationcm suscipias in sublime altarí tuo per manus angelorum tuorum, sicut suscipere dignatus es munera pueri tui justi Abel et sacrificium patriarchoc nostri Abrahce et quod tibi oblulit summus sacerdos Mclchiscdcch”.

Pode-sc concluir com certeza que aí cita-sp o cânon Romano, e isto porque o autor afirma, repetidas vezes, que a sua Liturgia está unida à Liturgia da Igreja de Roma. (Liyro 3, cap. 1). Em todo êsse texto, merece especial ménçao: 1. A oração que antecede imediatamente a consagra­ ção corresponde ao Quam oblalionem do texto atual. E’ ainda mais insistente do que a fórmula atual. 2. A única oração que se segue, no texto de hoje se reparte em três: Unde et memores, Supra quoe e Supplices. C. Não se encontram, nessa época, indicações diretas sobre o cerimonial das leituras, orações e atos que rodeiam a oração eucarística. Encontra-se um testemunho indireto nas obras de s. Agostinho, bispo de Hipona. W. C. Bisliop


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pôde, com os escritos desse santo, recompor a Liturgia da África. A importância desse trabalho para a nossa ma­ téria é evidente, tanto mais quanto Cartago se conservou, como sabemos, fiel ao que vinha de Roma, em matéria de Liturgia. 1.

Ante-Mi ssa:

Pax ou Dominus vobiscum. Trcs lições, a saber: do Antigo Testamento, dos Atos ou Epíslolas dos Apóstolos c do Evangelho. Entre as li­ ções um salmo, com ou sem Aleluia. 2.

Missa dos fiéis.

Oração dos fiéis para toda a Igreja, e menção espe­ cial de um certo número de nomes de pessoas vivas e mortas. -- Oração final, concluindo as demais. O ofertório antes ou depois dessa oração. Só muito de passagem fala s. Agostinho da oração eucarística: “Conheceis (sermão 227) a sequência dos mistérios. Primeiramente, isto é, depois da oração, sois exortados a levantar o vosso coração a Deus. Quando se diz: Sursum cor, respondeis: Habemus ad Dominum. E o sacerdote con­ tinua dizendo: gratias agamus Domino Deo nostro, e vós o confirmais na vossa resposta: Dignum et justum est... Depois da sanctificatio do sacrifício divino, dizemos a ora­ ção do Senhor (o Paíer); em seguida o Pax vobiscum, e os fiéis permutam-se o beijo da paz”. 3. De outras passagens se deduzem alguns comple­ mentos mais, como seja o Dominus vobiscum antes do Sur­ sum cor; a menção das palavras mesmas de Cristo, como fórmula mesmo de consagração; o Amen, no final do cânon. (Desde os tempos de Tertuliano cantava-se o Sanclus

na África) .


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Uma passagem de s. Agostinho nos íaz presumir que já do seu tempo se conhecia a atual introdução do P a t e r nosler: “audemus dicere cotidie: adveniat regnum tuum(Sermão 110,5). Na comunhão, à fórmula Corpus Christi se responde Amen. Durante a comunhão canta-se o salmo 33: “Benedicam Dominum in omni tempore”. § 2.

Livros litúrgicos Igreja Romana

da

A. Os primeiros livros que nos restam ainda da Litur­ gia da Igreja Romana teem o nome de Sacramentar i o s. Êsses sacramentários conteem exclusivamente os for­ mulários das orações recitadas pelo celebrante. 1. O mais antigo e mais volumoso denomina-se Sa­ cramentariam Leonianum (biblioteca do capítulo de Verona^. O primeiro editor, José Bianchini, intitulou-o da seguinte maneira: “Codex sacra me ntorum vetus s. Leone papa conR o m a n se ecclesise fectus Si o editor o atribuiu a este Papa, fc-lo por­ que em muitíssimas partes do texto se reconhece clara­ mente o estilo do Papa Leão. Com efeito, é extraordinária a semelhança do estilo dêsse código com o estilo do Papa: pensamentos profundos, forma concisa, elegância e admi­ rável construção rítmica. A coleção contem o Proprium e o Commune Saneiorum desde o mês de abril até dezembro inclusive, como também certo número de Missas votivas. Causa extranheza o grande número de formulários para uma mesma festa. Todo o resto, Proprium de tempore, cânon, etc., falta. Fal­ tam também os três primeiros meses do Proprium Sanctorum. Alguns formulários fazem lembrar a angústia dos tem­ pos em que Roma era sitiada pelos Godos ocidentais (537-539), e encontra-se também uma oração que se refere


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ao enterro do Papa Simplício (+483). Sem poder dcterminar o tempo exato de sua composição, coloca-se cslc Sacramentário no fim do 6.° século, porém, antes ainda do Papa Gregório (590-604). O conteúdo mencionado autoriza a opinião segundo a qual não se trata de um livro para uso oficial, mas antes de uma coletânea de amador. Não tem caráter oficial. Mas o amador tinha gosto apurado. Èle bebeu da límpida fonte Romana e seguiu fielmente o Kalendarium Romanum, com as suas festas fixas anuais dos Mártires. E justamente porque ele não se aventura fora dos do­ mínios da Liturgia Romana, é que a sua coletânea tem tão grande valor. Muitas orações das Missas dos Mártires Romanos, como também de outras Missas deste Sacramentário, são conser­ vadas e usadas em nosso Missal Romano. A estas perten­ cem grande número de collectce e posl- communiones aos do­ mingos do Advento, às férias da Quaresma e aos domingos depois de Penlecostes. 2. Um manuscrito da biblioteca de Cristina da Suécia é hoie guardado na biblioteca do Vaticano com o nome de Codex Reginensis 316. Foi publicado em 1680, por Tomasi, com o título seguinte: “In nomine Domini Jesu Christi S a I vatoris. Incipit Liber Sacra menlorum Romanas ecclesias ordin i s anui c i r c u 1 i ”. Muratori o reeditou cm 1748, mas com o título hoje gcralmente conhecido de Sacramentarium Gelasianum. Foi somente por modéstia que Tommasi conservara o título an­ tigo, pois também éle tinha convicção de que a obra era da autoria do Papa Gelásio (492-496). Do onde essa convicção ? O referido manuscrito consta de três livros separados. Ora, o historiador de s. Gregório, Joannes Diaconus, es­ crevera deste Papa: tlSed et gelasianum codicem de missarum sokmniis • • • in unius libri volumine coarctavit” (P.L.


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I.XXXV, 94). A obra constituída dc trcs livro9 e que sc apresentava como Romana era mais extensa do que o Sacra­ mentaria Gregoriana, É verdade que desde o Papa Gelásio até Joannes Diaconus se passaram 4 séculos, mas durante esse tempo acha tradição vestígios suficientes para se justificar. Assim diz o Libcr Pontificalis (I, 225): “fecit et Sacramentorum prccfationes et orationes, cauto sermone”.

Essa obra veiu para a França em 628-731, por con­ seguinte, depois de s. Gregório Magno, mas ainda antes de Hadriano II (772-795). Mesmo assim, conforme opinião geral, essa obra apresenta a Liturgia Romana antes do Papa Gregório Magno, embora certos acréscimos de alguns manuscritos pudessem levar a presumir o contrário. Mas é preciso habilidade crítica para se reconstruir o texto romano original destas formas galicanizadas. Considerando o grande número de manuscritos que estão espalhados em muitos mosteiros de Beneditinos, de­ duz-se que foram estes monges que se dedicaram, sob a pro­ teção dos reis Carolíngios, à divulgação desse Sacramentário. O prestígio do Sacramentário Gregoriano (conf. abaixo, n. 3) perigou por certo tempo. Pois, como o Gre­ goriano não bastasse para o uso quotidiano, êle se foi extendendo, mas se foi mesclando, pouco a pouco, com o Gelasiano. Muito importante é o fato de, pelo Gelasiano, pos­ suirmos o primeiro documento que nos transmite, quasi vcrbalmente, o cânon de nosso Missal Romano. 3. Pelos anos de 784 e 791 pediu Carlos Magno a Roma um Sacramentário que contivesse os textos eclesiás­ ticos de Roma, para introduzí-los no seu império. Per­ deu-se o manuscrito autêntico, mas facilmente se pode re­ compor o texto deste, com suficiente certeza, pela compa­ ração dos diversos manuscritos. Um deles, o de Cambrai, conservou o original intacto. Esta. obra enviada de Roma é conhecida pelo nome de Sacramentarium Gregorianum,


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O Papa Hadriano I (772-795) mandou-o a Carlos, observando-lhe que o conteúdo íôra cuidado pelo seu anteces­ sor, o Papa Gregório. Já mencionámos êste trabalho do Papa Gregório. PoÍ9, conforme o testemunho de seu biógiafo Joannes Diaconus — que, uos oiüos dos seus contemporâneos era peritissimus, scientice claritate notissimus” — Gregório uGclasianum codicem de missarum solem* niis, multa subtrahens, pauca convertcns, non* nu 11a superadjicie.ns, pro exponendis evangelicis lectiônibus in unius libri volumine coarctavit”. D. Pierre de Puniet explica as três partes do trabalho de Gregóiio, acima mencionadas: Deixou de lado muitas missas votivas, leituras, prefácios próprios; colocou as fórmulas de ordenação no lugar principal, no princípio de seu Sacramentário; acrescentou também as fórmulas das Missas dominicais e colocou*as entre as fes­ tas dos santos, nos seus lugares competentes dentro do ano ecle­ siástico. Em alguns Sacramentários ainda se conserva a lembrança disso, pelo que neles se indica quando tal aconteceu. Fois a di­ visão dos domingos entre as festas dos santos demonstra que no ar.o da composição, a Páscoa caia no dia 3 de abril, o que só pode ter sido no ano 595. Justamente no ano em que Gregório promoveu, em Roma, um concilio dedicado à Liturgia. O santo Papa Gregório II (-{-735) tjr0u das referidas Missas dominicais os diversos textos para as novas Missas das quintasfeiras de Quaresma, mas depois dele, numa revisão posterior desa­ pareceram essas Missas dominicais, como também o Commune Sancto• rum desta obra de Gregório. Tal, porem, não sucedeu no tempo do Papa Hadriano, mas antes dele, pois é este Papa quem envia o Sacramentário a Carlos Magno com a recomendação de “ter sido elaborado por s. Gre­ gório é nada lhe ter sido alterado”.

Na corte de Carlos, Alcuino completou o Sacramen­ tário, quanto o exigiam as circunstâncias locais. Mas Alcumo era inglês, educado portanto na Liturgia de seu país, onde se adotava a própria Liturgia de s. Gregório. Assim foi com carradas de razão que esse Sacrementário se deno­ minou Gregoriano, embora outros o tenham inti­ tulado Hadriano. Principalmente no século 10 o Sacramentário Carolíngeo-Gregoriano se elabora com grande liberdade, pelo


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que as edições se diferenciam muito entre si. Quando este texto acrescido voltou a Roma, tudo foi minuciosamente e criteriosamente examinado, e muita coisa Roma adotou na sua própria Liturgia. O Gregoriano só tem as Missas de Slalio, isto é, aquelas Missas que em datas marcadas se celebravam com procis­ são solene para uma determinada igreja. Tem-se a im­ pressão de que se trata de um livro para as Missas papais. Faltam-lhe as solenidades mais paroquiais, como as* de ca­ samento, funerais, etc. O que é interessante é que a Missa do próprio Papa Gregório já figura aí no dia 12 de março! B. Outra categoria de livros em uso no culto Roma­ no são os Ordines. Êstes conteem as rubricas, isto é, as re­ gras que indicam as cerimônias e ordem dos atos do culto. Êsses livros são os antecessores imediatos do Cceremoniale Episcoporum e do Rituale, e são eles as fontes indica­ das para o estudo do desenvolvimento das rubricas na Igreja Romana, do século 9 ao século 15. C. Enumeremos aqui também as dípticas, tabelas du­ plas de marfirn, de ouro ou de prata e madeira, finamente trabalhadas, numa das quais se escreviam os nomes dos vivos, e na outra os dos defuntos, especialmente recomenda­ dos durante a s. Missa, e que para este fim eram lidos. D. Para as leituras serviam os seguintes livros: Nos primeiros tempos liam-se durante as reuniões cris­ tãs os diversos livros da s. Escritura, confprme a sua or­ dem. Inda não existia uma seleção de lições da Escritura para as diversas festas do ano. A Bíblia não era ainda di­ vidida em capítulos e versículos; isto só se fez nos séculos 13 e 16, respectivamente. O Bispo dava ao leitor o sinal para terminar a leitura. Logo cedo começou-se a dividir as lições em perícopes apropriadas, e as listas que indicavam as primeiras palavras dessas perícopes, se denominavam Capitularia. Quando mais tarde o Capiíulare veiu a ser distribuído conforme as divisões do ano eclesiástico, então passou a se


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denominar Comes, ou Liber comitis, isto é, um companheiro indispensável para quem servia no altar, Somente depois é que se reuniu todo o texto das perícopes nos Lectionaria, que continham as lições do Antigo Testamento ou dos es­ critos dos Apóstolos, enquanto as perícopes dos evangelhos foram colecionadas nos Evangeliaria. E. Havia ainda o Cantatoria, livro que usavam os clé­ rigos cantores, para entoar, no ambom ou nos degraus do altar, o Gradual (canto dos degraus) e o Aleluia. E ainda o Àntiphonaria e o Responsalia, para uso da schola dos can­ tores, contendo os demais cânticos. Todos esses livros litúrgicos estiveram em uso até o sé­ culo 12. §

3.

Gênese do Missale Plenarium.

Nos tempos posteriores a vida religiosa orienta-se mais individualmente. Sem mencionar todos os motivos que os liturgislas apresentam, alegaremos somente, com vista à nossa matéria, o motivo que o célebre liturgista D. Beauduin dá como sendo um dos principais: O prestigio sempre crescente da Missa privada. “Com a Missa privada acostumou-se, clero e povo, a ura culto resumido e rápido, embora se assinalasse esse perigo em diversos concílios do século 14. Em Trier, especialmente, proibiu-se, em 1310, a todos os sacerdotes que celebrassem a Missa privada quando esta pudesse impedir aos fiéis o parti­ ciparem da única Missa pública solene”. Certo é que em Roma, no 5.° século, era uso a c o ncelebração do Papa com os sacerdotes e diáconos, assis­ tidos por sub-diáconos e acólitos. Amalário (século 9) diz que isto “moj esl romance ecclesice” nas grandes festas do ano eclesiástico. Em outras cidades onde se seguiam os Ordines Romani, era o bispo ou um'dos principais sacerdotes


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C9

que oficiava e presidia a concclebração. Tal se praticava ainda em Lião, no século 17, por ocasião das grandes festas. No entanto, logo cedo os simples sacerdotes deveram celebrar as Missas solenes oficiais para o seu povo. O Papa Inocêncio I escreveu a Decêncio, bispo de Gúbio, em 416, dizendo-lhe que os sacerdotes romanos das igrejas titulares eram dispensados da concelebração nos domingos, visto estarem impedidos por causa do povo que lhes era con­ fiado. Mesmo assim se lhes mandava, pelas mãos dos acó­ litos, o “fermentum”, ou uma partícula da s. Hóstia da Missa papal, “afim de que, nesse dia sobretudo, não fossem eles excluídos da nossa comunhão”. Mas o “Jermentum” não podia ser enviado às paróquias fora de Roma, pois — continua o Papa — “não convem que o Sacramento seja levado tão longe, quando os sacerdotes leem o di/eito e a licença de celebrar pessoalmente”. Daí conclue d. Pierre de Puniet que os referidos sacerdotes roma­ nos dc igrejas titulares, nos domingos não podiam celebrar, pois isto só se menciona expressamente dos sacerdotes das paróquias de fóra. Mas u que era lícito para os subúrbios de Roma, cer­ tamente não terá sido proibido nas demais partes da Igre­ ja Latina. Com isso não se quer dizer que em outras par­ tes se celebrasse a Missa privada, em sentido estri­ to; mas quer-se dizer que a conceleb ração tinha, por certo, muitas exceções. Os pastores celebravam sole­ nemente para o seu povo. Nessas Missas usavam-se todos os livros supramencionados, pelas respectivas categorias do clero, pois todas compareciam e tomavam parte ativa no Sacrifício da s. Missa. Somente nos séculos 13 e 14 começou a prevalecer a prática da Missa privada em sentido estrito. Daí se compreende a Missa na qual somente o celebrante age e desempenha pessoalmente as funções de ministros infe­ riores. O único que o ajuda é geralmente um leigo, e este substitue tanto o povo, que assiste em silêncio, como a schola cantorum♦


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, •

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Crítica. F.’ claro que e9ta prática introduziu a frouxidão da vida litúrgica. Lastimável, sem dúvida. Mas não devemo9 ser absolutos demais, para desaprová-la. Vejamos: 1. Cada sacerdote poder pessoalraente celebrar é, para si mesmo, uma grande satisfação espirilual9 que pode reverter em muitos bens, também para os outros. 2. Certamente outras circunstâncias concorrem, como a insuficiência de clérigos para auxiliar na celebração da Missa solene, etc. A Missa privada pode ser responsável da frouxidão na participação pública, E’ inegável, todavia, que deu aos fiéis ocasião abundante de se aproveitarem das bênçãos da s. Missa, pela repetição frequente do s. Sacrifício. 3. Excluída toda apreciação unilateral, temos de con­ ceder que o sentido profundo e aatração do culto s o f r er a m muito com a prática vul­ garizada da Missa privada. A concelebraçao unia toda a comunidade cristã à hierarquia, e os leigos todos em redor do único Sacrifício. Unidade de ação, unidade de altar, unidade de templo: imagem expressiva da íraternização religiosa. E alí, todas os ordens do clero, que do bispo recebiam o seu poder, alí também o exerciam realmente, sob a sua dependência visível. A Missa solene coloca todas as funções nos seus com­ petentes lugares. A “plebs tua sanctay> conserva também o seu lugar na oblação, nas atitudes e no canto. Sem dú­ vida foi a Missa privada, que, apenas assistida pelo povo, afastou muita gente do altar, e talvez da religião. Contra a centralização da Ação do único sacrifício, a Missa privada trouxe a multiplicidade de igrejas e capelas, alem da multiplicação dos altares que, no princípio se agrupavam em redor do altar-mor, mas no período do es­ tilo gótico se vão espalhando por toda a extensão da nave. E’ aí que a vida da comunidade cristã, em volta do seu pas­ tor, em torno do único Sacrifício, na única casa paterna, se arrefece.


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Acrescente-se a essa obliteração da vida comunitária, a perda de atrativo das solenidades grandiosas do s. Sacri­ fício, e tem-se aí a explicação da frouxidão que se operou. Até então todos os ministros do altar tinham livros para os seus próprios textos: Sacramentário, Evangeliário, Epistoláiio, Antifonário, etc. Agora que a Missa privada se celebra universalmentc e a Missa solene é exceção, a comodidade do celebrante pede — visto que êle preenche todas as funções — a reunião de todos os textos num só livro, o Missale totum, ou Missale plenar i u m. Êste apareceu pela primeira vez no século 9, mas nesta época de arrefecimento lítúrgico se multiplica, por causa da prática frequente da Missa privada. Sucessivamente o Missale plenarium torna-se também o livro do celebrante nas próprias Missas solenes. Pois no Missale totum o celebrante encontrava os textos que eram cantados pelos seus ministros, e com os quais êle poderia agora alimentar sua devoção pessoal. Isto muito lhe aprazia, visto como antes os ministros cantavam os seus text03 às vezes a grande distância do altar. E’ assim que se explica a tendência posterior de, mesmo nas Missas solenes, o celebrante ler sozinho, no altar, o que os ministros cantavam em alta voz. Costume que se tomou lei. Aí se vê a Missa privada influenciando a Missa solene. § A.

4.

O

Missale

Romanum

Histórico. Embora no curso do tempo medieval o rito Romano fosse monástico, o culto não era, todavia, em todos os seus pormenores, igual ao de Roma. Tanto no texto como no ceremonial, permanecem diferenças notáveis e antigos costumes. Muitas dioceses conservam seus Missais próprios e adatados. Depois dos poucos complementos de Gregório Magno fixa-se o cânon Misses. Também o ordo Misses apre­ senta poucas variações.


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Mas as Missas de tcmpore tinham grande número de prosas e sequências, No missal de Liègc, do princípio do s. 16, contavam-se cem. Muitas Missas de santos e formulários de tendência particular se foram introduzindo, sem nenhuma aprovação eclesiástica, A consequência de tudo isso foi manifestar-se, nos fins do tempo medieval, ura desejo geral de pureza primitiva do texto litúrgico e da simplicidade dos ritos. Conforme o desejo da Igreja expresso no Concilio de Trento, sob o Pontificado de Pio V, compõe-se e edita-se o Missal Romano. Eis o título completo do atual Missale Romanum: “Missale Romanum ex decreto Sacrosancti Concilii Tridentini restilutum, s. Pii V Pontificis Maximi jussu editum9 aliorum Ponlificum cura recognitum, a Pio X reformatum e Ssmi. D. N. Benedicti XV aucloritate vulgatum”. O que se traduz assim: Missal Romano, restabelecido por decreto do Sa­ crossanto Concilio Tridentinof editado por ordem do s. Papa Pio Vy revisto por outros Papas, reformado por Pio X e publicado por autoridade de nosso s. Padre Bento XV. Para essa tarefa o Papa Pio V constituira uma comis­ são de sábios escolhidos. Estes compuseram o Missal depois de comparações cuidadosas cora os mais antigos códices, e depois de estudos sérios de autores aprovados da mais alta antiguidade. Com a bula Quo primum, do dia 14 de julho de 1570, logo nas primeiras páginas do livro, Pio V o confiava à Jgreja. Nessa bula se estabelecia que, para o futuro, todos os que seguissem o rito Romano só poderíam celebrar con­ forme as determinações do novo Missal; todos os demais Missais existentes deviam ser postos fora de uso.


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Só se admitia uma exceção: Os Missais que, aprovados desde o princípio pela s. Sé, estivessem em uso depois de duzentos anos, podiam continuar em vigor. Era uma auto­ rização, não uma obrigação. Por essas determinações excecionais, algumas ordens religiosas, como os dominicanos, por exemplo, puderam conservar os seus próprios Missais. A maioria das ordens religiosas do Ocidente seguem o Missal Romano. Apenas teem elas o privilégio de lhe ajuntar as festas próprias dos bem-aventurados e santos, como os Franciscanos, que teem o seu M i s s a 1 e R omano-Seraphicum. Salvo as exceções mencionadas, todo celebrante do rito Romano é obrigado, uin virtute sanctcs obedientice”, a cele­ brar conforme o texto e ritual do Missal Romano. Na composição desse Missal Pio Y seguira o texto da s. Escritura da versão ítala. A Vulgata só foi editada nos anos de 1590-1592. Pêla sua própria conta alguns editores mudaram certos textos do Missal, conforme a Vulgata, o que provocou a proibição de Clemente VIII de usar desses Missais alterados antes de se reformarem pelo modelo de Pio V. Outra comissão especialmente nomeada redigiu de novo e minuciosainentc o Missal Romano, conforme Pio V. Pou­ cas correções foram introduzidas. A edição dos Missais fora de Roma foi submetida a rigoroso exame. Tudo isso, aliás, se dispõe na bula Cum sanctissimum, do dia 7 de julho de 1604, o segundo documento do Missal. Apesar de tudo Urbano VIII (1623-1644) julgou neces­ sária uma nova redação. Rubricas, que^tinham perdido o seu sentido original, foram restituidas ao seu antigo valor; outras se esclareceram; corrigiram-se ainda as lições que diferenciavam da Vulgata. Tudo isso se fez pêla bula Si guid est, do dia 2 de setembro de 1634, o terceiro documento do Missal. Também Papas posteriores trouxeram algumas altera­ ções e aditamentos (dada a florescência da vida da Igreja) tanto nas rubricas e textos, como no canto; muitos forruu-


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lários de Missas no Proprium de tempore e na secção pro aliquibus locis vieram enriquecer o conteúdo do Missal. Dignas de menção as duas alterações importantes introdu­ zidas pelo Papa Pio X (1903-1914): Conforme as exigências do seu Motu proprio sobre a música sacra, apareceu, no dia 8 de junho de 1907, uma instrução da s. Congregação dos Ritos, pela qual se proibia divulgar em Missais posteriores as melodias gre­ gorianas até então usadas. Em vez dessas se deveria impri­ mir o novo canto, oficialmente prescrito, ou pelo menos, in­ serí-lo no íim dos Missais. Outro acontecimento importantíssimo foi a bula Divino afilatu. do dia 1 de novembro de 1911, embora se ocupasse mais do breviário que do Missal. A idéia fundamental dessa bula era a de dar ás Missas dominicais e às Missas feriais o seu direito primitivo. Para se conseguir isso seria neces­ sário que êsses ofícios dominicais e feriais só pudessem ser suplantados pela festa de um santo de rito bem mais privile­ giado do que nas rubricas precedentes. A realização dessa idéia pedia a revisão minuciosa das rubricas acerca dos dias de féria e vigília, sobre o uso e regulamentação das Missas votivas e Missas dos defuntos; sôbre a concorrência e transferencia de festas, como também das partes variáveis da Missa. Todas essas coisas foram fixadas nas A dditione s et Va) ri a'tiones in Ru~ b r ic is Missa lis a d normarn Bullce “Divino Ajflatu,” el subsequentium S. R. C. decretorum. Adições e variações nas rubricas do Missal conforme a legislação da bula “Divino Afllatu” e dos poste­ riores decretos da s. Congregação dos Ritos. Sob o pontificado de Bento XV veiu à luz uma nova edição do Missal, em 1920. Nesta edição figuravam também algumas rubricas novas [speciales) e alguns formulários de Missas. A novíssima edição de Pio XI trouxe poucas alterações.


0 Santo Sacrifício da Missa B. Ü i v i s ã o

do

Mi ssa1

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Romano (n.D. 1920)

a. A introdução, que contem: 1. As quatro bulas mencionadas: Quo primum, de Pio V, 14 de Julho de 1570. Cum sanctissimurn, de Clemente VIII, 7 de julho, 1604. Si quid cst, de Urbano VIII, 2 de setembro de 1634. Divino Afflatu, de Pio X, 1 dc novembro dc 1911. 2. “De anno et ejus p a r t i b u s”: Uma instrução sobre o cálculo do ano eclesiástico, com tabelas da Páscoa e Calendário da Igreja universal. 3. “ Rubricas generales Missalis”: As rubricas gerais do Missal, que apresentam, em vinte parágrafos denominados títulos, as regras gerais acerca da celebração da s. Missa, as suas partes, a hora, paramentos, lugar,etc. Essas rubricas chamam-se gerais, em oposição às especiais, espalhadas no corpo do Missal. Não se pode confiar plena mente em todas as sub-divisÕes dessas rubricas generales, pois as mudanças de legis­ lação dos últimos decênios não figuram entre elas. Prinpalmente as Additioncs et Variationes de 1911 alteram muito as rubricas gerais. 4. “Additioncs et Variationes”, das quais já sc falou. Muitas das rubricas gerais foram al­ teradas, devendo prevalecer as regras dadas nas Additioncs. Consultando, portanto, as rubricas gerais, vejam-se, primeiiamente, os títulos respectivos nas Addiliones cl Variationes. 5. “Ritus servandus in celebratione M i s s ae ”, onde sc explicam, em 13 títulos, as cerimônias que sc devem observar quando se celebra ou se canta a s. Missa. J 6. “De defcctibus in celebratione Missarum occurrcnlibus”, ou sobre os contra-tcmpos, enganos, empecilhos casuais, etc., que possam ocorrer na celebração da s. Missa. Em 10


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lítulos expõe-sc ai o modo de agir cm tais circunstâncias. 7. Orações dc preparação, para paramcntar-se e para ação dc graças do celebrante. Nota. O autor das secções 3 e 5 dessa introdução c João Burchard, ccrimoniário papal no fim do século 15. Èle mesmo compôs essas regras, tomando por fonte os Ordines Romani e a tradição viva. Êle mesmo publicou tudo isso, pela primeira vez, com aprovação do Papa Leão X. Em 1536 essas regras foram aditadas ao Missal de Veneza, e, depois de algumas correções, colocadas no Missal Romano pelo Papa Pio V. b. O corpo do Missal contem: J. O ordo Misscc. Por isso se entende a parle in­ variável do texto da s. Missa, a qual vem, por sua vez. entre­ meada de rubricas que relembram as cerimônias corres­ pondentes. Esta ordo Missre encontra-se no meio da segunda sub­ divisão do Corpos Missalis, isto é, entre o sábado da Pás­ coa e domingo da Páscoa. Isto, provavelmente, para faci­ litar o abrir do cânon no decurso do ano. Ou, talvez, por um sentido mais elevado: colccar a parte fixa, na qual se rea­ liza o sacrifício incruento, no meio do ano eclesiástico, depois dos dias que, mais do que outros, relembram os mistérios da paixão c morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. 2. Proprium Missa rum de temporc. E5 o próprio do Lempo do ano eclesiástico, o qual começa no Advento, em preparação da festa do Natal. O próprio de tempore re­ corda também, na sua disposição, a vida, morte, ressurrei­ ção e ascensão do Senhor, como também o início e primeiro desenvolvimento da Igreja. 3. Proprium de Sanctis. As Missas próprias dos san­ tos. Nem todos os santos teem a sua Missa própria comple­ ta, mas o que eles teem de próprio acha-se nesta parte, e às vezes mesmo muita coisa do comum aí se coloca, quando o pede a facilidade no manejo do Missal. Embora o título seja “de Sanctis", acham-se aí também algumas Missas de Nosso Senhor. Porque as festas dos santos geralmente são


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celebradas no dia da sua morte, esta parte do Missal c or­ ganizada de conformidade com o ano civil. No entanto conservou-se, no princípio do ano eclesiástico, a saber, em 29 de novembro, a vigília do Apóstolo s. Andrc. 4. Conimune Sanctorum. Esta parte contem os for­ mulários para todas as categorias de santos, e destina-sc àqueles santos que não leem Missa própria, ou teem so­ mente uma parte. A ordem desses formulários é a seguida na ladainha de todos os santos. ^í figura lambem a Missa para a consagração de igreja e altar (como também a sua festa de comemoração anual), e finalmente, o comrnunc jcslorum B. Marice Virginis, que contem o formulário dc Iodas as festas de Maria SS. que não possuem Missa própria. 5. Missa: votivee. São Missas dos santos, etc., para se lerem fóra da ordem do ofício, isto é, não nos dias dc sua própria festa no ano eclesiástico, mas quando o ofício do dia não c deles, Aí estão: a) Cinco formulários das Missas em honra da B. Virgem Maria, correspondentes aos vários tempos do ano eclesiástico, mais as Missas da SS. Virgem nos sábados. b) Diversas Missas para os seis dias da semana, e que livremente se podem escolher, nos dias cm que o rito o permite. Não é obrigatório aler-se ao dia indicado acima de cada Missa. c) Diversos outros formulários para várias circuns­ tâncias e fins diversos. ó. . Orationes diversee. São várias orações que às vezes devem ou podem ser adicionadas às outras na s. Missa. Isto se dá, quer por determinação das próprias rubricas; quer, às vezes, por determinação do Papa, ou por ordem do Bispo. Pode acontecer que o celebrante tenha, às vezes, a liberdade de escolher a sua oração ad libitum, ou que possa escolher entre várias a oração prescrita. 7. Missa: defunctorum. Contem o formulário para as Missas dos defuntos que ficam à escolha do celebrante,


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conforme as circunstâncias e as rubricas. Após as Missas segue o ritual da encomendação para depois das Missas dc corpo presente. 3. Ordo üd faciendam aquani benedictam (et bertedictio popall) et benedictiones diversce. Ordem para a benção da água, bênção do povo e diversas bênçãos. Essas fórmulas de bênçãos encontram-se lambem no Ritual Ro­ mano. Figuram aí no Missal também, provavelmente desde o tempo em que o Ritual não estava à disposição de todo sacerdote. 9. Missoe proprice. quae in aliquibus locis celebrari possunt. São Missas próprias que se podem celebrar em alguns lugares. Tais Missas não se podem celebrar num lugar (região, província, diocese, ordem, congregação, etc.) sem indulto especial. Dividem-se em quatro grupos: b) b) c) d) c.

em honra de N. S. Jesus Cristo; em honra da SS. Virgem; em honra de determinados santos; em honra de certas categorias de santos.

Apêndice.

Em apêndice o Missal Romano contem vários cânticos â escolha. Termina com um índice alfabético. Nota. Antes do corpo do Missal vem a aprovação do bispo em cuja diocese o Missal foi editado, e a aprovação da S. Congregação dos Ritos que julga se a edição concorda com a original.

Aqui termina a primeira parle de nosso livro. Expu­ semos a construção gradual da liturgia da s. Missa come­ çando da última ceia, seguindo pelos tempos apostólicos até meado do século 2. Vimos quais os elementos primi­ tivos e fundamentais da s. Missa, e que sc conservaram em todas as Liturgias.


.

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Acompanhámos o desenvolvimento das diversas Litur­ gias tanto do Oriente como do Ocidente. Seguimos a his­ tória e as fontes do Rito romano e chegámos até ao Mis9al Romano, cujo conteúdo esclarecemos. Estamos agora habilitados a estudar com proveito tanto o sentido histórico como o simbólico de todas as partes da s. Missa, conforme o Missal Romano. Será esta a matéria das duas partes que seguem.

o*



SEGUNDA PARTE

Preparação para

A SANTA MISSA

conforme o missal Romano



CAPÍTULO

I

ORAÇOES A.

Matinas e Lau des

Sacerdos ceUbralurus Missam • • • saltem. Ma­ tutino cum Landibus absoluto, orationi aliquantulum vacet; et orationes inferi us *positas pro temporís opportunitate dicat. (Ritu* serv. in cel. Missur, It 1)

Ura grande auxílio para a devoção do celebrante é a recitação atenta das Matinas e Laudes, na suposição de que a Missa siga imediatamente ao ofício. E’ isto o que a Igreja deseja expressamenle, como se deduz das determi­ nações de suas rubricas gerais (Ruhr. gen., 4,3), onde se diz que as Missas fora do ofício “não se celebrem sem justo motivo. E, quanto possível, convem que a s. Missa concorde com o ofício*’. Isto por várias razões: 1. Às vezes o texto das lições do primeiro noturno é idêntico ao da epístola da s. Missa. 2. As lições do segundo noturno são geralmente uma hisLória resumida da vida e morte do santo ou da santa em cuja memória se celebra a s. Missa. 3. As lições do terceiro noturno conteem a explica­ ção do evangelho da s. Missa. 4. Nas Laudes são as antífonas e o capítulo geral­ mente paralelos às partes móveis da s. Missa. A oração é a mesma, e geralmente são as mesmas comemorações. O grande cuidado da Igreja em preparar devidamente o ministro do que ela tem de mais sublime e de mais santo, leva-a a aconselhar que, imediatamente antes de celebrar, ele se recolha ainda um instante em oração. Nesse ínterim pode ele usar dos formulários que para esse fim se encon­ tram no Missal. A estes pertencem também cinco salmos. Para melhor aprofundá-los antepomos aqui umas palavras de comentá-


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rios a esses salmos, pois são êles também um elemento importanle na Liturgia do s. Sacrifício. B.

Salmos na Liturgia

' Deus os inspirou para auxiliar nossa oração. Os salmos são as formas mais usuais de oração, na Liturgia do Antigo como do Novo testamento. Já o simples fato da inspiração divina demonstra que êles foram redigidos para uma conversa com Deus, mais do que qualquer outro artifício hu­ mano. São os salmos um recurso de elevação da alma a Deus. Uma resposta de Deus ao “doce nos orare’ do gênero humano. Queixa-se geralmente da pouca devoção com que se recitam os salmos. A priori, é claro que dessa falta de devoção não se pode culpar os mesmos salmos, mas a culpa ha de ser das disposições deficientes de quem os reza. Para assinalarmos a eficiência dos salmos como oração, observemos: 1. A tendência geral, o acento fundamental dc todos os salmos é o fazer sentir a satisfação de viver unido a Deus, e a grande infelicidade de viver afastado d’Ele. 2. Alguns salmos leem o fim propositalmenle lilúrgico de louvar, agradecer, expiar e suplicar. 3. Muitos salmos teem relação à Pessoa Divina de Jesus Christo e à sua grandiosa obra da redenção, o que se explica, ou porque o salmisla exprimisse em forma de salmo os sentimentos de sua própria alma, como os des­ pertava a história de sua pessoa ou de seu povo, e eram êsses fatos realizados na sua pessoa ou no seu povo figuras do que sucedería com Jesus Cristo e sua Igreja; ou então o salmisla contemplava em visões altíssimas de seu espírito profético as labutas e sofrimentos de Cristo e de sua Igreja, a ponto de se queixar ou de jubilar com as mesmas pala­ vras do Redentor. 4. Também nos salmos que não leem sentido profé­ tico, mas nos quais o salmista canta em forma poética os seus sentimentos, encontra-se ainda tanta inspiração de


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Deus que o fiel sente neles a expressão dos seus próprios afetos e acha-se mais unido ao seu Creador, Redentor e Amigo. Quando, pois, no Missal, a Igreja, iluminada pelo Espírito Santo, sugere os salmos para a nossa edificação, está claro que estes podem servir de um extraordinário consolo interior, para quem ora com boa disposição. E mesino fora dessas aplicações oficiais, quantas pala­ vras nos salmos não podem repercutir poderosamente na alma, mesmo que o sentido que no momento emociona não seja o sentido original.. 5. Ha salmos difíceis de entender, e que pedem escla­ recimentos. IS ao nego que em um ou outro salmo haja pas­ sagens de compreensão difícil. Refiro-me aos salmos que, na quasi totalidade do seu conteúdo, são incompreensíveis. Alguns versos ou certas palavras obscuras não impedem a oração piedosa e, geralmente falando, é impossível a um sacerdote compreender todas as passagens difíceis dos salmos. 0. A recitação proveitosa dos salmos não consiste num espírito de pesquisa das passagens difíceis, mas con­ siste sobretudo na idéia e na disposição de com èles se preparar para o Sacrifício, purificando-se com êles “ ab nlienis cogitationibus”. Outra condição de uma recitação frutuosa é o socêgo de espírito. Isto abre a alma para a spiritualis unetio que se não encontra numa recitação precipitada: in quiete projicil anima devota. Entre as traduções dos almos é a Setenta a mais antiga e mais imporante. Nem mesmo essa, porém, é isenta dc erros. Orígenes fez dela uma coireção r.a sua Hexapla. Pèla Setenta ainda não corrigida fez-se na primeira me­ tade do segundo século, uma tradução latina dos salmos con­ tidos na ítala. Esta tradução foi revista e corrigida por ordem do Papa Dâmaso, pelo ano 383, conforme a mesma Setenta. Essa tradução denominou-se Psalterium Romanum, e foi usa­ da na Liturgia Romana até o tempo dc Pio V. É, ainda hoje, a tradução que se emprega na igreja de s. Pedro em Roma, como r.as antífonas e nos responsórios do Breviário.


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. 0 Santo Sacrifício da Missa Pêla Setenta corrigida, como se encontrava na Hexapla dc Origenes, elaborou s. Jerónimo outra tradução, para a qual muito se aproveitou da ítala. Esea tradução de s. Jerónimo denominou-se o Psalterium Gallicanum e se acho nas edições da Vulgata e do Breviário. Mais tarde s. Jerónimo fez nova tradução do hebraico.

c.

Os

cinco

salmos

antes

da

s.

Missa.

Antífona: Ne reminiscaris Domine, delicia nostra vel parentum nostronmi, neque vindictam sumas de peccalU noslris. (T. P. Alleluia), “Não vos recordeis, Senhor, das nossas ofensas nem das de nossos pais, e não vos vingueis de nossos pecados ! (Tempo pascal Alleluia). Essa introdução foi inspirada por Tobias (III, 3): Et mine, Domine, memor esto mei et ne vindictam su• mas de peccatis meis, neque reminiscaris delicia mea vel parentum meorum. “E agora. Senhor, lembrai-vos de mim, não tireis viugança dos meus pecados nem vos lembreis das minhas transgressões, nem das de meus paisí5. A idéia predominante desta oração é a da própria cul­ pabilidade, unida à esperança de perdão. Isso condiz com o pensamento de s. Paulo na sua epístola aos hebreus 17, 27) na qual êle exige do grande sacerdote que ofereça os sacrifícios primeiramente pelos próprios pecados, depois, pelos pecados do povo. Salmo 83. Quam dilecta... O sentido histórico desse salmo funda-se na sau­ dade do salmista, quando de sua fuga de Absalão; é ainda a saudade da tenda sagrada com a arca da aliança; é a nostalgia dos peregrinos que se recordam da cidade santa. No seu sentido a d a ta d o esse salmo sugere a lem­ brança do altar do sacrifício, onde a alma sacerdotal acha o seu contentamento. 0 que é o ninho para o pássaro, é para o sacerdote o seu altar e tabernáculo.


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Feliz o habitante da casa de Deus, que nela procura a sua paz. Êle continuará a cantar na eternidade o seu cân­ tico, de louvor. Mas o exílio leni também o seu gozo, pois em cada sacrifício da s. Missa a sua vida espiritual sobe mais alto; cada ato dc virtude é um degrau mais perto do lugar que o Sumo Sacerdote lhe reservou. £ tudo isto o padre pede com' o prestígio que tem de ministro de Cristo e seu substituto: rcspice in faciem Chrisli lui... E mais direito tem a estas divinas consolações o sacerdote que, pela causa de seu Deus, fugiu das consola­ ções e das alegrias do mundo. Salmo 84. Benedixisti, Domine... Sentido histórico: Israel, de volta do cativeiro, sente as grandes dificuldades da pátria onde o templo foi destruído e a inimizade dos habitantes dificulta a restau­ ração da cidade. O salmo é uma súplica para se libertar das angústias e a fé viva que já antevê as bênçãos da com­ pleta redenção. O sentido a d a t a d o faz lembrar a alma do sacer­ dote, que embora livre do pecado mortal, sente-se ainda pro­ fundamente conciente dc pequenas faltas e imperfeições que lhe dificultam a ascenção contínua para Deus. Êsse salmo encerra, pois, uma súplica de perdão das faltas veniais e das pequenas infidelidades. E na alma já se ouve a reposta de Deus misericordioso: nudiam quid loquatur in me Deus, quoniam loquetur pacem in plebem suam... et terra noslra dabit fruetum suum ! Salmo 85. Inclina, Domine... 0 sentido histórico deste salmo é desconhecido. O sen­ tido literal é o de uma suplica, composta de vários versos do saltérío c dos profetas. 0 cantor sc vê cm perigo e apela para a sua eleição, afim de alcançar o auxílio certo. O sdntido adatado é inspirado pelo perigo dc comer e beber a 6ua mesma condenação, não discernindo o corpo e o sangue do Senhor. Neste temor filial o cele­ brante apela para o sinal da sua eleição (sanctus sum), para


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o seu serviço obsequioso (servum luum), para a sua oraçao dislribuida entre as horas do dia (ad le clamavi toda die). Deus é infinitaniente grande, é a mesma santidade: non est similis fui in diis, Domine. Por isso, segundo a vossa vontade, quero observar também as mínimas coisas, c será assim assegurada a minha eternidade. Tantos procuram a minha perdição, dai a força vitoriosa ao filho dc vossa serva, a Igreja. Salrno 115. Credidi... Sentido histórico: 0 povo dc Deus é libertado do cativeiro. O ponto culminante da sua alegria c o pensa­ mento do sacrifício de ação de graças que se oferecerá na cidade santa. Renova-se a promessa de Javé. Sentido a d atado: a fé na promessa do Cristo na Eucaristia, tantas vezes por mim professada é minha força nas tributações diárias: o que nie vale nestas dificuldades a palavra de consolo de um homem inconstante?... Como pagarei ao meu Senhor Eucarístico minha dívida de gratidão: da Altíssimo secundam datum ejus, “dá ao Altíssimo segundo o seu dom”? (Eccli. 35, 12). Então dou-me a mim a Jesus Cristo: Dominus pars heredilatis mcce et calicis mei... Calicem salutar is accipiam... Pois com èste cálice, aceito todas as cruzes de minha vida sacerdotal. Quero sujeitar-me às doces algemas dos meus votos, para edificação do Vosso povo: vota mea Domino reddam coram omni populo ejus. Esta morte a mim mesmo lhe apraz: pretiosa in conspectu. Domini mors sanctorum ejus. E a mim. dá-me a santa liberdade dos filhos de Deus: dirupisti vincula mea. Salmo 129. De projundis... Sentido histórico: 0 canto de penitência na terra do exílio e o canto dos peregrinos na subida da cidade santa. Sentido adalado: Do fundo das nossas culpas cla­ mamos ao Senhor afim de que escute as nossas súplicas de


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sacerdotes, súplicas que são no altar as mesmas súplicas do Cristo. Se considerásseis as maldadcs dos homens, quem é que sc atrevería a subir ao altar?... Esperei somente em Vós, porque em Vós a reconciliação e o perdão prometido. Desde que me levanto até deitar-me, da minha primeira até à derradeira Missa, esperarei em Vós, meu Senhor, eu que sou Israel, o lutador de Deus !. .. Deus cui proprium est misererí setnpcr et parcerc...

Seguem depois as orações das quais diversas são tira­ das dos formulários infra Octavam Pentecostes, aíim de que a própria santidade de Deus purifique a alma das últimas manchas: conscientias noslras quassumus, visi­ tando pu rifica. ui veniens Dotninus Noslcr Jesus Christus Filias tuus, paratam sibi in nobis inveniat mansionem...

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CAPÍTULO

II

OS PARAMENTOS SAGRADOS Simbolismo Quando se liga a imagens, ações, ele., um sentido diverso daquele que tais coisas leem por natureza, ou pelo seu destino prático, obtem-se então o sentido simbólico ou simbolismo. As vezes o sentido simbólico de uma coisa é óbvio, pois o fim a que tal coisa se destina já o explica suficiente­ mente, como a âncora c o símbolo da esperança, o coração 6 símbolo do amor, etc. Outras vezes convencionou-se o sentido simbólico, como o símbolo da paz figurado no ramo da oliveira, numa bandeira branca, etc. A maneira de se exprimir por meio de símbolos con­ quistou terreno no domínio da arte, sobretudo, pois que o simbolismo se casa magnificamente com o ideal de todo artista, que ambiciona produzir o prazer espirituai por meio da beleza material. Não c menos notável o papel dos sím­ bolos no culto público. Isto porque o culto se destina a prestar a homenagem da humanidade ao Imaterial, em formas exteriormente visí­ veis, não por causa dessas exterioridades, mas para traduzir com elas o que vai nas almas. Daí a predileção do culto publico pelo simbolismo. A tendência universal de espiririlualizar a matéria uniu estreilamente a arte e a Liturgia. O simbolismo, pois, quer traduzir em fonna algo dc espiritual. O simbolismo se fez na arte cristã das catacum­ bas, onde os artistas cristãos sabiam edificar os seus irmãos, exprimindo em imagens e inscrições a sua convicção reli­ giosa, simbolismos que eram tão luminosos aos batizados c tão obscuros aos pagaos. E tanto carinho teve a Igreja por esses símbolos, que depois dc libertada, os gravou nos seus templos e nos mo­ saicos dc suas basílicas. E cies mereceram a predileção da Igreja, por serem um recurso fácil de catequizar o povo


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ilelrndo, insinuando-lhe os conceitos mais abstratos. E o simbolismo sc desenvolveu a ponto de constituir uma ciên­ cia à parte. Nos séculos 12 e 13 compilaram e coordenaram esta ciência grandes simbolistas, dos quais o mais conhecido c Durandus, bispo de Mende, no sul da França. A sua obra prima, o Rationalc, difundiu-se tão universalmentc que um grande número de manuscritos da mesma se con­ servam ainda na França. E’ claro que o centro do culto divino — as. Missa, — não ficaria alheio à arte dos simbolismos. Estão repletos dc símbolos os gestos, as atitudes e atos do celebrante e dos seus ministros no s. Sacrifício. Vejamos a sua aplica­ ção nos paramentos do celebrante e dos ministros, quando estes sc preparam para o s. Sacrifício da Missa. Observemos antes que estes paramentos não teem a sua origem no simbolismo. Os seis paramentos que o sacer­ dote usa, pertenciam, nos primeiros séculos cristãos, à indu­ mentária civil ordinária. Apenas a sua forma e talhe sofre­ ram sensíveis mudanças no decurso dos tempos. Na celebração do s. Sacrifício da Missa usavam-se ainda os trajes que na vida civil iam caindo em desuso. Só maÍ6 tarde tornaram-se vestes especificamente litúrgicas. 0 uso dc uma indumentária especial na Liturgia acentua a dignidade da palavra e da ação sacerdotal, oferecendo ao celebrante e ao fiel um excelente recurso de elevação para uma esfera mais alta. acima do terra-a-terra da vida. O quanto essas vestes concorrem para o afervoramento do celebrante, é fácil observar quando se estuda o simbo­ lismo das mesmas. Lava — mãos. Poslea lavat manas, dicens orationem inferius positam. Depois lava as maos, recitando a oração que segue. (Rit. cel.l, 1). Oração. Da, Domine, virtalem manibus meis ad abstergendam otnneni maculam; ut sine pollutionc mentis et corporis valeam tibi servirc. Dai-me,


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Senhor, às minhas mãos, virtude que as purifi­ que de toda a mancha, para que eu vos possa servir sem mancha alguma de corpo e de alma. 0 pagão lavava as suas mãos, conforme afirma s. Juslino, c às vezes o corpo todo, antes de oferecer o seu sacri­ fício. 0 judeu lavava as mãos antes da oração e antes da ceia. As loções constituíam, no serviço do templo, uma parte importante do cerimoniai. Seria para extranhar, pois, que o sacerdote, antes de entrar no santuário, onde as suas mãos tocarão o Deus Santíssimo, não continuasse essa tra­ dição universal. Para o pagão, para o judeu, e espccialmenle para o cristão, o fato de entrar cm intimidade com Deus inspirou sempre um justificado temor, por causa do comércio com o pecado e com a matéria que maculam as mãos. Mas para o cristão êsse comércio com o pecado macula sobre­ tudo a alma, c é porque para o sacerdote da Lei Nova as suas loções são menos um ato de purificação corporal do que espiritual. Pois é neste mesmo sentido que tainbcm s. Paulo exige **‘que os homens orem, levantando as mãos puras” (Tim. 2, 8). O lava-mãos antes da Missa c, pois, um ato simbólico. Simbolismo dos paramentos. Quando queremos descobrir o sentido simbólico anexo a um paramento desde a sua introdução na Liturgia, temos de nos guiar pelas normas seguintes: 1. Quais são as orações que a Igreja manda recitar ao impor os paramentos sagrados? 2. Quais as palavras que a Igreja pronuncia em caso dc degradação, como se dava nos tempos medievais ? 3. Quais as orações que o sacerdote recita quando se reveste dos paramentos sacros ? A tríplice resposta a essas perguntas nos dirá qual o sentido que a Igreja quer dar à sua indumentária litúrgica. Ha, certamente, outros sentidos que os trajes litúrgicos podem sugerir, mas que a Igreja não tomou como seus. Assim é que existem múltiplos em relação à sagrada Paixão


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do Salvador. Outros ha que querem ver nos paramentos Ioda a indumentária litúrgica do Antigo Testamento. Nada disso, porem, a Igreja sanciona como coisa sua. § I.

O AMITO

Ac primum accipiens amictum circa extremi• tales et chordulas, osculatur illud in medio, ubi est crux, et ponit super caput, et mox declinai ad collum et eo vestium collaria circumtegcns, ducit chordnlas sub brachiis et circumduccns per dorsum, ante pectus rcducil et ligai. Rit. serv. 1,3.

Depois do lavabo o sacerdote reveste-se do amilo. E’ este um pano branco retangular, feito de linho, marcado com uma pequena cruz e guarnecido de duas fitas nas ex­ tremidades superiores. O sacerdote beija a cruz, pÕe-no sôbrc a cabeça e depois o desce cm torno do pescoço, cobrindo os hombros com cie. Amito diriva-se de amicirc e de a m p h i - j acere, que significam revestir, envolver. O amito se denomina também, embora raramenle, h u m e r a 1 e, ou veste dos ombros. Origem. Dos monumentos romanos na era dos pri­ mitivos cristãos demonstra-se que esta espécie de veste humeral era usada tanto pelos civis como pelos militares. O amito caia do pescoço, com pregas largas, e somente a parle superior era visível, pois o resto cobria-o a túnica. Se dele se revestiam por cima da túnica, amarravam-no então pela frente, à moda de gravata. História. Somente pelo fim do século 8 se men­ ciona o amito no rito romano (I Ordo Rom. P. L. 78, col. 940). Conforme se ve nos monumentos, nao se cobria com ele a cabeça, mas amarravam-no em redor do pescoço. No século 9 o amilo fazia parle dos paramentos sagra­ dos, nos lugares em que a reforma dos carolingios intro­ duzira o rito Romano. E isto para o sacerdote, diácono e


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subdiácono. Os liturgistas do século 12 o prescrevem tam­ bém para os bispos c para os que tenham recebido ordens menores. Depois do scculo 9 encontra-se o uso de cobrir a cabeça com o amito. Pois, em alguns sacramcnlários, depois do ano 900, encontram-se orações que denominam o amito “capacete de salvação”. Posteriormente êsse costume espa­ lhou-se. Mais tarde aparece o costume de se cobrir a ca­ beça com o annto e, depois de vestir a casula, dcscé-lo sobre ela, o que deu ocasião para enfeitá-lo com rendas e borda­ dos. Caía então sobre a casula, como gola larga e ampla. Para que essas golas se ajustassem devidamente, vestia-sc às ve/es o amito depois da alva. Provavelmente seja ainda um resto desse uso o fato de, na Missa pontificai, os diáconos do trono vestirem o amito em cima da sobrepeliz. No rito Ambrosiano chegou-se a separar a gola do amito, prcndendo-9e aquela sobre a casula, como ainda hoje se pratica em Milão. Também na Hespanha êste costume se introduziu e deixou reminiscéncias. A denominação que tomam essas golas na literatura íitúrgica são: pamra, collare, plaga, plagula, plica, genuna, prcctexta. truncus, aurijrisium, Jrisium. Os enfeites do amito divulgam-se com o estilo gótico. Espalham-se muito no norte da França, passam o mar da Mancha e aparecem mais tarde na Alemanha, Itália e Hes­ panha. Pelos fins do tempo mediavel o amito servia tam­ bém para cobrir a cabêça. Em Paris conservava-se a cabeça coberta com êle até ao momento do cânon. Tal uso prevaleceu até ao século 18, embora se não tenha generalizado. A intenção com que se introduziu essa prática c desco­ nhecida. certo que não foi motivada pela oração que a acompanha: inipone, Domine, ca pi ti meo... pois esta oração é que se introduziu em consequência daquele uso, o achamo-la. pela primeira vez, nos sacramentários f rancêses.


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Dêsse uso temos hoje duas reminiscências: ]. O fato de se pôr o amito na cabeça, por um mo* mento. antes de o vestir, e a oração que o acompanha. 2. A deposição do amito na cabeça do subdiácono, por ocasião da ordenação. Esta última rubrica dala do fim do tempo medieval, quando já desaparecera a investidura do amito para as ordens menores. Sentido simbólico. Conforme as regras acima, acharemos o simbolismo do amito nas orações cio Missal e do Pontificai. 1. Na ordenação do subdiácono: Âccipe amiclum, per quem designa tur castiga lie voeis, in no mine • « • 2. Na degradação da ordem de subdiáconato: Quia voceni litam non castigasu, ideo amictum a te aujerimus... S. Ao paramenlar-se: a) o sacerdote: lmpone9 Domine, ca pi ti meo galeam saiu tis. ad expugnandos diaholicos inciusus. Ponde-me, Senhor, na cabêça, o capacete da salvação, para combater os ataques do demônio. h) o bispo: Pont, Domine, galeam salutis capili meo, ad expugnandos onines diabólicas fraudes, inimicorum omnium versutiãs superando. Portanto, o amito simboliza: 1. 0 refreiamento da língua, indicado pela proteção da garganta. 2. O capacete da salvação contra o demônio, indicado pelo costume antigo de se pôr o amito sôbre a cabêça. Prescrição atual: 1. Matéria: linho ou cânhamo (S. C. R., 15 de maio do 1819, n. 2600). 2. Cor: branca.


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3. Tamanho: não é prescrito. Van der Stappen su* gere o comprimento de 90cms. e a largura de 65cms. Em todo caso, deve cobrir o pescoço e os ombros, conforme n prescrição do Missal (Rt. ceie. 1, 3). 4. Nos ângulos superiores prendem-se duas fitas, que nao precisam Nser brancas nem de linho. 5. No meio do amito ou no canto superior deve haver uma cruz. conforme as rubricas do Missal (Rt. celebr. }, 3), cuja cor também não se determina. Geralmente c vermelha. 6. Os demais ornamentos do amito caíram em desuso, pois perderam a sua razão de ser. Todavia, ainda se encon­ tram, às vezes algumas rendas e bordados nas extremidades. § IT

A ALVA

Tunc alba induitur, caput submitiens, deinde manicam dexteram brachio dextero et sinistram sinistro imponens. Rit. cel. 1,3.

A alva é a veste branca que chega até aos pés. Nome. Denominava-se, no tempo medieval: 1 i n e a, túnica 1 i n e a, t a 1 a r i s, p o d e r is , c a m i s i a. Origem. E’ certo que a túnica com mangas compridas e que chegava até aos pés, era a veste comum na vida civil. E’ certo também que essa túnica o clero a usava, no fim do século 8, na liturgia e na vida civil. No meado do século 9 foi proibido esse uso promíscuo, pov uma legislação particular. Aí tornou-se a alva o traje exclusivamente litúrgico de todo o clero. Forma. Antes do ano 1000 não aparecem deter­ minações sobre a forma dêsse traje. Os enfeites da orla e das mangas aparecem nos séculos 10 e 11, como se deduz das imagens e inventários daqueles tempos. A alva de s. Bernulfo (4- 1056), conservada no Museu de Utrecht, tem orlas enfeitadas. No século 12 aparece uma modalidade curiosa de ornatos. Inocêncio III se refere a isso na sua célebre obra


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“de sacro altaris mysterio”. Costumava-se trazer sobre a alva quatro ou cinco pequenos pedaços de fazenda precio­ sa» quer pela qualidade mesma do pano, quer por causa do trabalho de ornamentação artística e pelas pedrarias. Tudo isso se desprendia ao lavar. Tais ornamentos vinham no lado anterior e posterior, nos punhos e mesmo à altura do peito. Èsses enfeites denominavam-se: parurce, plagulce, grammata, aurifrisia, gemmata. Como demonstram alguns desses nomes, tais ornamentos eram considerados como sím­ bolos das cinco chagas de Jesus Cristo. O uso das rendas trouxe a alteração no formato das alvas. Na Itália desapareceram essas ornamentações, quasi por completo, no século 15. Na Alemanha vigoraram até ao século 17. Na Espanha usam-nas ainda os cantores da Pai­ xão, em Toledo. Também Milão as conservou. Ha dez ou vinte anos pretende-se restabelecer esse costume.' Simbolismo. Quando o sacerdote se reveste com a alva, cie diz: Dealba me, Domine, et munda cor meam, ut in sanguine Agni denlbatus, gaudiis perfruar sempiternis. “Senhor, fazei-me branco e puro o coração, para que, banhado no sangue purificador do Cordeiro, eu chegue a gozar das ale­ grias eternas”. Alusão à palavra do Apocalipse (7, 13-14): Amicti sunt stolis albis... qui venerunt de tribulatione magna, et laverunt stolas suas et dealbaverunt eas in sanguine Agni. Assim é que a alva, essa veste branca que envolve toda a figura do sacerdote, é o símbolo da inocência sacerdotal. Imagem feliz da inocência, da alma sacerdotal ávida de sacrifício, nada melhor para figurá-lo do que esse tecido de linho cuja alvura só se conserva a custo de cuidados contínuos, e q-uando manchado só um trabalho cansativo e um grande calor do sol lhe podem restituir o alvor. (A Lapide, In Apoc. 19,8). Nos Missais medievais raramente se encontra essa oração. Do século 10 a 16, quando se vestia a alva, pedia-se n investidura da força. E* o caráter belicoso daqueles tem-


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pos, que gostava mais dc pensar rui couraça da graça dc Deus. Legislação

t u a 1.

Matéria. A alva deve ser de linho (S. R. C. 15 de maio de 1819, n.° 2600). Proibe-se taxativamente, nesse decreto, o emprêgo de tecidos de algodão, Essas determinações não atingem 09 enfeites, visto que eles teem um papel secundário. Tamanho. 0 comprimento da alva vem estabelecido nos Ritos da celebração (1,3), em que se prescreve “ejus fimbriam diligenter aptat, ut ad latitudinem digiti, vel circitcr, super terram cequaliter fluat”. Recomenda-se o com­ Deve ser mais larga da cinprimento de lm,50 a lm.60. tura para baixo, tendo a orla uma circunferência de 3 ms. n 3ms.,50, aproximadamente. Enfeites. 1. Perraile-se o uso de rendas transparentes. 2. Por baixo dessa renda pode-se usar outra fazen­ da de cor, para combinação. 3. Essa cor pode ser adatada à dos paramentos da s. Missa. Regufarit^r, convem que a côr da combinação corres­ ponda à da batina ou mangas da batina que o celebrante usa. (S. R. C. maio de 1906, n.° 4186 ad. 3). As rendas de lã ou de algodão não são proibidas, si modestas e estreitas. Pois, embora não haja determinações a esse respeito, as rendas largas ou muito vivas não con­ cordariam com o espírito modesto dessa veste branca. E si fossem tão largas que constituíssem a maior parte da alva, estariam proibidas pêla lei geral que prescreve alvas feita9 de linho. Somente as rendas de linho podem ser largas. Nota. Nem na ordenação do subdiácono nem na sua degradação aparece menção da alva. Isto talvez se possa explicar pelo fato de outrora também’os minorÍ9tas se utilizarem da alva. Só no século 12 se introduziu para eles o uso da sobrepeliz em vez da alva.


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§111 — O CÍNGULO Al bani ipsam corporí adaptar, elevat. ante et a lateribus hinc indc, et cingulo, per ministrum a tergo sibi porrecto, se cingit. Rit. cel. 1,3.

O cingulo c um cordão dobrado que sustem a alva em redor da cintura. N o m e . Cingulum deriva-se de cingo, cingir. História e desenvolví m e n t o. Dos lempos do cristianismo primitivo nada se sabe do cingulo. Mas está claro que teve origem na veste civil. Sendo conveniente cingir o cordão sobre a túnica para ajeitá-la, passou essa prática para o uso do altar. Até ao século 9 não se menciona o cingulo na indu­ mentária litúrgica. Talvez se explique pelo fato de o con­ siderarem inseparável da alva. E, como na ordenação não se reveste a alva ao ordinando, o mesmo aconteceu com o cingulo. i\n segunda metade do tempo medieval usavam-se cintos largos. Hoje o cingulo é um longo cordão dobrado, com duas borlas pendentes das extremidades. Simbólica. Kevestindo-se do cingulo reza: a. 0 sacerdote: Praecinge me, Domine, cingulo puritatisy et extingue in lunibis mcis humorem libidinis: ut ma­ neai in me virtus continentice et castitalis. “Cingí-me, Se­ nhor, do cinto da pureza; extinguí-mc nos rins o fogo do prazer, para que cm mim resida, a virtude da continência e da castidade”. b. O bispo: Prcecinge me9 Domine, cingulo jidei et virtute castitalis lumbos meos, et extingue in eis humorem libidinisy ui jugiter in me maneai vigor totiiis castitalis. 0 sentido quasi exclusivo, pois, do cingulo, é o sentido da pureza sacerdotal. E é um sentido muito óbvio, quer por causa do seu fim natural, isto é, ordenar as vestes de maneira digna e modesta; quer por causa da relação dos rins cingido9 com o vício oposto à castidade.


