Por uma metodologia que ensine a pensar, a raciocinar, a aprender com a experiência. (*)


Prof. Mauricio A. P. Peixoto
Doutor em Medicina, FM – UFRJ
Professor Associado do Laboratório de Currículo e Ensino
Núcleo de Tecnologia para a Saúde (NUTES)
Universidade Federal do Rio de Janeiro

 

Método resulta da junção de dois termos gregos. Usamos o prefixo “meta” para nos referirmos ao que vai além; ao que vem depois. Já “odos” refere-se a caminho. Neste sentido então método é, estritamente, aquilo que vem depois de percorrido o caminho.  E então; olhar para trás não é uma boa forma de avaliar o que fizemos?  Claro que sim. É quando podemos aprender com a nossa experiência. E em medicina aprendemos muito com ela. Por isto os casos clínicos são uma ferramenta preciosa para nosso aprendizado.

E assim, método refere-se essencialmente ao pensar sobre caminhos e ações percorridos. Aprender método é aprender a pensar sobre o que fizemos. É também pensar e aprender com a experiência daqueles que nos precederam.  Claude Bernard foi mais além ao definir o método cientifico como o “raciocínio por meio do qual submetemos as nossas ideias ao tribunal dos fatos”. E ressalto aqui a palavra raciocínio.

Em medicina colhemos histórias, fazemos exames físicos, analisamos exames complementares; sempre com uma pergunta em mente: Que entidade mórbida pode explicar o quadro do paciente? E para isto precisamos pensar. Para conectar todos os dados obtidos; precisamos do método. Precisamos; parafraseando o pai da medicina experimental; raciocinar para submeter nossas ideias aos fatos clínicos. Médicos de boa cepa não se diminuem a meros executores de receitas e procedimentos.

Em ciência o procedimento é análogo. Como nós, o cientista se defronta com o desconhecido, observa, coleta dados, consulta seus pares e principalmente pensa. Como nós, constrói hipóteses e as testa de variadas formas.  Como nós, faz uso do método científico.

Como médicos, estamos o tempo todo praticando e produzindo conhecimento. Isto nos faz um pouco artesãos, um pouco cientistas. E é talvez por isto que Canguilhem, filósofo e médico, afirma que a Medicina é “… uma arte situada na confluência de várias ciências…”. Como artesãos, praticamos a arte com a perfeição possível. Como cientistas, processamos o conhecimento produzido. E, talvez em alguns momentos felizes, criamos algo novo.

Por isto, o ensino da Metodologia Científica não deve reduzir-se à mera apresentação de algumas técnicas de pesquisa. Enfatizo que enquanto método refere-se ao pensar, técnica dirige-se ao fazer. Disto sabemos nós, por exemplo, quando subordinamos a técnica cirúrgica ao conhecimento mais amplo da Cirurgia. Um cirurgião não é um mero executor de técnicas.  Cada caso é um caso, é axioma tão usado quanto verdadeiro em nossa profissão.

Defendo que o ensino da Metodologia Científica deva favorecer o domínio das ferramentas do pensamento. Que o aluno se envolva em um ambiente desafiador, onde possa tomar consciência da sua maneira de pensar e das ferramentas heurísticas necessárias ao manejo do método. Que ele possa perceber o mundo da pesquisa como um ambiente estimulante e prazeroso.

Para isto, a apresentação das técnicas de pesquisa (sempre necessárias) deve inserir-se em um ambiente de atividade e prática. Um ambiente onde o desconhecido se apresente cotidianamente a desafiar o aluno. Onde haja a possibilidade do exercício do raciocínio e das ferramentas do pensar. Onde o aluno possa perceber-se aprendendo, e do mesmo passo conscientemente, tomar posse daquilo que aprendeu.

Na sua totalidade e abrangência, tal curso não existe. Mesmo porque esta proposta ultrapassa os limites de uma única disciplina. Embora o aprendizado formal em sala de aula seja condição necessária, não é suficiente. Há que prosseguir em um ambiente onde o pensar e a pesquisa sejam atividade diária. Em minhas atividades diárias esta proposta é um ideal sempre perseguido, embora nem sempre alcançado na sua plenitude. Mas, em um convite à reflexão, deixo aos colegas as palavras de Olavo Bilac,:

“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto…
E conversamos toda a noite…

Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”
E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
capaz de ouvir e de entender estrelas.”

 

(*) Texto publicado em

MAURICIO ABREU PINTO PEIXOTO. Por uma metodologia que ensine a pensar  a raciocinar a aprender com a experiência.pdf. Jornal Brasileiro de Oftalmologia, [s. l.], v. 156, p. 5, 2013. Disponível em: <http://www.sboportal.org.br/jbo/2013/jbo_156.pdf>
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