A diferença entre convencer e persuadir: algo básico que nos passa batido por vezes.

A diferença entre convencer e persuadir: algo básico que nos passa batido por vezes.

Antes de tudo, este breve ensaio aborda um problema social (a influência sofrida pelas pessoas) a partir de um problema linguístico (a diferença entre persuadir e convencer), não deixando por isso de abordar os fatos políticos que envolvem a todos nós. Para mim, que estuda e compreende o papel que a argumentação (leia-se retórica) tem em nossas vidas, parece explícita a tese de que vivemos uma crise da retórica. E uma crise da retórica significa justamente uma crise do diálogo, da participação, da cidadania, da política. Começarei do início.

O problema linguístico: a relatividade sinonímica

Uma dúvida muito comum e importante de ser resolvida ainda no Ensino Fundamental, porém por vezes apagada por certa incompreensão da função exercida por um sinônimo, é acerca da diferença entre as noções de convencer e persuadir. Aparentemente, duas palavras sinonímicas têm exatamente o mesmo significado, pois podem em alguns contextos serem substituídas por sua correlata sem nenhum prejuízo de sentido, todavia essa não é a regra. Evanildo Bechara (2009, p. 4), para citar um "conservador", reflete sobre a sinonímia e diz que "a identidade dos sinônimos é muito relativa".

Tomemos como exemplo os sinônimos do termo retórica, retirados do site sinônimos.br:

eloquência, oratória, altiloquência, magniloquência, veemência, facundidade, facúndia, expressividade, loquacidade, doctiloquia, doctilóquio, verbosidade, palavrório, palavreado, verborragia, verborreia, logomaquia, léria, vanilóquio, farfalhada, rabulice.

Ser relativo significa estar em relação a algo. Assim, ao usar a expressão palavrório para referir a fala de alguém eu estarei relacionando essa pessoa a um ethos (uma imagem) negativa, ou você acha que não?; de maneira contrária, se eu disser da eloquência de alguém eu certamente estarei elogiando essa pessoa, esse orador, pois alguém eloquente é capaz de nos convencer com bons argumentos. É também capaz de nos persuadir, entretanto, fique claro, é sempre mais seguros estarmos convencidos de algo antes de nos deixarmos persuadir por ele.

A diferença fundamental entre persuadir e convencer reside na oposição que existiria (eu não quero entrar nessa briga agora) entre argumentos da ordem do pathos e argumentos do logos. Existem também os argumentos da ordem do ethos, que dizem respeito à imagem social do orador. Conforme Aristóteles (384 a.C. 3222 a.C.), o primeiro se relaciona com as paixões e as emoções, já o segundo com a racionalidade e a lógica, e o terceiro com a imagem e posição social de quem argumenta. Ocorre que para o filósofo grego, e toda uma tradição que o segue, o aspecto lógico (mais relacionado à inteligência e ao mental) é superior ao aspecto emotivo (mais relacionado às paixões e ao corpo) e ao social (mais relacionado às posições sociais). E por isso os argumentos pautados na lógica dos silogismos e entimemas têm mais eficácia que aqueles pautados em apelos emotivos de todas as ordens.

O problema social: somos todos influenciáveis

A partir dessas reflexões, conseguimos uma base para pensarmos a diferença fundamental entre convencer e persuadir, e alcançamos a questão social suscitada por essa reflexão linguística. Ambos os verbos dizem respeito a efeitos de uma argumentação desencadeados no interlocutor, ou seja, dizem respeito ao modo como a argumentação orienta nossa percepção de mundo. Nesse sentido, a diferença fundamental entre os verbos (noções) convencer e persuadir está no tipo de efeito que desencadeiam. Assim, diremos que o interlocutor (o leitor, o telespectador, o sujeito com o fone de ouvido, o homem que lê jornais, os jovens que não tiram a cara do celular) está persuadido quando ele é levado a uma ação motivada por emoções, mesmo tendo razões para não fazer; basta pensar em quantas pessoas estão convencidas de que fumar faz mal à saúde e, mesmo assim, continuam a fazer. Pra não falarmos em refrigerante e em Facebook.