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Neste sentido se entende também a explicação de s. Gregório Magno sobre Lucas (12, 35): lumbos enim pree* cinszimus cum carnis luxariam per continentiam coarctamus. (Cf. Leclio 7 Conf. non Pontif. in Breviario Romano). Legislação

atual.

1. À pergunta si se pode usar cíngulos de seda, res­ pondeu a S. R .C. que “é mais conveniente usar cordões de linho” (22 janeiro 1701, n.° 2067 ad 7). Os cordões de seda não são, pois, proibidos. 2. À mesma pergunta acerca dos cíngulos de lã a resposta, sem reserva, foi afirmativa. (S. R. C. 23 dez. 1862, n.° 3118). 3. À pergunta si o cíngulo pode ser da cor dos pa­ ramentos ou deve ser necessariamente branco, respondeu a S. R. C. “permite-se a cor dos paramentos5’. (8 de junho de 1709. n.° 2.194 ad 3). 4. Os cíngulos à maneira de faixas largas, como se usavam nos tempos medievais, nao são mais permitidos. On­ de, porem, ainda os ha. podem ser usados até se gastarem. (S. R. C. 24 nov. 1899, n.° 4048 ad 6). Mais prescrições nao existem. Conservam-se ainda hoje, dos tempos antigos, modelos belíssimos de cíngulos. O com­ primento preferido é o de 3 melros. § IV — O

MANIPULO

Sacerdos accipií manipulum, osculalur crucem in medio, et iniponit brachio sinistro. Rit.cel. 1,3

O manipulo é a fila larga que cai sobre o braço esquer­ do cm duas pontas bem iguais. Nomes.

" ;

1. Mappula era o nome primitivo dessa veste lilúrgica do braço. Mappa, cm latim clássico, equivale ao nosso ) guardanapo. Mappula não é clássico, mas significa a


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mesma coisa, podendo significar também um pano para o pescoço (gravata), para os ombros e lenço. 2. Fanoy phano, /anon, fanum são nomes usuais. O pano português deriva-se daí. Ambas as formas veem do grego pênos, pelo latim pannus. 3. Sudarium, que significa sudário. 4. Manipulus. Esta palavra se encontra pêla primei­ ra vez no século 3. Suplantou a denominação de mappula e tornou-se usual no século 12. O sentido original é “mão cheia”. Num sentido mais amplo significa feixe, molho, companhia (de soldados). Essa designação se entende pelo fato de o manipulo se carregar outrora dobrado na mão. Origem. Primeiramente apresentemos e apreciemos duas opiniões: 1. Afirma-se que o manipulo se deriva do pano com que os sacerdotes e fiéis velavam as suas mãos para nelas re­ ceber o SS. Sacramento. Isto principalmente no século 4. Assim é que o celebrante também velaria as mãos para locar nes vasos sagrados, etc.. MAS: os monumentos históricos que se citam não re­ lembram cerimônias estritamente litúrgicas. Alcm do que, mesmo entre esses monumentos, muitíssimas exceções se en­ contram. \Ta s. comunhão os homens recebiam o Corpo do Senhor em suas mãos nuas. Acresce ainda que seria difícil e perigoso manejar o cálice c a s. Hóstia com as mãos enluvadas e, ainda mais, a circunstância de se trazer o manipulo sempre na mão esquerda. 2. Afirmam outros que o manipulo teria sido um pano para limpar o cálix, pnlena e outros vasos sagrados. Os diáconos levavam-no no braço esquerdo para usá-lo quan­ do preciso. MAS para a recepção das dádivas sacrificais serviam-se os cristãos de panos especiais. Para enxugar o vinho derramado à margem do cálice, no oíertório, provavelmente se U9avnm panos de qualidade inferior, e os vasos usados pu­ rificavam-se na sacristia.


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E mesmo que tivesse servido esse pano para embeber o vinho derramado às margens do cálice, na sua preparação, nao se podería então compreender porque os diáconos o traziam no braço durante a Missa i n l e i r i n h a. Como explicar-se ainda que esse uso se tenha extendido a todos os ministros do altar, mesmo aos mais eminentes, quando na história litúrgica da indumentária os usos veem de cima para baixo, e não vicc-versa ? 3. Resta afirmar que o manipulo era, no começo, um sudário, cujo destino Amalário menciona: sudario solemus tergere pUuiiatem oculorum et liariam, atque superfluam salivam decurrentem per labia. Era, pois, mais ou menos o lenço dos nossos dias. ARGUMENTOS: a. A palavra mappula, com que se denominou por al­ gum tempo êsse paramento litúrgico, traduz-se literalmente pelo ' nosso lenço, b. Diga-se o mesmo de sudarium, que pelo menos no século 9 foi também denominação do manipulo. c. Junic-se a isso o fato de os Romanos usarem o su­ dário sempre na mão esquerda. d. O texto do pseudo Alcuino, em que se compara a indumentária da Antiga com a da Nova Lei. 0 pseudo Alcuino observa que no culto novo usavam-se, alem dos trajes antigos, a estola, sandálias e o sudário, que se levava na mão para enxugar, e ao qual se convencionou denominar fano. Êste pano ter-se-ia prestado lambem para outros fins mais imediatos e práticos, o que se depreende de Honório de Autun (século 12), onde se diz do subdiácono que êle “leva um sudário. com o qual se limpam lambem as manchas dos vasos'5. De prático tornou-se o manipulo um pano de adôrno, um artigo de “luxo”, Quando os imperadores, pretores e cônsules começaram a se servir da mappa para dar o sinal de início dos jogos públicos, então êsse pano passou a ser 9


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sinal dc distinção oficial, Existem ainda imagens e pinturas nas quais se veem cônsules com a mappa na mão. Foi assim que o manipulo se tornou um adôrno e sinal de dignidade. F o r m a. O manipulo dc outrora era um pano largo c dobrado que se segurava com a mão esquerda, geralmentc entre os dedos polegar e índice. Mas tarde passou-se a carrcgá-lo no braço. Quando se tomou simples adôrno, então passou a ser estreito. As formas e dimensões variam como as da estola. O comprimento era mais ou menos de lm.20, a largura de 5 a V cms. O manipulo se alargava nas extremidades, o que è muito belo, quando feito sem exagêro e progressivamenlc. As bordas enfeitavam-se, já do tempo medieval, com franjas, borlas pequenas, com bolas douradas ou prateadas. As cruzinhas dos manípuíos são de tempos posteriores. A primeira delas apareceu no século 10. Pelo meado dos iempos medievais elas reaparecem, mas sao raras ainda. No fim da idade média seu uso se generaliza. Legislação atual. Matéria. Os manípuíos devem 6er feitos de seda ou veludo, como lambem as estolas, casulas e os véus do cálice. Côr. O manipulo sujeila-se ao oânon das côres litúrgicas. Cruzinhas. Apenas se prescreve a cruz do meio, na altura em que o manipulo cai sôbrc o braço. E isto por causa do preceito: osculatur cruceni in medio. (Rt. cel. 1,3). Revestem-se com o manipulo, durante a s. Missa, o cele­ brante, o diácono e subdiácono, nas Missas solenes. Fora da Missa, somente em solcnidades unidas a ela, ou quando os Lrés ministros agem oficialmente, p. exemplo, na bênção dos Ramos ou no canto do Exsultei, cm que o cantor exerce o papel de diácono. Juslamenle por ser um traje característico de todos aqueles que receberam as ordens maiores, é proibido ao clérigo ou minorisla que por motivo justo faça as vezes do


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subdiáeono na Missa solene. (S. R. C. 10 março dc 1906, n. 4131 ad 1 e 2). Quando vestir? O sacerdote veste o manipulo depois do cordão, antes da estola. O bispo dele se reveste com o auxilio do subdiácono ou do presbítero assistente, depois de Indulgentiam, antes de subir ao altar. A oração já a recitou no trono. O diácouo e subdiáeono vestem os manípulos por último, isto c, depois da dalmática e túnica. Isto é taxativo para a Missa pontificai (Cerimonial dos Bispos, 1. 2, c. 3, n. 23). Nota. E5 importante que o manipulo não cáia sôbre o punho, como também que não seja muito curto, pois cm ambos os casos haveria perigo de se tocar com ele a s. Hóstia. Por isso c desejável que o manipulo seja bem ajus­ tado ao braço.. Usam-se, para isso, vários meios, dos quais c o mais prático um elástico por baixo do braço, prendendo os dois lados do manipulo. Orações: 1. Na ordenação do subdiáeono: Accipe manipulam, per quem designetur fruclus bonorum operum. In nominc Palris 2. Na degradação do subdiaconato: Depone manipulam, quia per frucíus bonorum operum, quos designai, non expugnasli spirilualcs insidins inimici. 3. Ao paramenlar-se o sacerdote: Merear, Domine, portare manipulam jletus et doloris, ul cuni exullalionc recipiam mercedem laboris. “Mereça eu, Senhor, trazer o mani­ pulo, símbolo das lágrimas e da dor, para um dia receber, com júbilo, a recompensa do trabalho. 4. Ao paramentar-se o bispo: Merear, precor Domine, manipulum porlare mente flcbili; ui cum exullalionc porlionem accipiam cum justis. •

4 •

Simbolismo: Às boas obras reunidas com esforço. O sentido de mappula, o pano para enxugar o suor e as lágrimas; o sentido dc manipulus, feixe de trigo amadurecido, tudo isso contribuiu para êsse simbolismo. Mais diretamenlc, porem, êle se ins-


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pirou nos versos 6, 7 e 8 do salmo 125: qui seminanl in lacrimis, in exultatione metent. Euntes ibant ct flebant, miltentes semina sua. Vcnientes aitlcm venient cum cxullatione, portardes manipulos sitos. § V — A ESTOLA Dcinde ambabus manibus accipicns stolam, simili modo dcosculatur ct imponit medium cjus coUo% ac transversando eam ante pcctus in modum crucis, ducit partem a sinistro humero pendentem, ad sinistram. Sicquc utramque partem stolet cxtremitalibus cinguli liinc inde ipsi cingulo conjungit. Rit. ccl. 1, 3.

A estol a é a faixa larga e comprida, cujas extremidades sc cruzam sobre o peito do celebrante. Nomes. 1. 0 r a r i o n, derivado de os, oris, boca, rosto. Significa o pano para enxugar a boca e o rosto. Essa deno­ minação só se encontra nos escritores cristãos e significa lambem pano de pescoço, ou pano, em geral. Como designação de paramento lilúrgico só se encontra essa palavra no Oriente, isto é, nos cânones do sínodo de Laodicéia (segunda metade do século 4) que proibem o uso do orarion aos subdiáconos, leitores e aos cantores. 2. Slola. do grego stolc, de slolitzo, slello, que signi­ fica vestir-se cora. No latim é o nome específico da veste superior de uma' matrona, veste que se ajustava com um cinto, e com êsse nome significava-se às vezes a própria matrona. Na Escritura Sagrada a palavra slola é sempre usada para significar um traje de honra e distinção, como se lê no Gcnese (41, 42) onde Faraó reveste José, e em Ester (6, 11) quando Aman reveste Mardoqueu com uma estola. Na Gália, onde não se percebia o sentido especificamenle romano da palavra, a estola denominava o traje com que se revestia o alto clero, como sinal de honra e distinção. Em Roma não se conheceu essa accepção do termo.


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0 Santo Sacrifício da Missa Origem e história.

No Oriente usou-sc o orarion na vida civil para o mesmo fim com que se usou a mappula cm Roma. A Litur­ gia oriental provavelmente nunca conheceu esse uso prá­ tico da estola, mas adotou-a apenas como insígnia de dis­ tinção para o diácono. Do Oriente o uso passa para a Hcspanha, onde os «ínodos de Braga e Toledo regulam o modo de usar a estola e fixam diretrizes, como hoje ainda vemos na s. Missa. Da Hcspanha esse uso se transplantou para a França, c no fim do século 8 ou princípio do século 9, a estola foz a sua entrada em Roma. Mas aí sc fez da estola um dis­ tintivo de todos ós clérigos, para dis»inguí-los dos leigos. Na noite que precedia a ordenação de um jovem clé­ rigo, depositava-se a e9tola no sepulcro do Apóstolo s. Pedro, quer para santificá-la, quer para demonstrar que o ordinando iria tomar o seu lugar na hierarquia, que sc funda em Pedro. Já pelo ano 1.000, aproximadamente, todo o Ocidente conhecia a estola. E5 curioso o seu uso nos tempos earolíngios. Os neo-sacerdotes são obrigados a dormir com a cslola no primeiro ano dc sua ordenação. Bruno de Segni (+1123) escreve que um sacerdote pode batizai*, crismar, etc. sem paramentos, mas não sem o orarion, exceto em caso dc grande necessidade. .Ainda no ano 1.000 o diácono vestia a estola por cima da dalmálica, como ainda hoje em Milão. No fim do século 13 não é ainda geral o uso de o sacerdote cruzar a estola sôbre o peito. Foi também depois do ano 1.000 que se fixaram as palavras que o sacerdote recita para se revestir da estola. 0 desenvolvimento da estola acompanha o do manipulo. E5 dignu de menção o grande comprimento e a pequena largura da mesma nos séculos 11 e 12. Em 1287 determi­ nou o sínodo de Licge que a estola atingisse pelo menos até à p a r u r a da alva, ou melhor ainda, até à sua orla.


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Para explicar a origem da palavra orarium opinaram alguns que a eslola seria a reminiscência de uma veste superior. Mas essa explicação não acha fundamento nos monumentos históricos. Seria, dizem outros, a lembrança do antigo manto ju­ daico de oração chamado talliíh, e que se adata perfeitamente à palavra orarium. Mas essa opinião é também.rejei­ tada pela arqueologia. A estola não foi, no princípio, um pano do pescoço contra o frio ou contra o suor, pois não consta em parte alguma que o orarion se. fechasse em redor do pescoço. Antes, era esse, exatamente, o papel do amito. E mesmo que assim fosse, não se explicaria então como a estola veiu a ser considerado como distintivo hierárquico. Em Roma não se pode explicar a origem da estola como sendo pano de pescoço nem como lenço, pois para o pri­ meiro uso havia o amito (humcrale), e para o segundo havia a mappula. Roma conheceu provavelmente a estola somente como paramento litúrgico. Legislação atual. A matéria e a côr teem de ser as mesmas da casula e do manipulo. A estola deve, pois, ser feita de veludo ou de seda. Porque as rubricas mandam beijar a cruz, é claro que deve haver uma cruzinha em cima, na parte que se dobra sôbrc o pescoço. A estola é o distintivo do diácono, que a veste sobre o hombro esquerdo, atadas as extremi­ dades debaixo do braço direito. E’ distintivo também do sacerdote, que a veste sobre ambos os hombros, cruzando-a sobre o peito. E’ ainda distintivo do bispo, que a veste sobre os hombros, sem toda­ via cruzá-la sobre o peito, pois já tem a cruz peitoral. Toda vez que estes três dignatários aparecem oficial­ mente na Lituigia, devem aparecer revestidos da estola, p. exemplo, na administração dos sacramentos e sacramentais; sempre que devam tocar o SS. Sacramento e quando rece­ bem a santa comunhão. Permite-se também o uso da estola aos sacerdotes na adoração do SS. Sacramento, onde tal costume existe (S. R. C. 2709 ad 2) .


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E* obrigatório o uso da estola na pregação (S. C. R. 3185 e 3157 ad 6; 2682 ad 21). E’ proibido o uso da estola na recitação do ofício, por maÍ9 solene que seja (S. R. C. 4162 ad 1), salvo se imedia­ tamente sc segue a exposição do SS. Sacramento. Embora a estola nno seja sinal de jurisdição (S. R. C. 3035 ad 2) pode às vezes ser usada como sinal de precedên­ cia eclesiástica. E’ ainda lícito o uso da estola na9 procissões, em alguns caso9 (S. R. C. 2635). Com a alva o sacerdote sempre usa a estola cruzada sobre o peito. De sobrepeliz ele a U9a caída sôbre o peito, sem a cruzar, com um cordão apenas ligando-lhe os dois lados. Essa estola se denomina também estola pas­ toral, pois o pároco a traz como insígnia. Formato. O comprimento aproximado é de 2 ms. 60, e a largura de 6 a 8 cms. São desnecessárias a9 cruzinhas nas extremidades. Para asseio convem que haja na gola um colarinho de linho, deixando visível a cruz, o qual se possa facilmente tirar para lavar ou para renovar quando estragado. Orações. Na ordenação do diácono: Accipc stolam candidam de manu Dei; adimple ministerium tuum:potens est enim Deus, ut augeal tibi gratiam suam. Na ordenação sacerdotal: Accipe jugum Domini; jugum enim ejus suave est et onus ejus leve. Na degradação da ordem do presbiterato: Signum Do­ mini per hanc stolam turpiter abjecisti, ideoque ipsam a te amovemus, quem inhabilem reddimus ad omne sacerdotale officium exeicendum. Na degradação da ordem do diaconato: (projiciens eam posl tergum) stolam candidam quam acceperas immaculatam in conspeclu Domini perjerendam, quia non sic cognito mysterio, exemplum conversalionis tuce fidelibus prcebuisti ut plebs dicata Christi nomine posset exinde imitationem aequirere, juste a te amovemus, omne diaconatus officium tibi prohibentes.


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Ao paramentar-se para a s. Missa diz o sacerdote: Redde mihiy Domine, stolani immortalitatis, quam perdidi in prcevaricationc primi parentis: et quamvis indignus accedo ad íunm sacrum mysleriumy merear tamen gaudium sempiternum! “Reslituí-me, Senhor, eslola da imortalidade, que perdí pelo pecado do nosso primeiro pai: e embora indigno de me aproximar dos vossos santos mistérios, fa­ zei-mc merecedor da eterna alegria’*. As orações que o bispo recita teera conteúdo semelhante. Simbólica. A estola tem dupla significação. Depositada sôbre o colo e os liombros, ela significa o jugo e o fardo do santo ministéiio, a cruz do sacerdócio que pede paciência e cora­ gem. Como distintivo ela é uma veste de honra, e significa a veste da graça santificante que se exige para subir ao altar, e é o penhor da veste nupcial dos eleitos. § VI —A CASULA Postremo sacerdos accipit planetam. Rit. cel. 1, 4. A casula é a derradeira veste do celebrante. Nome. Amphibalus, do grego amphibállo, que sig­ nifica vestir. Era a palavra usada na Liturgia Gálica, e que por instigação de Roma caiu em desuso. Infula é a denominação que aparece na Inglaterra, Alemanha, e principalmente na França do século 12 até 15. E’ uma palavra inexplicável para êsse paramento. Infula entre os clássicos designa o cinto de lã que os sacerdotes pagãos usavam em redor da cabêça, no princípio da era cristã. Outra denominação obscura é a de planeta. E’ a deno­ minação favorita na Itália.' No Missal Romano e no Ceri­ monial dos Bispos é essa a designação comum. Donde êsse nome ? Visto que a casula é um desenvolvimento da paenula dos Romanos e do phailónion dos Gregos, pensam alguns que a palavra planeta seja uma corrupção daquelas duas palavras.


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S. Isidoro de Hespanha explica que a denominação de planeta dêsse paramento lhe vem do fato de sua mobili­ dade caprichosa em redor do corpo. Explicação essa muito pouco convincente. Dada a forma antiquíssima dêsse paramento que outrora envolvia o corpo todo, entende-se melhor a denomi­ nação de casula, que literalmente se traduz por “casa pequena”. E’ esse o nome mais usado na Espanha (casula), em Portugal (casula), na França (chasuble), na Inglaterra (chasuble), na Alemanha (kasel) e na Holanda \lcasuifel). O Pontificai Romano que assimilou ritos extrangeiros, aceitou também essa palavra. História e desenvolvimento. O formato. A veste de cima dos nobres Romanos era a pacnula, traje comprido, largo e redondo, caindo de todos os lados . A pacnula linha apenas uma abertura em cima, para introduzir a cabeça. Para a liberdade das mão9 erguia-se o manto sôbre os braços, dos dois lados. Os sena­ dores usavam-na ainda no século 5, e os nobres até ao século 7. Como veste litúrgica obrigatória a paenula aparece pelo ano 500. Era então a veste litúrgica de todo o clero, mesmo das ordens mais humildes, e isto até ao ano 700. Daí por diante tornou-se o traje característico do sacerdote cele­ brante, enquanto os ministros de ordens maiores só a usa­ vam em algumas solenidades. (Vede modelos 1 e 2).


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O celebrante tinha necessidade de arregaçar as extre«nidades da casula para ter as mãos livres. Às vezes pren—diam-sc as extremidades com colchetes, sobre os hombros. Daí sc originaram muitas rubricas, como a que manda levan­ tar a casula na incensação, ou para facilitar a elevação da s. Hóstia e do cálice, na consagração. Daí também a ru­ brica pêla qual o bispo só se reveste do manipulo ao subir ao altar, pois as orações aos pés do altar recitavam-se com a casula caída. Daí, finalmente, o suo da planeta plicata, ou dobrada pela frente, com que às vezes se trajam os ministros do altar. O modelo antigo sofreu até hoje poucas alterações entre os Gregos. Entre os Latinos se introduziu, do século 10 ao século 13, uma mudança definitiva. As partes laterais que tanto dificultavam foram cortadas à altura dos braços, c a parte da frente e de traz acabaram tocando o chão. Alem de desvencilhar' as mãos do sacerdote, evitam-se com isso vários perigos, pois as dobras largas; sobre os braços, como as pregas grandes sobre o peito facilmente vinham a tocar as sagradas espécies. E quando no século 12 se determi­ naram as côres, então fez-se valer também o argumento eco­ nômico (Modelos 3 e 4). Casu/o

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Nos tempos que ?e seguem, até ao século 16, essa forma se generaliza, e porque coincide com o período das cons­ truções de estilo gótico, passou a denominar-se “casula gótica”. Desde o século 16, isto é, do Concilio de Trento, co­ meçou na Igreja Latina um movimento progressivo em favor de formas mais sóbrias de casulas, o que se pode reduzir a quatro fases: a. S. Carlos Borromeu prescreveu para as suas dio­ ceses um modêlo pouco mais curto, cujas peças laterais che­ gavam só até aos cotovelos. (Modelos 5 e 6) . rali

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fc. Gavanlus apresenta, em 1630, um novo modêlo diminuído consideravelmente, uma redução do modêlo de s. Carlos, quer no comprimento, quer nos lados. (Modelos 7 e 8). c. No fim do século 17 se começou, principalmente na Espanha, Inglaterra e França, a enfeitar as casulas com brocados pesados, e cora isso vieram elas a perder toda a flexibilidade. Clicgou-se mesmo a usar, para forro, de pa­ pelão e madeira. Com o intuito de assegurar a plena liber­ dade dos movimentos do sacerdote, foi-se ao cúmulo de deformar complctaraente esse paramento. Tiraram-lhes as


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pontas que caíam para a írente e para traz, arredondaramnas, e cortaram tolalmenle as partes que caíam sôbre os ombros. Ai estava a casula romana. (Modelos 9 e 10). ' 2 o ma na

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d. Com essa última deformação chegou-se mesmo, nos séculos 18 e 19, ao ponlo de pela influência de fabricantes franceses (!) — os paramentos antigaraente tão belos se reduzirem ao ridículo comprimento de 90 cms. e à largura máxima de 30 cms. O povo espirituoso começou a achar os padres parecidos aos portadores de cartazes com recla­ mes. Os francêses achavam esta casula semelhante a asas de besouro, e os holandeses, gente de temperamento artista, imaginaram logo em caixas de violões!... (Modelos 11 e 12).

Chegando a coisa a êsse ponto, podia-se esperar uma reação. De fato, quando renasceu, na metade do século passado, o amor à antiga arte medieval, as atenções se voltaram logo ao paramento principal da s. Missa, a ca­ sula. À testa dessa renascença de arte estavam, na Alema­ nha, o dr. Bock, dr. Schwarz e o padre Laib. Na Inglaterra trabalhou muito Pugin, que pessoalmenle se encarregou de esboçar modelos de belas casulas. Na Bélgica, Holanda e vários outros países o movimento renovador se incrementou.


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Sem consultar Roma quiseram voltar, sem mais, aos modelos largos, no que não foram muito felizes. Eis al­ guns fatos dessa história ainda nova. 1. Dr. Bock usou na igreja delPAnima, em Roma, no ano 1859, uma casula gótica. Foi reparado, e o doutor malicioso teve de se justificar diante da Congregação dos Ritos. Então dr. Bock apelou para o seu prelado, ordiná­ rio de Münster. A consequência disso foi que o episcopado dirigiu uma petição à S. C. R. no espírito dos jovens ar­ tistas. Mons. Corazza que, como cerimoniário papal tinha grossos óculos romanos, foi incumbido de fazer uma viagem de inspeção pela Alemanha e Bélgica. O seu relatório, con­ tendo cento e trinta c três parágrafos com informações agravantes à casula gótica, acabava manifestando o desejo inequívoco de uma proibição estrita e geral. Pio IX não achou tanta importância no caso e impediu a publicação dêsse relatório. Como por surpresa apareceu, vinte e oito anos mais tarde, a proposta de Corazza na Analecta júris pontificii (ano 1888). O falo tinha aparências de uma absoluta proibição. Entretanto o novo movimento achou um adversário sé­ rio em Mons. Dclbecque, bispo de Gand. Enquanto iam aparecendo formas cada vez mais antigas de casulas, o bispo de Gand, com a proteção do alto clero, se dirigiu à S. C. R. Mas uma visita pessoal dos principais protetores da arte nova a Roma impediu a assinatura papal do de­ creto proibitivo. Mons. Baldeschini, cerimoniário papal e grande admirador dos modelos antigos, conseguiu que o de­ creto tivesse uma redação muito mitigada. Éssc decreto de 21 de agosto de 1863 começa ponde­ rando que em várias dioceses da Inglaterra, da França, Alemanha e Bélgica, entraram novamente em uso para­ mentos de estilo gótico, belíssimos na sua confecção, mas que poderíam causar extranheza nos fiéis. “Mas — prosse­ guia o decreto-circular dirigido aos bispos — porque, con­ forme o juizo da Congregação dos Ritos, as razões que


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inspiraram a introdução dos referidos paramentos podem ler algum pêso, a dita Congregação, autorizada pelo Papa, convida a V. Excia. para apresentar os motivos exatos dessas alterações dentro da diocese de V. Excia.”. IS'a alínea seguinte o'mesmo decreto se refere à con­ servação da SS. Eucaristia nas denominadas “casas sacramentárias”. Nessa altura o tom do decreto é absolutamente outro. Proibe-se terminantemente, em nome do soberano Pontífice, conservar o SS. Sacramento em outro lugar que não seja o labcrnáculo, colocado no meio do altar. O cotêjo, apenas, das duas redações, já é bastante elucidativo. De pouco em pouco foi predominando a interpretação benigna da atitude de Roma. E isto apoiava-se nos fatos seguintes: 1. A experiência demonstrara que a “extranheza do povo” era pura fantasia. 2. A nova edição do Cerimonial dos Bispos, de 1886, deixara inalterada a passagem onde se diz que “a planeta episcopal deve ser cuidadosamente ajustada e dobrada sobre os braços”. 3. A apreciação iniludivelmente favorável dos Papas como dos dignatários romanos, em ocasiões semi-oficiais. Nas visitas das igrejas do Campo Santo e Maria delFAnima, prescritas por Pio X, as casulas góticas, allamente aprecia­ das, foram autorizadas para os atos lilúrgicos. Observou-se também que nas solenidades das catacumbas de Domitilla, por ocasião do Congresso Gregoriano, tanto o cardial Rampolla como os seus ministros assistentes, usavam paramentos góticos. 4. Várias dioceses responderam à circular de 1863, apresentando os seus motivos, e continuaram a usar as ca­ sulas góticas, com conhecimento da santa Sé. 5. Finalmente, o uso da casula gótica teve as portas francamente abertas quando a S. C. do Concilio aprovou os atos e decretos do concilio provincial da Holanda, isto em 11 de julho de 1927. Nas atas dêsse concilio (cânon 811) dizia-se, quanto a forma das casulas, que se observasse o


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modelo em uso na Igreja Romana e nas outras igrejas dc rito latino . E expressamente se mencionava e autorizava a casula “ad stylum quem vocant gothicum”. O

enfeite.

1. Até ao século 10. Vagas informações se podem colher dêsse espaço de tempo. Desde os séculos 6 e 7 parece ter sido o único ornato das casulas uma lista em redor da abertura superior e duas faixas verticais, aos lados. Êstes e outros ornamen­ tos rudimentares encontravam-se também nas casulas dos leigos, motivo pelo qual não se pode pretender atribuir a tais ornamentos um sentido simbólico. 2. Do século 10 ao século 13. a) o formato italiano, cujos ornamentos con­ sistem numa lista em volta da abertura superior. Partindo daí, uma faixa larga desce por detraz. Na frente o corte superior é mais cavado, e para elegância e firmeza de talhe apoia-se sôbre uma faixa atravessada que forma um T, uma cruz, com a faixa que desce pela frente. Veja modelos 0 e 10). Ésse enfeite romano de hoje, diz Gavantus, alude a paixão de Nosso Senhor, como si o sacerdote se colocasse entre a coluna da flagelação e a cruz de Jesus Cristo. b) Existem também os modelos do norte. Seus ornamentos consistem numa tira larga caindo de frente e de Iraz, e outra envolvendo os hombros. Esta última era a imagem do jugo a que se refere a oração: jugum meum suave esl. Mas já no século 13 via-se neste enfeite a cruz do Cristo. (Modelo 4). Em 1300 bordava:se sôbre essa cruz, do lado de traz, o corpus Christi. 3. Depois do século 13 a cruz torna-se o ornato ca­ racterístico das casulas. A cruz se alargava, a medida que a casula se estreitava na frente e sôbre os ombros. Com isso chegou-se à cruz latina, a mais adequada, por cau9a dos seus braços horizontais. E o lado da frente, por causa de seu corte profundo, só deixou espaço suficiente para a coluna.


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A largura da cruz cresceu desmesuradamente. Havia nisso a vantagem de torná-la mais vistosa e os paramentos mais econômicos, porque os ornatos não precisavam ser de seda. Segundo Callewaert as cruzes chegavam à largura de 54 cms. O mesmo autor escreveu muito a propósito, de jure hodierno: 1. Casula: cctcrorumque paramentorum ornatus prcecipuus, qui prceprimis intendi debet et ubique obtinerí potest, integritas sane est ac mundities. Scribit enim Missale (Rit. cel. M. 1, 2): para­ menta “non debent esse lacera aut scissa, sed integra et daccnter mun• da et pulchra”. 2. De colore crucis et ornatus nihil in jure prcescribilur. Non prohibetur, quominus ornatus sit coloris mixti alterius ac pannus casula; curcndum tamen est omnino, ut color sit congruens et talis, ut crucem. manifestam faciat ct non destruat, sed perficiat effectum aut indolem coloris ipsius planeta.

c)

Ouso.

Antigamente usavam-na como proteção contra o frio e a chuva, pelo que a pênula era de fazenda grossa. Mas desde o século 2 tornou-se um simples traje superior. Em fins do século 4 a pênula passou a ser veste litúrgica, com o nome de a m p h i b a 1 u s. No século 7 encontramo-la também na Hespanha. O cânon 28 do 4.° sínodo de Toledo (633) determina que um sacerdote, suspenso injustamente do seu ofício, é nele restabelecido quando o Bispo lhe devolve a o r a r i u m (estola) e a planeta diante do altar. Segundo consta dos mosaicos de s. Sátiro em Milão, como também em s. Vital e s. Apolinário in Classe, de Ravena, a pênula já era usada também na Itália, como veste litúrgica, no século 5 até 6. fora de Roma era a planeta a veste específica dos sacerdotes e bispos em diversos atos de culto. E m Roma, para todos os clérigos, até ao século 9. Aí os diáconos revestiam-se da planeta até à entrada do presbitério. Provavelmente por ser incômodo substituireni-na logo pela dalmática, que tinha mangas curtas


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e largas. Os subdiáconos usaram a planeta até ao século 9, mais ou menos, quando foi substituída pela túnica. Tam­ bém os acólitos não puderam mais usá-la, a partir do sé­ culo 9. Porque a dalmática e a túnica eram consideradas ves­ tes festivas, não as usavam em dias dc penitência — como ainda hoje sucede — Mas o que é curiso é que a veste an­ tiga, a planeta, substituísse a ambas nesses dias. No final da oração os diáconos suspendiam a casula até aos ombros. Quando se entoava o aleluia depois do gradual, tiravam-na, dobravam em forma de faixa e com o auxilio da estola punham-nn sobre o ombro esquerdo até que o Papa, depois da s. comunhão, voltasse para o trono. Os cantores tiravam a planeta dos subdiáconos na antí­ fona do intróito. Os outros tiravam-na juntamente com o diácono, mas dobravam-na diante do peito, de modo que lhes fosse cômodo colocar sôbre ela um livro, ou coisa se­ melhante. Èste uso de vestir casulas em vez de dalmática c tú­ nica nos dias de penitência espalhou-se muito devagar fora de Roma. Somente depois de 1100 ele se generalizou nas catedrais e igrejas de conventos importantes. Usava-se a casula em outras funções também. E’ o que demonstram as miniaturas e relevos de um sacramentário do Bispo de Metz (+355). No ano 1000, aproximadamente, substituíam frequentemente a casula pelo pluvial. No século 12 a ca­ sula tornou-se exclusivamente um paramento da s. Missa. E* êste ainda o uso atual, salvo raras solenidades que desde a sua origem são unidas à s. Missa, como sejam as profe­ cias do sábado santo, que o sacerdote lê resvestido da casula. Na bênção dos santos óleos, a casula é apenas uma insígnia sacerdotal para os doze sacerdotes assistentes. Na procissão, simples ornamento. Os diáconos e subdiáconos usam a casula unicamente: 1. Nos dias em que se não pode usar dalmática ou túnica.


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2. Isto só nas catedrais e igrejas principais. 3. Essas casulas são dobradas na frente, ou como usam em Roma, cora a frente cortada. 4. Não se usam durante a Missa toda, mas o diácono tira-a antes de cantar o evangelho. Si se tem uma ustola latior”, ou estolão, êste substitue a casula que outrora incomodamente se dobrava como faixa. A “stola latior” nada tem que ver com a simples estola do diácono. O estolão é um paramento a parte, substitutivo da casula do­ brada. O subdiácono depõe a casula somente para cantar n epístola, retomando-a logo depois. Assim rezam as rubricas gerais, 19,6. LEGISLAÇÃO ATUAL. Matéria. Dado o teor exclusivista de vários de­ cretos. pode-se concluir que, saltem principaliter, a matéria das casulas tem de ser seda ou veludo. Os en­ feites podem ser de outro pano. Permitem-se também bor­ dados de ouro ou prata. (S. 0. R. 3145, 3191 ad 4,3646 ad 2 e 3). O pauo do íôrro fica à vontade. O que se disse do pano dos paramentos vale para tudo quanto cai sob o cânon das cores. Unicamente congregações missionárias e alguns conventos teem privilégios para a9 suas capelas. SIMBO LISMO. No princípio da ordenação sacerdotal é o candidato re­ vestido com a casula ainda dobrada do lado posterior. O Bispo diz: “Accipe vestem sacerdotalem per quam caritas intelligitur; potens est enim Deus ut augeat tibi caritalem et opus perfectum”. Depois da s. comunhão dá-se ao ordinando o poder de perdoar os pecados. Imediatamente depois desdobra-9c* lhe a casula cora estas palavras: “stola innocentiee induat te Dominus”.


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Ao vestir-se da casula antes da Missa o sacerdote re­ cita (e a oração do Bispo é quasi litcralmente a mesma): Domine, qui dixis ti: juguni meum suave est et onus meum leve; fac, ut istud portare sic váleamy quod consequar tuam gradam. Amen. “Senhor, que dissestes: o meu jugo é suave e o meu peso leve, fazei que eu o suporte, de forma a obter a vossa graça. Amen”. Assim, pois, a casula que com as suas dobras largas cobre todos os demais paramentos sagrados e envolve quasi toda a estatura do sacerdote; que excede todos os outros pa­ ramentos na fineza dos seus trabalhos e enfeites — essa casula éo símbolo exato do amor de Deus que sobressai sobre todas as virtudes, protege-as todas e as faz brilhar. A caridade inclue necessariamente a pureza de alma, a inocência ilibada, ornamento indispensável de todo aquele que ex officio se destina a purificar as almas dos outros, infundindo-lhes o gcrmen do amor de Deus. E* claro que o simbolismo da casula inclue e suben­ tende o simbolismo da estola, isto é, a graça santificante, a inocência da vida. Mas fica sempre alguma diferença nos dois símbolos, pois enquanto na casula se ressalta a dignidade e a alegria da alma sacerdotal, na estola acentuase a idéia da pureza com que se deve cercar a vida sacer­ dotal. APÊNDICE. 1. A d almátic a éa veste superior do diácono. Seu antigo formato e enfeites eram originais: uma veste que chegava até ao chão, branca, .com mangas largas, or­ namentada com duas tiras estreitas de púrpura ( c 1 a v i) que desciam até à orla, pela frente e por traz. Êsse traje é originário da Dalmácia, donde o seu nome, e provavel­ mente se adotasse em Roma no século 2. A imagem da cruz formada pela dalmática, quando se rezava de braços abertos, fez dêsse traje uma indumentária muito cara aos cristãos.


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No século 4 já era a dalmálica um paramento exclu­ sivamente litúrgico, com mangas muito largas e com tiras nas mangas iguais aos c 1 a v i. (Modêlo 1).

A

Z

Para maior liberdade de movimentos fez*se, no sé­ culo 12, um corte de ambos os lados, sob os braços. Ao mesmo tempo alargaram as extremidades e as fitas de or­ namentação também acabaram mais largas. No século 13 aparecem as tiras horizontais, unindo as verticais. (Modêlo 2). A ornamentação com cordões e pingentes data do sé­ culo 16. (Modêlo 3). ---- 'fí

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A ilalmática conservou por algum tempo a forma an­ tiga, com mangas fechadas. A forma escapular é originária de França. A parte da frente é separada da detraz e recortada como se observa no modêlo 4. USO. Os imperadores romanos utilizavam-se da dalmática como traje cerimonial. Na primeira edição do Pontificial Romano dc Pio V, em 1572, lê-se ainda sob o título: Da coroação do imperador Romano, que êste se revestia com a /única ou dalmática nessa solenidade. Ainda hoje é a dalmática uma das insígnias que os reis ingleses recebem no ritual de coroação. Pelo ano 300 só o Papa, na hieràrquia eclesiástica, usava a dalmática. Conforme o Breviário Romano, o Papa Silvestre autorizou o uso aos diáconos da igreja de Roma, e de pouco em pouco os Papas extenderam esse privilégio às demais igrejas. Consta que a igreja de Aries recebeu tal privilégio no princípio do ano 500. E’ curioso que os Papas tenham concedido a dalmática aos Bispos — como consta de documentos do século 8 — como veste honorífica. Daí se explica porque até hoje os bispos se revestem da dalmática c da túnica nas Missas pontificais, para exprimir assim a plenitude do sacer­ dócio. 2. A tu ni cela, a veste superior do subdiácono nas suas funções sagradas, era primitivamente uma dalmálica de forma um pouco diversa. Envolvia todo o corpo e era menos preciosa. No curso dos tempos tornou-se a tunicela completamenle idêntica à dalmática. Em Roma a única diferença consiste em ler a tunicela mangas mais estreitas e mais compridas que a dalmática. Vê-se ainda hoje esta diferença nos paramentos epis­ copais da Missa pontificai. O Bispo revesle-se primeiramente da túnica, depois da dalmática, e finalmente com a planeta.


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O uso da lunicela íoi concedido aos subdiáconos no scculo 11. Quanto ao material e enfeites da dalmática c lunicela, diga-se que esses paramentos acompanham as prescrições da casula, A S. C. R. definiu, em 31 de maio de 1817, (n.° 2573 ad 4), que a maior dignidade do celebrante não é motivo bastante para se ornamentar mais ricamente urna planeta do que uma dalmálica ou tunicela; visto que os paramentos não servem às pessoas, mas ao culto sagrado. O uso dêsses paramentos é hoje prescrito nas Missas solenes, procissões e bênçãos solenes, quando os ministros assistem ao oficiante. % Esta regra sofre algumas exceções: a. Na s. Missa: 1. em lodo o tempo do advento, salvo no terceiro domingo (Gaudete) e na Vigília do Natal; 2. Em todo o tempo da quaresma, exceto no quarto domingo (Laelare), na quinta-feira santa e sá­ bado santo; 3. Nas têmporas do advento. b. Nas procissões: depois da bênção das velas, dia 2 de fevereiro e na bênção dos ramos, na Dominica in Palmis. c. Nas bênçãos: 1. Na bênção das velas, dia 2 de fevereiro; 2. Na bênção das cinzas, quarta-feira de cinzas; 3. Na bênção dos ramos, no domingo do mesmo nome. 4. Na bênção do fogo, incenso e fonte, no sábado santo (sendo que no “Exsultet” o diácono reveste a dalmálica); 5. Na bênção da fonte batismal na vigília de Pentecostes. E ainda, provavelmente: 6. Na bênção de uma primeira pedra;


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7. Na benção de uma igreja; 8.. Na benção de uin altar. ORAÇÕES E SIMBÓLICA. Na ordenação do subdiácono diz o bispo ao ordinando: “Túnica jucunditatis et indumento Icetitice induat te Dominus. In nomine Palris • • • Na oídenação do diácono: “Induat le Dominus indumenlo salutis et vestimento Icetiticc et dalmatica juslitiae circumdet te seniper. In nomine Patris...” De ambas as orações conclue-se claramente o sentido principal de anibo sos paramentos: a alegria espi­ ritual. Isto explica a proibição dos mesmos em dias de penitência. 3.

A, capa de Asperges.

Êste manto largo que envolve todo o corpo entrou em liso nos tempos primitivos, quando a Igreja gozava de plena liberdade para as suas manifestações pomposas, para suas procissões solenes. A capa que se usava ao ar livre servia de proLeção contra a chuva e linha para esse fim um capucho com que se podia cobrir a cabeça. 0 sentido original ainda o indi­ camos com a denominação comum de pluvial. Mas não é esse o nome usual mais antigo, pois a palavra “pluvialc” encontra-se, pela primeira vez, no século 10. Antes deno­ minava-se comumente “cappa”. Hoje .“cappa” significa comumente a veste de coro do Bispo. No Brasil: Capo de Asperges e “Capa de Vesperas”, do celebrante. (Nota do tradutor). Quanto à fazenda e cor litúrgica, valem para a capa as mesmas regras dos demais paramentos superiores. A capa cxLendida forma um semi-círculo com as seguintes dimen­ sões: comprimento 155 cms. e largura 310 cms., aproxi­ madamente.


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Substituindo o antigo capucho usa-se, no estilo romano, uma gola larga geralmente ornamentada e guarnecida de franjas. O pluvial fecha-se no peito por meio de uma fivela ou de uma fita de seda. À capa episcopal conviria uma fivela e ornamento grande, de metal precioso, que se cosluma denominar jormafe. O “formale” é redondo ou oval, dc metal precioso c ornamentado de pedras. Só o Bispo o podería usar. S. R. C. n.° 2425 ad 9; cf. Caerem. Epise. lib. I. cap. Vil, ji. 1). Usa-se o pluvial: . 1. nas procissões: 2. nas bênçãos solenes; 3. na aspersão do povo. aos domingos, antes da Missa paroquial; 4 . nas encomendanões depois da Missa de req uiem; 5. nos ofícios solenes de laudes c vésperas (cf. Rub. geri. 19,3); Nota. Pluvial c manipulo nunca se usam juntos. Na falta do pluvial não se usa casula nem manipulo, mas sobrepeliz e estola. 4.

As cores liLúrgicas.

As cores dos paramentos a Igreja as prescreve de con­ formidade com a Missa e com o espírito litúrgico de cada festividade ou tempo. São iguais em toda a Igreja ociden­ tal, exceto no rito Ambrosiano, que tem seu cânon de côres. As côres são cinco: branca, vermelha, verde, roxa c preta, como determina o Missal Romano, Rub. gen. til. 13, n. 1. Note-se: a. que os paramentos amarelos e azues foram proibi­ dos várias vezes e expressamente. (S. R. C. n. 2704 ad 4,2788 ad 2,3082, 3191 ad 4,3779 ad 3); b. admitem-se paramentos de tecido dourado ou pra­ teado; ouro para os paramentos branco, vermelho e verde; prata para os brancos (S. R. C. 3145, 3191, 3646):


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c. pode-se usar fazenda de duas ou mais cores na mesma casula, com tanto que a côr litúrgica predomine (S. R. C. 2769); d. • a côr predominante deve determinar o uso do pa­ ramento, de modo que o mesmo paramento não possa ser­ vir para várias cores (S. R. C. 2675, 2682, 2769) ; e. nos domingos Gaudete e Laetare pode-se usar pa­ ramentos côr de rosa em todas as Missas e ofícios (S. R. C. 29 agosto 1901, n. 4084 ad 3). Origem das cores litúrgica9. Esta origem das cores litúrgicas certamente nao se en­ contra nos paramentos da Antiga Aliança. Vejamos: a. A Antiga Aliança usava o branco, o escarlate, a púrpura vermelha e a púrpura azul. b. Na Antiga Aliança as diversas partes da indumen­ tária litúrgica eram de côres diferentes. c. Na Antiga Aliança a côr não era determinada pela natureza dos tempos litúrgicos, mas sempre se U9ava a mesma côr. Unicamente no grande dia da reconciliação usavam-sc vestes brancas. A origem das cores nós a vamos achar no amor do simbolismo. Estabeleceu-se como base o parentesco entre o caráter das côres e a natureza das festas ou funções. O cãnon das côres, como o temos hoje, encontramo-lo pela primeira vez na obra de Inocêncio III: De sacro Al­ ia ris Mysterio. Êste uso nao íora anteriormente desconhe­ cido, mas só sc generalizou com a obra de Inocêncio. Finalmentc, o Missal Romano de 1571 o preceiluou. O motivo porque se prescrevem determinadas côres para certos dias, c bastante claro. Seguem aqui algumas parti­ cularidades que são menos evidentes: Na? festa? da s. Cruz e do preciosíssimo Sangue de Nosso Se­ nhor — vermelho; mas nas Missas votivas da Paixão de N. Senhor — roxo. Nas Missas votiva9 dos santos — a côr dc suas respectivas festas. Na Missa votiva pelos esposos — branco.


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Nas Missas votivas para as diversas necessidades e circunstancias, segundo consta do Missnl — roxo. Na (esta da dcgolação dc s. João Batista (29 dc agosto) — vermelho. Na festa dc nascimento de s. João Batista (24> de junho) — branco. Na festa de s. João ante portam lati n am (6 de maio) — vermelho. Nas festas da cátedra dc s. Pedro em Roma e Antioquia — branco. Nu festa das algemas de s. Pedro (1 dc agosto) — branco. Na festa da conversão dc s. Paulo (25 de janeiro) — branco. Nn festa dos santos inocentes (28 de dezembro), num dia de semana — roxo. O que explica o roxo nesta última festa c o canto da comunhão: “Vox >n Rama'*; ou o pensamento, talvez, de que esses pequeninos confessores acharam fechadas ainda as portas do céu. Na mesma festa, em um dia de domingo ou no dia da oitava — vermelho, pois então o que domina é a alegria do dia ou do tempo.

Notemos ainda que antes do Papa Inocêncio III o preto era usado lambem nos tempos do advento e da quaresma e nos dias de penitencia. O preto da Missa de r e q u i e m é tima concessão delicada aos sentimentos dos vivos. O Papa Inocêncio denomina o verde a “cor neutra”, portanto sem caráter definido. 5.

B c nç á o dos paramentos.

a. 0 Missal (Rit. cel. 1,2) prescreve a bênção de Iodos os paramentos que o sacerdote vesle. b. Ensina-se geralmente que toda estola usada na s. Missa ou em qualquer outra cerimônia, quer pelo sacerdote quer pelo diácono, deve ser benzida. Não resta dúvida que os manípulos usados pelo celebrante e seus ministros devam ser benzidos também. c. Acêrca da dalmática, túnica e casula plicada, plu­ vial e sohrcpeliz, não ha unidade de opinião. d. E’ certo que não se precisa benzer o véu de ombro, o véu do cálice, a bolsa e o frontal ou antepêndio do altar. e. Recornenda-se, todavia, a praxe de benzer TODOS os paramentos antes de usá-los.


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O formulário dessa bênção encontra-se no Missal: a primeira das bênçãos reservadas. (Cf. Cod. J. C. can. 1304). 6.*

Breves observações sobre o cálice e z Itar.

Como última introdução para a explicação do texto e do cerimonial da s. Missa, sirva a consideração de duas coisas indispensáveis em todo sacrifício. Em primeiro lugar o cálice. E’ a lembrança do cálice do Salvador na Missa da ultima ceia. O seu alto destino 6empre exigiu para o cá­ lice o respeito dos séculos. Em tempos mais remotos usavam-se cálices de qual­ quer matéria: de vidro, de madeira, de terra, etc. Quando, porem, os patrícios e as matronas aprenderam a dobrar os joelhos diante da ss. Eucaristia, trouxeram então para o sacrifício os cálices mais custosos de suas famílias. Constantino, que deu liberdade à Igreja primitiva, doou a muitas igrejas dezenas de cálices pesados e preciosos, como símbolos e tributos ao culto divino. O cuidado carinhoso da Igreja com os vasos sagrados vemo-lo na legislação atual acerca do cálice: a copa (isto é, a parte superior que toca o precioso Sangue) pode ser de ouro, prata, estanho, ou alumínio misturado com outros metais, mas por dentro sempre revestida de ouro. O restante deve ser feito de matéria pura e sólida. A Igreja exige isto mesmo da mais extrema pobreza dos missionários. Um cálix nunca pode ser usado, antes de ter sido con­ sagrado pelo Bispo ou por um delegado seu. Depois da consagração nenhum leigo o pode mais tocar. O cálix per­ tence às maos do padre, é o símbolo do seu sacerdócio, foilhe confiado no dia de sua ordenação e, em várias regiões, a tradição lhe deposita o cálix nas mãos frias, no sepulcro. Quem assiste a uma Missa solene observa como o subdiácono, no momento oportuno, transporta para o altar c cálix ainda coberto j Na Missa privada c o próprio cele­ brante quem traz o cálix em suas mãos. Os diversos objetos usados com o cálix:


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O purificatório ou sanguinho. Já o nome in­ dica o que seja. E ’um pequeno pano de linho branco do­ brado, cujas extremidades caem dos lados do cálice, e que se destina à purificação do mesmo. Uma c o l he r zin ha costuma às vezes acompanhar o cáhx, e destina-se a misturar algumas gotas de água ao vinho que deve ser consagrado. A p ate na é um disco de metal sob as mesmas pres­ crições que regem a confecção da copa do cálix. A patena cobre a abertura do cálix. Sobre ela coloca-se a hóstia para o sacrifício, dc pão sem fermento, cujo diâmetro é de 8 cms., aproximadamente. Geralmente grava-se na hóstia a figura do Crucificado. O respeito que se deve a uma pessoa ou coisa sofre muito com a intimidade. Daí mandou Javé, no antigo ce­ rimonial, esconder a arca da Aliança no Santo dos Santos, alraz do véu que fechava a tenda sagrada. Êste princípio tornou-se muito acentuado nas liturgias orientais, onde a maior parte das solenidades se desenrolam atraz de uni., separação, a lkonostásis. O rito romano conservou reminiscências dêsse prin­ cípio. Daí o conopéu de seda à porta dos tabernáculos e os véus de seda ou pavilhões das p í x i d e s, isto é, dos vasos sagrados em que se conservam as sagradas espécies para a adoração dos fiéis e viálico aos enfermos. Afim de que o cálix, preparado para o s. Sacrifício não fique exposto a olhares desrespeitosos, o sacerdote o cobre todas as vezes que dele não se utiliza. O véu com que o sacerdote cobre o cálix c de seda, da mesma cor dò paramento com que se celebra a s. Missa. À frente do véu costuma haver uma cruz, que não é, todavia, de preceito. A pala é um quadrado de linho engomado. Deve ser benzida e destina-se ainda a proteger, durante a s. Missa, o vinho e o precioso Sangue contido no cálix. A bolsa é o último pertence na preparação do cálix. Quando o sacerdote se dirige para o altar, nas Missas pri­ vadas, ele mesmo traz o cálix, coberto sempre com a bolsa.


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M

Esta 6 quadrada, da cor dos paramentos com que se celebra a s. Missa. Chegando ao altar o sacredotc celebrante abre e desdo­ bra o c o r p o r a 1. Corporal éa denominação de um pano de linho branco, que o sacerdote trouxe dentro da bolsa e coloca no meio do altar, em frente à cruz. Sobre o corporal será de­ positada a hóstia e o precioso Sangue. Para isso o cor­ poral deve ter sido benzido. O altar compreende lodo um conjunto de 'mesa, banquetas para candelabros e círios, e o tabernáculo com a cruz. Mas o próprio altar, isto ó, a mesa destinada ao sa­ crifício e a receber as oblatas do pão e vinho, consiste ape­ nas na pedra retangular. Ou será esta uma pequena pedra ajustada no centro da grande mesa, ou será todo o altar ou toda a mesa uma pedra só, consagrada c sustentada sobre pós de pedra. Um dos dois altares é indisepnsávcl. 0 primeiro chama-se altar portátil, o segundo altar f ixo. O altar fixo é solenemente consagrado com a Igreja, c constitue uma parle necessária e importantíssima da con­ sagração de uma igreja. E’ várias vezes ungido com óleo consagrado, porque a pedra c símbolo de Cristo, o UNGIDO Rei. Sacerdote c Profeta. ISo meio e nos cantos imprimc-sc uma cruz, símbolos das chagas de Cristo. Importantíssimo c o ato da deposição solene das re­ líquias dc santos mártires numa abertura da pedra deno­ minada sepulcro. Com as relíquias colocam-se também três grãos de incenso e um protocolo no qual se gravou a data e o nome do consagrante. A consagração de um altar portátil 6 muito mais sim­ ples, mas nunca podem faltar as relíquias com os grãos de incenso. Em ambas as consagrações o consagrante fecha o sepulcro com cimento. De onde se vc que a s. Missa só pode celebrar-se sôbre relíquias de mártires. Êste costume ininterrupto é lão antigo quanto a Igreja. Leia-se todo o texto do Apocalipse (6,9): “E tendo aberto


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o qninlo selo, ví debaixo do altar as almas do9 que tinham sido mortos por causa das palavras de Deus, e por causa do testemunho que tinham dado dele. E clamavam em voz alta, dizendo: Até quando, Senhor, santo e verdadeiro, adias a tua Justiça, sem vingar o nosso sangue dos que habitam sobre a terra ?”. Diante disso; diante da veneração dos primeiros cris­ tãos aos corpos dos mártires; por causa também das con­ tínuos perseguições — comprecndc-se que a jovem Igreja gostasse dc oferecer o seu sacrifício perto dos túmulos dos mártires, ou mesmo em cima deles. E quando a Igreja poude definitivamente abandonar os seus esconderijos subterrâneos para glorificar o seu Creador e Redentor com basílicas e altares preciosos, estes se ergueram de preferência em cima dos sepulcros dos mártires. E quando isto se tornou impos­ sível, dado o grande número de igrejas, transplantaram-se os santos ossos dos mártires e dividiram-nos entre as diver­ sas igrejas, para que não se quebrasse a piedosa tradição. Ainda hoje essa mesma lei está em pleno vigor: Nao sc pode celebrar a santa Missa sem pedra d?ara consagrada, e nenhuma pedra d’ara se consagra sem as relíquias dos mártires. Quando o celebrante, cujo caráter sacerdotal nao signi­ fica imunidade de pecado e de fraqueza, se sente abatido ao aproximar-se do lugar onde o céu se encontra com a terra, nessa hora êle acha o seu conforto no pensamento de que suas mãos descansam sobre os restos dos heróis da Igreja. Heróis que pelos méritos de sua vida, pêla coragem de sua morte e pêla sua valiosa intercessão diante de Deus, suprem a fragilidade do celebrante. E é o que significam os três grãos de incenso colocados juntamente com as relíquias. O culto dos mártires teve uma influência decisiva na estruturação dos altares. Ainda existem altares que na sua parte inferior ainda conservam urnas ou relicários cora os restos de mártires. Prende-se ainda a esse cuito das relíquias dos mártires a edificação de igrejas subterrâneas. E quando mais tarde


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se abandonaram essas igrejas subterrâneas, as relíquias dos mártires foram transportadas para as banquetas em cima dos aliares, dentro de relicários artísticos e custosos. Daí a estrutura posterior do altar, que cresceu desmesuradamente com o estilo gótico. Para a s. Missa acendem-sc sobre o altar pelo menos dua6 velas de cera. São símbolos de Cristo, a LUZ do mundo, cuja humanidade imaculada se designa pela cera virginal das abelhas; e cuja divindade, Moradora da LUZ inacessí­ vel, simboliza-se na chama que alumia. Em frente do cele­ brante, a imagem do Crucificado. Isto porque nem um ins­ tante siquer êle pode esquecer o Sacrifício do Gólgota. Nao que esse Sacrifício consumado no Calvário lenha sido insu­ ficiente, mas porque na Missa o fluxo infinito de suas graças deve derramar-se sobre as almas.


CAPÍTULO

1 I I

BÊNÇÃO DA AGUA E ASPERSÃO DO POVO Entre os formulários de bênçãos anexos ao Missal Romano acha-se o “Ordo ad faciendam aquam benedictam . As rubricas referentes a esta bênção indicam que ambas (bênção da água e aspersão do povo) devem realizar-se antes da Missa paroquial dos domingos. Primeiramcnte trataremos da ORIGEM

E HISTÓRIA.

Já em páginas anteriores mencionámos a loção das mãos do celebrante, e vimos que lambem entre os judeus e pagãos faziani-sc loções antes dos sacrifícios, das orações e refeições. 0 motivo profundo de tudo isso nos o vamos achar na mesma natureza do homem. Quando êle quer pedir ao Ser Supremo ou reconciliar-se com Êle, e para isso oferece orações e sacrifícios — é natural que êste homem procure fazer suas orações e sacrifícios mais aceitáveis, não só por fórmulas adequadas e ritos apropriados, mas também pelo cuidado de sua própria pessoa. Na ordem natural a água é indicada para purificar. Mas tanto os pagãos como o povo judaico tencionavam simbolizar pela loção exterior, a purificação interior, pois o símbolo é evidente. I. Os cristãos, para as suas loções, aproveitavam-se do “cantharus”, isto é, da fonte do átrio das casas impor­ tantes dc Roma, pois nessas casas é que se fazia o culto. Ao entrarem, eram todos convidados para lavar as mãos. E isto. alem da significação simbólica, também porque, pro­ vavelmente, todos recebiam a s. comunhão em suas pró­ prias mãos. 2. Quando, depois das perseguições, a religião cristã oferecia antes vantagens do que riscos — por desfrutar das


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graças dos imperadores — grande número de pagãos quis ser admirido na Igreja. Foi um sucesso, mas não sem perigo como a história abundantemente demonstrou. Para evitar esse perigo a igreja usava de muita cautela na administra­ ção do batismo, exigindo um longo tempo de preparação e dc prova. Chegado, finalmcnte, o dia do batismo, havia grande festa e muita alegria na casa paterna. A Igreja, mestra de alta psiocologia, permitia aos jovens recem-bntizados que levassem para as suas casas, como lembrança do batismo, uma pouca de água batismal. Sabiam todos da virtude sobrenatural da água do ba­ tismo. Utilizavam-se dela, pois, para aspergir as suas resi­ dências e afujenlar a influencia dos maus espíritos. Quando a água batismal era escassa benzia-sc então outra água para uso dos fiéis. Que água? Geralmenle tinham-se por menos dignas as águas estagnadas. Mesmo os pagãos preferiram sempre para o uso dos seus ritos, águas correntes ou água do mar. E quando não podiam obter água do mar ou água das fontes, tomavam então das águas paradas e adicionavamJhes saí, para as preservar da corrupção. A Igreja aceitou esse uso. Pois acaso Eiiseu não usou a água corrompida de Jerico para os filhos dos profetas, adicionando-lhe sal (4 Reis, 2, 20-21)? Mais tarde, devido ao grande concurso de fiéis, dimi­ nuiu e finalmente desapareceu o costume de se purificarem ao “canlharus”, antes dos atos religiosos. Surgiu a aspersão de se mesmos com água benta, dentro das casas, e isto tomou-sc costume. A Igreja não quis aceitar o último sem conservar o primeiro. Achou uni meio de unir os dois. »Êste meio foi a aspe r s i o p o pu l i, ou aspersão do povo nos domingos, feita publicamente pelo sacerdote na igreja, antes do santo serviço. Èsse costume se introduziu pelo ano 800. Surgiu na França e somente depois do ano 1000 se transplantou na Itália. *


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A aspersão conservou o seu duplo caráter primitivo: de purificação c o de lembrança batismal. Fora do tempo pascal aparece na aspersão do povo mais o caráter de purificação: “Aspergí-nie, Senhor, com o hissopo, c ficarei puri­ ficado. Lavai-mc e me tornarei mais branco do que a neve \ Com csía antiiona, que o sacerdote entoa e o povo continua, começa a cerimônia. 0 hissopo cresce como o joio sobre os muros c lugares pedregosos da Palestina. As suas folhas duras e espinhosas teeni a propriedade de conservar facilmente a agua, o que torna o hissopo muito prático para a aspersão. Assim já os judeus antigos serviam-se do hissopo e com êle se aspergia sôbre o povo o sangue das vítimas. Daí o salmo de Davi, de onde foi tirada a antífona que abre o ritual da aspersão. Entoando a antífona, o sacerdote asperge três vezes o altar, uma vez a si mesmo. Toda bênção destina-se a um duplo efeito: conjurar a influência dos maus espíritos e comunicar a influência do Espírito Santo. Quando se lê atenlamente a fórmula da bênção da água, vê-se que o primeiro elemento toma o lugar preponderante. E porque o efeito especial da água ‘benta, como lambem de outras coisas que se benzam, c afastar a influência do espírito mau, o objeto benzido é sempre aspergido. No tempo em que surgiu êste cerimonial era muito mais acentuado o medo das influências diabólicas, mesmo durante os atos mais sagrados, do que em nossos dias. Hoje o esquecemos, e talvez demais. Verificaremos isto no decurso deste nosso tratado. Mencionemos por ora o oferiório da Missa de requiem, a bênção dos sinos e das capelas de s. Miguel, cujas torres não são extranhas ao medo dos ‘‘espíritos malignos no ar”. O mesmo pensamento que cinzelou os “diabinhos” nos bancos dos coros também impôs ao celebrante que se ben-


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zesse a si mesmo e o lugar do sacrifício. Daí a aspersão de toda a igreja, no centro e dos lados. Depois da aspersão dos ministros, asperge-se o povo todo, com o salmo dc penitência “Miserere”. Em nossos momentos de júbilo, de gratidão e de sú­ plica, tomamos emprestadas as palavras do Rei Davi. Com maior gratidão, pois, ao poeta penitente, rezemos o “Miserere” quando chorarmos as nossas fraquezas passadas. Conforme determina o cerimonial, seguem as súplicas breves que imploram a misericórdia divina. Vem depois a oração ao SnnLo, Poderoso, Eterno, afim de que mando de sua Morada o espírito bom que guarde, proteja, vi­ site e defenda os moradores daquela casa. Essa oração encontra-se nos Missais e Rituais mais antigos, e destinava-se outrora à bênção das casas dos fiéis, como ainda hoje se usa, fora do tempo pascal (Ritual Romano, 18,c.5) e para a aspersão das casas nas comunhões dos enfermos. Mesmo fora do tempo pascal o “asperges” conserva ainda o pensamento batismal: 1. Só se faz aos domingos. E o domingo é a celebra­ ção da Ressureição que semanalmente se repete. E a Res­ surreição não é só do Cristo, mas é de todos nós que “fomos sepultados com Êle pelo batismo para que, como Cristo ressuscitou dos mortos pêla glória do Pai, assim também nós andemos em novidade de vida” (Rom. 6, 4). 2. Durante a aspersão os fiéis não ficam de joelhos, como penitentes, mas de pé, cheios do pensamento da Ressurreição à Vida nova. 3. A purificação pêla água é uma lembrança suges­ tiva da primeira loção na pia batismal. No tempo pascal a Igreja não dá à aspersão o mesmo sentido de purificação. 0 tempo da penitência já deve ter produzido o seu efeito nas almas. Agora desaparece o “Miserere” e o “Asperges me”. Que ocasião belíssima para dar a primazia ao pensamento batismal, já que a Páscoa é ani­ versário do batismo e coincide com a primeira alegria ba-


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tismal de muitos ueófilos. Porisso é que no dia da Páscoa faz-se a aspersão do povo com a mesma água retirada da pia batismal, antes de ter sido misturada com os santos óleos. A antífona exige uma explicação mais ampla, pois íoi toda inspirada no pensamento do batismo. A Igreja escolheu o profeta Esequiel. Foi ele o consolador do povo de Deus durante o cativeiro de Babilônia, esse tempo das sau­ dades do santuário amado de Jerusaleni, que fora destruído. Nessa visão enxerga o profeta um novo templo que, descrito nos seus pormenores, significa mais do que um templo “feito pelas mãos dos homens”. Era a imagem de um templo invisível, a Igreja de Jesus Cristo. No Antigo Testamento o templo tinha do lado direito do altar dos sacrifícios uma grande abertura por onde se escoava a água derramada, e coln ela o sangue dos animais sacrificados. Èssc escoadouro terminava no riacho do Cedron, e este ia acabar no mar Morto. Também Esequiel viu do lado direito do altar uma abertura. Dela jorravam águas tarnbera, não água9 sujas, mas frescas e convidai ivas. Essas águas cresceram num grande rio e se atiraram no mar Morto. As águas do mar ficaram doces, cresceram árvores à sua beira e nadaram nas águas do mar peixes numerosos. (Veja-se Esequiel, 47, 1-10). O altar no reino messiânico é Jesus Cristo. Ao lado dêsse altar, a chaga santíssima, aberta pela lança, deu ao mundo sangue e água. À visão de Esequiel é tão entusiasmadora que os santos Padres a desenvolvem com minúcias: a água significa o batismo, que dá à Igreja novos membros. O sangue c o sacramento da Eucaristia, que alimenta e robustece a vida dos novos. Assim é que surge do lado do novo Adão que dorme o seu sono de morte, a nova Eva, sua Esposa — a IGREJA. E5 este júbilo que se manifesta quando se entoa o “Vidi aquam”.


