Infográficos que ajudam a “achatar a curva” da propagação do coronavírus

Gráficos são úteis, mas esses dois infográficos animados vão ainda mais longe para explicar por que devemos diminuir a propagação do coronavírus.

Ricardo Cunha Lima
datavizbr

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Kurzgesagt

Informação em movimento

Há poucas semanas atrás a nossa vida mudou. Uma grande ficha caiu quando políticos brasileiros voltaram dos Estados Unidos contagiados com o coronavírus. De repente, muita gente percebeu que nenhum país estaria imune. Uma das primeira coisas que as pessoas fizeram foi procurar informação na internet, lá encontraram várias infografias que trabalhavam o conceito de “achatar a curva”.

O significado de “infografia” ainda é pouco conhecido. Um infográfico pode ser definido como uma “representação visual de informação ou dados,” (Oxford English Dictionary) mas ele é, mais especificamente, um recurso que usa simultaneamente diversos meios de comunicação, como gráficos, desenhos e texto escrito.

Nas últimas semanas, o termo “achatar a curva” foi usado por jornalistas diariamente se referindo a um gráfico de área que mostra diferentes expectativas sobre a quantidade de vítimas do vírus ao longo do tempo.

O gráfico de área sobre “achatar a curva” — versão do Jornal Nexo

Uma das maiores dificuldades para enfrentar as provações de uma pandemia é a incerteza —o que torna complicado responder a pergunta, quais medidas devemos tomar? Por isso os gráficos, por sua natureza quantitativa, têm uma função importante em motivar a população através da informação. A mensagem deste gráfico de área é simples: nós precisamos ficar abaixo da linha que marca a capacidade máxima do sistema de saúde.

Apesar disso, um gráfico por si só não é o bastante. Gráficos são metáforas que podem não fazer parte do repertório da maioria. É aí que entram os infográficos. Indo além dos infográficos estáticos que estamos acostumados, em seguida irei analisar dois video-infográficos sobre o coronavírus e tentarei mostrar as estratégias de design infográfico usadas para promover a idéia que precisamos “achatar a curva”.

Muito do argumento deles é baseado no gráfico simples acima, mas eles vão um passo adiante — enriquecendo a narrativa desse gráfico, criando empatia e ampliando a compreensão das pessoas sobre o assunto.

1. VOX: Por Que Lutar Contra O Coronavírus Depende De Você

O primeiro vídeo-infográfico que iremos ver é do canal de vídeos jornalísticos Vox. Este canal tem procurado (em suas próprias palavras) “explicar as notícias” desde 2014. No Vox, matérias jornalísticas em vídeo incluem gráficos estatísticos e animações integradas à matéria como um todo.

A estratégia neste vídeo-infográfico do Vox foi usar formas esquemáticas, utilizando círculos coloridos e estruturas esquemáticas.

Este vídeo-infográfico do Vox começa com um panorama da crise, em certo momento o vídeo passa a usar uma animação para explicar a pandemia. Para tanto, o Vox optou por utilizar formas geométricas como uma abstração que representa pessoas individualmente.

Como o círculo é uma forma muito genérica, ele pode ser interpretada de maneiras diferentes.

Como veremos, o círculo é o protagonista da história. Como o círculo é uma forma genérica, ele pode ser interpretada de maneiras diferentes. Em diferentes partes da narrativa o círculo varia seu papel: ele começa mostrando como as pessoas se contagiam, para depois virar um elemento quantitativo que representa as vítimas.

Um dos momentos mais sofisticados da animação é quando círculos formam uma versão do gráfico de área (sobre “achatar a curva”). Como podemos ver acima, eles criam um gráfico de área feito de círculos, simbolizando as vítimas, contidos em uma malha retangular, simbolizando um hospital. Dessa maneira eles mostram que os leitos do hospital serão insuficientes se a curva não for achatada.

Utilizando um mesmo elemento esquemático (o círculo), que pode ser combinado à diferentes estruturas e contextos, foi possível dar coesão à narrativa. Ou seja, a história é sempre sobre os círculos, as pessoas infectadas. Manter a atenção em uma coisa só ajuda o espectador a não perder o fio da meada.

O objetivo deste vídeo-infográfico foi acentuar como escolhas individuais estão diretamente relacionadas com muitos gráficos de área (sobre “achatar a curva”) que leitores podem ter encontrado.

Convencer as pessoas que o título, “lutar contra o coronavírus depende de você,” não é uma missão fácil, já que para muitos essa pode parecer uma responsabilidade restrita ao governo e médicos.

