Você está na página 1de 106

Sonhos Lcidos

FLORINDA DONNER-GRAU
Para todos aqueles que ensonham sonhos de feiticeiros. E para aqueles que os ensonharam comigo.
Este livro foi p ss do o for! to "ord p r f cilit r s# dif#s$o% e co! o prop&sito de '#e% ssi! co!o voc( o rece)e#% o poss f *er che+ r ! is l+#,!- .ERN/NPara baixar da Internet: Biblioteca Nueva Era !os"rio # $rgentina% ou &ompartilhadores E'(ule) *ime+ire) entre outros%. ,unto ao -iret.rio Promineo ' /+-: 000.promineo.gq.nu

0REF/1IO /lorinda -onner 1 uma disc2pula de -on ,uan (atus) um mestre bruxo do estado de 3onora) (1xico e) por mais de vinte anos) uma companheira minha nesta aprendi4agem. -evido a seus talentos naturais) -on ,uan e duas de suas companheiras feiticeiras) /lorinda 5rau e 6uleica $belar) deram a /lorinda -onner uma instru78o e cuidados muito especiais. Entre os tr9s a treinaram como ensonhadora e a levaram a desenvolver sua aten78o de ensonho a um grau de controle extraordin"rio. -e acordo com os ensinamentos de -on ,uan (atus) os feiticeiros do antigo (1xico praticavam duas artes: a arte de espreitar e a arte de ensonhar. Praticar uma ou outra arte estava decretado pela atitude inata de cada praticante da feiti7aria. Ensonhadores eram aqueles que possu2am a habilidade de fixar o que os bruxos chamam de aten78o de ensonhos) um aspecto especial da consci9ncia) nos elementos dos sonhos normais. &hamavam espreitadores a aqueles que possu2am uma aptid8o inata conhecida como a aten78o de espreita) outro estado especial da consci9ncia) que permite encontrar os elementos chave de qualquer situa78o no mundo cotidiano e fixar essa dita aten78o neles) a fim de alter"'los ou de a:ud"'los a permanecer em seu curso. $trav1s de seus ensinamentos) -on ,uan (atus sempre deixou muito claro que as id1ias dos bruxos da antiguidade ainda permanecem em vig9ncia ho:e em dia) e que os bruxos modernos sempre se re;nem nesses dois grupos tradicionais. Para tanto) seu esfor7o como mestre foi inculcar em seus disc2pulos as id1ias e pr"ticas dos bruxos da antiguidade por meio de um rigoroso treinamento e uma disciplina f1rrea. $ id1ia dos bruxos 1 que) ao fa4er com que a aten78o de ensonhos se fixe nos elementos dos sonhos normais) estes sonhos se transformam de imediato em ensonhos. Para eles) os ensonhos s8o estados ;nicos da consci9ncia< algo como comportas abertas at1 outros mundos reais) por1m alheios = mente racional do homem moderno. Na primeira ve4 que -on ,uan me falou da arte de ensonhar) eu lhe perguntei: >?oc9 quer di4er) -on ,uan) que um feiticeiro toma a seus sonhos como se fossem uma realidade@ >Am feiticeiro n8o toma nada como se fosse outra coisa # contestou. #Bs sonhos s8o sonhos. Bs ensonhos n8o s8o algo que se pode tomar como a realidade: os ensonhos s8o uma realidade a parte. >&omo 1 tudo isso@ (e explique. >?oc9 tem que entender que um bruxo n8o 1 um idiota nem um transtornado mental. Am bruxo n8o tem nem o tempo nem a disposi78o para enganar a si mesmo) ou para enganar a ningu1m) e menos ainda para dar um passo em falso. B que perderia fa4endo isso 1 demasiado grande. Perderia sua ordem vital) a qual leva uma vida inteira para se aperfei7oar. Am feiticeiro n8o vai desperdi7ar algo que vale mais que sua vida tomando uma coisa por outra. Bs ensonhos s8o algo real para um bruxo porque neles ele pode atuar deliberadamente< pode escolher dentro de uma variedade de possibilidades =quelas que se:am as mais adequadas para lev"'lo aonde ele necessite ir. >Ent8o voc9 quer di4er que os ensonhos s8o t8o reais como o que estamos fa4endo agora@ >3e prefere compara7Ces) lhe direi que os ensonhos s8o talve4 mais reais. Neles a pessoa tem poder para mudar a nature4a das coisas) ou para mudar o curso dos eventos. (as tudo isso n8o 1 o importante. >B que 1 ent8o o importante) -on ,uan@ >B :ogo da percep78o. Ensonhar ou espreitar significa ampliar o campo do que se pode perceber a um ponto inconceb2vel para a mente. Na opini8o dos bruxos) todos n.s em geral possu2mos dons naturais de ensonhadores ou espreitadores) e a muitos de n.s nos resulta muito f"cil ganhar o controle da aten78o de ensonhos ou o da aten78o de espreita) e o fa4emos de uma maneira t8o h"bil e natural que na maioria das ve4es nem nos damos conta de o haver reali4ado. Am exemplo disto 1 a hist.ria do treinamento de /lorinda -onner) que precisou de anos inteiros de agoni4ante trabalho) n8o para ganhar o controle de sua aten78o de ensonho) e sim para clarear seus ganhos como ensonhadora e integr"'los ao pensamento linear de nossa civili4a78o. &erta ve4 foi perguntado a /lorinda -onner qual era a ra48o pela qual escreveu este livro) e ela respondeu que lhe era indispens"vel contar suas experi9ncias no processo de enfrentar e desenvolver a aten78o de ensonho a fim de tentar) intrigar ou incitar) pelo menos intelectualmente) a aqueles que se interessem em levar a s1rio as afirma7Ces de -on ,uan (atus acerca das ilimitadas possibilidades da percep78o. -on ,uan acreditava que no mundo inteiro n8o existe) nem talve4 :" tenha existido) outro sistema) exceto o dos bruxos do antigo (1xico) que conceda = percep78o seu merecido valor pragm"tico. &$!*B3 &$3D$NE-$. E

NO2A DA AU2ORA (eu primeiro contato com o mundo dos feiticeiros n8o foi algo plane:ado ou buscado por mim) ou melhor) foi um evento fortuito. &onheci a um grupo de pessoas no norte do (1xico em :ulho de FGHI) que eram os fi1is disc2pulos da tradi78o feiticeira dos 2ndios do (1xico pr1'colombiano. $quele primeiro encontro teve em mim um poderoso efeito< introdu4iu'me em outro mundo que coexiste com o nosso. J" vinte anos estou comprometida com esse mundo) e esta 1 a crKnica de como come7ou meu compromisso e de como ele foi estimulado e dirigido pelos feiticeiros respons"veis pelo meu ingresso nele. $ pessoa mais proeminente entre eles foi uma mulher chamada /lorinda (atus. /oi minha mentora e minha guia. /oi tamb1m quem me deu seu nome L /lorinda L como um presente de amor e poder. &ham"'los feiticeiros n8o 1 escolha minha. Bruxos e bruxas) ou se:a) feiticeiros e feiticeiras) s8o os termos que eles mesmos usam para designarem'se a si mesmos. 3empre me incomodou a conota78o negativa dessas palavras) mas os pr.prios feiticeiros me tranqMili4aram de uma ve4 por todas) explicando que o que se denomina feiti7aria 1 algo bastante abstrato: a habilidade que algumas pessoas desenvolvem para expandir os limites de sua percep78o normal. $ qualidade abstrata da feiti7aria) ent8o) anula automaticamente qualquer conota78o positiva ou negativa dos termos usados para descrever =queles que a praticam. Expandir os limites da percep78o normal 1 um conceito que surge da cren7a dos feiticeiros de que nossas op7Ces na vida s8o limitadas devido ao fato de estarem definidas pela ordem social. Bs feiticeiros cr9em que a ordem social cria nossa lista de op7Ces) mas que n.s fa4emos o resto< ao aceitar somente essas op7Ces limitamos nossas quase ilimitadas possibilidades. Por sorte estas limita7Ces) de acordo com os feiticeiros) s8o aplic"veis somente ao nosso lado social e n8o ao outro) praticamente inacess2vel) que n8o cai dentro do dom2nio da percep78o comum. Para tanto) seu principal esfor7o tende a revelar esse lado. Eles conseguem isso quebrando a d1bil e) contudo) resistente carapa7a das suposi7Ces humanas com respeito ao que somos e do que somos capa4es de ser. Bs feiticeiros aceitam que em nosso mundo dos afa4eres di"rios h" quem prove o desconhecido em busca de op7Ces diferentes da realidade) mas argumentam que) por desgra7a) tais buscas s8o essencialmente de nature4a mental. Nunca nos abastecem da energia necess"ria para mudar nosso modo de ser. 3em energia) novos pensamentos e novas id1ias quase nunca produ4em mudan7as em n.s. $lgo que aprendi no mundo dos feiticeiros 1 que) sem retirar'se do mundo e sem avariarem'se no processo) eles conseguem reali4ar a magn2fica tarefa de romper o pacto que tem definido a realidade. 1A032ULO U4 !espondendo a um impulso) ap.s assistir ao batismo da filha de uma amiga na cidade de Nogales) $ri4ona) decidi cru4ar a fronteira e entrar no (1xico. Nuando :" sa2a da casa de minha amiga) uma de suas h.spedes) uma mulher chamada -elia /lores) me pediu que a levasse at1 Jermosillo. Era uma mulher morena) talve4 de uns quarenta e tantos anos) de estatura m1dia e f2sico corpulento. Dinha um cabelo negro e liso) recolhido em uma grossa tran7a) e seus olhos escuros e brilhantes real7avam um rosto redondo) astuto) e sem embargo levemente :uvenil. 3egura de que se tratava de uma mexicana nascida no $ri4ona) lhe perguntei se necessitava um visto de turista para ingressar no (1xico. LPara qu9 preciso de um visto de turista para entrar em meu pr.prio pa2s@ L respondeu) abrindo os olhos num gesto de exagerada surpresa. L3eu modo de ser e de falar me fi4eram pensar que voc9 era do $ri4ona L contestei. L(eus pais eram 2ndios de Baxaca L explicou L mas eu sou uma ladina. LB que 1 uma ladina@ LBs ladinos s8o 2ndios astutos) criados na cidade L declarou. Javia em sua vo4 uma estranha excita78o que me foi dif2cil entender quando acrescentou: L$dotam as maneiras do homem branco e o fa4em t8o bem que podem se fa4er passar pelo que n8o s8o. LIsso n8o 1 algo para orgulhar'se L :ulguei L e por certo que em nada favorece a voc9s) senhora /lores. $ contra2da express8o de seu rosto cedeu) dando lugar a um amplo sorriso. LDalve4 n8o a um verdadeiro 2ndio ou a um verdadeiro branco L rebateu com descaro L mas eu estou perfeitamente satisfeita comigo mesma L e) aproximando'se) acrescentou: LE n8o me chame por voc. Por favor chame'me -elia. Denho a impress8o de que seremos grandes amigas. 3em saber o que di4er me concentrei na estrada) e seguimos em sil9ncio at1 chegar ao posto de controle. B guarda pediu meu visto de turista) mas n8o o de -elia. Pareceu n8o reparar nela< n8o trocaram palavras nem olhares. Nuando tentei falar'lhe) -elia me deteve com um movimento imperioso de sua m8o) ante o qual o guarda me dirigiu um olhar interrogante. $o constatar que eu n8o lhe responderia) se encolheu de ombros e com um gesto me ordenou prosseguir em meu caminho. L&omo foi que o guarda n8o solicitou seus pap1is@ L perguntei quando t2nhamos nos afastado um trecho. LBh) ele me conhece L mentiu) e sabendo que eu sabia que mentia) riu desavergonhadamente. L$cho que eu o assustei e ele n8o se animou a falar comigo L mentiu de novo) e insistiu com sua risada. -ecidi mudar de assunto) ainda mais que n8o fosse para conservar'lhe uma escalada =s suas mentiras. &omecei a falar de coisas da atualidade) mas na maior parte do tempo via:amos em sil9ncio. N8o resultou ser um sil9ncio tenso e incKmodo: foi como o deserto que nos rodeava) extenso) va4io e estranhamente tranquili4ante. LBnde eu te deixo@ L perguntei) quando entramos em Jermosillo. LNo centro L respondeu. L3empre me hospedo no mesmo hotel quando visito esta cidade. &onhe7o bem a seus donos) e estou segura de poder conseguir para voc9 a mesma tarifa que eu pago. $gradecida) aceitei sua oferta.

B hotel era velho e descuidado) o quarto que me deram abria'se a um p"tio poeirento. Ama cama dupla de quatro colunas e uma maci7a e antiquada cKmoda o redu4iam a dimensCes claustrof.bicas. Javiam lhe agregado um pequeno banheiro) mas sob a cama havia um pinico) que fa4ia :ogo com a bacia de porcelana situada sobre a cKmoda. $ primeira noite foi horr2vel. -ormi mal) e em meus sonhos tive consci9ncia de sussurros e de sombras que se pro:etavam nas paredes. -os m.veis surgiam formas e animais monstruosos) e dos cantos se materiali4avam seres p"lidos e espectrais. No dia seguinte percorri a cidade e seus arredores) e nessa noite) apesar de encontrar'me exausta) me mantive acordada. Nuando por fim dormi e cai num horrendo pesadelo) vi uma figura escura em forma de ameba) que me espreitava pelos p1s da cama. Dent"culos iridescentes pendiam de suas fendas cavernosas) e ao inclinar'se sobre mim respirou) emitindo tons e sons raspantes que terminaram num engasgo. (eus gritos foram afogados por suas cordas iridescentes que se a:ustaram em torno de meu pesco7o) e logo tudo se fe4 negro quando a criatura L que de alguma maneira eu sabia que era feminina L me esmagou :ogando'se sobre mim. B momento intempestivo entre o dormir e o despertar foi por fim quebrado por insistentes golpes sobre minha porta) e pelas preocupadas vo4es dos h.spedes do hotel) que chegavam do corredor. $cendi a lu4 e murmurei desculpas e explica7Ces atrav1s da porta. &om o pesadelo ainda grudado em minha pele como se fosse suor) me dirigi ao banheiro e sufoquei um grito ao contemplar no espelho as linhas roxas que cru4avam minha garganta) e os pontos roxos eqMidistantes que sulcavam meu peito como uma tatuagem inacabada. /ren1tica) empacotei minhas coisas. Eram tr9s horas da manh8 quando pedi a conta. L$onde vai a esta hora@ L perguntou -elia /lores) surgindo da porta locali4ada atr"s do balc8o. L/iquei sabendo do pesadelo. Preocupou a todo o hotel. Estava t8o feli4 de encontrar'me com ela que a abracei e deixei correr meu choro. LBom) bom L murmurou em tom de consolo) enquanto acariciava meus cabelos. L3e quiser) pode dormir no meu quarto. Eu cuidarei de voc9. LNada neste mundo me faria continuar neste hotel L repliquei. L?olto a *os Ongeles neste mesmo instante. L&ostuma ter pesadelos com frequ9ncia@ L perguntou como ao acaso) enquanto me condu4ia a um sof" rangente locali4ado num canto. LDenho sofrido com pesadelos toda minha vida L respondi. L(ais ou menos tenho me acostumado a eles) mas esta noite foi diferente< mais real) o pior que :" tive. -irigiu'me um longo olhar) como se me avaliasse. *ogo) arrastando suas palavras) disse: LNuer se desfa4er de seus pesadelos@ L e enquanto falava) deu uma r"pida olhada = porta por cima do ombro) como se temesse que dali nos estivessem escutando. L&onhe7o a algu1m que na verdade poderia te a:udar. LEu gostaria muito disso L murmurei) desatando a echarpe para mostrar'lhe as linhas que cru4avam minha garganta) e lhe confiei os detalhes precisos de meu pesadelo. L," viu algo parecido@ L perguntei. LParece bastante s1rio L disse'me) examinando com cuidado minhas feridas. LNa verdade voc9 n8o deveria partir sem antes ver = curandeira que tenho. ?ive a umas cem milhas ao sul daqui. Ama viagem de umas duas horas. $ possibilidade de ver a uma curandeira me agradou. Javia estado em contato com elas desde meu nascimento na ?ene4uela. Nuando ficava doente meus pais chamavam um m1dico) e nem bem este partia) nossa caseira vene4uelana me levava a uma curandeira. Nuando cresci e :" n8o quis ser tratada dessa maneira L nenhum de meus amigos o era L ela me convenceu de que n8o havia nada de mal nesta dupla prote78o. B h"bito tomou tal corpo que) ao mudar'me para *os Ongeles) quando ficava doente) n8o deixava de ver tanto um m1dico como a uma curandeira. L$cha que me ver" ho:e@ L perguntei) e ao observar a express8o perplexa de -elia precisei lembr"'la que :" era domingo. LDe ver" qualquer dia L me assegurou. LPor que n8o me espera aqui e eu te levarei at1 ela@ ,untar minhas coisas n8o levar" mais que uns minutos. LPor que voc9 est" se esfor7ando tanto em me a:udar@ L perguntei de pronto) desconcertada por sua oferta. L-epois de tudo sou uma perfeita estranha para voc9. LPrecisamenteP L disse) pondo'se de p1 e olhando'me de maneira indulgente) como se pudesse perceber as incKmodas d;vidas que surgiam em mim. LNue melhor ra48o poderia haver@ L inquiriu de maneira ret.rica. L$:udar a um perfeito estranho 1 um ato de loucura ou um ato de grande controle. E o meu 1 um de grande controle. Impossibilitada de contestar s. pude olhar fixo em seus olhos) esses olhos que pareciam vislumbrar o mundo com assombro e curiosidade. -e todo seu ser emanava algo estranhamente tranquili4ador. N8o era s. por confiar nela< era como se a houvesse conhecido por toda a vida) fa4endo'me pressentir que entre n.s existia uma uni8o) uma proximidade. E sem embara7o) ao v9'la desaparecer pela porta em busca de seus pertences) brinquei com a id1ia de pegar minhas malas e fugir. N8o dese:ava tra4er'me dificuldades por causa de minha ousadia) como tantas ve4es aconteceu no passado) mas uma inexplic"vel curiosidade me reteve) apesar da insistente e conhecida sensa78o de perigo que me dominava. Passaram'se vinte minutos de espera) quando surgiu uma mulher da porta situada atr"s do mostrador da recep78o) vestindo um con:unto roxo de :aqueta e cal7as) e sapatos de plataforma. Parou embaixo da lu4) e com um gesto estudado sacudiu para tr"s sua cabe7a) de modo que os cachos de sua peruca loira brilharam na claridade. LN8o me reconhece) n8o 1@ L perguntou) rindo. LN8o 1 voc9) -elia@ L respondi) contemplando'a de boca aberta. LB que voc9 acha@ L e sem parar de rir saiu comigo = rua na procura de meu carro) estacionado em frente ao hotel. ,ogou sua cesta e uma bolsa no banco traseiro de meu pequeno convers2vel) e logo ocupou o banco :unto a mim. L$ curandeira na qual vou te levar disse que apenas os :ovens e os muitos velhos podem permitir'se o luxo de se vestir de maneira exc9ntrica. $ntes que se me apresentasse a oportunidade de lembrar'lhe que) em mat1ria de idade) ela n8o era nem um nem outro) confessou ser muito mais velha do que aparentava. 3eu rosto estava radiante quando me olhou de frente para esclarecer: LAso este con:unto para deslumbrar a meus amigos.

N8o especificou se isso era aplic"vel a mim ou = curandeira. Eu) certamente) estava deslumbrada. $ diferen7a n8o se encontrava apenas nas roupas< todo seu porte havia mudado) eliminando qualquer tra7o da mulher distante e circunspecta que via:ou comigo de Nogales a Jermosillo. LEsta ser" uma viagem encantadora L anunciou L) especialmente se baixarmos a capota. L sua vo4 soava feli4 e sonolenta. L$doro via:ar de noite com a capota aberta. Eu a atendi com gosto. Eram quase quatro da manh8 quando deixamos para tr"s Jermosillo. B c1u) terno) negro e pontilhado de estrelas) parecia mais alto que qualquer c1u que tivesse visto antes. -ei velocidade ao ve2culo) e no entanto era como se n8o nos mov9ssemos. $s silhuetas retorcidas dos cactos e das "rvores de mezquite algarobeira% apareciam e desapareciam sem cessar = lu4 de meus far.is. Dodos pareciam do mesmo formato e tamanho. LEmbrulhei uns p8es doces e uma t1rmica cheia de champurrado L pegando a cesta que :ogara no banco traseiro. L &hegaremos na casa da curandeira no come7o da manh8. L serviu'me um meio copo de delicioso chocolate) feito com farinha de milho) fa4endo'me saborear) peda7o a peda7o) um tipo de p8o doce dinamarqu9s. LEstamos atravessando terras m"gicas L informou) ao mesmo tempo em que saboreava ao delicioso chocolate L) terras m"gicas habitadas por guerreiros. LE quem s8o esses guerreiros@ L perguntei) n8o querendo parecer condescendente. LBs Qaquis de 3onora L respondeu) ficando logo depois em sil9ncio) talve4 medindo minha rea78o. L$dmiro os 2ndios Qaquis) pois t9m vivido constantemente em guerra. Primeiro com os espanh.is e logo depois com os mexicanos) e isso at1 1pocas t8o recentes como FGER. $mbos t9m experimentado a selvageria) a ast;cia e a severidade dos guerreiros Qaquis. LN8o admiro = gente guerreira L disse. E logo) como para desculpar meu tom belicoso) expliquei que eu era proveniente de uma fam2lia alem8 destro7ada pela guerra. L3eu caso 1 diferente L sustentou. L?oc9 n8o possui os ideais da liberdade. LAm momento) L protestei L 1 precisamente porque possuo os ideais da liberdade que acho a guerra t8o abomin"vel. LEstamos falando de dois tipos diferentes de guerra L insistiu. L$ guerra 1 a guerra L insisti. L3eu tipo de guerra L prosseguiu) ignorando minha interrup78o L 1 entre dois irm8os) ambos chefes) que lutam pela supremacia. L 3e aproximou e) num sussurro urgente) acrescentou: LB tipo de guerra ao qual eu me refiro 1 entre um escravo e um patr8o que acredita ser o dono da gente. Entende a diferen7a@ LN8o) n8o a compreendo L respondi) teimosa) e repeti que a guerra era a guerra) independentemente de suas ra4Ces. LN8o posso estar de acordo contigo L disse ela) suspirando fundo e reclinando'se no assento. LDalve4 a ra48o de nosso desacordo filos.fico radique em que proviemos de distintas realidades sociais. $ssombrada pelas palavras pronunciadas por -elia) automaticamente diminui a marcha do carro. N8o dese:ava ser descort9s) mas escutar de sua boca essa sequ9ncia de conceitos acad9micos era algo t8o incongruente e inesperado que n8o pude evitar rir'me. -elia n8o se ofendeu. (e observou sorridente) muito satisfeita de si mesma. LNuando chegar a conhecer meu ponto de vista pode ser que mude sua opini8o L e disse isto com tal seriedade) mas n8o isenta de carinho) que senti vergonha por ter rido. L$t1 pode desculpar'se por rir de mim L acrescentou) como se tivesse lido meus pensamentos. LPe7o desculpas) -elia L disse com total sinceridade L) sinto muito ter sido descort9s) mas me surpreenderam tanto suas declara7Ces que n8o soube o que fa4er L olhei'a de soslaio antes de agregar) compungida: L-e modo que ri. LN8o me referia a desculpas sociais por seu comportamento L respondeu) e sacudiu a cabe7a para evidenciar sua desilus8o L) me refiro a desculpas por n8o haver compreendido a condi78o do homem. LN8o sei do qu9 voc9 est" falando L respondi incKmoda. 3entia que seus olhos me perfuravam. L&omo mulher deveria entender muito bem essa condi78o. Dem sido uma escrava toda sua vida. L-o que est" falando) -elia@ L perguntei) irritada por sua impertin9ncia) mas de imediato me acalmei) pensando que sem d;vida a pobre 2ndia tinha um marido prepotente e insuport"vel. L $credite em mim) -elia. 3ou inteiramente livre. /a7o o que quero. LDalve4 voc9 fa7a o que quer) mas n8o 1 livre L insistiu. L?oc9 1 mulher) e isso automaticamente significa que est" = merc9 dos homens. LN8o estou = merc9 de ningu1mP L gritei. N8o sei se foi minha afirma78o ou o tom de minha vo4 que fi4eram com que -elia se desatasse em gargalhadas) t8o fortes como as minhas de momentos antes. LParece estar go4ando de sua vingan7a L observei incomodada. L$gora 1 a sua ve4 de rir) n8o 1@ LN8o 1 o mesmo L replicou) repentinamente s1ria. L?oc9 riu de mim porque se sentia superior. Escutar a uma escrava que fala como seu amo sempre diverte ao amo por um momento. -ese:ei interromp9'la) di4er'lhe que nem me havia passado pela cabe7a pensar nela como uma escrava) ou nem a mim como a um amo) mas ela ignorou meus esfor7os) e no mesmo tom solene explicou que o motivo pelo qual havia rido de mim era porque eu me achava cega e est;pida ante minha pr.pria feminilidade. LB que est" acontecendo) -elia@ L perguntei intrigada. L?oc9 est" me insultando deliberadamente. L(uito certo L respondeu rindo) por completo indiferente = minha raiva crescente. *ogo depois) golpeando'me forte no :oelho) acrescentou: LB que me preocupa 1 que voc9 n8o sabe que) pelo simples fato de ser mulher) 1 escrava. !ecorrendo a toda a paci9ncia que pude reunir disse'lhe que estava equivocada: LNingu1m 1 escravo ho:e em dia. L$s mulheres s8o escravas L insistiu -elia L) os homens as escravi4am. Eles aturdem =s mulheres) e seu dese:o de nos marcar como propriedades suas nos envolve em n1voa) a n1voa resultante se prende a n.s como uma bigorna. (eu olhar va4io a fe4 sorrir. !ecostou'se no assento) abra7ando o peito com as m8os. LB sexo desorienta as mulheres L acrescentou de maneira suave) mas enf"tica L) e o fa4 t8o irrefutavelmente que n8o podem considerar a possibilidade de que sua baixa condi78o se:a a consequ9ncia direta do que se lhes fa4 sexualmente.

LEssa 1 a coisa mais rid2cula que :amais escutei L declarei< logo) pesadamente) embarquei numa longa discuss8o acerca das ra4Ces sociais) econKmicas e pol2ticas que explicavam a baixa condi78o da mulher. &om grande detalhe falei das mudan7as ocorridas nas ;ltimas d1cadas) e de como as mulheres haviam tido bastante 9xito em sua luta contra a supremacia masculina. Incomodada com sua express8o irreverente) n8o pude conter o coment"rio de que ela) sem d;vida) era v2tima dos pre:u24os de sua pr.pria experi9ncia e perspectiva do tempo. Dodo o corpo de -elia come7ou a sacudir'se com o esfor7o que fa4ia para controlar seu riso. &onseguiu fa49'lo e me disse: LNa realidade nada mudou. $s mulheres s8o escravas. Demos sido criadas como escravas. $s escravas que foram educadas est8o ho:e atarefadas denunciando os abusos sociais e pol2ticos cometidos contra a mulher. N8o obstante) nenhuma dessas escravas pode enfocar a rai4 de sua escravid8o L o ato sexual L a n8o ser que envolva um estupro) ou este:a relacionado com alguma forma de abuso f2sico L um leve sorriso adornou seus l"bios quando disse que os religiosos) os fil.sofos e os homens da ci9ncia t9m mantido durante s1culos) e certamente o seguem fa4endo) que tanto os homens como as mulheres devem seguir um imperativo biol.gico ditado por -eus) que di4 respeito diretamente = sua capacidade sexual reprodutiva. LDemos sido condicionadas para acreditar que o sexo 1 bom para n.s L ressaltou. LEsta cren7a e aceita78o inata nos t9m incapacitado para fa4er a pergunta certa. LE qual 1 essa pergunta@ L inquiri) esfor7ando'me para n8o rir de suas convic7Ces totalmente erradas. -elia pareceu n8o haver me escutado< esteve tanto tempo em sil9ncio que pensei se haveria dormido) e por isso me surpreendeu quando disse: L$ pergunta que ningu1m se atreve a fa4er 1: o que 1 qu9 o ato de que nos montem nos fa4 a n.s) mulheres@ L?amos) -eliaS L retruquei :ocosamente. LB aturdimento da mulher 1 t8o total que enfocamos qualquer outro aspecto de nossa inferioridade) menos aquele que 1 a causa de tudo L manteve. L(as -elia L disse rindo L) n8o podemos viver sem sexo. B que seria do g9nero humano seS@ Parou minha pergunta e meu riso com um gesto imperativo de sua m8o. LJo:e em dia mulheres como voc9) em sua febre por se igualar ao homem) imitam'no) e o fa4em at1 ao extremo absurdo de que o sexo que lhes interessa n8o tem nada que ver com a reprodu78o. Equiparam o sexo = liberdade) sem sequer considerar o que o sexo fa4 a seu bem'estar f2sico e emocional. Demos sido t8o cabalmente doutrinadas que acreditamos firmemente que o sexo 1 bom para n.s L me tocou com o cotovelo e) como se estivesse recitando uma ladainha) acrescentou: LB sexo 1 bom para n.s. T agrad"vel) 1 necess"rio. $livia as depressCes) as repressCes e as frustra7Ces. &ura as dores de cabe7a) a hipertens8o e a press8o baixa. /a4 desaparecer as espinhas da cara. /a4 crescer a bunda e os seios. !egula o ciclo menstrual. !esumindo: 1 fant"sticoP T bom para as mulheres. Dodos o di4em. Dodos o recomendam. L fe4 uma pausa para depois declamar com dram"tica finalidade: LN8o h" mal que uma boa trepada n8o cure. 3uas declara7Ces me pareceram muito engra7adas) mas de repente fiquei s1ria ao recordar como minha fam2lia e amigos) inclusive nosso m1dico particular) o haviam sugerido 1 claro que n8o de maneira t8o crua% como uma cura para todos os males da adolesc9ncia que me angustiavam por crescer em um meio t8o estritamente repressivo. Javia dito que) ao casar'me) teria ciclos menstruais regulares) aumentaria de peso e dormiria melhor. Inclusive adquiriria uma disposi78o de Unimo mais doce. LN8o ve:o nada de mal em dese:ar sexo e amor L me defendi. L(inhas experi9ncias neste sentido t9m sido muito pra4erosas) e ningu1m me domina ou atordoa. 3ou livreP Eu fa7o com quem quero e quando quero. Nos olhos escuros de -elia vi um lampe:o de alegria ao di4er: LB fato de escolher seu companheiro n8o altera o fato de que te montam. LEm seguida sorriu) como para mitigar a aspere4a de seu tom) e acrescentou: LEquiparar o sexo com a liberdade 1 a suprema ironia. $ a78o de aturdir) por parte do homem) 1 t8o completa) t8o total) que nos tem drenado a energia e a imagina78o necess"rias para enfocar a verdadeira causa de nossa escravid8o. L *ogo enfati4ou: L-ese:ar a um homem sexualmente) ou enamorar'se romanticamente por um) s8o as ;nicas op7Ces dadas =s escravas) e tudo o que nos tem sido dito acerca dessas duas op7Ces n8o s8o outra coisa que desculpas) que nos submergem na cumplicidade e na ignorUncia. Indignei'me) pois n8o podia deixar de pensar nela como em uma reprimida que odiava aos homens. LPor que odeia tanto aos homens) -elia@ L perguntei) apelando ao meu tom mais c2nico. LN8o me desagradam L assegurou L) ao que me oponho apaixonadamente 1 = nossa ren;ncia a examinar qu8o profundamente doutrinadas estamos. $ press8o que t9m exercido sobre n.s 1 t8o terr2vel e fan"tica que nos convertemos em c;mplices complacentes. $quelas que se animam a discordar s8o rotuladas como monstros que detestam aos homens) e sofrem a conseguinte 4ombaria. &orada) observei'a sub'repticiamente) e decidi que ela podia falar de forma depreciativa do amor e de sexo pois) no fim das contas) era velha) e por estar mais al1m de todo dese:o. !indo contidamente) -elia colocou as m8os atr"s da cabe7a. L(eus dese:os f2sicos n8o caducaram porque se:a velha L confessou L e sim porque me foi dada a oportunidade de usar minha energia e imagina78o para converter'me em algo diferente da escrava para a qual me criaram. Porque havia lido meus pensamentos me senti mais insultada que surpreendida. &omecei a defender'me) mas minhas palavras s. provocaram sua risada. Nuando parou de rir me encarou< seu rosto mostrava'se t8o s1rio e severo como o de uma professora a ponto de dar uma reprimenda a um aluno. L3e voc9 n8o 1 uma escrava) como 1 que te criaram para ser uma Hausfrau que n8o pensa em outra coisa que em heiraten e em seu futuro Herr Gernahl que dich mitnehmen? !i tanto ante seu uso do alem8o) que precisei parar o carro para n8o correr o risco de bater) e meu interesse por averiguar de onde havia aprendido t8o bem esse idioma fe4 com que esquecesse de defender'me de sua pouco lison:eira acusa78o) de que tudo o que eu ambicionava na vida era encontrar um marido que se unisse comigo. &om respeito a seu conhecimento de alem8o) apesar de minhas insistentes s;plicas) manteve'se desdenhosamente refrat"ria a fa4er revela7Ces.

L?oc9 e eu teremos tempo de sobra no futuro para falar em alem8o L assegurou) e depois de me olhar de forma irreverente) completou L ou do fato de ser uma escrava L e adiantando'se = minha r1plica) sugeriu que fal"ssemos de algo impessoal. L&omo o qu9) por exemplo@ L perguntei) e coloquei o carro em movimento. &olocou seu assento numa posi78o quase reclinada e fechou os olhos. L-eixe eu te contar algo acerca dos quatro l2deres mais famosos que tiveram os Qaquis L murmurou. L$ mim me interessam os l2deres) seus 9xitos e seus fracassos. $ntes que eu pudesse ob:etar que na verdade n8o me interessavam as hist.rias de guerra) -elia disse que &alixto (un2 foi o primeiro Vaqui em atrair sua aten78o. &ontar hist.rias n8o era seu forte. 3eu relato era direto) quase acad9mico) e apesar disso me encontrei pendente de cada palavra. &alixto (uni foi um 2ndio que durante anos navegou sob bandeira pirata por "guas do &aribe. $o regressar = sua 3onora natal) dirigiu) por volta de FHEI) uma revolta contra os espanh.is. /oi tra2do) capturado e executado. *ogo -elia se estendeu numa sofisticada explica78o sobre como) na d1cada de FWXI) depois de obtida a independ9ncia mexicana) seu governo pretendeu parcelar as terras Vaquis) e a resultante resist9ncia se converteu numa ampla revolta. /oi ,uan Bandera) explicou) quem L guiado pelo mesm2ssimo esp2rito L organi4ou as unidades combativas dos Vaquis. $rmados com frequ9ncia s. com arcos e flechas) as hostes de Bandera lutaram durante quase de4 anos contra as tropas mexicanas. Em FWEX Bandera foi derrotado e executado. 3egundo -elia o l2der seguinte que se destacou foi ,os1 (ar2a *eVva) mais conhecido como &a:eme) o que n8o bebe) Vaqui de Jermosillo e homem educado) que havia adquirido seus conhecimentos militares servindo no ex1rcito mexicano. 5ra7as a esses conhecimentos unificou a todos os Vaquis. -esde seu primeiro levante) por volta de FWHI) &a:eme manteve suas for7as em estado de revolta ativa. /oi derrotado pelo ex1rcito mexicano em FWWH em Buataviche) uma cidadela montanh9s fortificada) e apesar de ter conseguido escapar e se ocultar em 5uaVmas. Eventualmente foi tra2do e executado. B ;ltimo dos grandes her.is Vaquis foi ,uan (aldonado. &onhecido tamb1m como Debiate) pedra rolante. !eorgani4ou o restante das for7as Vaquis nas montanhas de Bacatete) e dali condu4iu uma fero4 e desesperada guerra) feita de guerrilhas contra as tropas mexicanas) por mais de de4 anos. LEm fins do s1culo L e com isto -elia finali4ou sua narra78o L o ditador Porfirio -2a4 havia inaugurado uma campanha de exterm2nio dos Vaquis. Bs matava enquanto trabalhavam nos campos< milhares foram capturados e enviados para trabalhar nas planta7Ces de agave sisal% em Qucat"n) e para Baxaca) nas de cana de a7;car. 3eus conhecimentos me impressionaram) mas ainda n8o podia entender por que me havia contado tudo isso. N8o lhe ocultei minha admira78o: L3oa como uma erudita) como uma historiadora do modo de vida dos Vaquis. Nuem) na verdade) 1 voc9@ Por um momento pareceu desconcertada por minha pergunta) que por outro lado era puramente ret.rica) mas recobrando' se com rapide4 disse: L," lhe disse quem eu sou. $contece que conhe7o muito sobre os Vaquis. ?ivo entre eles) sabia@ L &aiu num momentUneo sil9ncio) logo fe4 um breve movimento de cabe7a) como quem chega a uma conclus8o) e acrescentou: LB motivo pelo qual lhe contei sobre os l2deres dos Vaquis 1 porque compete =s mulheres conhecer a for7a e a debilidade do l2der. LPor qu9@ L perguntei. L$ quem interessa os l2deres@ No que me di4 respeito) s8o todos uns tontos. -elia co7ou a cabe7a por baixo da peruca) espirrou repetidas ve4es e disse com um vacilante sorriso: LPor desgra7a as mulheres devem congregar'se em torno deles) a n8o ser que dese:em ser elas mesmas as que guiam. LE a quem iriam guiar@ L perguntei de maneira sarc"stica. Blhou'me com assombro) depois friccionou a parte superior de seu bra7o. Danto o gesto como o rosto pareciam pertencer a uma :oven4inha. LT muito dif2cil de explicar L murmurou) a vo4 dominada por uma rara suavidade) metade ternura e a outra metade indecis8o) misturada com falta de interesse. LT melhor que nem o tente. Poderia perder voc9 para sempre. Dudo o que posso di4er no momento 1 que n8o sou erudita nem historiadora. 3ou uma narradora de hist.rias) que ainda n8o lhe contou a parte mais importante de seu conto. LE qual 1 esse conto@ L perguntei) intrigada por seu dese:o de mudar de tema. LDudo o que te dei at1 agora 1 informa78o precisa. -aquilo que ainda n8o falei 1 do mundo m"gico a partir do qual operavam esses l2deres Vaquis. Para eles as a7Ces do vento) das sombras) dos animais e das plantas eram t8o importantes como os atos dos homens. Essa 1 a parte que mais me interessa. L$s a7Ces do vento) das sombras) dos animais e das plantas@ L repeti 4ombando. Em nada perturbada por meu tom) -elia assentiu com um movimento de cabe7a) e depois de levantar'se no assento tirou a peruca loira) para permitir que o vento brincasse com seus cabelos negros e lisos. LEsses s8o os montes do Bacatete L anunciou) assinalando umas montanhas locali4adas a nossa esquerda) apenas delineadas contra a semi'obscuridade do c1u de alvorada. LT para l" aonde nos dirigimos@ L perguntei. LJo:e n8o L respondeu) desli4ando'se de novo no assento. Am sorriso enigm"tico brincava em torno de seus l"bios quando me encarou. LDalve4 algum dia voc9 tenha a oportunidade de visitar essas montanhas L acrescentou) fechando os olhos L) o Bacatete est" habitado por criaturas de outro mundo) de outra 1poca. L&riaturas de outro mundo) de outra 1poca@ L repeti) imprimindo = vo4 uma falsa seriedade. LNuem ou o que s8o@ L&riaturas L disse vagamente L) criaturas que n8o pertencem ao nosso tempo ou ao nosso mundo. L?amos) -elia. Est" querendo me assustar@ L e n8o pude evitar o riso. (esmo na escurid8o seu rosto brilhava. Parecia extraordinariamente :ovem) com sua pele sem rugas) que se dobrava sobre as curvas de suas bochechas) testa e nari4. LN8o) n8o estou tentando te assustar L disse com naturalidade) ao mesmo tempo em que acomodava uma mecha de cabelo atr"s de sua orelha. L3implesmente estou lhe transmitindo o que nesta regi8o 1 p;blico e not.rio. LInteressante. E que tipo de criaturas s8o@ L perguntei) e precisei morder os l"bios para controlar o riso. L," os viu@