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“Eu ví uma água sair do lado direito do templo, ale­ luia. E todos a quem chegou essa água, foram salvos e cantaram: aleluia! aleluia!”. — A aspersão se faz recitando o salmo “Confilemini”. E’ o último do “Hallel” que os judeus cantavam na ceia pascal, na libertação de Israel. E7 o salmo pascal também do Novo Testamento, que recorda a Ressurreição do Senhor. E? por isso também o salmo dos batizados, dos ressurgidos com Cristo. Lido assim, compreendem-se neste salmo os sentimentos desses eleitos revestidos de branco, que no auge de sua felicidade sobrenatural, sc sentem invencíveis contra o de­ mônio e contra a carne. Convem ler todo esse belo salmo. Os versos e as orações são os mesmos que para fora do tempo pascal. Do pensamento de purificação resta ape­ nas o simbolismo natural contido na aspersão. RITUAL

DA

BÊNÇÃO

DA

AGUA.

A aspersão se faz com água, benzida antes da Missa paroquial, exceto no dia da Páscoa e Pentecostes, pois nesses dias asperge-se o povo com a água benta da pia batismal. A água benta usa-se para muitos outros fins espirituais, como o texto da bênção claramente o demonstra. Para se compreender bem o que a Tgreja tenciona com a bênção quer da água, quer dos demais objetos, note-se o seguinte: A tèrra e lodo o seu conjunto foi dada por Deus ao homem, para seu conforto e regozijo. Mas o homem caiu e a terra participou dessa queda: maldita seja a terra! Desde então a natureza irracional revoltou-se contra o homem, tudo isto em consequência dos ardis do espí­ rito mau. Ao espírito do mal nós opomos o Espírito Santo, fonte de todo bem. Sendo a terceira pessoa da SS. Trindade o Amor per­ sonificado de Deus, sao-Lhe atribuídas todas as obras de amor, desde a Creação até à Redenção. E’, pois, ao Espírito Santo que se atribue a obra da Incarnação do Verbo. Se as almas, pois, são purificadas da mancha do pecado orignal “pela água e pelo Espírito Santo”, assim ha também


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uma espécie de batismo para a matéria. São as bênçãos da Igreja. Certamenle essas bênçãos não são de efeito infalível, mas o seu fim é: 1. Conjurar as influências nefastas dos espíritos maus; 2, Comunicar a força do Espírito Santo conforme o caráter de cada objeto, afim de que tais objetos voltem ao destino próprio que tiveram antes do pecado original; o de auxiliar o homem. E’ prccisamente o que se acentua no ritual da bênção da água, a qual ha de servir na benção ,de todos os objetos de uso do homem. Toda bênção começa com as palavras: Adjutorium nostrum in nomine Domini; qui fecit ccelum et terram. Porque o homem não pode nada, ele apela para o poder d’AqueIe que “fez o céu e a terra”: o céu, aberto para os homens; a terra pronta para o seu serviço. Dizendo isto faz-se o sinal da Cruz, poÍ9 é da cruz que nos vem toda virtude de santificação. Vale a pena ler inteirinhas essas belas orações. Nelas demonstra-se claramente qual o destino da água — puri­ ficar; e do sal — preservar da corrupção. LEGISLAÇÃO. E’ preciso distinguir a bênção da água e a aspersão do povo. Tempo: a) A bênção da água deve se fazer antes da Missa paroquial, aos domingos, mas alem disso pode se fazer em qualquer tempo. (Cf. Ritual 8,2: diebus dominicis et quandocumquc opas sil). b) A aspersão do povo só se pode fazer aos do­ mingos, antes da Missa paroquial. (Cf. S. R. C. 31 de julho 1665 ad 3: ritus aspergendi aqua benedicta populam restringitur ad dies Dominicos Umtum ante Missam).


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Nota: A aspersão antes da Missa paroquial é certamcnte da intenção da Igreja, embora não formalmente prescrita como para as Missas conventuaÍ9 (B. R. C. 4051 ad 1). M inis t r o: a) A bênção da águo pode ser feita por qual­ quer sacerdote, mesmo aos domingos, antes da Missa paroquial, conforme se deduz do Missal (sacerdos cclehraturus Missam, vcl alius ad id deputalus...). O Ritual também fala geralmente em “sacerdos”. b) A aspersao do povo deve ser feita pelo cele­ brante. Cf. Missal: finita benedictione, sacerdos celebralurus... Cf. S. R. C. 16 novembro 1649, n. 926 ad 1: aspersionem semper faciendam esse a celebrante). Lugar: a) A bênção da água pode fazer-se em qualquer lugar decente (Cf. Missal: in sacristia; Cf. Ritual: in ecclesia vel sacristia; na opinião geral: in omni loco decenti). b) A aspersão só pode ser feita na igreja. A única exceção é a do Sábado santo. Nesse dia asperge-se primeiramente o povo na igreja. De­ pois um dos sacerdotes assistentes toma na caldeirinha um pouco de água da pia batismal, para com ela aspergir as casas e outros lugares. Dias:

A bênção da água não se faz nos. domingos da Páscoa nem de Pentecostcs, pelo motivo acima mencionado. (Cf. Missal no Sábado santo e nota sob Ordo ad fac. aquam bencdictam). Mesmo nesses dias faz-se, porem, a aspersão do povo.

Às fórmulas para se fazer a água benta são múl­ tiplas: 1. À bênção comum, que se encontra no Missal Ritual.


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2. A bênção da fonte batismal no sábado de Páscoa e Pentccoslcs. Cf. Missal no Sábado santo. 3. Bênção da fonte batismal fora do sábado de Pás­ coa e Pentecostes. Cf. Ritual, II, c. 8. 4. Bênção da água da dedicação de uma igreja ou de um altar. Pontificai, p. II. 5.: Ainda mais 15 formulários, quasi todos a d devotiones particulares. Cf. Index Rit. ad verbum a q u a. Veste lilúrgic a. Na bênção da água: o sacerdote celebrante paramen­ tado, mas sem casula nem capa. (Cf. S.R.C. 30 de set. 1679, n. 1637 ad 3). O sacerdote não celebrante benze a água revestido de sobrepeliz e estola roxa. Na aspersao do povo: o celebrante oficia de, pluvial da cor dos paramentos do dia. Na falta dêste, sem casula. Ha duas maneiras, ambas legítimas, de se fazer a aspersão do povo: 1. * A primeira consiste em aspergir o povo três vezes, ao centro, à esquerda e à direita, da altura do degrau que separa a nave do presbitério. (S.R.C. 12 set. 1884, n.3621 ad 4). 2. A segunda maneira consiste em fazer o circuito da igreja (S.R.C. 22 março 1862. n. 3114 ad 2), começando do lado da epístola e acabando do lado do evangelho. (S.R.C. 7 de dez. 1884*, n. 2867 ad 1). Ao Glória Patri pode conservar-se o costume de interromper o circuito da igreja. (S.R.C. 21 fev. 1890, n. 3722 ad 3). Lugar de permutar os paramentos. Depois do l*Asperges” o celebrante tem de trocar a capa pelo manipulo e casula. Êle o pode fazer: ou no meio do altar (n. 2027 ad 3) ; . atraz do altar ou na sacristia (n. 3108 ad 16); ou na credência, ao lado da epístola.


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Na Missa Pontificai não se faz a aspersão do povo conforme o rito acima, visto que 6 Bispo asperge o povo, a sua entrada na igreja, com rubricas próprias. N o t a. Bcnzer-9e com água benta à entrada das igrejas é costume que cai no mesmo quadro histórico, por­ tanto participa do mesmo simbolismo da aspersão. Por­ tanto seria mais lógico não tomar água benta à saída das igrejas, o que não tem razão simbólica de ser, embora seja coisa louvável como prova de respeito e estima ao sacra­ mental.



TERCEIRA PARTE

i

A SANTA MISSA

conforme o o missol Romano



CAPÍTULO I

AS ORAÇOES AO PÉ DO ALTÁR Para a boa inteligência da Missa temos de nos lembrar, preliminarmentc, que todo esse complexo de gestos e ora­ ções não se fez num dia, mas representa o trabalho de muitos séculos. O edifício majestoso da s. Missa é como uma cidade bela, antiga e venerável, repleta de igrejas e monumentos, nos quais se admiram todos os períodos e todos os estilos de arte. Nessa muitas obras de arte se estragaram, é ver­ dade, muitos ornatos de muralhas e torres se esboroaram, mas nos restos das ruinas ainda se pode adivinhar o que os séculos destruiram. Coisa parecida se passou com a s. Missa. Salvo aquilo que constitue a sua essência, a Missa atual c um resumo de vestígios litúrgicos dos séculos mais re­ motos e de lugares dos mais diversos. Isto, apesar do apego da Igreja às suas tradições, o que sempre dificultou a intro­ dução de fórmulas novas e revolucionadoras. F.’ claro que na Missa solene, com assistência de diácono e subdiácono, conservaram-sc melhor os característicos da Missa piimitiva; coisa que se perdeu em grande parte na Missa privada, sem canto, celebrada por um padre só. E maior fidelidade ainda aos ritos primitivos, vamos encontrar na Missa episcopal. Por tudo isso seguiremos aqui a ordem da Missa solene, e não raras vezes voltaremos os olhos à Missa pontificai. O SINAL DA CRUZ. O primeiro ato do celebrante ao pé do altar é benzer-se com o sinal da cruz, dizendo: “Em nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo. Amen”. O sinal da cruz desempenha um papel importante em toda a Liturgia. O sacerdote o traça sobre pessoas e ob­ jetos. Na s. Missa o sinal da cruz aparece cerca de 50 vezes. Esclareçamos a sua


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origem e história, Tertuliano fala do sinal da cruz como de um uso geral entre os primeiros cristãos. Na sua obra “De corona militum” (III, do ano 210) ele escreveu as seguintes palavras: “Em cada pasão, em cada ato, a entrada e saída, ao vestir-se e lavar-se, à mesa, ao levantar-se do sol, ao assentar-se ou em qualquer outra ocu­ pação, a99Ínnlamos a fronte com um sinal”. Mesmo relevando o exagero oratório, temos de admitir que o sinal da cruz era usual entre os cristãoe do tempo de Tertuliano. A história não conservou de todas as regiões um testemunho tão claro quanto este da Igreja Africana. Em ioda parte, porem, acham-se vestígios da exis­ tência do sinal da cruz. Um uso desses, tão generalizado e espontâneo, só se pode explicar como vindo dos tempos apostólicos. Consultando o Novo Testamento nada encontramos sobre o sinal da cruz. No9so Senhor expulsa os demônios, impõe as mãos, abençoa; os apóstolos fazem o mesmo — em tudo isso, porem, não ha menção do sinal da cruz. E* de fé, sem dúvida, que todas as graças nos foram merecidas na cruz; aplicação das graças aos homens se faz atravez da cruz, e nenhuma obra humana pode ser ele­ vada à ordem sobrenatural 9em a graça da cruz. Tudo isso «3 razão suficiente para se atribuir à cruz um papel prepon­ derante na prática da vida cristã. Mas é insuficiente para explicar a prática geralmente introduzida do sinal da cruz. As razões devem ser outras. Dom Louwerse no-las explana cm um suculento artigo: 1.° O uso de um sinal em geral. 2.° 0 uso do sinal da cruz em particular. Quanto ao primeiro item, a história regjstra o uso de sinetes e ancis destinados a autenticar, e que tanto os judeus como os pagãos levavam respectivamenle ao pescoço e nos dedos. Basta lembrar o modo de agir de Faraó com José do Egito (Gen. 41,42) ; Daniel, na cova dos leões, selada pelo anel do rei (Dan. 6, 17). Cf. ainda Ester, (8, 2); Jeremias (22, 24) e Cântico dos Cânticos (8, 6).


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Tombem os animais destinados ao culto eram marca­ dos. Mesmo certos grupos de homens — e isso importa sumamente ao nosso caso — eram marcados com o selo. Os escravos eram marcados, como propriedade do seu senhor; os soldados, em sinal do compromisso livremente prestado; os criminosos eram marcados ostensivamente, em geral na testa. Também os “fiéis” deste ou daquele deus faziam-se marcar, ou marcavam-se a si mesmos, para testemunharem, com esse sinal, que eram propriedade de sou deus e tinham direito ao9 seus favores e proteção. Tudo isso se verifica nos autores antigos, e nas antigas excavações. Os judeus tiveram também praxes desse gênero. Eles tinham também o seu sinal, que os marcava como sendo o povo dc javé: u circuncisão. Esi não podiam utilizar-se dc outros sinais, é certo, no entanto, que o povo de Deus conhecia outros sinais. Quando Moisés prescreveu o cerimonial para festejar a lembran­ ça da redenção Jo cativeiro egípcio, elo disse textualmente: ue isto será como um sinal na tua mão, e como um memorial diante dos teus olhos*’ (Fx. 13,9). Comunicando os preceitos ao seu povo, diz o grande legislador: “alá-lo6-ás à tua mão como um sinal, e serão como um frontal diante dos teus olhos” (Deut. 6,8). Eliu diz no livro de Jó: “Deus põe um 6êlo na mão de todos os homens, para que reconheçam todos que são obra de Deus” (Jó, 37,7). Javé pro­ fetiza a conversão dos gentios: “este dirá: cu sou do Senhor; e aquele se gloriará dei ter o nome de Jacó; e outro escreverá na sua mão: dc Javé” (Is. 44,5). E o mesmo Deus diz ao seu povo ,que uma mulher pode sc esquecer, do menino de seu peito, mas Javé nunca se esquecerá do seu povo: “Eis que te gravei nas minhas mãos” (Is. 49,16). Em Esequiel o profeta vê Javé como um homem vestido todo de roupas de linho, andando pêla9 ruas da cidade e marcando os justos na testa. E a marca com que Ele os assinalava era um tau (T). \

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•è

Quanto à segunda parte do seu artigo, d. Louwerse observa que entre todo9 os povos, cultos como selvagens, encontra-se sempre o sinal da cruz, embora num 9entido mais ou menos misterioso, religioso ou supersticioso. A explicação tem-se, muito provavelmente, no fato de serem


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duas linhas que se cortam a primeira e mais rudimentar figura geométrica. Assim a cruz seria o 9Ínal mais prático para selar e* autenticar. Daí o “assinar de cruz , como o fazem os que não sabem escrever. • O mesmo sinal indica lambem as quatro regiões do vento e oferece ponto de partida para a divisão do mundo sideral. E neste sentido sabemo6 quanta virtude supersticiosa os povos antigos atribuíam ao mundo dos astros. O fato, pois, da veneração das cruzes na antiguidade não pode justificar ilusões de uma pregação remota de cristianismo em regiões hoje bárbaras e pagãs. O t a u (T) é letra hebraica, e o sinal com que, na visão de Eseqtiiel, os justos foram marcados na testa. E essa letra tinha primitivamente, no tempo mesmo de Esequiel, a forma de uma cruz e era a última letra do alfabeto. Por esses motivos é que o T era utilizado para assinar e selar* Este uso foi tão frequente que, na língua hebraica, o nome da letra e o substantivo “sinal” ou “assinatura” se identi­ ficam. Quer por causa da visão de Esequiel — possivelmente tarnbcm por conceitos supersticiosos — a própria pessoa de Deus se relacionava com essa letra, de modo que os judeus viram nela o seu símbolo e a marca do seu povo, como se pode verificar em suas moedas. E* este o conceito dominante no povo de Deus, e assim é que se deve entender a palavra “sinal”, como a encon­ tramos no Novo Testamento. Essa figura é de capital im­ portância no Apocalipse de s. João. Quando o Apóstolo se refere aos servos de Deus assinalados em suas frontes, nada mais faz do que repetir a figura de Esequiel. A exegese reconhece a estreita afinidade destes dois textos. No conhecimento como no uso que os pagãos fizeram do sinal da cruz, podemos ver a Providência divina preparando a revelação da virtude da cruz. O conceito e o uso deste sinal no povo judaico tem para nós um sentido verdadeiramente profético.


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O que os Judeus não souberam explicar, a saber, a relação desse sinal com Javé, tudo isso se esclarece quando m o Messias morre na cruz salvadora. A jovem Igreja teve constrangimento de apresentar publicamentc a cruz. mas aceitou com prazer o movimento manual do sinal da cruz. Com o sinal da cruz os cristãos confessavam que eram sequazes de Cristo e punham-se ao mesmo tempo debaixo da proteção d’Aquele que “estabe­ leceu, no madeiro da cruz, a salvação do gênero humano” (Prefácio da s. Cruz). A respeito da maneira ou do gesto com que os cristãos faziam o sinal da cruz, nada se pode precisar. No século 4 escreve Prudêncio: “Lembra-te, quando tens sono, de procurar o teu casto leito, ornando a tua fronte com, o sinal da cruz”. Admite-se que as heresias acerca das Pessoas Divinas provocaram a reação de se fazer acompanhar das palavras os gestos do sinal da cruz. Pois o “cm nome” faz deste sinal o selo de Deus Trino. Na Liturgia é grande o emprego do sinal da cruz: ]. No princípio de uma ação o sacerdote assinala-se com a cruz, para colocar a sua pessoa como seu ato sacer­ dotal sob a proteção da cruz, de que todas as graças emanam. 2. Muitas vezes o gesto vem acompanhado da súplica: “Nossa ajuda está em nome do Senhor, que fez o céu e a terra”. 3. O sinal acompanhado de palavras adequadas tem a virtude 'de afastar a influência dos adversários de Cristo. 4. No fim do ato litúrgico volta comuraente o sinal da cruz, como uma confirmação, como despedida e apelo aos merecimentos de Cristo, ou como uma derradeira bênção sobre si mesmo. E* assim que se tem de compreender o sinal da cruz no ritual da s. Missa. As pequenas cruzes do cánon terão a sua explicação adequada, no seu logar.


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O SALMO AO PE’ DO ALTAR E O CONFITEOR A primeira súplica do celebrante e tirada do livro dos salmos. Nem sempre foi assim. Este salmo 42 da Vulgata, até ao século 11 fazia parte da preparação privada do cele­ brante. Ele a recitava na sacristia, ou em caminho para o altar. Diversas ordens, das que puderam conservar o seu rito primitivo, ainda fazem assim nos dias de hoje. Pela metade do século 11 o salmo J u d i c a passou a ser rezado ao pé do altar. O que sugeriu ao celebrante essa inovação foi, certamente, o sentido do verso em que se diz: “entrarei ao altar dc Dcus'\ Não é necessário grande esforço para aplicar às con­ dições atuais do sacerdote os demais versículos do sajmo. O sentido literal é óbvio: O rei Davi, fugindo dos ini­ migos, sente-se inconsolável com a ausência de Deus de que desfrutava em Sião. 0 sentido transposto traduz aqui o estado de conciència do celebrante. Ele expõe a sua causa diante do tribunal de Deus, com profundo sentido de sua culpabili­ dade. O trato diário com a “gens non sancta”: o mundo, e a obra do “homo iniquus” que semeia o pecado sem o percebermos — tudo isso faz a alma do sacerdote indigna de subir à montanha sagrada. /u dica m e Deus.;. Julgai-me, ó Deus, e sepa­ rai a minha causa da gente ímpia; livrai-me, do homem iní­ quo e enganador. Este sentimento leva à necessidade de pensar em um Deus* forte, que c o seu Deus — Deus, Deus meus — como a haste de uma flor que procura o seu amparo no tronco rigoroso, assim a fraqueza do sacerdote busca o seu apoio em Deus, que só aparentemente o pode abandonar.. Quia tu es Deus Porque Vós, ó Deus, sois a minba força; por que vos escondeis?__ Por que ando triste, enquanto o inimigo me aflige? (Resta-me pedir e confiar). E mi tt e lucem tuam et veritalem tuam. « • Enviai a vossa luz e a vossa verdade, que es■ • •


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pancam as trevas e a mentira. Ipsa me deduxerunt... Pela luz do vossa verdade introduzír-me-ei no vosso monte santo e nos vossos tabemáculos. Et introibo a d altar e Dei • • • E entrarei ao altar de Deus; do Deus que regozija a minha mocidade. 0 mundo e o demônio cruzaram de amarguras o caminho de minha vida, mas não me venceram. Sou ainda o vosso filho, como nos primeiros dias dc minhas alegrias sacer­ dotais. 0 padre mais velho sentirá rejuvenesccr-se, reci­ tando o salmo cncorajador. Tanto para o néo-levita como para o sacerdote encanecido, cada dia de vida sacerdotal começa com uma festa: a festa do altar. Confitcbor ti bi in cithar a • • • • Louvarvos-ci ao som da citara, Deus, meu Deus. Porque está9 triste, minha alma, c porque me afliges? Spera in Deo... espera era Deus, porque eu lhe renderei sempre as graças que devo ao meu Salvador. ' Et introibo • • • A antífona antecede e fecha o salmo: revela a disposição de espírito com que o salmo é recitado. Do conteúdo desse salmo deduz-se naturalmente uma confissão dc culpa, ou um CO N ¥ I T E O R. A luz e a verdade de Deus aclaram os recantos da alma, e a confiança em Deu9 só pode lucrar com um ato de arre­ pendimento e humildade. E é esse ato que o sacerdote re­ cita, profundamente inclinado, como si estivesse diante do céu aberto. Confiteor. • • e todo o povo une-se a ele na confissão. Todos confessam a sua culpa: primeiramente diante de Deus, que não quer a morte do pecador, mas que ele se converta e viva; diante da Virgem SS. e Mãe nossa, cuja pureza não tem rival, mas cuja hu­ mildade queremos imitar, e em cujo coração materno podemos confiar; diante de todos os córos dos espíritos angélicos, cujos cuidados se extendem tarabem às nossas almas. Saudamo-los todo6 na pessoa de seu chefe, s. Miguel I


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Continuamos confessando nossos pecados diante das fileiras de santos de ambas as Alianças: da Antiga mencionamos aquele que, conforme o teste­ munho infalível de Cristo, foi o maior de todos: s. João Batista, para que o precursor do Senhor também prepare o caminho para nós; da Nova Aliança citamos apenas os pilares da Igreja: s. Pedro e s. Paulo, que não são alheios aos sentimentos ccm que recitamos o “mea culpa”. A mútua confissão termina em uma oração recíproca; “O Senhor onipotente se compadeça de ti, e perdoando-tc os pecados, conduza-te à vida eterna! Assim seja!”. A confissão é um só complexo, introduzido pelo “adjulorium no sir um”. • • O nosso auxílio está no nome do Senhor, palavras cuja força se redobra com o sinal da cruz. A confissão /ermina pela suplica: 1 ndiil gentiam• • • • perdão e absolvição dos nossos pecados nos conceda o Senhor onipotente e misericordioso. Ainda aqui ò sinal da cruz acompanha as palavras, cuja virtude só pela cruz se efetiva. Esta preparação para a subida ao “monte santo” ter­ mina com alguns versículos alternados e com a oração final que resume tudo: Deus, tu conversus vivificabis nos; et pleb s tua l cetabitur in te. Conversus... O pai bondoso volta-se novamente para nós, o Pai que perdoa e esquece, que faz jorrar de suas fontes a água da vida elerna: vivificabis nos. E nele o povo de Deus se alegrará ! ' O s tend e no bis • • • Mostrai-nos, Senhor, a vossa misericórdia neste sacrifício que vos vamos oferecer, e dainos a vossa salvação. Domine, e xaudi... Tanto sacerdote como povo vao depositar, sobre a patena e a pedra d’ara cuidados e súplicas. Oxalá o Senhor se digne escutá-las.


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F,’ a primeira vez que encontramos a saudação que repetidas vezes encontraremos no decorrer da s. Missa. Vemo-la aqui como uma espécie de oração de despedida, pois o celebrante entra agora no santo dos santos da Nova Aliança. O Dominus vobiscum tem üm sentido muito especial. E* a saudação com que o anjo da s. Escritura se dirige a Gedeão e à ss. Virgem. Essa saudação convem ao sacerdote, o angelus Domini que se prepara para iniciar a sua altíssima tarefa. Um motivo mais profundo, porem, justifica essa sau­ dação do sacerdote ao povo na s. Missa. E’ sabido que a Igreja reservou rigorosamente essa saudação, na sua Litur­ gia, aos bispos, sacerdotes e diáconos. Si esta ressalva tem fundamento, é necessário que essa saudação se relacione estreitamente com a missão dessas três ordens sacras. A razão dessa reserva da Igreja prende-se ao poder da ordem desses ministros sagrpdos. Esse poder radica-se no caráter ou sinal do sacramento da ordem. Por caráter com­ preende-se uma realidade física impressa indelevelmenle na alma do levita. E’ por este caráter que ele se torna partici­ pante do sacerdócio de Cristo, com o poder de consagrar, sacrificar e administrar o Corpo e o Sangue de Nosso Se­ nhor, santificando as almas pela Eucaristia. Este caráter tem três fazes: na alma do sacerdote existe “quoad substantiam”, quanto à substância; na alma do diácono “secundum quandam inchoationem”, em estado inci­ piente ou inicial; na alma do bispo “secundum suam plenitudinem”, na sua plenitude. Esses três portadores do caráter sacerdotal da ordem teem, pois, em virtude do mesmo caráter, uma certa socie­ dade com o sacerdócio de Cristo. Graças a isto, a intercessao desses ministros junto de Deus participa da benevo­ lência com que é recebida no céu a oração do mesmo Cristo, que “foi atendido pelo seu submisso respeito” (Heb. 5, 7). Ainda mais. E* precisamente nessas três ordenações que se invoca e se comunica o Espírito Santo, pelas pala-


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vras “accipe Spiritum Sanctum”. Realmente, quem recebeu tais poderes, pode dar mais do que os outros. Por isso, desde o concilio de Hipo (393) é reservado a esses três ministros sagrados o “Dominus vobiscum”. Espiritualmente dotada pelo Espírito Santo, a alma do sacerdote toma-se particularmente nobilitada, de sorte que o povo não lhe chama “anima*’, mas reserva-lhe agora a palavra “spiritus”: et cum spiritii tu o. Êste primeiro “Dominus vobiscum”, aqui ao pé do altar, tem o sentido de uma despedida: que o Senhor, con­ forme a sua promessa, fique no meio daqueles que se reu­ nem em seu nome; que a alma do sacerdote, no exercício de seu augustíssimo mister, seja inteiramente absorvida em Deus ! Ainda hesitando, o celebrante pisa os degraus do’ altar, recitando o A u je r a no b i$... Afastai de nós, Senhor, vo-lo suplicamos, as nossas iniquidades, para merecermos entrar no santuário com alma pura. T '

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E* verdade que antífona e “confiteor” já existiam, quando posteriormente se introduziu o salmo “Judica”. As Missas de requiem se modelaram, pois, pelo rito mais antigo. Mas é precisamente o que se quer saber: por­ que as outras Missas aceitaram o salmo “Judica” e as Missas de requiem não ? E’ sabido que desapareceram do cerimonial das Missas dc defuntos vários ritos que mais se relacionavam com o padre e os fiéis, do que com os mortos. Assim desapareceu o sinal da cruz no intróito, a bênção da água, a bênção do subdiácono, do diácono e do povo, o ósculo da paz e a oração da paz antes da s. comunhão, alterando-se também o AgnusDei. Poder-se-ia explicar assim a omissão do salmo “Ju­ dica”? O que motivou a introdução do mesmo foi a con­ veniência da preparação do celebrante. Teria, pois, desa­ parecido o salmo, como desapareceram outras preparações: a preparação do diácono antes do canto do evangelho; abre­ viou-se a preparação do celebrante e do povo antes da s. comunhão, omitido que foi o beijo da paz. Mas tudo isto nao passa de suposições. Mais plausível é a resposta que se dá à pergunta por­ que o salmo “Judica” desapareceu das Missas do tempo da Paixão. E’ uma regra geral da Liturgia que nunca se recita em seguida, duas vezes, o mesmo verso de um salmo ou a mesma oração. Isto é sobejamente sabido de todos os rubrieistas. Este caso aparece no domingo de Paixão, em que o intróito consiste na primeira metade do salmo Ju­ dica, e nos tempos primitivos era o salmo inteiro. Sendo este o salmo do intróito, antes de ter sido o de preparação ao pé do altar, é explicável que tenha desapa­ recido no domingo da Paixão. Resolveu-se tudo ? Ainda não. Pois não se resolveu porque nos outros dias da semana da Paixão o mesmo salmo tenha desaparecido das Missas “de tempore”. Como para as Missas exequiais, procurou-se justificar aqui a exclusão


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do salmo pelo contraste da sua alegria com o pensamento penitente do tempo. No entanto, aqui como lá, a antífona ficou, estalando a sua nota de alegria. Apesar de ter sido o salmo “Judica” uma preparação privativa do sacerdote, quando o transportaram para o pé do altar o povo quis alterná-lo com o cele­ brante. Em sentido largo, o seu texto pode, , com efeito, aplicar-se a todos os fiéis concelebrantes. Na Missa solene os dois assistentes, diácono e subdiácono, alternam o salmo e demais orações; com o celebrante. Na Missa privada qnem o faz é o acólito. Aqui, como na Missa inteira, o acólito pode considerar-se como um subs­ tituto do povo. Não é sempre, porem, que o povo cede o seu lugar aos ministros mencionados. Primeiramente, 9abe-se que um coro de cantores, no presbitério ou em outra parte da igreja, encarrega-se ás vezes de responder ao celebrante nas Missas cantadas e concelebra várias partes do cerimonial juntamente com o sacerdote. Neste caso são os cantores que representam o povo. Nos últimos tempos o próprio povo presente ao s. Sa­ crifício volta a exercer, em algumas partes, o seu antigo papel. Isto se dá: quando o povo responde, cantando, às orações do sacerdote, ou canta as partes invariáveis da s. Missa. Foi o s. Padre Pio X que convidou os fieis, não só para participar frequentemente do Banquete eucarístico, mas proclamou diante do mundo todo que “a fonte primária e indispensável do autêntico espírito cristão é a participação ativa dos fiéis nos mistérios sagrados e na oração pública c solene da Igreja”. Sabemos todos com que energia fesse Vigário de Cri&to enxotou da9 igrejas a música das salas de concerto, inculcando a idéia do respeito devido à Casa do Senhor. Sabe-se


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que foi o mesmo Papa quem recomendou a recitação e u canto dos textos litúrgicos por todo o povo. A tradução do Missal Romano em línguas vulgares e a sua difusão entre os leigos trouxe muitos e benéficos resul­ tados. Desde esse saudoso Pontífice o canto litúrgico se vem divulgando entre os fiéis, e colhendo pouco a pouco oe seus mais belos triunfos. Mas até a voz dos Pontífices mais zelosos se abafa, por vezes, no meio dos obstáculos que se crcam aos seus apos­ tólicos intentos. Por isso Pio XI, no dia 20 de dezembro de 1928, quinquagesimo aniversário de seu sacerdócio, rati­ ficou e renovou o programa de sou antecessor, com n cons­ tituirão “Divini Cultus”. A MISSA DIALOGADA. Também a Missa rezada ofcrecc ensejo aos fiéis para desempe­ nharem pessoalmente o seu papel no s. Sacrifício. E isto 9e dá ca Missa dialogada. Chama-se Missa dialogada a Missa rcztáa em que os fieis recitam tudo quanto o acólito responde ao sa­ cerdote, mais as partes variáveis e invariáveis que nas Missas cantadas deveríam ser preenchidas pelo coro. Nasceu a Missa dialogada dos desejos do povo e do clero. Quando, porem, se introduziram abusos e o povo pretendeu recitar em voz alta aquilo que mesmo o cele­ brante recita cm &egrêdo, então Roma interveiu, proibindo taxativamente. Suscitada a questão si era permitido aos fiéis responder ao ce­ lebrante em lugar do acólito, Roma respondeu que isso se podería au terizar, pois sendo a Missa dialogada uma “abreviação da Missa contuda”, em si mesmo era tal uso muito loimucl. Sendo certo, porem, que às vezes o ótimo 6 inimigo do bom, “atendendo às circunstâncias de lugar, povoação, número de Missas celebradas simultaneamente, pode acontecer que o uso da Missa dia­ logado, louvável cm si mesmo, dc origem a maior pertubação em vez de alimentar a piedade11. Eis o que dispõe o de­ creto expedido pela S. R. C. cm 30 de novembro de 1935. Do refe­ rido decreto deduz-se: 1.° A Missa dialogada em si é louvável c considerada como “uma redução da Missa cantada”. 2. ° O uso da mesma pode ser autorizado pelos ordinários dio­ cesanos, com tanto que não haja perigo de degenerar cm desedificação dos fiéis. No último concilio provincial de Malinas manifestou-se o desejo de que a Missa dialogada se introduzisse nas instituições da mocidade.


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Mcpmo nas paróquia^ sobretudo nas paróquias menores, com um trabalho assíduo e inteligente, o pároco pode conseguir educar liturgicamonte o seu povo, c levá-lo a dialogar a s. Missa com o celebrante. O CONFITEOR é anterior ao salmo Judiéa. A sua forma atual c recente, datando apena9 de 1570. O An­ tigo ‘‘Confiteor*’ era mais desenvolvido. Ainda hoje é cos­ tume, cm algumas ordens religiosas, introduzir-se no uConfiteor” o nome do santo fundador. O COROINHA ou acólito da s. Missa tem a dupla função de substituir o povo e auxiliar o sacerdote no altar. Ao iniciar a s. Missa o lugar dele é à esquerda do celebrante, um pouco atraz: minislcr retro post eum ad sinistram genuflexus (Cf. Missal, rit. serv. 3, 6). Quanto ao traje do. acólito ou coroinha a S. R. C. prescreve a batina e sobrèpeliz, mesmo que não seja clé­ rigo. Está claro que se trata de batina preta, que é a côr da batina dos clérigos. Donde vai uma certa inconsequência no uso de batinas vermelhas e azues para os coroinhas. Se para os clérigos o traje litúrgico é a batina preta c sobrepeliz, mesmo nos dias festivos, diga-se o mesmo quanto aos leigos e coroinhas que servem à s. Missa no altar. O ajudante do sacerdote nunca pode ser uma mulher, salvo para as respostas ao celebrante, na falta do coroinha. Neste caso então, dever-se-ia deixar tudo devidamente pre­ parado sobre o altar, e uma mulher poderia responder ao sacerdote alem da grade da comunhão ou algo distante do altar. (Cf. S. R. C. n. 3059 ad 7;2745 ad 8; 4015 ad 6). O MANIPULO. Na Missa pontificai o presbítero assistente impõe o manipulo ao Bispo, depois das palavras: Indulgentiam • • • E* uma reminiscência do tempo em que todo celebrante se revestia do manipulo nesse momento. Isto prendia-se à forma antiga da casula. Sendo esta um paramento largo que envolvia todo o corpo, o celebrante a dobrava sôbre os braços quando subia para o altar, afim de ter as mãos livres e os movimentos desimpedidos. Só então é que ele se revestia do manipulo.


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No tempo era que se procurava dar um simbolismo a tudo, via-se, no fato de revestir o manipulo “das lágrimas e da dor” logo após o confiteor e indulgentiam, o oferecimento de um lenço ao sacerdote, para en­ xugar nele 89 suas lágrimas. SAUDAÇÃO DO ALTAR. Jesus CrÍ9td é o único Mediador entre Deus e 09 peca­ dores. Conhecemos o seu Sacrifício de expiação. No cris­ tianismo dos primeiros tempos acentuava-se muito esta uni­ dade de sacrifício e de altar, contra a multiplicidade sacri­ fical do paganismo. “Fala-se dc um altar, como se fala de uma fé, de um batismo, de uma Igreja”, escreve s. Jerónirao. Nesse mesmo sentido são muitas c veementes expressões de s.Inácio Mártir, aos fiéis de Filadélfia: “Ha uma carne de N. Senhor Jesus Cristo e um cálice do seu Sangue, como só ha um altar e um Bispo”. Aos cristãos de Magnésia: “Vinde, pois, todos juntos à casa de Deus, ao único altar e Senhor Jesus Cristo”. Deste pensamento da unidade sacrifical da Nova Lei nasceu a idéia da construção de um único altar na mesma igreja e o uso de sc simbolizar no altar o próprio Cristo. Aliás, o mesmo destino do altar corresponde naturalmente a ésse simbolismo. Quem se aproxima do altar sente que emana dele uma foiça. A água viva com que Jesus dessedentou a Samarir lana, jorra abundanlemente das leituras e da prédica que se distribue aos fiéis dessa montanha das bem-aventuranças. Dada a tendência de espiritualizar a matéria, não existe símbolo mais acertado do que o altar para figurar o Verbo incarnado, o Filho de Deus “cheio de graça e de verdade”. Por isso o candidato ao subdiaconato, ajoelhado diante do Bispo, ouve deste as graves exortações sobre o tributo que se deve ao altar: Altare quidem sanctie Ecclesiae ipse esl Christus, teste Joanne, qui in Apocalypsi sua altare aureutn se vidisse perhibet, stans ante thronum, in quo et per quem oblationes fidelium Deo Patri consecraniur — “ pois o altar


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na santa Igreja é o próprio Cristo, conforme testemunha s. João, que viu9 no seu Apocalipse, um altar de ouro. diante do tronoy no qual c pelo qual eram consagrados a Deus Pai os sacrifícios dos fiéis”. Daí o sacerdote, cm cada Ação litúrgica; depois de subir os degraus do altar, êle se inclina humildcmente sôbrc a pedra d’ara e beija-a com piedoso respeito. O. beijo é a expressão de um amor íntimo e ardente que procura se apro­ ximar o mais perto possível do amado. E porque o sacer­ dote contraiu núpcias espirituais com o altar, êlc reserva essa expressão de afeto à sua esposa. E’ êsse o sentido da saudação do altar. Quanto à oração que a acompanha, é de época posterior. O ramus ,le, Domine. • • “Nos vos suplicamos, Senhor, pelos merecimentos dos vossos santos cujas relíquias aqui estão, que vos digneis perdoar os nossos pecados. Amen”. Prescrevendo ésle texto e obrigando mesmo a beijar o altar quando se pronunciam as palavras “cujas relíquias aqui estão”, parece que a Liturgia introduziu um elemento novo nesta cerimônia, a saber, ó culto dos santos cujas relí­ quias se beijam. Já mencionámos que o beijo do altar é anterior à ora­ ção que hoje se recita. Acresce ainda que várias outras vezes o sacerdote beija o altar sem menção das relíquias, donde se deduz que o simbolismo desse beijo é o acima mencionado. E5, porem, intenção da igreja que nesse momento se venerem também os santos cujas relíquias estão no altar. Abrindo os braços e pondo as mãos sôbre o altar, o sacerdote abraça Jesus Cristo e se apoia confiante na intercessão dos santos. A oração acima aparece pêla primeira vez nos Missais do século 11. Mesmo os seus característicos internos indi­ cam a sua origem recente, pois a extranha expressão “meus”


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pecados não afina com a oração que precede: Indulgentiam e o Aujer a nobis. Domine, iniquitates nostras. A Igreja primitiva tinha um sentido muito agudo da comunidade, e não rezava com- o pronome “eu”. A INCENSAÇÃO. Queimar incenso foi sempre de uso religioso ou pro­ fano entre os povos gregos, romanos, persas, etc. Também o culto judaico conhecia o incenso, como consta da s. Es­ critura (Cf. Lev. 21,6 e Luc.1,9). Embora afirmem alguns que o uso litúrgico do incenso data do século 2, nós rejeitamos essa opinião com a auto­ ridade de Kraus, pois falta-lhe base histórica. Os primeiros cristãos tinham repugnância inata ao incenso, pois quando alguém era suspeito de cristão exigiam dele que queimasse incenso aos deuses. Só o cheiro do incenso lhes lembrava a idolatria, per­ seguições e opróbrios. Tertuliano chama o incenso “o prato exquisito dos demônios”. Só mais tarde, quando desaparecera, depois das perseguições, a lembrança dos ritos pagãos, foi que o incenso se introduziu no culto da cristandade. Readquiriu então o belo sentido que tivera no culto da Lei Antiga, e recebeu, no ritual cristão, um simbolismo elevado. À incensação tem dupla finalidude: 1.° E’ um ato de culto. 2.° E’ um sacramental. Quanto á primeira finalidade, a incensação é um ato de respeito humilde que se presta a alguém, por causa de sua excelência. a) Sc, se presta esse ato de culto a Deus mesmo, então cbama-se culto de latria ou adoração. Será um ato de latria absoluto, si se dirige diretamente a Deus, como a incensação do SS. Sacramento. Não se dirigindo diretamente a Deus, mas mediataraente, diz-se então ato de latria relativo.


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* b) Se esse culto significado pela incensação 9e dirige a uma pessoa ou coisa, por causa de sua excelência, diz-se então culto de dulia ou veneração. Pode ser também absoluto ou relativo, 9e se dirige direta ou indiretamente a pessoa ou coisa a que se presta a veneração. Á segunda finalidade do incenso é a de um sacramental, como a água benta, destinada à purificação e santificação. Quando o incenso é usado para êste fim, a Igreja manda que o sacerdote o benza antes de usar, tra­ çando sobre êle o sinal da cruz e pronunciando as palavras: ad Illo benedicaris... sejas abençoado por Aquele, em cuja honra queimarás Aí as idéias mestros para a inteligência do ritual de incensação. As incensações que aparecem no curso da s. Missa explicam-se dessa maneira. As incensações fóra da s. Missa nem sempre se pode determinar com facilidade com que intenções a Liturgia as prescreve. i

No

c o m é ç o da s. Missa 0 principal simbolismo do incenso é o da purificação e santificação do lugar do sacrifício, considerado não tanto o altar material, mas o terreno da ação sacrifical. O altar material vimos que c o símbolo de Cristo, para o qual não existe logicamente purificação nem santificação. Mas como parte do espaço destinado ao ato do sacrifício, quis a Igreja incensar o altar, para afastar todo o poder das trevas e alargar a esfera de ação sobrenatural. Não é fácil precisar quando se introduziu esta incensação inicial na s. Missa. Mais fácil é determinar a origem do incenso no ofertório. O ritual da incensação do altar só foi definitivamente prescrito pelo Missal de Pio V, em 1570. A ordem da incensação no comêço da Missa é a seguinte: Primeiraraente o sacerdote põe incenso no turíbulo e o benze. Para esta bênção, como para qualquer outra, o sacerdote junta antes as mãos, indicando que êle deve a


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Deus o poder de abençoar. Colocando o incenso êle recita a oração supra: ab lllo benedicaris • • • Depois de uma profunda inclinação de cabeça para o crucificado, que tem o seu lugar de destaque no altar, o sacerdote o incensa com três elevações duplas. E* um ato de adoração relativa. Depois faz novamente uma inclinação profunda de cabeça. Caso haja relíquias sobre o altar, entre os castiçais, o sacerdote as incensa também, conservando-se de pé no meio do altar. A incensação das relíquias faz-se, no caso, com dois duetos ou elevações duplas, primeiramente do lado mais •nobre do altar (o lado do evangelho), e depois do lado da epístola. E’ um culto relativo de veneração aos santos por intermédio de suas relíquias. Incensada a cruz e as relíquias, o sacerdote envolve todo o altar em nuvens de incenso. Outrora o sacerdote circundava o altar inteiro, para incensá-lo devidamente. Mais tarde, com a alteração da disposição dos altares, isto tor­ nou-se impossível. Finalmente, incensado o altar, o celebrante entrega o turíbulo nas mãos do diacono e é por êste incensado com três duetos duplos. E’ ainda um ato de adoração relativa, pois o padre é no altar o representante do próprio Cristo em cujo nome êle renova o Sacrifício da Cruz. Quanta riqueza de sentido em todos esses ritos ! CANTO DO INTRÓ1TO. 0 cerimonial mais antigo que a história nos deixou é o o r d o romanüs, do século 7, mais ou menos, E’ alí que vamos ler ò primitivo ritual da entrada para a s. Missa: “Depois de o pápa se ter levantado, no quarto ao lado, êle segue pelo meio da nave até ao côro da basílica, acompa­ nhado pelo arcediago e pelo subdiácono. À frente vai outro subdiácono balançando o turíbulo, acompanhado de sete ceroferários.


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A um sinal do Papa o coro canta o Gloria Patri no fim do salmo do intróito, cno sicut e r a l, tendo terminado *a sua oração, o Papa sobe ao altar’1. A entrada-solene para o sacrifício era, pois, acompa­ nhada do canto do intróito, ou simplesmente, do i nt r ó i t o. No feliz renascimento litúrgico dos nossos dias os ar­ quitetos começam a levar em conta, na construção das igre­ jas, essa primitiva solenidade do intróito. Onde um pároco zeloso anima a vida litúrgica pode-se ver, nos dias das grandes solcnidades, o ritual empolgante de um intróito. 0 celebrante com os seus ministros atravessam a nave central da igreja, entram dignamente no presbitério para começar a s. Missa, enquanto a schola cantorum se dispõe a cantar o texto do intróito que, depoÍ9 da incensação, o sacerdote lerá em voz baixa no seu Missal. Era natural que o povo gostasse de cantar, juntamente com o coro, durante o ingresso do Papa. E era mesmo assim que todos os fiéis participavam dessa solenidade, unindo os seus sentimentos aos da Igreja. Atribue-se a vários Papas a introdução do intróito na Liturgia da s. Missa. 0 Liber Pontificalis, (T.230), o atribue ao Papa Celestino I (422-432). Escritores medie­ vais dizem que este Papa introduziu o salmo, mas foi o Papa Grcgório Magno quem introduziu a antífona. Outros falam ainda do Papa Gelásio I (492-496). 0 uso de cantar salmos com o povo teria sido instituído por s. Arabrósio, segundo as Confissões de s. Agostinho (livro 9,c.7): uHavia pouco tempo introduzira-se um modo de consolar e exortar, que consistia em 06 irmãos cantarem de boca e dc coração. Havia um ano ou pouco mais que Juslina, mãe do jovem imperador Valentiniano, perseguia o vosso servo Ambrósio, por causa da heresia dos Arianos, para a qual ela fora seduzida. 0 povo piedoso fazia guarda na igreja, e pronto para morrer com o seu bispo, vosso servo. Lá, minha mãe, vossa serva, tinha a parte principal em sofrer e vigiar. Ela vivia de oração. Nós, embora ainda


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não aquecidos pelo fogo do vosso Espírito, ficámos alar­ mados pelo abatimento e distúrbio da cidade. Nessa ocasião estabeleceu-se o costumo de cantar hinos e salinos conforme o uso das regiões orientais, afim dc que o povo não desfalecesse de sofrimento e de dor. E esse uso conservou-se desde aquele tempo, e muitas outras igrejas, quasi todo o rebanho, nas outras partes do mundo, seguiram esse exemplo”. Não se deve entender o tojclo de s. Agostinho como sc o cantar salmos fosse novidade na Igreja ocidental. Trata-se aí de uma novidade no modo de os cantar. A jovem Igreja recebera da sinagoga o salmo r e s ponsório. Chama-se assim o salmo recitado por uma só voz no qual, após cada verso, ou após cada grupo de versos, todo o povo entoa um estribilho. Ha salmos especialmcnte com­ postos para responsórios. Temos ura exemplo disso no sal­ mo 135, cujo estribilho quoniam in aeternum misericórdia eius volta após cada versículo. Outro exemplo de salmo responso temo-lo ainda no breviário. no invitatório de Matinas. A vantagem desse sis­ tema de oração c altamente pedagógica, pois une estreita­ mente o cantor e o povo, sustentando a ambos a atenção. Podemos considerar como uma simplificação dêsse mé­ todo de salmódia as aclamações com que o povo todo se unia ao cantor no final dos salmos: Amen ! Bcnedictus Deus! Allcluia! Fiat, fiat! etc Temos reminiscências dêsse último tipo de responsos nos salmos 40, 71, 88 c 105. A doxologia menor do Gloria Patri seguiu o mesmo processo. Outra maneira de se cantar salmos é o modus andphonus. Não ha solista. O povo se divide em dois coros que alternam entre si a recitação de todo o salmo, verso por verso. Era o método oriental, ao qual s. Agostinho alude, falando dc s. Ambrósio. Restam ainda dois outros métodos de salmodiar: o cantus indirectus e e cantus dircctaneus. O primeiro destina-se a pequenas co­ munidades, que dificilmente se possam dividir em dois coros. Neaso caso a comunidade toda recita o salmo inteiro.


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O cantiis dircctancus, muito mais simples, consiste em um cantor recitar o texto inteiro, que os demais acompanhara. Era a salmódia dos monges egípcios.

Ha dois dias no ano era que o coro está acabando a ladainha de todos os santos, quando o celebrante sobe ao altar. Nesses dias, portanto, não ha intróito. Nos ritos orientais não ha entrada solene no princípio da Missa, porque o clero já está no altar preparando a matéria do sacrifício, o que xonstitue no Oriente um longo cerimonial. Precisamente por tomar tanto tempo, é esse Htual colocado antes da Missa. Só depois dele se requer a presença do povo. O salmo do intróito é antecipado por uma antífona, que se repete depois do salmo. Primitivamente cantava-se o salmo inteiro, e vimos que no século 7 era o próprio cele­ brante quem dava ò sinal para acabar. Com a tendência posterior de se abreviar a Liturgia, abreviou-se também o canto dos salmos, ficando o intróito reduzido a um único verso depois da antífona. Pequena doxologia é o nome dos versos finais do in­ tróito: Gloria Patri ct Filio et Spirítui Sancto, sicut erat in principio et nunc el semper, et in saecula saeculorum. Amen. Êsses louvores se encontram repetidas vezes no Novo Tes­ tamento, e principalmente no Apocalipse. São geralmente louvores repelidos e acumulados (Apoc. 5, 13). Somente em s. Paulo (Filip. 5.20) acha-se a única palavra “gloria’’: Deo autem et Patri nostro gloria in scecula saeculorum. Amen. A menção das três divinas Pessoas varia muito nos primeiros quatro séculos. Assim se dizia: “Gloria Patri F£R Filium in Spiritu Sancto”. Ainda “Gloria Patri PER Filium CUM Spirito Sancto” ou “Gloria Patri PER Filium ET Spiritum Sanctum”. Outras vezes, embora raras, encontrava-se também “Gloria Patri IN Filio ET Spiritu Sancto”, é em s. Basílio: “Gloria Patri CUM Filio ET cum Spiritu Sancto”. Estas últimas variantes os fiéis aceitaram-nas como pro­ testo contra a doutrina dos Subordinacianos, que nas fór-


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mulas acima quiseram ver uma subordinação da segunda e terceira Pessoa á Primeira. Êsses hereges atribuíam exclusivamentc à primeira Pessoa a natureza divina, conce­ dendo à segunda e terceira apenas uma grande a alta seme­ lhança com a primeira. Esta fórmula confessional firmouse, porque exprimia muito claramente a igualdade perfeita das três Pessoas divinas. Diz Amalário que no seu tempo (século 9), no fim dos salmos-responsos do tempo da Paixão, não se can­ tava o Gloria Palri, como não se cantava também no final dos salinos do tríduo da Semana Santa. Isto por dois mo­ tivos, diz éle. Primeiramente, para significar a humilhação profunda da Cabeça da Igreja nesses dias de triunfo apa­ rente do maior adversário de Deus. E nlem dessa razão simbólica, o mesmo autor apresenta ainda um motivo histórico, visto que a Igreja quer con­ servar nesses dias os seus ritos mais antigos. Não se vê claro o motivo da omissão do Gloria Patri nos salmos dos ofícios dc requiem. Teria sido o mesmo pensamento que inspirou o 4.° Concilio de Toledo a deixar a doxologia depois dos responsórios tristes ? Ou ter-se-ia estabelecido um parentesco ilógico entre o tríduo sacro da Semana Santa c o luto demasiado humano de alguns fiéis ? Seja como for, o fato é que nas Missas de requiem, depois do salmo do intróito Te decet hymrms (salmo 64, 2-3) segue imediatamente a repetição da antífona Requiem. A ANTÍFONA. Nas festas mais antigas encontramos o texto do intróito tal qual foi composto, muito provavelmente, pelo Papa são Grcgorio Magno (591-604) . O texto da antífona é, geralmente, tirado do livro dos salmos; uma vez ou outra, dos demais livros inspirados. Raríssimas vezes a Igreja o foi buscar nos escritores ecle­ siásticos. Nos formulários das festa9 mais recentes a Igreja encarregou homens competentes de compôr os textos ade­ quados.


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Um falo que chama a atenção é o de várias antífonas de intróito serem tiradas do livro apócrifo de Esdras (IV). Até ao tempo do Papa Dâmaso a Igreja Romana teve verdadeira aversão ao quarto livro de Esdras, aceitando, no entanto, diversas antífonas e textos litúrgicos extraídos do mesmo. São dessa categoria: Os impropérios da sexta-feira santa (4 Esdras. 1,13-24). As antífonas dos mártires do tempo pascal: Sancti tui, Domine, florcbunt sicut liHum et lux perpetua lucebit sanclis (Ib. 2,35). A súplica pelos defuntos: Requiem ceternam (Ib. 34-35) e o responsorio das Matinas: Modo coronantur et accipiunl palmam (Ib. 2,45). O cardial Schuster chama a atenção para a concor­ dância destes textos não canônicos com textos da Liturgia Bizantina, assegurando que penetraram em Roma por in­ termédio do rito grego. E ele cita como exemplo a Missa Clamaverunl, dc l.° de maio. Pois a igreja cm honra dos Apóstolos s. Filipe e s. Tiago foi construída ao pé do Quirinal como lembrança da vitória de Roma sobre os Godos, vitória esla alcançada por um grego. Na consagração dessa igreja cantou-se pela primeira vez esse Intróio. Na escolha dos textos para o Intróito foi sempre o desejo da Igreja exprimir, do modo melhor pos­ sível, o pensamento da festa. Também a música do intróito segue a mesma tendência, de maneira que muitas vezes, a só entoação do Intróito conduz os fiéis à desejada disposição de espírito. 0 intróito traduzia tao bem, por vezes, o pensamento lilúrgico dc um tempo ou de uma festividade, que não raro, mesmo na linguagem civil, se designava um dia pelo seu Intróito. Assim é que se dizia vulgarmente: a segunda-feira depois de Oculi, isto é, segun­ da-feira depois do 3.° domingo da quaresma. Na linguagem eclesiástica ainda se usam denominações como essas: domingo Caudete, Lcetare, Quasimodo, etc. Seguem alguns exemplos de intróitos nos quais se ex­ primiu o mistério da festa:


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Nas festas de Nossa Senhora: Gaudeamus omnes in Domino, diem fesCum celebrantes sub honore B. Mariae Vir gin is. Na festa da Imaculada (8 de dezembro): Gaudens gaudcho in Domino, et cxsultabit anima mea in Deo meo; quia induit me veslimentis salutis; et indumento justilicc circumdedit me, quasi sponsam ornatam monilibus suis. Na sexta-feira depois do domingo da Paixão: Misererc mihi, Domine, quoniam tribulor... Na festa de um mártir: Sacerdotes Dei benedicite Domi­ nam. sancti et humiles corde, laudale Deum. No dia do Natal, à terceira Missa: Puer natus est nobis et Filius datus est nobis... No segundo dia de Natal: Sedcrunt príncipes et adversum me loquebantur... alude-se a s. Estcvam diante dò Supremo Conselho (salmo 118,23). Na Ascensão: Viri Galilcei, quid admiramini aspicientes in ccclutn?... Em Pentccostes: Spiritus Domini rcplevit orbem ter­ ra rum . » • Na festa de s. Luiz (21 de junho) : Minuisli cum pauto minus ab angelis... Na festa de s. Francisco Xavier (3 dc dezembro): Lo­ que bar de testimoniis tuis in conspectu regum et non confundebar... Com relação aos domingos do Advento temos de recor­ dar os fatos históricos aos quais se prendem não poucos textos de inlróitos. Assim é que o Lcetare, Jerusalem, que inicia o intróio do 4.° domingo da quaresma, recebeu sua significação da u8tatio,, desse dia em que a Missa se celebrava na igreja titular de s. Cruz de Jerusalém. Na quarta-feira depois de Lcetare ha o belo intróio: Cum santificalus fuero in vobis, congrcgabo vos de universis terris; et ejfundam super vos aquam mundam, et mundabimini ab omnibus inquinamentis vestris: et dabo vobis Spiritum novum. “Quando for glorificado no meio de vós,


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ajuntar-vos-ei de todas as partes da terra; derramarei sôbre vós água pura, e sereis purificados das vossas manchas; c vos darei um espírito novo”. Êste inlróito aplica-se, de modo belíssimo, aos neófitos que nesse dia passavam pelo grande escrutínio antes do batismo. A antífona Confessio et pulchriltido... “Louvor c beleza estão diante dele, santidade c magnificência estão no seu santuário”, da festa de s. Lourenço (10 de agosto), relaciona-se com o nome da basílica Speciosa, que o Papa Gelásio I mandou construir sôbre o sepulcro do santo. No entanto parece, pelo menos nos tempos mais antigos, que outro fator contribuiu ainda para a escolha da antífona do inlróito. Vê-se isto claramentc nos dias que não teem caráter pronunciado, por exemplo, nos domingos consecu­ tivos depois de Penlecostes. Empregam-se então os salmos, em ordem ascendente, não somente no intróito, mas também no verso aleluiático, no ofertório e na comunhão. Para esclarecê-lo, seguem abaixo algumas demonstrações: Domingo

Intróito Salmo aleluiático Ofertório

Comunhão

I II III IV V VI VII VIII IX X XI XII XIII XIV XV XVI XVII

12 17 24 26 26 27 46 47 53 54 67 69 73 83 85 85 118

5 7 7 9 20 30 46 47 58 64 80 87 89 94 94 97 101

9 12 Luc. 17 26 26 30 33 s. João 50 Prov. 103 Sab.

5 6 9 12 15 16 Daniel 17 18 24 29 Exodo 30 33 39 39 Daniel


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Era, pois, regra primitiva, na recitação do Ofício divino, guardar a ordem numérica dos salmo9, de 1 a 150. Com as mudanças do Papa Pio X, em 1912, escolheram-se para Landes e Completas salmos de sentimentos mais adequados às horas matutinas e vespertinas. Nas outras hotas restabeleccu-se, em linhas gerais, a ordem númérica, de modo que, de domingo a sábado, exceto nas festas soleníssimas, se recitam nas Matinas e horas menores os salmos de 1 a 108, e nas Vésperas os salmos de 109 a 150. São os vestígios dessa regra primitiva e fundamental o que encontramos nas partes moveis das Missas dos do­ mingos depois de Pentecostes. Embora se omitem muitos salmos, não é por acaso, todavia, que o número progride sempre, sem nunca re­ troceder. O SALMO. - Depois da antífona segue geralmente, nem sempre, o primeiro verso de um salmo cuja história já conhe­ cemos. Quando a própria antífona coincidia com o primeiro versículo, iniciava-se muitas vezes o salmo com o segundo verso, como se vê no 12.° e 15.° domingo depois de Pente­ costes, como também na Missa vòtiva pelos enfermos. Nisso, aliás, nadn dc cxtranhável, depois que conhecemos a regra “non bis idem?\ Nos formulários de Missas mais recentes foram esco­ lhidos os versos mais adequados para o salmo de Intróito. Na Missa de s. Inácio (31 de julho): Gloriabuntur in te omnesy qui düigunt NOMEN TUUM, quoniam tu benedices. justo. (Salmo 5,4). Na Mi9sa da s. Coroa de espinhos: Gloria et honore coronasti eum. et coustituisti eum super opera mamuim tuarum. (Salmo 8, 6-7). Raras vezes seguem dois versos idênticos, o do salmo e da antífona, como sucede na Missa de s. Francisco Xavier (Laudate Dominum) e na Missa de {Te decet — Exaudi).