2. Kurzgesagt: O Coronavírus Explicado & O Que Você Deve Fazer

O segundo vídeo-infografico é do canal Kurzgesagt, que significa em alemão “em poucas palavras” ou “resumidamente”. Desde 2014, este canal alemão tem revolucionado a infografia com vídeo-infográficos inteiramente animados, utilizando desenhos pictóricos simples, ricos em cores vivas e apelo visual.

Enquanto que o Vox enfocou quase exclusivamente em elementos esquemáticos, o Kurzgesagt variou sua abordagem entre esquemático e pictórico — além de adicionar uma boa dose de humor. O tratamento foi esquemático quando, por exemplo, utilizaram círculos simbolicamente para representar quantidades de pessoas. Outras vezes, porém, o tratamento foi pictórico, usando figuras humanas reais e demonstrando suas ações quando uma descrição mais literal era necessária.

Para ampliar o conceito do gráfico de área (sobre “achatar a curva”), o foco deste vídeo foi: quanto mais lento o contágio, maiores as chances de tratamento para os infectados.

O gráfico de área animado

A primeira referência que o Kurzgesagt faz ao gráfico de área em questão é explicá-lo através de uma animação, utilizando a própria abstração do gráfico e mostrando literalmente que a curva pode ser achatada.

Símbolos esquemáticos coloridos

Logo em seguida (ver acima), o mesmo argumento é reforçado através de círculos (símbolos esquemáticos). Em uma comparação entre a pandemia rápida e lenta, círculos coloridos mostram que na propagação rápida mais pessoas serão contaminadas.

Pictogramas animados coloridos

Em seguida é a vez da representação pictórica (ver acima): pictogramas animados mostram que a pandemia rápida impede o acesso da maioria ao tratamento médico.

Gráficos acompanhado de animações pictóricas

Ao final do vídeo, o gráfico de área (sobre “achatar a curva”) é retomado e agora uma descrição pictórica acompanha cada cenário, mostrando — de forma contundente — que uma pandemia rápida resultará em mais mortes.

A estratégia do Kurzgesagt foi a repetição unida à variação

Podemos ver que a estratégia do Kurzgesagt foi a repetição unida à variação, ou seja, o vídeo explicou praticamente a mesma coisa de maneiras diferentes. Repetir o argumento principal variando a abordagem pode ajudar o leitor/espectador a digerir a mensagem, pois, muitas vezes, as pessoas não absorvem tudo da primeira vez.

Finalmente, o Kurzgesagt pontua a animação com uma boa dose de senso de humor. Como coloca o célebre infografista, Nigel Holmes, o humor ajuda a tornar a leitura e a compreensão de gráficos em “uma experiência prazerosa, em vez de um dever de casa”.

Não existe a maneira correta de se comunicar

Nesta breve análise, eu não procurei descobrir qual dos infográficos informa melhor, não existe a maneira correta de se comunicar. Até porque não precisamos depender de um único gráfico para contar a história. Outros infográficos podem ter um papel complementar e explorar diversas possibilidades narrativas do conceito de “achatar a curva”. Ao adotarmos um abordagem plural podemos informar melhor às pessoas de diferentes contextos e interesses.

É importante que a infografia seja usada como ferramenta de informação e persuasão neste momento crítico que estamos vivendo. A mensagem que a pandemia lenta é o melhor caminho vai de encontro ao desejo da maioria: todos querem que as restrições durem pouco tempo.

Designers de informação têm um papel importante. Precisamos motivar a população para adotar o isolamento e, dessa maneira, diminuir a taxa de contágio, descongestionar os hospitais e salvar o máximo de vidas. Portanto, devemos lembrar que o que convence as pessoas são histórias não apenas números.

Ricardo Cunha Lima é infografista que, depois de trabalhar bastante no mercado editorial, resolveu se aventurar na academia e fez doutorado em design de informação. Quem quiser conhecer suas pesquisas sobre infografia encontrará estes textos aqui.

Palestra no In.Rio — Encontro de profissionais de infografia no Rio de Janeiro

O Brasil é referência mundial em infografia através de jornais como o Nexo Jornal, Estadão, O Globo, Folha de SP e revistas como a Superinteressante, entre outras publicações.

Para ler mais sobre infografia, eu recomendo os livros do Ary Moraes (UFRJ), Mario Kanno (Escola Panamericana), Tattiana Teixeira (UFBA) e Alberto Cairo (Universidade de Miami). Recomendo também os cursos do Pensar Infográfico.

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Ricardo Cunha Lima
datavizbr

Ricardo is a information designer, illustrator, university professor at UFPE, has a PhD in design and is a founding member of the Visual+mente podcast