Empatia nos Diálogos: Relativizar é preciso, pois mapas não são territórios
Relativização: A percepção que temos da Realidade não é a Realidade em si mesma!

Empatia nos Diálogos: Relativizar é preciso, pois mapas não são territórios

Habitualmente, nos comportamos de modo automático ou semiautomático regidos por crenças, valores, modelos, regras e emoções infraconscientes arraigados em nós profundamente, a partir dos quais reagimos em quase todos os momentos de nossas vidas. Isso se faz necessário, pois economiza nossa energia psíquica e propicia as tomadas de decisões em tempo supostamente adequado para nossa sobrevivência, inclusive filtrando informações e outros estímulos para que possamos lidar com o que nos deparamos a cada instante no cotidiano.

Esse conjunto de processos e de filtros constituem elaborações sobre a realidade, sobre o mundo, sobre nós mesmos, sobre os outros, enfim, sobre uma infinidade de temas formando "mapas" a nos guiar em nossas ações e interações continuamente e tais mapas determinam em grande escala como vivenciamos a realidade, como percebemos o mundo e quais escolhas temos à disposição enquanto nele vivermos com os mapas adotados.

Entretanto, em muitas vezes, esses "mapas" podem não estar devidamente atualizados ou não corresponderem adequadamente aos territórios sobre os quais são aplicados. Alfred Korzybski, ainda na primeira metade do século passado, já nos alertava sobre a distinção entre mapas e territórios. Visto que a estrutura da linguagem contribui para a forma como estruturamos a realidade, devemos nos recordar que palavras são indícios de como a realidade é percebida por quem as emprega, mas não a realidade em si mesma, seja lá o que isso for.

Em artigo anterior, declarei que empatia é uma viagem de ida e volta e que o primeiro passo a ser dado para realizarmos essa viagem consiste na capacidade de relativizarmos, sairmos de nossos próprios referenciais e percebermos o mundo a partir das perspectivas de nossos interlocutores, de seus sentidos, de suas crenças, de seus valores, de suas experiências e de seus significados.

No diálogo, cabe-nos o despojamento momentâneo de nossas próprias crenças e de nossos valores pessoais para que possamos realmente enxergar as outras pessoas, no intuito de podermos apreender melhor quais são as crenças e os valores de nossos interlocutores de modo a nos tornarmos capazes de atinar a rede de significados que compõe o modelo de mundo destes e assim estarmos mais capacitados para a compreensão sem pré-julgamentos sobre suas versões dos fatos, suas emoções e suas percepções sobre nós, sobre eles próprios e sobre nossas relações.

Procedendo assim, estaremos aptos para elaborarmos em uma linguagem mais adequada nossa expressão assertiva sobre nossas próprias versões dos fatos, sobre nós mesmos, sobre nossos interlocutores e sobre nossas relações, de modo a negociarmos com mais efetividade e integridade a construção de resultados que atendam adequadamente a todos os envolvidos no processo interativo.

E como se dá esse despertar para outras perspectivas diferentes das nossas? Há uma irredutível diferença entre o mundo e nossa experiência do mesmo. Nesse sentido, entender que o mapa representa, mas não é o território em sua totalidade nos chama a atenção para a singularidade inegável de cada pessoa e nos faculta depreendermos que jamais teremos mapas totalmente idênticos. O entendimento sobre com quais mapas nossos interlocutores estão se guiando nos possibilita melhor compreendê-los, orientá-los, alertá-los, bem como aprender com eles.

Nossos sentidos sensoriais captam apenas parcelas do existente no mundo, pois visualmente somos capazes de perceber do espectro eletromagnético apenas os contornos de comprimentos de onda compreendidos aproximadamente entre os 700 e os 400 nm (nanómetros); auditivamente, a frequência das ondas sonoras na faixa de 20 a 20.000 Hz; além também das restrições das nossas percepções olfativas, gustativas e táteis; criando assim ilusões de realidade "concreta".

Ao nos depararmos com as limitações e mesmo com a fragilidade de nossas percepções visuais, como, por exemplo, quando diante de figuras ambíguas e de outros fenômenos perceptuais estudados pela Psicologia da Gestalt, como os fenômenos de figura-fundo, dos efeitos das proximidades espaciais e temporais, entre outros, bem como ao explorarmos em nossas histórias pessoais (e/ou de outras pessoas) passagens, casos nos quais a "verdade" previamente estabelecida não deu conta para lidar com algumas situações e que a atualização e consequente alteração do pré-estabelecido se revelou como solução para melhor compreensão do mundo e melhor desempenho neste, começamos a entender que muitas de nossas verdades são, em diversas vezes, apenas perspectivas provisórias e perecíveis.