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O LUGAR. Na sua maioria os textos da ante-Missa eram cantados ou recitados pela escola dos cantores, pelo povo e por deter­ minados assistentes. Somente mais tarde se prescreveu que o próprio celebrante recitasse todos os textos da ante-Missa, inclusive o Intróito. Na Missa solene episcopal conservou-se alguma coisa do costume antigo: o bispo lê os textos da ante-Missa, mas sentado ou de pé, no trono. Isto não é permitido ao sim­ ples sacerdote que celebra, mas o fato de cie ler esses textos no Missal, ao lado da epístola, e não no centro do altar do sacrifício, deixa entrever uma reminiscência dos costumes primitivos. 0 lado da epístola é o menos digno do altar, isto é, o lado esquerdo da cruz do altar, seja qual for a colocação deste em relação ao povo. De tal maneira se identificou n direita do celebrante com o lado da epístola e a esquerda com o do evangelho, que mesmo celebrando voltado para o povo, como se faz em Roma, ainda se conserva esta dis­ posição, embora para o povo os lados estejam invertidos. Todo o “ritus servandus in celebratione Missa*” está baseado na disposição do altar em que o celebrante está de costas voltadas para o povo. Isto deduz-se claramente do n. 5, 3, onde se introduzem al­ gumas alterações, caso o sacerdote *venha a celebrar voltado para o povo.

Nas basílicas o clero tinha o seu lugar na ábside, à esquerda do altar onde cantava as lições que precediam o evangelho. O diácono, que ficava à direita do altar, can­ tava o evangelho, realçando as9im a dignidade da Palavra de Jesus Cristo sôbre a palavra do9 Profetas e Apóstolos, que se lia na epístola. Hoje tornaram-se sinônimos lado do evangelho e lado direito, lado da epístola e lado esquerdo do altar: direita c esquerda da cruz do altar.


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O SINAL DA CRUZ. O sinal da cruz acompanha as primeiras palavras da oração da entrada. Entoando este texto, o cortejo se dirigia outrora para o coro; por isso o cebrante benze-se às vezes, quando sai da sacrislia. Alcm disso, o fato de se começar com esse texto o formulário da s. Missa, já é razão que explica su­ ficientemente o sinal da cruz que o acompanha. Nas Missas de requiem o celebrante não faz o 9Ínal da cruz sobre sí, mas fá-lo sobre o Missal. Antiga­ mente fazia-9c sobre o caixão do defunto ou sobre o túmulo da igreja. Hoje o sacerdote o faz sobre a palavra eis, do Missal, como quem quer dirigir aos mortos os frutos e bên­ çãos do s. Sacrifício. Nas outras Missas, fazendo o sinal da cruz sobre sí mesmo o celebrante implora a bênção sobre sí mesmo, afim de se tornar grato, com este sinal, e mere­ cedor das graças do Sacrifício. E* esse, exatamente, o espí­ rito do Cerimonial Romano. Do mesmo modo se omitirá também a bênção do povo no fim da Missa, pois a encomendaçao após a Missa de requiem dirigirá a bênção de Deus para a alma do morto. E? verdade que o celebrante, mesmo nas Missas de requiem, faz várias veze9 o sinal da cruz sobre sí, mas islo porque o pede o texto invariável da M i s s a. Assim em omni bencdiplione coelesti et gralia repleamur, “para que sejamos cheios de toda a bênção e graça celestial ”, antes do momento dos mortos. O mesmo se faz em da propitius pacem in diebus nostris, “dai benigno a paz em nossos dias” — ura acréscimo depoÍ9 do Pater noster, que se explica com os tempos agitados por que pas­ sou outrora a Igreja militante. E’ recomendável que os fiéis, especialmente os coroinhas e cantores acompanhem esse sinal da cruz com o sacerdote. Os cantores fazem-no logo que começam a cantar, e o canto se inicia logo que aparece o sacerdote, como prescreve o Gradual.


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TEXTOS MÓVEIS. O Intróio é também o primeiro texto da9 operações mó­ veis da s. Missa. Já foi demonstrado que os textos móveis são característicos dos ritos ocidentais. Quem compara o cerimonial da Missa no seu todo, não somente com o do Oriente, mas também com o ritual ocidental dos sacramentos e dos sacramentais, ha de extranhar a diferença. A variação dos formulários da s. Missa se explica tam­ bém, em grande parte, pêla influência do ofício, e especial­ mente das Vigílias, na s. Missa. 0 ofício divino se distri­ buía em horas, e adatou-se sempre à9 diferentes festividades, dias e estações do ano. Alem disso a Vigília, que se celebrava à noite, na vés­ pera das grandes solenidades, consistia em uma série de leituras, salmos e orações que variavam segundo a festa do dia seguinte. Depois da solenidade da Vigília seguia-se a s. Missa. Daí a ante-Missa recebeu muitos elementos da celebração da Vigília. 0 antijonário gregoriano, geral mente atribuído a Gregório Magno, contem os “própria” que ainda hoje usamos nos dias das festas mais antigas. Embora revisto e comple­ tado mais tarde, é provável que não se tenham introduzido alterações capazes de desfigurar o texto do próprio punho do santo.


CAPITULO

II

A ANTE-MISSA O K Y R I E P raen o tinida. , Nos dois primeiros séculos falava-se o grego em todos os centros civilizados, como em Alexandria, Antioquia, Jerusalem e Roma. Por isso os cristãos se utilizavam do grego para sua língua ritual primitiva. Provam-no vários fatos: a) S. Clemente Romano escreveu sua epístola aos Corínlios em grego, pelo ano 96. h) Até aos últimos 25 anos do terceiro século as ins­ crições dos sepulcros da cripta de s. Calixto eram redigidas em grego, a língua oficial dos cristao6. c) Conforme observa Baumstark, usava-se a Oração eucarística em grego, mesmo nos dias do Papa Dâmaso (366-384), embora já existisse, paralelamente, o uso da língua latina. Mas do seguinte se verá que o Kyrie não é uma reminiscência desses tempos. Origem. A oração do kyrie aparece frequentemente nos livros sagrados dos dois Testamentos. Veja-se, no Antigo Testamento: S. 4,2; 6,3; 9,14; 25, 11;122,3;40,5,11; Is. 33,2. Novo Testamento: Mat. 9,27; 15,22;20,30,31; Mc. 10,47,48. Luc. 18,38,39;16,24;17,13. Com isto se demonstra facilmente que essa prece não foi tirada dos pagãos, como se pretendeu, pelo simples mo­ tivo de a terem encontrado também em autores pagãos. E\ contudo, extranhável que o Kyrie, apesar do seu uso frequente nas sagradas Escrituras, só se tenha introduzido na Liturgia cristã pela segunda metade do século 4. Acom­ panhemos a sua história. ,


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a) Encontramo-lo pela primeira vez no 8.° livro das Constituições Apostólicas. Probst examinou cuidadosamente os escritos do9 Padres e de muitos escritores eclesiásticos anteriores, mas não achoü o Kyrie por lá, nem mesmo onde seria muito natural encon­ trá-lo, como em Tertuliano, Hipólito, Cirilo de Jerusalem, S. Basílio e os dois Gregórios. I No texto das Constituições se diz que o diácono, levantnndo-se, exclamava: “Orai, catecúmenos!E todos os fiéis suplicavam por eles: Kyrie eleison! E depois de cada exclamação do diácono o povo sempre respondia: Kyrie eleison ! h) 0 livro conhecido dos peregrinos de Etéria, do sé­ culo 4, conta que o diácono citava os nomes de determina­ das pessoas e um côro de crianças respondia: Kyrie eleison! O fato de essa súplica não aparecer antes do século 4 1 orna-se ainda mais exlranho, quando se considera que depois desse tempo c frequente na Liturgia. Nas Liturgias orientais também se repete diversas vezes a forma grega Kyrie eleison, como aclamação do povo ou do côro às invocações do diácono. c) O primeiro testemunho ocidental para a história do kírie é o Concilio de Vaison, em 529. O texto literal é o seguinte: Et quia tam in Sede Apostólica quam etiam per lotas orientales atque Italiae províncias dulcis cl nirnium salutar is consuetudo est intromissar ut Kyrie eleison jrequentius cum grandi affectu et compunclione dicalur; placuit etiam nobis ut in omnibus ecclesiis nostris ista tam sancta consuetudo et a d Matutinum et ad Missas et ad Vesperam Deo propilio intromittalur. “E porque, tanto na Igreja de Roma quanto em todas as províncias do Oriente e da Itália se introduziu o costume atraente e salutar de dizer vária9 vezes Kyrie eleison, com grande afeto e compunçao, aprouvc-nos também introduzir com a graça de Deu9, este cos­ tume tão santo em todas as nossas igrejas, quer nas matinas, como nas Missas e vésperas”.


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a) Segundo a regra de s. Bento, do ano 530, aproxi­ madamente, o Kyrie já se recitava no ofício mais ou menos como nós o recitamos hoje nos ofícios feriais, juntamente com o Pater e demais orações pelas necessidades da Igreja e dos fiéis. D. Cabiol supõe que s. Bento recebeu esse costume da Igreja de Roma, pois a Liturgia desta lhe era conhecida pelo Gelasiano; e alí se encontra o Kyrie redigido em latim: Domine, exaudi et miserere, e ainda Domine, miserere. e) Um documento de primeira ordem deixou-nos o Papa Gregório Magno numa carta em resposta a João de Siracusa. Nesse documento trata-se do Kyrie na s. Missa. João reprova ao Pontífice o ter introduzido o Kyrie dos gregos. Eis a resposta do Papa: Kyrie eleison autem nos neque dicimusf neque dicimus sicut a Grcecis dicitur, qttia in Grcecis simul omnes dicunt, apud nos aulem a ciericis dicitur et a populo respondetur, et totidem vicibus etiam Christe, eleison dicitur, quod apud Graecos nullo modo dicitur. In quolidiani% autem Missis aliqua, quee dici solent tacemus, tanturn modo Kyrie, eleison et Christe, eleison dici­ mus, ut in his deprecationis vocibus paulo diutius occupemur. “Não dizemos Kyrie, eleison como os Gregos, porque estes dizem todos juntos. Entre nós quem o diz é o clero e o povo responde. E tantas vezes dizemos também Christe, eleison, o que nunca dizem os Gregos. Nas Missas dos dias simples omitimos outras coisas que ordinariamente se dizem, e recitamos somente Kyrie, eleison e Christe, eleison, para nos ocuparmos um pouco mais com estas exclamações de. súplica” (PL. 77, col. 956). Disto se conclue que o Papa Gregório não nega, de pés juntos, que o kíric tenha sido tirado dos Gregos, mas realça somente a diferença entre o uso grego c romano. O período final de s. Gregório pede uma explioação. No seu Liber Sacramentorum ensina o cardial Schustei que o Cerimonial sofreu grandes alterações desde a celebra­ ção primitiva da vigília e com o seu pleno desenvolvimento nas basílicas. Outróra a ladainha com o seu Kyrie repetido


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constiluia o fim da vigília c a introdução ao s. Sacrifício. Desaparecendo a vigília, desapareceu tnmbem a ladainha, começando-se a s. Missa com o canto do Intróito. O Papa Gregório ajuntou o canto do Kyrie ao canto do Intróito, como introdução à coleta do sacerdote. Até aqui o cardial Schuster. Este Kyrie teria sido, pois, o recomeço da ladainha que se cantava durante a procissão para a statio, e que era in­ terrompida pelo Intróito. Interrompida a ladainha para o canto do Intróito, o Kyrie passara a scr repetido depois do Intróito. Desapareceu a ladainha e o Kyrie ficou só. A isto, certamente, é que alude o último período da carta de s. Gregório. No sábado antes de Páscoa e Pentecosles a schola can­ ta o Kyrie iniediatamente depois da ladainha de todos os santos. Nesse ínterim o sacerdote caminha para o presbité­ rio, para começar o s. Sacrifício. Geral mente se aceita o Kyrie da s. Missa como restos de uma ladainha, mas disputa-se de que ladainha seja. Vistos os texos supra e a opinião do cardial Schuster sôbre a in­ trodução do Kyrie após o Intróito da Missa solene, parece­ mos mais plausível a opinião que vê no Kyrie a reminiscência da ladainha cantada na procissão da statio do que a opinião de outros que querem reconhecer no Kyrie um resto das súplicas dos catecúmenos ou das “preces fidelium”. Resta-nos ainda a pergunta: por que os Latinos aceita­ ram e9sa oração oriental e por que a aceitaram em língua grega ? O tom profundamente humano da oração era bastante atraente para os ocidentais. Acresce que era uma súplica frequente na Liturgia oriental, e Batiffol lembra a influência inevitável que teria tido, na aceitação do Kyrie entre os latinos, o fato das pere­ grinações frequentes a Jerusalem. Alem do que teria valido a instrução mesma do divino Mestre: Quando orardes, não vos utilizeis de muitas palavras”. E esta outra: “Eu vo9 digo que se não lhe der os


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pães, levantando-se porque é seu amigo, certamente por cau­ sa de sua importunação se levantará e lhe dará quantos houver mister”. A repetição das mesmas invocações, a solenidade su­ gestiva das sílabas gregas, tudo Í9so concorreu, sem dúvida, para que os ocidentais conservassem o Kyrie na 9ua Liturgia. Número Outróra as invocações do Kyrie e do Christe repetiamse indefinidaincnte, até que õ celebrante desse o 9Ínal para terminar. Data do 9éculo 9 o uso de repetir esta oração nove vezes, isto é, em grupos de três. Admite-se, geralmente, que a intenção foi fazer do Kyrie uma A<invocado trinilaria”, isto é, uma invocação a 9S. Trindade, em que ha três Kyrie dirigidos no Pai; três Christe ao Filho e três Kyrie ao Es­ pírito Santo. Era sentido ascético o cardial Bona lê, na tríplice repetição, uma súplica de perdão do9 pecados cometidos por pensamentos, palavras e obras. Ou ainda uma súplica na qual nos unimos aos nove coros angélicos. S. Toraaz vc na tríplice invocação a cada uma das Pessoas di­ vinas a circuminsessão pela qual “omnes personc sunt in se invicem”. Constat cum quanta humilitate et affectione contritioneque cordis hac sanctissima verba Kyrie eleison dicenda suntt non cursorie, sed morosc; quatenus presbyter omne genus peccati sibi indulgeri desideret, et tanto hacc verba ferventius dicat, quanto ea scepius iterat. fiam ct ideo sapius interantur, ut semper devotius explicen• tur. (V. de Berghe: S. Missa Sacrificium, pag. 16).

Tropos Chamavam-se tropos as palavras usadas no tempo me­ dieval para se preencher os neumas longos de uma melodia. No Kvrial do Gradual romano acham-se ainda vestígios, de tropos nas denominações das diversas Missas, p. e. Rex Genitor, da Missa VI; Orbis factor, da Missa XI, etc. São e6sas as palavras que outrora iniciavam os tropo9. Confere como exemplo os tropos da Missa Rex Genitor no apêndice.


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Como se viu, os tropos mais longos eram os do derra­ deiro Kyrie, por serem mais longos os neumas de sua me­ lodia. Clara v o c e. 0 Kyrie reza-se em voz alta, pois era primitivamente uma oração do povo, como também o Agnus e o Sanclus. Lugar. Segundo os ritos mais antigos, o Kyrie se recitava no lado da epístola. Assim se faz ainda hoje nas Missas solennes e também nas Missas rezadas dos Cartuxos, Carmelitas e Dominicanos. Isto porque, sendo o Kyrie um canto do povo, durante ele o celebrante ficava ao lado do Gradual e da Epístola. Ignora-se porque se tenha passado a recitá-lo no centro do altar, nas Missas rezadas. 0 GLÓRIA. Nas Missas segue, logo após o Kyrie, o canto do Glória, também chamado o “hymnus angelicus”, assim denominado porque suas primeiras palavras foram entoadas pelos anjos sobre a gruta do Menino Deus. H is tó ria. Embora se possa apurar o histórico do “hymnus angelicus”, resta sempre uma interrogação: como se intro­ duziu esse hino na Liturgia Romana ? Pois o curso da s. Missa interrompe-se, subitamente, no seu desenvolvimento histórico, com um canto que não está em relação nem com o Kyrie que o precede nem cora a oração que o segue. Daremos a este respeito algumas hipóteses, que não passam de hipóteses: O Glória é um canto de origem oriental. Isto a 6ua mesma estrutura o acusa. Nós do Ocidente só entendemos


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hinos com estrutura métrica. E esta é desconhecida no Oriente. O Oriente compunha os seus hinos pelo modelo dos salmos: hino6 não métricos, mas rítmicos e divididos em versos dc dois membros. Exemplo disso temo*lò no símbolo dc s. Atanásio e posteriormente no Tc Deum. A esta espécie de hinos puramente rítmicos pertence também o Gloria. Os textos mais antigos do Glória encontramo-los a) Nas Constituições Apostólicas (1. 8, c. 47); b) No “Codex Alexandrinus”, do século 5, um dos manuscritos mais antigos da Bíblia, conservado no British Muscum de Londres, documento esse no qual o Glória figura como adenda ao livro dos salmos. c) No livro de “Virginitate”, que por muito tempo se atribuiu a s. Atanásio, vamos encontrar o Glória também, como paile da oração da manhã, anexo ao salmo 62: Deus, Deus meus, ad te de luce vigilo e ao Benedicilc. Isto se prende, provavelmente, ao fato de no Oriente o “hymnus angelicus” fazer parte do ofício divino e não da s. Missa. Cabrol faz remontar o Glória aos tempos cristãos pri­ mitivos. Isto ele deduz da estrutura da frase o do estilo mesmo do canto, inspirado todo éle, quanto possível, na s. Escritura. Apesar das numerosas variantes existentes, cm todas elas, porem, ha traços comuns: 1. Não se nomeia o Espírito Santo. 2. Nomeia-se o Filho, considerando-se mais a sua hu­ manidade, como “Creatura Patris”, segundo se lê no texto das Constituições Apostólicas corrigido por Duchesne: Tu solus Dnminus Jesu Chrisli, Dei universee naturce creatce, regis nostri, per quem Tibi gloria... A forma latina do Glória, tal como a temos hoje no Missal, é posterior, e foi introduzida contra a9 heresias do Arianismo e Macedonianismo. A primeira negava a consubstancialidade do Pai e do Filho, e o Macedonianismo via no Espírito Santo uma creatura do Filho.


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Por quem e quando se introduziu o Glória na Liturgia Romana ? No “Liber Pontificalis” (1,9) diz-se do Papa Telésforo: Hic fecit ul nalali Domini nostri Jesu Christi noctu Misses celebrarentur et in ingressa sacrificii hymnu-s diceretur ange• licus Gloria in excclsis.. .etc. “Este instituiu que na festa do Natal de N. S. Jesus Cristo se celebrasse a s. Missa de noite e se cantasse à entrada do s. Sacrifício o cântico dos anjos Gloria in excelsis.. .etc”. 0 cardial Schustcr recusa essa informação histórica do Pontificai. E com ele a opinião quasi geral dos enten­ didos. Isto porque o Gelasiano não menciona coisa alguma do Glória. Vamos encontrar menção do mesmo pêla pri­ meira vez no Gregoriano. O “Liber Pontificalis” é uma fonle suspeita demais para fazer crer no aparecimento do Glória tão cedo na Liturgia Romana, quando a fonte do Gregoriano só aparece dois séculos mais tarde. Existe outra tradição histórica do Glória que parece gozar de maior autenticidade. E’ a que o atribue a s. Hilá­ rio, de Poilicrs. Os portadores dessa tradição são Durandus, no seu livro “Ralionale”, e Honório de Autun em “Gemma animae”. Uma circunstância feliz milita em favor dessa tradição, pois sabe-se que s. Hilário foi exilado no Oriente. De volta para o Ocidente teria introduzido o Gloria, ou ler-se-ia pelo menos empenhado na introdução do mesmo. 0 Glória ter-se-ia introduzido, pois, em 360, aproxi­ madamente. No século 7 já o vamos encontrar na Litur­ gia Ambrosiana, graças à influência romana. Quais as Missas em que se introduziu o “hymnus angelicus”? O que o Papa Telésforo teria ordenado no “Liber Pon­ tificalis”, a saber, que se cantasse o Glória na Missa noturna do Natal, repete-o também o Papa Inocêncio III (1198-1216) no seu “De s. Altaris Mysterio”. Alem disso refere o “Liber Pontificalis” que também o Papa Símaco (498 - 514) mandou cantar esse hino em


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Iodos os domingos e fcsLas dos mártires, mas somente nas Missas de um Bispo. Era essa também a prescrição do pri­ meiro O r d o romano que data do século 7. Os simples sacerdotes não podiam intercalar o Glória nas suas Missas, embora esse mesmo O r d o o autorizasse aos simples sa­ cerdotes na Páscoa. Com quanto essa prática não fosse sempre estritamente observada, o abade Bemo de Reichenau, conhecedor e amador de música do princípio do sé­ culo 11, queixava-se do fato de ser proibido aos sacerdotes o canto de júbilo do Gloria, censurando a autorização para os mesmos de o cantarem na Páscoa e não no Natal. Micrologus, porem, que viveu no mesmo século, poudc ver mitigar-se pouco a pouco a praxe primitiva e intro­ duzir-se o Glória, como hoje o temos, mesmo nas Missas de uni simples sacerdote. Conteúdo

e

divisão.

No grego o hino do Glória foi constituído numa su­ cessão intencionada de sílabas e acentos, e mesmo as ri­ mas sc usaram. Mas a arte não tolhia nunca a liberdade da inspiração. A escolha das palavras, simples e expressivas, deixou-nos a impressão de um surto espontâneo de pie­ dade íntima, na qual a arte quasi não se percebe. A tra­ dução latina guardou, quanto possível, esse ritmo primitivo. O Glória é ura canto de louvor à ss. Trindade. A doxologia ‘‘Gloria” até “voluntatis” constitue a introdução do hino. Dirige-se ao Pai: Laudamus Tc... Deus Paler omnipolens... Dirige-se ao Filho: Domine Fili... Jesu Christe... Vem no fim uma comemoração do Espírito Santo, igual ao Pai e ao Filho: Cum saneio Spiritu in gloria Dei Patris. Amen. Legislação

atual.

O Glória é um canto das Missas festivas. Daí temo-lo cm todas as Missas e festas em honra de Deu6 e dos santos.


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Daí sc entende também, e facilmente, a ausência do Glória nas Missas de penitência e dc defuntos. 0 sacerdote pode guiar-se, na recitação do Glória, pela seguinte regra prática: recita-se o Glória na Missa sempre que nas M atinas se recitou o To D e u m. Essa regra só pode sofrer três exceções, e isto em dias em que o ofício não tenha conexão cora a s. Missa. E* o caso que se dá: 1.° Na quinta-feira santa. 2.° No sábado de Aleluia. 3.° Mais raramenle, quando no segundo dia das rogações não lia festa de um santo. Recitar-se-á então o ofício pascal, com Te Deuni, e a Missa das rogações, sem Glória. A explicação dessa regra temo-la no paralelismo e na grande afinidade de sentimentos do Glória e do Te Deum. Ambos conteem: a) O mesmo lema: o louvor à ss. Trindade em união com os anjos. b) Aclamações a Deus. c) Preces iguais, depois de iguais versos de louvor: miserere nobis... suscipe deprecalionem nostram... Tc ergo quaesumus... e todos os versos seguintes. d) Versos originariamente homogêneos, c que hoje encpnlramos somente no fim do Te Deum. Blume observa cm “Stimmcn aus Maria Laach” (1907, II, 52-55) que do­ cumentos anligos dão, após o Glória, versos da mesma for­ ma e do mesmo conteúdo que os versos da última metade do Te Deum. Pode ser que no princípio fossem adições in­ tencionadas ao Te Deum. E’ interessante que se achem ain­ da versos, nas preces dos ofícios, que se encontram tanto dentro como depois do Te Deum. Colocação

do

Glória.

Em vários ritos orientais a ladainha do início da s. Missa termina com um canto de louvor à ss. Trindade. Assim o


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Trisagion ou Sanctus, da Liturgia de s. Tiago, e a antífona após as ladainhas na Liturgia de s. João Crisóstomo. E’ possível que o Glória se tenha introduzido também como um canto de louvor à Trindade santíssima, logo depois do Kyrie que invocou as tres divinas Pessoas. Convem acentuar como foi feliz a colocação do hino an­ gélico logo no início da s. Missa, pois o seu conteúdo ex­ prime ningnificamcntc os quatro fins do s. Sacrifício. Logo de início, o Gloria in excelsis Deo abre um canto de louvor e adoração a Deus. 0 gralias agimus Tibi lembra o sacrifício eucaristico, ou de ação de graças. O Cordeiro de Deus que tirais os pecados do mundo, tende piedade de nós, refere o caráter expiatório da s. Missa, enquanto o suscipe deprccationem nostram lembra o Sacrifício impelratório. Tropos. Os tropos que já encontrámos no kyrie, reaparecem no Glória. A intenção de quem introduziu os tropos do Glória não foi, como no Kyrie, a de encher com textos os ncumas compridos das melodias, mas foi sobretudo a piedade cristã que procurou manifestar nos tropos a sua alegria em fes­ tejar os mistérios ou o santo do dia. Antes do Missal de Pio V esteve muito cm voga o uso dos tropos do Glória. Em apêndice damos, entre outros, dois exemplos de tropos: um do dia da Páscoa e outro das Missas votivas de Nossa Senhora. Inclinações

de

cabeça.

O celebrante inclina a cabeça nada menos do que seis vezes, recitando o Glória. Não é a primeira vez que o corpo colabora com a al­ ma, durante a s. Missa. E’ só lembrar das genuflexões o inclinações de cabêça no princípio do s. Sacrifício, do Glo­ ria Patri, no Confiteor, e a inclinação leve nos versículos depois da confissão.


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Mas cliaina especialmente a atenção a multiplicidade de inclinações durante o Glória. Outras vezes ainda, duran­ te o Sacrifício, veremos esse concurso do corpo na adora­ ção e louvor que o sacerdote presta a Deus. E nem se pen­ se que isto são meras formalidades. Trata-se de gestos que são a expressão natural e profunda dos sentimentos íntimos do homem. Convem assentar, a este respeito, alguns prin­ cípios: l.° Por direito natural é o homem obrigado a pres­ tar a Deus um culto externo. 0 homem todo foi creado por Deus*. Dele não de­ pende unicamente quanto à sua alma, mas depende também quanto ao seu corpo. Assim é que não só a alma, mas tam­ bém o corpo é obrigado a testemunhar a Deus a sua reve­ rência e dependência. E’ digno de nota como o culto exterior bem praticado despeita e intensifica a piedade interior, e como o culto so­ cial e coletivo concorre para a piedade individual. Isto alem de concorrer para despertar o entusiasmo religioso das multidões. Por isso se recomendam os atos de culto externa e social: cantar e rezar em voz alta, em conjunto, ficar de pé, assentar-se ou ajoelhar-se em conjunto, etc. Já se disse que a Liturgia conhece o culto de adoração ou latria, e o de veneração ou dulia. Partindo daí c que cia prescreve uma in­ clinação profunda a Deus, e uma leve inclinação de cabeça aos santos. Tratando-se de autoridades hierárquicas, a inclinação a elas tem apenas ura sentido reverenciai.

Assim é que no Glória, logo no começo se inclina ao pronunciar o nome de Deus, a quem se dirige lodo louvor. Inclina-se ainda a cabeça, em sinal de profunda adoração ao nome de Jesus Cristo. E esse gesto de adoração se repete cm adoramus Te, gralias agimus Tibi e suscipe deprecationem nostram. ORAÇÕES E COMEMORAÇÕES Para a melhor compreensão da origem e natureza da primeira oração da s. Missa, denominada coleta, temos de reconstruir aqui a solenidade da “statio”.


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S t a ti o. Encimando as Missas do Advento, da Quaresma, das têmporas da Páscoa e Pentecostes com suas oitavas, e mais algumas outras festividades — somando todas 89 Missas — acham-se indicações: statio ad... e segue o nome de um santo titular de uma das mais antigas igrejas da Cidade eterna. Embora restem ainda pormenores obscuros, as solenidades das estações se podem recompor sobre bases rigorosamente históricas, ao menos em suas linhas gerais. E’ difícil imaginar uma religião que não tenha, para o exercício de seu culto, um lugar próprio, um templo ou igreja. Isto, em nossos dias. Não assim primitivamente. O romano dos primeiros séculos cristãos tinha mesmo idéia oposta a isso. Para o politeismo do romano pagão não importavam os templos. Os sacerdotes e sacerdotizas tinham suas horas certas de prestarem o " culto aos deuses. Os templos eram lugares rclativamente pequenos, eram como docéis que co­ briam os ídolos. Esse politeismo não só era a religião do Estado, mas impregnava toda a vida cívica e social, de modo que amea­ çar de morte os deuses, era ameaçar a própria estabilidade do império e da civilização romana. Daí se explica a violência das perseguições contra os cristãos. A jovem comunidade cristã de Roma, sob a chefia do Papa e do clero, se quisesse fazer o seu culto, necessitava dc um edifício para as suas reuniões, e precisava das trevas da noite para proteção. Na hora mesma em que as senti­ nelas romanas ocupavam a sua “statio”, isto é, o seu pôsto de guarda, iam também os cristãos ocupar os seus postos. Statio não designava, pois, unicamente, o lugar em que os soldados romanos montavam guarda ao cair da noite, mas designava também as pessoas que exerciam essa função.


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A palavra vciu, pois, a propósito, para designar as reuniões cristãs primitivas presididas pelos sacerdotes. Onde se faziam essas reuniões ? Em casas amplas dos mais abastados entre os cristãos. Está claro que no princípio as casas patrícias disponíveis eram poucas, mas pouco a pouco seu número foi crescendo, c com o decurso dos primeiros séculos não raros proprie­ tários fizeram doação de suas casas à comunidade cristã. Quando se poude dispor de vários edifícios, tornou-se mais fácil reunir a multidão dos cristãos, espalhados pêla grande cidade. Mas, ao menos inicialmente, a comunidade cristã, sempre que se reunia, reunia-se toda em peso para partici­ par da única Missa celebrada pelo Papa. Mesmo quando cresceu consideravelmente o número dc fieis, parece que não se cogitou ainda de dividir a multidão c oferecer o s. Sacrifício era lugares diferentes mas prefe­ riu-se construir edifícios maiores, que se prestassem melhor às assembléias numerosas. E? assim que o característico de uma Missa estacionai foi o de ser ela a Missa do Papa, rodeado do clero da cidade e toda a crislandade romana. E* certo, entretanto, que alera desta igreja estacionai havia outra que tinha papel importante nessas solenidades. Era a igreja em que os fiéis, o clero e o pontífice se reuniam mais tarde, para daí se dirigirem processionalmente — após uma devida preparação — rumo à igreja estacionai. Os especialistas suscitam algumas hipóteses que pre­ tendem explicar a razão destas solenidades das Missas es­ tacionais. Segundo uma dessas hipóteses as festas estacionais teriarn sido uma imitação das poepas com que se rodeava o César Romano, a quem se tributava um culto divino e pagão. No tempo da Igreja criança o seu Chefe visível po­ dia conviver familiarmente com seus súditos. E como os cristãos se sentissem isolados no meio do culto pagão da ci­ dade, era natural que fossem procurar no calor das assem­ bléias cristas o sentido social de sua fé.


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O primeiro ponto de reunião era a igreja coleta. Ali c que se preparava o cortejo, depois de algumas ora­ ções adequadas, e não raro depois da celebração do ofício e da vigília. A palavra colecta é um substantivo latino pos-elássico, que substituiu o clássico c o 11 e c t i o. Am­ bos significam reunião, ou lugar de reunião. Terminado o ofício religioso cora uma oração, orga­ nizava-se o cortejo, em torno do Papa e do clero. A procissão para a igreja estacionai era uma mani­ festação de respeito á autoridade divina, incamada pelos superiores hierárquicos. £ era, ainda mais, a demonstra­ ção da unidade dos fiéis entre sí e com a autoridade reli­ giosa. 0 que sobremaneira impressionava nessas procissões primitivas era a fraternização dos cristãos, membros todos de um mesmo Corpo, da mesma Igreja. Nesses cortêjos hombreavam patrões e empregados, matronas e servas, pa­ trícios e escravos, mestres e alunos. Era uma lição intuitiva o gratuita que se dava ao orgulho pagão. Como sc enlreajudam os membros de um mesmo corpo, assim os cristãos, membros do Corpo Místico de Cristo. No conceito pagão o pobre era um cão, a que se atirava um pedaço de carne; o infeliz, um peso para o coletividade; o enfermo entrevado devia desaparecer; o escravo era uma peça da máquina social. Todos estes conceitos amesquinhadores do homem o cristianismo nascente os combate, fratemizando na Caridade cristã todos os batizados. A igreja estacionai era, pois, a igreja em que o Papa c o clero, cercado de todo o povo cristão, se reunia em dias determinados para celebrar a s. Missa solene, em louvor de um mártir ao qual essa igreja era dedicada. Não raras vezes o texto da s. Missa foi inspirar-se na so­ lenidade estacionai. Desde o século í> o Papa não parteipou mais em pessoa dessas soienidades, a não ser excepcionalmente. Outros fatos


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concorreram para dar a procissão estacionai outro caráter que nao o dos tempos primitivos. Como grandes calami­ dades ameaçassem a cidade, transformou-se o cortejo numa procissão de penitência, na qual se cantavam ladainhas para aplacar n Jüstiça de Deus. Quando no século 14 os Papas passaram de Roma para Avinhão, caiu em completo desuso a solenidade estacionai. De volta para Roma quiseram os Pontífices restaurar a comovedora tradição das estações. Foram concedidas in­ dulgências aos que delas participassem. Com esse esforço se conseguiu restaurar a Missa das igrejas estacionais, num ambiente de entusiasmo e fervor. Mas o- sentido popular das procissões estacionais não revivesceu. Os seminaristas fazem todo ano ainda as procissões das estações. Mas no meio do povo a tradição se obliterou. Em resumo: Três fatos são historicamente demonstráveis: l.° A reunião na igreja collecta, com a oração final. 2.° A procissão para igreja estacionai. 3.° A Missa estacionai, isto é, a Missa celebrada pelo Bispo de Roma, cercado do seü clero e de todo o povo ro­ mano, em honra de um mártir ou de um mistério. Se se pergunta a razão da assembléia na igreja collecta, aparecem hipóteses aceitáveis. A reunião na collecta faci­ litava a formação do cortejo; era, além disso, uma opor­ tunidade que se oferecia ao povo para se preparar, com o ofício e com as vigílias, para a Missa estacionai. Se se pergunta qual a intenção do cortejo estacionai, responde-se que eram: a) Uma manifestação de respeito e de união dos fiéis à autoridade eclesiástica. b) Uma demonstração da fraternidade cristã. SAUDAÇÃO AO POVO Antes de se apresentar à multidão presente como intér­ prete de sua súplica, o celebrante entra em contacto com ela, pela primeira vez, dirigindo-lhe a saudação: Pax vobis


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— A paz esteja convosco ! A que o povo responde: Et cum spiritu tuo. Esse era e ainda é o texto das Liturgias orientais, como foi também no Ocidente ate o século 6. Quanto a essa fórmula de saudação, convem notar o se­ guinte: a) Era uma saudação familiar aos judeus. Para quem quer convenccr-se disto basta dar-se ao trabalho de consultar uma concordância bíblica. b) N. Senhor empregou-a repetidas vezes, como quan­ do no dia da Ressurreição, dirigindo-se aos Apóstolos. c) N. Senhor recomendou-a aos Apóstolos: “quando entrardes numa casa, dizei: a paz esteja nesta casa”. d) Os Apóstolos empregaram-nas habitualmente, co­ mo se demonstra de suas epístolas. Conforme ensina o Gelasiano, introduziu-se posterior­ mente, nas Missas do Ocidente, outra saudação: Dominas vobiscum, que depois do século 6 se generalizou. Daí, como reminiscência primitiva: 1.° Só os Bispos diziam Pax vobis. 2.° Só diziam neste momento da Missa. 3.° Unicamente nas Missas em que se recitava o Glória. Isto se explica se ainda estamos lembrados de que na­ queles tempos somente aos Bispos era dado incluir o Glória na s. Missa. Ora, o sentido do Pax vobis prende*se estrei­ tamente com o do primeiro e principal verso do “hymnus angelicus” que canta: paz na terra aos homens de boa vontade”. Reservando-se o Glória aos Bispos, era natural que também se lhes reservasse o Pax vobis. E embora mais tarde o Glória tenha sido permitido aos simples sacerdotes, estes continuaram, todavia, a dirigir ao povo a saudação Dominas vobiscum. O BEIJO DO ALTAR Antes que o celebrante se volte para o povo afim de sau­ dá-lo, beija novamente o altar. No primeiro O r d o Ro­ mano beijava-se o altar apenas duas vezes. O Missal de Pio V prescreve-o, todavia, dez vezes.


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Ao estudarmos inicialmenle a oração Oranius te, Domine • • tivemos ensejo de ver qual o sentido primitivo do beijo do altar. E’ a saudação do sacerdote a J. Cristo. E prccisamenlc porque é uma saudação que o sacerdote dirige a Jesus Cristo é que ele a repete todas as vezes que se volta para o povo, afastando-se do altar. E* aliá9 o pensamento do Cerimonial que prescreve: Postremo advertendum est, dum celebraus slat ante altare, et se ad populum vertit, ut prius osculetur altare in medio... et regulariter, quotics a sede vel faldistorio ad altare accedit9 illud in me* dio osculatur. “Finalmente deve-se observar que, quando o celebrante está diante do altar e se volta para o povo, tem de primeiramente beijar o altar no meio... e beija-o geralmcnte no meio, toda vez que ele vem do seu trono ou faldistório”. Vc-se claramente o nexo que existe, pois, entre o beijo do altar e o fato de o sacerdote se aproximar ou se afastar do altar. Embora haja outras interpretações do beijo que se dá ao altar, parece-nos que o sentido acima indicado l.° é o mais antigo; 2.° aplica-se a todos os casos em que o sacerdote re­ pele o seu gesto; 3.° funda-se na própria legislação lilúrgica. A COLETA E’ fácil compreender aqui a localização da oração de­ nominada coleta. Se collecta é o mesmo que collectio, e significava reunião, coleção — entende-se logo a coleta da Missa, depois das ladainhas, como um resumo das súplicas do povo iniciadas com o Orçmus. Conclusão e resumo das súplicas populares — tal é, pois, o sentjdo da coleta, quer vejanios a sua origem na preparação da igreja collecta, quer o procuremos na oração ad Missam da igreja estacionai. Conteúdo Primitivamente havia grande liberdade na composição dos textos da s. Missa.


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Até o início do século 5 era o próprio celebrante quem compunha as oraçõe9, conforme a sua devoção e necessi­ dades. Está claro que isso conduzia a abusos e não raro a here­ sias. Pelo que o Concilio de Cartago de 397, e o de Mileve, em 416, proibiram no altar orações que não fossem reconhe­ cidas pela Igreja. Zacarias nos relata que no tempo de Carlos Magno o abuso des9a liberdade foi tno grande que todos 09 Missais estavam cheios dessas orações arbitrárias. Foi quando Carlos ordenou um exame minucioso de todo9 eles, e abo­ liu todas as orações não adotadas pela Igreja. O número das orações da s. Missa íixou-se muito cedo. O Leonianutn já prescrevia ou autorizava unicamente quatro orações dentro de uma Missa, e que eram então as mesmas que ainda hoje temos: coleta, secreta, post-comunhão e mais uma oração super populum. As orações, como oração eucarística, foram sempre, intencionalmente, dirigidas ao Pai, pelo Filho, no Espírito Santo. O cânon 23 do 3.° Concilio de Cartago proibiu que alguein colocasse o Pai no lugar do Filho, ou o Filho no lugar do Pai, e prescreveu que, no serviço do altar, a ora­ ção se dirigisse sempre ao Pai. O que sc explica: Ou para não suscitar dificuldades aos catecúmenos presentes às coletas, e dos quais não era ainda bastante conhecido o mistério da ss. Trindade; ou ainda — sobretudo quanto às demais orações da Missa dos fiéis — por ser o Filho o iutercessor por excelência junto do Pai: “Em verdade, em verdade eu vos digo, se pedirdes alguma coisa a meu Pai em meu nome, ele vo-lo dará” \ (Jo. 16, 23). Posteriormente essa regra perdeu algo de sua rigidez, como já se vê claramente nas orações das Missas do Adven­ to, contidas no Gelasiano e Gregoriano. Construção. Na composição de suas orações a Igreja quis dar-no9, com a mais segura doutrina, a súplica que fosse também


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mais bem ouvida diante do Pai. Assim é que a Igreja res­ ponde ao desejo de seu9 filhos que lhe pedem: 44ensina-nos a orar”. O estudo dessas orações da Igreja merece, pois, toda nossa atenção. Quando se leem atentamente algumas orações, vê*sc que um plano presidiu à sua construção. Tentemos traçar as linhas me9lras desse plano: ].° Um breve louvor a Deus: Deus; Domine Deus omnipotens; Domine Deus noster; omnipolens ceterne Deus, etc. Esse louvor vem geralmente encabeçando a oração. 2.° Não raras vezes segue a esse louvor a menção dc um atribulo ou de uma obra de Deus, que naquele dia se comemora especialmente: Cujus providentia in sua disposi• tione non fallitur — cuja providência não se engana nos seus planos; cujus Unigenitus in substanlia nostree carnis apparuit — cujo Filho unigênito apareceu na substância de nossa carne; qui Ecclesiam tuam annua quadragesimali observatione purificas — que todo ano purificas a vossa Igreja pela observação dos jejuns quaresmais. Tudo isso se pode analisar como frases intercaladas e apositivas de Deus. 3.° A súplica, propriamente, cujo objeto se exprime de maneiras várias: ou com termos insistentes: concede, queesumus, ut... Iribue, queesumus ut... etc.; ou simplesmente num imperativo ou conjuntivo: da nobis imitari quod colimus — dai-nos a graça de imitarmos o que honramos; adsit nobis virtus Spiritus Sancti — habite em nós a virtude do Espirito Santo. 4.° Ao objeto da súplica junta-se, não raro, uma frase subordinada para explanar a intenção do pedido: da nobis perseveranícm famulatum, ut in diebus nostris, et mérito et numero, populus tibi serviens augeatur — dai-nos perseverar no vosso serviço, para que em nossos dias, o vosso povo fiel aumente em mérito e em número. 5.° Como na alínea n.° 2.° encontra-se às vezes, unida a nos, uma frase subordinada apositiva: qui juste pro pec-


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catis noslris afjligimur — que justamente 9omos afligidos pclo9 nossos pecados: quos sub peccati jugo vetusta servitus íenet — nós, a quem a antiga escravidão guarda sob o jugo do pecado; qui per abstinentiam macerantur in corpore — que mortificam o corpo pela abstinência. 6.° Mencionemos ainda, como derradeiro elemento da oração o meio de quo a Igreja se serve para alcançar-nos as graças de Deus: in nomine dilecti Filii Lui — em nome de vosso Filho querido; inlercedente beato N,,, — pela intercc9são de vosso santo N* A oração da igreja lem um sentido católico ou universal, Tudo quanto a Igreja pede em sua9 súplicas tem um sentido de catolicidade, e isto duplamente: a) Quanto ao objeto da súplica, na qual a Igreja pede todos sempre graças de ordem geral, indispensáveis em ordem à santificação. b) Quanto ao estilo de sua oração, em que nao ha pre­ ferências de pessoas nem de classes. Ela é a Mãe cautelosa que não manifesta suas preferências. E se se pode falar de preferências, no caso, são as preferências que Ela manifesta, por vezes, com seus filhos doentes, parecendo esquecer os outros para cuidar mais destes, a exemplo do que faz o seu divino Espôso. Se rezamos com a Igreja e nos utilizamos de suas sú> plicas, vamos adquirindo devagar esse espírito universal e católico. Aprendemos a orar como Ela ora, pondo de lado súplicas egocêntricas e sentimentais, as afeições pe­ queninas e os cuidados estreitos. A Esposa de Cristo ouviu a lição do Espôso: “quando orardes dizei assim: Pai nosso que estais no céu”... Até na construção de sua prece pública e solene, parece que a Igreja se guiou por esse modelo divino de prece do Padre Nosso. A Igreja seguiu também carinhosamente aquele outro conselho do Senhor: “quando orardes, não digais muitas palavras”... Por isso é que a sua prece é curta, conden­ sada, singela e clara.


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Desde Cícero, os prosadores latinos, à imitação do9 gre­ gos, manifestaram preferência pela sucessão harmoniosa de sílabas longas e curtas, o que era de rigor sobretudo no final das frases ou dos membros de frases. Isto tornou-30 uraa exigência da boa prosa, o que influiu nos escritos dos Padres e nos formulários das orações litúrgicas. Visto que estas eram destinadas a ser cantadas ou recitadas publica­ mente, o ritmo era para as mesmas mais uma necessidade do que um ornamento. Daí nasceram as séries de sons longos c curtos denomi­ nados “cursus”. Os modelos clássicos aplicados em nossas oraçoe litúrgicas são os quatro seguintes: l.° Cursus planus, com acentos na segunda e quinta sílabas, a contar de traz para diante: nóstris infúnde. 2.° Cursus tardus, na terceira e sexta sílabas: incarnaliónem cognóvimus. . 3.° Cursus velox, na segunda e sétima sílabas: gloriam perducámur. 4.° Cursus dispondaicus, na segunda e sexta sílabas: quos uno párt£ satiásti. Ura modêlo esplêndido no qual temos todos esses cursos consecutivos é a bela oração que o sacerdote recita na s. Missa, quando mistura as gotas de água no vinho que vai consagrar: Deus qui humanes subslanlics..., outrora coleta da festa de Natal. A

conclusão

da oração se faz de duas maneiras: l.° Per Dominum nostrum Jesum Chrisíum, “por N. S. Jesus Cristo’', quando a oração se dirige ao Pai, o que ge­ ralmente sucede. A nossa oração e o êxito da mesma, de­ positamos tudo nas mãos de Cristo, semper vivens ad interpellandum pro nobis, “sempre vivo para interpelar por nós”, e que nos aconselhou que rezássemos assim: “Se pedirdes alguma coisa a meu Pai EM MEU NOME, Êle vo-la dará” (Jo. 16,23). E essa alta Mediação de Cristo é ainda tanto


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mais significativa no ritual da s. Missa, visto que é justa­ mente o Filho quem alí se oferece em sacrifício ao Pai: 2.° Qui tecnm vivit et rcgnat... “que convosco vive e reina” • • • Quando a oração se dirige ao Filho — o que é raro — dá-se então a conclusão: qui vivis et regnas cum... “que vives e reinas com Deus Pai, na unidade do Espírito Santo, Deus por todos os séculos dos scculos”. As coletas todas terminam, pois, com uma doxologia ou louvor à ss. Trindade, pois são orações que se destinam a glorificar a Deus uno e trino. A men. E* essa a resposta do povo. E* uma palavra hebraica, com o sentido de uma afirmação convicta. Encontramo-la muitas vezes na s. Escritura. Também o Salvador empregcu-a muitas vezes (26 vezes em s. Mateus), e os Apóstolos aprenderam-na do Mestre. (Cf. Rom. 1,25; II Cor. 1,20; Apoc. 22,21). A Liturgia, que desde a sua infância se inspirou nos livros sagrados, aceitou com prazer a palavra, e cmprega-a cm tríplice sentido: 1.° Como uma expressão convicta de fé. Encontra­ mo-la assim nos momentos mais sagrados do culto. Em Tsaias o anien personifica o Deus da Verdade, cm expres­ sões quasi inlraduzíveis:”... qui jurat in terra, jurabit in Deo A MEN”. (Is. 65, 16). S. Justino e outros Padres viram no amen dos fiéis após a oração eucarística, uma afirmação de fé no efeito das palavras sacramentais. No mesmo sentido se explica a praxe primitiva da distribuição da s. comunhão. Ao saccrdoto que apresentava o Corpo do Senhor e dizia: Corpus Domini, o fiel respondia: Amen! 2.° O amen da Liturgia tem ainda um sentido de apro­ vação, de consentimento ou de aplauso. E* esta a signifi­ cação que toma essa palavra depois dos salmos c hinos de louvor.


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3.° Finalmenle o amcn é uma fórmula breve de súplica. E neste sentido se compreende o mesmo após as súplicas da Igreja: assim seja ! assim suceda ! A coleta da Missa é lambem a oração do o f íc io . 0 conteúdo da secreta e post-comunhão refere-se sempre aos dons sacrificais e prende-se à consagração ou à comunhão, respectivamente. Na coleta, porem, acentua-se o caráter do dia, o pensamento do ofício ou da festividade. Isto se explica historicamente. Vimos que a coleta era a oração que encerrava e resumia as preces da igreja coleta e da procissão estacionai, servindo de transição do ofício estacionai para o sacrifício da s. Missa. Ao pronunciar o nome do santo do dia o sacerdote inclina levemente a cabeça. E7 um culto de veneração, actus dulice. Se a imagem do santo estiver no altar, faz-se para ela a inclinação. Caso contrário, para o Missal. O mesmo se faz dentro da Missa, quando se pronuncia o doce nome de Maria. A coleta e a maioria das orações da s. Missa, o sacerdote as recita de ma o s extendidas. E’ natural o exprimir assim as súplicas que sobem do coração, como o demonstram estes versos de Virgílio: At pater Anclrises oculos ad sidera Icetus exlulit e ccelo palmas cum voce telendii: Júpiter omnipolens / ... Foi de braços extendidos que orou Moisés no monte Horebe, e graças a sua atitude Israel alcançou a vitória sobre Amaleque. Assim também o compreendeu s. Paulo: “Quero que os homens orem em todo lugar levantando as mãos puras, sem ira nem contendas’’ (I Tim. 2,8). Verdade ou não a palavra de Tertuliano, segundo a qual “é um mandamento dos Apóstolos o rezar de mãos estendidas” — o fato é que rezando assim nos pomos diante do Pai Eterno na atitude de seu Filho Crucificado, que se sacrificou por intenções tão universais quanto a história do mundo inteiro.


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Quanto à técnica deste gesto, basta ler a minuciosa rubrica do Missal de Pio V: Extendit manus ante pectus, ita ut palma unius manas respiciat alteram, et digltis simul june tis t quorum summitas humerorum altiludinem distantiamque non exccdat, quod in omni ex~ tensione manuum ante pectus servatur. Rit. ccl. 5,1.

COMEMORAÇÕES. Quando as muitas regiões que adotaram o rito romano começaram venerar os seus próprios santos, cresceu enor­ memente o calendário romano, produzindo-se com isso a coincidência de diversas festas num mesmo dia. Para resolver-se o caso introduziu-se, sem mais, o cos­ tume de celebrar no mesmo dia duas ou mais Missas. Cos­ tume esse de que ficou reminiscência nas Missas conventuais diferentes que se celebram nas igrejas catedrais e colegiadas, nos ofícios de rito duplo. Quando o sacerdote tinha devoção pessoal dois ou mais santos, celebrava então era honra deles, no mesmo dia, duas ou mais Missas. Se os fiéis tinham suas devoções par­ ticulares tambeni, multiplicavam-se as Missas, conforme os desejos dos fieis. De sorte que se chegou a celebrar, no mesino dia, tres quatro e até nove Missas. O abuso era evidente, e com isso se comprometia o respeito devido à ss. Euca­ ristia. Assim foi desde o século 7 ao século 11. Na Inglaterra os sínodos proibiram, já no século 10 a celebração múltipla. Na França e na Alemanha, um século mais tarde. Final­ mente o Papa Alexandre II (1061 -1073) prescreveu a toda a Igreja ocidental: sufficit sacerdoti unam Missam in die una celebrare. Com isto não se resolveu de todo a questão. Para não desobedecer à prescrição papal nem esquecer os santos do dia, introduzírain-se dois outros costumes: l.° A Missa bifaciala (trifaciata, etc.). Consistia esta em intercalar ura segundo ou terceiro formulário de Missa dentro da Missa do dia. Esta intercalação se fazia depois do salmo do ofertório e depois de terminada a Missa do


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dia. Tambcm este sistema se desnaturou, e serviu a intentos de pessoas gananciosas. O professor parisiense Joannes Beleth (entre 1150 e 1200) c seu contemporâneo Petrus Cantor insurgiram-se energicamente contra os abusos da Missa bijaciata. o o A Missa sicca, ou Missa sêca. Consistia em intro­ duzir todo o formulário da Missa do santo comemorado, ou parte dele, mas unicamente no fim da Missa do dia. Petrus Cantor justifica esse uso, contanto que o sacer­ dote o faça depois de ter despido a casula, e sem a presença do povo. No fim do século 15 o cerimonário papal João Burchard ainda menciona essa prática de comemoração no seu “Ordo Missce”. E o que é interessante é que esse Bur­ chard, cujas rubricas foram em grande parte transcritas no Missal de Pio V, já conhecia também as comemorações como nós as temos hoje. O Missal de Pio V só admite a inlercalação de come­ morações nos três momentos conhecidos da s. Missa: coleta, secreta e post-coraunhão. Intercala-se também, no fim o evangelho de ura domingo, de uma vigília ou de uma festa comemorada que tenha evangelho próprio, com referência ao santo festejado. émm

LIÇÕES E EPÍSTOLA Quem participa do sacrifício diário da s. Missa dedi­ ca-se, geralmente, ao menos por certo tempo, á leitura e medi­ tação da Escritura Sagrada. Pois desde os tempos mais remotos, o culto cristão foi buscar alí suas leituras de pre­ dileção. • Os primeiros cristãos cresceram nas famílias judaicas, onde os Livros sagrados eram tidos em grande veneração e estima. Nas sinagogas liam-se, religiosamente, os textos sagrados e cantavam-se salmos. S. Lucas relata: “veiu Jesus a Nazaré, onde tinha sido criado, e entrando na sina­ goga, segundo o seu costume, em um dia de sábado, levan­ tou-se para ler. Apresentaram-lhe o livro do profeta Isaias”. (Luc. 4,16-17).


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Os Atos dos Apóstolos mencionam também a mesma praxe, onde se diz que s. Paulo e seus companheiros ‘‘pas­ sando por Pcrge, vieram a Antioquia da Pisídia, c havendo entrado na sinagoga no dia de sábado, tomaram assento. Depois da lição da Lei e dos Profetas, mandaram-lhe dizer os da sinagoga: Varões irmãos, sc tendes que fazer alguma exortação ao povo, dizei-a”. (Act. 13, 14-15). Em diversos lugares de suas epístolas s. Paulo deixa entrever que a leitura de suas cartas era comum na igreja à qual ele as endereçava, assim como em outras. (Cf. Tcs. 5,27; Col. 4,16; I Tim. 4,13). Nessa grande família judaica nasceu a Igreja, que se adatou aos costumes de casa. A conservação desses hábitos foi certamente inspirada pelo Espírito Santo, pois com isso se demonstrava clara­ mente que o Novo Testamento era o complemento do An­ tigo, c que na Tgreja a realidade substituira a figura. Já tivemos ocasião de mencionar os testemunhos anti­ gos cm que se relata o uso das leituras sagradas alternadas, na Missa, com salmos e cânticos. Número Nos principais documentos do Oriente, que sao as Cons­ tituições Apostólicas, mencionam-se três leituras em cada Missa, a saber, profecia (uma perícopa dos livros do Antigo Testamento); a epístola (cartas apostóli­ cas) c o evangelho. Diversas Liturgias orientais teem ainda várias lições antes do evangelho, como a Liturgia Síria, a dos Coptas e Abissínios. S. João Crisóstomo confirma e uso destas três leituras na sua 29.3 homilia sôbrc os Atos dos Apóstolos. O rito Mozarábico as possue ainda hoje, e o Ambrosiano nos dias festivos. Desde o século 6 o Rito Romano possue, cm regra, duas leituras: a da epístola eado evangelho. Ha vestígios de leituras mais numerosas em alguns dias em que


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se dizem ti cs, cinco e até sete lições. Isto na ante-Missa dos dius de caráter penitencial. Então a Liturgia nos apresenta modelos da Antiga Aliança, com o intento de nos recordar o estado de pecado antC6 da Redenção, e assim auxiliar e intensificar os nossos sentimentos de penitência. Alem disso lemos vestígios dessas três leituras na composição dos cân­ ticos intermediários do gradual — aleluia e verso; do gradual — tracto; ou de dois versos diferentes seguidos de aleluia. Duração Sabemos da Apologia dc s. Juslino que as leituras du­ ravam quanto permitisse o tempo. O celebrante dava um sinal de terminar o concorda-se que esse sinal era Deo gra­ fias, o que mais tarde se tomou uma resposta, ou a expres­ são popular de gratidão aos manuscritos de Deus. Escolha

das perícopas

Era tendência geral tanto no Oriente como no Ocidente, o percorrer durante o ano toda a sagrada Escritura nas reu­ niões cristãs, à imitação das sinagogas. Em 397 o Concilio de Cartago compôs uma lista dc li­ vros sagrados para serem recitados nas igrejas. Se se pergunta qual foi o critério que dirigiu a escolha das lições dcnlro da s. Missa, não se pode dar uma resposta precisa. Nem isto é de causar admiração, dada a Iiberdade que primitivamente havia na escolha de textos litúrgicos, e vistas ainda as diferenças circunstanciais de tempo, lugar, etc. Todavia algumas diretrizes talvez se possam estabele­ cer. Assim c que entre os critérios naturais de escolha das lições se podem assinalar: l.° O caráter das festas. Digamos de início que não se levou em conta a sucessão cronoló­ gica dos fatos da vida de Nosso Senhor. Nem caberíam


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no pequeno espaço anual do ciclo lilúrgico, todos os fatos da vida e morte, ressurreição, ascensão de Jesus Cristo c descida do Espírito Santo. Revolvendo-se a história da formação lilúrgica, chega* -se à conclusão de que o pensamento dominante da Igreja não foi a comemoração, em ordem cronológica, dos fatos da Redenção, mas foi, sobretudo, a preocupação constante de aprofundar e fazer frutificar nas almas a grande obra da Redenção. A primeira festa foi a Páscoa, comemoração jubilosa da Redenção. Depois, Pentecostes, na qual a Redenção so consuma e chega à sua plena vitalidade. Em redor disso se desenvolveu longo tempo de preparação: a Quaresma, c o conjunto de domingos que decorrem entre Páscoa e Pen­ tecostes. No fim do ano colocaram-se os Evangelhos que prometiam o triunfo final do Salvador, o que se adequava muito psicologicamente aos sentimentos de esperança dos primeiros cristãos. Desta esperança na grande Revelação do Cristo, a Igreja passou à celebração de sua primeira vinda, à sua manifestação aos pagãos, à primeira demons­ tração do seu poder divino nas bodas de Caná e à iniludível revelação de sua divindade no Jordão. Somente no século 4 o Ocidente aceitou do Oriente n festa de Natal no dia 25 de dezembro, como lembrança do Nascimento de Cristo; enquanto, já um século antes, o Oci­ dente, è imitação do Oriente, celebrava a memória de sua Manifestação aos gentios com a festa da Epifania, no dia 6 de janeiro. O ciclo do Natal se completa na apresentação de N. Senhor no leinplo, quando o Senhor toma posse de sua Ca­ sa: “o Dominador virá ao seu templo”. (Ep. em 2 de feve­ reiro). Assim, visto historicamente, o ciclo do Natal não 6 o princípio, inas o termo final do ano eclesiástico. Somente no século 7 os tres domingos da Septuagésima. Sexagésima e Quinquagésima vieram antecipar o período de penitência antes da Páscoa, e assim se interpenetraram


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os dois gi andes ciclos festivos, pois muitas vezes 2 dc feve­ reiro cai após a Septuagésima. Como consequência do que acima se expôs, o primeiro livro da Escritura Sacra no Breviário começa na Septua­ gésima. Então o Evangelho narra a parábola dos trabalha­ dores da vinha, que — embora se relacionasse, provavel­ mente, com o trabalho primaveril — lembra, no cntanlo, a vocação do homem para o reino de Cristo. Nos dias cm que se celebram os grandes mistérios, cscolhcram-sc, da Sagrada Escritura, as lições referentes n tais mistérios. como no Natal, Circuncisão, Páscoa, etc. Mas a sucessão das perícopas não sc relaciona com a ordem cronológica dos atos da Redenção. Alguns exemplos: S. João Batista aparece antes do nascimento de Cristo, por ter sido o precursor da obra da Redenção. O milagre de Caná é comemorado antes da tentação no deserto, porque o primeiro se enquadra otimamente na relação da Divindade de Jesus, enquanto a segunda lem­ bra o exemplo de Cristo às portas da penitência quaresmal. Nos dias em que a Igreja festeja mistérios ou fatos dos santos, que nao sc mencionam litcralmente nos livros sacros Ela escolheu perícopas apropriadas, tanto quanto possível, a esses mistérios e festas. E’ de se observar que os versos íou o único verso) em que a Igreja ve essa referência ao mistério celebrado, são geralmente os últimos da perícopa escolhida. Alguns exemplos: u. Maria Imaculada, dia 8 de dezembro: “Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo, bendita és tu entre as mulhe­ res” — canta a perícopa do evangelho. b, Na festa de s. Fabiàno e s. Sebastião (e em ouLras festas de mártires): “Felizes sereis, quando os homens vos odiarem e vos separarem, vos ultrajarem e proscreverem o vosso nome como um flagelo por causa do Filho do homem. Nesse dia jubilai. em transportes de alegria, porque no céu será abundante a vossa recompensa”. c. S. João Damasecno, 27 de março. Defensor do culto das imagens, seus inimigos amputaram-lhe a mão direita.


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Pela sua oração à 99. Virgem cresccu-lhe novamente a mão. Mas o milagre não comoveu os inimigos. A perícopa do evangelho: 64... disse ao homem: estende a mão., Ele a es­ tendeu, e a mão recobrou o primeiro vigor. Mas (os fa­ riseus) encheiam-se de cego furor e coii9ultavam-se uns ao3 outros sobre o que haviam de fazer de Jesus”. d. Solenidade de s. José: “Jesus tinha então cêrca de trinta anos, e tinham-no por filho de José”. e. S. Atanésio, 2 de maio. Foi intrépido defensor da pureza da Fé, contra os erros do Arianismo: “Não temais os que matam o corpo, mas não podem matar a alma; te­ mei antes aquele que pode lançar corpo e alma ao me9mo tempo no inferno”. /. Festa da invenção da s. Cruz, 3 de maio: “Como Moisés no deserto levantou a serpente, assim importa que seja levantado o Filho do homem, para que todo o que crê nEle não pereça mas tenha a vida eterna”. g. Na festa da aparição de s. Miguel Arcanjo, 8 de maio: “Livrai-vos de desprezar uma só destas criancinhas, porque vos declaro que no céu os seus anjos gozam incessantemente da presença do meu Pai celeste”. h. No dia da vigília dos Apóstolos Pedro e Paulo: “Em verdade, em verdade te digo: quando eras mais moço, cingias-te e ias por onde te dava na vontade; mas quando já fores velho, extenderás as mãos, e outro será o que te cingirá, para levar-te onde não queiras. E isto disse Jesus para significar com que gênero de morte havia Pedro de dar glória a Deus”. i. Na festa do preciosíssimo Sangue, l.° de julho: “... mns um dos soldados abriu-lhe o lado com uma lan­ ça, e logo dali saiu sangue e água. E5 aquele que isto viu, que dá testemunho, e o seu testemunho é verdadeiro”. j. Na festa dos 7 irmãos mártires, 10 de julho: “E extendendo a mão para os seus discípulos, disse: eis minha mãe, e meus irmãos. Todo o que faz a vontade de meu Pai que está no céu, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”.