!espondeu'me com tom indulgente. LT claro que os vi. 3e n8o fosse assim) n8o estaria me referindo a eles L e sorriu com do7ura) sem vest2gios de ressentimento. L38o seres que povoaram a terra em outro tempo) e que agora se retiraram a lugares isolados. Inicialmente n8o pude evitar rir'me de sua credulidade. *ogo) ao ver qu8o s1ria e convencida estava da exist9ncia desses seres) decidi aceit"'los e n8o 4ombar'me dela. $final de contas) ela estava sendo meu contato com uma curandeira) e n8o dese:ava antagoni4"'la com minhas indaga7Ces racionais. LEsses seres) s8o os fantasmas dos guerreiros Vaquis que perderam a vida nas guerras@ L perguntei. Negou com um gesto de cabe7a< depois) como se temesse que algu1m pudesse nos escutar) se aproximou para sussurrar' me no olvido. LT bem sabido que estas montanhas s8o habitadas por seres encantados: p"ssaros que falam) arbustos que cantam) pedras que dan7am) e criaturas que podem adotar a forma que dese:am. !eclinada em seu banco me contemplou em expectativa. LBs Vaquis chamam a essas criaturas surem, e cr9em que s8o velhos Vaquis que recusaram ser bati4ados pelos primeiros :esu2tas que vieram catequi4ar aos 2ndios. L$cariciou meu bra7o afetuosamente. L&uide'se) di4em que os surem gostam das loiras L e riu) encantada de sua advert9ncia. LDalve4 se:a isso o que provoca seus pesadelos: um surem tratando de roubar'te. L?oc9 n8o acredita em tudo isso de verdade) n8o 1@ L perguntei desdenhosamente) :" incapa4 de dissimular minha irrita78o. LN8o) acabo de inventar isso de que os surem gostam das loiras L respondeu em tom tranquili4ante. LN8o lhes agrada em absoluto. $pesar de n8o ter me virado para olh"'la) pude perceber seu sorriso e o lampe:o de humor em seus olhos) ao qual me incomodou) e me fe4 pensar que -elia era muito cUndida) esquiva ou) pior ainda) muito louca. LNa realidade n8o acredita na exist9ncia de seres de outro mundo) n8o 1@ L irrompi mal humorada. Em seguida) temendo t9'la ofendido) a encarei com uma semi'ansiosa desculpa nos l"bios) mas antes que eu pudesse articular palavra) me respondeu no mesmo tom forte e agressivo que eu empregara anteriormente. L(as 1 .bvio que eu acredito. Por que n8o haveriam de existir@ L3inceramente) porque n8oP L disse de maneira seca e autorit"ria) para em seguida desculpar'me. /alei'lhe de minha cria78o pragm"tica) e de como meu pai me havia levado a admitir que os monstros de meus sonhos) e meus supostos invis2veis companheiros de :ogo) n8o eram outra coisa que produto de uma imagina78o hiperativa. L-esde muito nova fui criada para ser ob:etiva e para qualificar tudo. LEsse 1 o problema L observou -elia L) as pessoas s8o t8o ra4o"veis que s. de falar nisso minha vitalidade diminui. LEm meu mundo L continuei) ignorando seu coment"rio L) n8o existe dado algum acerca de criaturas de outros mundos: s. especula7Ces e anseios) fantasias de mentes perturbadas. LN8o pode ser t8o densaP L expressou'se alegre entre acesos de riso) como se minha explica78o tivesse oprimido suas expectativas. LPode me provar que esses seres existem@ L a desafiei. LE em que consistiria a prova@ L perguntou com um ar de desconfian7a) obviamente falso. L3e alguma pessoa pudesse v9'los) essa seria uma prova. LNuer di4er que se voc9) por exemplo) conseguisse v9'los) essa seria uma prova de sua exist9ncia@ L perguntou) aproximando sua cabe7a = minha. LEsse poderia ser um come7o. &om um suspiro -elia apoiou a cabe7a contra o respaldo de seu banco) e se manteve tanto tempo em sil9ncio que tive a certe4a de que havia dormido) e me surpreendi sobremaneira quando se levantou abruptamente para pedir'me que parasse o autom.vel ao lado do caminho. Precisava aliviar'se) disse. -ecidi aproveitar a interrup78o de nossa viagem com id9ntico fim) e me enfiei atr"s dela no matagal. Estava por abaixar meu :eans quando escutei uma forte vo4 masculina) muito perto de mim) di4er: YNu1 cueroteP e suspirar. &om meus :eans ainda sem desprender corri at1 onde se encontrava -elia. LT melhor a gente dar o fora daqui L gritei L) h" um homem escondido no matagalP LN8o se:a idiota L respondeu L) o ;nico que est" aqui 1 um burro. LBs burros n8o suspiram como homens depravados L observei) e repeti as palavras que escutei. -elia caiu v2tima de um ataque de riso) mas ao observar minha preocupa78o fe4 um gesto conciliat.rio com a m8o. L&hegou a ver o homem@ LN8o foi necess"rio L respondi L) apenas escut"'lo me bastou. Por uns instantes n8o se moveu< depois se encaminhou at1 o carro) mas antes que sub2ssemos ao desn2vel da estrada se deteve num tranco e) virando'se para mim) sussurrou: L$conteceu algo bastante misterioso) que preciso lhe revelar L e) pegando'me pela m8o) me levou de volta ao lugar onde me pus de c.coras. E ali mesmo) atr"s de uns arbustos) vi um burro. L$ntes n8o estava ali L insisti. -elia me observou) divertida) depois encolheu os ombros e se dirigiu ao animal. LBurrinho L disse no tom que se usa com os beb9s L) Z*e miraste el trasero@ ?oc9 olhou pra bunda dela@% Pensei que -elia era uma ventr2loqua) e que se iria fa4er o animal falar) mas o burro s. 4urrou forte e repetidas ve4es. L?amos sair daqui L roguei'lhe) puxando sua manga. L-eve ser o dono dele que est" escondido entre os arbustos. L(as o pobre4inho n8o tem dono L disse) no mesmo tom infantil) enquanto acariciava suas largas e suaves orelhas. L(as 1 claro que tem dono. N8o v9 o tanto que est" bem cuidado e alimentado que at1 brilha@ L e numa vo4 que enrouquecia por imp1rio dos nervos e da impaci9ncia) ressaltei outra ve4 sobre os perigos que representava para duas mulheres ao ver'se so4inhas em um deserto a caminho de 3onora.

-elia me observou em sil9ncio) aparentemente preocupada. *ogo assentiu com a cabe7a e me convidou por sinais a segui'la. Pegado a mim caminhava o burro) topando minhas n"degas com o focinho) mas quando me virei para encar"'lo) precisei me conformar com apenas um prague:ar. B burro :" n8o estava ali. L-eliaP L gritei assustada. LB que aconteceu com o burro@ $larmada por meu grito) um bando de p"ssaros al7ou um ruidoso vKo) tra7ou um c2rculo em torno e depois se alinhou em dire78o ao leste) e uma fr"gil abertura no c1u era ind2cio do fim da noite e o come7o do dia. LBnde est" o burro@ L insisti em um sussurro apenas aud2vel. L$li o tem) em frente a ti L retornou) assinalando uma "rvore nodosa) desfolhada. LN8o o ve:o. LPrecisa de .culos. LN8o tenho problemas com meus olhos L repliquei. L$t1 consigo ver as lindas flores da "rvore L e assombrada pela bele4a dos casulos brancos e brilhantes) em forma de campainhas) me aproximei. LNue tipo de "rvore 1@ LPalo 3anto. Por um segundo desconcertante acreditei que era o animal) que nesse momento emergia por detr"s do tronco) que havia falado. ?irei'me na dire78o de -elia. LPalo 3anto L repetiu) rindo. $li me ocorreu a id1ia de que -elia me estava pregando uma pe7a. B burro provavelmente pertencia = curandeira que) sem d;vida) vivia nas imedia7Ces. LB que 1 que te causa tanta gra7a@ L perguntou -elia) ao captar a express8o sabichona de meu rosto. LEstou com uma c.lica terr2vel L menti) sentando'me com as m8os sobre o estKmago. LPor favor) me espere no carro. Nem bem fiquei so4inha tirei meu len7o para amarr"'lo no pesco7o do burro) e go4ei antecipando a surpresa de -elia quando descobrisse ao chegar = casa da curandeira% que todo o tempo eu estava a par de sua brincadeira. &ontudo) toda esperan7a de reencontrar'me com o animal ou meu len7o desapareceram logo. *evamos quase duas horas para chegar ao nosso destino. 1A032ULO DOIS Por volta das oito da manh8 chegamos na casa da curandeira) nos arredores de &iudad Bbreg.n< uma casa velha) maci7a) de paredes pintadas e teto de telhas cin4as por causa da passagem do tempo. Bstentava grades de ferro e um p.rtico em forma de arco. $ pesada porta da rua estava aberta de par em par) e com a confian7a de quem conhece o terreno) -elia /lores me condu4iu atrav1s de um vest2bulo escuro e um largo corredor at1 os fundos) a um quarto apenas mobiliado com uma cama estreita) uma mesa e v"rias cadeiras. B mais estranho desse cKmodo era que em cada parede havia uma porta) todas elas fechadas. LEspere aqui L ordenou -elia) assinalando a cama com a testa. L-urma um pouco enquanto busco a curandeira) o que pode custar'me algum tempo L e fechou a porta ap.s sair. $guardei a que os sons de seus passos se amortecessem antes de inspecionar a mais estranha sala de curas que :amais meus olhos viram. $s paredes brancas estavam desnudas) e as la:otas marrom'claro brilhavam como um espelho. N8o havia altar) imagens ou figuras de santos) da ?irgem nem de ,esus) que supunha fossem de praxe em tais quartos. Investiguei as quatro portas< duas abriam a corredores sombrios) e as outras a um p"tio cercado por um muro alto. Nuando caminhava nas pontas dos p1s por um dos corredores rumo a outro quarto) ouvi atr"s de mim um grunhido abafado e amea7ante. ?irei'me lentamente) e apenas a poucos metros vi um enorme c8o negro) de aspecto fero4. N8o me atacou) mas firme em sua postura) me desafiava com grunhidos e com a exibi78o de seus caninos. 3em olh"'lo diretamente nos olhos) mas mantendo'o sempre enfocado) retrocedi de costas at1 a sala de curas) seguida at1 a pr.pria porta pelo animal. /echei a porta com suavidade em seu pr.prio focinho) para depois apoiar'me contra a parede) at1 conseguir que se normali4assem as batidas de meu cora78o. -epois me deitei na cama) e em pouco tempo) sem sequer me propor a isso) ca2 num sono profundo. -espertou'me uma leve press8o sobre o ombro) e ao abrir os olhos tinha ante mim o rosto enrugado e rosado de uma mulher de idade. LEst" ensonhando L disse L e eu sou parte de seu ensonho. $ssenti automaticamente com a cabe7a) mas sem estar de todo convencida de estar sonhando. $ mulher era chamativamente pequena< n8o an8 nem pigm1ia) e sim) melhor di4endo) do tamanho de uma crian7a) de bra7os descarnados e ombros estreitos e fr"geis. LT a curandeira@ L perguntei. L3ou Esperan4a L respondeu. L3ou a que tra4 os ensonhos. 3ua vo4 era suave e muito baixa) dotada de uma qualidade curiosa e ex.tica) como se o espanhol que falava de maneira fluida% fosse uma l2ngua = qual os m;sculos do l"bio superior n8o estavam acostumados. 5radualmente o som de sua vo4 ganhou intensidade) at1 converter'se numa for7a desconexa que enchia o recinto) fa4endo'me pensar em "guas que corriam na profundidade de uma caverna. LN8o 1 uma mulher L murmurei para comigo mesma L) 1 o som da obscuridade. L$gora vou remover a causa de seus pesadelos L anunciou) fixando em mim seu olhar imperioso) ao mesmo tempo em que seus dedos pressionavam com suavidade minha garganta. L?ou tir"'las uma por uma L prometeu) enquanto suas m8os se moviam sobre meu peito em suaves ondula7Ces. 3orriu de maneira triunfal) e ent8o me convidou a examinar as palmas de suas m8os. L?9@ 3a2ram sem esfor7o algum.

Bbservava'me com tal express8o de conquista e assombro que n8o pude di4er'lhe que n8o via nada em suas m8os) e certa de que a sess8o curativa havia terminado) a agradeci e me levantei. Ela sacudiu a cabe7a num gesto de reprova78o) e com suavidade me obrigou a recostar'me. LEst" adormecida L me recordou. L3ou a que tra4 os ensonhos) lembra@ $doraria insistir que estava desperta) mas a ;nica coisa que consegui foi sorrir como uma idiota) ao mesmo tempo em que o sono me afundava em um estado confort"vel. !isos e sussurros me cercavam como sombras< lutei por despertar) e precisei fa4er um grande esfor7o para abrir os olhos) levantar'me e olhar a aqueles que se haviam :untado ao redor da mesa. B peculiar nevoeiro do quarto entorpecia a possibilidade de v9'los claramente. -elia estava entre eles) e estava a ponto de pronunciar seu nome quando um insistente som raspante me fe4 virar para averiguar o que acontecia =s minhas costas. Am homem) precariamente erguido sobre um tamborete alto) descascava amendoins fa4endo muito barulho. $ primeira vista parecia :ovem) mas de alguma maneira eu sabia que era velho. 3eu sorriso era uma mistura de esperte4a e inoc9ncia. LNuer@ L ofereceu. $ntes que eu pudesse ensaiar qualquer resposta minha boca se abriu em assombro) e n8o pude fa4er outra coisa que olh"' lo fixamente) ao ver'lhe transportar todo seu peso a uma m8o e) sem esfor7o) elevar seu corpo pequeno e tenso na vertical. -essa posi78o me :ogou um amendoim) que caiu em minha boca aberta. (e engasguei) e um golpe seco em minhas costas de imediato restabeleceu a respira78o. $gradecida) virei'me para averiguar quem) entre todos os que agora se haviam agrupado em torno de mim) havia reagido com tanta preste4a. L3ou (ariano $ureliano L disse aquele que me havia a:udado. (e deu um aperto de m8os. 3eu tom suave e a encantadora formalidade de seu gesto mitigaram a fero4 express8o de seus olhos) e a severidade de seus tra7os aquilinos. $ inclina78o de suas sobrancelhas escuras lhe dava um aspecto de ave de rapina. 3eus cabelos brancos) e o rosto bron4eado e curtido) falavam de anos) mas seu corpo musculoso exalava vitalidade de :uventude. Javia seis mulheres no grupo) incluindo a -elia) e todas me deram um aperto de m8os de id9ntica e eloqMente formalidade. N8o me disseram seus nomes) simplesmente se pronunciaram feli4es por conhecer'me. N8o se pareciam fisicamente) apesar de existir entre elas uma chamativa similaridade) uma contradit.ria mistura de :uventude e velhice) de for7a e delicade4a que me desorientava) acostumada como estava = brusquid8o e aus9ncia de sutile4as de minha patriarcal fam2lia alem8. $ssim como n8o conseguia decifrar a idade de (ariano $ureliano e do acr.bata do tamborete) tampouco conseguia fa49' lo com a das mulheres) que poderia estar tanto nos quarenta como nos sessenta anos. B fato de que as mulheres persistissem em olhar'me fixamente me produ4iu uma ansiedade passageira. Experimentei a bem definida impress8o de que podiam ver dentro de mim) e estavam analisando o visto. 3eus sorrisos divertidos e contemplativos n8o me proporcionavam maior seguran7a) de modo que) ansiosa por quebrar esse incKmodo sil9ncio por qualquer meio) me dirigi ao homem do tamborete para perguntar'lhe se era acr.bata. L3ou o senhor /lores L disse) e com uma pirueta para atr"s abandonou o tamborete e aterrissou no ch8o sobre suas pernas cru4adas. LN8o sou um acr.bata L esclareceu L) sou um m"gico L e com um sorriso de inocult"vel go4o extraiu de um bolso o xale de seda que eu havia atado ao pesco7o do burro. L," sei quem 1 voc9. ?oc9 1 o marido delaP L e apontei um dedo acusador a -elia. L?oc9s sim que me fi4eram um belo truque su:oP B senhor /lores n8o respondeu) limitando'se a olhar'me em meio a um sil9ncio cort9s. LN8o sou o marido de ningu1m L disse por fim) e saiu do quarto por uma das portas que condu4iam ao p"tio) fa4endo medialunas. Dermo relacionado com a acrobacia) estrelinhas) meia-lua%. !espondendo a um impulso saltei da cama e fui atr"s dele. Por uns instantes) ofuscada pela lu4 exterior) fiquei im.vel. -epois cru4ei o p"tio e corri em paralelo ao caminho de terra) at1 encontrar'me num terreno rec1m cultivado) delimitado por "rvores de eucaliptos. /a4ia calor) o sol parecia estar em chamas e os sulcos resplandeciam como grandes v2boras efervescentes. L3enhor /loresP L gritei) sem obter resposta) e certa de que se ocultava atr"s de uma das "rvores) cru4ei o terreno correndo. L&uidado com esses p1s descal7osP L advertiu uma vo4 que chegava do alto. 3urpreendida) olhei para cima e ali) cara a cara comigo) estava o senhor /lores) pendurado pelas pernas. LT perigoso e bobo caminhar sem sapatos L me reprovou) balan7ando'se como um trape4ista. LEste lugar est" infestado de v2boras cascavel. (elhor me acompanhar aqui encima. T seguro e fresco. $pesar de saber que os galhos estavam fora de meu alcance) elevei meus bra7os com confian7a infantil) e antes que pudesse adivinhar as inten7Ces do senhor /lores) ele :" me havia tomado pelos pulsos) e sem maior esfor7o do que o necess"rio para al7ar a uma boneca de trapo) me havia levantado do solo e me depositado na "rvore. -eslumbrada) sentei'me :unto a ele para olhar as folhas sussurrantes que brilhavam ao sol como lascas de ouro. L&onsegue escutar o que lhe di4 o vento@ L perguntou o senhor /lores depois de um longo sil9ncio) e girou sua cabe7a em um e outro sentido para que eu pudesse apreciar a maneira assombrosa em que movia as orelhas. L6amuritoP L sussurrei) enquanto as lembran7as inundavam minha mente. 6amurito) abutre4inho) era o apelido de um amigo de minha infUncia vene4uelana. B senhor /lores tinha seus mesmos tra7os delicados) semelhantes a um p"ssaro) cabelos negros e os olhos cor mostarda e) para encher'me de assombro) ele) assim como 6amurito) podia mover as orelhas uma de cada ve4) ou ambas ao mesmo tempo. &ontei ao senhor /lores sobre meu amigo) a quem conhecia desde o :ardim da infUncia. No segundo grau hav2amos compartilhado uma mesa) e durante os longos recessos do meio'dia) em lugar de comer nossa merenda no col1gio) n.s escap"vamos para fa49'lo no alto de uma colina pr.xima) = sombra do que acredit"vamos ser a maior "rvore de manga do mundo) cu:os galhos mais baixos tocavam o solo e os mais altos ro7avam as nuvens. Na esta78o das frutas nos ench2amos de mangas. B alto dessa colina era nosso lugar favorito) at1 o dia em que encontramos o corpo do bedel do col1gio pendurado num galho.

N8o nos animamos a nos mover nem a gritar< nenhum dese:ava perder prest2gio ante o outro. Nesse dia n8o subimos nos galhos. Procuramos comer nosso almo7o praticamente embaixo do corpo do morto) perguntando'nos internamente qual dos dois se desmoronaria primeiro. /ui eu quem cedeu. L$lguma ve4 pensou em morrer@ L perguntou'me 6amurito) em vo4 muito baixa. Eu acabara de olhar ao pendurado) e nesse instante o vento havia movido os galhos com uma insist9ncia chamativa) e nesse ro7ar das folhas eu havia escutado o morto di4er'me que a morte era apa4iguante. Isso me pareceu t8o ins.lito que me pus de p1 e fugi aos gritos) indiferente ao que 6amurito pudesse pensar de mim. LB vento fe4 com que os galhos e as folhas lhe falassem L disse o senhor /lores quando terminei meu conto. 3ua vo4 era baixa e suave) e seus olhos de ouro brilharam com lu4 febril ao explicar'me que no momento da morte) num relUmpago instantUneo) as mem.rias) sentimentos e emo7Ces do velho bedel se haviam liberado para ser absorvidas pela mangueira. LB vento fe4 com que os galhos e as folhas lhe falassem L repetiu L) pois o vento por direito te pertence. L com olhos aplanados) olhou atrav1s das folhas) buscando al1m do hori4onte que se perdia sob o sol. LB fato de ser mulher lhe permite comandar ao vento L prosseguiu. L$s mulheres n8o o sabem) mas em qualquer momento podem dialogar com o vento. 3acudi a cabe7a sem compreender. LNa verdade n8o sei do que voc9 est" falando L disse'lhe) e meu tom de vo4 delatou minha crescente inquietude. L Isto 1 como um sonho) e se n8o fosse porque segue e segue) :uraria que 1 um de meus pesadelos. 3eu prolongado sil9ncio me incomodou) e senti o rosto sufocado pela irrita78o. LNue fa7o eu aqui) sentada numa "rvore com um velho louco@ L me perguntei) mas ao mesmo tempo) temendo t9'lo ofendido) optei por pedir desculpas por minha aspere4a. L3ei que minhas palavras n8o t9m muito sentido para voc9 L admitiu. LIsso 1 porque h" muita crosta em voc9) a qual lhe impede de escutar o que o vento tem para di4er. L-emasiada crosta@ L perguntei) confusa e duvidosa. L?oc9 quer di4er que estou su:a@ LIsso tamb1m L disse) fa4endo'me enrubescer. 3orriu e repetiu que eu estava envolta em uma crosta muito grossa) e que essa crosta n8o podia ser eliminada com "gua e sab8o) independentemente de quantos banhos tomasse. LEst" cheia de :u24os L explicou L) e eles lhe impedem de entender o que estou lhe di4endo) e que o vento 1 teu para o que quiser mand"'lo. Bbservou'me com olhos cr2ticos) tensos. LE ent8o@ L exigiu com impaci9ncia) e antes que pudesse me dar conta do que estava acontecendo) ele me havia tomado pelas m8os) girando'me) e me depositado no ch8o. $creditei ver como seus bra7os e pernas se estiravam) como se fossem bandas el"sticas) imagem passageira que expliquei a mim mesma como uma distor78o perceptual causada pelo calor. N8o pensei mais nisso) pois nesse exato momento me distra2ram -elia /lores e seus amigos) que estendiam um grande peda7o de lona embaixo da "rvore vi4inha. LNuando vieram para c"@ L perguntei'lhe) desorientada) pois nem havia visto nem ouvido ao grupo acercar'se. L?amos ter uma comidinha em sua honra L disse. LPorque ho:e voc9 se uniu a n.s L acrescentou outra das mulheres. L&omo foi que me uni a voc9s@ L perguntei) sentindo'me incKmoda. N8o havia conseguido individuali4ar a quem falou) e as olhei uma por uma) esperando que uma delas explicasse essa declara78o. Indiferentes a minha inquietude as mulheres se concentraram na lona) assegurando'se de que estivesse uniformemente estendida. Nuanto mais as observava) maior era minha preocupa78o. Dudo se me parecia t8o estranho. Podia explicar com facilidade porque havia aceitado o convite de -elia para visitar a curandeira) mas n8o podia compreender minhas a7Ces posteriores. Era como se algu1m me tivesse privado de minhas faculdades racionais) obrigando'me a permanecer ali) e reagir) e di4er coisas alheias = minha vontade. E agora organi4avam uma celebra78o em minha honra) da qual o m2nimo que se podia di4er era que me era desconcertante) e apesar de meus esfor7os n8o conseguia explicar minha presen7a nesse lugar. LPor certo que n8o me mere7o nada disto L murmurei) revelando minha forma78o alem8 L) as pessoas n8o costumam fa4er coisas pelos outros) ainda mais assim) sem mais. 3omente quando escutei a exuberante risada de (ariano $ureliano percebi que todos estavam me olhando. LN8o h" ra48o alguma para que considere t8o a fundo o que est" lhe acontecendo ho:e L disse) tocando'me com suavidade o ombro. LBrgani4amos o almo7o porque nos agrada fa4er as coisas sob o impulso do momento) e posto que ho:e voc9 foi curada por Esperan4a) a meus amigos lhes agrada di4er que o almo7o 1 em sua homenagem. L falou de maneira casual) quase com indiferen7a) como se se tratasse de um assunto sem importUncia) mas seus olhos di4iam algo diferente< sua dure4a parecia indicar que era vital que eu o escutasse detidamente. LT uma alegria para meus amigos poder di4er que 1 em sua honra) L continuou L aceite'o tal qual eles o oferecem) com simplicidade e sem premedita78o L seus olhos se encheram de ternura ao olhar =s mulheres. -epois se virou para mim para acrescentar: L$ comida) posso lhe assegurar) n8o 1 em absoluto em sua honra) e sem embargo o 1. Esta 1 uma contradi78o que lhe custar" tempo para entender. LN8o pedi a ningu1m que fa7a nada por mim L disse) mal humorada. (e havia tornado extremadamente pesada) tal qual sempre o havia feito ao sentir'me amea7ada. L-elia me trouxe aqui) e estou agradecida L me senti obrigada a acrescentar L e gostaria de pagar por qualquer coisa que tenham feito por mim. Estava segura de t9'los ofendido< sabia que a qualquer momento me pediriam que fosse embora) ao qual) fora o fato de afetar adversamente a meu ego) n8o me haveria importado em demasia. Estava assustada) e :" haviam ultrapassado minha medida. Para minha surpresa e raiva n8o me levaram a s1rio. 3e riram de mim) e quanto mais me irritava maior era seu :;bilo) seus olhos sorridentes e brilhantes fixos em mim como se eu fosse um organismo desconhecido. $ ira fe4 com que eu esquecesse meu temor) e os agredi) acusando'os de tomar'me por uma boba. $cusei'os de que -elia e seu marido n8o sei por qu9 insistia em v9'los como parceiros% me haviam pregado uma pe7a su:a. L?oc9 me traiu L disse) virando'me para -elia L para que voc9 e seus amigos me usassem como palha7o. Nuanto mais rabugenta) mais se riam) deixando'me perto de chorar de raiva) frustra78o e l"stima de mim mesma) at1 que (ariano $ureliano parou :unto a mim e come7ou a falar comigo como se eu fosse uma crian7a. Nueria di4er'lhe que podia cuidar

de mim so4inha) que n8o precisava de sua simpatia) e que me ia embora para casa) quando algo em seu tom) em seus olhos) me apa4iguou ao ponto de acreditar que havia me hipnoti4ado. E sem embargo) sabia que n8o o havia feito. B que mais me perturbou foi a s;bita e completa mudan7a que se produ4iu em mim. B que normalmente haveria levado dias havia acontecido em um instante. Doda minha vida me havia permitido ruminar acerca das indignidades L reais ou imagin"rias L que havia sofrido. &om cabal minuciosidade) eu as desmiu7ava at1 que cada detalhe ficasse explicado = minha inteira satisfa78o. $o olhar para (ariano $ureliano) senti vontade de rir de minha recente explos8o. Podia apenas me lembrar daquilo que a pouco me enfureceu at1 quase me deixar =s l"grimas. -elia me pegou pelo bra7o e me pediu que a:udasse =s outras mulheres a desembrulhar os pratos) os copos de cristal e a prataria dos v"rios cestos em que haviam sido tra4idos. $s mulheres n8o falaram comigo nem o fi4eram entre elas) e apenas breves suspiros de pra4er escapavam de seus l"bios = medida que (ariano $ureliano exibia as iguarias: havia tamales) enchiladas panquecas de milho condimentadas%) um guisado de pimenta malagueta e tortilhas feitas = m8o. N8o eram tortilhas de farinha) comuns no norte do (1xico) e que n8o me apeteciam muito) e sim tortilhas de milho. -elia me preparou um prato que continha um pouco de tudo) e comi com tal voracidade que fui a primeira a terminar. LIsto 1 o mais delicioso que :" comi em minha vida L disse) esperando uma repeti78o que ningu1m me ofereceu. Para dissimular minha frustra78o me dediquei a elogiar a bele4a do velho rendado que bordeava a lona sobre a qual est"vamos sentados. LIsso fui eu que fi4 L anunciou uma mulher sentada = esquerda de (ariano $ureliano. Era velha) e seus descuidados cabelos grisalhos ocultavam seu rosto. $pesar do calor usava uma saia longa) blusa e malha. LT um rendado belga aut9ntico L me explicou com vo4 suave e sonolenta. 3uas m8os longas e delicadas) nas quais brilhavam esquisitos an1is) se demoraram amorosas sobre a longa fran:a. &om rique4a de detalhes me falou de suas habilidades manuais) mostrando'me os pontos e as linhas usados nesse trabalho. Por momentos obtinha uma vers8o passageira de seu rosto atrav1s da massa de cabelos) mas n8o poderia di4er que aspecto tinha. LT renda belga aut9ntica L repetiu L) 1 parte de meu enxoval. L $l7ou um copo de cristal) bebeu um gole de "gua e acrescentou: LEstes tamb1m s8o parte de meu enxoval. 38o Baccarat. Eu n8o duvidava disso. Bs lindos pratos) cada um deles diferente dos outros) eram da mais fina porcelana) e me estava perguntando se uma discreta olhada embaixo do meu prato passaria inadvertida) quando a mulher sentada = direita de (ariano $ureliano me incitou a fa49'lo. LN8o se:a t2mida. $nda. Est" entre amigos L e sorrindo) levantou o seu. L*imoges L anunciou) e depois levantou o meu e marcou que era um !osenthal. $ mulher tinha tra7os delicados) infantis. Era pequena) de olhos negros) redondos) e c2lios grossos. 3eu cabelo era negro) exce78o feita = coroa de sua cabe7a que se havia tornado branca) e estava arrumado e preso num apertado mignon. Javia nela algo cortante) uma for7a bastante g1lida) que notei quando me apertou com perguntas) diretas e pessoais. N8o me importava seu tom inquisitorial) acostumada ao bombardeio ao qual me submetiam meu pai e meus irm8os) quando sa2a com um homem) ou me embarcava em alguma atividade pr.pria. Isso me incomodava) mas era o normal em minha vida familiar. Portanto) nunca aprendi a conversar: a conversa78o para mim consistia em desviar ataques verbais e defender'me a qualquer custo. (e surpreendi quando o interrogat.rio coercitivo da mulher n8o me levou a defender'me de imediato. LT casada@ L me perguntou. LN8o L respondi) com suavidade mas com firme4a) dese:ando que mudasse de assunto. LDem um homem@ L insistiu. LN8o) n8o tenho L rebati) e comecei a sentir os vest2gios de meu velho ser defensivo eri7ando'se em mim. LJ" algum tipo de homem pelo qual sente particular apego@ L insistiu. L3ente prefer9ncia por algum tra7o de personalidade em especial no homem@ Por um momento pensei que ela estava brincando) mas parecia genuinamente interessada) assim como suas companheiras. 3eus rostos curiosos e "vidos me acalmaram) e deixando de lado minha nature4a belicosa) e o fato de que essas mulheres tinham idade para ser minhas av.s) lhes falei como a amigas de minha mesma gera78o) com qu9 estiv1ssemos falando sobre homens. L-eve ser alto e apresent"vel L comecei L e ter senso de humor. -eve ser sens2vel sem ser afetado) inteligente sem ser um intelectual. LBaixei o tom de minha vo4 para adicionar confidencialmente: L(eu pai costumava di4er que os homens intelectuais s8o fracos at1 os ossos) e todos eles s8o traidores. $cho que coincido com meu pai. LIsso 1 o que dese:a de um homem@ LN8o L me apressei em responder. L3obretudo) o homem de meus sonhos deve ser atl1tico. L&omo seu pai L observou uma das mulheres. LNaturalmente L acrescentei na defensiva. L(eu pai foi um grande atleta. Am fabuloso esquiador e nadador. L?oc9 se dava bem com ele@ L(aravilhosamente L disse com um tom entusiasta. LB mero pensar nele me fa4 lacrime:ar. LPor que n8o est" com ele@ L3omos demasiado parecidos L expliquei. LJ" algo em mim que n8o entendo plenamente nem posso controlar) que me afasta dele. LE o que h" de sua m8e@ L(inha m8e L suspirei) e fi4 uma momentUnea pausa para encontrar as melhores palavras para descrev9'la. LT muito forte. T minha parte s.bria< a parte silenciosa que n8o precisa ser refor7ada. L?oc9 1 muito ligada aos seus pais@ LEm esp2rito sim L repus com ternura L) na pr"tica sou uma solit"ria. N8o tenho muitas liga7Ces. L -epois) como se algo dentro de mim se esfor7asse por sair) revelei um defeito de personalidade que nem sequer em meus momentos mais introspectivos me animava a confessar a mim mesma. L$ntes que apreciar ou alentar afeto pelas pessoas) eu as usoS L mas de imediato retifiquei minha declara78o: L(as tamb1m sou capa4 de sentir afeto.

&om uma mistura de al2vio e frustra78o olhei a uns e outros. Nenhum parecia ter dado importUncia = minha confiss8o. 3eguindo outra linha) as mulheres perguntaram se descreveria a mim mesma como um ser valente ou covarde. L3ou uma total covarde L respondi L) mas por desgra7a) minha covardia :amais me det1m. L-et1m de que@ L perguntou a mulher que me havia estado interrogando. 3eus olhos negros passavam uma express8o s1ria) e suas sobrancelhas) semelhantes a linhas pintadas com carv8o) estavam enrugadas num gesto de preocupa78o. L-e fa4er coisas perigosas L respondi. 3atisfeita ao notar que pareciam estar pendentes de cada palavra minha) passei a explicar'lhes que outro de meus s1rios defeitos era minha grande facilidade para meter'me em problemas. LEm qual problema esteve do qual pode nos falar@ L perguntou) e seu rosto) s1rio at1 esse momento) se iluminou com um sorriso brilhante) quase malicioso. LNue lhe parece este) meu problema atual@ L perguntei) meio de brincadeira) temerosa de que interpretassem mal meu coment"rio) mas para surpresa e al2vio todos riram e gritaram) como costumam fa4er os rancheiros mexicanos quando algo lhes 1 gracioso ou atrevido. L&omo acabou nos Estados Anidos@ L inquiriu a mulher quando todos se acalmaram. (e encolhi de ombros) n8o sabendo ao certo o que responder. L-ese:ava ir = universidade L murmurei por fim. LEstive primeiro na Inglaterra) mas ali o que mais fi4 foi me divertir. Na verdade n8o sei bem o que quero estudar. $credito estar em busca de algo sem saber exatamente o qu9. LIsso nos leva = minha primeira pergunta L continuou a mulher) seu rosto atrevido e seus olhos escuros destemidos e curiosos como os de um animal. LBusca um homem@ L3uponho que sim L admiti) para depois acrescentar de maneira impaciente. LNue mulher n8o o est") e por que me pergunta isso t8o insistentemente@ Dem um candidato@ 3eria este algum tipo de exame@ LDemos um candidato L interpKs -elia flores L) mas n8o 1 um homemS L e tanto ela como as outras riram de tal maneira que n8o pude fa4er menos do que me :untar a seu feste:o. LIsto 1 definitivamente um exame L me assegurou a inquisidora) quando todos se haviam aquietado. 5uardou sil9ncio durante um momento) seus olhos alertas e reflexivos. LPelo qu9 nos mencionou) concluo que voc9 1 completamente de classe m1dia L prosseguiu) abrindo os bra7os num gesto de for7ada aceita78o. L(as) que outra coisa pode ser uma mulher alem8 nascida no novo mundo@ L e observou a raiva refletida em meu rosto com um sorriso apenas reprimido. L$s pessoas da classe m1dia t9m sonhos de classe m1dia. $o observar que eu estava a ponto de explodir) (ariano $ureliano me explicou que ela fa4ia essas perguntas simplesmente porque sentia curiosidade por minha pessoa. Nuase nunca recebiam visitas) e muito raras ve4es gente :ovem. LIsso n8o quer di4er que tenham que me insultar L protestei. &omo se eu n8o houvesse dito nada) (ariano $ureliano continuou desculpando =s mulheres. 3eu tom calmo e sua carinhosa car2cia em minhas costas tornaram a derreter minha raiva) tal qual fi4era anteriormente) e seu sorriso era t8o angelical que nem por um momento duvidei de sua sinceridade quando come7ou a me adular. -isse que eu era uma das pessoas mais extraordin"rias que eles haviam conhecido) o qual me emocionou ao extremo de convid"'lo a perguntar'me qualquer coisa que dese:asse saber acerca de minha pessoa. L?oc9 se sente importante@ L perguntou. $ssenti. LDodos somos importantes para n.s mesmos. 3im) creio que sou importante) n8o em um sentido geral e sim espec2fico) para mim mesma L e me embarquei num discurso acerca de uma imagem pr.pria positiva e valiosa) e do vital que era o refor7ar nossa importUncia a fim de sermos indiv2duos fisicamente s8os. LE o que pensa das mulheres@ $credita que s8o mais ou menos importantes que os homens@ LT .bvio que os homens s8o mais importantes L disse. L$s mulheres n8o t9m escolha. -evem ser menos importantes para que a vida familiar corra bem sobre os trilhos) por assim di4er. L(as isso est" bem@ L insistiu. LNaturalmente que est" bem L declarei. LBs homens s8o intrinsecamente superiores) por isso mane:am o mundo. Eu fui criada por um pai autorit"rio que) apesar de conceder'me tanta liberdade como a de meus irm8os) me fe4 saber) n8o obstante) que certas coisas n8o eram t8o importantes para a mulher. Por isso n8o sei que fa7o na universidade) nem o que 1 o que dese:o da vida L e logo acrescentei num tom infantil e desvalido: L3uponho que busco a um homem t8o seguro de si mesmo como o era meu pai. LT uma simpl.riaP L disse uma das mulheres. LN8o) ela n8o 1 L assegurou (ariano $ureliano. L3implesmente est" confundida) e 1 t8o persistente como seu pai. L3eu pai alem8o L corrigiu enfaticamente o senhor /lores) ressaltando a palavra alemo. Javia descido da "rvore como uma folha) suavemente e sem ru2do. 3erviu'se de uma quantidade imoderada de comida. LNuanta ra48o voc9 tem L concordou (ariano $ureliano) sorrindo L) ao ser t8o obstinada como seu pai alem8o) n8o fe4 outra coisa que repetir o que escutou toda sua vida. (inha raiva) que subia e abaixava como uma febre misteriosa) n8o se devia s. ao que di4iam de mim) e sim ao fato de que falavam de mim como se eu n8o estivesse presente. LN8o tem rem1dio L disse outra das mulheres. LEst" muito bem para o pro:eto que temos em m8os L observou (ariano $ureliano) defendendo'me com convic78o. B senhor /lores respaldou a (ariano $ureliano) e a ;nica mulher que at1 ent8o n8o havia falado disse com vo4 profunda e rouca que estava de acordo com os homens: que eu servia muito bem para o prop.sito em m8os. Era alta e delgada. 3eu rosto p"lido) delicado e severo) estava coroado por cabelos brancos) tran7ados e ressaltados por olhos grandes e luminosos. $pesar de sua vestimenta gasta e descolorida) havia em torno dela uma aura de elegUncia. LB que est8o fa4endo comigo@ L gritei) :" incapa4 de controlar'me. LN8o se d8o conta do horr2vel que 1 para mim escutar que falam como se eu n8o estivesse presente@ (ariano $ureliano fixou em mim seus olhos fero4es.