Por outro lado, diremos que o interlocutor está convencido de algo quando ele é levado à compreensão racional de uma questão; claro, aqui estamos falando de pessoas que ao estudarem os riscos de uma ação procurarão revertê-los, ou agir de maneira menos danosa, assim deixarão, por exemplo, de fumar, de beber refrigerante e dar e receber likes por pura dopamina. Porém, é preciso entendermos que as coisas não ocorrem de maneira tão mecânica no mundo, e que do conjunto de ações que compõem nossas vidas são mais comuns as que levam em conta os aspectos afetivos e físicos. Na verdade, o mais comum e correto é entender que os seres humanos agem mesmo de acordo com as circunstâncias, e que essas são mais afetivas que lógicas.

Não foi o raciocínio que lhe deu coragem: foram as circunstâncias. Não nos espantemos, pois, que mudou ao mudarem elas. Essa variação e essa contradição, tão comuns em nós, levaram muitas pessoas a pensar que possuímos duas almas, ou duas forças que atuam cada qual num sentido, uma no sentido do bem e outra no sentido do mal. Uma só alma e uma só força não poderiam conciliar-se com tão repentinas variações de sentimento. [...] E quem quer que se estude atentamente reconhecerá igualmente em si, e até em seu julgamento, essa mesma volubilidade, essa mesma discordância.” (M. Montaigne, Da incoerência de nossas ações, in; Ensaios, Livro II, cap. 1, p. 160).

Montaigne (1533-1592) não mascara o fato de não sermos todo raciocínio, como pretendem nos fazer pensar Aristóteles e sua tradição em vários momentos. Para o filósofo humanista, ser humano é ser regido pela lógica das circunstâncias, ser humano é ser contraditório, é conseguir, por exemplo, ser persuadido de algo sem antes estar convencido do mesmo, é agir contra suas próprias convicções. Entretanto, se por um lado as ideias de Montaigne nos fazem pensar que de nada vale então distinguirmos a qualidade de uma argumentação pelo seu grau de convencimento — já que tudo é circunstância —, o próprio filósofo em seus Ensaios, gênero que consagrou, não deixa de argumentar com qualidade, lançando mão de um vasto repertório para nos convencer de suas ideias e para nos persuadir a agir segundo os valores do humanismo. Assim, mesmo para provar que somos contraditórios, é preciso provas que convençam.

Os fatos que nos envolvem: a crise da retórica

Portanto, somos contraditórios, embora não devamos deixar de argumentar e nem de exigir provas para argumentos que se mostram inválidos apenas por agirmos mais pelas circunstâncias que pelo valor lógico das ideias apresentadas no discurso. Entretanto, como fazer esse esforço de ser racional e propor o diálogo com o mínimo de regras, quando a única meta em nossa sociedade é vencer a discussão, independente do valor dos argumentos apresentados. Há uma crise generalizada em todo o Brasil, uma crise que abala nossas principais instituições, desde os três poderes à chamada mídia oficial, sob todas coloca-se o manto da dúvida, questiona-se o valor de verdade, desconfia-se da ética.

Como disse antes, entendo esta como uma crise da retórica, que é também uma crise da política. Hoje, no Brasil, opta-se pelo silêncio como medida estratégica para vencer um debate, prefere-se a agressão no lugar da argumentação como meio de resolução de conflitos, acredita-se ser possível estar persuadido de uma ideia sem estar minimamente convencido dela (não que isso seja impossível), endeusa-se figuras públicas como ditadores de normas e valores de uma suposta maioria, mas que é minoritária. Enfim, vivemos hoje numa democracia que não valoriza o debate de ideias, vivemos numa democracia que não nos convence para o melhor caminho a ser seguido em prol da coletividade, mas que nos persuade para a solução mais fácil e que visa apenas o interesse privado. Vivemos, como se sabe, sob a circunstância global do neoliberalismo, que parece forçar (persuadir) uma maioria da população à contradição de escolher um regime autoritário, mesmo ela estando convencida de que este poderá limitar a sua liberdade num futuro próximo.

E aí, gostou de entender um pouco mais sobre argumentação? Concorda com as reflexões aqui propostas? Se sim, deixe seu comentário. A ideia é compartilharmos conhecimentos e pontos de vista.

*Embora eu não o tenha mencionado, as reflexões deste artigo devem muito 
às formulações de Chaïm Perelman (1912-1998), Jurista e Filósofo da Escola 
de Bruxelas, quem resgatou e reformulou as bases da retórica aristotélica 
no século XX. 
Madu Santos

Consultoria de Educação Ambiental na PLAN Soluções em Gestão/Consórcio Candonga/Usina Hidrelétrica Risoleta Neve

5 a

Sua campanha ficou massa!

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