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Outros exemplos temo-los ainda em s. Pedro “ad vincula”, l.° de agosto; s. Lourenço, 10 de agosto; s. José Calazans, 27 de agosto; s. Miguel Arcanjo, 29 de setembro; ss. Anjos da guarda, 2 de outubro, etc. 2.° Certas particularidades da vida dos santos em cuja igreja se fazia a estação influen­ ciaram tambern, e não raro, os textos da s. Missa e a escolha das perícopas. Alguns exemplos: a. No domingo da Sexagésima, stalio ad s, Paulum, lê-so a conhecida epístola sobre os sofrimentos de s. Paulo nas suas viagens apostólicas. Como a Missa anterior (ad s. Laurentium extra muros) e a posterior (ad s. Petrum) lam­ bem esta estação foi escolhida, já antes do Papa Gregório Magno, por ocasião das ameaças dos Longobardos. E juslamenle nestas três igrejas, fora dos muros da cidade, porque dali ameaçavam as invasões. Talvez o evangelho do semeador existiu já antes dessa época. Conservou-se, todavia, e não sem referência ao santo cia estação que foi o semeador do evangelho e o doctor genlium que a coleta menciona. b. Sábado na terceira semana da Quaresma, stalio ad s. Susannani, mártir (+293). Segundo Grisar, a igreja de 5s. Susana ainda existente, foi outrora residência da mártir. Foi unicamente a identidade de nome que levou a es­ colher a perícopa do livro de Daniel sobre a casta Susana. Acicsce ainda que num tempo de penitência e em dias do renovação espiritual não é demais lembrar a luta que a virtude da castidade exige de um cristão. Assim se entende também a perícopa do evangelho, na qual se demonstra a grande misericórdia do Salvador com aquela que realmente caiu — a adúltera. c. Sexta-feira depois do 2.° domingo da Quaresma, estação ad s. Vitalem. Êsse mártir teria sido enterrado na areia até à cintura, e assim teria sido apedrejado.


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Essa versão ofereceu razão suficiente de escolher na epístola a história de José em Dotain, descido num poço, como lambem o evangelho que narra a lapidação dos servos do pai dc família; e ainda — c isto em sentido espiritual — n glória c o poder da P c d r a, que fora regeitada pelos obreiros. d. Segunda-feira depoÍ9 do 4.° domingo da Quaresma, estação ad ss. Quatuor Coronatos. Conforme as atas dos mártires, foram eles escultores e martirizado9 em Panônia, por se terem recusado a servir na construção de um templo pagão. O templo de Jerusalem c o ponto central da perícopa dessa Missa. e. Quinta-feira depois do 2.° domingo da Quaresma. Na epístola, jeremias pronuncia a sua maldição sobre o mau e o seu louvor sobre o justo. O evangelho relata a parábola do pobre Lázaro e do rico avarento. A estação é ad. s. /liariam trans Tiberim. Era um bairro populoso, um subúrbio judeu perto do Tibre; porque este deságua no mar, tudo alí facilitava um grande comércio. Os escritores* eclesiásticos figuraram, por vezes, o co­ merciante judeu no rico avarento; e os convertidos do pa­ ganismo no pobre Lázaro. S. Gregório Magno desenvolve também este pensamento na sua homília 40 que, desde os tempos mais remotos, já se recitava nesse dia. /. Sexta-feira depois do 4.° domingo da Quaresma. A epístola menciona o fato dc Elias resuscitar um morto. No evangelho narra-se a ressurreição dc Lázaro. A estação é ad. s. Eusebium. Esta igreja se achava entre os restos dc um extenso cemitério na planície do Esquilino. Alem disso a ressurreição de Lázaro decorava a parede da igreja. g. Sexta-feira depois de Cinzas. Na epístola Isaias louva as obras de misericórdia. O evangelho previne con­ tra o respeito humano. A estação é ad ss. Joannem et Paiilum.« Esta igreja era antigamente a residência do nobre Pamáquio, famoso pelo seu amor ao próximo. Em Óstia ele já construira um asilo para os pobres e peregrinos. Os dois mártires que dão seu nome à estação são conhecidos também


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pela sua liberalidade com os pobres. Alem disso, perto da igreja ficava a conhecida hospedaria do quarteirão dos Valérios: um testemunho da caridade cristã dessa família. 3.° Certos costumes romanos, quer de origem cristã, como de origem pagã ou profana, influiram também nos formulários da s. Missa e na seleção das pericopas. De uso e origem estrilamentc cristã é o ritual do batismo no tempo da Páscoa e Pentecostes, como lambem todas as ceiimonins que antecediam o batismo. Temos exemplo disso - na Missa de quarta-feira depois do 4.° domingo da Quares­ ma. estação ad. s. Paulum extra muros. Nessa Missa se dava o escrutínio, ou certo cerimonial de exorcismos para os catccúmenos, que daí se chamavam os “Illuminati”. A Luz da Fé se aproximava deles. O evan­ gelho do cego-nato alude a isso. As duas lições de Esequiel e Isaias lembram a remissão do pecado, como maior efeito do sacramento do batismo. Outros exemplos temo-los nas Missas da oitava de Pás­ coa, que relacionam a ressurreição de Cristo com a nossa ressurreição do sepulcro do pecado. Como exemplo da influência dos costumes pagãos cite­ mos u Missa de quarta-feira depois do terceiro domingo da Quaresma, statio ad s. Xyslum. No evangelho o Mestre re­ pele a acusação dos fariseus contra os discípulos, porque estes não lavavam as mãos para comer. Ao lado dessa igreja corre o riacho Almo, hoje chamado Marana.. Na água desse riacho os sacerdotes lavavam, no dia 27 de mar­ ço, a imagem da deusa Cibele. Essa água era tida como santa, e mesmo nos tempos medievais o povo ainda atribuía a elas uma virtude superior. • O evangelho alude á inanidade dessas loções nas águas desse rio. E nesta semana dos escrutínios, isto tinha para os calecúmenos um sentido particularmente profundo. Na terça-feira do segundo domingo da Quaresma, a Missa se celebra ad s. Balbinam.


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No evangelho o Senhor previne contra os doutores que assentados na cátedra desejam os primeiros lugares nas sina­ gogas: Um só é vosso Mestre, o CRISTO ! Ora, nas proximidades dessa igreja viam-se muitos pe­ destais de mármore e neles gravada a palavra “Magister...”, acompanhada de um nome próprio. Essas inscrições desig­ navam lugares de reunião para clubes literários, que tem­ pos mais tarde ainda existiam nessas vizinhanças. E na igreja, com forma de uma ampla sala romana, talvez se posso surpreender uma antiga academia. Finalmente, convem — resumindo — observar: 1.° Porque circunstâncias pequenas influiram às vezes na escolha das perícopas, ha grande perigo de subjetivi­ dade na explicação das mesmas, e com o esquecimento dessas circunstâncias e particularidades essa explicação torna-se, não raro, impossível. 2.° As perícopas dos domingos de Pentecostes até o advento e ns que seguem a Epifania até Septuagésima, oferecem dificuldades particulares. 3.° Muitas vezes se pode demonstrar a conexão entre a epístola e o evangelho na mesma Missa, mas nem sempre se pode precisar o motivo histórico que colocou ambos na mesma Missa. \

Na s. Missa que c a lembrança viva do Cristo plcnum gratice et vnitatis, não se confere unicamente a graça, mas também a verdade. E essa doutrina 6erá mais proveitosa quando se prepara a s. Missa com as leituras do Breviario.

A EPÍSTOLA Nome Epístola quer dizer carta. Esta lição ficou sendo assim denominada porque, aos domingos, exceto era Pentecostes, é ela tirada das cartas dos Apóstolos. Lecm-se lambem, em outras ocasiões, os Atos dos Após­ tolos, Apocalipse e trechos do Antigo Testamento. No Sacramentnrio Gregoriano a epístola se denomina brevemente “Apostolus".


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O título diz sempre “Lectio”, isto é, leitura ou Hçao. porque primi ti vamente se lia em voz alta, em vez de cantar. N.B. — A denominação Lectio Libri Sapicntite não de9igna que o trecho tenha sido extraído cxclusivamcnte do livro da Sabe* dorin, mas tambein do Eclesiástico, Eclcsiastcs, doa Provérbios o do Cântico dos cânticos — em resumo — dc ura doa cinco livros 6a* pienciais.

Lugar. Primitivamente 9e lia a epístola no ambom, um púl­ pito construído entre o presbitério e a nave da igreja. Este ambom ficava ao lado da epístola, ou do lado esquerdo do altar, e com a face para a nave. O número de ambons era vário. Às vezes havia um só, construído com duas elevações, uma para a epístola, outra para o Evangelho. Em outras igrejas havia tres, isto é, um terceiro especialmcnte reservado para o canto das profecias. Mais geral mente, dois era o número dos ambos, como ainda hoje se constroem em muitas igrejas, sendo um para o evangelho, outro para a epístola. A atitude do subdiácono voltado para o altar durante a leitura, conforme a indicação do Missal, c uma consequên­ cia dn eliminação do povo. E’ uma atitude ilógica ler uma carta a alguém, voltando-lhe as costas. Já vimos como a Liturgia realça a superioridade do evangelho — palavra de Jesus Cristo — sobre a epístola (carta de um Apóstolo), fazendo ler ou cantar esta do lado esquerdo e aquele do lado direito do altar. E* exato que todo9 os livros da Escritura são igualmente inspi­ rados, mas os evangelhos, atem de escritos sob inspiração divina, são ainda a palavra mesma do Mestre, nas quai9 se condensa a plenitude da Revelação: “Havendo Deus falado muitas vezes e de muitos modos, em outros tempos, a nossos pais pelos profetas, ultimamente nestes dias falou-nos pelo seu Filho” (Hcb. 1, 1-2).

Depois de ter cantado a epístola o subdiácono vai bei­ jar a mão do celebrante, e este faz sobre ele o sinal da cruz. Na Liturgia de Lião ainda existe o rito pelo qual o subdiácono, depois da leitura, pede desculpas pelas falhas cometidas.


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Na Missa rezada o celebrante lê a epístola voce intelligibili sou clara voce, de modo que os ouvintes, pelo menos os mais próximos do altar, possam seguir as suas palavras. Na Missa solene, enquanto o subdiácono canta para o povo, o celebrante lc a epístola para si, submissa voce. Durante a leitura o celebrante coloca as mãos sobre o Missal, sobre o altar ou sobre a estante, mas de modo que possa tocar o livro ao menos com o polegar. O subdiá­ cono que canta a epístola deve, segundo as rubricas, segu­ rá-lo cm suas mãos. Não se menciona o uso da estante para o canto da epístola. Ainda que a mesma se use/ o subdiá­ cono deve sempre tocar o livro. Ouve-se a epístola em atitude de tranquila meditação, todos sentados. Primitivamente a leitura da epístola era função do lei­ tor, o que se pode demonstrar fartamente pelo ritual de sua ordenação. O l.° O r d o R o m a n u s, as atas do Concilio de Reims (813) e o Pseudo-Alcuino consideram o canto da epístola como função ordinária do subdiácono. Só no fim do século 13 aparece no cerimonial de ordenação do sub­ diácono o rito da tradição do livro das epístolas. Quando o celebrante canta a s. Missa sem diácono nem subdiácono, um leitor vestido de sobrepeliz pode cantar a epístola, no lugar habitual, mas no fim da leitura não vai receber a bênção do sacerdote. Isto porque o simples leitor não se aproxima tão perto do celebrante quanto o sub­ diácono. CANTO

INTERMEDIÁRIO

A Liturgia cristã herdou da sinagoga, alem das lições, o cântico dos salmos que se introduziu entre a epístola c o evangelho. Esse canto oferece uma transição entre a lição da epístola e a seguinte do evangelho, dando aos fiéis e ao sacerdote um tempo de reflexão sobro o que foi lido. Em que consiste esse cântico ?


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Sua composição varia, conforme as diferentes épocas do ano eclesiástico. •Desde o domingo da ss. Trindade ate a Septuagésima — na maior parte, portanto, do. ano eclesiástico — esse cân­ tico dc transição se compõe: a) de dois versos dc um salmo; b) de dois aleluias, mais um verso e ou­ tro aleluia. Em geral se designa todo esse cântico intercalado com o nome geral de “Gradual”. N o w e. “Gradual” deriva-se de gradus, degrau. E\ pois, o canto dos degraus, assim chamado porque o cantavam so­ bre os degraus do ambom ou do altar: sobre os degraus mais elevados, nos dias festivos; sobre os primeiros degraus, nos dias menos solenes. Já o sacrcmenlário Gregoriano menciona o nome de “Gradual”. O Gradual denomina-se também respons ó r i o, pois não raro era executado, alternadamenlc, poi um cantor c por todo o povo. Ate hoje aceitava-se a segunda parte do Gradual como sendo de data posterior à primeira. Dava-se, pois, este versículo como texto destinado a auxiliar o canto do j u b i 1 u s aleluiático. Isto se costumava basear sobre três fatos históricos: 3. Acham-se coleções de aleluias, sem textos, nos fi­ nais dos manuscritos. 2. Os text06 nos versos aleluiáticos diferem grande­ mente, ao passo que os demais cânticos da Missa, nos diversos países, conservam textos iguais. 3. Era. muitas Missas havia liberdade de se escolher a aleluia. Eizcnhocfer (Cf. Ephem. Lit. 1931, pag. 374-382), po­ rem, depois de refutar esses motivos ditos históricos, demons­ tra que o verso aleluiático é o resto de um canto responsorial. E isto, diz êle:


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1.° Porque na Traditio Ápostolica de Hipólito (ano 220) acha-se a determinação acerca de um canlo nleluiàtico no ágape: “Em seguida o diácono dirá um salmo sobre o qual está escrito aleluia. Depois o sa­ cerdote recitará outro salmo. Finalmentc o Bispo, tomando o cálix, recitará também um'.salmo referente ao mesmo. E todos dirão aleluia”. 2.° Nas Constituições apostólicas (c. 2,57) determina-se cxprcssamcnlc que o povo responda as palavras iniciais c finais dos salmos. A aleluia aparece como palavra inicial nos salmos 110-117. Como palavra final, nos salmos 146-150. 3.° Segundo testemunha s. Jerônimo, os cristãos se­ guiam — no seu tempo — o costume judaico de cantar a aleluia como estribilho de todos os salmos. 4.° Todas as Liturgias orientais guardam uma ou vá­ rias aleluias com outros tantos versos antes do evangelho. Essas Liturgias datam de antes do scculo 4, donde se concluc que o verso aleluiático é de forma primitiva. Como consequência disso temos hoje o Gradual divi­ dido cm duas partes, que outrora eram cantadas: a primeira, depois da profecia; a segunda, depois da epÍ9tola. Ainda hoje a diferença entre ambas a9 partes é bastan­

te notória: 1. livros. 2.

Os textos sao extraídos dos salmos ou de outros As melodias sao compostas cm tons diferentes.

Nota. 1. Nos formulários das Missas mais recentes o verso aleluiático não é sempre tirado dos salmos, mas de outro livro qualquer da Escritura Sacra, ou mesmo da Bíblia. Veja-se, por exemplo, a Missa votiva de Nossa Senhora das Dores (sexta-feira do domingo da Paixão), e a Missa da Visitação dc Nossa Senhora (2 de julho). 2. E* certo que neste lugar o salmo se cantava in­ teiro. O Papa s. Leão (440-461) diz numa de sua6 homi-


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lias: “Por isso, meus dilelíssiraos, cantámos a uma voz a salmo de Davi, não para a glória nossa, mas para a glória de Cristo Nosso Senhor”, o que provavelmente se refere ao canto do Gradual. O mesmo Papa menciona o verso “Tu es saccrdos in cClcrnum” e faz dele uma aplicação. Daí se concluo que não se cantava só o primeiro verso, mas o salmo todo.* Os primeiros antifonários trazem, todavia, apenas dois versos, o que se considera como sendo uma das muitas abre­ viações introduzidos por Gregório Magno. O

T R A C T U S.

Da septuagésima até Páscoa substitue-se o canto dos versos aleluiáticos por um indeterminado número de versos dos salmos. Esses versos tomaram o nome de t r a c t u s. Traclus éo correspondente latino do grego eirkos ide eiro, ligar), que designa o eneadeamento monótono de notas em uma melodia pouco variada. O tom alegre que várias vezes o traclus manifesta não corresponde a essa etimologia. O antigo uso de se cantar o salmo inteiro ape­ nas se conservou no tractus do l.° domingo da Quaresma, Domingo de Ramos e sexta-feira santa. Cada versículo do traclus é assinalado com um V, sinal de que esse canto não era alternado em responsos. A

GRANDE ALELUIA.

No tempo pascal, em vez de gradual canta-se a grande aleluia. Entende-se por tempo pascal (T. P.), o espaço que vai de Páscoa nté o domingo da ss. Trindade, exclusive. A conslrução da eleluia pascal é a seguinte: duas vezes a aleluia, verso; aleluia, verso, aleluia. Nessa mesma forma já aparece no sacramentário Gregonano . Nas Missas antigas de Páscoa e durante a oitava pas­ cal encontra-se ainda o Gradual.


O Santo Sacrifício da Missa A

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palavra ulcluia

Essa palavra compõe-se das expressões hebraicas “hallelu”, que significa louvai, e “jah’\ abreviação dc Javé. Aleluia quer dizer, pois, lexluolmente, “louvai ao Senhor’*. Em diversos salmos, como já demonstrámos, esta pala­ vra vem como estribilho ou aclamação antes ou depois do salmo. Tal ern o uso da sinagoga, que passou para todas as liturgias. Segundo a carlu do Papa Gregório ao bispo João de Siracusa, a aleluia ter-se-ia introduzido na Liturgia romana sob o pontificado dc Dâmnso, papa (366-384). Não se pode dar essa asserção como defini!ivamente certa, porem, visto que na “traditio apostólica” de s. Hipólito já se menciona o uso da aleluia nos ágapes. Conforme s. Jerónimo o aleluia se cantava nas soleni* dades funerárias. Mais tarde tornou-se um canto festivo, e com especialidade um canto pascal, isto antes mesmo do papa Gregório. No rito grego dos enterros canta-se a aleluia depois de cada salmo, em lugar do nosso “requiem üBtcrnam”. , No tempo medieval em que tanto se apreciavam as ale­ gorias, fazia-se a despedida da aleluia antes da quaresma com ritos singulares. Em Toul chegou-se mesmo a organizar uma solenidade completa de enterro da aleluia. A Liturgia Romana sempre se absteve de tais excessos. Somente per­ mite, nas vésperas de sábado antes da septuagésima, cantar duas vezes a aleluia depois do “benedicamus Domino”. E no sábado da aleluia, 11a Missa pontificai, 0 subdiácono anuncia de pé, diante do trono do Bispo: “Reverendíssimo Padre, anuncio-vos uma grande alegria, que é: aleluia !” AS

SEQUÊNCIAS

O a da aleluia prolongavas© outrora, como ainda hoje, em neumas longos denominados j u b i 1 u s.


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' Um monge de s. Gallcn chamado Notker Balbulus (o gago), fazendo uma visita a um colégio de Jumiège, notou nos livros dali que se tinha introduzido o sistema de adalav palavras aos longos ncumas dos jubilus. l6to fora inventado pelo regente do côro, afim de facilitar o ensaio e a decora­ ção dos júbilos aleluiáticos. Notker g09tou do processo e compôs uma grande va­ riedade de textos para o mesmo fim. Estes foram tão apre­ ciados que sc introduziram nas solcnidades litúrgicas com o nome de sequências, pois eram, com efeito, a se­ quência ou continuação do Gradual. Às vezes também se denominavam prosas, pelo fato de escaparem, na sua composição, às leis da métrica e do ritmo. Em consequência de sua origem as prosas vieram a se constituir dc versos silábicos, isto é, versos em que cada sílaba corresponde a uma nota musical. O uso das sequências foi popularíssimo no tempo me­ dieval. O rito mozarábico nunca as recebeu, nem os ita­ lianos as apreciavam muito. Aqucm dos Alpes as prosas eram inúmeras. Cada rito local tinha as suas, c cm alguns lugares até cada Missa. Os tipos mais recentes abandonaram o modêlo silábico, e manifestou-se o gosto do diálogo para tornar mais dra­ mático o efeito dessas sequências. Temos vestígios disso na prosa pascal do “ Victimae paschali”. A popularidade dessas melodias concorreu não raro para a sua profanação, pois cantavam-se pelas ruas, com letras completamente profanas. A comissão litúrgica do concilio de Trento poupou ape­ nas quatro exemplares de sequências, por causa de sua bele­ za, enquanto todas as demais foram rejeitadas. Quando o papa Bento XIII extendeu a toda a Igreja a festa de Nossa Senhora das Dores (22 de agosto de 1727), veiu então a figurar no Missal romano a quinta sequência do “Stabat Mater”. Infelizmentc nenhuma das sequências conservadas tem por autor o genial Notker.


O Santo Sacrifício da Missa V i c ti m ce

p a s c h a li.

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*

E’ a sequência da Páscoa e da semana de Páscoa. O autor 6 Wipon (+ 1048), capelão do imperador Conrado II, também este considerado compositor. Antes de 1570 esta se­ quência se cantava no segundo domingo da Páscoa c per­ durava em todo o tempo pascal. A forma dramática e dialogada popularizou-a no tea­ tro, na representação do mistério da Ressurreição, no fim das Matinas e antes do “Te Deum’\ Quando em 1570 a Igreja consagrou essa sequência no Missal romano, tirou-lhe então a última estrofe: “Credendum est magis soli Mariae veraci quam Jud^ortim turba» fallaci”. Confiemos mais na sincera Maria do que na turba pérfida dos Judeus. V eni saneie

S p i r i t u s.

E* a sequência de Pentccosles e de toda a oitava dessa festividade. Atribuem-se ao cardial Estêvão Langton, arcebispo de Cantebury (4* 1228), citado por um monge seu contem­ porâneo. O conteúdo c uma reprodução das súplicas dos Apóstolos e discípulos na manha de Pentecostes, como lhe teria sido ditado sua inspiração, poética e piedosa. Lauda S i o n. Esta a bela sequência da festa do ss. Sacramento e du­ rante a respectiva oitava, nas Missas cantadas. Nas Missas rezadas, â vontade do sacerdote. E’ seu autor s. Tomaz de Aquino (+ 1274), que compôs todo o ofício e formulário da s. Missa para a festa de Corpus Christi. O Lauda Sion é uma exposição genial e poé­ tica da teologia escolástica sobre o dogma da Eucaristia.


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S l a h a l Mater E’ a prosa das duas festas de Nossa Senhora das Dores, na sexta-feira depois do domingo de Paixão e em 15 de se­ tembro. O seu autor é frei Jacopone de Todi, da ordem dos franciscanos (+ 1306). O “Slabat Mater” não foi composto como sequência, mas como um poema à parte, do mesmo modo que o “Stabat Mater speciosa”, em que se exalta a Mãe junto ao presépio — este último poema muito menos conhecido. Em ambos sentimos a devoção filial deste monge tão ingênuo e tão sá­ bio nas coisas celestes, que — depois de ter muito sofrido por causa de sua ingenuidade — colhe hoje o louvor da pos­ teridade por causa de seu talento poético. D i e 5

i r ce

Esta é a mais bela de nossas sequências. Achamo-la nas três Missas do dia dos finados; em todas as Missas de “requiem”; e à vontade do celebrante, nas Missas quotidianas de defuntos. Até ha pouco citava-se como autor do “Dies iras” o hisloriógrafo Tomaz de Celano, um dos primeiros discípulos de s. Francisco de Assis. Isto até que d. M. Inguanez, bibliotecário de Monte Cas­ sino descobriu uma redação da sequência num manuscrito da biblioteca nacional de Nápoles. O manuscrito contem o “Dies ir©” com o nosso texto atual, com poucas varian­ tes. E como esse documento se tem de datar de 1170 a 1210, cai por terra a probalidade da autoria dc Tomaz dc Celano. A princípio destinado à devoção privada, foi êste cântico grandioso do juizo final recebido no curso do século 13, como sequência nas Missas de “requiem”, o que se tornou geral no século 15. O conteúdo demonstra que o poema não se destinava a figurar na Liturgia de “requiem”, pois é-lhe alheia a idéia de intercessão pêlas almas. Quando a Igreja o incluiu no seu ritual, acrescentou então os seis versos fi-


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nais. Também o uso do singular está indicando a intro­ dução recente dessa prosa na Liturgia. Como no canto do rcsponsório “Libera me”, em redor do esquife, também na sequência se introduziu — com a súplica pelos mortos — uma advertência acertada aos vivos. O

EVANGELHO

0 canto do evangelho, a palavra do Verbo incarnado e Doutor da humanidade, é o ponto culminante das leituras da ante-Missa. A ante-Missa tem por fim preparar o celebrante e o povo para o sacrifício da Cruz que se renova no altar. Ora, nada nos guia melhor até lá do que a palavra do Redentor, da qual é a Cruz a última consequência, quer para o Cristo, quer para nós. Assim o Apóstolo, que tanto se gloriava na Cruz, cha­ mou o evangelho: “a palavra da Cruz” (I Cor. 1,18), e o mesmo que subiu até ao terceiro céu não soube pregar coi­ sa melhor do que a Cruz. Se, pois, o próprio Crucificado do Gólgota é o centro do sacrifício, o eco de sua Voz é no evangelho o momento central da preparação para o s. Sa­ crifício. Daí o carinho com que a Igreja guardou atravez dos séculos essa relíquia viva do Cristo — seu evangelho — viva, porque nele vive a Alma e palpita o Coração de Jesus Cristo. Recordemo-nos dos tempos primitivos. No fim da an­ te-Missa despediam-se os catecúmenos. Êles ainda não ti­ nham sido esclarecidos sobre o mistério eucarístico da s. Missa: o Sacrifício do Cristo na sua Carne e Sangue sobre o altar. Mas mesmo na ante-Missa o Cristo já vivera de al­ gum modo para eles, no seu evangelho. Quantas vidas humanas gastas — nos tempos medie­ vais — em moldurar e ornar os textos dos evangelhos! To­ da essa gente tecia as vestes do Cristo.


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Os tempos antigos, que certamentc professavam a fé na presença real do Cristo na Eucaristia, não viram, porem, o desenvolvimento atual do culto eucarístico. Homenagea­ vam, então, o livro dos evangelhos, já colocando-no no trono do altar, já levando-o triunfalmente entre espirais de in­ censo, já conservando-o respeitosamente, junto com o ss. lugar de íntima Sacramento, no pastophorion veneração — ao lado do presbitério. Durante o 3.° concilio geral em Éfeso, colocou-se o livro dos s. evangelhos na cadeira de honra, para se demonstrar que a êle competia presidir ao concilio. Entrando nas ca­ tedrais e nas igrejas dos conventos, bispos e legados beija­ vam respeitosos as páginas sagradas do evangelho, como prescreve ainda hoje o ceremonial da Missa pontificai, já mencionado no l.° O r d o romano. Desses tempos data a solenidade pomposa do canto do evangelho. À luz dos círios e entre volutas de incenso, uma home­ nagem à Divindade. As fontes mencionam o número diver­ so de velas: uma, duas e até sete. Geralmente, duas. S. Jerônimo já nos diz, no “Adv. Vigilantiuin”, que no Oriente o uso da luz durante o canto do evangelho era co­ mum, não para expelir as trevas, mas como símbolo da ale­ gria, e também para ilustrar com a luz material o que o salmista diz: “sua Palavra é um facho para os meus pés e uma luz para os meus caminhos”. Pode ser que o uso da9 velas se originasse de uma ne­ cessidade prosaica de clarear para o cantor as páginas do livro dos evangelhos. Mas a Liturgia se desenvolveu e deu a essas velas um símbolo. A luz é naturalmente o símbolo da leveza, da pureza e da força vivificadora. Era, pois, na­ tural que a Liturgia legitimasse esse simbolismo no canto do evangelho. S. João diz na sua epístola que “Deu9 é Luz e não ha trevas nele” (I Jo. 1,5) e na primeira a Timóteo diz s. Paulo que Deus “habita a luz inaccessível” (6, 16). No salmo 103 se diz que Deus “se reveste da luz como de um vestido”.


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O círio é ainda um símbolo bastante atraente do Homem-Dcus. A ccra é o produto mais puro do mundo ani­ mal: 6 o fruto do trabalho das abelhas operosas, que já na antiguidade eram o símbolo da virgindade. Assim é que a ceia virgem dos círios simboliza 'com grande proprie­ dade a humanidade de Cristo, fruto bendito das en­ tranhas purísiinas da S9. Virgem Maria. As abelhas recolhem. o mel das flores mais belas e odoríferas. Maria foi a es­ colhida para Mãe de Deus, graças ao perfume c beleza de suas virtudes. A chama é o símbolo da divindade de Jesus Cristo, que s. João choina a “Luz do mundo”, c s. Paulo “o resplendor da glória do Pai”. E porque a luz é portadora e símbolo da alegria, con­ vinha cantar a Boa Nova entre luzes. Por isso o culto eucarístico cerca-sc sempre de luzes também. A segunda homenagem à divindade consiste no incenso. Os ordines mais antigos (desde o século 7, por­ tanto 1 colocam o incenso ao lado dos evangeliários. 0 ato formal do culto divino — actus cultus latrise — significado pela tríplice incensação antes do canto, mencioua-o pela primeira vez Sicardus de Cremona (+ 1215). Antes disso o incenso servia apenas para a procissão. A incensação do celebrante — desconcertante na marcha destes simbolismos — é um acréscimo posterior e mal entendido, que aparece pela primeira vez no 5.° o r d o romano. Decurso do cerimonial. No tempo em que os evangelhos figuravam separada­ mente no evangeliário, este livro tinha o seu lugar durante a Missa sobre a mesa do altar. 0 diácono tirava-o daí para cantar o evangelho, designando assim que o recebia das mãos de Cristo. Quando as perícopas evangélicas se incor­ poraram ao Missale plenarium, desapareceu logicamente esse lugar do evangeliário, mas, para conservar o sentido primitivo do ritual, o diácono ia colocar o livro


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sòbre o altar, para retomá-lo depois, como ainda hoje se faz. Nos primeiros tempos o evangelho podia ser lido tam­ bém por um simples leitor. Mas posteriormente, a conciência da dignidade do evan­ gelho exigiu que a leitura do mesmo fosse reservada a al­ guém de posição mais alta na hierarquia. Já as Constituições Apostólicas faziam-no ler por um diácono ou por um sacer­ dote. Sozomenos diz que na Páscoa era o bispo que lia o evangelho em Conslantinopla, e em Alexandria, o arcediago. No fim do século 5 a leitura do evangelho tomou-se a tarefa especial do diácono, como ainda hoje. Na ordenação impÕe-se-lhe esse santo dever, para cujo desempenho lhe é conferido, de modo especial, o Espírito Santo: “Nós vos rogamos, Senhor, enviai-lhe o Espírito Santo, para que seja revestido do dom de vossa graça septiforme e desempenhe fiel mente a sua missão”. E tendo recebido a bênção do Pontífice ele canta, na Missa de ordenação, o evangelho do Senhor. O Munda cor meum, com que o sacerdote se prepara para a leitura do santo evangelho, aparece pela primeira vez no 14.® 0 r d o romano. Falta ainda em muitos missais do século 16. A bênção do diácono já se encontra no l.c O r d o. 0 conteúdo do Munda é uma alusão a Isaias (6,5). 0 celebrante o pronuncia profundamente inclinado e não apoia as mãos juntas sobre o altar, pois o Munda deveria ser pronunciado pelo diácono, a quem não é per­ mitido tocar o altar. O diácono diz, pedindo a bênção ao celebrante, “jube, Domne, benedicere”. D o m n e é uma alocução mediavel que se dirigia ao sacerdote, em oposição a Domine, que se reservava unicamente a Deus. A bênção que se pede a Deus antes da lição do evangelho é interior e exterior: “purificai meu coração e meus lábios de maneira que eu possa digna-


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menle (interior) e convenientemente (exte­ rior) anunciar o vosso evangelho”. Na procissão para o ambom a cruz ia à frente, e o subdiácono carregava uma almofada de cor, sobre a qual se depositava o livro durante o canto. Ainda hoje se poe sobre o ambom ou sobre a estante do missal um pano da côr do paramento do dia. 0 diócono sauda oficialmente os fiéis antes do canto do evangelho: V. “0 Senhor seja convosco”. R. “£ com o vosso espírito”. Isto não é um formalismo. E’ um pedido de bênção sobre o povo, para que a semente da Palavra rião caia era terra pedregosa, conforme a palavra de Isaias: “Como a chuva e a neve desce do céu e não volta mais para lá, mas embebe a terra e a fertiliza, fazendo-a produzir as suas hervas e sementes para semear e pao para comer; assim sera a rainha palavra que sai de minha boca: não voltará mais para Mim, mas fará tudo o que for de minha vontade e dará frutos para aquele a quem eu a mandei”. Anunciado o evangelista de quem foi extraída a perícopa do dia, o diácono assinala o texto com uma cruz e persigna-se na testa, na boca e no peito, para que a “pala­ vra da cruz” (I Cor. 1,18) produza seus frutos, na mente, na palavra e no coração. Proclamado o etffcmgelisla, o povo responde ao diácono: “Gloria tibi, Domine”. O “Gloria tibi. Domine” é o primeiro verso de uma antiga doxologia mariana. Ainda hoje os Carmelitas, fazendo as três cruzinhas, acrescentam inclinados: “que nasceste de uma Virgem, com o Pai e o Espírito Santo, na sempiterna eternidade. Amen”. Essa cerimoniosa introdução ao canto do evangelho já se encontra toda do século 9 ao 10. O pensamento da pre­ sença de Cristo na sua Palavra traduz-se especialmente na incensação e na inclinação com que o diácono sauda o livro cada vez que nomeia o nome de Jesus. O mesmo faz o sa-


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cerdote nas Missas privadas, salvo quando o SS. está exposto, caso em que se inclina para este. Mesmo nesse casò, porem, o diácono se inclina para o livro, por estar mais afastado do altar. Durante o canto do diácono o celebrante se inclina para o meio do altar. A mesma regra se observa quando a rubrica pede uma genuflexão durante o canto do evangelho. O cerimonial resumido da Missa privada se contenta com transportar o livro do evangelho de um lado para outro, conservando-o, porem, sobre a mesa do altar. O celebrante é quem lê pessoalmente o evangelho e toma para isso uma posição oblíqua, para demonstrar com isso que essa leitura é destinada ao povo. Cantando o evangelho no ambom, o diácono volta-se para o' povo. Se não existe ambom, o diácono canta a perícopa voltado para a parede do lado do evangelho. O Missa! diz: contra altare adversus populum, a propósito de que observa Herdt o seguinte: “Quibus verbis litteraliter significari videtur, quod diaconus cantans evangelium tergum vertai ad altare ct fuciem ad populum, sive habeatur tahemaculum clausum, sive non habeatur tabemaculum Sed Cseremoniale Episcoporum, usus et auetores bane rubricam sic exponunt, quod diaconus sub evangelio se ita sistat, ut habeat dextram ad altare, sinistram ad populum et faciero ad ill&m partem, qua; est ad comu evangelii, seu quae pro aquilone figuraíur1'.

Essa a lógica das coisas. Assinala-se aí a idéia da orien­ tação na construção das igrejas. Era upia belíssima ocasião para o simbolista. Levando o livro do sul para o norte, significava-se ao povo a transferência da Palavra divina dos judeus, que moravam no sul, para o norte, que na língua dos Profetas e nos antigos escritores eclesiásticos, era o sím­ bolo do frio paganismo. Não falta quçm queira ver exagero nessa preocupação de simbolismo. Talvez uma vez ou outra se tenha mesmo exagerado. Mas exagerava-se por amor. E qual o amor que não peca por exagero ? As exclamações depois do canto dos evangelhos eram primitivamente muito outras.


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Como o “Deo gratias” depois das outras leituras, tam­ bém estas exclamações depois do evangelho sc podem ex­ plicar como sinais para terminar. Mais tarde vieram a tornar-se exclamações populares. Ncs séculos 12 e 13 era ainda muito conhecido o “Amen”, como ainda o “Dco-gratias” e o "Bencdictus qui venit in nomine domini”. O “Laus tibi, Christe” data de tempo muito posterior. Na epístola a aclamação final dirige-se a Deus. No fim do evangelho se dirige ao Cristo, que dirigiu aos fiéis sua Palavra salvadora. Nas Missas solenes o subdiácono leva o livro ao cele­ brante, que o sauda com um beijo. Levando o livro, o sub­ diácono não faz reverência à cruz nem ao SS. Sacramento diante de que passa. Vai direito confiar ao beijo, do sacer­ dote o tesouro que carrega consigo. Depois da leitura ou canto do evangelho o celebrante, beijando as palavras ini­ ciais da perícopa, diz: “Per evangélica dieta, deleantur nosIra delicta”. Pelas palavras do evangelho, sejam-nos per­ doados os nossos pecados. \ De onde se vê que as palavras do santo evangelho teem a eficácia de um sacramental. Conforme o 2.° 0 r d o Ro­ mano (do século 9 a 10) todos os presentes beijavam o livro do evangelho. O Papa Honório III aboliu essa praxe. Conservou-se, contudo, a apresentação do evangelho aos al­ tos prelados. (Cf. Caercm. Episc. I, 30). A atitude do povo é também a de quem escuta a pre­ gação de Jesus Cristo. Já no século 4 as Constituições Apos­ tólicas relatam que o povo ficava de pé durante a lição do santo evangelho. Essa atitude exprime o respeito e a dispo­ sição de viver e morrer em defesa do evangelho. A contradição aparente das palavras de Cristo que pro­ meteu a paz e trouxe a espada, motivou a divergência na atitude militar dos cavaleiros. Em algumas regiões depu­ nham as armas; em outras desembainhavam as espadas, em gestos de quem se dispõe a defender a Verdade revelada pelo Chefe.


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Nas Missas de requiem essas solenidade9 foram propositadamentc reduzidas. A

HOMÍLIA

Chama-se h o m i 1 i a a exposição clara e simples de um ou vários textos colhidos da epístola ou do evangelho do dia. A homilia se distingue, pois, do sermão, que consta geralmente do desenvolvimento metódico de um ponto de doutrina. História. Já s. Lucas menciona (4,16) o uso de ler na sinagoga a Escritura Sagrada, depois do que se convidava alguém que tivesse idoneidade para dar uma explicação da leitura feita. Lendo-se os evangelhos, vê-se que Nosso Senhor fez muitas homilias nas sinagogas judaicas. E mostrou aí a sua Sabedoria divina, na compreensão e interpretação dos textos bíblicos. Daí a exclamação atônita de seus ouvintes: “Nun­ ca alguém falou como ele ! ”. Os Apóstolos seguiram o exemplo do Mestre. Por vá­ rias vezes também eles fizeram homílias nas sinagogas. (Ve­ ja-se Atos dos Apóstolos, 13, 15-41; Ibidem, 9, 19-20; 18, 4; 19,8). Havia entre os primeiros cristãos duas assembléias: uma de tarde e outra de madrugada. Em ambas havia leituras, cânticos de salmos e oração. Por ocasião da assembléia da madrugada é que se realizava a celebração do misté­ rio eucarístico, motivo por que esta reunião se veiu a se­ parar das sinagogas. Em ambas essas assembléias fazia-se a homilia. O primeiro que o relata, já o vimos, é s. Justino Mártir (+ 165). Testemunhos posteriores temos em Orígenes (185-254), s. Ambrósio de Milão (333-397), s. Agostinho (354-430) da Igreja Africana. E as grandes coleções patrísticas conserva ram para os séculos um inexgotável tesouro de homi-


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lias. São famosas as de s. Cirilo de Jerusalem (+ 386), s. Basílio (+ 379), s. Gregório de Nissa (+ 394), s. João Crisóstomo (4- 407), s. Jerônimo (4- 420), s. Agostinho (4- 430), s. Cirilo de Alexandria (+ 44), s. Pedro Crisólogo (+ 450), s. Leão (4- 461) s. Cesário de Aries (4- 543) e 9. Gregório Magno (4- 604). , Dessas célebres homílias são as mais aproveitadas no ofício divino as de s. Agostinho, s. Leão, (s. Cesário) e 9. Gregório Magno. O concilio de Valença (em 524) estimulava o apro­ veitamento desses esplêndidos modelos de homilia: “nous savons que plusieurs ont été attiré à la foi par la prédication des pontifes”. Algumas determinações de concílios sobre a urgência da homilia: “Quando falta o sacerdote, um diácono deve fazer a homilia”. “O clero deve estudar uma coleção de homílias”. “O clero deve compreender o sentido literal das epís­ tolas e evangelhos”. 44O clero deve possuir uma explicação do símbolo e do Pater, tirada dos escritos dos Padres, estudá-la e ensinar ao povo”. “Deve-se pregar na língua do povo”. Ha ainda coleções mais recentes de homílias, Entre elas mencionaremos: As do Venerável Beda (+ 738) monge em Jarrow, na Inglaterra. Ricas de doutrina, suas homílias são haurida9 dos pensamentos e dos textos dos Padres. As de Alcuino (4- 804), homílias sobre os domingos e dias de festa tirados dos Padres, principalmente de Agosti­ nho, Jerônimo, s. Gregório e Beda. No século 12 e 13 aparecem algumas novas homilias tais como as de Ivo de Chartres (4-1115); de Bruno de Segny (L125); de Abelardo (4-1143); de Inocêncio III (4- 1216).


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Merecem menção especial as homílias de s. Bernardo (+1153). IVo período cscolástico (século 13 a 16) as homílias se ressentem das discussões e sutilezas de escola. Na primeira fila dos pregadores desse tempo mencionamos s. Boaventura (+ 1274), que toma sempre por base o texto da epístola ou do evangelho do dia, limitando-se a fa­ zer deles uma explicação clara. Na França a decadência da pregação nos séculos se­ guintes foi tão grande que a Faculdade teológica de Paris fez a seguinte queixa ao legado e aos bispos: c,Plerique fal­ sa, ridiculosa, scandalosa et periculosa in fide et moribus, ad extorquendas pecunias prsedicant”. Os sínodos apertam dia a dia. E finalmenle a Igreja co­ difica as suas prescrições nesta matéria, em três sessões, no concilio Tridentino (1545-1563): Na quinta sessão, em 1546: 1.° A pregação sobre o evongelho é não menos neces­ sária que a leitura do mesmo. 2.° Os bispos são incumbidos de pregar o evangelho e os párocos são obrigados a fazê-lo, ou — caso estejam impedidos — por outros, ao menos nos domingos. 3.° Proponha-se tudo quanto os homens devem saber para a salvação. Explicação breve e clara de co­ mo se combatem os vícios e se praticam as virtudes. Na vigésima quarta sessão, em 1563: Os bispos nas suas catedrais e os párocos em suas igre­ jas devem pregar durante o Advento e a Quaresma, se não todos os dias, pelo menos três vezes por semana. Na vigésima terceira sessão (sobre a s. Missa) : Recomenda-se aos pastores de almas que expliquem muitas vezes, durante a s. Missa, algumas leituras e também alguns mistérios do s. Sacrifício, principalmente nos domin­ gos e dias santos de guarda. O Catecismo Romano, também denominado Catecismo do Concilio de Trento, era o repositorio que ficava à disposição dos párocos.


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Seguindo essas normas do Concilio Tridentino s. Car­ los Borromeu compôs as suas “Instrutciones Pastorum”, um desenvolvimento simples das coisas mais necessárias visando: 1.° Explicar repetidas vezes os mistérios da s. Missa e as festas do ano eclesiástico, pois os filhos deve se alimentar as festas do ano eclesiástico, pois os filhos devem se ali­ mentar da vida de sua Mae. 2.° Desenvolver o símbolo dos Apóstolos, o dccalogo, o Padre Nosso e a Ave Maria. Por esse tempo divulgaram-se as novas homilias de s. Carlos Borromeu e as de s. Francisco de Sales (4* 1622) e reeditaram-se as antigas coleções de homilias dos Padres da Igreja. Nos tempos novos é o s. Padre Pio X (1903-1914) quem inculca de novo as prescrições sobre a pregação. Na sua “Acerbo nimis” o Papa se queixa da ignorância reli­ giosa não só das classe9 iletradas, mas também nas ditas classes cultas. O Papa Bento XV (1915-1922) lamenta, em sua “Humani generis”, o desleixo na pregação e aponta, como cau­ sas disso, três fatos deploráveis: a) o pregador nao é aque­ le que, por direito, devera ser indicado para tal ofício; b) a função sagrada de pregar nao é exercida com retas in­ tenções; c) não se desempenha essa função de pregar, de maneira adequada. Eis o que atualmente prescreve o cânon 1344, § 1: “Nos domingos e dias de preceito durante o ano é o dever de cada pároco pregar ao povo a palavra de Deus com a homilia habitual, principalmente durante a Missa em que é maior o concurso de fiéis”. E o cânon 1345: “E* desejável que nas Missas celebra­ das nos dias dc preceito em todas as igrejas e capelas pú­ blicas, se dê ao povo uma breve explicação do evangelho ou de qualquer parte da doutrina cristã”. A atitude ‘dos fiéis, durante a pregação nem sempre foi a me9ma por toda a parte.


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Da apologia de s. Justino parece concluir-se que o povo ficava assentado. De s. Agostinho se deduz que o povo da África ficava de pé. Muito cedo foi preciso admoestar aos que saíam da igreja, fugindo à pregação. O concilio de Cartago chegou mesmo a ameaçá-los de excomunhão. Cesário de Aries mandava chamar os que saíam e fe­ chavam as portas da igreja durante o tempo da pregação. Em compensação ha, também, exemplos de aclamações e aplau­ sos durante as pregações. Assim é que s. Agostinho, pre­ gando sobre as faculdades da alma — depois da explanação da primeira parte o povo todo aclamou, como quem tinha entendido perfeitamente: memória ! Cirilo de Alexandria, no auge de seu ardor exclamou: “Nasceu de Maria, Mãe de Deus, o Emanuel, o Deus conosco! Ao que todo o povo respondeu: “Assim cremos! Quem não fala assim, seja anátema!” Nem eram mesmo extTanhas as palmas e outras formas de aplausos. S. João Crisóstomo insiste em suas homílias que o recolhimento e a emenda de vida são os melhores si­ nais de aprovação: “a igreja não é teatro!” Em outro lugar: “Com muito ruido e aplauso recebes­ tes a minha exortação; mas preferira que mostrásseis com vossos atos a vossa aprovação”. E s. Agostinho exclama: “Ouvistes e apreciastes. Gra­ ças a Deus! Recebestes a semente e aclamastes a minha pa­ lavra... mas vossos louvores, meus irmãos, são as folhas das árvores; procuro os frutos”. Depois que se intercalou na Missa o símbolo de Nicéia (1014), a pregação se fazia, não raro, depois do Credo. No sul da Alemanha prega-se às vezes antes da Missa pa­ roquial, reminiscência das agitações luteranas. O SÍMBOLO. Chama-se símbolo o resumo das principais ver­ dades da fé. Precisamente pela sua concisão o símbolo se


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opõe à “professio fidei”, que consisle numa sucessão mais desenvolvida dos artigos da fé. Símbolo quer dizer sinal, e é precisamente o que distingue os cristãos dos pagãos e dos hereges e cismáticos. Os símbolos entre os primitivos cristãos tinham dupla vantagem: a) ofcreciam-lhcs um resumo das verdades fundamen­ tais da fé; b) serviam-lhes dc distintivos dos infiéis. Assim foi que s. Ireneu (2.° século) compôs um sím­ bolo para a França, contra os Gnósticos; Orígenes, para o Egito; Tertuliano, para a África. Mas esses símbolos compostos por pessoas privadas não desfrutam de plena autoridade na Igreja. 0 mais conhecido dos símbolos é o dos Apóstolos. O concilio de Nicéia (325) espalhou o texto desse sím­ bolo, ampliado no concilio Constantinopolitano, em 385. Donde o seu nome de símbolo niceno-constantinopolitano. Diremos de sua história apenas aquilo que se prende à sua introdução na Liturgia da s. Missa. O Credo na s.

M is s a.

Desde as primeiras heresias surgidas no seio da Igreja tiveram os cristãos o edificante costume de recitar pri­ vadamente o Credo, era protesto aos corruptores da Fé. Mas na Liturgia da s. Missa o Credo só se introduziu mais tarde. Na Espanha, o rito mozarábico o recebeu muito cedo, á imitação do que se praticava em Constantinopla, como recordação do Concilio. O concilio particular de Toledo (589) prescreveu o Credo na Missa, depois da consagração, antes do P a t e r, como preparação para a s. comunhão e em protesto ao serai-arianismo. Este uso passou para a França, c no século 8 já existia na Alemanha. Roma mostrou-se complacente com a inovação, mas não seguiu o exemplo. Foi o fato seguinte que intro­ duziu o Credo na Liturgia romana: Na missa papal do


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domingo, aos 14 de fevereiro de 1014,, foi o imperador Hen­ rique II (+ 1024) coroado pelo Papa Bento VIII. O impe­ rador reparou que em Roma não se cantava o Credo na Missa e perguntou o motivo ao Papa. “Não conhecemos esse uso — respondeu o Pontífice — porque Roma sempre conservou incorrupta a fé”. Nessa ocasião, porem, o im­ perador pediu e obteve que o Credo fosse intercalado na Li­ turgia Romana, como lembrança do dia de sua coroação. O fato, universalmente tido como histórico, é relatado por Berno de Reichenau, que presenciou o acontecimento. E’ assim que, desde o século 11, a Missa romana tem o Cre­ do, conforme se verifica no 5.° e 6.° O r d o. Recita-se o Credo na s. Missa: 2.° ou por motivo da doutrina; l.° ou por motivo do mistério; 3.° ou por motivo da solenidade, e isto dá-se: a)

b) c)

quando se menciona no Credo o mistério comemo­ rado naquele dia. Assim acontece nos domingos, nos quais se comemoram os mistérios da Creação, da Res­ surreição e da ss. Trindade. Quando se comemora um s^nto que se distinguiu na pregação da Fé, por palavras ou por escritos. Nas festas de s. José ou nas festas dos patronos ou ti­ tulares.

A atual situação do Credo na s. Missa — logo de­ pois do evangelho ou da homilia — faz desse símbolo* uma comovedora profissão de fé. E’ o povo todo que aclama a Verdade ouvida e explicada do santo evangelho. O Credo é internacional e católico como a Igreja. Nada emociona tanto como ouví-lo cantado por dezenas de milhares de fiéis na basílica de s. Pedro, em Roma. Sente-se aí a alegria crista dos fiéis de todas as raças e nações que cantam o hino internacional de sua Fé !


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A PÊNDICh A.

Fim

da

Missa

dos

catecúmcnos.

Durante séculos conservou a Igreja o costume de despe­ dir, antes do ofertório, os catecúmcnos e aqueles que cum­ priam o seu período de penitencias por causa de crimes públicas (publice pcenitentes). Isto se fazia, inspirado na prudência da primitiva Igreja, que não queria expor o sacramento do «altar à zombaria e profanação dos infiéis. E Roma foi nesse assunto sempre mais rigorosa do que as demais igrejas. Por isso em Roma os catecúmenos eram despachados antes mesmo do evangelho. E’ a conclusão que se tira do fato de ser o evangelho considerado como parte da “disciplina arcani”, isto é, do.segredo que só se confiava aos neófitos. Daí a tradição ou entrega solene do evangelho, que só se fazia nas vésperas do batismo. Assim c que, depois de sc recitarem algumas orações por todos os catecúmenos e penitentes, o diácono subia ao ambom e os demitia: “Catechumeni recedant” — Os catecúmcnos retirem-se! “Si quis catechumenus est, recedat” — Si estiver pre­ sente algum calecúmeno, retire-se ! “Judaci, pagani, haeretici, recedant” — Retirem-se os judeus, pagãos, hereges! “Si quis non communicet, recedat” — Os excomunga­ dos, afastem-se ! “Ite, missa est” — Ide-vos, é a demissão ! B.

A

palavra

“Missa”.

Esta palavra Missa passou a designar, na Liturgia sacrifical do Ocidente, o santo sacrifício eucarístico. Missa é uma palavra pos-clássica latina, pela clássica m i s s i o — demisão — e era no princípio o termo exclu-


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sivo para demitir os catecúmenos no ofertório, como para despachar os íióis no fim da s. Missa. S. Agostinho se refere à primeira demissão: “Post serraonem íit missa catcchumenorum”. 0 concilio de Lérida, na Espanha, determinava que pessoas culpadas de incesto só podiam permanecer na igreja, “usque ad missam catechumenorum”, até a demissão dos catecúmenos. Quanto à segunda demissão, isto é, a demissão dos fieis, lemos em Floris de Lião: “Missa ergo catechumenorum fiehat ante actionem sacramcntorum, missa fidelium fit post confectionem el participationem”. Isto quer dizer: A despedida dos catecúmenos se fazia antes da consagração; a demissão dos fiéis, depois da consagração e da comunhão. Com as duas m i s s ac ou demissões terminava toda a solenidade eucarística. Já a “Peregrinatio Silviae” e os Papas Inocêncio I (401*417) e s. Leão (440*461) exprimem com a palavra Missa uma das partes da Liturgia sacri* ficai. A impressão destas despedidas era muito emocionante para não gravar bem fundo no ânimo dos fiéis a santidade do s. Sacrifício e a dignidade com que se devia aproximar do Altar. Com isso se explica a aceitação da palavra Missa, para significar o Sacrifício eucarístico. Supressa a instituição do catecumenato, e por conse­ guinte a primeira demissão, a palavra Missa pas­ sou significar todo o ritual do santo Sacrifício. E nessa acepção já aparece no Leoniano e Gelasiano. A expressão “missarum solemnia” ainda hoje se con­ serva, com referência ao conjunto de cerimônias do ritual eucarístico (cf. cânon 1274). Outras explicações se dão, por vezes, para a palavra Missa. Nenhuma, porem, satisfatória e natural como a que acima mencionámos. C.

As

orações

dos, fiéis.

Despachados os catecúmenos, seguia-se a Missa dos fiéis. Das dípticas, que já mencionámos, liam-se os nomes


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dos vivos e defuntos que, em cada igreja, eram particular­ mente lembrados. Estas orações dos fieis vinham depois das orações dos catecúmenos, penitentes e infiéis, e todos depositavam nelas a máxima confiança. Os fiéis eram lembrados na ordem em que os vemos na Liturgia de sexta-feira santa: a Igreja, o Papa, os Bispos, sacerdotes, diáconos, subdiáconos, acóli­ tos, exorcistas, leitores, ostiários, confessores (rerainiscência dos tempos dos mártires), virgens e viuvas. Em seguida vi­ nham os doentes, os famintos, os cativos, os peregrinos e navegantes. Todos os ritos orientais conservaram na sua Liturgia essa solenidade primitiva. No rito romano achamos ainda algumas reminiscências dessas preces fidelium: 1.° Nas orações da Missa dos pressantificados, na sex­ ta-feira santa. 0 que se demonstra, não só por essa Missa do rito mais antigo da Igreja, mas também: a) porque o conteúdo dessas preces não tem relação com o mistério do dia; b) porque se localizam depois do evangelho; c) porque as intenções que aí se mencionam são aa mesmas que nas preces fidelium da Liturgia quo­ tidiana do Oriente. 2.° No Oremus depois do “Dominus vobiscum”, ao qual não se segue uma oração, mas o salmo do ofertório. Essa a opinião divulgada por M. Duchesne. * 3.° Também nas orações pelos vivos e defuntos, den­ tro do cãnon, pode-se ver um vestígio das primitivas pre­ ces fidelium.


Capítulo III

O OFERTORIO 0

oferto rio

e ni

geral

Tanto no paganismo como na história do povo judaico, quando se fala de “sacrifício”, no sentido estrito da pala­ vra, compreende-se com isso a doação de alguma coisa à Divindade. 0 sacrifício nasceu da consciência de dependencia do homem. 0 agricultor oferecia a Deus o dízimo de sua colheita, para reconhecer o direito de propriedade divina. Por isso se destruia geralmente a oferenda, ou pelo menos era ela retirada do uso profano. A dádiva material do sacrifício, no fundo, é uma dádiva espiritual. Quanto o eullo sacrifical do povo de Deus se tornou maquinai e formalista, Deus se irritou: “De que me serve a mim a multidão de vossas vítimas? Já estou farto delas; não quero mais holocausto de carneiros, nem gor­ dura de animais nédios, nem sangue de bezerros, nem de cordeiros, nem de cabritos” (Is. 1, 11). “Se tiver fome, não te direi a tí, porque minha é a re­ dondeza da terra e o que ela contem. Por ventura comerei da carne dos touros ou beberei do sangue dos cabritos? Ofe­ rece a Deus um sacrifício de louvor e paga ao Altíssimo os teus votos” (Salmo 49, 12-14). Ao contrário disso, quando uma intenção pura animava a matéria do sacrifício, Deus demonstrou várias vezes que a dádiva lhe era agradável. Assim agradou a Deus o sacri­ fício de Abel. Subiu até Ele o perfume do sacrifício de ação de graças de Noé. Abraão, que teria sacrificado mes­ mo seu filho único, recebeu por resposta: “em tua descen­ dência serão abençoados todos os povos, porque ouviste a minha voz” (Gen. 22, 18). E muitas vezes desceu o fogo


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do céu para consumir a vítima e demonstrar a complacên­ cia de Deus. Alem da consciência de sua dependência, outro motivo que levou o homem a sacrificar foi a necessidade de expiar. Pelo pecado o homem abusara de sua própria vida, profanando-a em sua fonte. No sacrifício derramava•se o sangue, sustento e símbolo da vida. Essa idéia de purificação pelo derramamento de san­ gue é a alma do Antigo Testamento: “Porque quasi tudo se­ gundo a lei se purifica com sangue, de maneira que sem efusão de sangue, não ha remissão” (Heb. 9, 22). Daí a idéia da participação do dom sacrifical. Uma das maiores provas de reconciliação, é, sem dúvida, o comer à mesma mesa. Por isso o acabamento do ato sacrifical era a par­ ticipação da oferenda. Numa ceia amigável de reconciliação uniam-se Deus e o homem. 0 sncrificador, tomando parte na oblata feita a Deus, comunicava assim com a vida mesma de Deus. Simbólica rica, cheia de pensamentos tão altos. No entanto, quão imperfeito todo esse antigo culto sacrifical ! Isso por deficiência de parte a parte. Deficiência do sacrificador e deficiência da vítima, indefesa e irracional. De onde a palavra do Apóstolo: “A lei não possa duma som­ bra dos bens futuros; ela não é a realidade das coisas. Ano poi ano são oferecidos os mesmos sacrifícios, mas que não estão em condições de levar à perfeição os sacrificnntes” (Heb. 10,1). Por isso, vindo ao mundo Ele disse: “Não quiseste hóstia nem oblação, mas tu me formaste um corpo. Os holocaustos não te agradam; então eu disse: Eis que eu venho” (Heb. 10, 5-7). “E

o Verbo se fez carne entre n ó s” (Jo. 1, 14).

e

habitou

Aí se condensa a suprema humilhação de um Deus, para a suma exaltação do homem. O fim principal da grande Vítima será: sofrer e morrer. Ela dirigirá tudo para o seu Sacrifício, plcnamente sub-


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missa aos desígnios dc seu Pai. Já vimos o Cristo instituir o memorial perene de sua paixão: “Fazei isto em memória de Mim”. E* essa a ordem que os fieis e celebrantes executam, na s. Missa. E sabemos como depois das palavras da consagra­ ção temos o Homem-Deus sobre o altar. Nao precisamos mais de andar à cata de vítimas para nosso sacrifício. E’ Jesus Cristo, a segunda Pessoa da ss. Trindade, Dcu9 e Ho­ mem, que aí se sacrifica por nós, oferecendo-se-nos em ali­ mento num banquete amigo. O cristão, subjugado pela bondade divina, quer dar lambem a sua parcela para concorrer no sacrifício. Por isso é que se consagram as igrejas, benzem-se os vasos e para­ mentos sagrados. E com isso se explica também o rito da oferenda. A

oferenda.

Na apologia de s. Justino já se menciona como um grande cerimonial, o da oferenda: “Então trazem pão e um cáiix com vinho, ao qual se adiciona água, e dão-no àquele que preside entre os irmãos”. No l.° Ordo romano se prescreve: “Depois das preces fidelium levanta-se o Papa de sua sede para receber as dádivas das mãos dos assistentes e o diácono as recebe do povo”. E*, pois, comenta Batiffol, um traço característico da Liturgia romana o deixar os fiéis contribuírem na oferenda, pessoal e publicamente. S. Agostinho testemunha a amar­ gura das mulheres e virgens que, prisioneiras de Alarico, eram privadas do consolo de oferecer e sacrificar. Os pães que se ofertavam eram os que serviam para o uso da casa. Não há indícios pelos quais se possa concluir que este pão tivesse uma preparação especial. O vinho era oferecido em a m u 1 íc, vidrinhos ou galhetas que se ver­ tiam num cáiix muito grande: o “calix offerendarius” ou “calix offertorius”. Deste tirava-se o vinho necessário para


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0 “calix consecrationis” e os "cálices ministeriales”. 0 pri­ meiro era o do celebrante; os segundos destinavara-se à distribuição do Preciosíssimo Sangue aos fiéis. Se nao dizemos Iodos, pelo menos muitos fiéis ofere­ ciam ainda outras coisas, e por vezes de alto valor. A ba­ sílica de s. Joao de Latrão, por exemplo, linha muitos cálices e patenas oferecidos pelos imperadores Constantino, Justino 1 e Carlos Magno, e que serviam por sua vez no cerimonial do oferecimento. “Sois rica — diz s. Cipriano a uma senhora abastada -- e pensais oferecer a s. Missa vindo aqui sem oferenda • • • participar da dádiva do pobre ? ” “Trazei as oblatas da s. Missa” — diz s. Cesário de Aries. “Um homem abastado devia envergonhar-se de compar­ tilhar das dádivas de outrem”. Nem todo o pão e vinho eram consagrados. 0 que so­ brava era considerado como esmola para o clero e para os pobres. Por isso se ofereciam também farinha, uvas, pás­ saros e outros presentes. Algumas “secretas” antigas tes­ temunham ainda a abundância* das dádivas oferecidas. Por exemplo, no dia 24 de junho, s. João Batista, se lê: “ acumulámos, Senhor, o vosso altar com as nossas oblaçÕes”. 4 Pelo fim do século 10 desaparece, pouco a pouco, o uso de oferecer as dádivas sacrificais. Honório de Autun (século 12) diz que o povo dá dinheiro em vez de pão e vinho. Confirma-o s. Pedro Damião (4- 1072). Durante o reinado de Gregório VII (1073-1085) insiste o sínodo de Roma sobre a conservação desse uso. Somente o rito ambrosiano o conservou. Ainda ha muitos restos desse cerimonial no rito ro­ mano: l.° Em várias regiões existe o costume de os fiéis leva­ rem, no fertório (antequam calix detegatur, SRC n.° 1052) velas ou dinheiro. O celebrante recebe essa oblata no altar ou na entrada do prebistério. Segundo 09


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decretos (SRC, n. 1052, 3535 ad 1, 3579 ad 1) tais costumes são inteiramente conformes à praxe antiga da Igreja e não podem ser suprimidos “sem grave causa”, como também — por motivos sábios — não se podem introduzir. 2.° Também o oferecimento da vela ao bispo, nas or­ denações, nos votos solenes, e o oferecimento de velas pelos leigos durante a s. Missa, são vestígios do ofertório. 3.° As dádivas do bispo consecrando, no ofertório da Missa de sua consagração, é lambem reminiscência do uso antigo: duas barricazinhas de vinho, dois pães e duas velas. 4.° Na Missa papal que segue a uma canonização, tam­ bém se faz o oferecimento solene de pão, vinho e pássaros. 5.c As coletas para fins caritativos nesse momento da s. Missa são também um vestígio do uso antigo. Certamente essa coleta perturba um pouco a devoção, mas pertence a om passado tão venerável, e funda-se num princípio tão elevado, que antes devemos tolerar este pequeno distúrbio do que mudar a coleta para o começo ou para o fim da s. Missa. 6.° Distribuição de pão e carne nas exéquias ou no aniversário do falecimento de um fiel, eis outra reminiscên­ cia do antigo ofertório. D. Grea faz sobre o pão cb sacrifício estas belas consi­ derações: “O trigo foi dado ao homem como alimento de sua penitencia, no momento em que os nossos primeiros pais foram expulsos do paraiso. Então Deus disse a Adão: co­ merás do pão com o suor de teu rosto! Assim é que o trigo, do paraiso até o s. Sacrifício da Missa, foi amassado, atravez dos séculos, pelo suor e pelas lágrimas da humanidade penitente. E assim preparado tomou-o Jesus Cristo em suas mãos, abençoou-o, para fazer dele a sua carne sacrificada. E não cessa de renovar quotidianamente esse mistério, nas mãos do sacerdote no altar”. E o cardial Bona aconselha ao celebrante: “Quando tomares a patena com a hóstia nas tuas mãos, deposita tam­ bém nela o teu coração, o dos presentes e o de todo o povo cristão, oferecendo-o a Deus. E quando esse pão se transfor-


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mar no Corpo do Cristo, assim também leu coração e o de todos os fiéis se transformarão cm Cristo, de tal maneira que todos possam dizer: vivo, mas não sou eu quem vivo, é Cristo quem vive em mim”. 0 pão que a Igreja latina usa no s. Sacrifício da Missa é pão ázimo. Se a Igreja de Roma usou desse pão desde o princípio, ou se o adotou mais tarde, é controvertido. Tal­ vez tenha razão o cardial Bona, segundo o qual, no princípio usou-se cm Roma quer o ázimo quer o fermentado. Pois se parece certo que Roma usou pão ázimo, à imi­ tação do Salvador que na instituição da Eucaristia consa­ grou ázimo; é também inegável que sc usava em Roma o pão diário para o ritual do sacrifício, e este pão de uso quo­ tidiano, que os fiéis ofereciam, era sem dúvida fermentado. Sabc-se da vida de s. Gregório que uma senhora, rece­ bendo das mãos do Papa a sagrada comunhão, riu-se, re­ conhecendo o pão que ela mesma tinha feito: motivo pelo qual o Papa julgou necessário fazer uma explicação sobre a doutrina do ss. Sacramento. Dada a influencia da praxe transalpina, por volta do scculo 11 o uso do pão ázimo já era geral no Ocidente. E* de sc notar que Roma sempre reconheceu a validade da consagração, quer do ázimo quer do fermentado, c incen­ tivou mesmo cada rito a conservar nesse sentido a sua tra­ dição. Quanto à configuração do ázimo, Honório de Autun nos diz que ele tinha, no século 12, a forma de uma moeda com a inscrição do Salvador. 0 costume dc usar na Missa vinho branco é relativa­ mente novo. Achamo-lo, pela primeira vez, no século 14. O vinho vermelho era mais adequado para representar o pre­ cioso Sangue. Teologicamente considerada, é imensa a significação das dádivas sacrificais. E isto: l.° Porque é graças às aparências do pão c do vinho que o nosso sacrifício é um sacrifício sensível.