L?oc9 n8o est" aqui L disse num tom desprovido de toda emotividade L) ao menos pelo momento. E) o mais importante) 1 que isto n8o conta. Nem agora nem nunca. Nuase desmaiei de ira. Ningu1m me havia falado :amais com tal dure4a e indiferen7a para com meus sentimentos. LEu cago em todos voc9s) gusanos comemierda) filhos da putaP L gritei. L-eus meuP Ama alem8 obscenaP L exclamou (ariano $ureliano) e todos riram. Estava a ponto de ficar de p1 e ir'me quando (ariano $ureliano me deu repetidos golpe4inhos nas costas. LBom) bom L murmurou) como quem tranquili4a = crian7a que arrotou. E como antes) em lugar de incomodar'me ao ser tratada como crian7a) minha raiva desapareceu. (e senti vibrante e feli4) e sacudindo a cabe7a em sinal de incompreens8o) os olhei e ri. L$prendi castelhano nas ruas de &aracas com a ral1 L expliquei. L&onhe7o todos os palavrCes. LN8o lhe encantaram os tamales doces@ L perguntou -elia) fechando os olhos para demonstrar sua aprecia78o. 3ua pergunta pareceu ser uma senha: o interrogat.rio cessou. L(as 1 claro que lhe encantaramP L respondeu o senhor /lores por mim L) s. lamenta que n8o lhe serviram mais) pois tem um apetite insaci"vel L e veio sentar'se ao meu lado. L(ariano $ureliano se excedeu) e nos co4inhou um man:ar. N8o podia acreditar nisso. LNuer di4er que ele co4inhou@ Dem a todas estas mulheres e cozinhou@ L e de imediato) preocupada pela interpreta78o que pudessem dar =s minhas palavras) me desculpei) explicando minha enorme surpresa ante o fato de que um macho mexicano co4inhasse em sua casa quando havia mulheres para fa49'lo. $s resultantes risadas me demonstraram que tampouco era isso o que quis di4er. LEspecialmente se essas mulheres s8o suas mulheres< 1 isso o que queria di4er@ L perguntou o senhor /lores) suas palavras entre misturadas com os risos de todos. LDem ra48o) s8o as mulheres de (ariano ou) para ser mais preciso) elas lhe pertencem L e se deu um divertido golpe no :oelho. -epois) dirigindo'se = mais alta das mulheres) aquela que s. havia falado em uma oportunidade) disse: LPor que n8o lhe conta acerca de n.s@ LBbviamente o senhor $ureliano n8o tem essa quantidade de esposas L disse) ainda mortificada por meus lapsos. LE por que n8o@ L retrucou a mulher) e todos riram de novo. B riso era alegre) :uvenil) mas n8o conseguia tranquili4ar' me. LDodos aqui estamos unidos por nossa luta) pelo profundo afeto que nos professamos e pela certe4a de que se n8o estamos :untos nada 1 poss2vel L disse. L(as voc9s n8o s8o parte de nenhum grupo religioso) n8o 1@ L perguntei) e minha vo4 revelou minha crescente apreens8o. LNem de nenhuma esp1cie de comunidade@ LPertencemos ao poder L respondeu a mulher. L(eus companheiros e eu somos os herdeiros de uma antiga tradi78o. 3omos parte de um mito. N8o compreendi o que estava di4endo< intranquila) olhei para os outros< seus olhos estavam fixos em mim< observavam' me com uma mistura de expectativa e contentamento. ?oltei minha aten78o = mulher alta) que tamb1m me observava com a mesma express8o embriagada. 3eus olhos brilhavam ao ponto de chispar. Inclinada sobre seu copo de cristal) bebia sua "gua em delicados goles. L3omos essencialmente ensonhadores L explicou L) agora estamos todos ensonhando e) pelo fato de que foi tra4ida a n.s) voc9 tamb1m est" ensonhando conosco L disse isto num tom t8o suave que na verdade n8o pude captar o que foi dito. L?oc9 quer di4er que estou dormindo e compartilhando um sonho com voc9s@ L perguntei com :ocosa incredulidade) e precisei morder'me os l"bios para segurar o riso que borbulhava em meu interior. LN8o 1 exatamente o que est" fa4endo) mas passa perto L admitiu) e em nada incomodada por meus risinhos nervosos) explicou que o que eu estava experimentando se parecia mais a um sonho extraordin"rio) onde todos me a:udavam ao ensonhar meu ensonho. L(as isso 1 uma...... L comecei) mas ela me silenciou com um gesto de m8o. LDodos estamos ensonhando o mesmo ensonho L me assegurou) aparentemente extasiada por uma felicidade que eu n8o alcan7ava compreender. LE o que me di4 dessas coisas deliciosas que acabo de comer@ L procurei o molho de chili que havia derramado sobre minha blusa. (ostrei'lhe as manchas. LIsto n8o pode ser um sonhoP Eu comi dessa comidaP L insisti em tom forte e agitado. L 3im) eu mesma a comiP 3eu olhar era tranqMilo) como se tivesse estado esperando tal arrebatamento. LE o que me di4 de como o senhor /lores te subiu ao alto da "rvore de eucalipto@ L perguntou. Estava a ponto de informar'lhe que n8o me havia subido ao alto da "rvore) e sim simplesmente a um galho) quando me interrogou em vo4 baixa. L?oc9 pensou nisso@ LN8o) n8o pensei nisso L respondi de mau :eito. LT claro que n8o L concordou) movendo a cabe7a com um gesto sabich8o) como se soubesse que nesse exato instante eu havia recordado que mesmo o galho mais baixo de qualquer uma das "rvores que nos rodeavam eram imposs2veis de alcan7ar do ch8o. Explicou que a ra48o pela qual eu n8o me havia dado conta disso era porque nos ensonhos n8o somos racionais. LNos ensonhos podemos unicamente agir L ressaltou. LAm momento L interrompi L) pode ser que eu este:e um tanto atordoada) eu admito. 3em contar que voc9 e seus amigos s8o a gente mais estranha que :amais conheci) mas estou desperta at1 n8o mais poder L e) vendo que ria de mim) gritei: LIsto n8o 1 um sonhoP &om um impercept2vel movimento de cabe7a atraiu a aten78o do senhor /lores) que num r"pido movimento se apoderou de minha m8o e) :untos) nos elevamos a um galho do eucalipto mais pr.ximo. $li ficamos uns instantes) sentados) e antes mesmo que eu pudesse di4er algo) ele me baixou para a terra) ao mesmo lugar em que estive sentada. L&ompreende o que quero di4er@ L perguntou a mulher alta.

LN8o) n8o compreendo L gritei) sabendo que havia sofrido uma alucina78o. (eu temor se converteu em f;ria) e lancei uma enxurrada de maldi7Ces obscenas. Esgotado meu furor senti l"stima por mim mesma e comecei a chorar. LB que voc9s me fi4eram@ L exigi em meio ao meu choro. LPuseram algo na minha comida@ Na "gua@ LN8o fi4emos nada disso L respondeu com bondade a mulher alta. L?oc9 n8o precisa de nadaS $penas conseguia escut"'la< minhas l"grimas eram como um v1u escuro que desfigurava tanto seu rosto como suas palavras. L$guenta L a escutei di4er) apesar de n8o poder v9'la e nem a seus companheiros. L$guenta) n8o desperte ainda. Javia algo t8o imperioso em seu tom que compreendi que minha pr.pria vida dependia de v9'la de novo) e gra7as a uma for7a desconhecida) e por completo inesperada) consegui atravessar o v1u de minhas l"grimas. Escutei um suave ru2do de aplausos e em seguida os vi. Eles sorriam) e seus olhos brilhavam com tal intensidade que suas pupilas pareciam iluminadas por algum fogo interno. (e desculpei primeiro ante as mulheres) e depois aos dois homens) por minha rea78o boba) mas n8o dese:avam nem falar dela) di4endo que eu havia me desempenhado de maneira excepcional. L3omos as partes viventes de um mito L disse (ariano $ureliano) depois do qual :untou os l"bios para soprar. LEu lhe soprarei at1 = ;nica pessoa que agora tem o mito em suas m8os L anunciou. LEle lhe a:udar" a esclarecer tudo isto. LE quem pode ser essa pessoa@ L perguntei com um certo ar petulante) e estava a ponto de inquirir se essa pessoa seria t8o teimosa como meu pai) mas (ariano $ureliano me distraiu. &ontinuava soprando) os cabelos brancos eri7ados) e as bochechas roxas e infladas. Em evidente resposta a seus esfor7os) uma suave brisa come7ou a infiltrar'se por entre os eucaliptos. (ariano $ureliano fe4 um sinal com a cabe7a) como se admitisse estar inteirado de minha confus8o e de meus pensamentos n8o expressados) e com suavidade me fe4 girar at1 eu ficar de frente =s montanhas do Bacatete. $ brisa se converteu em vento) um vento t8o frio e "spero que tornava doloroso o respirar. &om um movimento ondulante) como se n8o tivesse esqueleto) a mulher alta se levantou) tomou minha m8o e me arrastou atrav1s dos sulcos arados. No meio do campo culvitado fi4emos uma repentina parada) e poderia :urar que) com seus bra7os estendidos) incitava e atra2a = espiral de terra e folhas mortas que se enredemoinhavam = distUncia. LNos ensonhos tudo 1 poss2vel L sussurrou. !i) abri os bra7os para chamar o vento) e a terra e as folhas bailaram em torno de n.s com tal for7a que tudo se borrou ante minha vista. -e repente vi = mulher alta muito longe. 3eu corpo parecia dissolver'se numa lu4 avermelhada at1 desaparecer por completo de meu campo de vis8o. Ent8o um negrume encheu minha cabe7a. 1A032ULO 2R5S $ essa altura me era dif2cil determinar se o piquenique havia sido um sonho ou se na realidade havia acontecido. N8o era capa4 de recordar em ordem sequencial todos os eventos dos quais havia participado desde o momento em que adormeci na cama da sala de curas. $ seguinte lembran7a n2tida era a de encontrar'me falando com -elia nesse mesmo quarto. Jabituada a esses lapsos de mem.ria) comuns em minha :uventude) a princ2pio n8o dediquei demasiada importUncia a esta anomalia. -e crian7a) quando me assaltavam ganas de brincar) com frequ9ncia abandonava a cama semi'adormecida) e sa2a de casa furtivamente atrav1s das grades de uma :anela. (uitas ve4es despertei na pra7a) brincando com outras crian7as que n8o eram obrigadas a ir deitar'se t8o cedo como eu. N8o abrigava d;vidas a respeito da autenticidade da refei78o) apesar de n8o poder situ"'la temporalmente. Dentei pensar) reconstruir os fatos) mas me assustava atuali4ar a id1ia de meus lapsos infantis. -e certo modo eu resistia a fa4er perguntas a -elia sobre suas amigas) e tampouco ela ofereceu informa78o. No entanto abordei o tema da sess8o curativa) que n8o duvidava ter sido um sonho. (e introdu4i no tema com cautela: LDive um sonho muito n2tido a respeito de uma curandeira L disse. LN8o s. me disse seu nome como me assegurou haver eliminado todos os meus pesadelos. LN8o foi um sonho L rebateu -elia) num tom que deixava claro seu desagrado) enquanto me olhava com incKmoda insist9ncia. L$ curandeira lhe disse seu nome) e de fato curou seus transtornos de sonho. L(as foi um sonho L insisti L) e nele a curandeira tinha o tamanho de uma crian7a. Ela n8o pode ter sido real. -elia pegou um copo de "gua que havia sobre a mesa) mas n8o bebeu. Em troca o fe4 girar infinitas ve4es em sua m8o) sem derramar uma gota) depois do qual me olhou com olhos resplandecentes. L$ curandeira lhe deu a impress8o de ser pequena) isso 1 tudo L e fe4 um movimento de cabe7a como se essas palavras tivessem acabado de lhe ocorrer) e as achou satisfat.rias. Bebeu sua "gua em ruidosos goles) e seus olhos se tornaram suaves e reflexivos. LPrecisava ser pequena para poder lhe curar. LPrecisava ser pequena@ Nuer di4er que eu somente a vi como se ela fosse pequena@ -elia assentiu repetidas ve4es com a cabe7a) e depois se aproximou de mim e cochichou: LB que aconteceu 1 que voc9 ensonhava) e sem d;vida o que ensonhava n8o era um sonho. $ curandeira na verdade veio a voc9 e lhe curou) mas voc9 n8o estava no lugar em que est" agora. L?amos) -elia L ob:etei L) do que est" falando@ Eu sei que foi um sonho. 3empre tenho plena consci9ncia de estar sonhando) :" que os sonhos me s8o completamente reais. Esse 1 meu mal) lembra'se@ LDalve4 agora que est" curada :" n8o se:a seu mal) e sim seu talento L retrucou -elia com um sorriso L) mas voltando = sua pergunta. $ curandeira tinha que ser pequena) como uma crian7a) porque voc9 era muito crian7a quando come7aram seus pesadelos. 3ua declara78o me soou t8o absurda que nem sequer consegui rir. LE agora estou curada@ L perguntei :ocosamente. L?oc9 est" L me assegurou. LNos ensonhos as curas se reali4am com grande facilidade) quase sem esfor7o. B dif2cil 1 fa4er que a gente ensonhe.

L-if2cil@ L perguntei) e minha vo4 soou mais "spera do que eu houvesse dese:ado. LDodos sonhamos. Dodos temos que dormir) n8o 1 assim@ -elia dirigiu uma olhada travessa at1 o teto< depois me encarou para di4er: LEsses n8o s8o os sonhos aos quais me refiro. Esses s8o sonhos comuns. B ensonhar tem um prop.sito do qual os sonhos comuns carecem. L(as 1 claro que o t9mP L declarei em enf"tica oposi78o) para depois embarcar'me numa longa ret.rica a respeito da importUncia psicol.gica dos sonhos) e citar obras de psicologia) filosofia e arte. (eus conhecimentos n8o impressionaram a -elia nem um pouco. Estava de acordo em que os sonhos cotidianos a:udavam a manter a sa;de mental do indiv2duo) mas insistiu em que isso n8o lhe concernia. LEnsonhar tem um prop.sito< os sonhos comuns n8o o t9m L reiterou. LNue prop.sito) -elia@ L perguntei de maneira complacente. -esviou seu rosto) como se quisesse impedir que eu o visse) mas momentos depois me encarou de novo. $lgo frio e isolado dominava seus olhos) e sua mudan7a de express8o se havia endurecido a tal ponto que me assustou. LB ensonho sempre tem um prop.sito pr"tico) e serve ao ensonhador de maneira simples ou intrincada. Ele serviu a voc9 para superar seus pesadelos) serviu =s bruxas que lhe fi4eram a comida para conhecer sua ess9ncia) e serviu a mim para fa4er com que o guarda da fronteira) que lhe pediu seu visto de turista) n8o estivesse consciente de mim. LEstou come7ando a entender o que me di4) -elia L murmurei. LNuer di4er que voc9s podem hipnoti4ar aos outros contra sua vontade@ L&hame'o assim se quiser L respondeu) e em seu rosto se distinguia por uma calma indiferen7a que denotava pouca simpatia. LB que contudo n8o conseguiu ver 1 que voc9 mesma) com pouco esfor7o) pode entrar no que voc9 chama de um estado hipn.tico. N.s o chamamos ensonhar um sonho que n8o 1 um sonho) mas um ensonho no qual podemos fa4er quase tudo o que algu1m dese:e. $s palavras de -elia estavam a ponto de adquirir sentido para mim) mas eu carecia das necess"rias palavras para expressar meus pensamentos e sentimentos. Blhei para ela) desorientada. -e repente recordei um epis.dio de minha :uventude. Nuando por fim me foi permitido ter aulas de dire78o com o Jeep de meu pai) surpreendi = minha fam2lia demonstrando que :" sabia acionar as marchas) algo que durante anos vinha fa4endo em meus sonhos. Na minha primeira tentativa) com uma seguran7a que at1 a mim surpreendeu) tomei a velha estrada de &aracas ao porto de 5uaVra. -uvidei sobre falar a -elia desse epis.dio) e escolhi em troca abordar o tema do tamanho da curandeira. LN8o 1 uma mulher alta L respondeu. L(as tampouco 1 t8o pequena como voc9 a viu. Em seu ensonho curativo) ela pro:etou sua pequene4 para benef2cio seu e) ao fa49'lo) apareceu pequena. Essa 1 a nature4a da magia. -eve ser aquilo cu:a impress8o dese:a dar. LT uma maga@ L perguntei esperan7osa. $ id1ia de que todos trabalhavam em um circo) de que eram parte de um espet"culo de magia) me havia cru4ado a mente em v"rias ocasiCes. $creditava que isso explicaria muitas coisas acerca deles. LN8o) n8o 1 uma maga. T uma feiticeira L disse) e -elia me olhou com tal desd1m que me envergonhei de minha pergunta. LBs magos s8o do teatro. Bs feiticeiros s8o do mundo) sem ser parte do mundo L explicou. *ogo caiu num longo sil9ncio) ao fim do qual suspirou antes de fa4er'me a seguinte pergunta: L?oc9 gostaria de ver Esperan4a agora@ L3imP L respondi animada. LEu gostaria muito. $ possibilidade de que a curandeira fosse um ser real e n8o um sonho me atordoava. -elia n8o me convencera de tudo) e no entanto dese:ava crer'lhe a todo custo. (eus pensamentos se fragmentaram< de repente me dei conta de n8o haver mencionado a -elia o fato de que a curandeira de meu sonho havia manifestado chamar'se Esperan4a. D8o absorta estava em meus pensamentos que n8o percebi que -elia falava. LPerd8o) o que disse@ L perguntei'lhe. L$ ;nica maneira em que pode encontrar sentido a tudo isto 1 ensonhando de novo L respondeu) e com um suave riso agitou sua m8o) como convidando a algu1m a apresentar'se. 3uas palavras careciam de importUncia para mim) meus pensamentos :" flu2am por outros trilhos. Esperan4a era um ser real) e me animava a certe4a de que me esclareceria tudo. $l1m disso) ela n8o havia comparecido = refei78o) nem me havia aviltado como fi4eram as outras mulheres. $brigava a vaga confian7a de que eu havia ca2do bem a Esperan4a) e este pensamento) de certa forma) restaurou minha seguran7a. Para ocultar meus sentimentos de -elia) manifestei ansiedade em ver = curandeira. LNueria agradecer a ela e) l.gico) pagar'lhe por tudo quanto fe4 por mim. L," est" tudo pago L anunciou -elia) e o mati4 pungente de seus olhos revelou que tinha acesso a meus pensamentos. LB que quer di4er com isso de :" est" tudo pago@ L perguntei com vo4 estridente. LNuem o pagou@ LT dif2cil explic"'lo L respondeu) e o distante toque de bondade que denotava sua vo4 me trouxe tranquilidade. L Dudo come7ou na festa de sua amiga em Nogales. ?oc9 chamou minha aten78o de imediato. LN8o me diga@ L perguntei intrigada) ansiosa por escutar elogios referentes ao bom gosto de meu cuidadosamente selecionado figurino. 3obreveio um incKmodo sil9ncio. N8o conseguia ver os olhos de -elia) velados atr"s de suas p"lpebras semicerradas) e havia algo perturbador em sua vo4) contudo tranquila) quando disse haver observado que cada ve4 que eu precisava falar com a av. de minha amiga parecia absorta e como se adormecida. L$bsorta n8o 1 a palavra L respondi. LN8o tem id1ia do que tive que lutar para convencer = velha de que eu n8o era o diabo encarnado. -elia pareceu n8o escutar'me) e prosseguiu falando: L-e imediato percebi que tinha grande facilidade para ensonhar) de modo que lhe segui pela casa para ver voc9 em a78o. ?oc9 n8o tinha plena consci9ncia do que fa4ia ou di4ia) e no entanto se desempenhava muito bem) rindo) falando e mentindo descaradamente para cair bem. LEst" me chamando de mentirosa@ L perguntei de brincadeira) e sem d;vida deixando em descoberto o fato de sentir' me ferida. 3enti a necessidade de irritar'me) e para amorti4ar esse perigoso impulso) fixei a vista no :arro de "gua sobre a mesa.

LN8o me atreveria a chamar'lhe de uma mentirosa L explicou -elia um tanto pomposamente L) eu te qualificaria como uma ensonhadora. 3ua vo4 estava carregada de solenidade) mas seus olhos brilhavam de go4o e boa mal2cia quando disse: LBs feiticeiros que me criaram di4iam que n8o importava o que se pode chegar a di4er) sempre e quando se tenha o poder para di49'lo L e sua vo4 transmitia tal entusiasmo e aprova78o que tive a certe4a de que havia algu1m atr"s de uma das portas escutando'nos. LE a maneira de conseguir esse poder 1 ensonhando. ?oc9 n8o sabe disso porque o fa4 de uma maneira natural) mas quando se v9 enfrentada por alguma dificuldade) sua mente se submerge de imediato no ensonho. L/oi criada por feiticeiros) -elia@ L perguntei para mudar de assunto. LT claro L respondeu) como se fosse a coisa mais natural do mundo. L3eus pais eram feiticeiros@ LBh) n8o L respondeu com um riso contido. LAm dia os feiticeiros me encontraram) e dali em diante me criaram. LNue idade voc9 tinha@ Era uma crian7a@ -elia riu como se com minha pergunta eu houvesse alcan7ado a quintess9ncia do humor. LN8o) n8o era uma crian7a. Dalve4 tivesse sua mesma idade quando me encontraram e se encarregaram de minha cria78o. LB que quer di4er com se encarregaram de minha cria78o@ -elia me olhou sem que seus olhos me enfocassem) fa4endo'me pensar que n8o havia me ouvido ou) de t9'lo feito) n8o estar disposta a responder. !epeti a pergunta) ante a qual sorriu encolhendo'se de ombros. L(e criaram como quem cria a um menino L disse finalmente. LN8o importa a idade que ele tenha. Em seu mundo ele 1 um menino. $ssaltada de s;bito pelo temor de que nossa conversa pudesse ser escutada) olhei por cima de meu ombro e disse em vo4 baixa: LNuem s8o esses feiticeiros) -elia@ LEssa 1 uma pergunta dif2cil L cochichou L) e por este momento nem sequer posso intentar uma resposta. Dudo o que posso di4er acerca deles e que s8o aqueles me disseram que ningu1m deve mentir para ser acreditado. LE por que ent8o deveria algu1m mentir@ L perguntei. LPelo simples pra4er que h" em fa49'lo L respondeu com preste4a) e se pKs de p1 para dirigir'se at1 a porta que condu4ia ao p"tio) mas antes de atravessar o umbral se virou para mim) e com um sorriso perguntou: L&onhece aquele ditado se n8o est" mentindo para ser acreditado pode di4er o que quiser) sem se importar com o que pensem de voc9@ LNunca escutei isso L supus que o havia inventado. Dinha a sua cara. L$l1m do mais L acrescentei L) n8o entendo o que est" tratando de di4er. LEstou segura de que sabe sim L afirmou) e me olhou de relance atrav1s da madeixa de sua negra cabeleira. &om um gesto de sua testa me incitou a segui'la. L?amos agora mesmo ver Esperan4a. (e levantei de um salto e a segui) somente para deter'me abruptamente na porta. &egada de momento pela lu4 externa me detive procurando determinar o que havia acontecido. Parecia que o tempo n8o tinha passado desde o momento em que corri atr"s do senhor /lores atrav1s do campo arado. B sol) como ent8o) estava ainda no 49nite. Dive uma r"pida vis8o da saia vermelha de -elia no momento em que dobrava uma esquina. &orri atr"s dela) atravessando um arco de pedra que levava a um p"tio encantador. Inicialmente me achei cegada) t8o intenso era o contraste entre a deslumbrante lu4 do sol e as profundas sombras do p"tio. (e mantive im.vel) ofegante) inalando o ar ;mido) fragrante gra7as ao odor das laran:eiras) madressilvas e ervilhas' doce. 3ubindo por linhas que pareciam suspensas no c1u) os ramos da ervilha'doce se destacavam como uma cortina brilhante entre a folhagem de "rvores) arbustos e samambaias. 3entada em uma cadeira de balan7o) no meio do p"tio) descobri a feiticeira que vi antes em meu sonho. Era muito mais velha que -elia e as outras mulheres) ainda que como eu o soube n8o poderia di4er. 3e movia com um ar de abandono) e senti uma ang;stia dolorosa em todo meu ser quando me assaltou a certe4a irracional de que cada movimento de sua cadeira a afastava de mim. Ama onda de agonia e uma sensa78o de solid8o indescrit2vel me envolveram. Nueria cru4ar o p"tio para ret9'la) mas algo na intrincada trama das escuras la:otas impedia o livre movimento de meus p1s. Por fim pude pronunciar seu nome) por1m em vo4 d1bil) apenas aud2vel para meus ouvidos. LEsperan4a. $briu os olhos e sorriu sem demonstrar surpresa alguma) tal como se houvesse estado me aguardando) e ap.s ficar de p1) caminhou at1 mim. Pude ent8o apreciar que n8o era do tamanho de uma crian7a) e sim da minha mesma altura) delicada e de aspecto fr"gil) apesar do qual irradiava uma vitalidade ante a qual me senti empequenecida. LEstou muito feli4 em v9'la de novo L saudou) num tom que soava sincero) e com um gesto me convidou a tomar assento em uma das cadeiras de :unco :unto = cadeira de balan7o. Em torno de n.s) nas imedia7Ces) descobri =s outras mulheres) incluindo -elia) sentadas em cadeiras de :unco) semi' escondidas entre "rvores e arbustos. Damb1m elas me olhavam com curiosidade) algumas sorrindo) outras comendo tamales dos pratos que tinham sob suas saias. Na verde lu4 difusa do p"tio) e n8o obstante sua mundana atividade gastronKmica) pareciam imagin"rias) insubstanciais) e contudo estranhamente v2vidas) apesar da aus9ncia de nitide4 que as envolvia. Pareciam ter absorvido a verde lu4 do p"tio) que a tudo impregnava como uma n1voa transparente. $ id1ia passageira e nada agrad"vel de estar em uma casa povoada por fantasmas tomou conta de mim por um instante. LNuer comer algo@ L perguntou Esperan4a. L-elia preparou uns pratos que voc9 nem imagina. LN8o) obrigado L murmurei) numa vo4 que n8o parecia a minha) e ao observar seu olhar inquisidor acrescentei sem muita convic78o: LN8o tenho fome. L (e sentia t8o nervosa e agitada que) mesmo se estivesse desmaiando de fome) n8o teria podido engolir nem um bocado. Esperan4a deve ter intu2do meu medo pois) aproximando'se) segurou meu bra7o como para me passar confian7a.

LB que 1 que voc9 quer saber@ L perguntou. (inha resposta saiu aos borbotCes: L$chei ter visto voc9 num sonho L e ao ver o riso em seus olhos acrescentei: LEstou sonhando agora@ L3im L respondeu) enunciando suas palavras de maneira lenta e precisa L) mas n8o est" dormindo. L&omo posso estar sonhando e n8o estar dormindo@ L$lgumas mulheres podem fa49'lo com grande facilidade. Podem ensonhar sem dormir. ?oc9 1 uma delas. Butras precisam batalhar toda sua vida para consegui'lo. Pressenti um toque de admira78o em sua vo4) mas n8o me senti lison:eada nem um pouquinho. $o contr"rio) estava mais preocupada que nunca. L(as como 1 poss2vel: sonhar sem dormir@ L insisti. L3e eu te explico n8o o entender" L contrapKs. L$ceite minha palavra< 1 prefer2vel postergar a explica78o por agora L de novo segurou meu bra7o) e um doce sorriso iluminou seu rosto. LPor hora lhe basta saber que) para voc9) eu sou a que tra4 os ensonhos. N8o considerei isso suficiente) mas tampouco me animei a di4er'lhe isso. Em troca perguntei: LEu estava desperta quando voc9 me curou de meus pesadelos) e estava sonhando quando estive sentada fora com -elia e as outras@ Esperan4a me contemplou por um longo tempo antes de fa4er um movimento com a cabe7a) como se houvesse decidido revelar uma verdade monumental. LT demasiado simpl.ria para compreender o mist1rio do que fa4emos L disse isto de maneira t8o casual) t8o sem inten78o de emitir um :u24o) que n8o me senti ofendida nem intentei r1plica alguma. L(as voc9 poderia me fa49'lo entender) n8o 1@ L supliquei ansiosamente. 3e escutaram risinhos das outras mulheres) n8o irKnicos) mas sim um murm;rio como de um coro em surdina cu:o eco me envolveu) som que n8o parecia provir das mulheres e sim das sombras do p"tio. (ais que risinhos eram sussurros) uma delicada advert9ncia a fim de apa4iguar'me) que apagou minhas d;vidas impertinentes) minhas Unsias de saber) e soube ent8o) sem a mais remota d;vida) que em ambas oportunidades estive desperta e ao mesmo tempo sonhando. N8o poderia explicar esta certe4a que superava o poder da palavra. &ontudo) depois de um breve lapso) senti a obriga78o de dissecar minha an"lise) de colocar tudo num marco l.gico. Esperan4a me olhava com evidente pra4er. -epois disse: L?ou lhe explicar quem somos e o que 1 que fa4emos L mas antecipou seu esclarecimento com uma admoesta78o: advertiu'me que tudo o quanto devia me di4er era de dif2cil aceita78o) e portanto eu deveria suspender qualquer :u24o e escut"'la sem perguntas nem interrup7Ces. LPode fa49'lo@ L(as 1 claro. 5uardou sil9ncio) medindo'me com seus olhos. -eve ter intu2do minha incerte4a) e tamb1m = pergunta que estava a ponto de saltar de meus l"bios. LN8o 1 que n8o queira responder = suas perguntas L sustentou L) melhor di4endo) 1 que neste momento lhe ser" imposs2vel compreender as respostas. /i4 um gesto com a cabe7a) temerosa de que a menor interfer9ncia de minha parte a faria emudecer. Num tom de vo4 que n8o passava de um suave murm;rio me disse algo por sua ve4 incr2vel e fascinante. -isse ser a descendente de feiticeiros que viveram mil9nios antes da conquista espanhola) no vale de Baxaca. -epois mergulhou num longo sil9ncio) e seus olhos) fixos nas ervilhas'doce multicoloridas) pareciam estender'se nostalgicamente at1 o passado. LPelo que sei) a parte das atividades desses feiticeiros que di4 respeito a voc9 se denomina ensonharL continuou. L Esses feiticeiros foram homens e mulheres possuidores de grandes poderes derivados do ensonho) e reali4aram atos que desafiam a imagina78o. $bra7ada a meus :oelhos a escutei. Esperan4a era uma talentosa narradora e uma excelente m2mica. 3eu rosto mudava com cada uma de suas explica7Ces< por momentos era o rosto de uma mulher :ovem) em outros de uma velha) ou tamb1m de um homem) ou de uma crian7a inocente e travessa. 3ustentou que milhares de anos atr"s homens e mulheres possu2am a faculdade de entrar e sair do mundo normal) e portanto dividiram suas vidas em duas "reas: o dia e a noite. -urante o dia desenvolviam atividades semelhantes ao mais comum dos mortais) sendo sua conduta a normal e esperada) mas de noite se convertiam em ensonhadores) e sistematicamente ensonhavam ensonhos que transcendiam os limites do que consideramos a realidade. /e4 uma nova pausa) como para dar tempo a que suas palavras me penetrassem. LAsando a escurid8o como manto) eles conseguiram algo inconceb2vel: foram capa4es de ensonhar estando despertos L antecipando a pergunta que eu estava a ponto de formular) explicou que isso lhes significava poder submergir'se) estando conscientes e despertos) num ensonho que lhes dava a energia necess"ria para reali4ar prod2gios que estremeciam a mente. -evido = modalidade agressiva imperante em minha casa) nunca desenvolvi a habilidade necess"ria para poder escutar durante um longo per2odo. 3e n8o podia enfrentar com perguntas diretas) belicosas) ent8o nenhum intercUmbio verbal) por mais interessante que fosse) tinha sentido para mim. Por n8o poder discutir me impacientei. (orria de vontade em interromper Esperan4a. /ervia de perguntas) mas que me explicassem as coisas n8o era o ob:etivo de minha necessidade de interromper. B que eu dese:ava era render'me = compuls8o de discutir aos gritos com ela) para assim recuperar minha normalidade. 3e diria que Esperan4a estava a par de minha inquietude) :" que ap.s me olhar fixamente me ordenou a falar) ou pelo menos assim eu o acreditei. $bri a boca para di4er) como sempre) a primeira coisa que me viesse na mente) estivesse ou n8o relacionada com o tema) mas n8o pude articular palavra. *utei por falar) e emiti sons guturais para deleite das mulheres nas sombras. Esperan4a retomou a palavra) como se n8o houvesse notado meus frustrados intentos) e me surpreendeu sobremaneira comprovar que continuava comandando toda minha aten78o. -isse que a origem dos conhecimentos dos feiticeiros somente

podia'se entender em termos de lenda. Am ser superior) apiedando'se da terr2vel condi78o do homem) de ser perseguido) como um animal) pela fome e a reprodu78o) conferiu'lhe o poder de ensonhar e lhe ensinou como usar esses sonhos. LNaturalmente as lendas di4em a verdade de um modo velado L explicou. L3eu 9xito em ocultar a verdade reside na convic78o do homem de que n8o passam de simples hist.rias. *endas de homens que se transformam em an:os ou em p"ssaros s8o relatos de verdades ocultas que parecem ser fantasia ou) simplesmente) as alucina7Ces de mentes alteradas ou primitivas. -urante milhares de anos a tarefa dos feiticeiros tem sido a de inventar novas lendas) ou descobrir a verdade escondida nas antigas. $qui 1 onde figuram os ensonhadores) tarefa na qual se sobressaem as mulheres. Possuem a faculdade de abandonar'se) de deixar'se ir. $ mulher que me ensinou a ensonhar podia manter du4entos ensonhos. Esperan4a me observou com aten78o) como ponderando minha rea78o) que era algo de completo estupor) pois n8o tinha id1ia do significado de tudo isso. Explicou que manter um ensonho significava que a pessoa podia ensonhar algo espec2fico a respeito de si mesmo) e entrar nesse ensonho = vontade. 3ua mestra) disse) podia entrar voluntariamente em du4entos ensonhos que lhe concerniam. L&omo ensonhadoras as mulheres s8o insuper"veis L me assegurou Esperan4a. L38o extremadamente pr"ticas) e para manter um ensonho elas devem s9'lo) pois o ensonho deve tocar aspectos pr"ticos de si mesmo. B favorito de minha mestra era ensonhar'se como um falc8o< outro como uma coru:a. -e modo que) dependendo do momento do dia) podia ensonhar'se como qualquer um dos dois e) dado que ensonhava desperta) era real e absolutamente um falc8o ou uma coru:a. Javia tal sinceridade e convic78o em seu tom e em seus olhos) que ca2 por completo sob seu encanto. N8o duvidei dela nem por um instante) e nada do que pudesse ter dito me haveria parecido incoerente. Prosseguiu com o tema: LPara levar a cabo um ensonho dessa nature4a as mulheres necessitavam possuir uma disciplina de ferro L e aproximando'se a mim) como se n8o quisesse que as demais escutassem) explicou: LPor disciplina de ferro n8o quero aludir a nenhum tipo de rotina "rdua) ou melhor) as mulheres devem acabar com a rotina do que se espera delas) e devem fa49'lo em sua :uventude) quando suas for7as est8o intactas. &om frequ9ncia) quando as mulheres chegam a uma idade em que :" n8o t9m que ser mulheres) decidem que 1 chegado o momento de preocupar'se com pensamentos e atividades n8o mundanas ou extramundanas. N8o sabem nem querem acreditar que tais empenhos quase nunca t9m 9xito L com suavidade golpeou meu estKmago) como se estivesse tocando um tambor. LB segredo da fortale4a da mulher est" em seu ;tero. Esperan4a moveu sua cabe7a de maneira enf"tica. 3e diria que havia escutado a pergunta boba que invadiu minha mente: 3eu ;tero@ L$s mulheres L continuou L devem come7ar por queimar seu ;tero. N8o podem ser o terreno f1rtil que deve ser fecundado pelo homem) seguindo o mandato do pr.prio -eus. L continuou inspecionando'me de muito perto) sorriu e perguntou. LPor acaso) 1 religiosa@ Neguei com a cabe7a. N8o podia falar) e minha garganta estava t8o constrangida que apenas se conseguia respirar. (e encontrava paralisada pelo medo e o assombro) n8o tanto pelo que me di4ia como pela mudan7a operada nela. 3e me tivessem perguntado sobre isso) n8o teria podido di4er quando mudou) mas de repente seu rosto era :ovem e radiante< parecia que um fogo interno houvesse incendiado seu ser. LIsso 1 bomP L exclamou. L-este modo n8o ter" que lutar contra cren7as que s8o muito dif2ceis de superar. Eu fui criada como uma devota cat.lica) e por pouco n8o morri quando precisei examinar minha atitude frente = religi8o. L suspirou) sua vo4 se tornou nost"lgica e suave quando acrescentou: LIsso n8o foi nada comparado com a batalha que precisei travar antes de converter'me numa ensonhadora fiel. $guardei expectante) respirando apenas) enquanto uma sensa78o bastante pra4erosa) semelhante a uma corrente el1trica) se estendia por todo meu corpo. 3upus que me narraria algo horripilante) a crKnica de sua luta contra criaturas aterrori4antes) e mal pude dissimular meu desencanto quando revelou que a tal batalha foi contra si mesma. LPara converter'me numa ensonhadora precisei vencer ao eu que 1 nosso ser) e nada) absolutamente nada) 1 t8o dif2cil. N.s) as mulheres) somos as mais desgra7adas prisioneiras de nosso ser. T nossa pris8o) feita de ordens e expectativas com as quais nos atordoam desde o momento em que nascemos. ?oc9 sabe como 1: se o primog9nito 1 var8o) o fato se celebra. 3e 1 mulher) h" um encolhimento de ombros e a resignada frase: LEst" bem< por igual irei quer9'la bem) e farei qualquer coisa por ela. Por respeito n8o dei va48o ao meu riso. ,amais em minha vida havia escutado declara7Ces de tal nature4a. Eu me considerava uma mulher independente) mas era .bvio) sob a lu4 do que disse Esperan4a) que minha situa78o era igual = de qualquer outra mulher) e contrariamente ao que tivesse sido minha rea78o normal ante tal conceito) concordei com ela. 3empre se me havia ensinado que minha precondi78o de mulher me obrigava = depend9ncia) e se me ensinou que uma mulher podia considerar'se afortunada se era dese:"vel) para assim conseguir a aten78o dos homens. 3e me disse que competia = minha condi78o de mulher o reali4ar de qualquer tarefa encomendada) e que o lugar da mulher 1 em sua casa) :unto a seu marido e seus filhos. L$ssim como voc9) fui criada por um pai autorit"rio) ainda que compreensivo L continuou Esperan4a L e) como voc9) acreditei ser livre. Para mim) entender a filosofia dos feiticeiros que a liberdade n8o significava ser o eu que era meu ser% foi quase a morte. 3er eu mesma significava afirmar minha feminilidade) e consegui'lo consumia todo meu tempo) esfor7o e energia. $o contr"rio) os feiticeiros entendem a liberdade como a capacidade para fa4er o imposs2vel) o inesperado< ensonhar um ensonho que carece de base e de realidade na vida cotidiana L sua vo4 se converteu de novo num sussurro ao acrescentar: LB excitante e novo 1 o conhecimento dos feiticeiros) e imagina78o 1 o que a mulher necessita para mudar seu ser e converter'se numa ensonhadora. Esperan4a disse que se n8o tivesse conseguido vencer seu ser) s. teria conseguido ter a vida de uma mulher normal: a que seus pais lhe haviam tra7ado) uma vida de derrota e humilha78o) desprovida de todo mist1rio. Ama vida programada pelo costume e a tradi78o. Esperan4a me beliscou o bra7o) e a dor me fe4 gritar. LT melhor que preste aten78o L me sermoneou.