Entender que somos social e historicamente constituídos; que as linguagens modelam nossas percepções de realidade; que há diferentes contribuições de carga genética no tocante aos comportamentos manifestados pelos indivíduos; e que ao longo de nossas trajetórias existenciais o que fazemos com o que nos acontece, generalizando algumas experiências, deletando ou simplesmente ignorando outras e atribuindo interpretações diferentes para cada vivência, determina e é determinado por nossos mapas; tudo isso nos convida para a possibilidade de contemplarmos o diferente de nós e alcançarmos uma visão ampliada, abrangendo diferentes perspectivas na interação de forma conectada com a formação de algo maior do que as partes envolvidas.

A reflexão crítica sobre para que fazemos o que fazemos, quais são nossos propósitos e significados, nos impulsiona a abrirmos nossas mentes a leques de possibilidades. A compreensão de que a união de modo interdependente nos possibilita alcançarmos resultados muito além do que conseguiríamos isoladamente e o acordar para uma possível conexão entre todas as formas de vida em suas variadas manifestações, assim como para a própria fragilidade da vida e para a finitude da existência e também a descoberta de amor pela essência que cintila em cada um de nós, tudo isso contribui para uma nova consciência.

Tal consciência nos conduz a darmos chance para contemplarmos e - mais do que tolerarmos - apreciarmos o diferente, pois se são as semelhanças em níveis profundos que mantém relacionamentos em longo prazo, são as diferenças e suas recombinações que nutrem e permitem inovação e evolução. E somos, paradoxal e concomitantemente, semelhantes e diferentes em relação a cada um de nossos interlocutores.

Cultivar curiosidade intelectual sobre o novo, o inexplorado ou ainda não explicado, o diferente, ou mesmo o simplesmente divergente do que acreditamos estimula o processo de aprendizagem e de amadurecimento e abre nossas mentes para melhores relacionamentos.

Em nossos diálogos, distinguir juízos de fato de juízos de valor contribui muito no processo comunicacional. Treinar o uso de palavras descritivas sensorialmente em vez de palavras avaliativas ou interpretativas no momento de apresentarmos nossas versões dos fatos, bem como notarmos a diferença entre o que nossos interlocutores tentam descrever e a maneira valorativa como apresentam suas percepções nos capacita a melhor lidarmos com as situações em que nos encontramos.

Portanto, sendo a empatia uma viagem de ida e volta, para darmos partida a essas contínuas viagens desafiadoras em mares de realidades complexas, cambiantes e incertas, atualizar nossos mapas o mais adequado possível é preciso, pois, afinal de contas, os mapas não são os territórios.

Prof. Dr. Marcos Linhares Gatti

* Artigo relacionado / Empatia: uma viagem de ida e volta. https://www.linkedin.com/pulse/empatia-uma-viagem-de-ida-e-volta-marcos-gatti/


Dilma Balbi

Board na Sinergia Consultoria em Engenharia

6 a

A viagem de ida e volta pode ser libertadora... o despojamento alivia a jornada não é Marcos? Alinhamento de formas de pensar http://engenhosa.online/engenhosa/parecer-e-nao-se…eso-insuportavel/ abç e grata pela reflexão

Charles do Prado

Certificado pelo Marketing Week Mini MBA with Mark Ritson

6 a

 Dilma Balbi  gostei muito desse texto e acredito que você também possa apreciar ;)

Renata Pasquale Rosa

Conciliadora e Mediadora | Tribunal de Justiça de São Paulo

6 a

Parabéns , Marcos : excelente artigo !

Marcos L. Gatti

Servidor na Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS | Psicólogo Doutor Professor de Pós-Graduação.

6 a

Com este #artigo sobre #relativização, reitero minha convicção de que entendendo #empatia como um "viagem de ida e volta", o ponto de partida para uma melhor sintonia com nossos interlocutores é abrir a mente para perspectivas novas ou mesmo apenas divergentes da que habitualmente acolhemos. :-)

Uma viagem sem possibilidade de retorno, mas com meta definida

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