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2.° Embora a substância do pao c do vinho não façam paitc dc nossa Vítima, que é o Cristo, todavia o pao e o vinho leem na ação sacrifical visível um papel de máxima relevância, pois a presença física dessa oblata é condição para a imolação mística do Cordeiro. 3.° As dádivas exteriores mudam*se, pelo alo sacri­ fical, na Vítima que é o Cristo. Quem, portanto, traz essas dádivas, pode considerar-se, de modo especial, um sacrificador de Jesus Cristo ao Pai. Pela transubstanciação, estas dádivas não perdem, aos olhos de Deus, sua propriedade de dádivas, mas continuam sendo o presente especial de seus doadores. Hoje o pão e o vinho, como também as outras oblatas da Missa, não são mais oferecidos pelos fiéis. Eles dão o estipêndio para celebrar a s. Missa, segundo as suas intenções. Ao doador de uma espórtu-la pode-se atribuir a mesma parte que àqueles que traziam as dádivas sacrificais de outrora. Pois: l.° Quem oferece a espórtula ao sacerdote dá, indire­ tamente, a matéria para o Sacrifício. O estipêndio não é o preço do s. Sacrifício, mas das dádivas, que no Sacrifício são oferecidas a Deus e tomam parte essencial no ato sa­ crifical. 2.° Ainda, num sentido mais largo, é o doador da espórtula que cuida do Sacrifício, pois pela sua dádiva se toma possível ao sacerdote viver do altar, o que é seu di­ reito. Ainda, pela sua dádiva, o sacerdote pode viver, cele­ brando para o seu povo. Aqui surgiu uma diferença notável entre o rito romano e os demais ritos. Em todos os ritos do Oriente — também no Galicano — firmou-se a praxe de preparar as dádivas e de oferecê-las antes da Liturgia sacrifical propriamente dita. Só a Liturgia romana conservou a praxe de s. Justino: a de pre­ parar e oferecer as dádivas depois da ante-Missa, antes da Oração eucarística.


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Primitivamente a Igreja oriental teve tnmbem esta se­ gunda praxe. Isto se deduz: 1.? Das Constituições apostólicas, que mandam sim­ plesmente fazer as oblaçÕes, sem oferecimento especial an­ tes do ofertório. 2.° Dos textos existentes que mencionam a oração do ofertório — c colocam-na antes da anáfora (cânon). 3.° Do fato de nenhum escritor anterior ao século 4 mencionar a preparação das oblatas antes da Liturgia dos catecúmenos. Foi, portanto, por volta do século 5 que se começou a preparar a matéria antes da s. Missa, na Liturgia do Oriente. Por que se introduziu esse costume? A resposta é duvidosa. Dado o longo cerimonial do ofertório oriental e o esforço contínuo dos santos Padres, especialmenle s. Basílio (+ 379) e s. João Crisóstomo (H- 407), para abreviar a sua Liturgia, parece aceitável que se quisesse ganhar tempo trazendo o ofertório para o comêço da Missa, quando o povo ainda nao precisava estar presente na igreja. Com isto se extendeu ainda mais o ritual da s. Missa, pois não era fácil cortar e distribuir muitos pães e provi­ denciar muito vinho para a comunhão dos fiéis. Alem do que, em alguns ritos — outrora os dos Nestorianos e ainda hoje, o dos Coptas — o pão é amassado antes de cada Missa. Consequência dessa deslocação: l.° As Liturgias orientais nao conhecem o intróito romano. 2.° Antes da anáfora não ha oferecimento, mas ape­ nas uma procissão com as oblatas. No princípio da Missa fi deli um são estas levadas solenemente ao altar: é megalé eísodos, isto é, a grande entrada. As obla­ çÕes são aí cercadas com tanto respeito e os termos das oraÇÕes tão expressivos, que só os explica a consagração pró­ xima a que se destinam essas oblatas.


236 A

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antífona

do

o f e r t ó r i o.

Para tomar o longo tempo do oferecimento foi preciso introduzir um salmo. S. Agostinho defende-se contra um certo Hilário, que o acusou de introduzir essa novidade, justificando-se com a afirmação de que ele o introduzira apenas na sua igreja. Isto indica que naquele tempo esse uso ainda não existia em Roma. Quando se introduziu em Roma a antífona com o salmo do ofertório ? l.° Dos textos da antífona no Missal Romano se de­ monstra claramente que esta foi introduzida mais tarde do que o salmo do inlróilo e da comunhão. Vejamos: a) Em algumas Missas o ofertório não se relaciona em nada com a festividade nem com os demais cânticos do dia. Por exemplo, no 4.° domingo da Quaresma é a estação de s. Cruz de Jerusalem. 0 intróito e a comunhão aludem à cidade santa, enquanto o ofertório apenas formula louvores muito gerais: “Louvai o Senhor, porque Ele é bom; cantai ao seu Nome, porque é suave. Tudo o que Ele quis, Ele o fez, nos céus e na terra”. Outros exemplos os temos nas Missas do nascimento de s. João Batista, na quarta-feira depois do 4.° domingo do Quaresma, festa da Purificação de Maria e na invenção da s. Cruz. b) O mesmo ofertório se acha muitas vezes em duas ou mais Missas cujos textos, quanto ao mais, diferenciam totalmente, por exemplo: No l.° domingo do Advento; No 10.° domingo depois de Pentecostes; Na quarta-feira da segunda semana da Quaresma — Salmo 24, 1-3; Terça-feira da terceira semana da Quaresma; Na invenção da s. Cruz;


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No 3.° domingo da Epiíania — Salmo 117, 16-17; Na segunda-feira da segunda semana da Quaresma; No 5.° domingo depois de Pentecostes — Salmo 15, 7-8. Não seria difícil prolongar essa relação. 2.° Parece que o canto do ofertório entrou no rito por volta do século 8. Ha alguns anos o jesuila Carlos Silva-Tarouca divulgou um O r d o romano que data — segundo se afirma — do ano 680, e que teria sido composto por João Arquidiácono. Esle Ordo traz uni intróito e uma comunhão, não menciona, porem, o ofertório nem da Missa papal — para a qual traz todas as rubricas — nem das Missas dos Após­ tolos, mártires, etc., cuja ordem ele menciona. De outro lado, nos manuscritos do Sacramentário Gre­ goriano que datam, certamente, do início do século 9, lê-se: %<Postmodum legitur evangelium. Deinde offertorium et dicitur oralio super oblatam... ” E’, pois, legitima a conclu­ são que o ofertório foi introduzido durante o século 8. 0 3.° Ordo romano, que data do século 9, prescreve: “Tunc canitur offertorium cum versibus” — canta-se então o ofertório com os versos. Dessa rubrica ressalta que então se juntavam à antífona do ofertório alguns versos de salmos. Era natural que, quan­ do necessário, se cantasse o salmo inteiro, e que o reduzis­ sem, quando as oblações do ofertório tomassem pouco tempo. Desaparecendo a procissão das oblatas, o salmo desa­ pareceu também, ficando apenas a antífona. Durandus lamenta-o bastante. Só a Missa de requiem conservou um verso do ofertório — e este não foi tirado de salmo — de­ pois do qual se repete a antífona. Isto se explica com a sovrevivência do oferecimento das oblatas nas Missas fúnebres, o que ainda existe hoje em algumas regiões.


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A antífona do oferlório é geralmenle tirada do saltério. Mais rarauienle de outros livros da Sagrada Escritura. Raríssimas vezes são textos não inspirados. Orações do oferecimento das o b l a t a s Todas as nossas orações do ofertório datam do tempo medieval, com exceção da secreta, que já existia no antigo rito romano. Teslemunha-o Micrologus (século 11), que conhece o nosso “Veni Sanctificator” e o “Suscipe Sancta Trinitas”, mas diz que são galicanos, conformes a um costume ecle­ siástico, não conformes a nenhum 0 r d o romano. Roma só os recebeu depois do século 14. Os textos das orações do ofertório variavam muitís­ simo. Usava-se uma fórmula conjunta para o oferecimento do pão e do vinho. A Igreja de Lião ainda faz hoje assim, tendo-se conservado o mesmo costume no rito dos Carme­ litas e Dominicanos. O Missal de 1570 aceitou todas essas orações do 14.° O r d o. Este era, na sua quasi totalidade, de origem não romana. O conjunto “Suscipe sancte Pater” até ao “Suscipe sancta Trinitas” inclusive, é chamado também o pequeno c â n o n, porque contem uma série de orações invariáveis, (c â n o n, i.é., regra, fórmula) sendo, porem, o seu con­ teúdo mais breve que o da oração eucarística que, desde a mais remota antiguidade se denominou propriamente canon. EXPLICAÇÃO DOS TEXTOS E CERIMÔNIAS. Ao oferecimento do pão: “Recebei, ó Pai santo, Deus todo poderoso e eterno, esta hóstia imaculada que eu, vosso indigno servo, ofereço a Vós, meu Deus vivo e verdadeiro, por meus inumeráveis pecados, minhas ofensas e negligên­ cias; por todos os assistentes e por todos os cristãos fiéis


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vivos e mortos, afim de que aproveite a mim e eles para a salvação na vida eterna. Amcn”. a) Suscipc... hanc im m d c u l a t a m hós­ tia m... Estes e semelhantes adjetivos que aparecem nas ora­ ções anteriores à consagração, não visam somente a ma­ téria, que certamente deve ser pura e íntegra, mas visam principalmente a Hóstia c o Cálice já consagrados. Como nos ritos orientais essa terminologia foi influenciada pelo alto destino da matéria das oblalas. Assim se entendam as expressões como: “caliccm salutaris”, “sancta sacrificia”, “sacrificium laudis”, etc. b) Quani ego indignus... O smgular e g o é indício claro da origem recente deste entrecho. c) Pro «ircumstantibus assinala que os fiéis estavam ac pé. À mistura da água com o vinho: “Ó Deus, que mararilhosamentc formastes a dignidade da natureza humana, e mais prodigiosamenlc a reparastes, permití que, pela mis­ tura simbólica desta água e deste vinho, participemos da divindade daquele que se dignou assumir a nossa humani­ dade, Jesus Cristo, vosso Filho, nosso Senhor, que convosco vive e reina, na unidade do Espírito Santo, Deus por todos os séculos dos séculos. Amen”. E’ uso em todos os ritos misturar um pouco d’água no vinho que se deve consagrar. Esta prática remonta à origem da Liturgia cristã. S. Justino o assinala duas vezes em sua primeira apologia, como tam­ bém s. Irineu e muitos outros. O Ritus celebrandi fala de Uparum aquse” — ura pouco de água. O decreto ad Armenos, do Papa Eugênio IV (+ 1447) diz “aqua modicissima”. Uma gota basta, ou duas ou três. “Sufficit atilem una alteiave guttula aqu® et octo et decem guttas quantitas vino adicct® excedere non debet, etsi usque ad octavam, imo usque ad quintam partem vini infundi possit, quin


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matcria fiat dúbia, Aquac autcm quanlitas adiecla, qu® vini terliam partem exccdit, matcriam reddit dubiam, et si vinum non est gcncrosnm etiam invalidam. Quare, si in casu nimium aqu® adiectum íuerit, itcruni aliquid vini addeitâum erit”. (Noldin, III, n.° 109). O costume de usar uma colhcrinha é “consuetude pr®ter rubri­ cas, non contra rubricas”. E’ fora das rubricas, não contra elos. Existe em muitos países. Por que se

mistura água ao

vinho?

l.° Por motivos históricos*. Entre os Judeus, Romanos e Gregos, era costume geral mixturar-se o vinho com água. O ritual judeu o prescreve na ceia pascal. Isto leva a presumir que o Cristo também fez o mesmo nn última ceia. O Concilio Tridentino diz: “Hoc ex apostólica tradilione perpetua sancta ecclcsia sevavit” — A Igreja conservou ièso em virtude de uma tradição apos­ tólica ininterrupta. 2.° Por motivos simbólicos. Durante séculos só o motivo histórico explicou o ritual dessa mixtura. Mas a Igreja quis ver nesse pequeno ceri­ monial motivos simbólicos. Daí, posteriormente, a mixtura da água ao vinho designou a união da natureza divina com a humana, na Pessoa do Verbo encarnado, o que se exprime na oração uDeus, qui humanae”. Essa oração prescrita pela Igreja no ritual da mixtura da água ao vinho é, no sacramentário Leoniano, uma antiga coleta da Missa do Natal. Alem disso o pequeno ritual em questão tem outro simbolismo: E’ a união de nossa natureza humana com a di­ vina pèla graça santificante que se define: a participação da natureza divina. Isto se evidencia pèla oração “Deus qui humanae”, na qual se pede esta participação. O mesmo se deduz do Concilio Tridentino, que explica a razão déste simbolismo: “Ut, quum aquae in Apocalypsi beati Joannis Apostoli populi, dicantur, ipsius populi fidelis cum capite Christo unio reprsesentatur” — isto é — “afim de que seja representada a união dèste povo fiel com a sua cabeça, o Cristo, pois que os povos no Apocalipse do Apóstolo s. João são denominados águas”.


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A união da água ao vinho da s. Missa tem ainda uma terceira significação simbólica, isto é, figura a água e o sangue que saiu do lado de Cristo. Isto segundo as palavras textuais do Tridentino: “quia a latere ejus simul cura sanguine exivit” — porque a água saiu do seu lado, juntamente com o sangue. Daí o dizer-se, oulrora, na oração que acompanhava o deitar do vinho no cálix: “de latere Christi exivit sanguis” — do lado de Cristo saiu sangue; c misturando a água: “et aqua in remissionem peccatorum” — e água, em remissão dos pecados. Todos esses simbolismos são sumamente expressivos. A súplica do cardial Mercier se torna assim particularmente emocionante: “Eu sou esta gotinha d’água que o vinho da s. Missa absorve. O vinho da Missa c o sangue de Deus-Homem. E o Deus-Homem é substancialmente unido a ss. Trindade. A gotinha d'água é levada na corrente de vida da ss. Trindade. Essa gota dc água será jámais bastante pura, bastante cristalina, para tomar parte no Sacrifício da s. Missa?” A

bênção

da

água.

O sacerdote benze a água imediatamente antes de mixlurá-1, mas não benze o vinho. Nas Missas de requiem a água não se benze. Segundo o Tridentino a Igreja vê na água o povo fiel. Daí a explicação do porque se benze a água e nao o vinho que simboliza — sabemos — o próprio Cristo. Que a água é benzida precisarnente pelo fato de ser o símbolo do povo, prova-o ainda a circunstância de nao a benzer nas Missas de requiem. Nestas benze-se o in­ censo, faz-se o sinal da cruz sobre o evangelho, mas nao se faz sobre a água, pois os fiéis querem ceder essas bênçãos às almas do purgatório. Se a benção fosse sóbre a matéria e nao sobre o povo, não haveria razão para se omitir a mesma nas Missas de requiem, nem haveria o que explicasse o fato de não


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se benzer o vinho também. Por isso é que a água que sobra na galheta não se considera como sacramental. Oferecimento do vinho. “Nós vos oferecemos, Senhor, o cálice da salvação e suplicamos a vossa clemência, para que ele suba com suave perfume à presença de vossa divina Magestade, para sal­ vação nossa e de todo o mundo”. Ao passo que no oferecimento do pão a fórmula era singular, aqui se emprega o plural. Isto se explica com a rubrica que prescreve ao diácono, durante o oferecimento, ofertar e recitar essa oração juntamente com o sacerdote. O fundamento dessa rubrica é duplo: O diácono tinha outrora uma função especial com relação ao cálix consagrado. Era ele quem o devia oferecer aos comungantes. Por isso é que s. Lourenço podia dizer ao Papa Sixto (4- 258): “Observa se escolheste um ministro idôneo a quem entre­ gues a distribuição do Sangue do Senhor”. 2.° Primitivamente, antes de existirem os cálices ministeriales para a comunhão dos fiéis, o cálix da s. Missa era o único cálix para a consagração, e por isso mesmo era grande e pesado. Pelo que convinha sumamente que o diácono o segurasse cóm o sacerdote. N o las. 1.® As rubricas pedem que o celebrante levante por um momento os olhos ao alto, quando pronuncia o “Suscipe, sancte Pater", e imediatamente os incline. Isto, certamente, se prende ao “quam indignus famulus tuus.. Quando se trata, porem, do oferecimento do cálix, o cele­ brante olha para o alto, durante toda a oração que o acom­ panha. 2.° Na Missa solene, durante o tempo do ofertório, os fiéis dão com uma cerimônia extranha e obscura: O


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subdiácono recebe, ao lado da epístola, a patena das mãos do celebrante, segura-a com a mão direita, cobre-a com a ponta do véu humeral. A seguir o subdiácono desce ao seu lugar, em baixo dos degraus, atraz do celebrante, no meio do aliar. Faz uma genuflexão e fica com a patena levan­ tada à altura do rosto, até a oração dominical. Nas Missas de defuntos e na sexta-feira santa o subdiácono não leva a patena do altar. (Cf. Rit. serv. 7,9). D. Vandeur tenta explicar essa rubrica: Até ao século 6 usava-se a patena durante toda a s. Missa. Punha-se sôbre ela o pão consagrado, como hoje, sobre o corporal. Usando-se o corporal, dispensou-se a patena durante a Missa, até ao momento de quebrar a Hós­ tia, depois do Pater. E porque a patena antiga era muito grande — para conter toda a grande porção de pão que devia ser consagrado — retiravam-na do altar, como era costume retirar tudo quanto fosse supérfluo. 0 1.° 0 r d o prescrevia, então, que um ministro inferior a segurasse do ofertório até o Pater. Como este, porem, não a podia tocar imediatamente, puseram-lhe sobre os hombros um pano comprido, com cujas extremidades segurava a patena. Mais tarde essa incumbência passou ao subdiácono, conservandose o uso do véu humeral, o que ainda se explica, pela ten­ dência litúrgica dc velar os vasos sagrados aos olhares da multidão. Nas Missas de r e q u i e m havia poucas comunhões, c na sexta-feira santa nenhuma. E’ por isso que nessas Mis­ sas não aparece a grande patena sòbre o altar. OFERECIMENTO DO CELEBRANTE E DO POVO. Inclinando-se sòbre o -altar o sacerdote recita: “Em espírito dc humildade e de coração contrito sejamos acolhi­ dos por vós, Senhor, e o nosso sacrifício se realize hoje de tal modo em vossa presença, que vos agrade, ó Senhor nosso Deus”. Na oblação de ambas as matérias ja se exprimia o ofe­ recimento do celebrante e do povo. Mas a oração que segue


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quis tornar essa oblaçao mais pessoal e explícita. 0 sen­ tido sacrifical deste texto é óbvio: a) suscipiamur quer dizer “sejamos acolhidos por vós”; b) o conteúdo é tirado da oração dos três jovens sacrificados por Nabucodonosor na fornalha ardíente. (Cf. Daniel, 3,39); c) sacrificium n o s l r u ni acentua essa in­ tenção sacrifical. A atitude inclinada do celebrante exprime lambem uma súplica humilde, que quer ser atendida. Benzendo

o

cálice

e

hóstia :

“Vinde, Santificador, Deus todo poderoso e eterno, e abençoai este sacrifício preparado para a glória de vosso santo Nome”. O homem fez tudo para santificar o sacrifício. Agora segue uma súplica instante — elevação suplicante das mãos — ao Santificador, o Espírito Santo, a quem se atribue toda obra de santificação. Tuo sancto nomini... Na expressão habitual da Escritura e da Liturgia isso designa “Vossa Santidade”. Como se demonstra que se entende aí o Espírito Santo? ].° No rito mozarábico, do qual provem esta oração, se diz expressamente: “Veni, Sancte Spiritus Sanctificator”. 9 © No rito gálico anterior ao século 12, figurava, nessa altura da s. Missa, o “Veni Creator”, ou “Veni Sancte Spiritus” inteiro. A invocação do Espírito Santo, pedindo a santificação das oblatas, achava-se em todas as liturgias, exceto na Ro­ mana. O Missal de Pio V introduziu-a, oficialmente, nesse momento da s. Missa. Quiseram ver nessa invocação a e píclese do rito romano. Sem razào, porem, pois: l.° Nos ritos orientais a epíclese — em que se suplica a colaboração do Espírito Santo na consagração Am •


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da matéria — vem dentro do cânon, ou do quadro da Oração eucarística. Enquanto o “Veni, Sanctificator” figura aqui muito distante. 2.° Essa oração não existia na antiga Missa romana. Só foi introduzida muito mais tarde, quando nenhum vestígio existia mais da dita epíclese romana. A

1NCENSAÇÃ O.

A pesquisa histórica é o caminho indicado para com­ preender o sentido exato das cerimônias lilúrgicas. Na incensação do oferlóno, porem, essa pesquisa é impossível. Eis a opinião de alguns liturgistas: Micrólogus (século 11) reprova-a, reconhecendo, toda­ via, que essa incensação já se praticava, no seu tempo, em quasi toda parte. Koenders vê nela uma sagração das oblatas e uma imi­ tação dos sacrifícios de incenso da antiga Lei. Batiffol a considera como uma oferta simbólica da9 orações da Igreja, à imitação do anjo do Apocalipse. Na incensação do celebrante e do povo êle vc um símbolo da participação coletiva nas oblatas. Dom Puniel reconhece no incenso apenas um símbolo do respeito e da veneração com que se quer envolver as oblações. Dom Vandeur vc nesse ritual o símbolo das orações dos fiéis e de Jesus Cristo. Gihr e Thalhofer consideram-na uma consagração e símbolo do Sacrifício Eucarístico. Procuremos nós também, uma explicação simples e natural desse longo e edificante ritual da incensação. Orientemo-nos pêlas indicações cronológicas de Batiffol sobre a história do incenso na Liturgia romana: /Vo intróilo. Leva-se ao Papa um turíbulot de ouro, à sua entrada na igreja. Repete-se o mesmo ritual a hora da saída. (Cf. l.° O r d o, século 7).


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Procissão do evangelho. Leva-se o turíbulo à frente do diácono, quando este se dirige ao ambom, para cantar o evangelho (l.° O r d o, século 7). Tu ríbulos aromáticos. Desde Constantino eram suspensos, cm redor do altar, thymiateria ou lâmpadas aromáticas, que serviam durante a s. Missa. (Cf. Liber Pontificalis). Aliar, clero, povo. Sob a influência da Litur­ gia germânica também a romana aceitou (por volta do sé­ culo 9) o uso de um acólito, depois do evangelho, girar em redor do altar, incessando-o com um turíbulo. Depois incen­ savam-se o bispo, os sacerdotes, os diáconos e todo o clero, enquanto um acólito — com um segundo turíbulo — incen­ sava o povo. “Thuribula per altaria portantur, et postea ad nares hominum feruntur ct per manum fumus ad os trahitur”. Essa rubrica, mandando levantar o turíbulo à altura do nariz e dirigir a fumaça à boca dos presentes, relembra mais uma gulodice do que um ritual litúrgico. (Cf. Ordo III, do século 9 a 10). Início da Missa. Quando o Papa, no come­ ço da s. Missa se dirige para o altar, devia arder um turí­ bulo sobre o altar, ao lado e em honra do livro do evange1!ío. íCf. 4.° 0 r d o, século 10). O f e r 1 ó r i o. O Ordo acima mencionado diz, todavia, que esse costume não era geral. Em outras regiões preferia-se levar o turíbulo ao altar quando sobre ele se depositavam as oblatas. E êsse mesmo Ordo prescreve então a incensação das oblatas. Explicação. “Por intercessão do Arcanjo s. Miguel, de pé à direita do altar do incenso, e pela intercessão de todos os seus elei­ tos, digne-se o Senhor abençoar este incenso e recebê-lo como suave perfume. Por Jesus Cristo Nosso Senhor. Amen”. No Apocalipse de s. João (8, 3-6) aparece um anjo que faz arder diante do trono de Deus um turíbulo de ouro.


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À exegese vê nesse Anjo o Arcanjo s. Miguel. Nas pala­ vras da benção do incenso é essa passagem do Apocalipse que se recorda. 0 simbolismo é claro: o incenso sao as ora­ ções dos fiéis. Fez-se uma coqfusão entre s. Miguel e s. Gabriel. E ido não 9Ó porque muitos manuscritos e sacramentários in­ cluiram aí o nome deste ultimo; mas também porque na fórmula se diz: “stantis a dextris altaris incensi”, o que corresponde com Lucas “apparuit autem illi Angelus Domini, stans a dextris altaris incensi... Ego sum Gabriel” (Luc. 1, 11). Incensação

das

o b l a ta s

O celebrante incensa primeiramente, com um tríplice movimento em forma de cruz, c depois com movimentos cir­ culares; toda a matéria sacrifical. Nesse inlerim ele reza: “Êste incenso abençoado por vós, suba até vós. E desça sobre nós a vossa misericórdia”. Em todo esse ritual vê-se que a Liturgia pede a Deus a santificação da9 oblatas. A cruz se explica, no caso, pela fórmula antiga da inceusação “in nomine Patris + et Filii + et Spiritus + Sancli”. fórmula essa que os Cartuxos até hoje ainda usam. Todo esse .ritual é imponente e edificante, mas não é lógico. Depois de se ter pedido — e com que insistência — ao Espírito Santo a santificação das oblata9, isto é quasi supérfluo. O

salmo

da

incensação.

As primeiras palavras do salmo da incensação só fa­ zem ressaltar o simbolismo da cerimônia, na qual o incenso é sacrificado, como símbolo de nossas ora­ ções. Sao palavras tiradas do salmo 140: “Suba até Vós, Se­ nhor, como o incenso, a minha oração. A Vós levanto a mi-


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nha mão, na prece, oferecendo-vos o sacrifício da tarde. Ponde, Senhor, uma guarda à minha boca, e um freio aos meus lábios, para que o meu coração não se deixe arrastar a palavras maliciosas, para se excusar de seus pecados”. < Não deve causar extranheza o inadequado desse salmo, tomado na sua íntegra, pois é sabido que a Idade Média gos­ tava de acompanhar de oraçõeá todos os seus rituais. E que, alem disso, um só versículo justifica não raro, em Liturgia, a adopção de todo um salmo ou de de toda uma perícopa. E esse versículo lá está: “sicut incensum” • • • Ainda o

ritual da

incensação.

1

].° A incensação do crucifixo e das relíquias — ou das imagens — teem aqui o mesmo sentido que no intróito. 2.° A incensação do altar, agora que o ofertório passou, não pode mais ter o mesmo sentido que no início da Missa. Vimos que lá o aliar era santificado para ser um digno lugar de sacrifício. Também o que segue aqui no ofertório — a incensação não só do celebrante, mas de todo o clero e do povo — previne que este ritual não se identifica com o do começo da s. Missa. S. Tomaz se envolve nesta questão. Na sua Suma Teo­ lógica (cf. p. 3, q. 83, art. 5 ad 2) o Angélico vê, nesta in­ censação, o símbolo da graça, o bom odor de Cristo, que de Cristo ^e deriva para os fiéis, pelo ministério do sacer­ dote. Por isso se incensa o altar primeiramente — “per quod Christus designatur” — e depois do altar os fiéis todos, por ordem. Este pensamento de s. Tomaz confirma-se ainda pelas palavras que seguem no ritual da incensação, quando o sacerdote entrega o turíbulo ao diácono que o deve incensar: “Acenda-nos o Senhor o fogo de seu amor e a chama da eterna caridade”. Resumindo. A incensação do altar designa: 1.c A oração dos fiéis, como se deduz do salmo 140. 2.° A nova santificação das oblatas.


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3.° O culto do crucifixo e das relíquias. 4.° A adoração de Cristo — o altar — e o culto dos membros de Cristo, na incensaçao dos fiéis. O

LAVABO.

Depois da incensaçao, o celebrante lava as mãos. Na9 Missas sem incenso, somente o polegar e índice. “Lavat manus”, diz o Rit. cel. (7,10), e Herdt comenta: “manus integras”. “Lavat manus”, isto é, “extremitates digitorum pollicis et indicis” (Rit. cel. 7,6). Nos diversos ritos e no decurso dos tempos eram múl­ tiplas as loções na s. Missa: 1.° Antes da Missa, no rito bizantino e no grego de Antioquia e de Alexandria. O mesmo no rito romano pri­ mitivo. Nos primeiros séculos também os simples fiéis lavavam as mãos nas fontes que havia à entrada dos templos. Vestígio disso temo-lo no sinal da cruz com a água benta, à entrada da igreja. 2.° Antes da demissão dos catecúmenos, segundo cons­ ta das Constituições apostólicas. Antes da demissão dos catecúmenos impunham-se-lhes as mãos, segundo Bona. 3.° Antes de se receber as oblalas do clero e dos fieis, por motivo de asseio. 4.° Depois de se receber as oblatas, por respeito ao s. Sacrifício. (l.° e 2.° O r d o . 5. Tomaz comenta: “quia aliqua pretiosa tractare non consuevimus nisi manibus ablutis; unde indecens videtur quod ad tantum sacramentum aliquis accedat manibus etiam corporaliter inquinatis”. (Cf. Suma, p. 3, q. 85, art. 5 ad 3). 5.° Segundo consta do 14.° O r d o (século 14) o Papa lavava as mãos imediatamente antes do ofertório, como imediatamente depois da incensação. Mas a segunda ablução era facultativa, e Roma geralmente não a observava. Na Missa solene pontificai de hoje conservam-se ainda duas abluções: a primeira, depois da recepção das oblatas,


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na Missa de ordenação; e a segunda, que segue ao incenso do oíertório. Na Missa solene comum conservou-se esta 9egunda abluçao. Na Missa privada e na Missa cantada sem incenso, essa loção se reduziu ao lavar dos dedos, conservando apenas o sentido simbólico. Como nas loções da Lei antiga e da última ceia, o lavabo tem ainda hoje, ao lado do fim prático, o sentido simbólico de purificação, como acentuam as orações que o acompanham. O salmo 25 figura nesse ritual desde o século 11, com os seus versículos de 6 a 12. Salmo 25. Davi julga-9e inocente das faltas que vê nos seus ini­ migos. Ele se coloca, em espirito, diante do tribunal de Deus. Deus julga entre Davi e seus adversários ! Como os levitas, conscientes de sua inocência, lavavam as mãos antes de sacrificar, assim Davi também faz, sem receios de aparecer na presença de Deus. “Lavarei as minhas mãos entre os inocentes e andarei em redor de vosso Altar, ó Senhor”. Como-quem sacrifica­ va, na Antiga Lei, andava em tomo do altar. “Para ouvir os vossos louvores e publicar as vossas maravilhas”. U t a u d i a m significa aí ut audire f a c i a m, para fazer ouvir os vossos louvores. “Senhor, eu amei a beleza de vossa casa e o lugar onde reside a vossa glória”. “Meu Deus, não deixeis perder-se a minha alma com os ímpios, nem a minha vida com os homens sanguinários”. Isto porque um príncipe é sempre rodeado de sedutores. Na sua própria corte se aninham, por vezes, seus inimigos. “Cujas mãos estão cheias de injustiças, e cuja direita é repleta de presentes — para me seduzir”. “Porem eu tenho andado na minha inocência. Dignaiyos remir-me deles e tende compaixão de mim”.


0 Santo Sacrifício da Missa

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“Os meus pés estão firmes no caminho reto (estou em bom caminho, não- hei de tropeçar). Nas assembléia^ Senhor, vos louvarei”. Todo o conteúdo desse salmo é suraamente adequado à preparação do sacerdote que vai emprestar suas mãos a Jesus Cristo, para o sacrifício do altar. Tudo aí acentua a idéia de pureza sacerdotal, pois “quis ascendet in mon­ tem Domini?”.— Quem subirá ao monto do Senhor? — Só os inocentes em suas mãos e puros em seus corações ! Outróra o lavabo se fazia numa fonte ao lado da epís­ tola. Posteriormente esse ritual simplificou-se, para que o sacerdote não devesse abandonar o altar. ORAÇÃO

FINAL.

“Recebei, ó Trindade santa, esta oblaçao que vos ofe­ recemos em memória da Paixão, Ressurreição e Ascenção de Jesus Cristo, e em honra da bem-aventurada sempre Vir­ gem Maria, o bem-aventurado s. João Batista, dos santos Apóstolos s. Pedro e s. Paulo, destes e de todos os santos, para que esta oblaçao lhes sirva de glória e a nós de sal­ vação, e se dignem interceder por nós no céu, aqueles cuja memória onramos na terra. Pelo mesmo Cristo Nosso Senhor. Amen”. De volta, no meio do altar, o celebrante levanta os olhos confiantes para o crucificado e abaixa-os logo — como pede o conteúdo humilde da súplica — e recita, inclinado sobre o altar o “Suscipe, sancta Trinitas”. Essa prece parece ser uma reminiscência dos formulá­ rios privados em que outróra o celebrante costumava incluir as suas intenções nò s. Sacrifício. E’ inegável que ela retar­ da, sem necessidade e sem muita lógica, o ritual eucarístico. Duas coisas são certas: l.° Essa oração é de origem oriental. Prova-o o fato de se dirigir à ss. Trindade, quando nas súplicas prece­ dentes sc invocava o Pai e o Espírito Santo. De origem oriental, essa prece entrou muito cedo no rito ambrosiano e galicano.


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0 Santo Sacrifício da Missa

Muito devagar foi recebida no Ocidente. EncontramoIa em poucos Missais dos séculos 9 e 10. No século 13 já estava, porem, generalizada e o XIV O r d o a recebia com benevolência. 2.° Essa oração não é original, como já vimos. As intenções sacrificais aí mencionadas, já tinham sido men­ cionadas antes. A palavra “istorum”, provavelmente ofere­ cia ensejo para intercalar nomes de santos, á própria esco­ lha. Em alguns Missais essas palavras tem um comple­ mento: “quorum reliquiae hic sunt reconditae — cujas re­ líquias esião aqui reclusas. Em outros Missais também se diz: “quorum palrocinia hodie veneranlur” — cujo patro­ cínio hoje é celebrado. Essa variedade um tanto arbitrária dos textos foi o que motivou a sua introdução tardia no ritual definitivo da Missa romana. Nota. Todas essas orações são rezadas “submissa voce”, em consequência de sua introdução posterior e do canto da antífona do ofertõrio. A

SECRETA.

O

sentido

da

secreta.

Quando tratámos das diversas orações do ofertõrio, ou do pequeno cânon, dissemos que só muito tarde foram elas recolhidas na Liturgia da s. Missa. Então a Igreja antiga não conhecia preces sacrificais? A única que aparece nos sacramentários mais antigos, neste momento da s. Missa, é a “oratio super oblata”, também denominada “secreta”. Sendo a secreta uma oração de caráter um tanto pri­ vado, sem exortação ao povo — como o oremus, — que observámos na coleta — introduziu-se mais tarde essa exortação que estava faltando.


0 Santo Sacrifício da Missa ORATE

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F R A T R E S

No l.° O r d o ainda não figura nenhuma exortação ao povo. No II acha-se o “Orate”, e no IV, “Orate pro me”. Nos missais do tempo medieval vamos encontrar “Orate pro me, fratres — também fratres et sorores — ut nieum et vestrum sncrificium sit acccptum in conspectu Donum . Em 1570 o “Orate, fratres” sc define e toma a forma que hoje tem: — “Orate, fratres, ut meum ac vestrum sacrificium acccptabile fiat apud Deum Palrem omnipotentem”. — “Suscipiat Dominus sacrificium de manibus tuis, ad laudem et. gloriam nominis sui, ad utiiitatem quoque nostram, totiusque ecclesiae suac sancta;. Amen”. Por sacrificium comprcendera-se ambas as oblatas materiais, e ainda as orações da comunidade crista. Concluc-se isto dos textos dc muitas secretas, que falam de “preces et munera”, orações e dádivas. Assim se explica também o “Orate, fratres” na Missa dos pressantificados, na sexta-feira santa, em que não se oferece matéria sacri­ fical nem sacrifício cucaríslico. Nessa ocasião o “sacrifi­ cium” só se pode entender da oração e do incenso, que simboliza essa oração. O sentido comunitário é manifesto nessa exortação: “ul meum AC VESTRUM”. Mas porque o sacerdote se apresenta ao povo cm virtude de sua eleição sagrada, a resposta leva em conta essa mediação: “manibus tuis” — de tuas mãos, “ungidas para o serviço do altar”. Como fim do sacrifício aí se menciona — após a glória de Deus — a utilidade pessoal dos fieis e de toda a santa Igreja. A resposta não consta do ritual da Missa dos pressantificados, nem do rito dos Dominicanos, o que é indício de se tratar de uma adição posterior. Como quem chega à última hora, é num tom hesitante que essa exortação se ajeita na sequência das preces da s. ■

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Missa. Dai as precauções que as rubricas tomam a seu respeito: “Voce aliquantulum elata”, diz o Rit. serv. (7,7). “Voce paululum elevata”, conforme o Ordo Mis soe enquanto o Missal (Rub. gen. 16) tratando ex professo das variações de voz, conhece unicamente duas modalidades, a saber: “quae clara voce aut secreto dicenda sunt in Missa”. Como se vê, foi preciso achar entre esses dois extremos um termo médio as palavras iniciais do “Orate, fratres”. Voltemos à secreta. Já o nome “secreta” diz alguma coisa acerca do ca­ ráter privado dessa prece. No Leoniano essa prece aparece ainda sem denominação. No Gregoriano ela se chama “oratio super oblata”, e no Gelasiano encontramos a men­ ção de “secreta”. «# Nada se pode precisar quanto à origem dessa oração. As fontes deixam apenas entrever que primitivamente se fazia o oferecimento, mas sem recitar oração alguma. Pos­ teriormente o celebrante foi tomando a liberdade de recitar privada e secretamente as suas orações, e do desenvolvi­ mento destas preces “super oblata” teriam provindo as secretas. Seria indispensável uma fórmula qualquer para o ofe­ recimento das oblações ? Não. A Fé nos ensina que o essencial no s. Sacrifício é a consagração da matéria. O rito do ofertório não passa de uma cerimônia aci­ dental. E’ certo que na reservação do pão e do vinho para o sacrifício ha também um ato sacrifical, pelo qual a matéria é retirada de seu uso profano e consagrada a Deus. Mas é esse um ato sacrifical do homem, enquanto só a con­ sagração é o ato sacrifical de Deus. E aquele ato sacrifical humano não necessita de fórmulas. 0 simples fato de se trazer sòbre o altar a matéria para o sacrifício já tem em sí razão de ofertório, como os alimentos são oferecidos ao hóspede pelo próprio fato de pô-los sobre a mesa.


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O nome da secreta. Diante do que ficou dito, entende-se perfeitaraente que secreta se pode traduzir por oração silenciosa, dita em segredo. Já Amalárius (século 9) o explicava assim. Entre os modernos Duchesne, Thalhofer, Fortescue, Gihr, etc. explicam-no igualmente. 0 predomínio da denominação de secreta sobre a outra — tecnicamente, talvez, mais acertada — de “oratio super oblata”, explica-se, já pela tendência mística dos ri­ tuais orientais; já pela proximidade da Oração eucarística, cujo tom grave e cheio de mistério terá, certamente, influído na escolha do nome da s e c r e t a. » Ha outras explicações da etimologia dessa palavra, mas todas elas pouco satisfatórias, embora muito excogitadas. Dom Vandeur nega que a secreta se denomine assim por ser recitada “voce secreta”. E ele explica essa denominação como sendo um particípio de secernere, o que quer oizer: separar. A secreta seria, assim, a oração dos fiéis, daqueles que permaneceram na igreja depois da de­ missão ou separação dos catecúmenos, penitentes, excomun­ gados. A secreta seria a prece de alguns separados, enquanto a coleta fora a oração de todos. i •

O conteúdo das secretas.

'

O conteúdo dessas orações harmoniza-se com o das coletas, enquanto estas e aquelas visam o interesse da Igreja, realçam o valor da solenidade e se dirigem, geraimente, ao Pai. As exceções a esta última regra são mais raras nas secretas do que nas coletas. São apenas 7 Missas do próprio dos santos e isto mesmo nas Missas de construção mais recente. O característico das secretas é a referência às oblatas segundo sugere o seu antigo nome de “oratio super oblata”. Infelizmente as coletas mais novas se esquecem dessa bela tradição littúrgica, pelo fato — talvez — de se ter supri­ mido o oferecimento das dádivas pelos fiéis.


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rA ckphonesis. A última secreta termina com a conclusão “Per omnia saccula saeculorum”, cantada ou recitada em voz alta. Isto se faz para avisar os fiéis que terminaram as secretas, e que começa a introdução a Oração eucarística. Previne-se o povo que é preciso estreitar o seu con­ tacto com o sacerdote e com o altar, agora que começa o momento mais solene da s. Missa. O mesmo acontecerá antes do Pater c antes das cerimônias da paz.


CAPÍTULO

IV

O CANON Denominação. Canon é a palavra grega k a n ô n, que significa diretriz, regra, formulário. E* a denominação litúrgica de uma série de orações imutáveis, que voltam sempre, no centro de cada Missa. Essa denominação é antiquíssima. João de Siracusa já a emprega na sua carta ao Papa Gregório Magno. A palavra “prex canônica” já a empregava o Papa Virgílio (537-555). Outro nome da palavra cânon é o de a c t i o, AÇÂO, Encabeçando o “Communicantes” lê-se “Infra Actionem”. Esta última denominação se explica: l.° Ou como uma abreviação de “gratiarum actio”, nome que antigamente se dava ao cânon. 2.° Ou, conforme Doeiger, palavra remonta aos ritos pagãos das solenidades sacrificais de Roma. Antes de se imolar a vítima o idólatra pedia autorização para isso: “agone? — posso fazer?”. Ao que lhe respondiam: “hoc age” — faze-o! E essa palavra seçvia ainda para chamar a atenção dos espectadores, de onde se conservou com o sentido de uma interjeição de apelo ou de atenção. A gere significa, pois, no caso em questão, “sacri­ ficar”. A g o n i u m era o dia das festas sacrificais. Actio, o ato sacrifical. A Igreja cristianizou e santificou, para seu uso, todo esse vocabulário. Extensão

do

cânon.

Hoje o cânon começa — conforme o Missal, Rit. cel. 7, 8, 9 — com o “Te igilur”, depois do “Benedictus”, e termina com a ekphonesis “Per omnia scecula sceculorum” antes do Pater.


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E’ certo que o Pater não pertence ao cânon. 0 que se prova, não só pelos mais antigos cânones romanos, mas também pela .palavra do Papa Gregório Magno que diz, expressamenlc, que o Pater Noster segue “mox post precenT\ logo depois da Oração. O 0 r d o do Missal motiva confusões nesse sentido. Pois enquanto o Ril. cel. limita o cânon do “Te igilur” ao Pater, o Ordo Missae inclue tudo — do “Te igitur” ao evangelho de s. João — sob a mesma designação e com o mesmo tipo de letra. O tipo grande de letra com ó qual aparece o cânon data dos formulários do fim do século 15 e início do sé­ culo 16. hlin motivo de ordem prática explica o tipo grande da impressão do cânon: a colocação oblíqua do Missal, com o que seria difícil a leitura de tipos miúdos. O final do cânon foi sempre o mesmo: a ekphon e s i s do Pater. Não assim o começo. Primitivamente eram unidos o prefácio e o cânon, for­ mando ambos o texto da Oração eucarística. Provam-no: 1.° O texto do cânon na “Traditio Apostólica” de s. Hipólito, do início do século 3, documento que já men­ cionámos na segunda parte deste livro. * 2.° Diversos cânones dos ritos orientais que teem por introdução o “Sursum corda”. 3.° O C o d e x do Gelasiano, no qual se encontra, antes de “Sursum corda”, as palavras “incipit cânon actionis”. 4.° O livro Pontificai, que atribue ao Papa Sixto I a ordem “ut infra actionem sacerdotis populus hymnum decantaret Sanclus, etc.”. 5. E, finalmente, prova evidente temo-la no fato de se acentuar, precisamente no prefácio, a ação de graças da Oração eucarística. A Forma original do cânon. O Concilio Tridentino reza (sess. 22, c. 4) “Ecclesia. • • sacrum canonem multis ante ssculis instituit. • * constat ex ipsis Domini ver-


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bis, tum cx Apostoloium iraditioriibus ac Sanctorum quoque pontificum piis institulionibiis”. Neste assunto liraitamo-nos a indicar oa especialistas, e entre muitos, Bickell, Bishop, Drews, Baumstark, Cagin, de Punict c Cabrol. A obra-prima uo assunto é ainda a de dom Cagin: “L/Eucharislie, canon priinitif de la Messe ou formulairc essentiel ct premier de toutes les liturgies” (Desclée, 1912).

Dom Cagin reconstruiu o cânon antigo do original grego, servindo-se dos manuscritos mais antigos da Oração eucarística, quer orientais como ocidentais. Êste trabalho sofreu crítica acirrada, mas ainda é a base de todas as pesquisas nesse terreno. Dom J. de Puniet, no livro “La liturgie de la Messe” aceita e confirma as conclusões de dom Cagin. Dos evangelhos e de s. Paulo íl Cor. 9) sabemos que o Salvador transformou o pão c o vinho no seu Corpo c Sangue, depois da ação de graças. O fato de vir isto mencionado nas quatro narrativas citadas é índice do relevo que os narradores quiseram dar a esta particula­ ridade. Embora não se possa precisar como tenha sido essa ação de graças, pode-se contudo conjecturar que ela foi como a dos Judeus no cerimonial da ceia pascal. Nesse ritual o chefe da casa narrava aos Israelitas os benefícios de Deus, depois do que se cantava o H a 11 c 1 (salmos 112-117) e a oração de ação de graças, que, na opinião de muitos, continha também o salmo 135. Este salmo é ura poema de gratidão aos prodígios que Javé fez por seu povo. . O Mestre terá recitado também este salmo e mesmo — terá, talvez, consagrado depois do versículo 25 desse mesmo salmo: “qui dat escam omni cami, quoniam in aeternum misericórdia ejus”, que dá alimento a toda carne, pois que a sua misericórdia é eterna. Em todo caso, é certo que a instituição do Sacrifício da Nova Lei está estreitamente ligada a esse salmo. Depois da primeira consagração seguiu-se a ordem textual do Mestre: “Fazei isto em memória de Mim”.


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A Igreja, adotando oulras fórmulas de ação de graças traduziu, todavia, os sentimentos de gratidão contidos no salmo 135. A influencia deste era todas as Liturgias eucaríslicas ó manifesta. Era todas elas a consagração é prece­ dida de uma Oração eucarística, ou de ação de graças, na qual se recordam os benefícios de Deus q u i... q u í... (c segue a menção desses benefícios ao povo dos redimidos). 'A Liturgia galicana e as Constituições Apostólicas (8,28) depois do Sanctus, retomara a Oração euca­ rística com o t#Verc sanctus qui... . Também no antigo Missal irlandês de Stowe segue-se, depois do B e n c d i c t u s, o texto “benedictus qui venit de ccelis ul conversetur in terris, homo factus est’\ etc. etc. O mesmo seguimento se acha no Missal do rito mozarábico. e o desenvolvimento do qui depois do Sanctus, com a narração dos benefícios cristológicos, é comum nos ritos orientais. Assim é que a Oração eucarística continha todo um tratado teológico resumido que sc denominava “Theologia” ou “Contestatio”. A enumeração desses benefícios da Redenção na prece eucarística era, inicialmente, deixada à livre escolha do sacerdote, como o testemunha s. Justino. Quando se quis fixar o formulário dessas orações eucarísticas então houve divergências nos gostos orientais e ocidentais. Enquanto o Oriente preferia reunir em duas ou três anáforas todos os motivos da sua gratidão, o Ocidente preferiu mencionar em cada prefácio um título especial de Deus à nossa ação de graças. Daí a multiplicidade dos prefácios na primitiva Liturgia romana, a ponto de ter o sacramentário Leoniano enumerado cêrca de 267 variações de textos da Oração eu­ carística. Segundo a opinião geralmente aceita, o prefácio da ss. Trindade c mais antigo de todos. Já existia séculos antes da instituição da festa desse mistério. O sacramentário Gelasiano o inclue na festividade da ss. Trindade, instituida


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pelo ano 900, pelo bispo Estêvão de Licge, e extendida a toda a Igreja pelo Papa João XXII, era 1334. Já nesse tempo o prefácio da Trindade era, como em nossos dia9, o prefácio dos domingos. Seguem depois, por ordem de ancianidade, os prefácios que agradecem os grandes mistérios da Redenção: a Epifania, Paixão e Morte, Ressurreição, Ascensão e Pentecostes. Isto posto, poderiamos reconstruir a Oração eucarís» tica do cãnon primitivo como segue: “— Dominus vóbiscum. — Et cum spiritu tuo. — Sursum corda. — Habemus ad Dominum. — Gratias agamus Domino Deo nostro. — Diguura et justum est. — Vere dignum et justum est, tequum et salutare, nos tibi semper et ubique gratias agere, Domir.c sancte, Pater omnipotens, oíterne Deus: — Qui cum unigenito Filio tuo ct Spiritu sancto, unus es Deus, unus cs Dominus: non in ur.ius singularítate personc, sed in unius Trinitatc substantix. Quod cnim de tua gloria, reyelantc te, credimus, hoc de Filio tuo, hoc de Spiritu sancto, sine differentia discrctionis ser.timus. Ul in confessione ver® scmpitcrnxque Deitatis et in personis proprietas, ct in essentia unitas, ct in majestate adore* tur tequalitas. Quam laudant Angeli atque Archongcli, Cherubim quoque ac Scraphim: qui non cessant clamare quolidie, una voce dicentes: — Sanctus, sanctus, sanctus, Dominus Deus Sabaoth. Pleni sumt cceli et terra gloria tua. tíosanna in excelsis. Bcnedictua qui venit in nomine Domini. Hosanna in excelsis. — Vere sanctus QUIA cum Unigenitus tuus in 6ubslantia nostr® mortalitatis apparuit, nova nos immortalitatis su« luce reparavit. — QUI salutem homani generis in ligno crucis consliluisti: ut unde mors oriebntur, inde vita resurgeret, et qui in ligno vinccbat, in ligno quoque vinceretur. — QUI mortem nostram moriendo destruxit et vitam resurgendo reparavit. — QUI post resurrectionem suam omnibu9 discipulis suis manifestus apparuit, et ipsi9 cernentibus est elevatus in ccelum, ut nos divinitatis su® tribueret eese participes.


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_ QUT ascendens super omnes ccclos, sedensque ad dexteram tufim, promissum Spiritum Sanctum in filios adoptionis effudit. — QUI pridie quam pateretur accepit panem in sanctas ac vener&biles manus suas” • • • Como se vê, os prefácios aluais são apenas desenvol­ vimentos dessas formas primitivas. Nessa Oração cucarística figuravam ainda algumas outras orações que hoje fi­ guram no cânon depois da consagração, tais como o Per Ipsum et cum Ipso”... e a aclimação final do povo: Amen ! O

Sanctus

quebra o seguimento natural da Oração eucarística, para exprimir um louvor á ss. Trindade. Em Isaias (6,3) os Serafins cantam-no em louvor do Altíssimo. Denomina-se t r i s á g i o por causa do tríplice “Sanctus, e hino seráfico, dada a visão do Profeta. O Liber Pontificalis vê no Sanctus um hino popular introduzido no cânon por volta do século 2. E’ um hino teológico. 0 caráter cristológico aparece, con­ tudo, no “Benedictus qui venit in nomine Domini”, alusão à vinda próxima de Cristo sobre o altar. O “Sanctus” foi sempre o canto dos fiéis. S. Gregório de Nissa í+ 394) nos afirma que o povo o cantava no Oriente. E dirigindo-se aos catecúmenos diz o santo: “Por­ que vos não apressais a receber o batismo, para cantardes com os fiéis o cântico dos Serafins?”. Isto explica a rubrica pela qual o sacerdote nao toca o altar quando, inclinado, recita o “Sanctus”. Nota. 0 conteúdo dos demais prefácios se refere a temas que nao 9e enquadram neste plano. São todos de data posterior, exceto o do Natal, já implícito no prefácio da Epifania. O prefácio quaresmal tem lugar á parte, pois não se refere a mistério algum, mas acentua a graça do jejum quaresmal. O dos Apóstolos é mais uma súplica do que ação de graças.


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0 de Nossa Senhora é também posterior, com quanto se enquadre muito felizmente na série dos prefácios primitivos. Prefácios recentes. Durante dez séculos existiram na Liturgia romana uni­ camente onze prefácios, (os que acima mencionámos, mais 0 prefácio denominado comum, alheio ao caráter de qualquer festa). Depois de 1919 acrescentaram-se mais quatro prefácios novos: I.° O das Missas de requiem (1919), extraído das antigas liturgias galicana e mozarábica do século 12, ou 8. e talvez mesmo de mais cedo. Esteve em voga em muitas dioceses francesas, provavelmente com a aprovação tácita de Roma. E’ um belo cântico de ação de graças pelo consolo que nos dão a morte e ressurreição de Jesus Cristo uo pensamento sempre c natralmente doloroso da morte. 1 2.° O de s. José. Fruto do renascimento da devoção aò Pai nutrício de Jesus, o prefácio de s. José foi introdu­ zido na Liturgia por Bento XV, em 1919. No rito ambrosiano já havia um prefácio especial de s. José. Mas o do Missal romano é original, não transcrição. Lembra a missão e as virtudes de s. José. O louvor de suas virtudes pessoais: “vir justus, fidelis servus et prudens” — tudo isso é num prefácio uma homenagem singular, que só se explica pela relação íntima do Pai nutrício de Jesus esposo virginal dc Maria com a obra da Redenção. , 3.° O prefácio de Cristo Rei, em 1925. 4.° O do s. Coração de Jesus, em 1925. Ambos êsles últimos foram introduzidos por Pio XI. Foram compostos especialmente para essas festividades e, no seu conteúdo, prendem-se muito estreitamente com o grande mistério da Paixão e Morte de Jesus. 0 texto do cânon no Missal Iromano. Já vimos, em outra parte, que o texto do cânon quasi como o atual, se acha pela primeira vez no sacramentário Gelasiano, no século 7. Como explicar a diferença da forma original anterior a essa data ?


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Cerlamenle pela intercalação do canto popular do S a n c t u s. A Oração eucarística rezava-se toda em voz alta, de modo que o celebrante era obrigado a parar no S a n rt u s e esperar até depois do H o s a n n a. No decurso dos anos esta demora veiu dificultar a devoção do celebrante e do povo. Então o sacerdote continuou a Ora­ ção eucarística em silêncio, deixando o povo cantar. Nesse ínterim o celebrante teve ensejo de preencher o tempo, até à consagração, com as suas súplicas pessoais. E os textos das antigas súplicas pela Igreja, pelos supe­ riores, pelos fiéis, a recordação dos santos, que tinham perdido o seu lugar primitivo na Missa fidelium — tudo isto tomava sua posição na Liturgia do s. Sacri­ fício, antes da consagração. Daí apareceram o “Te igitur”, “Memento”, c o “Communicanles”. ' / As súplicas que seguen^ a consagração foram acrescen­ tadas, sem dúvida, pela necessidade de se fazer um m emento das várias categorias de fiéis, como para dar à Oração eucarística o seu completo acabamento. Todos os autores admitem que o cânon era primitiva­ mente rezado em voz alta. Hoje recitamo-lo em voz baixa. Tentou-se explicar esta mudança notável por motivos de maior respeito; de segurança do mistério eucarístico, em consequência da disciplina arcani; de distinção da prece sacerdotal em relação às orações dos simples fieis, etc. Tudo isso parece-nos supérfluo e rebuscado. Julgamos mais natural a explicação — embora pouco mística — da pressa do celebrante, que não se conformava com esperar o fim do canto seráfico do “Sanctus”. Seja como for, vale ainda hoje a regra do Concilio de Trento (sess. 22, c.9): “Si quis dixerit ecclesiae ritura, quo submissa voce pars canonis et verba consecrationis proferuntur, damnandum esse • • • anathema sit”. Construímos aqui um esquema do conteúdo da Oração eucarística, como a temos hoje em nosso Missal. Tanto o conteúdo da Oração como a distribuição das cruze9 sobre o texto demonstra claramente o artificial de sua construção.


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Da leitura atenta desse esquema vê*se que não temos o que lastimar na alteração do antigo modêlo. Talvez tenha sofrido com isso o caráter “eucarístico” do cânon. Mas cm compensação essa prece, como a possuímos ha 13 sé­ culos, reune cm torno do altar do Sacrifício todas as cate­ gorias dos filhos de Deus. Essa prece diária é uma festa quotidiana para a alma. E’ um testemunho vivo da piedade, do respeito e do amor fraterno da Igreja. Piedade com os vivos na terra. Respeito aqueles que viveram como heróis nn terra, e agora oferecem a Deus os seus sacrifícios por nós. Amor fraterno àqueles que esperam no purgatório a nossa intercessão. Todos recebem a sua parte no sacrifício da s. Missa, pois esse amor bem ordenado não se esquece de suplicar ao Coração compassivo do Cristo a misericórdia para todos os pecadores. Ate a crcação irracional, representada nas oblatas do povo, recebe a bênção dò grande Ato sacrifical, antes de terminar o cânon. Assim é que toda a creaçao se agrupa cm redor do sacrifício da Cruz. Só não se mencionam os demônios o os anjos. Estes, porque não necessitam de redenção. Aquc* les, por que caem fora do quadro da redenção. E cumpre-se aqui a palavra do Meslre: “Quando eu me levantar da terra, atrairei tudo a Mim”.

ESQUEMA DO CANON 1. 2. 3. 4.

Memento da Igreja Memento dos vivos Memento dos santos Oração sa­ crifical

5. * Oração sa­ crifical

Oração pela Igreja, pelo Papa, pe­ lo Bispo e fiéis. Oração pelos presentes e ausentes. Oração para pedir a sua intercessão. Pede-se: a) a paz na terra;. b) a preservação do inferno; c) a beatitude no céu. Pedem-se os frutos da consagração.


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História da instituição

CONSAGRAÇÃO Recordação sacrifical Oração sacrifical

1. 2. 3.

Memento dos mortos Memento dos pecadores Memento da creação irra­ cional.

Recorda-se: a) Abel inocente; bj Abrarao obediente; c) O rei Melquisedeque; d) O altar celestial. Oração por todos os defuntos. Suplica-se

companhia dos santos.

Oração sobre as dádivas sacrificais.

Doxologia final As cruzes durante o cânon. Já se disse que o sinal da cruz sóbre as pessoas e coisas tem a virtude de comunicar a bênção divina e afastar as influências nefastas daquele que foi vencido pela cruz. No cânon. porem, essas cruzes precisam de outra ex­ plicação. Seria admissível ver-se nas cruzes sobre as oblatas, antes da consagração, a súplica das bênçãos do céu sobre as mesmas. Mas, depois da consagração, essa explicação não tem mais sentido. Que exprimem então essas cruzes? A lembrança do sacrifício da cruz e os múltiplos frutos desse sacrifício — respondem alguns. Essa explicação é fraca, pois limita demais a significação desses gestos tão amiudados e insistentes em todo o cânon.


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Dr. Gallewaert dá uma explicação dessas cruzes do cânon, que condiz melhor com a unidade dessa prece eucarística e com a natureza do ato da consagração. O grande fim do Sacrifício é a aplicação dos mereci­ mentos da Paixão e Morte de Jesus Cristo na cruz. E’ isto que se menciona amiudadamente no texto. Ora, toda vez que se quer pedir uma aplicação abundante desses merecimentos sobre nós e sòbre outros, a Liturgia sacrifical acompanha êsse pedido cora o sinal da cruz sobre nós ou sobre as oblatas. Este sentido se justifica plenamente, se nos damos ao trabalho de analisar o conteúdo dos textos acompanhados do sinal da cruz. O

“Te i g i t u r ”

e

o

T

ornamental.

Em todo Missal romano abre-se o cânon com um cru­ cifixo mais ou menos ornamentado. Isto tem sua historia. O estudo dos manuscritos convence que essa cruz é um desenvolvimento do T, pela qual letra o cânon se inicia. Já vimos, em outras páginas, que essa letra era o sinal sal­ vador do Antigo Testamento. Na Lei Nova o T é a forma abreviada da cruz redentora. A coincidência dessa letra com o início da Ação sacrifical inspirou a idéia de ampliá-la e ornamentá-la. Esse T, tomando dimensões cada vez maiores, acabou ocupando toda uma página separada do Missal, emoldu­ rado, geralmente, de uma cena do Calvário. Os moldes mais antigos dessa preciosidade ornamental datam dos sé­ culos 11 e 12. Outra particularidade dos Missais do século 14 até 1570 era uma cruzinha dourada, vermelha ou preta, de­ baixo da cena do Calvário. Em muitos lugares o celebrante beijava essa pequena cruz, no princípio do cânon. Depois de 1570 o Missal de Pio V prescreveu que nesse momento se beijasse o altar. Depois dessa data não apa­ recem mais as cruzinhas. . Só assim se explica o beijo do altar, que não tem conexão clara com o texto do uTe igitur”.