LEu estou L murmurei defensivamente) esfregando o bra7o. Estava certa de que ningu1m notaria meu interesse minguante. LN8o entrar" no mundo dos feiticeiros por ter sido tentada ou enganada L me advertiu. L-eve escolher) consciente do que lhe espera. $s mudan7as de meu estado de Unimo me assombravam pelo irracional que eram. -everia de ter sentido medo) contudo me encontrava tranqMila) como se minha presen7a ali fosse o mais natural do mundo. LB segredo da fortale4a de uma mulher est" em seu ;tero L repetiu Esperan4a) e uma ve4 mais me deu um golpe no estKmago. -isse que as mulheres ensonhavam com seus ;teros ou) melhor) a partir de seus ;teros. B fato de ter ;tero as fa4 ensonhadoras perfeitas. $ntes sequer de que eu conseguisse completar o pensamento por que o ;tero 1 t8o importante@) Esperan4a me deu a resposta. LB ;tero 1 o centro de nossa energia criativa) a tal ponto que) se desaparecessem os machos do mundo) as mulheres continuariam se reprodu4indo) e ent8o o mundo estaria povoado unicamente pela parte feminina da esp1cie humana. L $crescentou que) reprodu4indo'se unilateralmente) as mulheres somente conseguiriam reprodu4ir clones de si mesmas. (e senti genuinamente surpreendida por esta espec2fica mostra de erudi78o) mas n8o pude conter minha interrup78o e di4er a Esperan4a que havia estudado o referente = reprodu78o assexuada e partogen1ica na aula de Biologia. 3e encolheu de ombros e prosseguiu com sua explica78o. L$ mulher) tendo ent8o a habilidade e os .rg8os para reprodu4ir a vida) tamb1m possui a habilidade para produ4ir ensonhos com esses mesmos .rg8os L ao observar a d;vida em meus olhos me advertiu: LN8o se preocupe em como se consegue) a explica78o 1 muito simples) e por ser simples 1 o mais dif2cil de entender. $ mim ainda me causa dificuldades) de modo que) como uma boa mulher) atuo. Ensonho) e deixo as explica7Ces aos homens. Esperan4a adu4iu que originalmente os feiticeiros dos quais me havia falado transmitiam seus conhecimentos a seus descendentes biol.gicos) ou a pessoas de sua pr.pria escolha) mas os resultados haviam sido catastr.ficos. Em lugar de ampliar essa erudi78o os novos feiticeiros) escolhidos por favoritismo arbitr"rio) conspiraram para promover'se a si mesmos. /oram finalmente destru2dos) e essa destrui78o quase extinguiu o conhecimento. Bs poucos sobreviventes decidiram ent8o que no futuro sua sabedoria :amais seria legada a seus descendentes ou a pessoas de sua escolha) sen8o =queles eleitos por um poder impessoal chamado o esp2rito. L $gora tudo isto nos tra4 a voc9. Bs feiticeiros da antiguidade decidiram que somente aqueles predeterminados seriam qualificados. ?oc9 nos foi assinalada) e aqui est"P T uma ensonhadora nata) e depende das for7as que nos regem qual ser" seu futuro caminho. N8o depende de voc9 nem) logicamente) de n.s. 3. pode aceitar ou recusar. ,ulgando pela urg9ncia de sua vo4 e = lu4 especial de seus olhos) era .bvio que Esperan4a me havia fornecido esta informa78o com toda a devida seriedade) e foi isto o que impediu que me risse. $demais) me encontrava demasiado exausta. $ concentra78o mental que precisei para segui'la havia sido por demais intensa. -ese:ava dormir. Ela insistiu em que eu estirasse as pernas e me encostasse para relaxar'me. B fi4 ao ponto de cair adormecida. -espertei sem id1ia do quanto havia dormido. Busquei a reconfortante presen7a de Esperan4a ou das outras mulheres) mas n8o havia ningu1m no p"tio. &ontudo) n8o me senti s.< de alguma maneira sua presen7a continuava vigente em torno de mim) entre a verde folhagem. Ama brisa moveu as folhas) e eu a senti em minhas p"lpebras) morna e suave. 3oprou em torno de mim) e depois passou por cima de mim como passava sobre o deserto) rapidamente) sem som. &om a vista fixa nas la:otas caminhei ao redor do p"tio) procurando entender seu complicado desenho) e me alegrou comprovar que as linhas condu4iam de uma cadeira de :unco = outra. Dentei lembrar quem havia ocupado cada uma das cadeiras) mas meu esfor7o se mostrou in;til. N8o podia record"'lo. (e distraiu um delicioso aroma de comida) real7ado por alho e cebola) e guiada pelo odor cheguei = co4inha) um cKmodo largo e retangular) t8o deserta como o p"tio. B desenho alegre das la:otas me recordava as do p"tio) mas n8o me detive a constatar sua similaridade) pois achei a comida que tinha sobrado sobre uma maci7a mesa de madeira no meio do recinto. Presumindo que era para mim) tomei assento e comi tudo. 3e tratava do mesmo guisado temperado que havia comido com eles. $quecido ficava ainda melhor. $o recolher os pratos) descobri um bilhete e um mapa embaixo de minha esteira de palha. Nele -elia me sugeria regressar a *os Ongeles via Ducson) onde se encontraria comigo em certa cafeteria indicada no mapa. 3omente ali) informava) poderia di4er'me mais acerca de si mesma e de seus amigos. 1A032ULO 6UA2RO $nsiosa por conhecer as revela7Ces de -elia) regressei a *os Ongeles via Ducson) e cheguei = cafeteria ao cair da tarde. Am velho me orientou at1 um espa7o va4io na "rea de estacionamento) e assim) quando abriu a porta de meu ve2culo) consegui reconhec9'lo. L(ariano $urelianoP L exclamei. LNue surpresa. (e alegra tanto v9'lo. Nue fa4 voc9 aqui@ LDe esperava L afirmou. LPor isso meu amigo e eu lhe reservamos este espa7o. Dive uma fuga4 vis8o de um 2ndio corpulento que mane:ava uma velha camionete colorida. -eixava o local no momento em que eu entrava. L*amento que -elia n8o tenha podido vir. Precisou via:ar inesperadamente a Baxaca L disse (ariano $ureliano e me deu um amplo sorriso antes de agregar: LEstou aqui como seu substituto. Espero poder preencher satisfatoriamente o va4io. L?oc9 n8o tem id1ia do quanto encantada que estou em v9'lo L afirmei com toda sinceridade) convencida de que ele) melhor que -elia) poderia me a:udar dando sentido a tudo o que me havia acontecido nos ;ltimos dias. LEsperan4a me explicou que eu estava em uma esp1cie de transe quando conheci a todos voc9s L acrescentei. L-isse isso@ L perguntou com um tom quase ausente.

3ua vo4) sua atitude e todo seu comportamento diferiam tanto da lembran7a que conservava dele) que me dediquei a observ"'lo com deten78o) na esperan7a de descobrir o que havia mudado. B rosto) rudemente esculpido) havia perdido sua ferocidade mas) preocupada por minhas pr.prias inquietudes) desviei meus pensamentos. LEsperan4a me deixou so4inha na casa L prossegui. LEla e todas as mulheres se foram sem sequer se despedir de mim) masS L me precipitei em completar L isso n8o me preocupou) apesar de que normalmente me sinto muito incomodada quando as pessoas n8o s8o cort9ses. LN8o me digaP L exclamou) como se eu houvesse dito algo extremamente importante. Demerosa de que se ofendesse pelo que eu havia dito acerca de suas companheiras) de imediato comecei a explicar'lhe que n8o havia sido minha inten78o acusar a Esperan4a e =s outras de n8o ser amig"veis. L(uito pelo contr"rio L lhe assegurei L) foram o mais cort9ses e carinhosas. L estive a ponto de revelar o que me fora confiado por Esperan4a) mas sua olhada en1rgica me deteve. N8o havia nessa olhada raiva nem amea7a) sen8o uma qualidade penetrante que perfurou minhas defesas) e tive a sensa78o de que tinha acesso = confus8o reinante em minha mente. -esviei o olhar para esconder meu nervosismo) e declarei em tom quase de brincadeira n8o haver me sentido por demais afetada ao ficar so4inha na casa. LB que me intrigou foi que conhecia cada rinc8o do lugar L confessei) e me detive) incerta a respeito do impacto que minhas palavras podiam haver lhe causado. 3eguiu olhando'me fixo. L/ui ao banheiro) e comprovei que havia estado ali antes. B banheiro n8o tem espelhos) e recordei desse detalhe antes mesmo de entrar. -epois lembrei da aus9ncia total de espelhos na casa) percorri cada cKmodo e o confirmei. $o comprovar sua aus9ncia de rea78o ante minhas palavras) lhe confessei que ao escutar a r"dio durante minha viagem = Ducson me havia dado conta de que andava atrasada em um dia) e terminei di4endo) num tom esfor7ado: L-evo ter dormido todo um dia. LN8o dormiu um dia inteiro L assinalou (ariano $ureliano com indiferen7a L) caminhou por toda a casa e falou muito conosco antes de dormir como um tronco. &omecei a rir) um riso pr.ximo ao hist1rico) mas ele n8o pareceu not"'lo. !iu comigo) e isso me relaxou. LNunca durmo como um tronco L me senti obrigada a explicar. L(eu sono 1 muito inst"vel. (ariano $ureliano se calou) e quando retomou a palavra sua vo4 era s1ria e exigente. L*embra de haver sentido curiosidade sobre como as mulheres se vestiam e se penteavam sem a a:uda de espelhos@ N8o me ocorreu nenhuma resposta) e ele prosseguiu. L*embra que lhe pareceu estranho a aus9ncia de quadros nas paredes eS@ LN8o lembro de haver falado com ningu1m L interrompi) para depois observ"'lo com cautela na cren7a de que) talve4) nada mais que para confundir'me) alegaria que eu confraterni4ei com todos nessa casa) quando na verdade nada disso havia acontecido. LN8o lembr"'lo n8o significa que n8o aconteceu L disse laconicamente. 3enti em meu estKmago uma involunt"ria revoada de mariposas. N8o me havia sobressaltado seu tom de vo4) e sim o fato de haver dado resposta =s minhas n8o formuladas perguntas. Na certe4a de que se seguisse falando algo dissiparia minha crescente apreens8o) me embarquei em uma longa e confusa recita78o acerca de meu estado de Unimo. !econstru2 o acontecido e me deparei com buracos na ordem do que ocorreu entre a sess8o curativa e minha viagem = Ducson) pra4o no qual) eu sabia) perdi todo um dia. L?oc9s me est8o fa4endo algo L os acusei) sentindo'me momentaneamente virtuosa L) algo incomum e amea7ante. L$gora est" se portando como uma tonta L e pela primeira ve4 (ariano $ureliano sorriu. L3e algo 1 incomum e amea7ante 1 s. porque 1 novo para voc9. T uma mulher forte) e cedo ou tarde lhe encontrar" o sentido. (e incomodou o uso de mulher. Deria preferido que dissesse garota) acostumada como estava a que pedissem meus documentos para provar que tinha mais de de4esseis anos. -e repente me senti velha. L$ :uventude deve estar unicamente nos olhos de quem contempla L disse como se uma ve4 mais estivesse lendo meus pensamentos. LNuem quer que te olhe deve perceber sua :uventude) seu vigor) mas est" mal que voc9 se sinta uma pequenina. Precisa ser inocente sem ser imatura. Por alguma ra48o inexplic"vel suas palavras excederam minha capacidade de tolerUncia. -ese:ava chorar) n8o por sentir' me ferida) e sim de desalento. Incapa4 de sugerir algo melhor) sugeri comer. LEstou morrendo de fome L anunciei com falso alvoro7o. LIsso n8o 1 verdade L retrucou autorit"rio. LEst" tentando mudar de assunto. 3urpreendida por seu tom e suas palavras olhei'o aterrada) e minha surpresa de imediato se converteu em raiva. N8o s. tinha fome) como tamb1m estava cansada e tensa por causa da longa viagem. -ese:ava gritar) fa49'lo alvo de minha ira e frustra78o) mas seus olhos me impediam todo movimento) esses olhos que n8o piscavam) e pareciam possuir atributos de r1ptil. Por um momento pensei que poderia chegar a devorar'me) do mesmo modo em que uma v2bora devora a um indefeso e hipnoti4ado p"ssaro. $ tens8o por temor e ira alcan7ou tal intensidade que senti o sangue invadindo meu rosto) e soube por uma curiosa e quase impercept2vel eleva78o de sobrancelhas que (ariano $ureliano havia percebido essa mudan7a de cor. -esde muito nova eu havia sofrido terr2veis ataques de mau g9nio) e a n8o ser por procurar acalmar'me) ningu1m havia tentado impedir minha entrega a eles) e eu o fa4ia at1 ao ponto de convert9'los em monumentais ataques de raiva) nunca causados por me ser negado algo que dese:ava fa4er ou possuir) mas sim por indigna7Ces) reais ou imagin"rias) infligidas = minha pessoa. N8o obstante) as circunstUncias desse momento me fi4eram sentir vergonha de meu h"bito. /i4 um esfor7o consciente para controlar'me que quase consumiu todas as minhas for7as) mas me acalmei. LEsteve todo um dia conosco) um dia que agora n8o pode recordar L explicou (ariano $ureliano) pelo visto indiferente aos meus flutuantes estados de Unimo. L-urante esse tempo esteve muito comunicativa e receptiva) o qual nos encantou. Nuando ensonha melhora) e se converte num ser mais atraente) menos geniosa. Nos permitiu conhecer'lhe muito profundamente.

3uas palavras me inquietaram. Por ter crescido defendendo'me e afirmando'me) tal qual fi4) me permitiu ser muito apta em detectar significados ocultos por tr"s das palavras. &onhecer'me muito profundamente me preocupou. Em especial profundamente. 3. podia ter um significado) pensei) mas de imediato o descartei por ser descabido. (e absorvi de tal maneira em meus pr.prios c"lculos que deixei de atentar ao que di4ia. &ontinuava com as explica7Ces do dia perdido por mim) mas apenas captei peda7os isolados) e devo de ter grudado minha vista muito fixamente nele) pois de repente deixou de falar. LN8o est" prestando aten78o L me admoestou severamente. LB que me fi4eram quando estive em transe@ L retruquei) naquilo que) mais que uma pergunta) era uma acusa78o. (e surpreenderam minhas pr.prias palavras por impensadas) e (ariano $ureliano se surpreendeu ainda mais) e quase o afogou o rompante de riso que se seguiu = sua inicial express8o de sobressalto. LPode estar certa de que n8o nos aproveitamos de criancinhas L e n8o s. pareceu di49'lo com sinceridade) sen8o at1 ofendido por minha acusa78o. LEsperan4a lhe disse quem somos: gente muito s1ria. LE depois) num tom brincalh8o) acrescentou: LE levamos a s1rio este neg.cio. LNue tipo de neg.cio@ L exigi belicosamente. LEsperan4a n8o me disse o que queriam de mim. L3ei que o disse L respondeu com tal seguran7a que por um instante me perguntei se n8o haveria estado oculto) escutando nossa conversa no p"tio. Eu o considerava bem capa4 de fa4er isso. LEsperan4a lhe disse que voc9 nos havia sido assinalada L prosseguiu. LE agora isso nos impulsiona) como a voc9 lhe impulsiona o medo. L$ mim n8o me impulsiona nada nem ningu1m L gritei) esquecendo que ainda n8o me havia revelado o que dese:avam de mim. Em apar9ncia indiferente ante minha raiva) disse que Esperan4a havia sido muito clara ao explicar'me que dali em diante eles estavam comprometidos em criar'me. L&riar'meP@ L gritei. L?oc9s est8o loucos. ," recebi toda a cria78o que necessitoP Ignorando meu estouro se dedicou a explicar que o compromisso deles era total) e o fato de que eu o entendesse ou n8o) n8o lhes importava. /iquei olhando'o) incapa4 de ocultar meu medo. ,amais havia escutado a algu1m expressar'se com tanta indiferen7a e ao mesmo tempo com interesse. Num esfor7o por ocultar meu alarme procurei in:etar em minha vo4 um valor que estava longe de sentir) e perguntei: LB que 1 que querem insinuar quando falam em criar'me@ LExatamente o que ouviu L respondeu. LEstamos comprometidos a guiar'te. L(as) por qu9@ L estava nervosa e curiosa ao mesmo tempo. L?oc9 n8o v9 que n8o preciso de dire78o) nem quero queS@ B riso de (ariano $ureliano afogou minhas palavras. LN8o h" d;vida alguma de que necessita dire78o. Esperan4a :" te fe4 ver que sua vida carece de significado L e antecipando minha iminente pergunta me pediu sil9ncio. LE no tocante a por qu9 voc9 e n8o outra pessoa) ela lhe explicou que deixamos ao esp2rito a escolha de quem devemos dirigir) e o esp2rito assinalou voc9. LAm momento) senhor $ureliano L protestei L) n8o quero ser grosseira nem ingrata) mas voc9 precisa entender que n8o busco dire78o. $ simples id1ia me aborrece. ?oc9 entende@ /ui suficientemente clara@ L3im) e compreendo o que quer que eu entenda L e ao di4er isto deu um passo para tr"s para afastar'se de meu dedo em riste L) mas precisamente por n8o dese:ar nada) voc9 se converte na candidata ideal. L&andidata@ L gritei) farta de sua insist9ncia. Blhei ao redor) perguntando'me se aqueles que entravam e sa2am da cafeteria poderiam ter me escutado) e continuei gritando: LB que 1 isto@ ?oc9 e seus companheiros s8o um bando de loucosP -eixem'me em pa4) me ouviu@ N8o preciso de voc9s nem de ningu1m. Para surpresa e m.rbida alegria de minha parte) (ariano $ureliano terminou por irritar'se e se pKs a criticar'me tal como fa4iam meus pais e meus irm8os. &om vo4 controlada) que n8o transcendia ao cen"rio de nossa discuss8o) me insultou) tratando' me de est;pida e de malcriada. -epois) como se o insultar'me lhe desse 2mpeto) disse algo imperdo"vel. 5ritou que minha ;nica fortuna era a de ter nascido loira e de olhos a4uis) numa terra onde esses atributos eram reverenciados. L,amais teve que lutar por nada L assegurou. L$ mentalidade colonial dos mesti7os de seu pa2s fe4 que te olhassem como se merecesse tratamento especial. Am privil1gio baseado na posse de uma cabeleira loira e olhos a4uis 1 o privil1gio mais tonto que pode existir. Eu estava passada) pois :amais fui dos que recebem insultos sem reagir. Bs anos de treinamento familiar para essas batalhas gritadas que mant2nhamos) e as extremamente descritivas vulgaridades aprendidas e nunca esquecidas% nas ruas de &aracas quando era menina) essa tarde me foram de suma utilidade. -isse coisas a (ariano $ureliano que me envergonham at1 o dia de ho:e. Dal era meu estado de nervos que n8o percebi que o 2ndio corpulento condutor da camionete se havia :untado a n.s) e apenas o soube ao escutar sua forte risada. Ele e (ariano $ureliano praticamente estavam no ch8o) segurando as barrigas e gritando alvoro7ados. LB que tem isto de engra7ado@ L gritei ao 2ndio corpulento) a quem tamb1m insultei. LNue mulher t8o boca'su:aP L disse em perfeito ingl9s L) se eu fosse seu pai lhe lavava a boca com "gua e sab8o. LNuem te deu vela neste enterro) gordo de merda@ L e cega de f;ria) dei'lhe um chute no torno4elo. $ dor lhe fe4 soltar um grito) e me insultou. E eu estava a ponto de agarrar'lhe o bra7o e mord9'lo quando (ariano $ureliano me pegou por tr"s e me :ogou no ar. B tempo se deteve. (inha descida foi t8o lenta) t8o impercept2vel) que me pareceu estar suspensa no ar indefinidamente. N8o ca2 em terra com os ossos quebrados como esperava) e sim nos bra7os do 2ndio corpulento. N8o cambaleou ao receber'me) sustentando'me como a uma lev2ssima almofada. &onsegui captar um malicioso reflexo em seus olhos) e tive a certe4a de que me iria lan7ar para cima de novo) mas deve ter intu2do meu temor) pois sorriu e) com suavidade) me depositou no ch8o. Esgotadas minhas for7as e minha ira) me apoiei contra o carro e chorei.

(ariano $ureliano me rodeou com seus bra7os e acariciou minha cabe7a e meu bra7o) tal como fa4ia meu pai quando eu era menina. (urmurando palavras tranquili4antes me assegurou n8o estar nem um pouco incomodado pelas barbaridades que lhe havia gritado. $ culpa) e um sentimento de pena por mim mesma) aumentaram a intensidade de meu choro. $nte isto ele sacudiu a cabe7a num gesto de resigna78o) ainda que seus olhos brilhassem de go4o. -epois) num esfor7o evidentemente destinado a fa4er'me rir) confessou que) contudo) lhe custava acreditar que eu conhecesse um lingua:ar t8o su:o) e menos ainda us"'lo. LBom L cochichou L suponho que a linguagem existe para ser usada) e o lingua:ar su:o para quando as circunstUncias o requerem. 3uas palavras n8o me causaram gra7a) e uma ve4 superado o ataque de auto'compaix8o eu comecei) como era habitual em mim) a remoer sua afirma78o de que a ;nica coisa que eu possu2a era o cabelo loiro e os olhos a4uis. -evo ter revelado algo a (ariano $ureliano acerca de meus sentimentos) pois me assegurou haver dito isso somente para mortificar'me) e que n8o havia nada de certo nisso. 3abia que mentia) e por um momento me considerei duplamente insultada) e depois espantada) ao dar'me conta de que minhas defesas estavam destru2das. Estava de acordo com ele. Javia estado certo em tudo o que havia dito. &om um s. golpe me havia desmascarado) perfurado minha coura7a. Ningu1m) nem sequer meu pior inimigo) :" havia conseguido me aplicar um golpe t8o demolidor) e no entanto) pensasse o que pensasse de (ariano $ureliano) sabia que n8o era meu inimigo. Essa descoberta me produ4iu vertigens) como se uma for7a invis2vel estivesse pressionando algo em meu interior a id1ia de mim mesma. $lgo que costumava fortificar'me agora me esgotava. (ariano $ureliano me pegou pelo bra7o e me condu4iu at1 a cafeteria. L?amos fa4er uma tr1gua L me sugeriu :ovialmente. LPreciso que me fa7a um favor. L?oc9 n8o precisa nada mais do que pedir L respondi) e procurei imitar seu tom. L$ntes que voc9 chegasse pedi um sandu2che na cafeteria) e praticamente se recusaram a me servir. Nuando protestei o co4inheiro me dispensou. Isso acontece por eu ser 2ndio L queixou'se abatido. L-enuncie o co4inheiro para o gerente L sugeri indignada) meus pr.prios problemas misteriosamente esquecidos. LIsso n8o me a:udaria em nada L confessou (ariano $ureliano) e me assegurou que a ;nica maneira em que eu podia a:ud"'lo era entrando na cafeteria para sentar'me no balc8o) pedir um bom almo7o) e deixar cair nele uma mosca morta. LE tacar a culpa no co4inheiro@ L conclui por ele. Dudo me parecia t8o absurdo que acabei rindo) mas ao perceber que falava a s1rio) prometi fa4er o que me pedia. LEspere aqui L disse) e depois) :unto com o 2ndio corpulento que ainda n8o me havia sido apresentado% se encaminharam at1 a camionete roxa) estacionada na rua) para regressar quase de imediato. L$ prop.sito L disse (ariano $ureliano L) este 1 ,ohn. T um 2ndio Quma do $ri4ona. Estava por perguntar se ,ohn tamb1m era feiticeiro) mas (ariano $ureliano se adiantou a mim. LT o membro mais :ovem de nosso grupo. &om um risinho nervoso estendi minha m8o: LEncantada em conhecer'lhe. LIgualmente L retribuiu. 3ua vo4 era profunda) ressonante) e seu aperto de m8os) c"lido. LEspero que voc9 e eu nunca nos agarremos a tapas. $pesar de n8o ser muito alto exalava a vitalidade e a for7a de um gigante. $t1 seus grandes dentes brancos pareciam indestrut2veis. &om Unimo brincalh8o inspecionou meus b2ceps e opinou: L$posto que pode desmontar a um su:eito com um s. soco bem dado. $ntes que pudesse desculpar'me por meus chutes e insultos) (ariano $ureliano pKs uma pequena caixa em minhas m8os. L$ mosca L explicou. L,ohn sugeriu que use isto L e tirou uma peruca negra e enrolada de uma bolsa. LN8o se preocupe) 1 nova em folha L disse) enquanto a acomodava em minha cabe7a. -epois) afastando'se um pouco para inspecionar' me) disse que servia. LN8o est" mal. N8o quero que te reconhe7am L e se ocupou de ocultar minha longa cabeleira loira. LN8o h" necessidade de disfar7ar'me L protestei. LPosso assegurar'lhes que n8o conhe7o a ningu1m em Ducson. L me observei no espelho retrovisor de meu carro. LN8o posso entrar assim) pare7o um poodle. (ariano $ureliano me observava com um exasperante ar divertido) enquanto acomodava uns fios rebeldes. LN8o se esque7a que tem que se sentar no balc8o e gritar como uma louca quando descobrir a mosca em sua comida. LPor qu9@ Blhou'me como se eu fosse uma retardada. LDem que chamar a aten78o e humilhar ao co4inheiro. $ cafeteria estava repleta pelos clientes de primeira hora) mas n8o demorei em arran:ar um lugar no balc8o. Ama cansada mas bem disposta gar7onete pegou meu pedido. 3emi'oculto atr"s da grade dos pedidos pude ver ao co4inheiro) mexicano ou norte'americano de origem mexicana) que desempenhava suas tarefas com tal bom Unimo que tive a certe4a de que era inofensivo) incapa4 de mal2cia alguma< mas ao pensar no velho 2ndio que me aguardava na pra7a de estacionamento) n8o hesitei em esva4iar o conte;do da caixa de f.sforos sobre o hamb;rguer perfeitamente assado que havia pedido) e o fi4 com tal velocidade e dissimula78o que nem sequer os homens sentados de cada lado notaram minha a78o. (eu grito de asco foi aut9ntico) ao ver uma enorme barata morta em minha comida. LB que foi) querida@ L perguntou a gar7onete. L&omo o co4inheiro espera que eu coma isto@ L me queixei. N8o foi necess"rio pretextar raiva. Estava indignada) n8o com o co4inheiro e sim com (ariano $ureliano. L&omo pKde fa4er isto comigo@ L perguntei em vo4 alta. L3. pode ser um horr2vel acidente L explicou a mulher aos dois curiosos clientes que me ladeavam) ao mesmo tempo em que mostrava o prato ao co4inheiro. L/ascinanteP L opinou o co4inheiro em vo4 alta) e co7ando a testa inspecionou o prato. N8o demonstrava preocupa78o alguma) e tive a vaga suspeita de que se ria de mim. LEsta barata ou caiu do teto ouS L e olhou minha cabe7a como se fascinado L Sde sua peruca.

$ntes que eu pudesse demonstrar'lhe minha indigna78o e coloc"'lo em seu lugar) me ofereceu a escolha de qualquer prato do menu. LPor conta da casa L prometeu. Pedi um bife e um caldo quente) o qual me foi tra4ido quase de imediato) e quando estava a ponto de colocar os temperos em minha salada) o qual sempre deixo para o final) descobri uma aranha de respeit"vel tamanho emergindo por debaixo da folha. /oi tal minha surpresa ante a evidente provoca78o que nem sequer pude gritar) e ao levantar os olhos vi ao co4inheiro atr"s da treli7a) acenando'me com a m8o e com um amplo sorriso. (ariano $ureliano me aguardava) impaciente. LB que aconteceu@ L perguntou. L?oc9 e sua asquerosa barataP L disse incisiva. LN8o aconteceu nada. B co4inheiro n8o se incomodou) e se divertiu muit2ssimo) claro que =s minhas custas. $ ;nica que se incomodou fui eu. $ pedido seu) dei a (ariano $ureliano um detalhado informe do acontecido. Nuanto mais eu falava mais parecia divertir'se. -esconcertada por sua rea78o exigi: LB que 1 t8o engra7ado para voc9@ *utou por manter'se s1rio) mas seus l"bios o tra2ram) e o riso inicial se converteu numa explos8o de boas gargalhadas. LN8o pode se levar t8o a s1rio L me repreendeu. LT uma excelente ensonhadora) mas n8o 1 atri4. LN8o estou atuando agora L retruquei defensivamente em vo4 chorosa. LNuero di4er que contava com sua habilidade para ser convincente L esclareceu. LDinha que fa4er o co4inheiro acreditar em algo que n8o era certo. Pensei que poderia fa49'lo. L&omo voc9 se atreve a me criticar@ L gritei. L/a7o o papel de tonta em seu favor) e tudo o que se lhe ocorre di4er 1 que n8o sei atuarP L tirei a peruca e a :oguei longe. LPor certo que agora estou com piolhos. Ignorando meu rompante (ariano $ureliano observou que /lorinda :" lhe havia antecipado que eu era incapa4 de fingir. LD2nhamos que nos assegurar para coloc"'la na reparti78o apropriada L acrescentou. L Bs feiticeiros s8o ou ensonhadores ou espreitadores. L-o que est" falando@ Nue bobagem 1 esta de ensonhadores e espreitadores@ LBs ensonhadores se ocupam de ensonhos L explicou. LBbt9m seu poder e sua sabedoria dos ensonhos. Bs espreitadores) por sua parte) tratam com gente) com o mundo cotidiano) e obt9m sua sabedoria e seu poder atrav1s do com1rcio com seus semelhantes. LEvidentemente voc9 n8o me conhece L disse de maneira depreciativa. LEu sei lidar muito bem com as pessoas. LIsso n8o 1 verdade L me contradisse. L?oc9 mesma :" disse que n8o sabia conversar. T uma boa mentirosa) mas mente s. para conseguir o que dese:a. 3uas mentiras s8o demasiado espec2ficas) por demais pessoais. E sabe por qu9@ L fe4 uma pausa) como para dar'me tempo de responder) mas antes que eu pudesse pensar em algo) continuou: LPorque para voc9 as coisas s8o brancas ou pretas) sem meios tons) e n8o falo em termos de moral mas sim em termos de conveni9ncia< sua conveni9ncia) 1 claro. Ama verdadeira autorit"ria. L (ariano e ,ohn trocaram olhares) depois ambos endireitaram seus ombros) fi4eram soar os saltos de seus sapatos) e fi4eram algo para mim imperdo"vel. Estiraram os bra7os numa sauda78o fascista e gritaram: !ein "#hrer$ Nuanto mais riram mais aumentava minha f;ria. 3enti o sangue 4unindo em meus ouvidos) sufocando meu rosto) e desta ve4 n8o fi4 nada para acalmar'me al1m de chutar meu carro e dar murros na capota. Em ve4 de consolar'me) tal qual teriam feito meus pais ou meus amigos) os dois homens se dedicaram a rir como se eu lhes estivesse proporcionando o espet"culo mais divertido imagin"vel. 3ua indiferen7a) sua total falta de preocupa78o comigo era t8o chocante) que minha ira diminu2a lentamente por si mesma. Nunca havia sido ignorada a tal ponto. 3enti'me perdida) sem capacidade de manobra. Nunca soube) at1 esse dia) que se as testemunhas de meus ataques de raiva se mostravam indiferentes) eu n8o sabia que caminho tomar. L&reio que agora est" confundida. N8o sabe o que fa4er. L (ariano $ureliano disse a ,ohn) e o rodeou com seu bra7o e acrescentou em vo4 baixa mas o suficientemente alta como para que eu escutasse: L$gora vai come7ar a chorar) e quando o fi4er) chorar" at1 que a consolemos. N8o h" nada mais chato que uma putinha malcriada. Isso foi o auge. &omo um touro ferido) baixei a cabe7a e investi contra (ariano $ureliano. Danto lhe surpreendeu meu furioso e inesperado ataque que quase perdeu o equil2brio) o qual me deu tempo suficiente para cravar os dentes na parte carnosa de sua barriga. 3eu grito foi uma mistura de dor e riso. ,ohn me pegou pela cintura para separar'me) mas eu n8o afrouxei a mordida enquanto n8o cedeu minha pr.tese dental. Javia perdido dois de meus dentes superiores frontais aos tre4e anos) numa briga entre os estudantes vene4uelanos e alem8es da Escola $lem8 de &aracas. Bs dois homens riram aos gritos) ,ohn recostado sobre o porta'malas de meu ?ol[s0agen) segurando a barriga e golpeando o carro. LDem um rombo entre os dentes como um :ogador de futebolP L conseguiu articular entre alaridos. (inha vergonha superou toda descri78o. Dal era minha raiva que meus :oelhos se afrouxaram. &a2 ao ch8o como uma boneca de trapo e desmaiei. Nuando recuperei os sentidos estava sentada dentro da camionete. (ariano $ureliano me pressionava as costas e) sorrindo) acariciava repetidas ve4es minha cabe7a. -epois me abra7ou. (e surpreendeu minha aus9ncia de emo78o< n8o me sentia enraivecida nem envergonhada. Estava relaxada) em pa4) dona de uma serenidade) de uma tranquilidade nunca experimentada anteriormente. Pela primeira ve4 em minha vida me dei conta de que :amais havia estado em pa4 comigo nem com os outros. L5ostamos muito de voc9 L disse (ariano $ureliano L) mas precisa se curar desses ataques. 3e n8o o fi4er eles te matar8o. -esta ve4 foi culpa minha) e preciso pedir perd8o por ela. Eu te provoquei deliberadamente. (e encontrava por demais tranquila para responder. -esci da camionete para estirar bra7os e pernas. 3entia cUimbras nas panturrilhas. -epois de um tempo lhes pedi desculpas a ambos) e lhes disse que meu car"ter havia piorado desde que passei a tomar bebidas gasosas compulsivamente. LEnt8o deixe de fa49'lo L sugeriu (ariano $ureliano. -epois mudou por completo de assunto e seguiu como se nada houvesse acontecido. -isse estar muito contente por eu ter'me unido a eles. L-e verdade@ L perguntei sem compreender. LEu me uni a voc9s@

L$ssim 1. Am dia tudo ter" sentido para voc9 L e me assinalou um bando de corvos que nos sobrevoavam. LBs corvos s8o um bom press"gio. Blhe como s8o lindos. &omo uma pintura no c1u. ?9'los agora 1 uma promessa de que n.s nos veremos de novo. /iquei olhando aos p"ssaros at1 que desaparecessem. Nuando me voltei para olhar a (ariano $ureliano :" n8o estava ali. $ camionete se havia ido sem sequer um ru2do.

1A032ULO 1IN1O 3em me importar com as aranha7as me lancei atr"s do c8o que) a grande velocidade) se enfiava por entre os arbustos de $rtem2sia. -e s;bito perdi de vista sua pelagem dourada) e segui a pista de seus latidos) cada ve4 mais fracos na distUncia. Intranquila) observei a grossa n1voa avan7ando para mim) para cerrar'se em torno do lugar onde me encontrava) e em poucos momentos o c1u se apagou. $ suavi4ada bola do sol declinante da tarde era apenas avistada) e a magn2fica vista da ba2a de 3anta (Knica) agora mais imaginada que vista a partir das montanhas de 3anta 3usana) havia desaparecido com incr2vel rapide4. N8o me preocupava a perda do cachorro) mas n8o tinha id1ia de como regressar ao apartado local escolhido por meus amigos para o piquenique) nem onde se encontrava o caminho de pedestres que tomei para perseguir ao animal. Encaminhei uns passos inseguros na mesma dire78o tomada pelo cachorro quando algo me deteve. -escendendo desde alguma abertura na n1voa vi como um pequeno ponto luminoso ca2a at1 mim. Butro o seguiu) depois outro) semelhantes a pequenas chamas atadas a uma linha< tremiam e vibravam no ar para extinguir'se :usto antes de me alcan7ar) como tragadas pela n1voa. -ado que desapareceram a poucos metros diante de mim) me aproximei dese:osa de examinar o extraordin"rio espet"culo) e perfurando a n1voa com a vista) vi desli4arem'se umas escuras figuras humanas) suspendidas no ar a curta distUncia do s.lo como se caminhassem nas pontas dos p1s sobre as nuvens. Ama atr"s da outra se agacharam at1 formar um c2rculo. Ensaiei uns passos vacilantes para depois deter'me quando a n1voa ficou mais espessa e tragou as figuras. Permaneci im.vel) sem saber o que fa4er) v2tima de um estranho medo) n8o o conhecido) e sim um medo que afetava o corpo) o estKmago) o tipo de medo que os animais devem experimentar. N8o sei quanto tempo permaneci ali. Nuando a n1voa levantou'se o suficiente descobri = minha esquerda) a uns vinte e tantos metros) dois homens sentados no ch8o com as pernas cru4adas. &ochichavam) e o som de suas vo4es parecia vir de todas as dire7Ces) presas em pequenas capas de n1voa semelhantes a tufos de algod8o. N8o lhes entendi) mas uma ou outra palavra chegada aos meus ouvidos me produ4iu tranquilidade< falavam espanhol. LEstou perdidaP L gritei. $mbos se viraram com lentid8o) hesitantes e incr1dulos) como quem v9 a uma apari78o. Blhei atr"s de mim para ver se algu1m que estivesse ali fosse o causador de sua dram"tica rea78o. N8o havia ningu1m. 3orrindo) um dos homens se levantou. Estirou seus membros at1 fa4er estalar suas articula7Ces) e depois) com r"pidos passos percorreu a distUncia entre n.s. Era :ovem) de baixa estatura e forte constitui78o: ombros poderosos e cabe7a grande. 3eus olhos escuros irradiavam uma divertida curiosidade. -isse'lhe que passeava com amigos e me havia perdido perseguindo seu c8o. L$gora n8o sei como :untar'me de novo a eles. LPor aqui n8o se pode seguir L me advertiu. LEstamos parados sobre um penhasco L e com grande seriedade me pegou pelo bra7o e me condu4iu = pr.pria borda do precip2cio) distante n8o mais de uns tr9s metros de onde eu havia estado parada. LEste amigo L e assinalou ao outro homem que havia permanecido sentado L acabava de contar'me que abaixo h" um velho cemit1rio ind2gena) quando voc9 apareceu e quase nos matou de susto. ?oc9 1 sueca@ L perguntou) estudando meu rosto e minha longa tran7a loira. $inda confusa com o que foi dito pelo :ovem acerca do cemit1rio) fixei minha vista na n1voa. 3ob circunstUncias normais) como estudante de antropologia) me haveria entusiasmado a id1ia do cemit1rio ind2gena) mas nesse momento pouco me importava o que havia abaixo nessa cavidade enevoada. $ ;nica coisa em que conseguia pensar era que) de n8o me haver distra2do essas lu4es) eu poderia ter terminado enterrada ali. L?oc9 1 sueca@ L insistiu. L3im L menti) e de imediato o lamentei) mas n8o podia pensar em como desdi4er'me sem perder prest2gio. L/ala castelhano com perfei78o L comentou. LBs suecos possuem uma maravilhosa facilidade para os idiomas. $pesar de sentir'me muito culpada) n8o pude fa4er nada menos que acrescentar que) mais que um dom) era uma necessidade para os escandinavos aprender v"rios idiomas) se dese:avam comunicar'se com o resto do mundo. L$demais L confessei L) me criei na $m1rica do 3ul. Por alguma estranha ra48o esta informa78o pareceu desorient"'lo. 3acudiu a cabe7a) como para exteriori4ar sua d;vida< depois permaneceu um longo tempo em sil9ncio) absorto em seus pensamentos. *ogo ap.s) como se houvesse chegado a uma decis8o) me pegou pela m8o e me levou :unto ao outro homem que permanecia sentado. N8o era minha inten78o entregar'me = sociabilidade. Nueria :untar'me com meus amigos o mais r"pido poss2vel) mas o :ovem me deixou t8o envaidecida) que em lugar de pedir'lhe que me condu4isse ao caminho de pedestres) lhe ofereci uma detalhada vers8o das lu4es e das figuras humanas que acabara de ver. LNue raro que o esp2rito tenha lhe a:udado L murmurou o homem sentado como para seus botCes) fran4indo o cenho) mas era .bvio que se dirigia a seu companheiro) que respondeu com outro inintelig2vel murm;rio) e trocaram olhares que intensificaram minha inquietude. LPerd8o@ L disse) dirigindo'me ao homem sentado. LN8o entendi o que disse. Blhou para mim de modo agressivo. L/oi advertida do perigo L anunciou em vo4 grave e ressonante. LBs emiss"rios da morte vieram em seu aux2lio. LNuem@ L me senti obrigada a perguntar) apesar de ter lhe entendido perfeitamente bem.

Blhei'o de perto) e por um momento tive a certe4a de que o conhecia bem) mas ao completar meu estudo cheguei = conclus8o de n8o t9'lo visto :amais) apesar de n8o poder descartar a impress8o inicial. N8o era t8o :ovem como o outro) embora tampouco velho) e sem d;vida alguma era 2ndio) de te4 escura) cabelo negro e liso da grossura de uma escova. (as n8o era seu aspecto exterior o que o fa4ia familiar. Era mal humorado como s. eu podia ser. Pelo visto meu exame o incomodou) pois ficando de p1 abruptamente) anunciou que me levaria para :unto de meus amigos. L3iga'me) e n8o se atreva a cair. &airia encima de mim e ambos nos matar2amos L disse em tom pouco am"vel) e antes de dar'me a oportunidade de responder que n8o era uma tonta) se adiantou por um pronunciado declive na dire78o oposta ao penhasco. L3abe aonde vai@ L gritei'lhe) revelando na vo4 meu nervosismo. N8o podia orientar'me nunca fui boa para isso%) mas n8o achei estar subindo um monte quando persegui ao c8o. B homem se virou) o rosto iluminado por um sorriso) apesar de que seus olhos n8o sorriram. (e lan7ou um olhar p1treo. LDe levarei para com seus amigos L foi tudo o que disse. N8o me agradava o su:eito) mas sem d;vida acreditava nele. N8o era muito alto) talve4 um metro e setenta) e de ossos pequenos) apesar do qual seu corpo impressionava por ser maci7o e compacto. 3e movia com muita confian7a na n1voa) pisando com gra7a e facilidade naquilo que eu acreditava ser uma baixada vertical. B homem mais :ovem desceu atr"s de mim) a:udando'me em cada uma de minhas dificuldades. Dinha as polidas maneiras de um velho cavalheiro. 3uas m8os eram suaves ao tato) por1m fortes) bonitas e de tremendo poder. ?"rias ve4es) com grande facilidade) al7ou'me por cima de sua cabe7a) talve4 n8o uma grande fa7anha dado meu peso escasso) mas impressionante posto que est"vamos parados sobre beiradas de argila) e ele s. era mais alto que eu por quatro ou cinco cent2metros. LPrecisa agradecer'lhes) aos emiss"rios da morte L ordenou o que havia encabe7ado nossa travessia) nem bem alcan7amos terra plana. L3im@ L perguntei) 4ombando< a mera id1ia me parecia rid2cula. L-evo a:oelhar'me@ L perguntei entre risadas. $o homem n8o lhe pareceu t8o gracioso. &om os bra7os na cintura me olhou nos olhos sem sorrir. Javia um qu9 amea7ante em seu porte) em seus escuros olhos inclinados) que olhavam sob sobrancelhas hirsutas que se uniam sobre a ponte de seu nari4 esculpido. -e improviso me deu as costas e se afastou) para sentar'se sobre uma rocha pr.xima. LN8o podemos nos ir daqui at1 que voc9 agrade7a aos emiss"rios da morte L repetiu. -e repente me preocupou a comprova78o de estar s. num lugar perdido) prisioneira da n1voa e :unto com dois homens estranhos) um deles talve4 perigoso) que n8o se moveria do lugar se para tanto eu n8o cumprisse sua rid2cula exig9ncia) mas) que surpresaS em lugar do temor) senti vontade de rir. B sorriso compreensivo do homem :ovem revelava =s claras que sabia como eu me sentia) o qual lhe causava grande pra4er. LN8o precisa chegar ao extremo de a:oelhar'se L disse) depois do qual) incapa4 de controlar seu rego4i:o) soltou uma risada alegre que soava como se pequenos seixos ca2ssem em torno. 3eus dentes eram imaculadamente brancos e paralelos) como os de uma crian7a) e seu rosto por sua ve4 doce e travesso. LBasta apenas di4er obrigado L aconselhou. L-iga'o. B que pode perder com isso@ L(e sinto boba L confessei) procurando de forma deliberada ganh"'lo para meu lado. LN8o o farei. L depois) entre risos) repeti: LEu sinto muito) mas n8o posso fa49'lo. 3ou assim. Enquanto algu1m me insiste que fa7a algo que n8o quero fa4er) me ponho tensa e irritada. &om a vista fixa no ch8o) a testa descansando sobre os n.s dos dedos) moveu a cabe7a em sinal de estar ponderando o assunto. LT um fato que algo impediu que voc9 se machucasse) talve4 at1 que se matasse. $lgo inexplic"vel. Estive de acordo) e ainda admiti que tudo me parecia muito estranho. Inclusive tentei exibir'me falando sobre um fato fortuito que) por coincid9ncia) acontece no lugar certo e na hora certa. LDudo isso est" muito bem) mas n8o explica seu caso particular L e me deu um carinhoso golpe na testa. L?oc9 recebeu um presente) chame ao doador de coincid9ncia) circunstUncia) cadeia de acontecimentos ou o que se:a) mas o fato 1 que voc9 n8o foi ferida e nem sofreu dor alguma. LDalve4 tenha ra48o L concedi. L-everia mostrar'me mais agradecida. LN8o mais agradecida) mais flex2vel) mais fluida L opinou rindo) e vendo a raiva que se gestava em mim) abriu bem os bra7os como para abarcar os arbustos de $rtem2sia que nos rodeavam. L(eu amigo acredita que o que voc9 viu tem rela78o com o cemit1rio ind2gena que por certo est" aqui. LN8o ve:o nenhum cemit1rio L respondi na defensiva. LT dif2cil de reconhecer) e n8o 1 a n1voa o que impede de v9'lo. (esmo em dias de sol a ;nica coisa que se v9 s8o os arbustos. L se a:oelhou) e me olhou com um sorriso. LN8o obstante) para o olho conhecedor) se trata de um grupo de arbustos de forma ins.lita. L se deitou no ch8o) sobre o estKmago) a cabe7a virada para a esquerda) indicando'me para fa4er o mesmo. LEsta 1 a ;nica forma de v9'lo com claridade L explicou.LEu n8o o saberia a n8o ser por meu amigo) que conhece todo tipo de coisas interessantes. Inicialmente n8o vi nada< depois) uma por uma) descobri as rochas entre o espesso mato. Escuras e brilhantes) como se a n1voa as houvesse lavado) estavam reunidas em c2rculo) e mais pareciam criaturas que pedras) e quando me dei conta de que eram id9nticas =s figuras humanas vistas entre a n1voa) precisei reprimir meu grito. L$gora estou assustada de verdade L murmurei. LEu lhes disse que vi figuras humanas sentadas em c2rculo L e tratei de procurar em seu rosto rep;dio ou ironia) antes de acrescentar: LT demasiado inaudito) mas quase :uraria que essas rochas s8o as pessoas que vi. LEu sei disso L falou em vo4 t8o baixa que precisei me aproximar. LDudo 1 muito misterioso. (eu amigo) que como voc9 :" ter" notado) 1 2ndio) disse que certos cemit1rios ind2genas t9m um c2rculo ou uma fila de pedras. Essas pedras s8o os emiss"rios da morte L me observou com deten78o) e depois) como para assegurar'se de minha total aten78o) confessou: LDome nota. 38o os emiss"rios) n8o a representa78o dos emiss"rios.

/ixei minha vista no homem) n8o s. porque n8o sabia bem como interpretar suas palavras) e sim pelo fato de que esse rosto mudava = medida que ele falava e sorria. Por1m n8o eram os tra7os os que mudavam) era o rosto que um minuto era o de um menino de seis anos) depois de um adolescente de de4essete) e tamb1m o de um velho. L38o cren7as estranhas L continuou) indiferente a meu olhar inquisidor. LEu n8o lhes dei maior cr1dito at1 o momento em que voc9 apareceu de improviso) quando meu amigo me falava dos emiss"rios da morte e :ustamente vem voc9 nos di4endo que acabara de v9'los. 3e eu fosse dado = suspeitas L e seu tom se tornou subitamente amea7ador L diria que voc9 e ele est8o confabulados. LN8o o conhe7oP L me defendi) a simples suspeita me indignava. -epois) em vo4 baixa) para que s. ele pudesse me escutar) acrescentei: LPara ser'lhe franca) seu amigo me d" medo. L 3e eu fosse dado = suspeitas L repetiu o :ovem) ignorando minha interrup78o L) acreditaria que voc9s dois est8o tratando de assustar'me. (as sou confiante) de modo que o ;nico que posso fa4er 1 suspender todo :u24o e dese:ar saber mais sobre voc9. LEu n8o quero que saiba nada de mim L disse com irrita78o L e de qualquer :eito n8o sei de que merda voc9 fala. L olhei'o furiosa. N8o simpati4ava com seu dilema) pois tamb1m ele me estava inspirando medo. LEst" falando de agradecer aos emiss"rios da morte L disse o homem maior que havia chegado onde eu estava) e me olhava de maneira estranha. -ese:osa de abandonar o lugar e a esses dois loucos) fiquei de p1 e gritei meu agradecimento. (inha vo4 rebateu no mato rasteiro) que parecia ter se convertido em rocha) e a escutei at1 que o eco se extinguiu. -epois) como possu2da) e fa4endo algo que meu bom :u24o censuraria) gritei meu agradecimento uma e outra ve4. LEstou certo de que os emiss"rios est8o mais que satisfeitos L opinou o :ovem) golpeando minha panturrilha e deixando'se cair ao ch8o para rir =s gargalhadas. Eu n8o duvidei por um instante que) apesar da leviandade de meu gesto) havia de fato agradecido aos emiss"rios da morte e) curiosamente) me sentia protegida por eles. LNuem s8o voc9s@ L perguntei) dirigindo'me ao mais :ovem dos dois homens. Num salto "gil se pKs de p1. LEu sou ,os1 *uis &orte4) meus amigos me chamam ,oe L e me estendeu a m8o L) e este aqui) 1 meu amigo 5umersindo Evans Pritchard. Demendo soltar uma risada mordi os l"bios e comecei a co7ar o :oelho. LJ" de ser uma pulga L disse'lhes) olhando de um para outro. $mbos devolveram meu olhar) desafiando'me a 4ombar do nome) e tal era a seriedade de suas expressCes que meu riso se desvaneceu. 5umersindo Evans'Pritchard pegou minha m8o e a sacudiu com vigor. LEncantado em conhec9'la L disse em perfeito ingl9s de classe alta britUnica. LPor um momento pensei que voc9 era uma dessas mulher4inhas est;pidas e presun7osas sem outra gra7a que n8o a boceta. Em un2ssono meus olhos e minha boca se dilataram. $pesar de intuir que suas palavras mais continham um elogio que um insulto) meu choque foi t8o intenso que fiquei como paralisada) apesar de ser capa4 de competir com quem fosse no uso de lingua:ar su:o) mas a palavra boceta co%o% me soou t8o espantosamente ofensiva que fiquei privada da fala. ,oe veio em meu aux2lio. -esculpou ao seu amigo com a explica78o de que era um iconoclasta social extremado) e antes de permitir'me a oportunidade de di4er que 5umersindo havia feito em pedacinhos meu sentido de dec9ncia e de boas maneiras) acrescentou que a compuls8o de 5umersindo a ser iconoclasta se devia a ser seu sobrenome Evans'Pritchard. LN8o deveria surpreender a ningu1m. 3eu pai 1 um ingl9s que abandonou = sua m8e) uma 2ndia de ,alisco) antes de 5umersindo nascer. LEvans'Pritchard@ L repeti cautelosamente) e depois perguntei a 5umersindo se era correto permitir a ,oe revelar a uma estranha seus segredos de fam2lia. LN8o h" segredos de fam2lia L respondeu ,oe por seu amigo L e sabe por qu9@ L e fixou em mim seus olhos escuros e brilhantes) que n8o eram negros nem castanhos) e sim da cor de cere:as maduras. 3acudi a cabe7a em gesto de desamparo) minha aten78o presa ao seu olhar insistente) onde um olho parecia rir de mim) enquanto o outro se mantinha s1rio) agourento e amea7ador. LPorque o que voc9 chama segredos de fam2lia constitui a fonte de energia de 5umersindo. 3abia que seu pai 1 agora um famoso antrop.logo ingl9s@ 5umersindo o odeia. &om um gesto quase impercept2vel de cabe7a) como orgulhoso de seu .dio) 5umersindo aprovou. N8o podia acreditar em minha boa sorte. Estavam se referindo a E. E. Evans'Pritchard) um dos antrop.logos sociais mais importantes do s1culo \\) e era precisamente nesse semestre na universidade que eu estava preparando um trabalho sobre antropologia social) e sobre os mais eminentes investigadores nesse campo. Nue sorte a minhaP Precisei reprimir a tenta78o de gritar e saltar de alegriaP -escobrir semelhante segredo: um grande antrop.logo que sedu4 e abandona a uma mulher 2ndia. Pouco importava que Evans'Pritchard n8o tenha trabalhado no (1xico era mais conhecido por suas investiga7Ces na ]frica%) pois estava certa de descobrir que durante alguma de suas visitas aos Estados Anidos havia estado no (1xico. Dinha a prova diante de meus olhos. &om um sorriso suave nos l"bios contemplei a 5umersindo) e me fi4 uma secreta promessa de n8o revelar nada sem sua permiss8o. Bom) talve4 eu dissesse algo a algum dos professores: depois de tudo) uma pessoa n8o topava todos os dias com este tipo de informa78o. $s possibilidades giravam em minha mente. Dalve4 uma conversa 2ntima com alguns estudantes selecionados na casa de um de meus professores. $t1 selecionei o professor) algu1m que n8o me ca2a muito bem) e que tinha uma maneira um tanto infantil de querer impressionar a seus alunos. Nos encontr"vamos de tanto em tanto em sua casa) onde cada ve4 descobria sobre sua escrivaninha) como deixada ao acaso) uma nota dirigida a ele pelo famoso antrop.logo &laude *1vi'3trauss. LN8o nos disse seu nome L recordou ,oe) puxando'me suavemente pela manga. L&armen 5ebauer L respondi sem titubear) dando o nome de uma amiga de minha infUncia) e para abrandar minha culpa e incKmodo por ter mentido) perguntei a ,oe se era da $rgentina) e ao observar sua express8o confusa me apressei a acrescentar que seu sotaque era definitivamente argentino) ainda que n8o parecesse um argentino) completei.

L3ou mexicano L disse L) e :ulgando por seu sotaque) voc9 foi criada em &uba ou na ?ene4uela. N8o quis seguir essa linha de conversa78o) de modo que mudei de assunto com rapide4. L3abe como voltar ao caminho de pedestres@ L perguntei) subitamente consciente de que meus amigos podiam estar preocupados por mim. LEu n8o L confessou ,oe com candura infantil L) mas meu amigo 5umersindo Evans'Pritchard sim. 5umersindo nos guiou atrav1s do chaparral) por uma estreita trilha do outro lado da montanha) e n8o demoramos muito em ouvir as vo4es de meus amigos e ao latido de seu cachorro. Experimentei um intenso al2vio) mas ao mesmo tempo me desiludiu e desagradou o fato de que nenhum dos dois mostrava'se interessado em se comunicar de novo comigo. LBom) 1 certo que voltaremos a nos ver L se despediu ,oe desinteressadamente) e 5umersindo Evans'Pritchard me surpreendeu bei:ando galantemente minha m8o) e o fe4 de maneira t8o natural e graciosa que n8o me ocorreu rir. LEst" em seus genes L explicou ,oe. L$pesar de ser s. meio ingl9s) seu refinamento 1 impec"vel. T um perfeito gal8P 3em mais delongas ambos desapareceram na n1voa) e duvidei muito se os veria de novo. -e repente me senti muito culpada por haver mentido sobre meu nome) e estive a ponto de correr atr"s deles) mas o cachorro de meus amigos me derrubou no ch8o ao tratar de saltar para lamber'me a cara. 1A032ULO SEIS &onfusa) examinei ao orador convidado. $:eitado em seu terno) rec1m barbeado e com seu cabelo curto e enrolado) ,oe &orte4 parecia algu1m de outra 1poca entre os estudantes de cabelo longo) barbudos) carregados de enfeites e vestidos com neglig9ncia) que lotavam um dos grandes salCes'audit.rio da Aniversidade da &alif.rnia) em *os Ongeles. $comodei'me no assento va4io da ;ltima fila) que me havia reservado a amiga com quem fi4 o passeio pelas montanhas de 3anta 3usana. LNuem 1@ L perguntei. (inha amiga sacudiu a cabe7a) impaciente e incr1dula) e rabiscou &arlos &astaneda num peda7o de papel. LE quem diabos 1 &arlos &astaneda@ LDe dei seu livro L respondeu) e depois acrescentou que era um antrop.logo muito conhecido) que havia levado = cabo extensas investiga7Ces no (1xico. Estava a ponto de confiar = minha amiga que o orador era a mesma pessoa que conheci nas montanhas no dia em que me perdi) mas por uma ra48o muito boa n8o o fi4. Esse homem era respons"vel pela quase ruptura de nossa ami4ade) a qual eu valori4ava sobremaneira. (inha amiga insistia obstinadamente em catalogar a hist.ria do filho de Evans'Pritchard como uma conversa fiada. Eu insistia que nenhum dos dois homens ganharia nada em mentir. 3abia que de maneira ing9nua haviam dito a verdade) por1m minha amiga) indignada) me rotulou de tonta e de cr1dula. ," que nenhuma das duas estava disposta a ceder) a discuss8o se fe4 agitada) e o marido de minha amiga) numa tentativa para acalmar'nos) havia sugerido que talve4 eu di4ia a verdade) e minha amiga) irritada ante essa falta de solidariedade) lhe havia ordenado aos gritos que se calasse. /i4emos a viagem de regresso num sil9ncio hostil) a ami4ade sob tens8o) e precisamos de duas semanas para restabelecer a cordialidade. Entretanto eu fi4 averigua7Ces entre v"rias pessoas a respeito do filho de Evans'Pritchard) pessoas mais versadas em antrop.logos e antropologia que minha amiga e eu) e folga di4er que me fi4eram cair como uma idiota. Bbstinada) persisti em minha vers8o de que s. eu conhecia a verdade. (e haviam criado para ser pr"tica: se algu1m mentia) devia ser para obter uma vantagem de outro modo inalcan7"vel) e n8o chegava a entrever qu9 vantagem pretendiam obter esses homens com a sua. Prestei pouca aten78o = confer9ncia de &arlos &astaneda) demasiado absorta em tratar de sondar sua ra48o para mentir' me sobre seu nome. -ada minha tend9ncia a dedu4ir os motivos alheios a partir de uma simples dedu78o ou observa78o) se mostrava muito problem"tico neste caso dar com uma pista satisfat.ria) mas depois lembrei que tamb1m eu havia dado um nome falso) e n8o podia explicar'me a ra48o. $p.s uma longa delibera78o mental decidi que havia mentido porque automaticamente n8o havia confiado nele. Eu o achei demasiado seguro de si mesmo) demasiado presun7oso para inspirar'me confian7a. (inha m8e me havia ensinado a desconfiar dos homens latinos) em especial se n8o se mostravam humildes. &ostumava di4er que os machos latinos eram como os galos de rinha) interessados unicamente em brigar) comer e fa4er amor) nessa ordem) e suponho que acreditei nela sem prestar aten78o ao assunto. Por fim olhei para &arlos &astaneda. 3uas palavras n8o tinham para mim nem p1 nem cabe7a) mas me fascinaram seus movimentos. Parecia falar com todo o corpo) e suas palavras) mais que sair de sua boca) davam a impress8o de surgir de suas m8os) as quais movia com a gra7a e a habilidade de um m"gico. Procurei'o ao terminar a confer9ncia. !odeado por estudantes) se mostrava t8o sol2cito e am"vel com as mulheres que automaticamente o depreciei. L(e mentiu acerca de seu nome) ,oe &orte4 L disse'lhe em castelhano) apontando'lhe um dedo acusador. 3egurando o estKmago com as m8os) como se houvesse recebido um golpe) me olhou com a mesma express8o vacilante e incr1dula que mostrou quando pela primeira ve4 nos vimos na montanha. LDamb1m 1 mentira que seu amigo 5umersindo 1 filho de Evans'Pritchard) n8o 1@ L emendei antes que conseguisse repor'se de sua surpresa. &om um gesto de s;plica me pediu para n8o continuar) mas n8o parecia em absoluto envergonhado. Javia em seus olhos tal olhar de surpresa que minha ira :ustificada se desvaneceu. &om suavidade me pegou por uma m8o) como se temendo que o abandonasse. Nuando terminou com os estudantes me condu4iu em sil9ncio at1 um banco afastado) sombreado por um gigantesco pinheiro. LDudo isto 1 t8o surpreendente que me deixou sem fala L disse em ingl9s ao sentarmos) olhando'me como se ainda n8o pudesse crer que me tinha sentada ao seu lado. LN8o pensei que lhe encontraria de novo L disse em tom meditativo. L -epois que voc9 se foi) meu amigo) cu:o nome em tudo isto 1 Nestor) e eu falamos muito de voc9) e chegamos = conclus8o de que era uma semi'apari78o. L (udou de repente ao espanhol e confessou que inclusive haviam regressado ao lugar onde me deixaram na esperan7a de encontrar'me.

LPor que queria encontrar'me@ L perguntei em ingl9s confiada em que responderia nesse idioma% que o havia feito porque gostava de mim. Em castelhano n8o h" modo de di4er que uma pessoa simplesmente gosta de outra) a resposta precisa ser mais enfeitada e ao mesmo tempo mais precisa. Em castelhano uma pessoa pode arriscar um manso me caes 'ien, ou despertar paix8o total com me gustas. (inha inocente pergunta o mergulhou num longo sil9ncio. Parecia estar debatendo consigo entre falar ou n8o. Por fim disse que o encontrar'me na n1voa naquela tarde o havia transtornado) e seu rosto revelava isso ao di49'lo) assim como sua vo4) quando acrescentou que me encontrar na sala de confer9ncias havia representado a culmina78o. LPor qu9@ L perguntei) agu7ada em minha vaidade) mas de imediato lamentei de ter perguntado) pois estava convencida de que confessaria estar perdidamente apaixonado de mim) e isso me perturbaria por n8o saber o que responder. LT uma longa hist.ria L respondeu) ainda pensativo. /e4 um tre:eito com a boca. Parecia estar falando so4inho) ensaiando a pr.xima coisa a di4er. Eu reconhecia os sinais do su:eito a ponto de proferir: LN8o li nada seu L disse) visando desviar do tema. LB que voc9 fa4@ LEscrevi um par de livros sobre a feiti7aria. LNue tipo de feiti7aria@ ?ud;) espiritualismo ou o que@ L3abe algo sobre feiti7aria@ L perguntou) com uma nota de expectativa na vo4. LT claroS cresci com ela. Passei bastante tempo na regi8o costeira da ?ene4uela) "rea famosa por seus feiticeiros. Eu passava a maior parte de meus verCes com uma fam2lia de bruxos. LBruxos@ L3im L respondi) contente com sua rea78o. LEu tinha uma bab" que era bruxa) uma negra de Puerto &abello que me cuidou at1 a adolesc9ncia. (eus dois pais trabalhavam) e quando eu era menina me deixavam aos seus cuidados. Ela me mane:ava melhor que a qualquer um dos dois) me deixava fa4er o que queria. (eus pais) naturalmente) deixavam que ela me levasse por onde dese:asse) e durante as f1rias escolares ela me levava para visitar sua fam2lia) n8o sua fam2lia biol.gica e sim sua fam2lia de bruxos. N8o me permitiam participar de seus rituais nem sessCes de transe) contudo ainda assim consegui ver bastante. ,oe me olhou com curiosidade) como se n8o me acreditasse. -epois perguntou sorridente: LB que 1 que fa4ia dela uma bruxa@ LDodo tipo de coisas. (atava galinhas e as oferecia aos deuses em troca de favores. Ela e seus companheiros bruxos) homens e mulheres) dan7avam at1 cair em transe) e ela recitava encanta7Ces secretas que tinham o poder de curar a seus amigos e de fa4er danos a seus inimigos. 3ua especialidade eram as po7Ces de amor. $s preparava com todo tipo de plantas medicinais e res2duos humanos) como sangue menstrual) restos de unhas e cabelo) em especial pelos p;bicos. &onfeccionava amuletos de boa sorte para o :ogo e para as coisas de amor. LE seus pais permitiam isso@ LEm casa ningu1m sabia disso) exceto 1 claro minha bab") seus clientes e eu. /a4ia visitas a domic2lio como qualquer m1dico) mas em casa se limitava a acender velas no toalete dos fundos quando eu tinha pesadelos) e dado que parecia surtir efeito e n8o havia perigo de inc9ndio) por causa dos a4ule:os) minha m8e lhe concedia ampla liberdade para fa49'lo. 3ubitamente ,oe ficou de p1 e come7ou a rir. LB que tem de engra7ado@ L pensei que talve4 suspeitasse que eu o havia inventado. LDe asseguro que 1 verdade. L?oc9 afirma algo e) enquanto lhe di4 respeito) isso se converte em verdade L e a express8o de seu rosto era serena. L(as 1 verdade L insisti) certa de que se referia = minha bab". LEu ve:o atrav1s das pessoas L assegurou com calma. LPor exemplo) ve:o que est" convencida de que lhe vou declarar meu amor. 3e convenceu disso e isso agora 1 a verdade. T disso que falo. -ese:ei di4er algo) mas a indigna78o me deixou sem ar. 5ostaria de ter fugido) mas acabaria sendo muito humilhante. /ran4iu o cenho) e tive a desagrad"vel impress8o de que conhecia meus sentimentos. Enrubesci) e tremi com reprimida ira. &ontudo) em pouco tempo) me senti extraordinariamente calma) ainda que n8o devido a um esfor7o consciente de minha parte. No entanto tive a clara sensa78o de que algo em mim havia mudado) e a vaga reminisc9ncia de ter atravessado alguma ve4 uma experi9ncia semelhante) ainda que minha mem.ria falhasse t8o logo entrava em a78o. LB que est" me fa4endo@ L murmurei. L3e d" o caso de que posso ver atrav1s das pessoas. N8o sempre) e por certo n8o com todas) somente com aquelas com as quais estou intimamente ligado. N8o entendo por que acontece contigo. 3ua sinceridade era evidente. Parecia muito mais confundido que eu. 3entou'se de novo e se aproximou de mim. Permanecemos um per2odo em total sil9ncio) e foi uma experi9ncia pra4erosa o poder abandonar todo esfor7o por conversar) e n8o sentir que eu era est;pida. Blhei o c1u) limpo de nuvens e transparente como vidro a4ul. Ama suave brisa soprava entre os pinheiros) e suas agulhas caiam sobre n.s como uma chuva mansa. -epois a brisa se tornou vento) e as folhas ca2das de um sicKmoro pr.ximo se enredemoinharam ao redor com um som suave e r2tmico) e em uma de suas ra:adas o vento as elevou at1 as alturas. LEssa foi uma bonita demonstra78o do esp2rito L murmurou L e foi para voc9: as folhas girando ao vento bem diante de n.s. B feiticeiro com quem trabalho diria que esse 1 um press"gio. $lgo lhe assinalou) para que eu te visse no exato momento em que pensava que seria melhor que me fosse embora. $gora n8o posso fa49'lo. Pensando em nada mais que em suas ;ltimas palavras me senti inexplicavelmente feli4. N8o uma felicidade triunfalista) do tipo que sentimos quando nos sorri um 9xito) ou melhor) era uma sensa78o de profundo bem'estar que n8o perdurou. (eu ser impulsivo tomou conta de s;bito e exigiu que me desfi4esse desses pensamentos e sentimentos. Eu n8o tinha por que estar ali. Javia faltado a uma aula) ao almo7o com meus verdadeiros amigos e = minha di"ria cota de nata78o no gin"sio feminino. LDalve4 se:a melhor que eu me v" L disse. $ inten78o foi de aparentar al2vio) mas quando a anunciei soou como se sentisse pena de mim mesma) o qual) de certo modo) era verdade. Em lugar de ir'me lhe perguntei da maneira mais casual poss2vel se sempre havia podido ver atrav1s das pessoas.

LN8o) n8o sempre L e seu tom carinhoso denunciou com clare4a que percebia minha inquietude interna. LB velho feiticeiro com quem trabalho o ensinou'me recentemente. L$cha que ele poderia ensin"'lo a mim@ L3im) acho que sim. 3e sentir por ti o mesmo que eu sinto) ele far" L e pareceu assombrado por suas pr.prias palavras. L&onhecia algo de feiti7aria antes@ L perguntei com timide4) emergindo com lentid8o de minha inquieta78o. LNa $m1rica *atina todos acreditam saber) e eu n8o era exce78o. Nesse sentido voc9 me fa4 lembrar a mim mesmo. &omo voc9) estava convencido de que sabia o que era a feiti7aria) mas depois) quando a conheci de verdade) n8o era como eu a havia concebido. L&omo era@ L3imples) t8o simples que assusta L confessou. L$creditamos que a feiti7aria assusta por sua malignidade) mas a que eu descobri n8o tem nada de maligno) e por isso 1 o mais pavoroso que existe. Eu o interrompi para assinalar que sem d;vida estava se referindo = magia branca) em contraposi78o = magia negra. LN8o diga bobagens) caralhoP B choque de escut"'lo falar'me nesse tom me obrigou a respirar pela boca. -e imediato renasceu minha inquieta78o. Ele desviou o olhar para evitar o meu. Javia se permitido gritar comigo) e me enfureci ao ponto de achar que me descomporia. (e arderam as orelhas) e vi pontos negros ante meus olhos. Eu o teria pegado se n8o tivesse se posto fora de meu alcance num r"pido movimento. LT muito indisciplinada L opinou ao sentar'se de novo L e bastante violenta. 3ua bab" deve de ter permitido muito a voc9) e te tratado como se voc9 fosse de vidro L mas ao notar meu rosto aborrecido) explicou que n8o me havia gritado por sentir impaci9ncia ou raiva. LPessoalmente n8o me importa se presta aten78o ou n8o) mas importa a aquele em cu:o nome gritei com voc9. $lgu1m que nos est" observando. No come7o senti perplexidade) depois inquietude. Blhei em torno de n.s) pensando que talve4 seu mestre feiticeiro fosse quem nos observava. (e ignorou e prosseguiu: L(eu pai nunca me disse que temos uma testemunha permanente) e n8o o fe4 porque n8o o sabia) como voc9 tampouco o sabe. L-e que bobagens est" falando@ L e minha vo4 irritada refletia meus sentimentos do momento. (e havia gritado) me havia insultado) e me incomodava que estivesse conversando como se nada tivesse acontecido. 3e ele achava que sua conduta ia passar por alto uma surpresa lhe esperava. LN8o se sair" com essaS L disse'lhe) sorrindo com mal2cia. LN8o comigo) menininho. LEstou me referindo a uma for7a) a uma entidade) uma presen7a que n8o 1 for7a) entidade nem presen7a L explicou com um sorriso angelical. Parecia totalmente indiferente a meu estado de Unimo belicoso. LDe parecer" conversa mole mas n8o o 1. !efiro'me a algo que unicamente os feiticeiros conhecem. &hamam'no o esp(rito) nosso observador pessoal) nossa testemunha permanente. N8o sei exatamente como) ou qual palavra exata fe4 o prod2gio) mas de repente ele teve toda a minha aten78o. Prosseguiu falando dessa for7a que) segundo ele) n8o era -eus) nem tinha nada que ver com a religi8o ou a moral) e sim uma for7a impessoal) um poder = nossa disposi78o para ser utili4ado somente se consegu2ssemos nos redu4ir a nada. Inclusive me pegou pela m8o) o qual n8o me desagradou. (elhor) me agradou seu toque suave e forte. 3enti'me morbidamente fascinada pelo estranho poder que exercia sobre mim) e me horrori4ava comprovar que ansiava sentar'me indefinidamente com ele nesse banco) com minha m8o unida = sua. &ontinuou falando) eu pendente de cada uma de suas palavras) mas ao mesmo tempo perversamente intrigada a respeito de quando me ia tocar as pernas. 3abia que somente a m8o n8o lhe havia de satisfa4er) e que eu nada podia fa4er para impedi'lo. Bu era eu que n8o dese)ava fa4er nada para impedi'lo@ Explicou que ele havia sido t8o negligente e indisciplinado mais do que tudo) por1m que nunca conheceu a diferen7a por estar aprisionado pela modalidade do tempo. LE o que 1 a modalidade do tempo@ L perguntei com tom "spero e inamistoso) destinado a n8o fa4er'lhe saber que desfrutava por estar em sua companhia. LEm nossos dias) o que os feiticeiros chamam a modalidade do tempo 1 a preocupa78o da classe m1dia. Eu sou homem da classe m1dia) assim como voc9 1 mulher da classe m1dia... LEnquadramentos desse tipo n8o t9m valide4 L interrompi com rude4a) ao mesmo tempo em que arrancava minha m8o da sua. LN8o s8o mais que generalidades L lancei'lhe um olhar) furiosa e desconfiada. Javia algo chamativamente familiar em suas palavras) mas n8o pude precisar de onde as havia escutado) ou qual importUncia eu estava lhes concedendo) contudo estava certa de sua vital importUncia se pudesse apenas recordar o sabido por mim acerca delas. LN8o me venha com essas asneiras cient2fico'sociais. L disse :ovialmente. L&onhe7o'as tanto como voc9. &edi a um momento de total frustra78o) peguei sua m8o e a mordi. LNa verdade sinto muito L murmurei antes que ele conseguisse se repor de sua surpresa. LN8o sei por que fi4 isso. N8o mordia a ningu1m desde que era menina L e escorri at1 o extremo do banco = espera de sua retalia78o) que n8o chegou. LT completamente primitiva L foi tudo o que disse) esfregando a m8o com um ar como confundido. Emiti um profundo suspiro de al2vio. Javia se quebrado o poder que exercia sobre mim) e lembrei ter uma velha d2vida a cobrar. Ele me havia transformado na fa4'me'rir de minhas colegas de antropologia. L!egressemos ao problema original L disse) procurando abafar minha raiva. LPor que me contou todas essas besteiras acerca do filho de Evans'Pritchard@ ?oc9 deve ter se dado conta de que eu cairia como uma tonta. L observei'o com cuidado) certa de que) ao confront"'lo desta maneira) e depois da mordida) terminaria por quebrar seu autocontrole) ou pelo menos incomod"'lo. Esperei que gritasse) que perdesse sua confian7a e insol9ncia) mas permaneceu imperturb"vel. 3uspirou fundo e adotou uma express8o s1ria. L3ei que parece um simples caso de algu1m que mente por divers8o) por1m a coisa 1 mais complexa L e riu disfar7ado antes de recordar'me que naquele momento ele desconhecia minha condi78o de estudante de antropologia) e de que eu terminaria

fa4endo um papel8o. /e4 uma pausa) como se estivesse escolhendo as palavras adequadas) depois encenou um impotente encolhimento de ombros e acrescentou: L?erdadeiramente n8o posso explicar'lhe agora por que apresentei ao meu amigo como filho de Evans'Pritchard) a menos que te conte muito mais acerca de mim e minhas metas) e isso n8o 1 algo pr"tico. LPor qu9@ LPorque quanto mais saiba de mim) mais te complicar" L e seus olhos me demonstravam sua sinceridade L) e n8o me refiro a uma confus8o mental) e sim a algo pessoal comigo. Esta aberta demonstra78o de descaramento me devolveu a confian7a. -esenterrei o meu :" testado sorriso sarc"stico) e falei num tom cortante: LT repugnante) e conhe7o seu tipo. T o exemplo t2pico do macho latino confesso) contra o qual tenho lutado toda minha vida L e ao ver sua express8o surpreendida) insisti) dando livre va48o a toda minha soberba: L&omo se atreve a pensar que posso chegar a envolver'me contigo@ 3eu rosto n8o enrubesceu como eu esperava. Em lugar disso riu estrepitosamente) golpeando'me o :oelho como se o dito por mim houvesse sido o mais cKmico que escutou em sua vida e) para completar) come7ou a fa4er'me cosquinhas do mesmo modo em que se fa4 a uma crian7a. Demendo rir'me as cosquinhas me afetavam muito%) gritei minha indigna78o. L&omo se atreve a me tocarP L e tremendo me pus de p1 para retirar'me) mas em seguida assombrei a mim mesma recuperando meu assento. ?endo que pretendia continuar com as cosquinhas) cerrei os punhos e os esgrimi ante seus olhos. L ?ou quebrar seu nari4 se me tocar de novo L adverti. Por completo indiferente = minha amea7a) reclinou a cabe7a contra o encosto do banco e fechou os olhos. Espasmos de riso o fa4iam sacudir. L?oc9 1 a t2pica menina alem8 que cresceu rodeada por negrinhos. L&omo sabe que sou alem8 se nunca lhe disse isso@ L perguntei com vo4 insegura) = qual tentei dar uma inflex8o levemente amea7ante. L3abia que era alem8 desde o instante em que te conheci. ?oc9 o confirmou no momento em que mentiu que era sueca. Anicamente alem8es nascidos no Novo (undo depois da 3egunda 5uerra (undial mentem assim. Isso) 1 claro) se vivem nos Estados Anidos. $pesar de que n8o se admitiria isso) ele tinha ra48o. &om frequ9ncia havia sentido a hostilidade daqueles que se interavam de que meus pais eram alem8es: para eles isso nos fa4ia automaticamente na4istas) e de nada adiantava se lhes di4ia que meus pais eram idealistas. *ogicamente preciso admitir que) como bons alem8es) se achavam superiores) mas eram boas pessoas) sendo que toda sua vida foi apol2tica. LEu n8o fi4 nada al1m que concordar contigo L disse acidamente. L?oc9 viu cabelo loiro) olhos a4uis) pKmulos altos) e s. pKde pensar em uma sueca. N8o tem muita imagina78o) sabia@ L aproveitei minha vantagem para di4er'lhe que ele n8o tinha nenhum direito de mentir. L$ menos que se:a um mentiroso de merda por nature4a L e = medida que falava minha vo4 se fa4ia estridente contra minha vontade. Derminei dando'lhe uns golpe4inhos no peito com meu dedo indicador: L,oe &orte4 ent8o) hein@ LE seu nome 1 &ristina 5erbauer@ L retrucou) imitando minha vo4 alta e odiosa. L&armen 5ebauerP L gritei) ofendida porque n8o o havia recordado completamente. -epois) arrependida de meu estouro) tentei uma ca.tica autodefesa) mas ao fim de uns minutos me detive) consciente de n8o estar falando com coer9ncia. $dmiti ser alem8) e que &armen 5ebauer era o nome de uma amiga de infUncia. LEu gosto disso L comentou com um sorriso apenas esbo7ado) mas n8o pude estabelecer se se referia =s minhas mentiras ou = minha confiss8o. Em seus olhos brilhava uma lu4 entre bondosa e divertida) e com do7ura passou a me contar a hist.ria de sua amiga de infUncia) /abiola ^un4e. Porque me confundiu sua rea78o desviei a vista at1 o sicKmoro pr.ximo e aos mais distantes pinheiros. -epois) ansiosa por ocultar meu interesse em seu relato) comecei a brincar com minhas unhas) com a cut2cula e o esmalte) que eu descascava de forma met.dica. $ hist.ria de /abiola ^un4e se assemelhava tanto = minha que em poucos minutos esqueci minha pretensa indiferen7a para escut"'la com aten78o. 3upus que era pura inven78o) apesar do qual precisei lhe dar cr1dito por certos detalhes que unicamente a filha de uma fam2lia alem8 do Novo (undo podia conhecer. 3egundo a hist.ria /abiola ^un4e vivia num mortal temor dos morenos garotos latinos) mas igualmente temia aos alem8es< aos latinos por sua irresponsabilidade) e aos alem8es por ser t8o previs2veis. 3oltei uma risada quando descreveu cenas ocorridas aos domingos de tarde na casa de /abiola) quando duas de4enas de alem8es se reuniam ao redor de uma mesa esquisitamente posta) com a melhor lou7a) prataria e cristaleria) e ela precisava escutar duas de4enas de mon.logos que pretendiam ser conversas. _ medida que ,oe proporcionava detalhes dessas tardes de domingo comecei a sentir'me mais e mais incomodada: ali estava o pai de /abiola) que proibia os debates pol2ticos em sua casa mas compulsivamente intentava dar p1 a eles) ao buscar por meios tortuosos contar piadas obscenas a respeito dos sacerdotes cat.licos) e o medo mortal da m8e: que sua lou7a fina estivesse nas m8os desses caipiras imorais. $s palavras de ,oe &orte4 eram guias =s quais eu respondia inconscientemente< comecei a ver cenas de minhas tardes dominicais pro:etadas sobre a parede. (e converti num feixe de nervos) senti dese:o de chutar e de me descontrolar como s. eu sabia fa49'lo. -ese:ava odiar a esse homem) mas n8o podia. Necessitava ser :usti7ada) receber desculpas. Nueria domin"'lo) que se enamorasse por mim para poder re:eit"'lo. Envergonhada de meus sentimentos imaturos procurei) mediante um grande esfor7o) reagir) e pretextando aborrecimento me aproximei dele para perguntar: LPor que mentiu a respeito de seu nome@ LN8o menti L respondeu. LEsse 1 meu nome) tenho v"rios. Bs feiticeiros t9m nomes diferentes para ocasiCes diferentes. LNue convenienteP L comentei com sarcasmo. L(uito conveniente L repetiu) e me piscou o olho) atitude que me enfureceu.