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Para apanhar a significação exata das ora­ ções do cânon, convem lembrar: 1.° A esscncia do batismo é a aplicação conjunta da matéria — a água — e da forma recitada pelo ministro sobre o batizando. Mas este ato sacramental essencial é precedido e seguido de muitas cerimônias acidentais que ilus­ tram os múltiplos efeitos desse ato sacramental único. Assim lambem na s. Missa. No meio de uma série de orações as oblatas do pão e do vinho se convertem no Corpo e Sangue de Cristo. Mas a Liturgia, para nos fazer sentir melhor o alto sentido deste Ato sacrificai do Homem Deus. c dessa maneira torná-lo írutuoso para nós, ela o cerca de variadas orações. 2.° Uma das intenções da Liturgia é aplicar os frutos do Sacrifício redentor ou os merecimentos de Cristo aos diversos grupos de pessoas ou a pessoas particulares. Os teólogos divergem na enumeração desses frutos da s. Missa. Todavia é certo que na s. Missa: a) Ha um fruto geral, que compete a toda a Igreja, visto que a s. Missa é celebrada não só em nome da Igreja, mas também em proveito da Igreja. Por isso é que se pede, no oíertório do cálice: “Suba com suave fragrância, para salvação nossa e do todo o mundo”. b) Ha um fruto espccialíssimo, que cabe de modo exclusivo ao celebrante. c) Ha ainda o fruto denominado especial, que cabe n todos quantos mais de perto concorrerem para o s. Sacrifício. d) Finalmente, a tradição da Igreja nos ensina que o sacrifício da s. Missa pode ser oferecido em favor de certas pessoas, ou para um determinado fim. E’ certo, pois, que alem dos frutos mencionados existe um quarto fruto, dependente da aplicação ou da intenção do sacerdote. E este fruto chama-se, por isso, ministerial ou intencional. Por vezes o sacerdote poderá ser, e x j u s t i t i a, obrigado a aplicar esse fruto num determinado sentido, ou


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segundo uma intenção dada. E isto quando o celebrante recebeu a espórtula ou o estipêndio para celebrar o s. Sa­ crifício. Para pedir o fruto geral da s. Missa o celebrante se dirige imediatamente a Deus Pai e suplica, como ministro de toda a Igreja, a sua clemência divina. Nesta súplica levanta as mãos para o alto, inclina-se profundamente e beija o símbolo da Redenção ao formular o seu pedido: “supplices roga mus ac petimus”. O objeto dessa súplica é a aceitação das oblatas c a paz e a união de toda a Igreja. As oblatas são indicadas por três nomes diferentes: “hícc DONA, haec MUNERA, haec sancta SACRIFICIA illibata”. Porque essa multiplicação de epítetos ? Erik Peterson (epliem. Lit. 1932, pag. 75-77) tenta explicá-lo. Estudando a Liturgia Alexandrina diz esse autor que essas denominaçÓes designavam primitivamente os diver­ sos destinos das várias oblatas. A Liturgia de s. Marcos dis­ tingue entre thúsiai, prosphorai e eucharist é r a i. As primeiras eram as dádivas destinadas à con­ sagração. As segundas, que não se consagravam, eram as oferecidas na intenção das pessoas vivas. As terceiras, que igualmente se não consagravam, eram oferecidas pelos de­ funtos. O cânon romano oferece, realmente, algum ponto de referência com essa disposição primitiva. Vejamos: 1.° Somente de “sacrificia ”se diz “ilibata”, isto é, intactos, sem mancha, a que geral mente se explica nmn sentido proleptico, como designação do Cordeiro imaculado. 2.° Depois da consagração segue-se o oferecimento desse mesmo sacrifício imaculado, no “Supplices”. 3.° No memento dos vivos ha a indicação clara de que as oblatas são oferecidas na sua intenção. 4.° Os mementos dos vivos e dos mortos eram primi­ tivamente um só, como depois se demonstrará.


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Sendo assim, podemos aceitar os termos “dona” e “munera” para as oblatas dos vivos e defuntos, e “sacriíicia” para as oblatas da consagração. Na segunda parte da oração precisam-se os sujeitos para os quais se pedem os frutos da s. Missa: “ln primis pro ecclesia tua saneia catholica”, a) q uam pacificare... Pede-se a paz, para que a Igreja possa realizar a sua tarefa cristianizadora. b) cuslodire. • • Proteção contra os inimigos da Igreja. c) a d u na r e. • • A união visível da Igreja. d) regere... A direção da Igreja para o seu des­ tino eterno. E porque a Igreja é uma sociedade hierárquica, a prece continua, “una cum”... a) fâmulo tu o Papa n o s t r o N... E’ um costume antiquissimo citar o nome do Papa no cânon, e omití-lo era considerado como sinal certo de cisma c divisão. b) et A n tis ti t e no s tr o N... O chefe da Diocese em que se celebra o s. Sacrifício. c) et o m ni b u s orthodoxis atque cath o li c cê et apostolicce f i d e i culto r i b u 5... Para todos os que professam a Fé católica. “Atque’1 é con­ junção explicativa, não copulativa. A palavra i g i t u r , sendo uma conjunção continualiva, não deixa de causar extranheza no início e no ponto culminante do texto. Tentou-se explicá-lo: l.° O i g i t u r seria um remanescente das antigas preces fidelium. Confiram-se as orações pelo Papa, pelo Bispo e pelos fiéis, depois do “Levate”, da sexta-feira santa. 2.° Tendo a Oração eucarística começado com o prefácio e sendo interrompida pelo “Sanctus”, o i g i t u r vem restabelecer aqui a unidade quebrada. Memento dos vivos. “Memento, Domine” • • • Atenção ao seguinte:


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Não ha obrigação de nomear aquele pcio qual se celebra o santo Sacrifício, embora isto seja recomendável. E’ praxe recomendar aqui certos grupos de pessoas e de interesses. O fruto intencional não pode ser aplicado a outros sem diminuição em detrimento daquele por quem devera ser aplicado o s. Sacrifício. Todavia a recomendação de terceiros no memento dos vivos da s. Missa aproveita-lhes enquanto se lhes aplicam frutos gerais e especiais que o celebrante ou os concelebrantes tenham em mente lhes aplicar. História. No Missal irlandês de Stowe o memento dos vivos vem precedido da rubrica: “hic recitantur nomina vivorum”. Nessa altura o sacerdote ou o diácono mencionava os nomes que se queriam lembrar. Eram, geralmente, os nomes dos benfeitores, de sacerdotes ou leigos eminentes nas várias igrejas, etc. São Jerônimo. se queixava da vaidade e exi­ bicionismo que se introduzira nesse sentido em não raros lugares. Explicação do texto. A expressão “memento” pertence à linguagem dos sal­ mos e à súplica do bom ladrão. • • • “Famulorum (amularuroque tuarum N. ct N • • • " O Rit. celeb., (8,3) dispõe o seguinte: “Faciens coramemorationem vivomm Christifidelium ad soam voluntntem, quorum nomina, ai vult, secreto commemorat: noc tamen recesse est ea exprimerc, sed mente tantum corum memoriam habeat. Postest... etiam ante Missam, in animo proponere... et hoc loco generaliter” • • •

Aconselha-se, pois. formular as intenções antes da Missa. Está claro que este memento é uma oração pública, pois, a) é prescrito pelas rubricas; b) tem sua origem histórica na leitura pública das dípticas; c) faz-se com as palavras oficiais, constantes do texto litúrgico.


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Daí se conelue que o ministro da Igreja pode come­ morar unicamente aqueles que não estão excluídos das orações públicas da Igreja. Como pessoa privada o sacer­ dote podería, porem, lembrar, privadamente, o nome de alguém que estivesse excluído da comunhão eclesiástica, con­ forme a ressalva: “et onmium circunstantium quorum tibi lides cognita est et nota devotio”. “Pro quibus tibi ofjcrimus vel qui tibi offerunt hoc sacrificium laudis". A primeira frase só se introduziu nesse período do cânon por volta do século 10 ou 11. Os sacramenlários antigos, como também os principais manuscritos do Gre­ goriano. mencionam apenas as palavras “qui tibi olíerunt... com as quais eram indicados aqueles que tinham tomado parte no ofertório das oblatas. Quando, nos séculos 10 e 11, desapareceu" a oferta solene das oblatas, intercalaram-se então as palavras upro quibus tibi offerimus vel”. O qui tibi offerunt permaneceu, para indicar os fiéis que tomam parte ativa no sacrifício. "...hoc sacrificium laudis”. Põe-se em relevo um as­ pecto Iatrêutico do grande Ato sacrifical de Jesus Cristo. “...pro se suisque omnibus”. O amor cristão não tem limites estreitos e egoístas. “pro redemplione animarum suarum”. Súplica em que se pede a graça do perdão, a remissão da culpa e a liber­ tação do mal. “...pro spe salutis et incolumitalis suce”. Pede-se a bemaventurança eterna, para a quaí nos encaminha a nossa esperança. Pede-se, ainda, a saude corporal. “.. .tibique rcddunt vota sua (Eterno Deo vivo et vero". Pede-se por todos os que dirigem a Deus as suas orações, os seus desejos e anelos. Nessas súplicas se exprime o caráter de louvor, expiação e impetração do s. Sacrifício da Missa. Rubricas. No cânon figura uma única rubrica para o memento: “jungit m&nus”, ao posso que no Eit. cel. se diz: “elevans et jungens


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manos usque ad fociem vcl pectus, sic junctis manibas stat paolisper in quiete, demisso alquantulum capite”.-

O sacerdote levanta as mãos, em súplica, para o alto, e depois junta-as para recomendar, com os olhos fechados, os nomes de seus prediletos. “Aliquantulum” determina vagamente o tempo. Mais ou menos o tempo de um P a t e r. Quanto aos dois mementos — o dos vivos e o dos mortos — convem notar o seguinte: l.° Sao eles intimamente aparentados: a) Ambos têm um único íim: pedir a aplicação abun­ dante dos frutos do Sacrifício a determinadas pessoas. b) Em ambos se prescreve a recordação, em silêncio, dos nomes que se quer beneficiar. c) Teem ambos as mesmas palavras iniciais. d) Ambos prosseguem com uma lista de nomes de santos. 2.° Os dois mementos eram, provavelmente, um só: a) A palavra “etiam” do segundo memento o acusa. b) Acusa-o ainda o fato de constar do Missal irlandês de Stowe, em que figuram os elementos principais da Li­ turgia romana anterior ao Papa Gregório Magno, ura só formulário para o memento quer dos vivos quer dos mortos, e isto logo após ao T e i g i t u r. c) Confirma-o ainda a fórmula das dípticas, que figu­ ravam juntas. d) Finalmente, confirma-o o fato de ainda ate hoje figurarem juntos em muitas outras Liturgias. C0MMUN1CANTES... Os cidadãos da Jerusalém celeste e membros da Igreja triunfante têm também a sua parte no Sacrifício do Filho de Deus. Eles alcançaram a vitória na força da Cruz do Cristo, e gozam por isso da posse conquistada. Eis porque èles aparecem também no s. Sacrifício da Missa, para agra­ decer a Deus e ainda para interceder por nós.


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.“Unidos era comunhão” — communicantes — e em lembrança respeitosa primeiramente da gloriosa Maria sempre Virgem e Mae de Deus e de Nosso Senhor Jesus Cristo, etc. • • • •

0

texto. A construção do latim de “communicantes” não é correta, motivo pelo qual a tradução do texto também é hesitante. Vejamos: l.° A este período falta a proposição principal, de maneira que o “communicantes” fica no ar. Sugeriram-se várias análises. O que parece mais aceitável é ligar todo esse texto com o “rogamus ac petimus” da oração do T e i g i t u r. 2.° Por mais sedutora que seja a tradução “em comu­ nhão com__”, a mesma é, no entanto, inconsistente, pois se assim fosse, a construção pediria a preposição cura, e depois eorum “memoriam venerantes”. * A tendência geral é de traduzir o “communicantes” por “unidos em comunhão”, isto é, unidos uns aos outros pela comunhão dos santos, e festejando a lembrança de etc. “...imprimis gloriosa semper Vir gin is Maria99 • • • E' a Mãe virginal que em primeiro lugar se comemora, pois foi Ela quem deu ao mundo a Vítima que aqui se oferece. Mais do que qualquer outro Ela sacrificou com o seu Filho, ao pé da Cruz. Rainha dos mártires, ela abre, pois, a série de mártires que se mencionam depois. Todos os santos aqui citados, são-no por razoes especiais:

l.° 0 culto de outros santos que não fossem mártires era quasi desconhecido dos primeiros cristãos, nos tempos em que se formou o cânon. Os heróis da fé mereceram as primícias da veneração dos primeiros fiéis, e é quasi certo que, nas dípticas de cada igreja, eram nomeados os santos mártires daquela igreja. Assim se compreende que quasi todos os mártires aqui cita­ dos sejam romanos. Eos poucos que não são, gozavam em Roma de um culto todo especial.


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2.° A relação íntima que precisamente os mártires têm com o s. Sacrifício, foi sem dúvida outra razão que motivou a introdução de seus nomes no cânon. Desde os primeiros dias compreendeu-se que os mártires eram os que melhor se tinham assemelhado ao grande Mártir do Gólgota. Por este motivo é que se celebrava sempre o s. Sacrifício sôbre as relíquias dos mártires. Por tudo isso não se cogitou nunca, em tempos pos­ teriores, de se incluir no cânon outros nomes de santos não mártires, por mais popular que fosse o seu culto. “.. .sed et bcatorum Aposlolorum ac Marlyrum tu orumOs primeiros doze santos do cânon são citados não somente na sua qualidade de mártires, mas também como colunas da Igreja e seus primeiros sacerdotes. Primeira­ mente, s. Pedro e s. Paulo, como os fundadores da Igreja Romana. S. Paulo aparece aqui no lugar de s. Matias, por ter sido êle eleito diretamente pelo Cristo, e lambem por ter sido instruído pessoalmente por Cristo sobre a instituição do s. Sacrifício da Missa. (I Cor. 15). Tadeu é Judas Tadeu, que neste momento da s. Missa, por uma questão de delicadeza de sentimentos, é indicado pelo sobrenome. * A menção dos nomes dos Apóstolos aqui nao confere com a dos evangelhos. Aceitando-se que s. Pedro e s. Paulo, pela razão acima tenham sido citados em primeiro lugar, é de se crer que o cânon tenha escolhido, na menção dos Apóstolos, a ordem do calendário, a começar do Advento: s. André S. João e s. Tiago, primitivamente ambos festejados em s. Tomé s. Tiago e s. Filipe S. Bartolomcu s. Mateus • s. Simao e s. Tadeu

30 de novembro; 27 de dezembro; 21 dc dezembro; 1 de maio; 24 de agosto; 21 de setembro; 28 de outubro.


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Por simetria de construção, depois da citação dos 12 Apóstolos o cânon cita 12 mártires. São 5 Papas, um Bispo, um diácono, um sacerdote e quatro leigos, todos muito vene­ rados cm Roma nos séculos 3 e 4. S. LinOy s. Cleio e s. Clemente são os três primeiros su­ cessores de s. Pedro. S. Sixto será Sixto II, que, no meio dos seus diáconos, íoi martirizado por Valeriano no dia 6 de agosto. S. Cornélio governou como Papa antes de Sixto II, mas íoi propositalmente colocado por último, para figurar junto de s. Cipriano, com o qual teve as mais amistosas relações. A concórdia de ambos na atitude indulgente com os “lapsi” — os apóstatas convertidos — é assaz conhecida. 0 Papa Cornélio manteve também as decisões de s. Ci­ priano acêrca da necessidade da penitência canônica dos 44lapsi”, sem o que seriam eles excluídos para sempre da comunidade eclesiástica. Ambos os santos foram sempre festejados juntos, desde o século 4. Morreram mártires: o Papa Cornélio, no dia 14 de setembro de 252; s. Cipriano, em 14 de setem­ bro de 258. •S. Lourenço c o conhecido arcediago do Papa Sixto II. Morreu no dia 10 de agosto de 253, alguns dias depois deste Papa. S. Crisógorio, sacerdote c mestre de s. Anastáixa, foi degolado cm 24 de novembro dc 304. A palma do martírio foi a recompensa de sua profissão de fé diante do imperador Dioclcciano, em Aquiléia. 5. João e s. Paulo, arrendatários da filha de Constantino, Constância, herdaram todas as suas posses e distribuiram-nas entre os pobres. Negaram-sc a trabalhar na corte de Juliano Apóstata, “porque este renegara ao Cristo”. No dia 26 dc junho de 362 foram executados cm sua própria residência, depois de terem se recusado a adorar a estátua de Júpiter. 5. Cosme e s. Damião moravam na Cilícia, onde eram célebres pela perícia no exercício da medicina. Imortali-


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zaram-se, morrendo gloriosamente por Cristo, em 306. Roma os leve sempre em grande honra. Reformou-se um antigo templo de Rômulo e Remo para igreja estacionai cm honra desses mártires. A 6ua festa é no dia 27 de setembro. “... et omnium sanctorum tuorum”. O Papa Gregório III (731-741) construiu, junto a ba­ sílica Vaticana, uma capela com inúmeras relíquias e de­ dicada a todos os santos. Os monges que cuidavam dessa ca­ pela ajuntaram ao texto do cânon: “quorum hodic in conspectu tuo cclebratur solemnitas, Domine Deus noster, in toto orbe terrarum”. Isto é: “Cuja solenidade, Senhor nosso Deus, é hoje celebrada em todo o mundo diante de vossa presença”. Essa adição passou para muitos Missais do tem­ po medieval. Em 1570 desapareceu novamente. Em algu­ mas dioceses de França a lista desses santos foi aumentada com os nomes de s. Hilário e s. Marlinho. “ ...quorum meritis precibusque concedas, ut in omnibus protectionis tuas muniamur auxilio”. Depois de se invocar, indiretamente, a proteção dos santos, passa-se à conclusão: “Per euradem Christum Dominum nostrum. Amen”. Essa conclusão, no meio da oração do cânon, não deve causar extranheza. Ela termina os mementos para levar novamcnle ao pensamento sacrifical, pois é da virtude sacri­ fical da Ação do Cristo que estes mementos tiram a sua eficácia. * Notas. l.° Toda essa oração vem encabeçada, no Missal romano, com o título “m/ra actionem”. O sentido de A c t i o, como demonslrámos, é o mesmo que o de cânon. 2.° Chamam-se communicantes próprios os que sofrem uma intercalação, que começa sempre com as seguintes palavras: “communicantes et diem (noctem) sacratissimum celebrantes...”.


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Hoje são os seguintes os communicanles variá­ veis ou próprios: Natal e Epifania, juntamente com as suas oitavas; Quinta-feira santa; Vigílias e festas de Páscoa e Pentecostes, com as suas oitavas; Ascenção com a oitava. Estes já se acham todos no Gelasiano. H A N C

I G I T U R.

Explicação do texto. O pensamento sacrifical iniciado em “Te igitur”, interrompido pelos mementos, se reata. Daí o ‘*hanc igitur’\ “.. .servitu tis nostree sed et cunctce famílias tuas". O texto distingue nessa altura o sacrifício do sacerdote e o sacrifício dos fiéis. O que se explica não só pelas oblatas pessoais que sacerdote e fiéis levavam ao Sacrifício; mas ainda pelo sentido ministerial do sacerdócio hierárquico. 0 Cristo oferecc-se em sacrifício expiatório pelos nossos pecados. O texto o exprime pela primeira vez: Uut PLACATUS accipias” — para que recebais, APLACADO, este sacrifício. Manifesta-se também o sentido expiatório dessa súplica na imposição das mãos que acompanha as palavras: o sacerdote extende ambas as mãos unidas sobre as oblatas do pão e do vinho. Na sagrada Escritura se demonstra que esáa imposição das mãos significa a transposição de alguma coisa de si para outrem. Tanto se podem transportar as excelências próprias, como lambem as próprias misérias. Dí-lo períeitamenle o rito do bode expiatório entre os Judeus. Na s. Missa essa imposição das mãos apareceu por volta de 1500, e o Papa Pio V a recebeu no Missal. Antes desse tempo era uso o que ainda hoje fazem os Carmelitas, isto é: a inclinação profunda com as mãos postas sobre o altar. u.. .Diesque nostros in lua pace disponas, atque ab (Eterna damnatione nos eripi et in electorum tuorum jubeas grege numerarV\ Por que estas súplicas neste lugar ?


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E’ opinião geral que o Papa Grcgório Magno interca­ lou essas palavras por ocasião das invasões dos Longobardos, e por outras circunstâncias difíceis desse tempo. As cartas e homílias desse santo demonstram quanto ele sofreu então. A intercalaçao do texto referido se encontra, pela primeira vez, ho Gregoriano. Mas isso não explica, satisfa: toriamente, as trés súplicas diferentes. Daí a opinião de Buchwald, que parece mais acertada: “No Gelasiano, usado pelo Papa Gregório I, o Hanc igitur aparece co­ mo uma oração variável, na qual o celebrante podia incluir livremente as suas intenções. Para pôr fim a essas altera­ ções do texto do cânon, o Papa Gregório deu a essa oração uma forma nova e definitiva, na qual resumiu as principais intenções particulares”. Essa opinião explica também os 38 textos diferentes do Hanc igitur, segundo constam do Gelasiano. Pos­ sivelmente, ambas essas opiniões se completem. Sucede que por três vezes o Hanc igitur sofre alterações do texto: 1.° Na vigília, na festa e durante a oitava da Páscoa e Pentecostes; 2.° Na quinta-feira santa; 3.° Na Missa de consagração de um Bispo. QUAM OBLATIQNEM — segunda oração sacrifical. Esta é a súplica antes do divino Ato sacrifical, para pedir que sejam plenamente satisfeitas todas as exigências que esse Ato tão santo requer da colaboração humana. Explicação textual: “Quam oblationem tu, Deus, in omnibus qucesumus, benedictam, adscriptam, ratam, rationabilem, acceptabilcmque facere digneris” • • • Todas as palavras têm aqui o seu peso. “Oblatio” é o pão e o vinho já santisficados pelo ofertório c destinados à consagração. “... in omnibus” está empregado aí adverbialmente, no sentido de inteiramente, plenamente.


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benedictam” é expressão genérica, mais especifi­ cada pelos termos seguintes; “ • • • adscriptam, ratam”. Estes dois termos se encontram em formulários de con­ tratos do Direito romano. O primeiro significa “apropriado*’, O segundo, “reconhecido, aceito”. Assim é que ratam é a sanção de adscriptam. “... rationabilem”. No Novo Testamento, principalmente no evangelho de s. João e nas epístolas de s. Paulo, se demonstra repetida­ mente o caráter espiritual do Culto divino pregado por Jesus Cristo. E a substância desse culto é o Sacrifício. Esse aspecto espiritual do Sacrifício era outróra sobejamente acentuado, para distinção dos sacrifícios pagãos. Daí a denominação de logiké thúsia. Essa designa­ ção aparece em vários lugares das Constituições Apostólicas (cf. Funck) onde o sentido exato é o de “oblatio spiritualis”. De Sacramentis emprega a tradução mais literal “Oblatio rationalis”. • • • acccptabilem” significa aceitável, agradável. “... ut nobis Corpus et Sanguis fiat dilectissimi Filii tui Domini noslri Jesu Christi”. As cruzes que aqui se repetem conservam o mesmo sen­ tido que assinalámos no “Te igitur” e na “Quam oblationem”. Pcde-se com insistência que as oblatas sejam recebidas em benefício da Igreja e de seus membros; que as oblatas se transformem para nós, no Corpo e no Sangue de Jesus Cristo. A palavra “fiat” nos faz lembrar aqui o “fiat” da Creação, superado na maravilha da Redenção. Desejoso da vinda do Mestre querido, o sacerdote levanta as mãos como para um amplexo, e junta-as de novo. • • •

A CONSAGRAÇÃO A Liturgia transforma a doutrina em culto. Por isso o aproveitamento intenso da Liturgia pede o conhecimento


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da doutrina católica que os ritos litúrgicos revivem. Recapitulemos, pois, alguns pontos de doutrina que nos permitam aproveitar melhor o mistério da consagração. 1.° Quando o sacerdote na s. Missa pronuncia sobre o pão os palavras “isto é o meu Corpo”, no mesmo instante transforma-sc a substância do pão no Corpo de Jesus Cristo, isto é, no Corpo do Homcm-Deus como vive atualmente no céu. Pronunciando as palavras da consagração sobre o cálix, também o vinho se converte no Sangue de Cristo. Embora por força das palavras o pão se converta no Corpo de Cristo na primeira consagração e o vinho no Sangue, na segunda consagração — todavia, por real concomitância, quer sob as espécies de vinho, quer sob as espécies de pão, está o Cristo inteiro e vivo. Pois só o Sangue, ou só o Corpo de Cristo seria um Cristo morto. E o Cristo ressuscitado é imortal. 2.° Mas porque as palavras sobre o pão só se referem ao “Corpo”, e as palavras sobre o vinho somente ao “San­ gue”; e como o Sacrifício só é perceptível aos nossos sen­ tidos pelas espécies materiais da s. Hóstia e pela figura fluida do vinho — por tudo isso, quer para o sacerdote co­ mo para os presentes, o Cristo aparece — como se estivesse realmente morto. 3.° Confonne a doutrina de nossa Fé, esse ato consecratório do Cristo é um Ato sacrifical. Deixando de lado as disputas dos teólogos, baste-nos lembrar a última ceia, em que o Sacerdote divino uniu a sua consagração e todas as consagrações futuras ao seu Sacrifício cruento da Cruz: “Este é o meu corpo que é entregue... este o cálix que é derramado”. 4.° Finalmente, não somos excluídos dos mistérios que se passam no altar. Pois são as nossas dádivas mesmas que Jesus Cristo transforma no Seu Corpo e San­ gue. Assim transformadas na sua Pessoa divina, o Cristo as òferece ao Pai. E porque nossas dádivas eram algo de nós mesmos, segue-sc que com o Cristo somos nós quem nos oferecemos ao Pai.


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“... Qui pridie”. No ponto culminante de sua mediação sacerdotal o celebrante toma as próprias palavras e executa os mesmos gestos do Mestre. Nada tão minucioso. Todas as palavras dos evangelhos e da epístola aos Coríntios que se referem à instituição, sc encontram também em nossos formulários da consagração. Não poucos formulários contem acréscimos às pala* vras textuais dos evangelistas. Ha variantes acidentais em todas as Liturgias. Isto, provavelmente, pelo fato de ter havido formulários muito antigos, cm uso nas comunidades cristãs antes ainda da divulgação dos textos do evangelho. As palavras acrescentadas são: a) “ • • .in sanctas ac venerabiles manus suas”. Tam­ bém as Liturgias de s. Tiago e s. João Crisóstomo trazem essas palavras, ou semelhantes. Palavras inspiradas no amor às mãos transpassadas do Senhor, c alusão à maior de todas as dádivas recebidas dessas mãos: a Eucaristia. b) “... et elevatis oculis in coelum ad te Deum Patrem suum omnipotenlem”. O mesmo se verifica nas Constitui­ ções Apostólicas, na Liturgia de s. Tiago e s. Marcos. E* a menção de um gesto espontâneo da alma que ora, gesto que não era alheio ao Divino Mestre. Pois nessa atitude Ele agradeceu ao Pai antes da ressurreição de Lázaro eJ quando pronunciou a Oração sacerdotal. c) “...praeclarum calicem”. Expressão que só a Liturgia romana conhece, e que se encontra pela primeira vez no Gelasiano. Faz lembrar o salmo 22: “et calix meus inebrians quam praeclarus est”. d) “... et aeterni Testamenti”. O Novo Testa­ mento é fundado no Sangue redentor de Cristo (Heb. 9,15) e é, em oposição ao Antigo, uma Aliança eterna. Este acrés­ cimo aparece em poucas Liturgias. e) "... mysterium fidei”. Diz o Catecismo Romano: “A santa tradição, guarda e intérprete da verdade católica, nos ensinou essas palavras”. (II, 4,21).


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A palavra mysterium nos dias do cristianismo nascente, era muito usada para significar, entre os pagãos, um cerimonial religioso secreto, no qual apenas alguns ini­ ciados podiam tomar parte. Somente depois de longa pre­ paração é que os demais adeptos podiam ser introduzidos na participação desses ritos. Muitas vezes essas cerimônias eram preparadas por jejuns, sacrifícios, banhos, etc.. Esses mistérios variavam muito, quanto à ordem e quanto à so­ lenidade, em relação aos diversos deuses e deusas. A palavra já era, mesmo nesse sentido, conhecida dos Judeus. Tanto assim que s. Paulo se refere com ela à reve­ lação das verdades divinas do cristianismo: udiaconos... habentes mysterium fidei in conscientia pura” (I Tim. 3, 9). O respeito com que os primitivos cristãos envolviam o “mistério” eucarístico fez-lhes reviver, com certeza, o ceri­ monial greco-pagão. No rito da consagração, a profunda inclinação de Deus ao homem e a aproximação tão prodi­ giosa do homem de seu. Deus, tudo isso tinha infinitamente mais conteúdo do que o “mysterium” pagão. E porque tão sublime era o seu alcance, chamaram-no com s. Paulo o “mysterium fidei”. Essa interjeição quebra a continuidade do texto. Se­ gundo Mgr. de Waal era, originariamente, uma exclamação do diácono para avisar aos fiéis que a consagração se tinha realizado. E isto é plausível, visto o uso primitivo de se vendar o altar desde o princípio do cânon até o momento da comunhão. Na Liturgia dos Coptas não unidos conservouse o costume de o diácono assobiar, em sinal de admiração, na hora solene do “mysterium”. Ha apenas um gesto de Cristo que o sacerdote não re­ produz: a fração do pão. O Cristo o fez para distribuir a s. comunhão aos Apóstolos. Na s. Missa, porque a comunhão segue mais tarde, a fração foi também distanciada da con­ sagração.


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As elevações Depois de cada consagração o celebrante genuíletc, ergue-se e levanta a oblata consagrada, para que os fiéis a possam ver e adorar. Depois de cada elevação segue-se nova genuflexão. A primeira elevação das oblalas que historicamente se verifica é a do pão e do vinho, antes da consagração de ambos, quando o sacerdote diz: “accepit panem” e “accipiens... calicem”. Ainda hoje o celebrante faz esse gesto, que eleva muito pouco as oblatas, quando outrora essa ele­ vação se fazia até á altura mesmo do peito. Conhece-se também a elevação de ambas as espécies imediatamente antes da s. comunhão. A essa elevação ex­ clamava-se ao povo: “Sancta sanctis” — 0 Santo para os santos ! Conforme uma opinião muito divulgada, as elevações da consagração teriam lido sua origem num protesto contra a heresia de Berengário (4* 1088) que negava a transubstanciação e provavelmente a presença real. Essa heresia foi condenada numa série de sínodos, de 1050 a 1089. Em 1907 o P. Thurston, s. j., achou uma segunda ex­ plicação para o fato das elevações. Alguns doutores da Universidade de Paris, entre os quais Petrus Cantor e Petrus Comestor (+ 1197) ensinaram que a transubstanciação do pão só se realizava depois de consagrado o vinho, por­ tanto no momento em que se pronunciavam as palavras da segunda consagração sobre o cálix. Essa heresia, que não teve muitos adeptos, foi combati­ da por um novo ritual de protesto, isto é, uma genuflexão logo após as palavras da consagração do pão e a elevação da s. Hóstia para adoração dos fiéis. Eudes de Sully (11911208) foi o primeiro Bispo que prescreveu esse ritual em Paris. No século 13 o uso se divulgou. Esta explicação tem mais fundamentos que a primeira, pois:


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Já era bastante reação contra a heresia de Berengário a elevação de ambas as espccics, que se realizava algum tem­ po depois da consagração, e essa elevação já existia de ha muito. Ainda mais: O uso indicado começa mais de cem anos depois da morte de Berengário, e 150 anos depois de sua condenação. Finalmente, começa em Paris, e não em Tours. Se a opinião do P. Thurston é uma solução para a primeira elevação — a da s. Hóstia, — essa opinião não atinge, porem, a segunda elevação: a do cálix. Em 1219 o Papa Honório III prescreveu era Roma a elevação da s. Hóstia, mas a do cálix só se introduziu pelo início do século 14. Talvez se possa explicar a elevação do cálix por um gosto de simelria. Nada é certo, porem. Várias

disposições

“Ministcr monu sinistra elevat fimbrias posteriores planetae”. • • O levantar das extremidades da casula durante as genuflexÕes do sacerdote, explica-se pelos modelos largos de casulas que outróra se dobravam sobre os braços. Com os modelos atuais isso se toma quasi desnecessário. Satisfazse às rubricas com o elevar-se apenas a orla, “fimbrias”, da casula. O turiferário ajoelha-se (cf. Rit. serv. 8,8) ao lado da epístola e incensa três vezes a s. Hóstia e três vezes o cá­ lix, durante as elevações. Na Missa de r e q u i e m quem o faz é o subdiácono (Rit. serv. 13,2). Aliás, essa incensação è sempre tarefa do subdiácono. E se nas outras Missas ele não o faz, c porque está ocupado com a patena nesse momento. Durante a consagração nada de mais adequado ao espí­ rito da Igreja e da Liturgia do que um profundo silêncio, que favoreça a piedade e recolhimento dos fiéis.


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O celebranle deve pronunciar as palavras da consagra­ rão em voz baixa, mas de modo que possa ouvir-se a si mesmo. O canto deve terminar na consagração. E’ prescrição da SRC (22 de maio de 1894, n.° 3827) que 06 cantores se devem calar durante as elevações. O Cerimonial dos Bispos não proscreve o órgão, com tanto que “seja tocado com toda melodia e\ gravidade”. A não ser assim, é preferível o absoluto silencio. 'A

vela

do Saneias e

as

tochas.

As rubricas (cf. Rit. serv. 8,6) prescrevem que numa Missa rezada, antes da elevação da s. Hóstia, o acólito acen­ da uma vela, que se apaga somente depois da s. comunhão do preciosíssimo Sangue. Ou, se houver comunhão dos fiéis, depois desta. Por isso é que as Rubricas gerais (c. fn. 20) mencio­ nam, entre as coisas necessárias no altar para a s. Missa, também a vela que se ha de acender na elevação, ao lado da epístola. Conforme interpretação da SRC (9 de junho de 1899) onde essa rubrica tenha caído em desuso, poderse-ia deixá-la. O Ordinário de um lugar poderia, com tudo, urgir a obscivância da mesma. Á SRC autorizou (12 de setembro de 1857) que dois clérigos ou leigos levem círios ou tochas ao altar, do início do cânon até a s. comunhão, e isto, mesmo numa Missa rezada que tenha motivos de especial solenidade. O Cerimonial dos Bispos contem preceitos nesse sen­ tido para a Missa pontificai: a) Numa Missa rezada prescrevem-se duas velas, quer sejam carregadas por acólitos, ou colocadas sobre castiçais; b) Para uma Missa solene prescrevem-se quatro, seis, •no máximo oito velas ou tochas, levadas pelos acólitos; c) Para uma Missa solene de requiem exigemse quatro círios.


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Numa explicação oficiosa dos decretos da SRC parece que o número oito é apenas tolerado, de modo que é prefe­ rível que as velas sejam quatro, ou seis. Resumindo, cis o que diz a revista “Ephemcrides Liturgic«" em número de 1926: a) Na Missa rezada dos dias mais solenes e na Missa paro­ quial: dois ccrof erários. b) Na Missa cantada: dois, no máximo quatro. c) Na Missa solene de requiem: dois, no máximo quatro. d) Na Missa solene: quatro, pelo menos dois. e) Na Missa pontificai: regularmente seis, pelo menos quatro, no máximo oito. O uso das luzes durante as elevações tem sua origem medieval. Na Idade Média havia uma grande solicitude de todos para ver as sagradas espécies. Os homens subiam nos bancos ou se acotovelavam para não perderem de vista a s. Hóstia. Para facilitar isso vestia-se o altar de preto, e ainda mais, traziam-se tochas. Divulgou-se a crença que ninguém havia de morrer su­ bitamente, no dia em que tivesse avistado a s. Hóstia. A vista das sagradas espécies perdoava pecados veniais. Os .anjos contavam os passos daqueles que se aproximavam do altar para vê-las, e se alguém morresse no dia em que tinha visto a s. Hóstia, isto lhe valia como se tivesse recebido a s. comunhão. Ainda

a

explicação

do

texto.

M... qui pro vobis et pro multis effundelur in remissionem peccatorum”. Vobis, isto é, os Apóstolos; Multis — O Cristo morreu' por todos, mas efetivamente só para aqueles que recebem o seu perdão e salvam-se, com efeito. “...Hocc quotiescumque feceritis, in mei memoriam facietis”. E* por ordem textual do Cristo que o sacerdote prolonga no altar o seu “mysterium”. Aqui o sacerdote


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o recorda, como para tranquilizar a sua consciência na su­ blimidade da Ação. ANAMNESE. Os diversos momentos do cânon ou preparam ou desenvolvem os múltiplos aspectos do único Ato sacrifical de Cristo. 0 que na consagração se realiza é sublime demais para se apreender de uma só vez. De onde a necessidade de se prolongar o texto do cânon para essas considerações. Para denominar a primeira oração depois da consa­ gração escolhemos o nome de anamnese, geralmente usado, embora se pudesse intitulá-la também oração sacri­ fical, por causa do “offerimus”. O nome acima, porem, justifica-se plenamente, porque o mais característico do texto está precisamente na recor­ dação que ele encerra. Explicação do texto. “... Unde et memores*\ “Todas as vezes que isto fizerdes, fá-lo-eis em memória de Mim’\ A Igicja executou com extremo cuidado essa disposição testamentária do Esposo. Pois nenhum sacrifício da s. Missa é ou será celebrado, sem que este memorial siga imediatamente à consagração. . .nos servi tui et plcbs tua sancta%\ *' Este sacrifício é oferecido em união com J. Cristo por toda a Igreja, a saber, os sacerdotes — o plural lembra a antiga concelebração — e o santo povo de Deus. Este povo chama-se santo, por motivo de sua eleição, de seu batismo e de múltiplas outras graças: “gens sancta, populus acquisitionis” — gente santa, povo de aquisição. (II Pedro, 2,9). Para isso supõe-se o estado de graça, em oposição ao povo não reconhecido publicamente como santo, tais os catecúmenos e pecadores públicos, demitidos antes do ofertório.


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“...ejiLsdem Christi”, do mesmo Cristo. “Ejusdem” ou se relaciona com as últimas palavras da oração “Quam oblationem”, ou terá sido inspirado pela lembrança do Salvador que domina este momento sagrado. Não consta nos dois sacramentários: o Gelasiano e o Gregoriano. “...to/n beatos passionis”. “Beatas”, tanto no sentido de santa — pelo seu valor de santificação; como no sentido de “feliz” :— pelo privilégio da Redenção. “.. .necnon et ab inferis ressurectionem”. “Inferi” denomina aqui os infernos, o. reino da morte. Toda9 as Liturgias orientais enumeram nesta altura, alem da morte e da ressurreição, a última vinda do Senhor para o juizo. Nas fontes maÍ6 antigas das Liturgias acidentais enumera-se ainda o nascimento de Nosso Senhor. “.. ,sed et in ccelos gloriosce ascensionis”. Como a ceia pascal judaica era a ação de graças a Javé pelos benefícios da libertação do Egito, assim a s. Missa o é, pelos benifícios da Redenção. Não é de extranhar, pois, que nas diversas Liturgias se multiplique a enumeração desses motivos de ação de graças. “.. .offerimus praeclara* majestati tuce”. Unidos ao Cristo vamos prestar à preclara Majestade divina o nosso culto de louvor e ação de graças. “...rfe tuis donis”. Dos teus dons: pão e vinho. “... .ac datis”. Dons que restituimos novamente a Deus no ofertório. “.. .hostiam”, alusão à grande Vítima. “.. ,puram’\ cm oposição às vítimas do paganismo. Isto lembra a profecia “será oferecido cm todo o lugar um sacrifício puro”. (Malaquias, 1,2). u,. .sanctam”, em oposição aos sacrifícios da. Antiga Lei, que não tinham de si mesmos nenhuma virtude santificadora. Este é o Sacrifício do Cordeiro de Deus, que tira os pecados do mundo.


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. .imnwcu latam”, alude ao Cordeiro sem mancha. “... panem sanctum vitce ceternce et calicem salulis perpetuce”. Isto em oposição aos antigos sacrifícios, cujas carnes nutriam apenas a vida corporal dos que deles par­ ticipavam. Aqui, como anles da consagração, o sacerdote benze cinco vezes as oblatas. Já mencionámos o sentido autêntico dessas cruzes. Desde 6 século 2, na França, Alemanha e Holanda, esta oração o sacerdote a recitava, até “donis ac datis”, com os braços estendidos. Isto para figurar o Salvador cruci­ ficado. Essa praxe nunca existiu em Roma, nem foi sancio­ nada pelo Missa de 1570. Conservou-se apenas em algu­ mas Ordens religiosas que puderam guardar o seu próprio rito. SUPRA QU/E — terceira oração sacrifical E’ a oração do sacerdote e do povo para que o sacri­ fício seja benignamente recebido por Deus. Isto, é claro, enquanto se trata do elemento humano do Sacrifício. A complacência de Deus depende de nossa disposição e de­ voção atual. Porisso enumeram-6e aqui três celebrantes notáveis da humanidade, que a história da Revelação nos propõe como tipos de sacrificadores, cujos sacrifícios foram bem rece­ bidos por Deus. Comparamo-nos com eles. E isto tanto mais, quanto! o sacrifício deles apresenta traços dc particular afinidade com o grande Sacrifício eucarístico. Explicação textual. im.. .Pueri tui justi Abel”. Recordação do justo servo Abel. S. Mateus também refere “o sangue do justo Abel*’ (Mat. 23,35). A justiça de Abel é uma antítese à iniquida­ de de Caim.


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A monção dc Abel se justifica com a narração do Gê­ nesis (4,4) onde se diz que Deus olhou com benevolência para o sacrifício dele: “rcspexit Dominus ad Abel et ad munera ejus”. Alem disso sacrificava “de primogenitis gregis sui”, isto c, dos primogênitos de seu rebanho. Figura magnífica do grande Sacrifício em que se imola o Filho Unigênito do Pai, o Cordeiro de Deus. Ainda mais o sangue de Abel clamou da terra para Deus. Na s. Missa o Sangue de Cristo também clama, mas numa súplica de bênção. E’ o cálix da salvação. “...patriarchce nostri Abraliae”. Abraão c chamado “nosso”, dada a nossa unidade na fé. E esla se exprime no sacrifício: “fide obtulit Abraham Isaac” — Abraão sacri­ ficou lsaac pela fé. A afinidade do sacrifício dc Abraão com o de Cristo é manifesta, quando recordamos que foi Abraão quem levou ao monte o próprio filho, para ser sacrificado. E ainda, porque Deus aceitou benignamenle o sacrifí­ cio de Abraão e o abençoou: “porque isto fizeste... Eu te abençoarei ” (Gcn. 22,16). “ .. .Summus saccrdos tuus MelchisedccIS'. Melquisedeque é a figura de Cristo. (Cf. salmo 109; Heb. 5, 6-10 e <5, 20). O sacrifício dc Melquisedcque e o dc Cristo teem ainda um grande traço de semelhança: Melquisedcque ofe­ receu pão e vinho, debaixo dc cujas espécies Jesus Cristo oferecería também o seu sacrifício incruento na s. Missa. “.. .sanctum sacrificium, immaculutam hostiamSe­ gundo alguns estas palavras se referem ao s. Sacrifício da Missa. Segundo Batiffol elas sc referem ao sacrifício de Melquisedcque. O Papa Leão I intercalou-as no cânon, se­ gundo o L i b c r P o n t if i c a 1 i s, em protesto às idéias dos Maniqueus, que consideravam a matéria como indigna cie servir para oblatas no Sacrifício. SUPPLICES — quarta oração sacrifical Dessa oração escreveu o diácono Florus dc Lião: “Ilacc verba mysterii tam mira, tani profunda et stupenda quis comprchcndero suffioiíit?".


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E Inoccncio III: “Tanta? sunt profunditatis hacc ycrba ut intcllcctus humanus vix ea suííiciat pcntrarc”. Ninguém as explicou cora raais acerto do que Hanssens, s. j. Resumamos: Não ha dúvida que se traia de uma prece sacrifical. A primeira dificuldade temo-la na primeira parte do texto em que aparecem três palavras que não são bastante claras: 1. períerri; 2. sancti Angcli tui; 3. s ublime allare tuum. Tudo se esclarece com o sentido que dermos à pala­ vra “altare luum”, pois esta explica o sentido de A n g e 1 i ede períerri. O que importa é o seguinte: qual a função do altar no ato sacrifical ? Ora, isto se esclarece pela própria natureza do ato sa­ crifical. E’ o altar que santifica as oblatas. 0 fato de depositar estas sobre o altar, reserva-as à Divindade. Isto mesmo se deduz da palavra do Salvador em Mateus (23,19) : “Cegos que sois! Que vale mais — diz Nosso Senhor, diri­ gindo-se aos fariseus — a oferenda ou o altar que santifica a oferenda?” Na s. Missa a própria Vítima do sacrifício é Jesus Cris­ to. 0 altar não se pode entender de outro, portanto, que não seja o Cristo, pois que fóra dele não ha o que possa trazer santiüeação ao sacrifício: nem o lenho do sacrifício cruen­ to, nem a pedra do sacrifício incruento. Só Cristo pode preencher a função do altar. No Cólgota Jesus Cristo era o Sacerdote e a Vítima. Seus algozes não eram os sacerdotes, mas Ele era o cele­ brante. Na s. Missa o Cristo é a Vitima e o Sacerdote supremo. 0 padre é no altar o seu instrumento visível. Mas é tão sublime a perfeição deste Ato sacrifical que tarabem a função do altar está na pessoa do Cristo. Ele é o autor da santificação, pela união liipostática da natureza divina e humana na sua Pessoa. Ele c, pois, no altar como no Calvário, o Sacerdote, a Vítima, o Altar.


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Como celebrante, o Crislo é o embaixador por excelência, dada a ineficácia dos antigos sacrifícios. Ele se entregou para oferecer o grande Sacrifício expiatório, donde Malaquias o chama o “Angelus Tcstamenli” (Mal. 3,1) e Isaias o denomina “magni Consilii Angelus” (9,6). Nessa primeira parte da oração “Supplices” alude-se, pois, à santificação do Sacrifício. Não no sentido absoluto, mas rolativaniente a nós que dele vamos participar. Isto se demonstra ainda pela segunda parle “ut quotquot” — “para que nós... sejamos repletos de todas as bênçãos celestiais e de todas as graças”. Rubricas. 0 pensamento da s. comunhão leva o sacerdote a beijar o altar, às palavras uex hac altaris participatione”, bem pertinho da santa Hóstia. E porque todos os bens nos veem da s. Cruz, faz ele o sinal da cruz sobre si mesmo às pala­ vras “omni benedictionc ccelesti et gratia repleamur”. Também as cruzes anteriores sobre a s. Hóstia e sobre o cálix. às palavras “Corpus et Sanguinem sumpscrimus” enquadram-se perfeitamente no texto que visa o fruto da cruz do Cristo para todos os comungantes. A conexão estreita das Ires últimas orações que vimos, exprime-se em uma única conclusão. A

e p í c l e s c.

Em todas as Liturgias orientais, logo depois da his­ tória da instituição — depois da consagração, portanto — encontra-se a oração na qual se pede o Espírito Santo sobre as oblatas, e isto para que: 1.° Essas oblatas se tomem o verdadeiro Corpo e San­ gue de Cristo. 2.° A s. comunhão tenha seu pleno efeito. . Essa súplica se denomina epíclese, do grego epikaléo, invocar.


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extraído da c p í c 1 e s e. Inserimos aqui um exemplo de “Divina Liturgia11 dc s. João Crisóstomo, depois das palavras da con­ sagração e da anamnese: “Senhor, que na terceira hora mandastes o vosso Espírito aos vossos Apóstolos; Vós que sois bom, não o tireis dc nós que vos suplicamos: Crcai em mim um coração puro e renovai cm mim um espírito reto*1. “O1 Senhor, que na terceira hora • • • nao ine rejeiteis dc vosso olhar c não tireis dc mim o vosso Espírito Santo11. “O1 Senhor, que na terceira hora...11 O diácono: “Senhor, abençoai este pão sagrado11. Então o sacerdote, fazendo três vezes o sinal da cruz sobre as oblatas: “E fazei que seja este pão o Corpo precioso de vosso Cristo”. E o diácono: “Amen”. Ainda o diácono, mostrando o cálice ao sacerdote: “Senhor, abençoai este cálice sagrado”. E o sacerdote, abençoando o cálix: “E fazei que seja èste cálix. o precioso Sangue dc vosso Cristo”. E o diácono: “Amen”. E mostrando as sagradas ohlatas ao sacerdote diz ainda o diácono: “Senhor, abençoai a ambos”. E o sacerdote o faz, dizendo: “Mudando-os pelo vosso divino Espírito”. E o diácono: “Amen. Amen. Amen”. E inclinando-se para o sacerdote: “O1 Senhor santo, lembrai-vos dc mim, pecador”. E o sacerdote prossegue em silencio: “Para que sirvam essas oblatos, aos que as recebem, dc lenitivo da alma, perdão dos pecados e comunhão com o vosso Santo Espírito, e para que alcancem o reino dos céus, tenham confiança cm vós. c não sirvam para o juizo e pora condenação”.

0*? cismálicos modernos afirmam a necessidade da epíclese para a tiansubstanciaçao. Algun9 julgam mesmo que 6Ó a epíclesc opera a transubstanciação. Em dogmática se demonstra que só se efetua a transub­ stanciação pelas palavras da instituição. Prova-se ainda isso pelos testemunhos dos Padres gregos e latinos. E até ao século 14 não houve dúvida alguma quanto à interpretação latina. Nem nas fontes litúrgicas mais antigas, como nem nas mais recentes, se poude descobrir uma autêntica epíclese latina. .. u- i


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Todavia, quiseram ver indícios ou vestígios dc uma epíclesc romana em vários lópicos do cânon atual. D. J. dc Puniet encontrou um vestígio da epícicse ro­ mana em um papirus encontrado nas ruinas dc um convento do Alto Egito. 0 papirus conservou um fragmento inte­ ressantíssimo da Oração eucarístiea conforme o uso de Ale­ xandria, naqueles tempos. E na composição da mesma, muito aparentada com o cânon romano, se lê, antes da consagração: “Enchei-nos também com a vossa glória, que está em Vós, c dignai-vos enviar o vosso Espírito Santo sobre estas oblatas creadas, e fazei deste pão o Corpo de Nosso Senhor c Salvador Jesus Cristo; e deste cálix o Sangue da Nova Aliança”. No cânon romano talvez se pudesse ver indícios da epíclesc nas orações “Quam oblationem”, antes da consa­ gração: e em “Supplices”, depois. Pois cm “Quam oblationem” pede-se a Deus a transubstanciaçao, exatamente segundo refere o papirus dc d. Pu­ niet E em “Supplices” pede-se o pleno efeito das sagradas oblatas nas alma6 que as vão receber. Dada a distância em que nos achamos da s. comunhão c da proximidade a consa­ gração, não c fora de propósito ver aí um vestígio da epíclese romana. MEMENTO

DOS

MORTOS.

Observações: 1.° Das fontes mais antigas se pode concluir que esse memento é um acréscimo posterior ao texto do cânon. Não o achamos neru no Gclasiano nem no Gregoriano. Em ambos os sacramcntários, imediatamente após o “Supplices”, segue o “Nobis quoque pcccatoribus”. 2.° O texto do memento dos mortos sc acha no Gregoriano entre as orações “super episcopum defunctum”, com a rubrica “super dypticia”. Julga-se, por isso, que esse memento só figuraria, outrora, nas Missas privadas pelos defuntos.


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3.° Cirilo de Jerusalém já menciona, todavia, o uso de orar pelos defuntos durante a s. Missa. E s. JoÕo Cri­ sóstomo diz: “Apostolieis legibus sancitura est, ut in venerandis tremendisque mysteriis memória fiat defunctorum”. (In Phil. 3,4). 4.° Convem observar ainda o seguinte: a) A atitude que as rubricas prescrevem (cf. Rit. cel. 9,2) no memento dos mortos é idêntica à que já se viu quando tratámos do memento dos vivos. b) Na lembrauça dos defuntos, talvez seja recomendável: alraa (ou as almas) pela primeiramente recordar qual (ou pelas quais) se celebra a s. Missa ratione stipendii, ou intentione primaria; em seguida os bem-feitores; a alma mais abandonada do purgatório; a alma mais próxima do céu. Explicação

textual

“... qui nos pj cecesserunt cum signo fidei”. Que se en­ tende por “siguum fidei”? Procuremo-lo no uso da Igreja primitiva. O “Signum fidei” é sinonimo de “symbolum fidei”. O “symbolum”, que os catecúmenos aprendiam no fim de sua preparação para o batismo, era o resumo dos mistérios da Fé, que eles deviam confessar, e — se preciso — defender. Os defuntos lembrados no memento são os que morreram na fidelidade desse “symbolum” ou “sinal da fé”. “... et dormiunt in somno pacis,f. Alusão discreta à promessa de Cristo àqueles que co­ mem e bebem a Dádiva eucarística: “Eu os ressuscitarei no último dia”. Eles dormem, e dormir inclue a idéia do des­ pertar. Dormem “no sono da paz”, pois para eles cessou o tempo do combate. De onde as inscrições das Catacum­ bas: “In pace”, “in somno pacis”, etc. “.. .locum refrigerii”.


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A palavra rejrigerii pede alguma explicação. Já no Gela9Ínno a encontramos designada duas vezes, com rela­ ção aos mortos. Na s. Escritura a palavra “refrigério” do signa ceia, e — geralmcnte — qualquer alívio corporal. (Cf. Sap. II, 1, 2. Tim. 1, 16). Nos escritores da antiguidade cristã a palavra tem o mesmo sentido. Tertulinno chama ao ágape de um “refrigerio para os pobres” (Apolog. 39), e com o mesmo nome ele designa os pequenos alivios ou tréguas quaresmais. As refeições periodicamente distribuídas aos cativos eram tam­ bém denominadas “refrigerios”. E porque na 8. Escritura a glória do céu se compara por vezes a um banquete, compreende-se que refrigério denomine aqui o gozo do ccu. Assim é que a mártir s. Pérpetua viu o seu irmãozinho libertando-se do purgatório: 4<video Dinocraten refrigerantem”. (Act. c. 8). Nos túmu­ los antigos essa palavra era o eco da esperança cristã: 44In refrigério”, 44in refrigério anima tua”, 44in refrigério et pace”. E’ extranha a inclinação de cabeça que o sacerdote faz na conclusão desse memento. Geralmente essa inclinação se faz ao santíssimo nome de Jesus. Talvez ela queira lembrar aqui a inclinação do Salvador na cruz, expirando para no9 distribuir os dons de sua misericórdia. NOBIS

QUOQUE

PECCATORIBUS.

Esta súplica cheia de unção e de humildade lembra a do publicano no fundo do templo. Como ele, o sacerdote bate no peito, ao pronunciá-la. 44.. .Famulis tuis... partem aliquam”. E’ digna de nota a modéstia desta súplica que pede somente uma parcela de bemaven tu rança, “partem aliquam”, e da companhia com os santos. Assim é que continuam os sentimentos iniciais do “nobis quoque peccatoribus”. Depois disso não se pede a intercessão dos santos nem se invocam os seus merecimentos. Diante do grande Media-


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dor que está presente no altar, cessam todos os pequenos mediadores. Os nomes dos santos que aí figuram, teem todos eles motivos especiais. Alern de s. João, slo ainda mencionados 14 mártires: 7 homens c 7 mulheres. S. João é, provavelmente, s. João Batista. A SRC declarara (27 de março dc 1824) que nessa oração, ao se pronunciar o nome de s. João, devia-se fazer uma leve inclinação de cabeça. E isto no dia da festa de 8. João Batista, não de s. João Apóstolo. Na edição nova dos decretos da SRC (1898) não apa­ receu mais esse decreto. De onde as dúvidas surgiram, tan­ to mais que — segundo alguns — s. João Batista não foi muito conhecido na devoção popular da Igreja primitiva. Tudo isso não obstante: 1.c Em outros ritos, como o Bizantino, aí se men­ ciona expressamenlc s. João Batista. 2.° Se se tratasse de s. João Apóstolo, ele teria sido nomeado duas vezes no cânon, o que não se dá com nenhum outro dos santos mencionados. S. Estevam, o primeiro mártir. Suas relíquias foram encontradas no século 5, transladadas pelo Papa Pelágio I (556*561) e sepultadas no túmulo de s. Lourenço, diácono lambem. 26 de dezembro. S. M at ias não foi eleito apóstolo por Jesus Cristo, nem foi testemunha de sua paixão. Motivo porque c come­ morado aqui, separado dos demais. 24 de fevereiro. S. Bar na b c, companheiro de viagens de 6. Paulo e honrado com o nome de “apóstolo” nos At06 (14, 13) e na Liturgia. 11 de junho. S. Inácio, discípulo de s. João evangelista. Foi Bispo de Anlioquia durante 40 anos. Desejoso do martírio, encontrou-o em Roma, em 107. l.° de fevereiro. 5. Alexandre, o sexto Papa. Seu antecessor Evaristo não é mencionado no cânon. Foi martirizado junta­ mente com dois sacerdotes, Evêncio e Teódulo, em 117, 3 de maio.


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S. M ar c e lin o e s. Pedro, o primeiro, sa­ cerdote; o segundo, exorcista. Foi este quem livrou do demônio a filha do carcereiro e com isto alcançou a conver­ são de toda a família. Ambos, depois de torturados, foram decapitados. 2 de junho de 304. Santas Felicidade e Perpétua. As atas dos mártires trazem a história comovedora do seu martírio. S. Felicidade era escrava e Perpétua era intelectual, da aristocracia romana. 7 de março. 5. Ágata. Esta virgem foi por várias vezes convi­ dada pelo governador para se apostatar. Ela deu a sua vida pelo Cristo, sob Décio, em Catana da Sicilia, no ano de 26]. O seu ofício é um dos mais belos do calendário. S. Lúcia. Depois de uma visita ao sepulcro de s. Ágata, onde alcançou a cura de sua mãe, Lúcia distribuiu os seus bens aos pobres, üm jovem, que em vão lhe decla­ rara o seu amor, denunciou-a como cristã. Depois de vários tormentos, ela foi degolada. O seu corpo, sepultado em Siracusa, foi transportado para Constantinopla. e finalmente, parA Veneza. 13 de dezembro. S. 1 nès. Jovem, bela e rica, Inês recusou todos os pedido9 de casamento e, com 13 anos de idade, fez a Deus o sacrifício de sua vida. Conservou intacta a sua virgin­ dade. Foi intrépida diante dos suplícios. A fogueira foi-lhe inócua. E o próprio algoz vacilou no momento de execu­ tá-la. Entregou sua bela alma a Deus no dia 21 de janeiro de 304 ou 305, sob Dioclcciano. 5. Cecília era uma virgem da nobreza romana. Converteu o noivo, o irmão deste e o seu amigo Máximo. A família deste último e os soldados que montavam guarda á sua prisão, tornaram-se todos cristãos. Cecília foi decapi­ tada no dia 22 de novembro de 222. 5. Anastácia foi também nobre virgem romana. O seu tutor Crisógono é mencionado no “Communicantes”. Ela o seguiu para a Ilíria, prisioneira do Cristo. Na ilha Palmária, atada de mãos e pés, foi queimada lentamente. Na sua igreja em Roma o Papa celebrava a segunda Missa


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do Natal. Daí, nessa Missa, a comemoração de s. Anastácia. 25 de dezembro. 4i.. .intra quorum nos consorlium, non «stimator meriti, scd venice, qucesumus, largitor admitteToda essa le­ gião de heróis íoi coroada no céu. Coníiados no perdão do Senhor, nós alimentamos a doce esperança do mesmo triunfo final. E para fundar essa esperança, concluímos invocando Cristo, Nosso Senhor. O

MEMENTO CIONAL

DA

NATUREZA

(IRRA­

Explicação do texto. Este texto é de duplo sentido: l.° Como toda boa peroração, é uma síntese de toda à Oração eucarística: “Pelo Qual (Cristo) Vós, Senhor,sempre creais, santificais, vivificais, abençoais e nos comu­ nicais todas as vossas dádivas”. Estas dádivas são aqui significadas pelas criaturas do pão e do vinho que, creados pelo Verbo (Jo. 1,3), santifi­ cados pelo ofertório, vivificados pela consagração, são-nos dados em alimento na s. comunhão. Com isto finaliza-se o cânon. 2.° Mas este ritual tem um sentido ainda mais profun­ do. Era muito comum neste momento da s. Missa — provam-no os sacramentários romanos — pronunciar fórmulas de bênçãos sòbre várias criaturas. A crèação irracional também caiu sob a maldição do pecado original: “Maldita seja a terra na sua obra”. Ora, com o “atrairei tudo a Mim”, o Redentor respondeu a essa maldição. O último memento da s. Missa quer precisamen­ te atrair as bênçãos de Deus sobre a terra com todos os seus frutos. O pão e o vinho são os representantes, no altar, de toda a creação irracional. Já s. Irineu os deno­ minava “primitias Deo ex suis creaturis”, e o salmista (sal­ mo 103): “ut educas panem de terra et vinum laetificet cor hominis”.


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“valde Dom Cagin cita a Liturgia mozarábica: bona creas’’, onde vê uma alusão à historia do Gênesis. Aqui se intercalavam, pois, as fórmulas de bênçãos. Bcnzia-se, por exemplo, o leite e mel para os catecúmenos, na Páscoa c Pentecostes; benziam-se os favos, no dia da Ascensão; uvas, pão, vinho, sementes, etc., em dias deter­ minados do ano eclesiástico. O único vestígio que ainda resta de tudo isso é a benção dos santos óleos, que na quintafeira santa se faz nas igrejas catedrais, neste momento da s. Missa. Nessas palavras do cânon poderiamos ver ainda a ben­ ção inicial de toda a matéria destinada aos sacramentos e sacramentais. Outróra todos os sacramentos e bênçãos eram administrados em estreita união e dependência da s. Missa. Hoje, dada a ausência ou decadência do senso religioso e lilúrgico, quasi todos esses atos são destacados do ponto central da s. Missa. Nem por isso deixa de ser esta o Sacri­ fício da cruz prolongado, do qual jorram para as almas todos os demais meios de santificação. Ainda é verdade que toda bênção tern a sua origem e virtude da celebração da s. Eucaristia. O

FINAL

DO

CÂNON

Na Igreja celebra-se, em todos os momentos, o Sacrifí­ cio perene .previsto pelo Profeta. (Cf. Malaquias, 1,10). Por éste grande Ato sacrifical do Filho de Deus, a Igreja presta à ss. Trindade o seu mais alto louvor, a honra e gló­ ria mais excelsa. E é isto precÍ6amentc que se acentua no final do cânon. Explicação

do

texto.