*ogo depois fe4 algo ins.lito e inesperado. (e abra7ou) sem que esse abra7o encerrasse conota7Ces sexuais. /oi um espontUneo) doce e simples gesto de um menino que dese:a consolar a um amigo) e me tranquili4ou ao ponto de me fa4er solu7ar de maneira incontrol"vel. L3ou uma merda L confessei. LNuero agredir voc9 e olhe'me: estou em seus bra7os L e estava a ponto de acrescentar que isso me agradava) quando me invadiu uma corrente de energia) e como se sa2sse de um sonho) o afastei. L-eixe' meP L gritei) e me afastei a grandes trancos. Escutei que o riso o afogava) o qual n8o me preocupou em absoluto) por :" ter se dissipado meu ataque. /iquei paralisada) tremendo e incapacitada para afastar'me. Ent8o) como se respondesse a uma banda el"stica aderida a meu corpo) regressei ao banco. LN8o se sinta mal L disse com bondade. Parecia saber muito bem o que me arrastara de novo ao banco. Espalmou minhas costas tal como se fa4 com um beb9 depois de ter comido. LN8o 1 o que voc9 e eu fa4emos L continuou. LT algo fora de n.s que nos est" influenciando. Est" influenciando a mim desde h" muito tempo e me acostumei a ele) mas n8o entendo por que atua sobre voc9. N8o me pergunte de qu9 se trata L disse) antecipando'se = minha pergunta. L$inda n8o o posso explic"'lo. -e todo modo n8o pretendia perguntar'lhe nada. (inha mente havia deixado de funcionar) me sentia como dormida) sonhando que falava. (omentos depois meu adormecimento cedeu) e apesar de n8o haver regressado ao que era meu normal) me senti muito mais animada. LB que me est" acontecendo@ L perguntei. LEst" sendo enfocada por algo que n8o emana de ti. $lgo te est" empurrando) usando'me a mim como instrumento. $lgo est" sobrepondo outro crit1rio sobre suas convic7Ces de classe m1dia. LN8o comece com essa bobagem de classe m1dia L protestei debilmente. 3enti como se o estivesse suplicando isso. $presentei um sorriso desamparado) pensando que havia perdido minha usual impulsividade. L*embre'se que estas n8o s8o minhas pr.prias id1ias ou opiniCes L disse. L&omo voc9) sou produto de uma ideologia de classe m1dia. Imagine meu horror quando precisei enfrentar'me com uma ideologia diferente e mais avassaladora. (e fe4 em peda7os. LNue ideologia 1 essa@ L perguntei humildemente) minha vo4 t8o fraca que apenas escutava'se. LAm homem a trouxe'me) ou melhor) o esp2rito falou e me influenciou atrav1s dele. Esse homem 1 um feiticeiro) sobre quem tenho escrito. 3e chama ,uan (atus) e 1 quem me fe4 enfrentar minha mentalidade de classe m1dia. L,uan (atus certa ve4 me fe4 uma pergunta importante: B que voc9 acha que 1 uma universidade@. Eu) evidentemente) lhe respondi como um cientista social: um centro de estudos superiores. Ele me corrigiu) di4endo que uma universidade deveria chamar'se um Instituto de &lasse (1dia) pois 1 o lugar ao qual comparecemos para aperfei7oar nossos valores de classe m1dia. -isse que comparecemos a esses institutos para nos convertermos em profissionais. $ ideologia de nossa classe social nos di4 que devemos nos preparar para ocupar posi7Ces gerenciais) que ali vamos para nos tornarmos engenheiros) advogados) m1dicos) etec1tera) e as mulheres para conseguir um marido adequado) provedor e pai de seus filhos. *dequado 1 logicamente definido pelos valores da classe m1dia. -ese:ava contradi49'lo) gritar'lhe que conhecia gente = qual n8o os interessava uma carreira ou encontrar marido< que conhecia gente interessada em id1ias) no conhecimento em si. (as n8o conhecia a tais pessoas. 3enti uma terr2vel press8o no peito) e tive um acesso de tosse seca. N8o foram a tosse nem o mal estar f2sico os que me fi4eram retorcer no assento e impediram que discutisse com ele. Era a certe4a de que se referia a mim: eu ia = Aniversidade para encontrar um homem adequado. -e novo me pus de p1) disposta a partir. Inclusive estendi minha m8o para despedir'me) quando senti um poderoso pux8o em minhas costas) t8o forte que precisei sentar'me para n8o cair. 3abia que ele n8o me havia tocado. Estive observando'o todo o tempo. (em.rias de pessoas n8o de todo recordadas) de sonhos n8o esquecidos) inundaram minha mente e formaram uma intrincada trama da qual n8o podia desembara7ar'me. !ostos desconhecidos) ora7Ces semi'escutadas) imagens escuras e borradas de lugares e pessoas me remeteram momentaneamente a uma esp1cie de limbo. Estive pr.xima de recordar algo deste caleidosc.pio de sons e visuali4a7Ces) mas o conhecimento se desvaneceu) dominando'me uma sensa78o de calma e al2vio) uma tranquilidade t8o profunda que eliminou todo dese:o de afirmar'me. Estiquei as pernas ante mim como se n8o tivesse uma s. preocupa78o no mundo e nesse momento n8o tinha% e comecei a falar. N8o lembro de t9'lo feito com tanta franque4a anteriormente) e n8o podia descobrir por que de repente baixei minhas defesas ante ele. &ontei'lhe da ?ene4uela) de meus pais) minha :uventude) minha vida inquieta e sem significado. &ontei'lhe coisas que n8o admitiria a mim mesma. L?enho estudando antropologia desde o ano passado) e na verdade n8o entendo por qu9. L come7ava a sentir'me levemente incKmoda ante minhas pr.prias revela7Ces. (e movi inquieta no banco) mas n8o pude deixar de acrescentar: L$s duas mat1rias que mais me interessam s8o a literatura castelhana e a alem8) e estar em antropologia desafia tudo o que sei acerca de mim mesma. LIsso me intriga sobremaneira L opinou. LN8o posso pensar nisso agora) mas me parece que fui posto aqui para que voc9 me encontrasse) ou vice'versa. LNue significa tudo isto@ L perguntei) e fiquei corada ao me dar conta de que estava centrando e interpretando tudo em torno de minha feminilidade. Ele parecia estar completamente a par de meu estado mental. Pegou minha m8o e a apertou contra o cora78o. +,!e gustas, -i'elunga$., exclamou dramaticamente) e depois tradu4iu a frase ao ingl9s. ?oc9 me atrai de maneira apaixonada) Nibelunga. /e4 a par.dia de me devorar com os olhos) ao estilo amante latino) e depois soltou uma gargalhada. L Est" convencida de que cedo ou tarde preciso di4er isto) de modo que bem podia ser agora. Em lugar de irritar'me por ser alvo de seu humor) ri< seu humor me agradava muitoS os ;nicos Nibelungos que conhecia eram provenientes do livro de meu pai sobre mitologia alem8< 3iegfrid e suas -i'elungen. $t1 onde podia me lembrar se tratava de seres subterrUneos) m"gicos e anCes. LEst" me chamando de an8@ L perguntei em tom de grace:o.

LNue -eus n8o o permitaP L protestou L) te estou comparando com um ser mitol.gico alem8o. (ais tarde) como se fosse a ;nica coisa que pod2amos fa4er) fomos de carro at1 as montanhas de 3anta 3usana) ao lugar onde nos hav2amos conhecido. Nenhum dos dois pronunciou palavra alguma quando estivemos sentados no penhasco sobre o cemit1rio ind2gena. (ovidos por um puro impulso de companheirismo ficamos em sil9ncio) indiferentes = tarde que se convertia em noite. 1A032ULO SE2E ,oe &orte4 estacionou seu carro aos p1s de uma baixada. $briu minha porta) e com um gesto galante me a:udou a descer. 3enti al2vio por ter ao fim detido nossa marcha) ainda que n8o saberia di4er por que. Est"vamos no meio do nada) depois de haver via:ado desde as primeiras horas da manh8. B calor) o deserto chato) o sol inclemente e a poeira do caminho se tornaram uma vaga mem.ria quando respirei o ar frio e pesado da noite. $gitado por esse vento o ar se enredemoinhava em torno de n.s como algo palp"vel) vivo. N8o havia lua) e as estrelas) incr2veis em n;mero e em brilho) pareciam intensificar nosso isolamento. 3ob o inquieto resplendor os montes e o deserto se estendiam ao redor) quase invis2veis) cheios de sombras e sons murmurados. Procurei orientar'me pelas estrelas) mas n8o soube identificar as constela7Ces. LEstamos de frente ao leste L sussurrou ,oe &orte4) como se eu houvesse falado em vo4 alta) e com paci9ncia tentou me instruir a respeito das constela7Ces maiores desse c1u de ver8o. Eu s. recordava da estrela ?ega) pois seu nome me tra4ia = mem.ria o escritor espanhol do s1culo \?II) *ope de ?ega. 3entados ali) em sil9ncio) sobre sua perua) passei em revista aos acontecimentos de nossa viagem. N8o se haviam ainda completado as vinte e quatro horas desde que) enquanto com2amos num restaurante :apon9s de *os Ongeles) ele me pedira) sem preUmbulo algum) que o acompanhasse = 3onora por uns dias. L(e encantaria L respondi impulsivamente. L(inhas aulas terminaram e estou livre. Nuando plane:a partir@ LEsta noiteP L respondeu. LNa verdade) assim que terminarmos de comer. Dive que rir. Estava certa de que esse convite n8o passava de um grace:o. LN8o posso partir com t8o pouco pr1'aviso. B que voc9 acha de amanh8@ LEsta noite L insistiu) e estendeu sua m8o para segurar a minha num apert8o formal. 3omente ao ver o brilho travesso e alegre de seus olhos me dei conta de que n8o estava se despedindo) e sim que selava um acordo. LNuando se toma uma decis8o se deve agir de imediato L anunciou) e as palavras ficaram flutuando no ar diante de meus olhos. $mbos as olhamos como se na verdade pud1ssemos adivinhar sua forma e seu tamanho. &oncordei) apenas consciente de haver tomado uma decis8o. $ oportunidade estava ali) independente de minha vontade) pronta e inevit"vel. Nada precisei fa4er para que se materiali4asse. -e repente) com uma intensidade demolidora) lembrei minha viagem do ano anterior = 3onora) e meu corpo se endureceu) comovido e temeroso) = medida que imagens descont2nuas em sequ9ncia ganhavam vida em meu interior. Bs acontecimentos daquela viagem rara haviam se esfuma7ado de minha consci9ncia a tal ponto que) at1 momentos antes) era como se nunca tivessem ocorrido) mas agora adquiriam uma claridade id9ntica = que tiveram no momento em que aconteceram. Dremia) n8o de frio) mas sim por um medo indefin2vel) e encarei ,oe &orte4 para falar'lhe dessa viagem. Blhava'me com rara intensidade) e seus olhos) como t;neis escuros e profundos) absorveram meu espanto e fi4eram retroceder as imagens temidas) as quais) uma ve4 perdido seu impulso) deixaram minha mente em branco. Nesse momento acreditei) fiel = minha maneira de pensar) que nada poderia contar'lhe) pois uma verdadeira aventura sempre dita sua pr.pria dire78o) e os eventos mais emocionantes de minha vida haviam sido sempre aqueles em cu:o curso n8o me havia interposto. L&omo quer que te chame) ,oe &orte4 ou &arlos &astaneda@ L perguntei'lhe com desagrad"vel :ovialidade feminina. 3eu rosto avermelhado se desdobrou num sorriso. L3ou seu companheiro de infUncia L respondeu. L-9'me um nome. Eu te chamarei -i'elunga. $o n8o acertar com um nome adequado) perguntei'lhe: LExiste uma ordem em seus nomes@ LBom) ,oe &orte4 1 co4inheiro) :ardineiro e fa4'tudo) um homem sol2cito e pensativo. &arlos &astaneda 1 homem do mundo acad9mico) mas n8o creio que o tenha conhecido ainda. L olhou'me fixo e sorriu) e esse sorriso levava impl2cito algo infantil e intensamente sincero. -ecidi cham"'lo ,oe &ort14. Passamos a noite em quartos separados% num motel de Quma) $ri4ona. -epois de sair de *os Ongeles) e atrav1s de uma longa viagem) me preocupei muito no que di4ia respeito a onde e como dormir2amos. Por momentos temi que tentaria algo antes que cheg"ssemos ao motel. $final) era um homem :ovem e forte) agressivo e muito seguro de si mesmo. N8o me haveria preocupado tanto se ele fosse europeu ou norte'americano) mas por ser latino eu sabia quais eram suas inten7Ces. B fato de aceitar seu convite de passar :untos uns dias significava que aceitava compartilhar sua cama. 3ua preocupa78o e bom comportamento durante a viagem se encaixavam perfeitamente com o que eu pensava e esperava dele. Preparava o terreno. Era tarde quando chegamos ao motel. Ele se dirigiu ao escrit.rio do gerente para reservar quartos. Eu permaneci no carro) imaginando obscuras cenas. D8o absorta estive com minhas fantasias que n8o percebi seu retorno) e ao escutar o tilintar das chaves) que ele fa4ia dan7ar ante meus olhos) me sobressaltei) deixando cair a sacola de papel que continha meus artigos de toalete) comprados no caminho) que eu inconscientemente apertava contra o peito. LDe consegui um quarto na parte traseira do motel L anunciou. LEst" longe da estrada L indicou uma porta situada pr.xima) antes de acrescentar: LEu dormirei neste) perto da rua. Estou acostumado aos ru2dos. Eram os ;nicos quartos que sobraram. -esiludida) tomei a chave que me estendia. Dodas minhas visCes se evaporaram. ," n8o teria a oportunidade de recha7"' lo) o qual na verdade n8o dese:ava) mas minha alma clamava por uma vit.ria) por pequena que fosse.

LN8o ve:o por que devemos alugar dois quartos L opinei com fingida indiferen7a) e minhas m8os tremiam ao recolher os artigos ca2dos) que recoloquei na sacola. B que acabara de di4er era incr2vel) mas n8o pude evit"'lo. LB tr"fego n8o te permitir" descansar) e voc9 precisa tanto como eu. L n8o podia conceber que algu1m pudesse dormir dado o ru2do que provinha da estrada. 3em olh"'lo) desci do carro e me escutei di4er: LPoder2amos dormir no mesmo quarto) em duas camas) 1 claro. /iquei aturdida e espantada. ,amais havia feito algo semelhante) nem tido rea78o t8o esqui4ofr9nica. -i4ia coisas sem me propor di49'las) ou 1 que as di4ia deliberadamente) sem saber o que sentia@ 3eu riso pKs fim = minha confus8o) e era t8o forte que se acenderam as lu4es num quarto) e algu1m nos exigiu sil9ncio aos gritos. L-ividir seu quarto e permitir que se aproveite de mim no meio da noite) depois de ter me dado um banho de "gua fria@ Nem pensarP L disse entre ondas de alegria. Enrubesci ao ponto que minhas orelhas ardiam. Nuis morrer de vergonha. Esta n8o era uma de minhas cenas imaginadas. ?oltei ao carro e fechei a porta com viol9ncia. L*eve'me ao Knibus da 5reVhound L apontei) dominando minha indigna78o. LPor que diabos vim contigo@ -everia fa4er com que examinassem minha cabe7aP 3em deixar de rir abriu a porta e) com suavidade) me fe4 sair. L-urmamos n8o s. no mesmo quarto) e sim na mesma cama. -eixe'me fa4er amor com voc9 L suplicou) e tive a impress8o de que dese:ava isso de verdade. Jorrori4ada) me desfi4 dele e gritei: L,amais em sua puta vidaP LBom L disse L) diante de t8o fero4 recusa n8o me animo a insistir L pegou minha m8o e a bei:ou. L(e re:eitou e me pKs em meu lugar. 3e acabaram os problemas. Est" vingada. (e afastei dele) a ponto de chorar. (eu desgosto n8o se devia = sua falta de dese:o de passar a noite comigo # se ele tivesse querido) com toda franque4a) n8o teria sabido como reagir # e sim ao fato de que me conhecia melhor do que eu conhecia a mim mesma. Eu havia recusado dar cr1dito ao que acreditava ser sua maneira de se auto'lison:ear. Para ele eu era transparente) e de repente isso me assustou. ,oe se aproximou para abra7ar'me) um abra7o doce e simples. Dal qual aconteceu anteriormente) minha inquieta78o se evaporou como se nunca houvesse existido. -evolvi seu abra7o) e disse outra coisa incr2vel: LEsta 1 a aventura mais excitante de minha vida. L de imediato quis retratar'me< as palavras pronunciadas n8o eram minhas. Nem sequer sabia qual havia sido minha inten78o ao proferi'las. Esta n8o era a aventura mais excitante de minha vida. Javia feito muitas viagens emocionantes: havia percorrido o mundo. (inha irrita78o chegou ao cume quando me deu um bei:o de despedida) um bei:o suave e doce como o que se d" em uma crian7a) e contra minha vontade me agradou. Javia perdido a vontade. &om um empurr8o ,oe me enviou em dire78o ao meu quarto. (aldi4endo'me) sentei'me na cama e chorei de frustra78o) raiva e pena de mim mesma. -esde os alvores de minha vida sempre se haviam satisfeito meus caprichos. Estava acostumada a isso. Estar confusa e n8o saber o que queria era uma experi9ncia nova e nada agrad"vel. Dive uma noite de sono intranquilo. -ormi vestida) at1 que ele bateu em minha porta bem cedo de manh8. ?ia:amos todo o dia por caminhos afastados e tortuosos. Dal qual me havia informado) ,oe &orte4 era na verdade atento) e durante toda a longa viagem provou ser o mais bondoso e divertido dos companheiros. (e mimou com comidas) can7Ces e contos. Era dono de uma profunda por1m clara vo4 de bar2tono) e conhecia todas minhas can7Ces favoritas: espalhafatosas can7Ces de amor de todos os pa2ses sul'americanos) e seus hinos nacionais. ?elhas baladas e at1 can7Ces infantis. 3eus contos me fi4eram rir at1 doer os m;sculos abdominais. &omo narrador me manteve fascinada com cada caso. Era um imitador nato. 3ua assombrosa imita78o de todos os acentos sul'americanos) inclusive o singular portugu9s do Brasil) superava a imita78o para converter'se em magia. Est"vamos empoleirados no teto da perua quando ,oe formulou a advert9ncia: L(elhor descermos. $s noites no deserto se tornam frias. LT um meio ambiente indKmito L comentei. -ese:ava go4ar de novo do ref;gio da cabine) e ent8o nos afastamos dali. Bbservei'o enquanto recolhia algumas sacolas do interior do ve2culo. Javia comprado toda sorte de presentes para aqueles que 2amos visitar. LPor que paramos no meio do nada@ L perguntei. LNibelunga) voc9 fa4 as perguntas mais bobas L disse. LN.s paramos aqui pois 1 o local onde come7a nossa viagem. L&hegamos ao misterioso destino sobre o qual n8o pKde falar@ L perguntei com sarcasmo. $ ;nica coisa que havia entorpecido nossa agrad"vel viagem havia sido sua ren;ncia a informar'me com exatid8o para onde nos dirig2amos. Em quest8o de segundos me enfureci ao extremo de querer lhe dar um grande soco no nari4) mas a no78o de que minha repentina irritabilidade obedecia ao cansa7o de um longo dia produ4iu o necess"rio al2vio. LEstou me pondo desagrad"vel) mas n8o por quer9'lo L disse num tom :ovial que soava falso) pois a tens8o de minha vo4 revelava a dificuldade para controlar'me. Preocupava'me a rapide4 com que me enfurecia com ele. LNa verdade voc9 n8o sabe conversar L acusou'me com um grande sorriso L) s. sabe pressionar. LBhP ?e:o que ,oe &orte4 se foi. ?ai come7ar a insultar'me de novo) &arlos &astaneda@ (inha observa78o lhe causou gra7a) apesar de que minha inten78o era outra. LEste lugar n8o est" no meio do nada) a cidade de $ri4pe est" perto) e a fronteira dos Estados Anidos ao norte) &hihuahua ao leste e *os Ongeles em algum ponto ao noroeste L recitou. 3acudiu a cabe7a num gesto desdenhoso e tomou = dianteira. Em sil9ncio caminhamos atrav1s do chaparral) mais intu2do do que visto) por uma estreita e serpenteada trilha que se alargava ao chegar a um amplo espa7o aberto encerrado por baixas algarobeiras. &onseguimos discernir os contornos de duas casas) recortadas contra a escurid8o. No interior da maior brilhavam lu4es. Ama casa menor se al7ava a curta distUncia. &aminhamos em dire78o = casa grande. P"lidas tra7as revoavam por onde a lu4 se infiltrava pelas :anelas panorUmicas. L-evo advertir'lhe que a gente que vai conhecer 1 um tanto estranha L sussurrou. LN8o diga nada. -eixe que eu falo. L-irei o que se me der na telha L respondi. LN8o me agrada que me digam como devo comportar'me. N8o sou uma crian7a. $demais) meus h"bitos sociais s8o impec"veis) e posso lhe assegurar que n8o te farei passar vergonha.

L-eixe de idiotices) caralhoP L respondeu) esfor7ando'se por controlar a vo4. LN8o me trate como se eu fosse sua esposa) &arlos &asta`eda L gritei a plenos pulmCes) pronunciando seu sobrenome como eu considerava que deveria se pronunciar: com ` nhe%) o qual sabia que ele n8o gostava. &ontudo) ele n8o se irritou. (inha tirada o fe4 rir) algo frequente nele quando eu esperava que explodisse. Nunca se irrita) pensei com um suspiro. 3ua equanimidade era extraordin"ria. Nada parecia confundi'lo) nem fa4er'lhe perder o controle. Inclusive) quando gritava) os gritos soavam falsos. Nuando ,oe estava por bater) a porta se abriu) e um homem fr"gil pro:etou sua sombra negra no retUngulo de lu4. &om um gesto impaciente nos convidou a entrar) e ingressamos num vest2bulo abarrotado de plantas. &om rapide4) como se temesse mostrar a cara) nos precedeu e) sem uma palavra de boas'vindas) abriu outra porta cu:os vidros n8o estavam bem fixos) e que soavam ao abri'la. B seguimos por um escuro corredor e atrav1s de um p"tio interno) onde um :ovem sentado numa cadeira de palha cantava com vo4 tremulante) acompanhando'se com o viol8o. /e4 uma pausa ao nos ver) n8o retribuiu minha sauda78o) e continuou tocando quando dobramos uma esquina e encaramos outro corredor escuro. LPor que todos s8o t8o pouco gentis@ L sussurrei no ouvido de ,oe &orte4. LDem certe4a de que estamos na casa certa@ L," lhe disse) s8o exc9ntricos L murmurou. LEst" seguro de que os conhece@ LNue tipo de pergunta 1 essa@ L rebateu num tom tranquilo) ainda que amea7ante. LT claro que os conhe7o. LPassaremos a noite aqui@ L perguntei) intranquila. LN8o tenho a menor id1ia L e ao di49'lo me bei:ou na bochecha. LE por favor) n8o fa7a mais perguntas. Estou tentando levar a cabo uma manobra quase imposs2vel. LNue manobra 1 essa@ L perguntei tamb1m em vo4 baixa. Ama s;bita percep78o me fe4 sentir ao mesmo tempo ansiosa e incomodada) e por sua ve4 estimulada. $ palavra mano'ra havia proporcionado a pista. $o parecer convencido de meus sentimentos 2ntimos) passou as sacolas que portava a um de seus bra7os) e com suavidade pegou minha m8o para bei:"'la) contato que enviou agrad"veis correntes de pra4er atrav1s de meu corpo. &ru4amos um umbral para ingressar numa sala grande) tenuemente iluminada e exiguamente mobiliada. N8o era minha id1ia de uma sala de prov2ncia mexicana. $s paredes e o teto eram de um branco imaculado) por completo desprovidas de quadros ou ornamentos. &ontra a parede oposta = porta havia um grande sof") e sentadas sobre ele tr9s imponentes senhoras) vestidas com elegUncia. N8o pude ver bem seus rostos) mas a lu4 fraca permitiu comprovar a chamativa semelhan7a e o ar familiar existente entre elas) mesmo sem parecerem'se. Isto me desorientou ao ponto de que apenas pude reparar em duas pessoas sentadas em poltronas pr.ximas. No meu af8 por chegar :unto =s tr9s mulheres dei um grande salto involunt"rio) por n8o ter reparado nos desn2veis do piso de ladrilhos) e ao estabili4ar'me notei um lindo tapete oriental) e = mulher sentada numa das poltronas. L-elia /loresP Lexclamei. L-eus santo) n8o posso acreditar nissoP L toquei'a para assegurar'me que n8o era uma figura fruto de minha imagina78o. Em ve4 de saud"'la) perguntei: LB que est" acontecendo@ L e ao mesmo tempo percebi que as mulheres do sof" eram minhas velhas conhecidas do ano anterior na casa da curandeira. Permaneci com a boca aberta) gelada) a mente aturdida pela descoberta. Am esbo7o de sorriso crispava os cantos dos l"bios das mulheres quando se viraram em dire78o ao anci8o de cabelos brancos) sentado na outra poltrona. L(ariano $ureliano L minha vo4 saiu fraca e quebrada< tinha perdido toda sua energia. ?irei'me at1 ,oe &orte4) e nesse mesmo tom d1bil o acusei de ter me enganado. -ese:ava gritar'lhe) insult"'lo) agredi'lo fisicamente) mas n8o tinha nem for7as para levantar um bra7o. Dampouco para notar que) como eu) estava parado como se estivesse preso ao ch8o) o rosto p"lido de assombro e confus8o. (ariano $ureliano) ficando de p1) se aproximou) os bra7os estendidos em sinal de abra7o. LEstou t8o feli4 de ver'lhe novamenteP L sua vo4 era doce) seus olhos brilhavam de felicidade) e com um abra7o de urso me levantou do ch8o. (eu corpo frouxo) desprovido de for7as) n8o acertava em retribuir seu carinho. N8o pude articular palavra. (e depositou de novo ao ch8o) e foi em dire78o = ,oe &orte4) para dar'lhe uma igualmente efusiva boas'vindas. -elia /lores e suas amigas se aproximaram) cada uma com seu abra7o) e murmuraram algo em meu ouvido. (e reconfortaram suas car2cias e vo4es suaves) contudo n8o entendi uma s. palavra. $ mente n8o me acompanhava. Podia sentir e escutar) mas n8o captar a ess9ncia de minhas sensa7Ces. (ariano $ureliano dirigiu'se a mim com vo4 clara que dissipou meu nublado entendimento. L?oc9 n8o foi enganada. Eu lhe disse desde o princ2pio que te sopraria at1 ele. L-e modo que voc9 1S L n8o pude terminar a frase) pois finalmente captei que (ariano $ureliano era o homem de quem tanto me havia falado ,oe &orte4: ,uan (atus) o feiticeiro que mudou o curso de sua vida. $bri a boca para di4er algo) e em seguida a fechei. Dinha a sensa78o de ter sido separada de meu corpo. (inha mente n8o podia acomodar novas surpresas. -epois vi ao senhor /lores emergir por entre as sombras) e ao dar'me conta de que havia sido ele quem nos abriu a porta) desmaiei. Nuando recuperei os sentidos me encontrava sobre o sof") sentindo'me extraordinariamente bem) descansada e livre de ansiedade. Para determinar o tempo que estive inconsciente me levantei para al7ar o bra7o e olhar meu rel.gio de pulso. LEsteve fora de comiss8o exatamente dois minutos e vinte segundos L anunciou o senhor /lores) consultando seu pulso desprovido de rel.gio. Estava sentado numa otomana de couro vi4inha ao sof") e na posi78o de sentado pareceu mais alto) pois suas pernas eram curtas e seu dorso largo. LNue terrivelmente dram"tico) isso de desmaiar'seP L disse ao sentar'se a meu lado. L3into muito que tenhamos lhe assustado L mas seus olhos cor Umbar) plenos de riso) desdi4iam o tom genuinamente preocupado de sua vo4. LE desculpe'me por n8o os ter saudado ao abrir a porta. &om seu cabelo escondido sob o chap1u) e com essa pesada :aqueta) pensei que voc9 era homem. L entretanto ele brincava) encantado) com minha tran7a. $o ficar de p1 precisei me apoiar no sof". &ontinuava algo mareada. Insegura) percorri o quarto com a vista. Nem as mulheres nem ,oe &ort14 estavam ali. (ariano $ureliano estava sentado numa das poltronas com a vista fixa = frente. Dalve4 estivesse dormido com os olhos abertos.

L$ssim que os vi de m8os dadas pensei que &harlie 3pider tinha virado bichaS L disse o senhor /lores em ingl9s) pronunciando cada palavra de maneira impec"vel e com genu2no gosto. !i ao escutar esse nome) e da formal pron;ncia inglesa. L&harlie 3pider@ Nuem 1@ LN8o o sabe@ L perguntou) abrindo os olhos) autenticamente desconcertado. LN8o) n8o sei. Por acaso deveria saber@ Expressou sua surpresa ante minha nega78o co7ando a cabe7a) e depois perguntou: L&om quem estava de m8os dadas@ L&arlos segurava minha m8o ao entrar nesta casa. LPois isso L aprovou o senhor /lores) sorrindo contente como se tivesse solucionado um dif2cil enigma. -epois) ao ver minha express8o ainda perplexa) acrescentou: L&arlos &astaneda n8o s. 1 ,oe &orte4 como tamb1m &harlie 3pider. L&harlie 3pider L repeti. LT um nome muito repelente. L-os tr9s) era o que mais me agradava) sem d;vida devido = minha afei78o pelas aranhas) =s quais :amais temi. Nem sequer =s grandes aranhas tropicais. Nos cantos de meu apartamento sempre se podiam encontrar suas teias) as que n8o eram destru2das ao se fa4er a limpe4a. LPor que se fa4 chamar &harlie 3pider@ L perguntei. L-iferentes nomes para diferentes situa7Ces L e o senhor /lores recitou a resposta como se estivesse anunciando um produto. LNuem pode explicar'lhe tudo isto 1 (ariano $ureliano. L(ariano $ureliano 1 tamb1m ,uan (atus@ LEu acho que sim L respondeu com um amplo e divertido sorriso. LDamb1m ele tem distintos nomes para distintas situa7Ces. 7E voc9) senhor /lores) tamb1m tem diferentes nomes@ L/lores 1 meu ;nico nome. 5enaro flores L e aproximando'se) se insinuou em tom conquistador) apenas murmurado: LPode me chamar de 5enarito. 3acudi a cabe7a sem querer. $lgo nele me assustava mais que (ariano $ureliano) mas num n2vel racional n8o conseguia determinar a causa. B senhor /lores parecia muito mais abord"vel que o outro. Era infantil) brincalh8o e de f"cil trato) apesar do qual n8o me sentia confort"vel em sua companhia. B senhor /lores interrompeu meus pensamentos profundos: L$ ra48o pela qual tenho um s. nome 1 que n8o sou um nagual. LE o que 1 um nagual@ L$h) isso 1 muito dif2cil de explicar L e me ofereceu um sorriso cativante. LAnicamente (ariano $ureliano ou Isidoro Balta4ar podem explicar isso. LNuem 1 Isidoro Balta4ar@ LIsidoro Balta4ar 1 o novo nagual. LBasta. N8o me diga mais nada L e levando a m8o = frente me sentei no sof". LEst" me confundindo) senhor /lores) e ainda estou fraca L e com olhar suplicante) perguntei: LBnde est" &arlos@ L&harlie 3pider est" tecendo um sonho aracn.ide L o senhor /lores disse a frase inteira em seu ingl9s extravagante) ap.s o qual emitiu um breve riso) como se estivesse saboreando uma anedota especialmente boa. Blhou com mal2cia a (ariano $ureliano que seguia com a vista fixa na parede%) depois a mim) e por ;ltimo de novo a seu amigo. -eve de ter pressentido meu crescente medo) pois encolheu os ombros e elevou as m8os num gesto resignado antes de di4er: L&arlos) tamb1m conhecido como Isidoro Balta4ar) foi visitar aS LB que) ele se foi@P L meu grito fe4 com que (ariano $ureliano se virasse para olhar'me. (e perturbava mais ficar so4inha com os dois velhos que saber que &arlos &astaneda tinha ainda outro nome e era o novo nagual) fosse isso o que fosse. (ariano $ureliano se levantou) fe4 uma profunda rever9ncia) e estendendo sua m8o para a:udar'me a ficar de p1) perguntou: LB que pode ser mais agrad"vel e recompensador para dois velhos que cuidar de ti at1 que te despertar" de seus ensonhos@ 3eu gracioso sorriso e sua cortesia finissecular eram irresist2veis. !elaxei'me de imediato. LN8o posso pensar em nada mais agrad"vel L concordei) e permiti que me condu4isse a um refeit.rio bem iluminado) situado do outro lado do corredor) a uma mesa de caoba ovalada nos fundos do aposento. &om um gesto galante me ofereceu uma cadeira. $guardou a que me instalasse comodamente) e depois disse que n8o era demasiado tarde para comer) e que ele mesmo se encarregaria de tra4er'me algo delicioso da co4inha. (inha proposta de a:udar foi recusada com finura. B senhor /lores) em ve4 de caminhar at1 a mesa) exibiu sua destre4a acrob"tica impulsionando'se com uma meia-lua) e calculou a distUncia com tal precis8o que aterrissou a poucos cent2metros da mesa. &om um sorriso tomou assento a meu lado. 3eu rosto n8o revelava o esfor7o reali4ado) e nem sequer ofegava. L$pesar de que negue ser um acrobata) creio que voc9 e seus amigos s8o parte de um espet"culo m"gico L opinei. B senhor /lores saltou de sua cadeira) o rosto iluminado por inten7Ces travessas. L?oc9 tem toda a ra48o do mundoP 3omos parte de um espet"culo m"gicoP L e pegou um :arro de cerUmica que estava sobre um largo aparador. 3erviu'me uma caneca de chocolate quente. LIsto e um peda7o de quei:o representam para mim uma refei78o L e me cortou um peda7o de quei:o (anchego. ,untos eram uma del2cia. $pesar de meus dese:os n8o me ofereceu repetir. $ meia caneca que me serviu n8o me satisfe4. 3empre gostei de chocolate) que nenhum dano me fa4ia por mais que comesse) e tinha a certe4a de que se me concentrasse em meu dese:o de comer mais) ele se veria na obriga78o de oferecer'me outra caneca sem um pedido de minha parte. -e menina) isto me dava resultado quando era forte meu dese:o por algo. Bbservei'lhe retirar dois copos e dois pratinhos extras do arm"rio) e notei que entre a lou7a) os cristais e a prataria) pastava uma rara mistura de figuras de cerUmica pr1'hispUnica e uns monstros pr1'hist.ricos de pl"stico. LEsta 1 a casa das bruxas L informou o senhor /lores com ar de conspirador) como se isso explicasse a incongru9ncia do conte;do do m.vel. L$s esposas de (ariano $ureliano@ L perguntei desafiante.