A s. Missa é o sacrifício de toda a Igreja, e o cele­ brante 6 o ministro desta. Mas a honra e glória que nesse Sacrifício se tributa a Deus, vem unicamente do Cristo, o Filho Unigênito e predileto de Deus.


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“Per Ipsum O Cristo é o Pontífice Supremo, o Sumo Sacerdote que oferece o seu Sacrifício* Em nossas orações é por Ele que queremos ser ouvidos: “Per Christum Dominum nostrum”. Aqui também, nós nos unimos á glória da ss. Trindade, “per Ipsum”. “.. .Cum Ipso”. A Igreja é inconcebível sem a sua Cabeça — o Cristo. A união com Deus só se opera pela união do fiel com o seu princípio vital: o Cristo. E toda a atividade dos membros 3Ó tem valor quando inspirada, acompanhada e terminada pela Cabeça. “... In Ipso”. Porque Deus não se comprazeu no holocausto dos bodes e touros, o Filho lhe disse: “Eu venho”. Por isso é impos­ sível dar glória conveniente a Deus, a não ser “in Ipso”. u ...esl'\ não “sit”, pois essa glória do Cristo ao seu Pai é um fato permanente. Essa conclusão solene do cânon lembra s. Paulo (Ef. 3,25): “Ip6Í gloria in Ecclesia et in Christo Jesu in omnes generationes sacculi saeculorum”. E o cânon da Traditio Apostólica termina com expressões quasi idên­ ticas: “Per quem tibi gloria et honor Patri et Filio cum Sancto Spiritu in sancta Ecclesia tua et nunc et in saecuia saeculorum. Amen”. Rubricas. A explicação destas rubricas não é fácil. Vejamos: I.° Pode-se ver, na tríplice cruz que acompanha essas palavras, o tríplice papel do Salvador: Celebrante, Cabeça da Igreja e Vítima sacrifical, pois tudo isso se consuma no mistério da cruz. 2.° Acentua-se a união das oblatas nas cruzes que se fazem com a s. Hóstia sobre o cálix, e na elevação simul-


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tânea de ambas as espécies à palavra: “oíniiis honor et gloria91. 3.° São inexplicáveis as duas últimas cruzes entre o cálice e o sacerdote, sobre o corporal. 4. Levanta-se levemente o cálix com a s. Hóstia3 ás palavras finais “omnis honor et gloria”, para simbolizar a unidade da Ação sacrifical que dá glória a Deus. Esta elevação já existia na Igreja, muito antes de se introdu­ zirem as duas elevações da consagração. Outros consideram esta elevação como reminisccncia da que se fazia antes da comunhão dos fiéis, e na qual se excla­ mava ao povo, apresentando-lhe a s. Hóstia: “Sancta sanetis” — o Santo para os santos. Esta elevação se fazia cora intuitos de afervorar os fiéis que se aproximavam da s. mesa, como posteriormente se passou a fazer com o A g n u s Dei e as orações que seguem. O í;per omnia síecula”... c a nova ekphônesia ■em que sacerdote e fiéis se conjugam no mesmo louvor.


Capitulo V

A COMUNHÃO Introdução Vimos a Liturgia preparar os fiéis, em todo o ritual da anle-Missa e da Missa dos fiéis, para o grande Ato sa­ crifical que culminou na consagração. Vimos como o cânon focalizou os vários aspectos do grande e único Ato sacrifical. Mas falta alguma coisa. Nos sacrifícios pacíficos da Lei Antiga os que não se sentiam onerados de culpa, podiam, depois do oferecimento do sa­ crifício, tomar as próprias oblatas, com toda a sua família. E’ um desejo natural de quem participa de um sacrifí­ cio. E é o Cristo quem vem de encontro a este desejo tão espontâneo de ura estreitamento com Ele, no banquete sa­ crifical: “tomai e comei. • • tomai e bebei”. E afim de ungir a sua alma e a de todos os com-sacri* ficadores do pensamento desse festim tão notável, o sacer­ dote recita com eles a Oração do Senhor, essa relíquia viva do Homem-Dcus. A

PREPARAÇAO

PARA

A

COMUNHÃO

Essa preparação compreende: l.°

0 Pater noster. 2.° A fracção e “commixtio". 3.° 0 Agnus Dei. 4. 0 beijo da paz. 5.° As orações. O PATER NOSTER No Pater distinguimo9: o) a introdução ou prólogo;


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b) "a Oração dominical; c) o epílogo com o seu desenvolvimento também de­ nominado “embolismo”. O

prólogo

do Paler figura em quasi todas as Liturgias, e quasi com as mesmas palavras. Quer-se ver em algumas passagens dos santos Padres uma alusão a este formulário de introdução ao Pater. As­ sim se entendem, geralmente, palavras como estas de s. Agostinho: “Audemus quotidie dicere: adveniat regnum tuum”. “Praeceplis... formati”. Palavras que se referem aos ensinamentos do Cristo concernentes à oração em geral, quer ao Pater, em patricular. “Audemus dicere”. E’ o sentimento de temor filial que se insinua. A Oração dominical. Todas as Liturgias contcem esta oração no seu rito sa­ crifical. Embora nada se possa concluir dos livros sagra­ dos nem dos testemunhos dos primeiros Padres apostólicos, todavia parece certo que a recitação da Oração dominical na s. Missa seja de origem apostólica. Esta conclusão se cor­ robora com o testemunho de s. Gregório Magno em uma de suas cartas a João, bispo de Siracusa. Eis o texto no qual o Papa justifica a Oração domjnical no fim do canon ro­ mano: “Dizemos a Oração dominical logo depois da Ora­ ção (eucarística), porque era costume dos Apóstolos con­ sagrar juntamenle com essa Oração — ut ad ipsam solunimodo orationem oblationis hostiam consecrarent. — Não mc pareceu conveniente que recitássemos sobre o Corpo e Sangue do Salvador uma prece composta por sábios, preindo a Oração que Ele mesmo compôs e nos deixou”.


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Nas demais Liturgias ocidentais t no rito romano an­ terior ao Papa Gregório, já essa prece se situava imediatamente antes da s. comunhão, como sucede também em muitas Liturgias orientais. Parece, pois, indubilável que a reci­ tação da Oração dominical se referiu sempre mais à s. co­ munhão do que à consagração. E’ a prece dos filhos que se vão reunir à mesa do Pai de família. A família cristã, reunida cm torno do altar, quer se alimentar com o único e mesmo Pão, pois “embora muitos, somos todos um 6Ó corpo, visto que participamos do mesmo pão” (I Cor. 10, 17). E’ assim que recitam todos uma só prece de refeição, na qual se diz expressamente: “o pão nosso de cada dia nos dai hoje” — palavras que os santos Padres gostavam de aplicar à s. comunhão. ✓

O epílogo e embolismo. “Sed libera nos a maio”, exclama em conclusão o po­ vo todo reunido. Dadas as múltiplas e diversas circunstân­ cias da vida dos povos e nações, não é de admirar que esta súplica final tenha sofrido desenvolvimentos diversos nas vá­ rias Liturgias. Foi o que aconteceu também com a Liturgia romana. “... ab omnibus malis prceteritis”. Isto se entende por certo dos pecados e das consequências do pecado, pois o “praeteritis” dificilmente se poderia explicar com refe­ rência a males temporais. “ .. .et intercedenle,\ Apenas o nome de s. André pede uma explicação. E5 certo que o Papa Gregório tinha particular devoção a s. André. Mandou reformar a sua casa paterna no monte Célio e converteu-a em um mosteiro beneditino consagrado a s. André. Com a morte desse Papa aumentou considera­ velmente em Roma a devoção a s. André. Essa devoção explica sufieientemente a invocação do santo nos momentos difíceis.


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Outros quiseram ver aí apenas o lugar em que se men­ cionava o santo do dia. Sc nrevaleccu o nome de s. André, íoi por ser cie o primeiro santo do ano eclesiástico. 0 4.° O r d o romano autorizava o celebrante a acres­ centar, depois do nome de André, outros santos à sua escolha. Antigos Missais guardam ainda vários outros nomes, nesse lugar. “...da propilius pacem in diebus nostris”. Dai-nos propício a paz em nossos dias, para que com o socorro de vossa misericórdia, sejamos livres de todo o pecado e se­ guros de toda a perturbação. A concordância desta suplica com o “diesque nostros in tua pace disponas” do “Hanc igitur”, como também a menção do nome de s. André — tudo isso legitima a opi­ nião que alribuc ao Papa Gregório a autoria dc»sc embolismo. A

7

• mé

Rubricas. O Pater recita-se em voz alta. Todo o feitio dessa oração, como também os dizeres da introdução “audemus dicere”. estão dizendo que era uma súplica recitada em comum. O Cristo não ensinou orações no singular. No rito mozarábico o povo respondia “Amen” n cada súplica. Na súplica do meio: “porque vós sois Deus”; c no fim: “mas livra-nos do mal”. Na Liturgia grega de s. João Crisóstomo, como lambem na dc s. Basílio, o povo ou o córo recitava todo o Pater. E isto é* ainda hoje o uso geral no Oriente. O rito romano limitou-se em deixar ao povo a derradeira invocação. Como no “Suscipiat”, aqui também o sacerdote res­ ponde “Amen”. 0 Catecismo Romano vê nesse “Amen” reservado ao sacerdote a designação de sua alta missão de ministro ou embaixador de Deus junto do povo. “Patenam aliquantulum purificatoro extergens” — enquanto limpa a patena com o sanguinho. (Rit. cel. 10,1). E’ esta medida de asseio, depois de ter ficado a patena, por longo tempo, nas mãos do subdiácono.


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“Toma a palena entre o índice e o dedo maior, apoiando-a sobre o altar” (Ril. cel.). Ha nisto uma reminiscência do costume que existia, em algumas igrejas, de mostrar a patcna aos fiéis, avisando-lhes que ia começar a distribuição da s. comunhão. “Fazendo sobre si o sinal da cruz com a palena, o* sa­ cerdote diz: dai-nos propício, etc.” (Rit. cel.). As palavras explicam suficientemente essa rubrica. “Depois beija a patena” (Rit. cel.). E’ um sinal de respeito ao ss. Sacramento que se vai depositar sobre a patena. Nota. Nos ritos gálico e mozarábico. depois do Pater, ha uma benção sobre o povo. Esta benção foi introduzida nos países alemães por s. Bonifácio, mas foi abolida, depois de algumas restrições feitas pelo Papa Zacarias. Apesar disso o 4.° Ordo romano (século 10 ou 11) prescreve que neste momento da s. Missa se ofereça ao cele­ brante o livro das bênçãos, e que depois do “humiliate capita veslra” do arcediago e do “Deo gralias” do clero, o celebrante pronuncie a benção sobre o povo. A única reminiscência desse cerimonial é a bênção nup­ cial que se dá aos nubenles neste momento da Missa p r o s p o n s i s. A

F R AC Ç Ã O

E 'A

“C O M M I X T 1 O”.

Ambos os gestos, a fracção da s. Hóstia e a deposição de uma parcela da mesma no cálix do preciosíssimo Sangue — “coraraixtio” — são ritos tão intimamente unidos que só os podemos explicar conjuntamente. E essa explicação não e sem alguma obscuridade. Primeiramente é de suma importância considerar o ritual desses gestos nos primitivos O r d i n e 9 romanos.


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Depois do embolismo do Paler o Papa acrescentava: “Pax Domini sit semper vobiscum”. A eslas palavras dei­ xava cair no cálix do precioso Sangue uma partícula da s. Hóstia. Esta partícula não era da s. Hóstia da Missa que o Papa celebrava, mas da Missa papal anterior. Essa mistura era o símbolo da pcrpetuidadc e unidade perfeitas do Sacrifício eucarístico. Não se sabe porque a preocupação de acentuar tanto essa idéia. A partícula que o Papa misturava com o precioso San­ gue se denominava “de Sancta’\ Seguia-sc a cerimônia do beijo da paz. Ainda no altar, o Papa quebrava a sua Hóstia, punha unia parte sobre o altar c o resto sobre a patena, na mão do diácono. Em seguida se encaminhava para o trono. Depois da fracção da s. Hóstia para os comungantes, ofereciam ao Papa a patena com a sua partícula. Desta ele consumia uma parte, deixando a outra cair no cálix — que o arcediago lhe apresentava — com o preciosíssimo Sangue. Durante esta segunda mistura o Papa fazia três vezes o sinal da cruz dizendo: “Fiat commixlio et consecralio corporis et sanguinis Domini nostri Jesu Christi accipientibus nobis in vitam 6elernam. AmeiT\ Resumindo, pois, a sequência destes ritos todos nos anti­ gos O r d i n e s era esta: 1.° “Pax Domini”... 2.° A mixtura do “de Sancta”. 3.°. O beijo da paz. 4.° Fração da Hóstia da s. Missa. 5.° Sumpção de uma parte desta. 6.° A mistura da outra parcela, seguida das cruzes e das palavras adequadas. Notas. Outras parcelas da Hóstia consagrada na Missa papal eram remetidas às igrejas titulares de Roma, nos dias festivos em que os bispos dessas igrejas não podiam comparecer à concelebraçao. Esta parcela da s. Hóstia da Missa papal


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era para eles um penhor de sua unidade com a santa Sé. A denominação que se dava a esses fragmentos era bastante expressiva. Chamavam-lhes fermentum, alusão ao fermento divino de que se compenetra toda a massa da Igreja. Fermento que é o dom da “unidade e da paz”, na bela secreta da Missa do ss. Sacramento. Os bispos mixturavam o “fermentum” com o preciosíssimo Sangue ao “Pax Domini” • • • Origem mais remota. Se buscamos a origem mais remota da “íracção” e da “commixlio”, vamos ver: a) Conforme os evangelhos e a Epístola aos Coríntios, Jesus Cristo lambem partiu o pão na última ceia. Mas Ele o fez antes de pronunciar as palavras da consagração: “accepit, benedixit, fregit et dixit”. b) Os Apóstolos seguiram o exemplo de Cristo, como é fácil verificar. (Cf. Atos, 2, 42-46; 20, 7, em relação com a I Cor. 10, 16) . c) Na Igreja primitiva a própria celebração da s. Missa se denominava “fractio panis”. A Didaché chama a s. Hóstia to klasma — o que foi quebrado. d) A fração existiu sempre em todos os tempos e em todas as Liturgias. Significação. Os Judeus assacam pães redondos, do tamanho de um prato e da espessura de alguns dedos. Estes não se corta­ vam. mas eram quebrados. Esta honra de quebrar o pão cabia ao chefe de família ou dono da casa, o que se pode evidenciar na multiplicação dos pães, na última ceia e em Emaús. A fração tinha, pois, o seu lado prático, antes de mais nada. Mas daí nasceu o sentido figurado, e viu-se nesse gesto expressão da dignidade de quem preside.


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Outras significações e simbolismos se atribuiram ao gesto da fracção. E Í9lo chegou mesmo ao ponto de las­ timáveis. * Abusos. Muito cedo se introduziram práticas supersticiosas na fraccão da s. Hóstia. Quiseram colocar os fragmentos da mesma de maneira que formassem figuras, como 09 instrumentos da paixão, etc.. Já em 567 o Concilio de Tours agiu contra esses abu­ sos. prescrevendo que as parcelas da s. Hóstia se colocas- * sem em forma de cruz. v Mesmo assim os abusos não se corrigiram de todo, e nas parcelas da s. Hóstia com que se formava a cruz, ainda pretenderam figurar os mistérios da vida e paixão de Jesus Cristo. Ainda hoje, no rito mozarábico, a s. Hóstia é que­ brada em nove parcelas diferentes, correspondentes aos nove mistérios da vida do Senhor. Roma nunca participou desses sentimentos doentios. No rito romano a fração se limitou sempre a poucas par­ celas. Hoje se faz da seguinte maneira: A 'primeira fra­ cção, em duas partes iguais. Em seguida, a parte que o ce­ lebrante segura na mão direita, ele a deposita sobre a patena; da parte que Lem na> mão esquerda le tira uma par­ cela, que mixturará com o precioso Sangue., deitando a res­ tante na patena, junto à primeira. Mesmo aqui houve margem para os simbolismos ima­ ginosos. S. Tomaz os exprimiu em versos: Hóstia dividitur in partes: tincta beatos plene, sicca notat vivos, servata sepultos. Esses simbolismos— que mesmo s. Tomaz teve o cui­ dado de sublinhar que não eram unanimes — são hoje completnraente caducos.


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Basta-nos o que da “fraelio” nos ensinou o Senhor: “E9te é o meu Corpo que por vós é q u c b r a d o”. (I. Cor, 11, 24) . A palena sempre se destinou à fracção do pão cucaríslieo. Ainda hoje, na fórmula de sua consagração, lembrase que ela se destina a esse mister: 4*ad confringendum in ea Corpus Domini nostri Jesu Christi” — para sobre ela se partir o Corpo de N. S. Jesus Cristo. Isto embora atual­ mente, por-segurança, a fração se.faça sobre o cálice. A

u C 0 M M 1 X 1 1 O ” .

Embora o essencial do Ato sacrifical do Senhor consis­ ta nri consagração, não se pode dizer, todavia, que a sumpção das espécies seja coisa accessória. A S. Missa seria in­ completa sem a sumpção. Prova disto são as instruções mi­ nuciosas que figuram no começo do Missal, para salvar a integridade do Sacrifício eucarístico em casos de acidentes. Daí, pois, a importância do banquete sacrifical, E é lal a importância deste que com ele se relaciona todo o ritual que segue depois do fim do cânon: o Paler, a fracção, o Agniis Dei e o ósculo dá paz. E ainda, com esse mesmo banquete sacrifical se relacio­ na também a “commixtio”, como o indicam clnramcnte as palavras rituais que a acompanham: “... fiai accipientibus nobis in vitam aeternam. Amen”. Segundo alguns a Igreja quis. neste ritual da “com­ mixtio ”, imitar os ritos da administração solene de suas bênçãos e sacramentais, anunciando aos fiéis que vão comun­ gar, a abundância das bênçãos que emanam do banquete eucarístico. Isto parece plausível, especialmente si se considera que o sacerdote, para distribuir a s. comunhão aos fiéis, abençoa cada um deles com a s. Hóstia, dizendo as palavras: “O Corpo de N. S. Jesus Cristo guarde a tua alma para a vida eterna”.


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Neste caso a palavra “consecratio^e as três cruzes que precedem’ iinedialamentc o rito da “conimixtio” significa­ riam as bênçãos que emanam sobre o povo, da s. Eucaristia. Explicação sem o artificialismo de outras tantas teo­ rias cxcogiladas para justificar o cerimonial da “commixtio”. O

A GNUS DEL

Os pães usados outrora na s. Missa eram idênticos aos de uso doméstico. Eram grandes demais para serem dis­ tribuídos em comunhão. Daí a necessidade de reparti-los. Para preencher o tempo dessa fracção e empregá-lo na devoção do clero e do povo, introduziu-se no Oriente, e mais tarde também em Koma, um canto especial que no Ocidente se denominava “confraclorium”. O “Liber Pontificalis” diz, a propósito do Papa Sér­ gio I (687-701), de origem grcco-síria: “Ele estatuiu que no momento da fracção do Corpo de N. Senhor, clero e povo cantassem: Cordeiro de Deus, que tirais os pecados do mundo, tende piedade de nós”. Isto é geralmente aceito. Primitivamente o A gnus era recitado pela “schola”, ou alternado entre esta e o povo. Pelo ano de 1100-1150 o celebrante passou a-recitá-lo tam­ bém no altar. Iriicialmcntc o texto era invariável e a súplica era sem­ pre “miserere nobis”. À primeira menção do “dona nobis pacem” é a de João Beleth (+ 1190). No século 13 este uso se generalizou. Inocêncio III escrevia: “Digamos, pois, miserere nobis. quanto à alma. Igualmente, miserere n o b i 9, quanto ao corpo; dona nobis pacem quanto a ambos, para que tenhamos a paz espiritual do coração e a paz temporal do corpo”. Observações. l.° No sábado de aleluia não se recita o A gnu 9 Dei: índice da antiguidade do formulário dessa Missa.


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0 Santo Sacrifício da Missa •

\

2.° A palavra Agnus Dei designa o Cordeiro pascal dn Nova Lei e a mansidão do Redentor. 3.° O vocalivo Agnus é algo extranho. Explica-se, talvez, como predileção ao texto literal da Escritura: “Ecce Agnus Dei”. (Jo. 1,29). 4.° Nas Missas de requiem o texto íoi notavel­ mente modificado, pois pede-se o repouso para as alma9 do purgatório. 5.° Na Idade Média o Agnus foi, não raras vezes, ampliado com figuras e tropos, como aconteceu com o K v r i e e com o Gloria. 9

O

BEIJO

DA

PAZ.

“Fax” é a união com Deus, com o próximo e consigo. O beijo, símbolo dessa união, situou-se otimamente neste momento da s. Missa, antes da sagrada comunhão: “Probet autem seipsum homo” — O homem se examine, pois, a 9i mesmo, e depois coma deste pão e beba do cálice. U s o. Nas epístolas dos Apóstolos é bastante conhecido o beijo do amor sagrado e o ósculo da paz. S. Paulo escreve aos Coríntios: “Saudai-vos uns aos outros no ósculo santo”. (I Cor. 16,20). Confonne Tertuliano o ósculo da paz não se dava outrora unicamente na celebração da Eucaristia, mas em toda reunião que se fazia para orar. E’ um ceri­ monial que existe em todas as Liturgias.

Seu lugar primitivo na s. Missa. Em todas as Liturgias orientais, no rito gálico e no original ambrosiano, o beijo da paz situa-se no princípio da Missa dos fieis, depois da demissão. S. Mateus teria sugerido colocar aqui o ósculo da paz: “Se, por conseguinte, estiveres ante o altar para apresentar a tua oferenda, e te


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lembrares dc que teu irmão tem algo contra ti, deixa a lua oferenda ao pé do altar e vai reconciliar-le primeiramente com o leu irmão”. (Mat. 5,23-24). De uma carta de Inocêncio I a Deccncio de Eugúbio demonstra-se que naquele tempo (401-417) em Roma o beijo da paz era o final dos “mistérios” da solenidade sacrifical. Reminiscência disto temos hoje no beijo da paz depois de uma ordenação sacerdotal ou episcopal. Atualmente. Hoje o rito da paz começa com a súplica “perdoai-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores”. Segue-se: “Dai, Senhor, propício a'paz em nossos dias”, depois do Pater. Em seguida o sacerdote ainda diz: “A paz do Senhor esteja sempre convosco”. Depois, dirigindo-se ao Cordeiro divino, continua: “Cordeiro de Deus, que tirais os pecados do mundo, dai-nos a paz”. Finalmente, profundamente inclinado sobre a Vítima do altar, o celebrante suplica: “Domine Jesu Christe”... Era uma antiga oração privada, que no século 11 se introduziu no Missal, cá e acolá. Algumas expressões suas lembram a primeira oração do cânon: eamque secundum voluntatem tuam pacificare et coadunare digneris”. Palavras que lembram como os primeiros e últimos sanelos do ritual eucarístico são anelos de união e de paz. Exatamente o que Jesus Cristo pedia no cenáculo: “Pai santo, guarda em teu nome os que me deste, para que sejam um, assim como nós somos um”. (Jo. 17,11). Esta união e paz o sacerdote a implora do Cristo, que veiu trazer a paz aos homens de boa vontade. Por isso é que o celebrante beija o altar, símbolo de Jesus Cristo. Motivos de respeito e delicadeza impedem-no de beijar as mesmas sagradas espécies. O primeiro que deve receber o beijo é Aquele de quem dimana para as almas o dom inestimável da paz. DepoÍ9 de a ter bebido do Peito mesmo do Mestre, o celebrante a


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0 Santo Sacrifício da Missa

transmite ao diácono, e e9te a comunica ao clero e ao povo. O diácono beija também o altar. E quando este se dirige aos demais para lhes comunicar a dádiva de Cristo, os outros saudam com uma inclinação de cabeça o mensa­ geiro do Rei Pacífico. Esta “transmissão” do beijo da paz do sacerdote ao diácono, deste ao subdiácono e do subdiácono ao povo —* é um ritual sem vestígios na antiga Liturgia romana e na9 demais Liturgias. A prática primitiva consistia em irem 09 fiéis receber do próprio altar a saudação da paz. A “transmissão” do ósculo da paz fazia-se com um beijo comum. ísto até o século 13. Como não houvesse nas igrejas lugares separados para homens e mulheres, essa “transmissão” trouxe inconvenientes. Usou-se então um in­ termediário para a transmissão do beijo da paz: o o s cuia* torium, também chamado “instrumcntum pacis”, “ta­ bula pacis”. Era uma patena de ouro, marfim, mármore ou madeira, na qual se gravou uma pequena efígie piedosa. O celebran­ te n beijava no altar e os fiéis vinham receber o beijo, em fila. à entrada do presbitério. Estes instrumentos da paz desapareceram quasi por completo. Nos séculos 12 c 13 beijava-se em França, não o altar, mas a 9. Hóstia. Em outras regiões beijava-se o cálix ou o corporal, ou ambos, por motivo de terem este9 instrumentos entrado em contacto com as sagradas espécies. Roma nunca se entusiasmou por essas praxes. E’ uso entre os Carmelitas beijar a pala e o cálice, re­ citando a fórmula: “Guardai o vínculo da paz e da caridade, para que sejais aptos para os sacrossantos mistérios do Cris­ to. Araen”. » Nas Missas de requiem omite-se a oração e o ós­ culo da paz. Historicamente isto se explica pelo fato de os fiéis não comungarem nessas Missas, que tinham outrora caráter privado. Simbolicamente isto exprime que nessas


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0 Saisto Sacrifício da Missa

Missas se reserva a paz às almas do purgatório: “Requiescant in pace”. ÜLTIMAS não.

ORAÇÕES

antes

da

s.

comu-

Durante a transmissão do beijo da paz o celebrante 6e ocupava com a sua própria preparação. Antigos Missais trazem textos à sua escolha, para êsse fim. Daí a grande variedade de textos destas orações. O Papa Pio V introduziu no Missal apenas duas, que se re­ zavam mais comumentc, e estas se tornaram obrigatórias cm todo o rito romano. Primeira

oração

“Domine Jesu Christe, Fili Dei vivi...” Pcde-se: 1.° A libertação dos próprios pecados e de todo o mal. 2.° A graça de observar os mandamentos. 3.° A união inseparável com o Cristo. Por tudo isto se faz um apelo à obra redentora do Filho de Deus vivo, obra que o Filho realizou cora a von­ tade do Pai e com a cooperação do Espírito Santo: “Sic Deus dilexit mundum, ut Filium suum Unigenitum nobis daret’\ Jo. 3,16. “Etenim per Spirituin Sanctum semetipsum obtulit immacuiatum Deo”. Heb. 9,14. Essa oração já figura nos Missais do século 10. No rito dos Cartuxos e Dominicanos é essa a única súplica de preparação. " Segunda oração. “Perceptio Corporis tui, Domine,”,.. Pede-se: l.° Que o Senhor nos livre de uma comunhão sa­ crílega.


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0 Santo Sacrifício da Missa

2.° Proteção do corpo e da alma. 3.° Saudo da alma e do corpo. A palavra judieium” faz pensar no aviso de s. Paulo: “Quem come e bebe indignamente, come e bebe a própria condenação, não discernindo o Corpo do Senhor”. A palavra “condemnatio” significa o juizo final da reprovação. Em ambas essas orações, observe-se ainda o seguinte: l.° 0 caráter privado das mesmas, coisas que se manifesta já no emprego do singular; já no conteúdo todo individual, ^que põe o pecador sozinho em face de Jesus Cristo; já — finalmente — no tom secreto em que essas súplicas se recitam. o o Por motivo da s. comunhão, são ambas dirigidas ao Salvador. Profundamente inclinado, o celebrante su­ plica, olhos fitos na s. Hóstia. 3.° São estas as únicas orações que hoje se podem rezar neste momento da s. Missa. (Cf. C. J. C., c. 818). A

S U M P Ç Ã 0.

As orações e ritos que a acompanham são os seguintes: 1.° Conforme a regra comum o celebrante faz uma genuflexão antes de tocar as sagradas espécies. No cânon ele o fazia também depois de as tocar. 2.° Tomando a s. Hóstia em suas mãos o celebrante diz: “Panem coelestem,,... Este salmo 115 contem versos muito adequados ao pen­ samento da s. comunhão. Por isso o sacerdote o retoma, de­ pois da sumpção da s. Hóstia: “Quid retribuam Domino”... “Calicem salutaris accipiam”... *0 “Panem ccelestem” que o sacerdote recita quando toma nas mãos a s. Hóstia, faz lembrar a figura eucarística do Maná. Em “invocarei o nome do Senhor” ha uma ex­ pressão de louvor e de ação de graças. 3.° “Domine, non sum dignus”... Com pequena variante, é o texto de s. Mateus (8,8).


0 Sakto Sacrifício da Missa

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Observe-se o laconismo de “tantum dic verbo”. E’ um soldado que íala. E um soldado não costuma ter tempo a perder. O Espirito Santo fez colher essa pérola das ruas de Cafamauin e perpetuar nos santos evangelhos. E o humilde comungantc vai procurar apoio para sua fé, na fé robusta e varonil do Centurião. Essa fórmula só entrou na Liturgia no scculo 11, e isto mesmo como devoção privada. O celebrante bate no peito, como o publicano justifi­ cado pelos lábios de Jesus. A tríplice repetição é comum na Liturgia, para expri­ mir súplicas intensas. Também o “Domine, non sum dignus” é uma oração de caráter privado, destinada unicamente à devoção do sacerdote. Mas para prevenir os fiéis que irão também par­ ticipar do banquete, ele recita em voz alta as quatro pri­ meiras palavras. (Rub. gen. 16,1). A mesma razão explica o toque da campainha neste momento. 4.° “Corpus Domini Nostri”... O Celebrante se abençoa a si mesmo com a s. Hóstia, tendo a precaução de segurar a patena por baixo, com a mão esquerda. Pedindo a vida eterna, que o Hóspede divino prometeu aos que o re­ cebem, o celebrante faz o sinal da cruz, como os primitivos cristãos se benziam com o sinal da cruz, antes de cada re­ feição. 5.° Dizem as rubricas depois da comunhão da s. Hós­ tia: “Repousa um instante, na meditação do ss. Sacramen­ to”. (Rit. serv. 10,4). Mas a devoção privada do cele­ brante não deve ser tão longa que impaciente os fiéis, que também esperara sua vez. 6.° Descobrindo o cálix, o sacerdote genuflcte. E’ de se ver o cuidado com que ele colhe os possíveis frag­ mentos da s. Hóstia, que tenham caído sobre o corporal. São “diamantes” — diz s. João Crisóstomo. São “par­ tículas que devemos recolher com ciume, como se cuidásse­ mos da conservação de nossos membros”, explica Cirilo de Jerusalcm aos catecúmenos.


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0 Santo Sacrifício da Missa

7.° Com a mão no cálix o clebrante continua: “Caliccm salutaris accipiam”. • • O “Laudans invocabo Dominum” é paralelo ao “et nomen Domini invocabo”. A segunda parte do verso “et ab inimicis meis salvus ero” faz lembrar a “phase” do Anjo extcrminador pelo Egito, quando achou as portas do povo judeu tintas do sangue do Cordeiro.. 8.° Segue-se a sumpção do precioso Sangue, O Sacerdotc o toma, tendo o cuidado de primeiramenle se aben­ çoar com ele. 9.° Guardam-se hoje três vestígios da concelebração: a) Quando o Papa celebra solenemente o s. Missa, vai ao trono depois do beijo da paz. Seguc-o o sub-diácono, com a 8. Hóstia par­ tida sobre a patena. No trono, o Pontífice consome a parte direita da s. Hóstia, divide a outra parte cm duas, toma o precioso Sangue por meio dc uma fístida. Depois disso o Papa dá as duas outras partes da s. Hóstia ao dideono e subdiácono. Estes levam o cálix ao altar, onde tomam com a fístula o restante do preciosíssimo San­ gue, cabendo ainda ao subdiácono a comunhão da “partícula mixtionis”. b) ' Na Missa da consagração de um Bispo, o Bispo sagranto toma a metade da s. Hóstia e parte do precioso Sangue. O recemsagrado consome o resto de ambas as espécies. c) Numa ordenação sacerdotal o neo-sacerdote recebe as. co­ munhão sem orações preparatórias especiais, e sem a fórmula dc administração da s. comunhão.

10.° O ritual da s. comunhão dos fiéis dentro da s. Missa é de origem pos-inedieval. Usõu-se, para esse fim, parte do antigo ritual da comunhão dos enfermos. Primiti­ vamente, pois, não existia dentro da s. Missa ritual pró­ prio para a comunhão dos fiéis. Vestígio disso temos na Missa pontificai, em que ainda hoje o Bispo distribué a s. comunhão ao diácono e subdiácono, sem orações que a precedam. AS

ABLUÇÕES. Seguem agora duas abluções: 1. Ablução da boca, com o vinho que se deita no cálice.


0 Santo Sacrifício da Missa

321

2. Ablução do cálix, com vinho e água, cujo conteú­ do se bebe depois. Quanto

à primeira.

O rito da ablução da boca se denominava também “purificatio”. O 14.° Ordo romano (século 14) já prescre­ via deitar vinho no cálix para “purificar” a boca. O Missal romano lambem usa o termo “se purificei”. Hoje se diz, por vezes, “purificado calicis”, mas não é este o sentido original da palavra. Durante a purificação recita-se o “Quod ore sumpsimus”... Este texto figura no Leoniano e no Gregoriano como pos-comunhao. Achamo-lo como tal na quinta-feira depois do Domingo da Paixão. Cabrol investiga-lhe as origens no século 4. A expressão densa e profunda testemunha a sua antiguidade. “Quod ore sumpsimus” refere-se à comunhão anterior, isto é, ao sacramentum tantum. ou às espécies consagradas do pão e do vinho que o celebrante to­ mou ha pouco. O “pura mente capiamus” se refere a res et sacramentum, isto é, ao Corpo e Sangue de Je­ sus Cristo, que a alma recebeu. “Munere temporali” é oposição a “remedium sempilernum”. Quanto

à

segunda.

A segunda ablução denomina-se tambein “ablutio ca­ licis et digitorum” — ablução do cálix e dos dedos. No século 8 o celebrante deixava o altar, depois da ablução da boca, para lavar as mãos em uma fonte, ao lado da epístola. Temos vestígio dessa ablução nas Missas pon­ tificais. Um antigo Missal de Meaux manda rezar durante a loção das mãos o “Nunc dimittis”. Esta última loção foi deslocada, para uso privado, para a sacristia.


322

0 Santo Sacrifício da Missa

Até o século 12-13 não hn menção da ablução do cálix. Inocêncio III queria que o sacerdote lavasse as raios depois da s. comunhão e que a água se derramasse num lu­ gar decente, como também a que serviu para a ablução do cálix. Mas já nesse tempo os sacerdotes se decidiram, por razões de respeito, a tomar a ablução do cálix. E o mesmo Papa escrevia, 15 ou 16 anos mais tarde, que o sacerdote deveria tomar essa ablução, sempre que * não tivesse de celebrar outra Missa no mesmo dia. (Cf. Ep. ao Bispo de Manquelona). Tomando a ablução diz o celebrante: “Corpus tuum, Domine, quod sumpsi et sanguis, quem potavi”... Este texto também era antigamente — mas no plural — uma pos-comunhão. Isto no século 8. Passaram-no para o singular, quando o povo deixou de comungar sob as duas espécies (século 13). Seguem alguns esclarecimentos: 1. 4‘ Adhcereat visceribus meis”... “Viscera” é, por metáfora, a alma. “Adhaereat” é uma expressão forte, para indicar a permanência do divino alimento. Como o alimento comum deixa no corpo os seus elementos nutritivos, assim sc pede que permaneça na alma a virtude do alimento celeste. '‘Sacramenta”. A Eucaristia é “materialiler duplex, formaliter (isto é: sob a razão especifica de sacra* mento) unum”. O sacerdote, que recebeu ambas as espé­ cies, fez de sua comunhão sagrada uma ceia completa. 4mà •

Nota. Depois transporta-se o Missal para o lado da epístola. E* seu lugar natural. Foi unicamente por motivo de simbo­ lismo e para facilitar os preparativos do ofertório, que ele se conservou até então ao lado do evangelho. ORAÇÕES

de

ação

d e graças.

São elas a comunhão, a pos-comunhão e a oração sobre o povo.


0 Santo Sacrifício da Missa A

co m m un io

e

sua

323

história.

Ao se distribuir a s. comunhão cantava-se, conforme as Constituições Apostólicas, o salmo 33: “Benedicam Dominura in omni lempore”. Isto, sem dúvida, por causa do verso “gustatc el videte quoniam suavis est Dominus,',. No Ocidente cantava-se a antífona com alguns versícu­ los do salmo, quer se retomasse a antífona depois de cada verso, ou somente no fim. Quando o diácono ou o subdiácono davam o sinal, fazendo uma cruzinha na testa, terminava-9e o canto. À Mãe de todas as Igrejas quis provavelmente conser­ var em certas ocasiões este venerável costume de se introdu­ zir o salmo inteiro nesse momento da s. Missa. Pois, no texto da Missa festiva celebrada em Roma por ocasião do Congresso Eucarístico (1922), figura inteirinho o salmo 67. O

texto.

A antífona da comunhão se escolhia, como ainda hoje, em relação com o caráter da festividade. Somente nos dias sem caráter pronunciado — como nas Missas de féria — to­ mava-se a ordem habitual do saltério, como se vê nos for­ mulários das Missas quaresmais. Geralmente a antífona é extraída de um salmo. No século 12 decresceu consideravelmente o número de comunhões durante a s. Missa, pelo que foi abolido o salmo. Ficou unicamente, como vestígio histórico, a antífona da co­ munhão: “antiphona, quae dicitur communio”, segundo o Rit. cel. (11, 1). Esta figurava depois das abluções e era recitada também pelo celebrante. A communio das Missas de requiem ainda conserva um pouco da forma antiga. Os textos da comunhão são extraídos: 1. Geralmente dos salmos. 2. Às vezes também dos evangelhos. 3. Raramente, das epístolas.. 4. Uma vez ou outra, dos demais livros da Escritura.


324

0 Santo Sacrifício da Missa

Pnra os t.ovos formulários a Igreja compôs novos tcxlos de comunhão: Na ícsta dc N. Senhora das Dores: “Felizes os sentidos da S. Virgem Maris, que 6cm sofrer a morte mereceram a palma do martí­ rio ao pé da cruz do Senhor". Alguma vez se escolheu uma palavra típica do próprio santo fes­ tejado. Assim na festa de s. Inácio, Bispo e mártir, dia l.° de fe­ vereiro: “Eu sou o trigo de Cristo. Hei de 6er moido pelos dentes das feras, para me tornar um pão purificado". Sempre 6C escolheu o texto da communio de conformidade com a fe6ta do dia, mas sem esquecer dc aplicá-lo à 6. comunhão. Alguns exemplos: No 4.° Domiugo do Advento: “Eis que uma Virgem conceberá c dará à luz um Filho, c o seu neme será Emanuel". No Domingo da Páscoa: “Cristo, nossa Páscoa foi imolado, aleluia. Portanto, faremos uma ceia com os ázimos de sinceridade o de ver* dade. Aleluia, aleluia, aleluia". No Domingo 9.° depoiB de Pcntecostcs: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim o eu nelo, diz o Senhor". Na quarta-feira das têmporas de setembro: “Comei o gordo e bebei o doce e partilhai com os que nada prepararam para si, porque santo é o dia do Senhor. Não vos entristeçais, pois a alegria do Senhor ê. a nossa fortaleza". (Esd. 2,8). No 2.° Domingo depois da Epifania: “Disse o Senhor: Enchei as talhas dc água e levai-as ao. arquiticlino. Logo que o arquiticlino provou da água feita vinho, disse ao esposo: Tu guardaste o bom vinho ate agora. Êstc foi o primeiro milagre que Jesus fez à vista dos seus discípulos". Na festa de s. Luiz Gonzaga: “Ele lhes deu o pão do céu; o homem comeu o Pão dos Anjos".

A

p o s • c o jn u n h 5 o .

Com a saudação habitual do “Dominus vóbiscum” o sacerdote restabelece o contacto com os fiéis. Segue-se a ooração. O nome desta oração no Gregoriano' é “oratio ad complendum”, ou simplesmente, “complenda”. Mas o Gelasiano a denomina “postcommunio”, e essa designação se generalizou. O nome lhe vem de seu lugar depois da s. comunhão.


0 Santo Sacrifício da Missa Sua

325

história .

Nas Liturgias orientais situa-se aqui uma ladainha breve3 com uma oração do celebrante. O tríplice “Krie eleÍ9on” do rito ambrosiano depoiô da pos-comunhão prende-se, cer­ tamente, a isto. Hoje as pos-comunhõe9 são adaptadas, em ordem e número, às coletas e 9ccretas. O

texto.

A composição dessas preces dirigiu-se, primeiramente, pelo pensamento da s. comunhão. Raríssimas vezes tal nao sucedeu. (Cf. terça-feira depois do Domingo da Paixão; vigília de Pcntccostes; vigília da Imaculada Conceição; nas­ cimento de s. João Batista). Outro pensamento dominante na construção destas pre­ ces foi o da festa do dia. Resumindo, poderiamos definir a pos-comunhão: Uma ação de graças depois da s. comunhão, em que se pedem 09 frutos sacrificais, no sentido da festividade de cada dia. Essas orações são redigidas no plural, pois supõe-se que os fiéis participaram do banquete sacrifical. Ha belíssimos exemplos. Citemos, entre muitos, as pos-comunhões do 2.° Domingo do Advento, da vigília do Natal, da festa do pre­ ciosíssimo Sangue, da festa de s. Catarina de Sena (30 de abril), de s. Luiz (21 de junho), de 9. Pedro no cárcere (l.° de agosto). A

oração

sobre

a povo.

Os antigos sacramentários trazem em todas a9 Missas, depois da pos-comunhão, uma oração 9obre o povo, deno­ minada “oratio super populum”. São orações que pedem para os fiéis uma bênção d e despedida. Dí-lo o próprio conteúdo, e mais a introdução “humiliate capite vestra Deo”, que coincide com


326

0 Santo Sacrifício da Missa

a exortação antes das súplicas de bênçãos, conhecidas nas Liturgias orientais, galicana e mozarábica, depois do P a t e r Noster. Gregório Magno — não se sabe porque — aboliu essas orações dos formulários, exceto nas Missas feriais da Quaresma. Com isso, dá-se hoje um fato interessante. E é que as orações feriais da Quaresma teem o mesmo texto que as orações das vésperas. 0 que se explica: Na Quaresma não se permitia tomar refeição alguma antes das vésperas. Compreende-se que por isso as vésperas se recitassem cedo. E assim eram estas recitadas logo depois da s. Missa. Temos disso um exemplo claro na Missa do sábado da aleluia, em que as vésperas se tornaram pos-comunhão da 9. Missa.


Capítulo VI

RITOS FINAIS D o m i nu s

vobiscum.

Pola última vez o sacerdote dirige ao povo a delicada saudação. / te ,

Missa

e 5 t ,

E’ a segunda demissão — a dos fiéis — como conclusão oficial da assembléia religiosa. Responde-se 44graças a Deus”. Assim foi desde o século 6 ou 7. Dada a regra comum, segundo a qual todos os avisos são feitos pelo diácono, é este quem se dirige ao povo. Na Missa solene o celebrante não diz para si o “Ite, Missa est” que o diácono canta. Diz, porem, o “Benedicamus Domino” e “Rcquiescant in pace”, que não são sim­ ples avisos, mas são orações de louvor ou de súplica. O 1:° Ordo romano parece sugerir que o diácono, para cantar o “ite”, peça autorização ao celebrante, o que expli­ caria o fato de este ficar voltado para o povo, durante o canto. A alma cristã vê nesta fórmula mais do que uma expres­ são final de despedida. “Missa” significa “missão”. Ora, o povo cristão tem de cumprir uma grande missão no mundo: levar por toda parte a sua luz no candelabro. Ben edicam u $

Do m i n o

D e o gr a t ia s.

Até o século 10 ou 11 dizia-se o “ite” em todos os dias e em todas as Missas. Mas ia uma contradição em demitir o povo, quando se esperava que todos ficassem para assistir ao ofício das vésperas, ou da sexta e noa, no9 dias quaresmais.


328

0 Santo Sacrifício da Missa

Assim foi que se resolveu substituir o “Ite”, nos dias mencionados, por uma fórmula de louvor: “Benedicamus Domino”. A resposta continuou sendo a mesma. Por isso é que, depois da Missa noturna de Natal, se dizia “Benedicamus”, pois a esta Missa seguia-se o canto das laudes. Nos domingos e dias festivos, pois, conservou-se o “Ite”. Com isto identificou-se o “Ite, Missa est” com os dias de caráter festivo, e o “Benedicamus” foi classificado pelo povo como texto de penitencia. A Liturgia cedeu a esta classificação popular, vindo a coincidir os motivos do “Benedicamus” com as regras já conhecidas da omissão do “Gloria”. Por ser um hino de louvor, o “Benedicamus” é dito pelo celebrante e cantado pelo diácono, ambos voltados para o altar. Requiescant in pac e. Duas razões levaram a substituir o “Ite” nas Missas de luto: l.° Em muitas Missas de requiem desejava-se a presença dos fiéis para o rito da encomendação, após a Missa; ou para os ritos de enterro, no cemitério. 2.° O “Ite”, com o seu caráter festivo, não cabia bem no ritual dos defuntos. A fórmula do “Benedicamus Domino” prestar-se-ia ao ofício dos mortos, mas teria sido inadequada ao pensamento das almas do purgatório. A Igreja possuia a sua oração pública “Fidelium animac per misericordiam Dei requiescant in pace”. A abre­ viação desta forneceu a fórmula desejada para as Missas de defuntos: “Requiescant in pace”. Também esta o sacerdote a recita, enquanto o diácono a canta, voltados ambos para o altar.


0 Santo Sacrifício da Missa

329

P l ac e a t. Escritores do tempo medieval mencionam o “Placeat” como oração para depois da s. Missa. Nos Missais do século 16 ela ainda figurava com esse nome: “oratio post Missam”. Foi Pio V quem a introduziu no texto oficial e definitivo da s. Missa. 0 singular indica o seu caráter privado. 0 conteúdo nao necessita de explanação. A BÊNÇÃO FINAL. H i s t ó r i a. Os primeiros O r d i n e s romanos não dão a bênção no fim da s. Missa. Somente mencionam a bênção que o Papa distribuía ao povo, quando de volta do altar para a sacrislia. 0 mesmo faziam os bispos e sacerdotes. Foi para acentuar a diferença hierárquica entre estes que surgiu o costume — no século 11 — de o sacerdote dar a bênção no altar. Mesmo depois de dois séculos, porem, este uso ainda não se tinha generalizado. Ritual. 0 sacerdote levanta os olhos e as mãos para a cruz, afim de pedir primeiramente o que vai dar aos outros. Com isto ele diz: “Benedicat vos omnipotens Deus”... Depois, voltando-se para o povo, termina a sua súplica traçando o sinal da cruz e dizendo: “Pater et Filius et Spiritus Sanclus”. O “arnen” do povo exprime o desejo de que “assim seja”. ^rimitivamente variava muito o texto dessa bênção. Foi o Papa Pio V quem o fixou. Variava também, o gesto. O sacerdote fazia também, em outros tempos, o tríplice sinal da cruz que! o bispo ainda hoje faz. O Missal de Pio V ainda o autorizava ao celebrante da Missa solene, Mas Clemente VIII (1592-1605) reservou esse gesto aos bispos. Desde aí o sacerdote pode fazer unicamente uma cruz sobre o povo, e esta acompanhada das palavras em voz alta, mesmo nas Missas solenes.


330

0 Santo Sacrifício da Missa

Oulrora dava-se a bênção tambcm nas Missas dc r c q u i e in. Mas não é fácil dc precisar cm que época sc deu. O Missal de Veneza, dc 1563, diz: “In Missa pro defunctis... benedical populum dicens: Deus vila vivorum el ressureclio mortuorum bcncdicat vos in saecula sacculorum. Amen”. O

BEIJO

DO

ALTAR.

Esse beijo nada tem que ver com a bênção. Prova-o o fato de se ter conservado mesmo nas Missas de requiem, em que não so dá a bênção. E* um beijo de despedida do aliar. O

ÚLTIMO

EVANGELHO.

Os medievais tinham grande devoção ao evangelho dc são João. Este figurava nos batismps, nas bênçãos e exor­ cismos. S. Agostinho permitia que se colocasse o evangelho de s. João na cabêça dos doentes. Conserva-se ainda hoje reminiscências disso na cabêça de uma criança doente e nas ora­ ções dos moribundos. Essa devoção levou o sacerdote a rezar o evangelho de s. João como ação de graças depois da s. Missa, durante a deposição dos paramentos ou de volta para a sacristia. Para isso se começava a recitá-lo no altar, em voz alta, á pedido dos fiéis. O bispo ainda o recita hoje, em voz alta, de volta para o trono. Pagando o eslipêndio para a s. Missa, os fiéis exigiam a recitação do evangelho de s. João no fim, antes de o sacerdote deixar o altar. Finalmente. Pio V tornou-o obri­ gatório em todas as Missas. Dada a tendência de se recordar a Missa da féria na festividade de um santo, surgiu o preceito de se substituir, nestes dias, o evangelho de s. João pelo evangelho da féria. E Pio X completou essas disposições, determinando que se substituísse o evangelho de s. João pelo da Missa de um


0 Santo Sacrifício da Missa

331

santo, quando este santo tivesse um evangelho próprio, isto é, um evangelho em que se citasse o nome desse santo ou se falasse profeticamente dele. Os Missais novos indicam-no com a letra P (prop r i u m) por cima do texto do evangelho. ORAÇÕES

DEPOIS

D, A

MISSA.

IJm decreto de Leão XIII do dia 6 de janeiro de 1884 prescreveu algumas preces depois da Missa rezada. Em 1886 modificou-se esta prescrição: “Depois de toda Missa privada”. De modo que, depois das Missas, que por um motivo ou outro nao se possam chamar p r i v a d a 9 — em outras palavras: nas Missas rezadas com alguma solenidade — omitcm-sc essas orações. Em 1904 acrescen­ tou-se a tríplice invocação ao Sagrado Coração de Jesus. AÇÃO

DE

GRAÇAS

DO

CELEBRANTE.

De volta à sacristia ele recita a antífona “Trium puerorum” e o cântico “Benedicite”. (Cf. Rit. cel. 12,6). Eslas orações figuram no princípio do Missal, depois da preparação para a s. Missa. Alem disto acha-se aí o salmo 150. alguns versos e três orações. São estas preces a ação de graças que a Igreja indica aos seus ministros. Ha ainda uma série de textos, que constituem um florilégio das orações herdadas dos santos. O P. Grisar descobriu no ano de 1905. na pequena igreja “Sancta Sanctorum”, perto da Scala Sancta em Roma, um grande tesouro de relíquias. Esse santuário é um resto dos antigos palácios de Latrão, e servia outrora de capela privada do Papa. Era consagrado a s. Lourenço. O nome “Sancta Sanctorum”, que data do século 13, alude a essa multidão de relíquias alí conservadas. O des­ tino desse santuário parece ter influído na composição destas oraçoes de açao de graças, que teriam sido, talvez, de uso

papal.


Capítulo VII

A CAMPAINHA NA SANTA MISSA O r ig em e desenvolvimento. A Missa privada, já o vimos, é um resumo da Missa solene. Daí o uso da campainha na Missa privada prende-se ho toque dos sinos do campanário para o único sacrifício solene de outrora. Primitivamenle locavam-se os sinos: ].° No começo da s. Missa. 2.° Durante as elevações, nos tempos do período me­ dieval. Os que não podiam estar presentes na igreja, para verem as sagradas espécies, podiam participar, ao menos de longe, das elevações das mesmas. Nas Missas solenes conservou-se o toque dos sinos nos momentos mencionados. Nas Missas privadas os sinos foram substituídos pela campainha, com a diferença que o toque dos sinos na9 Missas solenes visava os ausentes^ enquanto a cam­ painha. nas Missas privadas, destina-se a avisar os pre­ sentes. Com isto convencionou-se tocar a campainha: 1.° No princípio da s. Missa, quando o celebrante deixava a sacristia, ou quando começava o salmo ao pé do altar. Para este fim usava-se uma campainha maior, que ainda hoje se usa, geralmente fixada na parede, à entrada do coro. 2.° Depois do prefácio, no momento do “Sanctus”, para prevenir os fiéis que estava próximo o momento cul­ minante da s. Missa: a consagração. 3.° Nas elevações, para chamar a atenção e os olhares dos fiéis para as sagradas espécies do S9. Sacramento do altar.


0 Santo Sacrifício dà Missa

333

Prescrição atual. “A parte epÍ9tolae paretur parva campanula”. (Rub. geri., 20). Prescreve-se, pois: a) uma campainha; b) uma pequena campainha. O uso de várias e grandes campainhas, si não é proi­ bido. c — pelo menos — à margem das rubricas. Os termos de uma decisão da SRC de 1922 autorizam “alterum et eongruum signum”. Proibe-se o gongo, em uma determi­ nação explícita da SRC (10 de setembro de 1898, n. 4000). Os momentos em que hoje se prescreve o uso da cam­ painha em todas as Missas, quer solenes quer privadas, sãò: ].° No “Saneais”. Dizem as rubricas: “Ministro parvam campanulam pulsante”. (Ril. cel. 8,8). Basta um toque da campainha, embora se costume dar três. 2.° Nas elevações da s. Hóstia e do precioso Sangue: “Minisler ruanu dextera pulsat campanulam ter ad unamquamque elevationem, vel continuate, quousque sacerdos deponat Hostiam super corporale et similiter postmodum ad elevationem calicis”. Segundo decreto da SRC (18 de julho de 1885, n. 3638 ad 3), estas prescrições valem também para as Missas privadas num Oratório privado, ainda que só o celebrante e acólito estejam presentes. E’ proibido o uso da campainha dentro da s. Missa: l.° Quando ha exposição do ss. Sacramento. E isto não só no altar da exposição, como em todos os altares laterais. (Cf. SRC, 31 de agosto de 1857 ad 10). Durante o ofício canônico no coro. (Cf. SRC, 21 de novembro de 1893, n. 3814, dub. 1). 3.° Durante uma procissão. (Cf. SRC, loc. cit. dub. 2). Quanto à primeira proibição convem observar ainda o que segue:


334

0 Santo- Sacrifício da Missa

Á SRC considera a exposição do ss. Sacramenlo um rito de particular solenidade, não podendo a adoração ser interrompida nem perturbada. Pelo mesmo motivo se desa­ prova a celebração da s. Missa em um altar de exposição, embora se reconheça que isto seja por vezes inevitável. Por ocasião do Congresso eucarístico internacional de Roma, ein 1922, observou-se què o uso da campainha na9 diversas Missas — cantadas, solenes e pontificais — era muito irregular. Por isso fez-se à SRC a pergunta se os preceitos do R i t. c e 1. (8,8 e 8,6) vigoravam para todas a9 Missas não privadas. Perguntou-se ainda porque se deveria tocar a campainha no ‘"Sanctus”, cm Missas não privadas, visto que o pre­ fácio cantado já indicava suficientemente o início do cãnon. A s. Congregação respondeu que nos momentos indi­ cados não c estritamente obrigatório o uso da campainha, podendo esta ser substituída por outro instrumento conve­ niente, “congruum”. Assim é que se pode usar, pois, a campainha do Sanctus outrora fixada na parede do coro. Só o gongo é expressamente proibido. E a s. Congregação autorizava ainda um pequeno 9inal com a campainha, ante9 da consagração. Em

resumo: Deve-se

tocar a campainha em todas as

Missas: No “ Sanctus”. h) Nas elevações. 2.° Recomenda-se: a) Um pouco antes da consagração. b) No início da Missa, quando o celebrante se dirige para o altar, ou quando inicia o salmo “Judica”, 3.° Os demais usos, a saber: a) No ofertório; a)


0 Santo Sacrifício da Missa b)

335

Na pequena elevação (ou para indicar o fim do cánon ou para prevenir o organista); c) No “Domine, non sum dignus” — são cerlamente usos à margem das rubricas e destituídos de motivos históricos. Mas, onde existem, esses costumes não devem ser arran­ cados de chofre, para não causar extranheza ao povo.

U. I. 0. G. D.


APÊNDICE EXEMPLOS DE TROPOS DO “KYRIE” E DO “GLORIA” Tropo do kyrie: Kyrie, rex genitor ingenite, vera cssenlia, eleyson. Kyrie, luminis fons, rerumque conditor, eleyson. Kyrie, aui nos tu© imoginis signasti specic, eleyson. Christc, Dei forma, humane parliceps, eleyson. Cbriste, lux oriens per quem sunt omnia, eleyson. Cliriste, qui pcrfecta es sapientia, eleyson. Kyrie, spiritus vivificus, vit© vis, oleyson. Kyrie, utriusque vapor, in quo omnia, eleyson. Kyrie, expugnator scelenun et largitor grati©; Quacsumus propter nostras oífensas noli nos rclinqucrc: O consolator dolentis anime, eleyson. Glória “Rex hodie Christus”: In

resurrectione

Domini.

Na ressurreição do Senhor.

Gloria in excelsi6 Dco, et in terra pax hominibus bon© voluntatis. Rex hodie Christus, quia victor redit ab imis, Letetur cccJum, plaudat et omnis homo.

Porque o Cristo Rei ressur­ giu hoje dos mortos, exulte o céu, rejubile todo homem.

Laudamus te. Davidica de stirpe leo surre* xit horilis, Ad dextram regnans Patris et ipse seden9.

O leão heril surgiu da estir­ pe de Davi, regendo assentado k dextra do Pai.

Benediciraus te. Alleluia sonat vicos ct cas­ tra, per orbem, Surrexit Dominus, pascha celebre nitet.

Ressoa aleluia pelas aldeias, pelas cidades e pelo orbe. O Senhor surgiu, brilhe a festa da Páscoa.

Adoraraus te. Personet, euge, Deo regnanti gloria Patri, Glorificat 6emper quem chorus angelicus.

Eia, suba a glória ao trono de Deus Pai, que o coro angéli­ co sempre glorifica.

Glorificamu* te.


0 Santo Sacrifício da Míssa Grates immensos rcddit sine fine caterva Fclix spirituum, nos quoque pulvis, humus.

337

Craças imensas rendemos sem fim, tombem nós, pó da terra, junlomcntc com o côro feliz dos espíritos.

Gratias agimus tibi, propter magnara gloriam tuam. Ingcnitum nuraen, de nullo lumine lumen, Et genitor veri luminis atquc Dei.

Deus ir.gcnito, luz oriundo de nenhuma luz, gerador da verdadeira luz c de Deu9.

Domine Deus, rcx coclestis, Deus Pater omnipolcns. Patris sermo, manus, candor, sapientio, virtus, Cum Palre cuncta ter.ens, cum Patre cuncta regens.

Palavra do Pai, poder, can­ dor, sabedoria, virtude, susten­ tando e regendo tudo com o Pai.

Domine fili unigenite. • « suscipc dcprecationem noslram. Pro nobis passus, pro nobis hóstia factus, Nostra spes omnis, lux, via, vita, salus.

Sofrestes por nós, por nós vos fizestes Vítima. S0Í9 toda nos­ sa esperança, luz, caminho, vi­ da, salvação.

Qui aedes ad dexlcram Patris, miserere nobis. Victorem Christum gaudentes pangite, fratres, Eccc resurgentis 9pem dedit ipse suis.

Alegres cantai, irmãos, o Cris­ to que venceu, dando aos seus a esperança de ressurgir.

Quoniam lu solu9 sanctus. Cui plebs tota simul decontct dulcia verba, ot sonitus resonet dulcis ubique Deo.

Povos, juntos oantai-lhe em cânticos suaves, e ressoe a Deus, por toda parte, a doce harmo­ nia.

Tu solus Dominus, lu solus Altissimus, Jesu Chri9te. Gloria magna Deo, quia no­ bis paecha rcfulget. Per te, Christe, Deu9 qui super astra micos.

Rendei grande glória a Deus, porque nos resplandece a Pás­ coa, por vós, Cristo Deu9, mais refulgente do que 09 astros.

Cum sancto Spiritu, in gloria Dei Patris.


333

0 Santo Sacrifício da Missa

Tropo do Glorio, no Advento:

para as Missas votivos da ss. Virgem»

Gloria in cxcelsis Deo, et in terra pax horainibus bonse voluntatis. Clementiam pax bajulat, Justitiac dat oscula, Originis a macula Christi matre preservai a.

A paz traz a clemência e beija a justiça, sendo a Mãe do Cristo preservada da mancha original.

Laudnmus te. Benedicimus te. Adoramus te. Glorificamus te. Laudatur in rubo Dcu9. Rex velleris, Jesus meu9, Panis vivua triticcus, Quem gerit virgo sacrata.

Deus c louvado na sarça (a vir­ gindade de Maria). Meu Jesu9, rei do velo, Pão vivo de trigo que a Virgem sagrada gerou.

Gratias agimus tibi propter magr.am gloriam tuam. Domine Deus, rex ccelestÍ9 • • • Gratias debet agere Ex acob orto sidere. Hester de no9tro genere Fit Assuero copulata.

Convem dar graças à estrela que 9urgiu de Jacó, Ester, nascida de nossa raça, d esposou Aasuero (alusão à Incarr.açáo).

Domine Fili unigenite, Jesu Christe. Ex Patre semper genitus, Per flamen dulcis halitus Ut fios novus est editus, Virga Jesse íecundata.

Que foi eternamente gerado pelo Pai, nasceu pelo Espírito cm doce suavidade, como uma nova flor, quando a raiz de Jesaó foi fecundada.

Domine Deus, Agr.us Dei, Filius Patria, qui tollis pcccata roundi, •misercro nobis. Agnus Dei pacificus Isaac risus ccelicus, Virginis MatrÍ3 unicus Fit, forma Dei servata.

Cordeiro pacífico de Deus, sorriso celeste de Isaac, fez-se único filho da Virgem Mãe, conservando a natureza divina.


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Qui tollis peccata mundi Suscipc, pie Jesu, prece9 nostras. Qui sedes ad dexleram Patris Precibus sacr© matris, miscrere nobis.

Vós, que tirais os pecados do mundo, recebei, bom Jesus, nossas sú­ plicas. Vós que sentais à dextra de Deus Pai, tende piedade de nós, pela prece de vossa Mãe sagrada.

Qui pandis arcam foederis, Miscricors sis miscris, Tua matre prte ceteris Facta plebis advocata.

VÓ9, que abris a arca da aliança, tende compaixão dos miseráveis sendo que a vossa Mãe se fez, acima de todos, a advogada do povo.

Quoniam tu solus santeus. Clavi9 David, Samson fortis, Asccndisü casu mortis, pnedilectis tu© sortis, N09 libera prece grata.

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Clave de Davi, Sansão forte, su­ bistes no céu pela vitoria sobre a morle,

para aqueles que se tornaram vossos: Livrai-nos, ouvindo as noesa9 súplicas. Tu solus Dominus, tu solus Altissimus, Jesu Christe. Tu cuncta ter.ens fortiter, Salva nos, Christe, pariter, Qui vivÍ9 ©ternaliter In Trínitate beata.

Vós, que tudo governais com mão forte, salvainos, ó Cristo, igualmente. Vós que viveis etemamente na bem-aventurada Trindade.

Cum Sancto Spiritu in gloria Dei Patris. Ainen.


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