Em ve4 de responder me convidou com um gesto a olhar atr"s de mim. (ariano $ureliano estava =s minhas costas. L$s mesmas L admitiu) colocando uma sopeira de porcelana sobre a mesa. L$s mesmas bruxas que fi4eram esta deliciosa sopa de rabo de boi L e com um concha de prata encheu um prato e me instou a :untar'lhe um peda7o de lima e outro de abacate. $ssim fi4) devorando tudo nuns poucos goles. &omi v"rios pratos at1 ficar fisicamente satisfeita) quase saciada. Permanecemos ao redor da mesa um longo tempo. $ sopa de rabo de boi exerceu um maravilhoso efeito sedativo sobre mim. 3entia'me tranquila. $lgo usualmente muito desagrad"vel em mim estava desconectado) e todo meu ser) corpo e esp2rito) agradecia ao fato de n8o ter que utili4ar energia para defender'me. $ssentindo com a cabe7a) como confirmando em sil9ncio cada um de meus pensamentos) (ariano $ureliano me observava com olhos agudos e divertidos. Estava a ponto de dirigir'me a ele chamando'o ,uan (atus quando antecipou meu intento e disse: LEu sou ,uan (atus para Isidoro Balta4ar. Para voc9 sou o nagual (ariano $ureliano. L sorrindo) chegou mais perto e sussurrou confidencialmente: LB homem que te trouxe aqui 1 o novo nagual) o nagual Isidoro Balta4ar. ?oc9 deve usar esse nome quando falar com ele ou o mencionar. LN8o est" totalmente dormida nem desperta L continuou (ariano $ureliano L) de modo que poder" entender e recordar tudo o que lhe di4emos L e vendo que eu estava a ponto de interromp9'lo) acrescentou com suavidade: LE esta noite n8o vai ficar fa4endo perguntas est;pidas. N8o foi tanto seu tom e sim uma for7a) um cord8o) o que me gelou) paralisando minha l2ngua. &ontudo minha cabe7a) como independente de minha vontade) fe4 um gesto de assentimento. LPrecisa coloc"'la = prova L lembrou o senhor /lores a seu amigo. Am brilho decididamente perverso apareceu em seus olhos. LBu melhor ainda) deixe que eu o fa7a. (ariano $ureliano fe4 uma pausa) longa e deliberada) plena de sinistras possibilidades) e me olhou em forma cr2tica) como se minhas fei7Ces pudessem dar'lhe um ind2cio para algum importante segredo. Imobili4ada por seus olhos penetrantes) nem sequer pisquei. -epois deu seu perd8o) e o senhor /lores me formulou uma pergunta em vo4 grave e profunda: LEst" enamorada de Isidoro Balta4ar@ E que me condenem se n8o disse que sim) de maneira mecUnica e inanimada. B senhor /lores se aproximou at1 que nossas cabe7as quase se tocaram) e em um murm;rio cheio de riso sufocado perguntou: L-e verdade) louca) loucamente apaixonada@ !epeti que sim) e ambos os homens estouraram em sonoras gargalhadas. B som de suas risadas) repiqueteando em torno do aposento como bolinhas de ping'pong) pKs fim a meu estado de transe. (e agarrei ao som e sa2 do encantamento. LNue porra 1 esta@ L perguntei a todo pulm8o. $mbos os homens saltaram em suas cadeiras) assustados por meus gritos. 3e olharam) e logo seus olhares convergiram em mim) e ambos se abandonaram a um riso ext"tico. Nuanto mais eloqMentes eram meus insultos) maior eram suas gargalhadas) e t8o contagioso era seu entusiasmo que n8o pude evitar de aderir'me a ele. Nuando nos acalmamos) (ariano $ureliano e o senhor /lores me bombardearam com perguntas. Bs interessava em especial como e quando havia conhecido a Isidoro Balta4ar) e cada pequeno detalhe os enchia de alegria. Nuando repeti os acontecimentos pela quarta ou quinta ve4) havia ampliado ou melhorado a hist.ria) ou recordado detalhes que n8o teria suspeitado que poderia recordar. LIsidoro Balta4ar conseguiu ver atrav1s de voc9 e de todo o assunto L :ulgou (ariano $ureliano quando finali4ei minha exposi78o. L&ontudo) ainda n8o v9 o suficientemente bem. Nem sequer concebeu que fui eu quem te enviou a ele L e me lan7ou outra de suas olhadas perversas antes de corrigir'se: LNa verdade n8o fui eu e sim o esp2rito) que me elegeu para fa4er seu mandato) e te soprei at1 ele quando estava no m"ximo de seu poder) no meio de seu ensonhar desperta L falava de maneira casual) quase com neglig9ncia) e somente seus olhos transpareciam sua sabedoria. LDalve4 seu poder para ensonhar desperta foi a ra48o pela qual Isidoro Balta4ar n8o percebeu quem era) apesar a que estava vendo) ainda quando o esp2rito o tenha revelado desde o primeiro momento em que ele te viu. N8o pode existir maior ind2cio que essa exibi78o de lu4es na n1voa. Nue estupide4 a de Isidoro Balta4ar de n8o ver o .bvio. !iu contidamente e eu concordei) sem saber com qu9 estava concordando. LIsso te demonstrar" que o fato de ser feiticeiro n8o 1 grande coisa. Isidoro Balta4ar 1 feiticeiro< ser um homem de conhecimento 1 algo diferente. Para chegar a isso) os feiticeiros precisam =s ve4es esperar toda uma vida. LNual 1 a diferen7a@ L perguntei. LAm homem de conhecimento 1 um l2der L explicou em vo4 baixa) sutilmente misteriosa. LBs feiticeiros precisam de l2deres para gui"'los at1 e atrav1s do desconhecido. Am l2der se revela por suas a7Ces< eles n8o t9m pre7o) o que significa que n8o se pode os comprar) subornar) adular ou mistificar. $comodou'se melhor em sua cadeira) e disse que todos os membros de seu grupo haviam concordado em estudar aos l2deres atrav1s da Jist.ria) para descobrir se algum deles chegou a :ustificar sua condi78o de tal. LE voc9s encontraram alguns que o conseguiram@ L$lguns L admitiu. LBs que encontramos poderiam ter sido naguais. Bs naguais s8o) pois) l2deres naturais) homens de tremenda energia) que se convertem em feiticeiros agregando um marco a mais ao seu repert.rio: o desconhecido. 3e esses feiticeiros chegam a converter'se em homens de conhecimento n8o existe praticamente limite ao que podem alcan7ar. LPodem as mulheresS@ L n8o me permitiu terminar. L$s mulheres) como descobrir" algum dia) podem fa4er coisas infinitamente mais complexas ainda. LIsidoro Balta4ar L interrompeu o senhor /lores L) lhe fe4 lembrar a algu1m que conhecera previamente@ LBom L respondi L) me senti muito bem com ele) como se o conhecesse de toda a vida. (e fe4 recordar a algu1m) talve4 algu1m de minha infUncia) um amigo esquecido. L-e modo que n8o recorda t9'lo conhecido antes@ L insistiu o senhor /lores. L?oc9 quer di4er na casa de Esperan4a@ L talve4 estivera ali e eu n8o o recordava. 3acudiu sua cabe7a) desiludido. -epois) pelo visto esgotado seu interesse em minha resposta) perguntou se eu havia reparado em algu1m que nos saudava com a m8o quando dirig2amos em dire78o = casa.

LN8o) ningu1m. LPense bem L insistiu. &ontei'lhe que depois de Quma) em ve4 de nos dirigirmos ao leste) a Nogales na !ota W) o caminho mais l.gico) Isidoro Balta4ar havia marchado at1 o sul) ao (1xico) depois ao leste atrav1s de El 5ran -esierto) depois de novo ao norte entrando nos Estados Anidos por 3onoVta a $:o) $ri4ona) depois de novo ao (1xico = &aborca) onde desfrutamos de um delicioso almo7o de l2ngua de boi em molho picante de pimenta verde. LNuando voltamos ao carro com o estKmago cheio) :" quase nem prestei aten78o = rota L admiti. L3ei que passamos por 3anta $na) e ap.s nos dirigimos at1 o norte = &ananea) e depois outra ve4 ao sul. Dudo muito confuso) em minha opini8o. LN8o lembra ter visto a algu1m na rota L insistiu o senhor /lores L) algu1m que os saudava com a m8o@ /echei bem os olhos) procurando visuali4ar a quem pudesse ter'nos saudado de tal maneira) mas minha lembran7a da viagem era feita de contos) can7Ces e cansa7o f2sico. E de repente) quando estava a ponto de abrir os olhos) surgiu a fuga4 imagem de um homem. -isse'lhes que recordava vagamente a um :ovem =s margens de um desses povoados) de quem pensei que nos pedia que o lev"ssemos. LPode ter feito sinais com a m8o) mas n8o o posso assegurar. $mbos riram como crian7as empenhadas em ocultar um segredo. LIsidoro Balta4ar n8o estava muito seguro de nos encontrar L anunciou (ariano $ureliano L) por isso seguiu essa rota ins.lita. 3eguiu a rota dos feiticeiros) o caminho do coiote. LPor que n8o estaria seguro de encontr"'los@ LN8o sabia se nos encontraria at1 ver ao :ovem fa4endo'lhe sinais L explicou (ariano $ureliano. LEsse :ovem 1 uma sentinela do outro mundo. 3eu sinal era prova de que se podia seguir adiante. Isidoro Balta4ar deveria ter sabido ali mesmo quem era. (as) como voc9) 1 extremamente cauteloso) e quando n8o o 1) 1 extremamente temer"rio. L fe4 uma pausa para permitir que suas palavras se registrassem) e depois acrescentou significativamente: LB mover'se entre esses dois pontos 1 a maneira mais segura de errar. $ cautela cega tanto como o atrevimento. LN8o entendo a l.gica de tudo isto L murmurei fatigada. (ariano $ureliano esclareceu: LNuando Isidoro Balta4ar tra4 um convidado) precisa prestar aten78o ao sinal da sentinela antes de seguir viagem. L&erta ve4 trouxe a uma garota por quem estava enamorado L informou o senhor /lores) e fechou os olhos como transportado por sua lembran7a da garota. LEra alta) forte e de cabelos escuros. P1s grandes e rosto bonito. Percorreu toda a Ba:a &alif.rnia) e a sentinela nunca lhe autori4ou a passagem. LNuer di4er que tra4 suas namoradas@ L perguntei com m.rbida curiosidade. LNuantas tem tra4ido@ LAmas tantas L respondeu o senhor /lores com inoc9ncia. LNaturalmente o fe4 por conta pr.pria. 3eu caso 1 diferente. ?oc9 n8o 1 sua namorada< voc9 retornava. Isidoro Balta4ar quase explodiu quando descobriu que por tonto n8o compreendeu todas as indica7Ces do esp2rito. Ele simplesmente serviu de chofer. N.s te esper"vamos. LB que teria acontecido se a sentinela n8o estivesse l"@ LB que sempre acontece quando Isidoro Balta4ar vem acompanhado L retrucou (ariano $ureliano. LN8o nos teria encontrado) porque n8o corresponde a ele eleger a quem tra4er ao mundo dos feiticeiros L sua vo4 se fe4 agradavelmente doce ao acrescentar: L3omente aqueles a quem o esp2rito tenha assinalado podem bater = nossa porta) depois que um de n.s o tenha admitido. Estive a ponto de interromper) mas recordando a advert9ncia de n8o fa4er perguntas tontas) tapei minha boca com a m8o. &om um sorriso (ariano $ureliano acrescentou que em meu caso -elia havia sido quem me trouxe ao mundo. LT uma de nossas duas colunas) por assim di4er) que fa4em a porta de nosso mundo) a outra 1 &lara) a quem conhecer" logo. Javia uma genu2na admira78o em seus olhos e em sua vo4 quando disse: L-elia cru4ou a fronteira nada mais que para tra4er'lhe = casa. $ fronteira 1 um fato concreto) mas os feiticeiros o usam de maneira simb.lica. ?oc9 estava do outro lado e precisava ser tra4ida a este lado. No outro est" o mundo do cotidiano) mas neste se encontra o mundo dos feiticeiros. -elia te escoltou com delicade4a) um trabalho verdadeiramente profissional< uma manobra impec"vel que voc9 apreciar" mais e mais = medida que passe o tempo. (ariano $ureliano se levantou em sua cadeira para alcan7ar a compoteira de porcelana da divis.ria. &olocou'a diante de mim com um convite: L3irva'se) s8o deliciosos. /ascinada olhei os damascos polpudos e logo provei um deles. Eram t8o deliciosos que) de imediato) despachei mais tr9s. B senhor /lores) depois de piscar'me um olho) me instigou a com9'los todos) antes que retirassem o prato. &om a boca cheia fiquei corada) e procurei pedir desculpas. LN8o se desculpeP L recomendou (ariano $ureliano. L 3e:a voc9 mesma) mas voc9 mesma sob controle. 3e quer acabar com os damascos) termine'os) e assunto encerrado. B que :amais deve fa4er 1 termin"'los e depois arrepender'se. LEnt8o os terminarei L disse) e isso os fe4 rir. L3abia que conheceu a Isidoro Balta4ar no ano passado@ L disse o senhor /lores) que se balan7ava t8o precariamente em sua cadeira que temi que ca2sse para tr"s e batesse contra o arm"rio das lou7as. Am brilho maligno apareceu em seus olhos) ao mesmo tempo em que come7ou a cantarolar uma bem conhecida ranchera, fa4endo um arremedo da letra para contar a est.ria de Isidoro Balta4ar) famoso co4inheiro de Ducson) que :amais perdia a calma) nem sequer quando se lhe acusavam de pKr baratas mortas na comida. LBhP L exclamei L) o co4inheiroP B co4inheiro da cafeteria era Isidoro Balta4arP (as isso n8o pode estar certo. N8o acredito que eleS L interrompi a frase na metade. Blhei fixamente a (ariano $ureliano) na esperan7a de descobrir algo em seu rosto) em seu nari4 aquilino) em seus olhos penetrantes) e senti um involunt"rio calafrio. Javia algo de selvagem em seus olhos frios.

L3im L me incitou. LN8o acredita que eleS L e com um movimento de cabe7a me pressionava a completar minha frase. Estive por di4er que n8o acreditava que Isidoro Balta4ar era capa4 de mentir'me dessa maneira) mas n8o me animei a formular a frase. Bs olhos de (ariano $ureliano se endureceram) mas eu me sentia t8o mal comigo mesma que n8o tinha cabimento para o medo. LBu se:a) que) depois de tudo) fui enganada L explodi por fim) olhando'o com f;ria. LIsidoro Balta4ar sabia todo o tempo quem era eu. Dudo n8o 1 mais que um :ogo. LDudo 1 um :ogo L concordou (ariano $ureliano L) mas um :ogo maravilhoso. B ;nico que vale a pena :ogar. L fe4 uma pausa) como para dar'me a oportunidade de continuar com minhas queixas) mas antes que eu pudesse fa49'lo me lembrou da peruca que ele insistiu em colocar'me naquela oportunidade. L3e voc9 n8o reconheceu a Isidoro Balta4ar) que n8o estava disfar7ado) o que te fa4 pensar que ele te reconheceu em seu disfarce de cachorro peludo@ (ariano $ureliano seguia me observando. 3eus olhos haviam perdido sua dure4a) agora se viam tristes e cansados. LN8o foi enganada) nem sequer pensei em fa49'lo) n8o que n8o o faria se o :ulgasse necess"rio L acrescentou. L-isse' lhe como eram as coisas desde o come7o. Dem sido testemunha de coisas estupendas) mas n8o tem reparado nelas. &omo fa4 a maioria das pessoas) associa a feiti7aria com comportamentos incomuns) rituais) drogas) encantamentos L e) aproximando'se) baixou a vo4 ao n2vel de um sussurro para acrescentar que a verdadeira feiti7aria era uma muito sutil e esquisita manipula78o da percep78o. L$ verdadeira feiti7aria L o senhor /lores concluiu L n8o permite a interfer9ncia humana. L(as o senhor $ureliano di4 ter me soprado at1 Isidoro Balta4ar L assinalei com imatura impertin9ncia. LN8o 1 isso uma interfer9ncia@ L3ou um nagual L respondeu (ariano $ureliano. L3ou o nagual (ariano $ureliano) e o fato de ser o nagual me permite manipular a percep78o. Eu o havia escutado com toda aten78o) mas n8o tinha a menor id1ia do que queria di4er com manipula78o da percep78o. -e puro nervosismo) estendi a m8o para tomar o ;ltimo damasco do prato. L?oc9 vai ficar doente L disse o senhor /lores L) 1 t8o pequena) e no entanto 1 uma dor de cabe7a. (ariano $ureliano parou atr"s de mim) e apertou minhas costas de tal maneira que me fe4 devolver o ;ltimo damasco que tinha na boca. 1A032ULO OI2O Neste ponto a sequ9ncia dos fatos) tal como eu os recordo) se fa4 confusa. N8o sei o que aconteceu depois. Dalve4 dormi sem ter me dado conta disso) ou talve4 a press8o que exerceu (ariano $ureliano sobre minhas costas foi t8o forte que desmaiei. Nuando voltei a mim estava estendida sobre uma esteira no ch8o. $bri os olhos e de imediato me dei conta da luminosidade que me rodeava. B sol parecia brilhar dentro do quarto. Pisquei repetidas ve4es) pensando ter algum problema com os olhos) pois n8o podia centr"'los. L3enhor $ureliano L chamei L) acho que algo anda mal com meus olhosS L tentei levantar'me sem consegui'lo. N8o eram o senhor $ureliano ou o senhor /lores que estavam de p1 :unto a mim) e sim uma mulher) que estava inclinada para frente a partir da cintura) tapando a lu4. 3eus cabelos negros balan7avam soltos em torno de seus ombros e seus lados< tinha um rosto redondo e um busto imponente. -e novo procurei levantar'me. N8o me tocava) apesar do qual soube que de alguma maneira era ela que me retinha. LN8o o chame de senhor $ureliano) ou senhor (ariano. Essa 1 uma falta de respeito de sua parte. &hame'o nagual) e quando falar dele refira'se ao nagual (ariano $ureliano. Ele gosta de seu nome completo. L sua vo4 era melodiosa. 3impati4ei com essa mulher. Nueria averiguar o que era toda essa bobagem com rela78o = falta de respeito. Dinha escutado a -elia e todas as outras mulheres cham"'lo pelos mais rid2culos diminutivos) e fa4er'lhe festa como se ele fosse seu boneco favorito) e por certo que ele havia desfrutado de cada momento) mas eu n8o podia recordar de onde o havia presenciado. LEntende@ L perguntou a mulher. Nuis di4er que sim) mas tinha ficado sem vo4. $ventei) sem 9xito) de abrir a boca) de falar) mas quando ela insistiu em perguntar se eu havia compreendido) tudo o que pude fa4er foi afirmar com a cabe7a. Bfereceu'me sua m8o para me a:udar a levantar) mas antes que me tocasse eu :" estava de p1) como se meu dese:o tornasse in;til o contato com sua m8o) e conseguido seu ob:etivo antes de sua interven78o. $ssombrada por esta inesperada deriva78o quis fa4er'lhe perguntas) mas apenas era poss2vel manter'me em p1) e quanto a falar) as palavras se recusavam a sair de minha boca. $cariciou repetidas ve4es meus cabelos) obviamente interada de meu problema. 3orriu bondosamente e disse: LEst" ensonhando. N8o a escutei di4er isso) mas sabia que suas palavras se haviam movido sem transi78o de sua mente = minha. /e4 um sinal afirmativo com a cabe7a) e me informou que) de fato) eu podia escutar seus pensamentos e ela aos meus. (e assegurou ser como uma inven78o de minha imagina78o) apesar do qual podia atuar comigo ou sobre mim. LPreste aten78oP L ordenou. LN8o estou movendo meus l"bios e contudo estou lhe falando. /a7a o mesmo. 3ua boca n8o se movia em absoluto) e a fim de averiguar se seus l"bios o fa4iam ao enunciar suas palavras) dese:ei tocar sua boca com meus dedos. Era bonita) mas de aspecto amea7ante. Domou minha m8o e a apertou contra seus l"bios sorridentes. N8o senti nada. L&omo posso falar sem meus l"bios@ L pensei. LDem uma fenda entre as pernas L me informou) introdu4indo as palavras de maneira direta em minha mente. L &oncentre sua aten78o nela. $ perereca fala. Essa observa78o tocou uma fibra especial em mim) e ri at1 ficar sem ar e desmaiar de novo. $ mulher me sacudiu at1 me fa4er reagir. &ontinuava sobre a esteira no ch8o) mas agora apoiada num grosso almofad8o em minhas costas. Pisquei) um calafrio me sacudiu) suspirei fundo e a olhei. Estava sentada ao meu lado sobre o ch8o.

LN8o costumo desmaiar L disse) surpreendida de poder fa49'lo com palavras. B som de minha pr.pria vo4 era t8o reconfortante que ri forte e repeti a mesma frase v"rias ve4es. LEu sei) eu sei L disse para apa4iguar'me. LN8o se preocupe) n8o est" de todo desperta. Eu sou &lara. ," nos conhecemos na casa de Esperan4a. -everia ter protestado) ou perguntado o que queria di4er com isso. Entretanto) sem duvidar por um s. instante) aceitei que seguia adormecida e que hav2amos nos conhecido na casa de Esperan4a. *embran7as) pensamentos brumosos) visCes de gente e de lugares come7aram a surgir lentamente. Am pensamento muito claro tomou conta de minha mente. &erta ve4 havia sonhado que a conheci< foi um sonho) portanto nunca havia pensado nele como num acontecimento real. Nesse momento lembrei de &lara. LT claro que :" nos conhecemos L declarei triunfalmente L) mas nos conhecemos num sonho) por conseguinte n8o 1 real. -evo de estar sonhando neste momento) e desse modo posso me lembrar de voc9. 3uspirei) feli4 de que tudo pudesse ser explicado com tamanha facilidade) e me reclinei sobre os almofadCes. Butra clara lembran7a de um sonho se estampou. N8o podia lembrar quando o havia sonhado) por1m me lembrava dele com a mesma fidelidade de um fato real. Nele) -elia me apresentava = &lara) a quem havia descrito como a mais greg"ria das mulheres ensonhadoras. LDem amigos que a adoram L me confessou. $ &lara do sonho era bastante alta) forte e rotunda) e me havia observado com insist9ncia como quem observa a um membro de uma esp1cie desconhecida) com olhos atentos e sorrisos nervosos. E entretanto) apesar de seu olhar penetrante) havia gostado muito dela. 3eus olhos eram especulativos) verdes e sorridentes) e o que mais recordava de seu olhar era sua similaridade com o de um gato: o fato de n8o piscar. LEu sei que este 1 s. um sonho) &lara L repeti) como se precisasse me assegurar disso. LN8o) este n8o 1 s. um sonho) 1 um sonho especial L me contradisse &lara. L/a4 mal em urdir tais pensamentos. Bs pensamentos t9m poder) voc9 deve cuidar deles. L?oc9 n8o 1 real) &lara L insisti) minha vo4 aguda e tensionada L) 1 um sonho. Por isso n8o posso lembrar de voc9 quando estou acordada. (inha obstinada persist9ncia fe4 &lara sorrir. LNunca intentou recordar'me. N8o havia ra48o nem sentido para isso. N.s) as mulheres) somos extremamente pr"ticas. T nosso grande defeito e nosso grande capital. Estava a ponto de perguntar'lhe qual era o aspecto pr"tico de record"'la agora) quando se antecipou = minha pergunta. L-ado que estou frente a voc9 necessita recordar'me) e me recorda. L se agachou ainda mais para fixar em mim seu olhar felino e disse: LE :" n8o me esquecer". Bs feiticeiros que me criaram me disseram que as mulheres necessitam dois de cada coisa para que se fixe. -uas vistas de algo) duas leituras) dois sustos) etc. ?oc9 e eu :" nos encontramos um par de ve4es. $gora sou s.lida e real L e para provar o quanto era real) arrega7ou a blusa e flexionou seus b2ceps. LDoque'os L convidou' me. !indo) eu o fi4. Na verdade ela tinha m;sculos duros) poderosos e bem definidos. Damb1m me fe4 provar os de suas coxas e panturrilhas. L3e este 1 um sonho especial) que fa7o eu nele@ L perguntei cautelosamente. LB que se te der vontade. $t1 agora est" indo bem. N8o posso guiar voc9) pois n8o sou sua mestra de ensonhos) e sim simplesmente uma bruxa gorda que cuida de outras bruxas. /oi minha s.cia) -elia) quem te trouxe ao mundo dos feiticeiros) como uma parteira. (as n8o foi quem primeiro te encontrou. Essa foi /lorinda. LE quem 1 /lorinda) e quando me encontrou@ L/lorinda 1 outra bruxa. ?oc9 a conheceu< 1 a que te levantou em seu ensonho) na casa de Esperan4a. *embra da refei78o no campo@ L$hS L suspirei) compreendendo. L!efere'se = mulher alta de vo4 profunda@ L me senti feli4< sempre admirei as mulheres altas. &lara confirmou minha suposi78o: L$ mulher alta de vo4 profunda. Ela encontrou voc9 em uma festa) = qual voc9 compareceu fa4 alguns anos) com seu amigo. Am acontecimento elegant2ssimo na casa de um petroleiro) em Jouston) Dexas. LE o que fa4ia uma bruxa numa festa na casa de um petroleiro@ L perguntei. Em seguida) me golpeou o pleno impacto de sua declara78o. /iquei muda. $pesar de n8o lembrar ter visto a /lorinda lembrava muito bem da festa. Eu havia comparecido com um amigo) que havia voado de prop.sito em seu :ato particular desde *os Ongeles) e regressado no dia seguinte. Eu fui sua tradutora. &ompareceram v"rios homens de neg.cios) mexicanos que n8o falavam ingl9s. L(eu -eusP L exclamei em segredo. LNue ins.litoP L e descrevi a festa com rique4a de detalhes = &lara. $quela foi minha primeira visita ao Dexas) e como uma deslumbrada admiradora de estrelas de cinema) os homens me deixaram boba) n8o por serem lindos e sim porque me parecia t8o chamativa sua indument"ria: seus chap1us 3tetson) seus ternos cor pastel e suas botas de co0boV. B petroleiro havia contratado artistas e montado um espet"culo digno de *as ?egas) numa gruta que fa4ia as ve4es de um night'club) cheia de lu4es e m;sica estridente) e lembrava da comida como sendo de primeir2ssima qualidade. L(as por que /lorinda iria a uma festa desse tipo@ LB mundo dos feiticeiros 1 o que de mais estranho existe L respondeu &lara) que com um acrob"tico salto se levantou sem utili4ar os bra7os) para percorrer o quarto num ir e vir frente = esteira e ostentar seu aspecto chamativo: uma ampla saia escura) blusa de algod8o com as costas bordadas em alegres cores) e s.lidas botas de vaqueiro. Am chap1u australiano) cu:a longa aba escondia seu rosto do sol do meio'dia) dava o toque final = t8o ins.lita vestimenta. L5ostou do meu con:unto@ L perguntou radiante) detendo'se frente a mim. LT fabulosoP L aplaudi. N8o havia d;vida de que &lara possu2a o atrevimento e a confian7a necess"rios para usar tais roupas. LElas lhe caem muito bem L acrescentei. $:oelhando'se :unto a mim me fe4 uma confid9ncia:

L-elia est" verde de inve:a. 3empre competimos para ver quem se anima a usar a roupa mais maluca. Precisa ser louca sem ser est;pida L guardou sil9ncio durante os segundos em que me contemplou: L3e dese:ar competir 1 bem'vinda L ofereceu. LNuer participar do nosso :ogo@ $ceitei com muito pra4er) e ela me pKs a par das regras. LBriginalidade) praticidade) pre7o baixo e nada de ostenta78o L enumerou. -epois se pKs novamente de p1 para percorrer o quarto e) rindo) desparramar'se ao meu lado. L/lorinda acha que devo anim"'la a participar. -isse'me que naquela festa descobriu que voc9 mostra uma tend9ncia para con:untos sumariamente pr"ticosS L apenas conseguiu terminar a frase) pois a assaltou um ataque de risos. L/lorinda falou comigo l"@ L perguntei) olhando'a furtivamente) intrigada por saber se ela forneceria os detalhes daquela festa que eu n8o havia dado) e nem estava disposta a proporcionar. &lara negou com um movimento de cabe7a) e logo sorriu de maneira distra2da) destinada a evitar novas refer9ncias = festa. L&omo foi que -elia assistiu ao batismo em Nogales) $ri4ona@ L perguntei) orientando a conversa para o tema da outra festa. L/lorinda a enviou L admitiu &lara) recolhendo seus cabelos soltos sob o chap1u australiano. L&hegou di4endo a todos que voltaria contigo. LAm momentoP L interrompi. LIsto n8o 1 um sonho. B que est" tentando fa4er comigo@ LEstou procurando instruir'lhe L insistiu &lara sem modificar seu ar indiferente) utili4ando um tom quase casual. N8o parecia interessar'lhe o efeito que suas palavras pudessem ter em mim) apesar do qual me observou de maneira cuidadosa ao agregar: LEste 1 um ensonho) e certamente estamos falando em seu ensonho porque eu tamb1m estou ensonhando seu ensonho. Nue suas ins.litas declara7Ces bastaram para apa4iguar'me foi prova de que eu ensonhava. (inha mente se acalmou) sonolenta) e capa4 de aceitar a situa78o. Escutei minha vo4 separada de minha vontade. LN8o havia modo de que /lorinda soubesse de minha viagem a Nogales L disse. LB convite de minha amiga foi feito no ;ltimo momento. L3abia que isto seria incompreens2vel a voc9 L suspirou &lara) e olhando no fundo de meus olhos e pesando suas palavras cuidadosamente) declarou: L/lorinda 1 sua m8e) mais que qualquer outra m8e que :amais tenha tido. Essas palavras me pareceram absurdas) mas n8o podia di4er nada a respeito. L/lorinda te pressente L continuou &lara com um toque diab.lico nos olhos. L Atili4a um dispositivo rastreador. 3abe onde voc9 se encontra. LNue aparelho rastreador@ L perguntei) sentindo que de s;bito minha mente estava sob controle. B simples pensar que algu1m pudesse saber meu paradeiro a todo o momento me encheu de medo. LBs sentimentos dela por voc9 s8o um aparelho rastreador L respondeu &lara com esquisita simplicidade) e num tom t8o doce e harmonioso que meus temores desapareceram. LNue sentimentos) &lara@ LNuem sabe) filha@ L e encolheu as pernas) as rodeou com os bra7os e descansou a testa sobre os :oelhos. LNunca tive uma filha assim. (eu estado de Unimo mudou de maneira abrupta< o temor voltou) e com meu velho estilo racional e ponderado) comecei a preocupar'me pelas sutis implica7Ces do que foi dito por &lara. E foram precisamente essas delibera7Ces racionais as que me fi4eram retomar minhas d;vidas. N8o era poss2vel que isto fosse um sonho. Eu estava desperta) somente assim se poderia explicar meu intenso grau de concentra78o. -esli4ando'me pelo almofad8o) no qual apoiava minhas costas) semicerrei os olhos. (antive a vista fixa em &lara atrav1s das p"lpebras) e me perguntei se desapareceria lentamente) como desaparecem as pessoas e as visCes nos sonhos. N8o o fe4) e momentaneamente me tranquili4ou a id1ia de que ambas est"vamos despertas. LN8o) n8o estamos despertas L contradisse &lara) de novo intrometendo'se em meus pensamentos. LPosso falar L disse) para :ustificar meu estado de total consci9ncia. L5rande fa7anhaP L 4ombou ela. L$gora farei algo que te despertar") para que possa continuar esta conversa estando verdadeiramente desperta L e enunciou a ;ltima palavra com extremo cuidado) prolongando'a exageradamente. LEspere) &lara) espere L roguei. L-9'me tempo para adaptar'me a tudo isto L preferia minha inseguran7a ao que pudesse me fa4er. Indiferente = minha s;plica) &lara ficou de p1 e esticou a m8o at1 uma :arra de "gua colocada sobre uma mesa pr.xima. !indo) girou sobre mim) mantendo a :arra sobre minha cabe7a. Dentei desviar'me para um lado sem consegui'lo< meu corpo se recusava a obedecer) parecia cimentado = esteira. $ntes que ela chegasse a despe:ar a "gua sobre mim) senti uma suave e fria garoa sobre meu rosto) e o frio) mais que o molhado) produ4iu uma sensa78o muito particular. Primeiro semi'ocultou o rosto de &lara) como as ondas que distorcem a superf2cie da "gua: logo o frio se concentrou em meu estKmago) fa4endo me retrair sobre mim mesma como uma manga invertida) e meu ;ltimo pensamento foi que me afogaria num :arro de "gua. Borbulhas e mais borbulhas escuras bailaram ao meu redor at1 que tudo se fe4 negro. Nuando recobrei a consci9ncia :" n8o estava sobre a esteira) e sim sobre um div8 na sala. -uas mulheres se encontravam aos meus p1s) olhando'me com grandes olhos fixos. /lorinda) a mulher alta de vo4 rouca) estava sentada ao meu lado) cantarolando uma can78o de ninar) ou assim pareceu a mim) e acariciava meu cabelo) meu rosto e meus bra7os com grande ternura. B contato e o som de sua vo4 me serenaram. Permaneci deitada) meus olhos fixos nos seus) certa de estar experimentando um de meus sonhos v2vidos que sempre come7avam como sonhos e acabavam como pesadelos. /lorinda me falava) me ordenava olh"'la nos olhos) e suas palavras se moviam sem som) como asas de mariposa) mas o que vi em seus olhos me encheu de uma sensa78o familiar) o terror ab:eto e irracional que experimentava em meus pesadelos. *evantei'me de um salto e corri at1 a porta) respondendo = rea78o autom"tica e animal que sempre as acompanhava. LN8o tenha medo) meu amor L me consolou /lorinda) que me havia seguido. L!elaxe) estamos todos aqui para lhe a:udar. N8o deve se angustiar) pois danificar" seu corpinho se o submeter ao temor desnecess"rio.

Eu me havia detido :unto = porta) n8o em rea78o =s suas palavras) e sim por n8o poder abri'la. (eu tremor aumentou) sacudindo'me ao ponto de fa4er doer o corpo e bater o cora78o de maneira t8o forte e irregular que pressenti que terminaria por estourar. LNagualP L gritou /lorinda por cima de seu ombro L) ter" que fa4er algo ou ela morrer" de susto. Eu n8o conseguia ver a quem se dirigia) mas em minha aloucada busca de um lugar por onde fugir divisei uma segunda porta no outro extremo do cKmodo. Estava certa de contar com suficiente energia como para alcan7"'la) por1m minhas pernas cederam) e como se a vida tivesse abandonado meu corpo) ca2 ao ch8o :" sem respirar. Bs longos bra7os da mulher descenderam sobre mim como as asas de uma "guia enorme) me recolheram) e pondo sua boca sobre a minha insuflou ar em meus pulmCes. *entamente meu corpo se relaxou) se fe4 normal meu ritmo card2aco) e me invadiu uma estranha pa4 que) de repente) se transformou em viva excita78o. N8o era o medo a causa) e sim o ar recebido da mulher) ar forte que abrasou minha garganta) meus pulmCes) meu estKmago e virilha para chegar =s minhas m8os e meus p1s. Num instante percebi que ela era igual a mim) s. que mais alta) t8o alta como eu gostaria de ter sido) e senti tal amor por ela que fi4 algo incr2vel: bei:ei'a apaixonadamente. 3enti que sua boca se alargou num sorriso) e depois :ogou a cabe7a para tr"s e riu. LEsta ratita me bei:ou L anunciou) dirigindo'se aos outros. LEstou sonhandoP L exclamei) e todos riram com um abandono infantil. Inicialmente n8o pude evitar rir com eles) mas quase em seguida me transformei em meu verdadeiro eu: envergonhada por causa de um ato impulsivo) e irritada por ter sido desmascarada. $ mulher alta me abra7ou. L3ou /lorinda L disse) e al7ando'me me ninou em seus bra7os como se fosse uma crian7a. L?oc9 e eu somos iguais. ?oc9 1 t8o pequena como eu gostaria de ser. 3er alta 1 uma grande desvantagem. Ningu1m pode ninar voc9. Eu me7o um metro e setenta e sete. LEu) um metro e cinquenta e sete L confessei) e ambas rimos) pois nos entend2amos = perfei78o. Eu era um pouco menor no ;ltimo cent2metro mas sempre o arredondava) e estava certa de que com /lorinda acontecia ao contr"rio. Bei:ei suas bochechas e seus olhos) amando'a com um amor que me era incompreens2vel) sem d;vidas) medo ou expectativas. Era o amor que se sente nos sonhos. Pelo visto concordou comigo. /lorinda deixou escapar um suave riso. $ lu4 fuga4 de seus olhos e o branco fantasmal de seu cabelo representavam algo assim como uma lembran7a esquecida. Dinha a impress8o de conhec9'la desde o dia que nasci) e se me ocorreu que os meninos que admiram =s suas m8es t9m que ser meninos perdidos. B amor filial) unido = admira78o f2sica pela m8e) deve produ4ir um amor total como o que eu sentia por esta mulher alta e misteriosa. -epositou'me no ch8o) e virando'me at1 a uma mulher bonita) de cabelo e olhos escuros) disse: LEsta 1 &armela. L os tra7os de &armela eram delicados e sua pele impec"vel< pele suave e da palide4 cremosa de quem est" sempre dentro de casa. L3omente tomo banhos de lua L sussurrou em meu ouvido ao abra7ar'me. L-everia fa4er o mesmo. T demasiado branca para estar ao sol< est" lhe arruinando a pele. (ais que nada foi sua vo4 a que reconheci. Era a mesma que me havia feito todas aquelas perguntas diretas e pessoais na refei78o do campo. *embrava dela sentada) e ent8o me parecia fr"gil< agora) para minha surpresa) comprovei que me ultrapassava em oito ou nove cent2metros) e seu corpo poderoso e muscular me fe4 se sentir insignificante em compara78o. &om seu bra7o em torno de meu ombro /lorinda me guiou at1 a outra mulher) que estava parada :unto ao div8 quando despertei. Era alta e musculosa) ainda que n8o t8o alta como /lorinda< a sua n8o era uma bele4a convencional seus tra7os eram demasiado fortes para isso%) apesar do qual havia nela algo chamativo que atra2a) inclusive a t9nue sombra que povoava seu l"bio superior) e que obviamente eu n8o achava necess"rio ter. Pressenti nela uma tremenda for7a) uma agita78o sub:acente) mas totalmente controlada. LEsta 1 6oila L disse /lorinda. 6oila n8o insinuou abra7ar'me ou apertar minha m8o) e foi &armela quem) rindo) falou por ela: LEstou muito contente de ver voc9 de novo. L a boca de 6oila se curvou no mais delicioso dos sorrisos) mostrando dentes brancos) grandes e paralelos) e quando sua longa e fina m8o cheia de :.ias ro7ou minha bochecha me dei conta de que era aquela cu:o rosto esteve oculto sob uma massa de cabelos desarrumados. Era quem havia costurado a renda belga nas bordas da lona sobre a qual nos sentamos nessa ocasi8o da comida. $s tr9s mulheres me rodearam) obrigando'me a sentar no div8. LNuando lhe conhecemos estava ensonhando L informou /lorinda L) de modo que n8o houve oportunidade para nos relacionarmos. $gora est" desperta) e sendo assim) ent8o nos fale de voc9. Estive a ponto de interromp9'la para di4er'lhe que este era um sonho) e que durante o piquenique) adormecida ou desperta) :" lhes havia contado tudo o que se merecia saber de minha vida. LN8o) n8o. Est" equivocada L respondeu /lorida) como se de fato eu houvesse exteriori4ado esse pensamento. L $gora est" totalmente desperta) e o que dese:amos saber 1 o que tem feito desde nosso ;ltimo encontro. Em especial conte'nos de Isidoro Balta4ar. LNuer di4er que este n8o 1 um sonho@ L perguntei timidamente. LN8o) n8o 1 um sonho L assegurou'me. LJ" uns minutos voc9 ensonhava) mas isto 1 diferente. LN8o ve:o a diferen7a. LIsso se deve a que 1 uma boa ensonhadora L explicou. L3eus pesadelos s8o reais< voc9 mesma disse isso. Dodo meu corpo se tensionou e) depois) como sabendo que n8o resistiria a outro ataque de medo) se afrouxou) abandonando'se ao momento. !epeti a elas o :" narrado e recontado a (ariano $ureliano e ao senhor /lores. &ontudo) nesta oportunidade recordei detalhes passados por alto anteriormente) tais como os dois lados do rosto de Isidoro Balta4ar) e os dois simultUneos estados de Unimo que revelavam seus olhos: o esquerdo sinistro) amea7ador) o direito aberto e amistoso. 3ustentei que era um homem perigoso. LPossui o raro poder de mover os fatos at1 onde lhe agrada) enquanto ele permanece fora deles e observa como estes se contorcem. _s mulheres lhes fascinou o que eu revelava) e /lorinda me indicou com um sinal que prosseguisse.

LB que torna = gente t8o vulner"vel a seus encantos 1 sua generosidade L continuei L) e a generosidade 1 talve4 a virtude que n8o podemos resistir por estarmos despossu2dos dela) se:a qual for nossa base. L ao dar'me conta do alcance dessas palavras me detive abruptamente e as observei espantada) medindo sua rea78o. LN8o sei o que me aconteceu L disse tentando desculpar'me. LNa verdade n8o sei por que disse isso) quando eu mesma n8o pensei em Isidoro Balta4ar nesses termos. N8o sou eu quem fala) pois nem sequer sou capa4 de fa4er esse tipo de :u24o. LN8o importa de onde lhe v9m esses pensamentos) menina L consolou /lorinda. LBbviamente os est" sacando direto da fonte. Dodos n.s fa4emos isso: tir"'los da pr.pria fonte) mas se precisa ser feiticeiro para dar'se conta disso. N8o entendi o que intentava di4er'me. !epeti que n8o havia sido minha inten78o deixar que minha l2ngua me dominasse. /lorinda riu) e durante uns momentos me contemplou pensativa. L$tue como se estivesse ensonhando. 3e:a auda4 e n8o se desculpe. (e senti tonta) incapa4 de analisar o que sentia. /lorinda ordenou =s suas companheiras: L&onte'lhe de n.s. &armela limpou sua garganta) e sem olhar'me) disse: LN.s tr9s e -elia formamos uma unidade. Nos ocupamos do mundo cotidiano. Eu estava atenta a cada uma de suas palavras) mas n8o consegui entend9'la. L3omos a unidade de feiticeiras que trata com a gente. J" outra unidade de quatro mulheres que nada t9m a ver com as pessoas. &armela tomou minha m8o na sua e examinou a palma) como se estivesse por ler minha sorte) para depois formar um punho com ela e acrescentar: LPor alto 1 como n.s) e em particular como /lorinda. Pode lidar com as pessoas. L fe4 uma nova pausa) e com uma olhada sonolenta repetiu o que &lara :" me havia antecipado: L/oi /lorinda quem te encontrou. $ssim) enquanto permanecer no mundo dos feiticeiros) lhe pertence. Ela h" de guiar e cuidar de voc9. L era tal a certe4a de seu tom que me deixou em profunda preocupa78o. LN8o perten7o a ningu1m e n8o preciso que cuidem de mim L disse) e minha vo4 soava tensa) insegura e nada natural. $s tr9s mulheres me observaram em sil9ncio) sorridentes. L&r9em que necessito ser guiada@ L perguntei desafiante) passando meu olhar de uma = outra. 3eus olhos estavam semicerrados) seus l"bios abertos em sorrisos contemplativos) e os impercept2veis movimentos de suas testas) indicava que aguardavam que eu terminasse com o que tinha a di4er. L&reio que me arran:o bastante bem na vida L terminei alegando com escassa convic78o. L*embra'se do que fe4 na festa) aquela onde te encontrei@ L perguntou /lorinda. $o notar que eu reagia assombrada) &armela cochichou em meu ouvido: LN8o se inquiete. 3empre encontrar" um modo de explic"'lo por inteiro L e pelo gesto de desd1m que tra7ou com sua m8o) deu a entender n8o estar minimamente preocupada. $ mim me dominou o pUnico s. de pensar que pudessem saber que naquela festa eu me havia passeado desnuda frente a de4enas de pessoas. $t1 esse momento) se n8o at1 orgulhosa dele) eu aceitava esse ato desinibido como uma manifesta78o de minha personalidade espontUnea. Em primeiro lugar havia feito um longo passeio a cavalo com o dono da casa) vestindo meu tra:e de noite e sem cela) depois que ele me desafiou a fa49'lo e apostasse que n8o o faria. /oi para demonstrar que eu era t8o boa montando como qualquer co0boV. Dive um tio na ?ene4uela dono de um haras) e montava desde que era muito pequena. $p.s ganhar a aposta) mareada pelo esfor7o e pelo "lcool) arrematei minha fa7anha mergulhando nua na piscina. L/oi ali) na piscina) onde voc9 se exibiu pelada L disse /lorinda) obviamente a par de meus pensamentos. L(e ro7ou com suas n"degas desnudas) e escandali4ou a todos) inclusive a mim. (e agradou sua ousadia) sobretudo a atitude de caminhar nua de um lado ao outro da piscina) nada mais que para esfregar'se contra mim. B tomei como uma indica78o de que o esp2rito te estava assinalando para benef2cio meu. LN8o pode estar certo L murmurei L) se tivesse estado nessa festa eu me lembraria de voc9. T muito alta e chamativa para passar inadvertida. L n8o disse isso em som de elogio. Nueria convencer'me de que estava sendo enganada) manipulada. L(e agradou isso de voc9 estar se matando para exibir'se L continuou /lorinda. LEra um palha7o ansioso por chamar a aten78o por qualquer meio) em especial quando saltou sobre uma mesa e dan7ou sacudindo sua bunda desavergonhadamente enquanto o anfitri8o gritava como louco. $o inv1s de envergonhar'me) seus coment"rios me produ4iram uma sensa78o incr2vel de tranquilidade e agrado. 3e havia feito p;blico meu segredo) o que :amais me havia animado a admitir: eu era uma exibicionista capa4 de qualquer ato que centrasse a aten78o em mim. -ominou'me um novo estado de Unimo) definitivamente mais humilde) menos defensivo) mas temi que este estado seria de curta dura78o. 3abia que as percep7Ces e as reali4a7Ces =s quais alcancei em sonhos :amais foram duradouras. (as talve4 /lorinda estivesse certa e n8o era este um sonho) e por conseguinte meu exaltado estado perduraria. Evidentemente conhecedora de meus pensamentos) as tr9s mulheres concordaram de maneira enf"tica) o qual) em lugar de estimular'me) s. fe4 reavivar minha incerte4a. Dal como temia) meu estado perceptivo foi ef9mero. Em poucos minutos fervia de d;vidas) e precisava de uma tr1gua. LBnde est" -elia@ L perguntei. LEm Baxaca L informou /lorinda) e depois acrescentou sutilmente: LEsteve aqui nada mais que para saudar'lhe. Pensei que se mudasse de assunto conseguiria um respiro e a oportunidade de recuperar minhas for7as) mas agora enfrentava algo contra o qual me encontrava desprovida de recursos. N8o podia acusar a /lorinda de mentir deliberadamente para manipular'me) o qual normalmente teria feito com qualquer um. N8o podia argumentar que suspeitava que me houvessem drogado e levado de quarto em quarto enquanto estava inconsciente. LB que voc9 disse) /lorinda) 1 absurdo L a censurei. L3em d;vida n8o esperar" que te leve a s1rio. 3ei que -elia est" escondida em um dos quartos. Bs olhos de /lorinda pareciam di4er'me que entendia meu dilema. LN8o tem outra alternativa que a de levar'me a s1rio L e apesar do tom ser moderado) a inten78o era categ.rica.

?irei'me at1 as outras duas mulheres) com a esperan7a de obter algum tipo de resposta) qualquer coisa capa4 de apa4iguar meu crescente temor. L3e outra pessoa lhe guia 1 muito f"cil ensonhar L confiou'me &armela. L$ ;nica desvantagem 1 que essa pessoa precisa ser um nagual. L/a4 tempo que venho escutando essa palavra. B que 1 um nagual@ LAm nagual 1 um feiticeiro de grande poder) que pode condu4ir a outros feiticeiros atrav1s da escurid8o e lev"'los = lu4 L explicou &armela L) mas o nagual :" lhe disse isso) n8o se lembra@ /lorinda intercedeu ao comprovar o esfor7o que eu fa4ia para recordar. LBs acontecimentos de nossa vida cotidiana s8o f"ceis de recordar. Demos muita pr"tica nela) mas os que vivemos em ensonhos s8o farinha de outro saco. Precisamos lutar muito para recuper"'los) simplesmente porque o corpo os arma4ena em diferentes lugares. &om mulheres que n8o possuem seu c1rebro de sonUmbula L continuou L as instru7Ces para ensonhar come7am por fa4er com que desenhem um mapa de seus corpos) um trabalho cuidadoso que revela onde as visCes dos ensonhos s8o arma4enadas. L&omo se tra7a esse mapa) /lorinda@ L perguntei) autenticamente intrigada. LPercorrendo e investigando cada polegada do corpo) mas n8o posso di4er mais. 3ou sua m8e) n8o sua mestra de ensonho. 3ua mestra recomenda um martelinho de madeira para golpear o corpo e tatear somente as pernas e os quadris) pois muito raramente o corpo arma4ena estas mem.rias no peito ou no ventre. B que se guarda no peito) costas e ventre s8o as lembran7as da vida di"ria) mas esse 1 outro assunto. $ ;nica coisa que di4 respeito a voc9 agora 1 que recordar ensonhos tem a ver com a press8o f2sica sobre o ponto espec2fico onde est" arma4enada essa vis8o. Por exemplo L terminou di4endo com am"vel simplicidade L se empurrar sua vagina pressionando o clit.ris) recordar" o que te disse (ariano $ureliano. Blhei'a espantada) e depois ca2 num acesso de risinhos nervosos. N8o pensava empurrar nada. /lorinda tamb1m riu) ao parecer estar desfrutando de meu desconcerto. L3e n8o o fi4er L amea7ou L) ent8o terei que fa4er com que &armela o fa7a por voc9. ?irei'me at1 &armela) que com um sorriso a ponto de tornar'se gargalhada) me assegurou que o faria. LN8o fa4 faltaP L gritei. LEu lembro de tudoP L e de verdade o recordava) e n8o s. o dito por (ariano $ureliano. L B senhor $ureliano... &armela n8o me permitiu continuar. L&lara lhe disse que o chame de nagual (ariano $ureliano. LBs ensonhos s8o portas que condu4em ao desconhecido L disse /lorinda) acariciando minha cabe7a. LBs naguais guiam por meio de ensonhos) e o ato de ensonhar com um prop.sito 1 a arte dos feiticeiros. B nagual (ariano $ureliano tem lhe a:udado a chegar aos ensonhos que todos n.s ensonhamos. Pisquei repetidas ve4es) sacudi a cabe7a) e depois me deixei cair sobre os almofadCes do div8) espantada pelo absurdo do quanto estava recordando. *embrei ter sonhado com eles um ano atr"s em 3onora) um sonho que pareceu durar eternamente. Nesse sonho conheci a &lara) N1lida e Jermelinda) a equipe de ensonhadoras. -isseram'me que quem dirigia essa equipe era 6uleica) mas que eu ainda n8o podia sonhar com ela. _ medida que a mem.ria desse sonho se aclarava) tamb1m se fe4 claro que entre essas mulheres nenhuma era mais ou menos que a outra. Nue uma de cada grupo fosse l2der de nenhuma maneira implicava poder) prest2gio ou reali4a78o) mas sim por uma simples quest8o de efici9ncia. N8o sei por que) mas eu estava convencida de que a ;nica coisa que a elas importava era o profundo afeto existente entre elas. Naquele sonho todos me haviam dito que 6uleica era minha professora de ensonhos< era tudo o que podia recordar. Dal como me havia dito &lara) necessitava v9'las ou sonhar com elas uma ve4 mais para cimentar meu conhecimento de suas personalidades. No momento n8o passavam de lembran7as incorp.reas. ?agamente escutei a /lorinda di4er que depois de outras poucas tentativas eu melhoraria em mover'me de minha lembran7a de um ensonho ao ensonho que estava ensonhando) e depois ao estado normal de consci9ncia. Escutei /lorinda rindo) mas eu :" n8o estava na casa e sim fora) caminhando atrav1s do chaparral) lentamente) por uma trilha invis2vel) e um tanto intranquila devido = falta de lu4) lua ou estrelas. $tra2da por uma for7a invis2vel entrei num aposento grande) escuro salvo por umas linhas de lu4 que cru4avam de parede a parede sobre as cabe7as daqueles que estavam sentados em dois c2rculos) um externo e outro interno) linhas que aumentavam e diminu2am de intensidade como se algu1m no c2rculo manipulasse um interruptor que acendia e apagava a corrente. !econheci a (ariano $ureliano e a Isidoro Balta4ar) sentados costas contra costas no meio do c2rculo interior. !econheci tanto seus rostos como sua energia) a qual n8o era mais brilhante ou intensa que a dos outros) e sim mais massiva) mais volumosa< um espl9ndido e enorme mont8o de brilho inacab"vel. B quarto emitia um brilho l2mpido e tudo) cada Ungulo) cada esquina) relu4ia uma for7a quase irreal. Dal era a claridade que tudo se destacava em separado) em especial aquelas linhas de lu4 aderidas =s pessoas sentadas no c2rculo) ou que emanavam delas. Dodas elas estavam conectadas por raios luminosos que pareciam os pontos de suspens8o de uma gigantesca teia de aranha) e se comunicavam sem palavras atrav1s da lu4. (e vi atra2da em dire78o a essa tens8o el1trica e silenciosa) at1 converter'me eu tamb1m num ponto dessa rede de luminosidade. LB que vai acontecer@ L perguntei a /lorinda. Encontrava'me estirada no div8 com a cabe7a em seu colo. N8o respondeu< tampouco &armela nem 6oila) que estavam sentadas ao seu lado com os olhos fechados. !epeti a pergunta v"rias ve4es) mas s. obtive como resposta a suave respira78o das tr9s mulheres. Dinha a certe4a de que dormiam) e no entanto sentia sobre mim a presen7a de seus olhos. B sil9ncio e a escurid8o rondavam a casa como algo vivo) tra4endo com eles um vento gelado e o perfume do deserto. 1A032ULO NO8E

Dremendo de frio apertei a coberta ao redor de meu corpo e me levantei. (e encontrei numa cama estranha) num quarto estranho mobiliado s. com uma cama e uma mesa de noite) apesar do qual todo o entorno exsudava familiaridade. &ontudo n8o conseguia di4er por que tudo me era t8o bem conhecido. Dalve4 ainda este:a dormindo) pensei. &omo sei que n8o 1 um sonho@ (e deixei cair novamente sobre as almofadas e permaneci ali) com meus bra7os atr"s da cabe7a) deixando que os raros acontecimentos presenciados e vividos) metade sonho) metade lembran7a) percorressem minha mente. Pelo visto tudo havia come7ado no ano anterior) quando acompanhei a -elia /lores = casa da curandeira. Ela mantinha que a comida que compartilhei com todos havia sido um ensonho) e eu re:eitei suas pretensCes como absurdas. N8o obstante) ela tinha ra48o. $gora eu sabia que a refei78o no campo havia sido um ensonho) n8o meu) e sim um ensonho ensonhado por outros) ao qual eu fui convidada: eu fui uma convidada participante. (eu erro todo esse tempo havia sido o de neg"'lo obstinadamente) em descartar como falso sem saber o que significava falso para mim. $ ;nica coisa que consegui com isso foi banir o fato t8o completamente de minha mente que perdi consci9ncia dele. Eu precisava aceitar o fato de que possu2mos uma senda por onde somente os ensonhos transitam. -e ter'me decidido a recordar o ensonho que tive em 3onora unicamente como tal) teria conseguido reter todo o admir"vel que aconteceu enquanto o ensonho era ensonhado. Nuanto mais especulava acerca disso) e de tudo o que me estava acontecendo) maior era meu mal'estar) por1m o mais surpreendente era que toda essa gente n8o me assustava) pois apesar a que me apoiavam) n8o deixavam de ser um grupo intimidante. E de repente me ficou claro o motivo pelo qual n8o os temia: os conhecia muito bem) e a prova era que eles mesmos haviam expressado a estranha e no entanto reconfortante sensa78o que eu sentia: a de estar voltando para casa. -escartei todos estes pensamentos nem bem os havia formulado) e com toda honestidade me perguntei se n8o seria eu uma desequilibrada mental) e eles) conscientes disso) estavam se aproveitando de mim. -e maneira s1ria e sistem"tica) passei em revista a minha hist.ria familiar) num intento de recordar tudo o que pudesse ter escutado acerca de enfermidades mentais na fam2lia. Existiu) por exemplo) aquele tio'avK materno que) com a B2blia em m8os) pregava nas esquinas das ruas. -epois tanto meu bisavK como meu avK) em come7os da Primeira e da 3egunda 5uerra (undial) haviam se suicidado ao comprovar que tudo estava perdido para eles) e uma de minhas av.s estourou os miolos quando se deu conta de que havia perdido sua bele4a e atra78o sexual. $gradava'me pensar que havia herdado meu sentido de autonomia por ser a aut9ntica neta de todos esses loucos. 3empre acreditei que meu sentido de autonomia era o que alimentava minha aud"cia. Estes m.rbidos pensamentos me causaram tal ansiedade que) com movimentos nervosos) me desfi4 de minhas cobertas e saltei da cama. Para minha enorme surpresa e desconcerto me encontrei vestindo um grosso camis8o de flanela) meias longas de l8) luvas e um cardig8 blusa de l8%. L-evo estar doente) disse a mim) L por que) se n8o) estaria sentindo frio com todas estas roupas@. Normalmente eu dormia nua) indiferente =s condi7Ces atmosf1ricas. !ec1m ent8o notei a lu4 do sol no quarto) filtrando'se atrav1s do grosso e semi'opaco vidro da :anela. Dinha a certe4a de que essa lu4 em meus olhos era a respons"vel por me acordar) al1m do mais tinha necessidade de encontrar o banheiro. Demendo que a casa n8o tivesse instala78o sanit"ria interna me dirigi at1 a porta corredi7a no outro extremo do cKmodo) e ali encontrei um guarda'roupa grande com um pinico com tampa encima. L&aralhoP L gritei. LN8o posso ir ao banheiro num guarda'roupaP $ porta se abriu para deixar que /lorinda entrasse. LEst" bem L disse) abra7ando'me. LJ" uma latrina fora da casa. B pinico 1 uma rel2quia do passado. LNue sorte que :" 1 de dia L disse rindo. LNingu1m saber" que sou por demais covarde para ir = latrina na escurid8o. /lorinda me olhou de maneira estranha) e depois desviou seus olhos antes de perguntar'me num sussurro. LB que te fa4 pensar que :" 1 de manh8@ LB sol me despertou fa4 um tempinho L respondi) movendo'me at1 a :anela. Era incr2vel para mim que ainda fosse de noite. B rosto de /lorinda se iluminou) e a risada sacudia seus ombros quando me assinalou o foco de lu4 da lUmpada situada :unto a minha cama) que eu havia confundido com a lu4 do sol. LB que te fa4 t8o segura de que est" desperta@ L perguntou. L(inha incont2vel necessidade de ir ao banheiro L respondi. Domando'me pelo bra7o me ofereceu sua a:uda. L-eixe que eu te leve = latrina antes que se desgrace. LN8o vou a parte alguma se para tanto n8o me disser se estou desperta ou adormecida L gritei. LNue mau g9nioP L comentou /lorida) baixando sua cabe7a at1 fa4er que sua frente tocasse com a minha. LEst" ensonhando desperta L informou) enunciando cada palavra com suma delibera78o. $pesar de minha crescente apreens8o comecei a rir) e o som desse riso) reverberando por todo o quarto como um eco distante) dissipou minha ansiedade) e :" n8o me preocupou o fato de estar desperta) ou dormida sonhando. Doda minha aten78o se concentrou em chegar ao banheiro. LBnde fica o vaso@ L perguntei de mau modo. L?oc9 sabe onde est" L respondeu /lorinda dobrando os bra7os sobre o peito L e nunca chegar" a tempo a menos que se obrigue a isso. (as n8o traga o vaso = sua cama. $ isso lhe chamam o ensonhar do desleixado) e 1 a melhor maneira para emporcalhar sua cama. $nda at1 a latrina em um abrir e fechar de olhosP &omprovei espantada) ao tent"'lo) que n8o podia alcan7ar a porta. (eus p1s haviam perdido a confian7a e) lentos e incertos) como indecisos) se arrastavam um ap.s o outro. !esistindo'me a aceitar que :" n8o me obedeciam) intentei acelerar meus movimentos a:udando'os com minhas m8os) levantando um e depois o outro p1. $ /lorinda parecia n8o importar'lhe o que me acontecia. *"grimas de frustra78o e pena de mim mesma come7aram a formar'se em meus olhos enquanto eu seguia como parafusada ao ch8o. (eus l"bios contornaram a palavra a)ude-me, mas nenhum som escapou de minha boca. LB que acontece@ L perguntou) tomando um de meus bra7os para fa4er que) com suavidade) me sentasse no ch8o. -epois me tirou as grossas meias de l8 e examinou meus p1s) e ali se mostrou autenticamente preocupada. Nueria explicar'lhe que minha incapacidade para mover'me obedecia a que me encontrava emocionalmente exausta) por1m) por mais que

o tentasse) n8o podia transformar meus pensamentos em palavras) e enquanto lutava por emitir sons descobri problemas com minha vista: meus olhos n8o conseguiam enfocar seu ob:etivo) e o rosto de /lorinda permanecia borrado apesar de meus intentos) independente de se estar meu rosto perto ou longe do seu. LEu sei o que te acontece L sussurrou /lorinda em meu ouvido. LDem que ir ao vaso. /a7a'oP Intente chegar l"P &om um enf"tico movimento de cabe7a evidenciei meu assentimento. 3abia que eu estava ensonhando desperta) ou melhor) que vivia em outra realidade que ainda n8o me pertencia por inteiro) mas = qual tinha acesso por interm1dio desta gente. E me senti inexplicavelmente tranquila) e de repente estava na latrina) uma aut9ntica latrina) n8o produto dos sonhos. 5astei bastante tempo em inspecionar o que me cercava) em assegurar'me de sua realidade) e durante um certo per2odo o consegui. -epois) n8o sei como) me encontrei de novo no quarto. /lorinda ponderou sobre minha capacidade para ensonhar) ao qual prestei escassa aten78o) pois me distraiu a pilha de cobertores acomodados contra a parede. N8o os havia notado ao despertar) mas tinha a certe4a de t9'los visto antes. (inha sensa78o de bem'estar desapareceu rapidamente quando procurei recordar de onde havia visto essas cobertas. &resceu minha ansiedade. ," n8o soube se seguia na mesma casa = qual chegara com Isidoro Balta4ar) ou em algum outro lugar. L-e quem 1 esta resid9ncia@ L perguntei L e quem me vestiu com toda esta roupa@ L escutar minha pr.pria vo4 me aterrori4ava. /lorinda me acariciou os cabelos) e com vo4 suave revelou que pelo momento a casa era minha. Damb1m que havia sido ela quem me abrigou para evitar um esfriamento) explicando que o deserto era muito enganador) em especial de noite. Blhava'me com uma express8o enigm"tica) como se aludisse a algo) o qual me preocupou) pois suas palavras n8o proporcionaram ind2cio algum acerca do presumivelmente insinuado. (eus pensamentos giravam sem rumo. $ palavra'chave) decidi) era deserto. Eu n8o sabia que a casa das bruxas se locali4ava no deserto) pois hav2amos chegado nela depois de tantos rodeios que n8o poderia locali4"'la com exatid8o. L-e quem 1 esta casa) /lorinda@ L perguntei. Ela parecia estar lutando com algum problema importante) pois sua express8o mudou v"rias ve4es) de pensativa a preocupada. Est" em sua casa) disse por fim) sua vo4 profunda embargada de emo78o) e antes que eu pudesse lembrar'lhe que n8o havia respondido = minha pergunta) apontou em dire78o = porta e me indicou por sinais para ficar em sil9ncio. $lgo sussurrou na escurid8o externa. Podia ter sido o vento e as folhas) mas eu sabia que n8o era nem um nem outro. Era um som familiar) tranquili4ante) que recriava a mem.ria da refei78o no campo) em especial as palavras de (ariano $ureliano: De soprarei) como soprei =s outras) = pessoa que agora tem o mito em suas m8os. $s palavras soaram em meus ouvidos) e me virei como se (ariano $ureliano tivesse entrado no quarto) e nesse exato momento as estivesse pronunciando em vo4 alta. /lorinda assentiu com um movimento de cabe7a. Javia lido meus pensamentos) e seus olhos) fixos nos meus) estavam me obrigando a aceitar minha compreens8o da frase do nagual. -urante a comida n8o havia designado demasiada importUncia = frase) simplesmente me pareceu absurda. $gora era tal minha curiosidade por averiguar quem eram as outras que n8o podia permitir que o tema se desvanecesse. LIsidoro Balta4ar falou acerca de certa gente que trabalha com ele L insinuei com cautela. L-isse que lhe havia sido encomendada) e que era seu dever sagrado a:ud"'los. 38o eles os queS foram soprados at1 ele@ L perguntei vacilante. /lorinda repetiu seu caracter2stico movimento afirmativo de cabe7a. Am leve sorriso ondulava seus l"bios) como se minha ren;ncia em utili4ar a palavra soprar lhe causasse gra7a. LEssas s8o as que o velho nagual soprou ao novo nagual. 38o mulheres e se parecem com voc9. L3e parecem a mim@ L perguntei insegura) e pensei que teria sido prefer2vel se) em lugar de estar t8o absorta com meus alternantes estados de Unimo e sentimentos com rela78o a Isidoro Balta4ar durante a viagem) tivesse prestado maior aten78o a tudo o que me revelou acerca de seu mundo. LEm qu9 maneira essas mulheres se parecem a mim@ L perguntei) para depois acrescentar com fingida indiferen7a: L ?oc9 as conhece@ LEu :" as vi L disse sem comprometer'se. LNuantas mulheres foram sopradas a Isidoro Balta4ar@ L perguntei sem conseguir ocultar que me afetava) apesar de que o mero pensar nelas era ao mesmo tempo excitante e alarmante. $ /lorinda lhe encantou minha rea78o. LAmas tantas. N8o se parecem fisicamente com voc9) e contudo s8o como voc9. B que quero di4er 1 que se parecem entre si como eu com minhas irm8s feiticeiras. ?oc9 mesma n8o se surpreendeu com nossa grande semelhan7a assim que nos conheceu@ -ei'lhe a ra48o) depois do qual /lorinda explicou que o que fa4ia t8o parecidas =s suas companheiras com ela) apesar das .bvias diferen7as f2sicas) era sua absoluta devo78o ao mundo dos feiticeiros. LNos une um afeto at1 agora incompreens2vel para voc9. LN8o me cabe d;vida alguma L comentei com o tom mais c2nico poss2vel. -epois minha curiosidade em respeito =s mulheres que haviam sido sopradas a Isidoro Balta4ar me dominou: LNuando as conhecerei@ LNuando as encontrar L respondeu /lorinda. LE como poderei encontr"'las se n8o as conhe7o@ 3er" algo imposs2vel. LN8o para uma bruxa. &omo :" disse) n8o se parecem fisicamente com voc9) mas seu resplendor interno 1 t8o intenso como o delas. Por esse resplendor as reconhecer") 1 o resplendor dos feiticeiros. L 3eus olhos se fixaram intensamente em mim) como se de fato pudesse ver meu resplendor interno) sua vo4 baixou de tom e seu rosto adquiriu um mati4 grave. Deria preferido di4er uma irrever9ncia) mas algo em sua postura me alarmou. LEu posso ver esse resplendor@ L perguntei. LPara isso necessitamos do nagual L respondeu /lorinda) apontando para (ariano $ureliano) que estava de p1 no canto em sombras do quarto. N8o havia notado sua presen7a) mas sua repentina apari78o n8o me alarmou. /lorinda o colocar a par de meu dese:o) e ele me fe4 sinais para segui'lo at1 o meio do recinto.

L?ou lhe mostrar esse resplendor L disse) pondo'se de c.coras) e) elevando ambas as m8os) me instruiu por sinais a que eu subisse em suas costas. LB que@ ?amos dar um passeio de cavalinho@ L perguntei sem ocultar minha desilus8o. L?oc9 n8o ia me mostrar o resplendor dos feiticeiros@ L apesar de lembrar muito bem de sua advert9ncia de que a verdadeira feiti7aria n8o implicava comportamento estranho) rituais) drogas ou encantamentos) agora esperava alguma demonstra78o de seu poder) tal como o misturar feiti7os e ervas sobre o fogo) mas ignorando meu desencanto me convidou a rodear seu pesco7o com meus bra7os) recomendando fa49'lo com a devida precau78o a fim de n8o sufoc"'lo. L?oc9 n8o acha que sou um pouco crescidinha para que me levem assim@ 3urgiu um riso na garganta de (ariano $ureliano e explodiu com gosto. Em um salto ficou de p1) e acomodando seus bra7os atr"s de meus :oelhos me colocou em posi78o cKmoda) e saiu ao hall sem que minha cabe7a batesse no umbral da porta. &aminhou t8o sem esfor7o e com tal rapide4 que experimentei a sensa78o muito concreta de estar flutuando pelo longo e escuro corredor. Bbservei curiosa tudo o que me rodeava) mas nossa velocidade me impedia de captar detalhes da casa. Am suave embora persistente perfume invadia tudo: uma fragrUncia de laran:eiras e a frescura do ar frio. Ama mortalha de n1voa cobria o p"tio exterior) redu4indo minha vis8o a uma massa uniforme de silhuetas escuras) revelando e depois apagando as estranhas formas de "rvores e pedras. &ontudo) de uma coisa eu tinha certe4a: n8o est"vamos na casa das bruxas. Am ;nico som chegava a meus ouvidos) um r2tmico resfolegar n8o sabia se meu ou de (ariano $ureliano%) que invadia todo o p"tio) fa4ia tremer as folhas e invadia meu corpo para produ4ir uma tontura que me obrigava a aferrar'me aos ombros do nagual a fim de n8o perder os sentidos< mas antes que pudesse di4er'lhe o que estava experimentando a n1voa me envolveu e senti que me dissolvia em um nada. L-escansa sua testa sobre minha cabe7a L ordenou (ariano $ureliano numa vo4 que parecia vir de muito longe) e me produ4iu uma sacudida) pois havia esquecido que cavalgava sobre suas costas. L /a7a o que fi4er L continuou L n8o se solte L disse) acomodando'me de maneira que minha cabe7a sobressa2sse sobre a sua. LB que poderia acontecer se eu me soltar@ L perguntei) revelando meu temor L) somente cairia ao ch8o) n8o 1@ (ariano $ureliano riu sem contestar. Pausadamente) quase com passos de dan7a) percorreu v"rias ve4es o extenso p"tio) depois do qual) por um instante) tive a muito aguda sensa78o de que nos elev"vamos) perd2amos peso e sulc"vamos o espa7o. -epois) atrav1s do corpo de (ariano $ureliano) me senti de novo em terra firme. N8o soube se a n1voa se havia dissipado ou se hav2amos mudado de cen"rio) mas algo havia mudado. Dalve4 fosse s. o ar que se fe4 mais denso) mais dif2cil de respirar. N8o havia lua e apenas se avistavam as estrelas) por1m o c1u brilhava como iluminado desde algum lugar distante. *entamente) como se algu1m estivesse refor7ando seus contornos) as "rvores adquiriram nitide4. (ariano $ureliano fe4 uma parada frente a uma alta e frondosa "rvore de sapoti) em cu:os p1s estava reunido um grupo de umas do4e ou cator4e pessoas. $s folhas) pesadas de n1voa) escureciam seus rostos ressaltados por uma estranha lu4 verde emanada da "rvore) cu:o reflexo relampe:ava cada tra7o) olhos) nari4es e l"bios) apesar do qual eu n8o conseguia identificar a nenhum) nem sequer determinar se eram homens ou mulheres. LB que fa4em@ Nuem s8o@ L sussurrei no ouvido de (ariano $ureliano. L(antenha sua testa sobre minha cabe7a. Bbedeci sua ordem) temerosa de exercer demasiada press8o e fundir meu rosto em seu crUnio. Na esperan7a de reconhecer a algu1m pela vo4 lhes dei um boa'noite) mas apenas consegui sorrisos muito fuga4es) pois me viraram os rostos. Am som raro partiu do grupo) um som carregado de energia pois) igual = "rvore) cada um deles come7ou a resplandecer) n8o com lu4 verde e sim com um brilho dourado) que em pouco tempo se converteu numa enorme bola de ouro) que ficou suspensa sob a "rvore. -epois a bola se dissolveu para formar peda7os de luminosidade que) como gigantescos vaga'lumes) apareciam e desapareciam entre as "rvores) espalhando lu4es e sombras quando passavam. L*embre'se desse fulgor L murmurou (ariano $ureliano) e sua vo4 repercutiu dentro de minha cabe7a. LT o fulgor dosS surem. Am repentino golpe de vento esparramou suas palavras) um vento vivo que brilhava contra a escurid8o do c1u) soprando com grande viol9ncia e um estranho e desgarrante som. E esse vento se virou contra mim) e tive a certe4a de que pretendia aniquilar'me. 5ritei de dor quando uma forte baforada chamuscou meus pulmCes) e um intenso frio dominou e endureceu meu corpo. N8o pude determinar se foi (ariano $ureliano ou o vento quem falou. B vento rugiu em meus ouvidos) e depois penetrou meus pulmCes) agitando'se como um ser vivo dese:oso de devorar cada c1lula de meu corpo. 3enti que me desmoronava) e soube que estava morrendo) mas o rugido cessou) e se fe4 um sil9ncio t8o repentino que cheguei a ouvi'lo. !i com todas as minhas for7as) agradecida pelo fato de seguir com vida. 1A032ULO DE9 $ cama era grande) branda e confort"vel. Ama irradia78o aur2fera enchia o quarto) e na esperan7a de prolongar esse momento de bem'estar fechei os olhos e mergulhei numa felicidade sonolenta) entre fragrantes len7.is de linho e o aroma de travesseiros perfumados com lavanda. 3entia tensos cada m;sculo e cada osso de meu corpo ao recordar os acontecimentos da noite) fragmentos desunidos de um sonho horr2vel. N8o existia continuidade nem sequ9ncia linear em tudo o que experimentei durante essas horas intermin"veis. -uas ve4es despertei aquela noite em camas diferentes) em quartos distintos) inclusive em casas distintas. 3e diria que essas imagens separadas possu2am vida pr.pria) pois de repente se empilharam e se expandiram para formar um labirinto que) de alguma maneira) consegui compreender. (elhor di4endo) percebi cada evento simultaneamente. $ sensa78o dessas imagens) nascendo de minha cabe7a para formar uma enorme e caprichosa touca) era t8o forte que saltei da cama para chegar at1 a cKmoda de a7o e vidro) cu:o espelho de tr9s pain1is encontrei coberto com papel arro4. Dentei arrancar um peda7o desse papel) mas estava aderido como uma pele. ?er o :ogo de escova e pentes montados sobre prata) os frascos de perfume e os potes de cosm1ticos sobre a cKmoda) teve sobre mim um efeito tranquili4ante) pois tamb1m eu os teria disposto por tamanho

como ferramentas. -e algum modo soube que me encontrava no quarto de /lorinda) na casa das bruxas) e isto restabeleceu meu sentido de equil2brio. B quarto de /lorinda era enorme) e a cama e a cKmoda seus ;nicos m.veis. Estavam locali4adas em cantos opostos) em Ungulo) e separadas das paredes) deixando atr"s delas um espa7o triangular. Esta disposi78o n8o deixou de intrigar'me) pois n8o sabia se era em resposta a alguma trama esot1rica cu:o significado me escapava) ou se simplesmente respondia ao capricho est1tico de sua dona. 3enti curiosidade pelas tr9s portas do quarto. E meu dese:o de saber para onde condu4iam me levou a prov"'las. $ primeira estava fechada por fora) a segunda abria a um pequeno p"tio) retangular e amuralhado. Estudei intrigada o c1u) at1 que por fim me dei conta de que n8o era de manh8) tal qual supus ao despertar) mas o fim da tarde. N8o me preocupava o fato de haver dormido todo o dia: ao contr"rio) me senti feli4) pois convencida de ser uma insone crKnica) sempre me extasia o exceder' me em dormir. $ terceira porta abria a um corredor) e ansiosa por encontrar a Isidoro Balta4ar me dirigi = sala) que encontrei va4ia. Javia algo imponente na maneira prolixa e simples em que estava disposto o mobili"rio. Nada indu4ia a crer que o sof" e as poltronas tivessem sido ocupados na noite anterior. $t1 as almofadas estavam esticadas como soldados em posi78o de sentido. Damb1m o refeit.rio) seguindo pelo corredor) parecia abandonado. Nem uma cadeira fora de lugar) nem uma migalha) nem uma mancha sobre a lustrada superf2cie da mesa de caoba) nada delatava o fato de que na noite anterior eu havia ceiado ali com o nagual (ariano $ureliano e o senhor /lores. Na co4inha) separada do refeit.rio por um p.rtico e um estreito vest2bulo) encontrei um :arro com restos de champurrada e um prato tampado) de tamales doces. $ fome me fe4 resistir ao incKmodo de esquent"'los. (e servi uma caneca do espesso chocolate e comi os tr9s tamales diretamente de seus pacotes. Dinham recheio de peda7os de pinha) uvas passas e am9ndoas) que achei deliciosos. Era'me inconceb2vel que me tivessem deixado so4inha na casa) mas n8o podia ignorar o sil9ncio que me rodeava. N8o era a pa4 reconfortante que se percebe quando os moradores deliberadamente se abst9m de fa4er ru2dos) antes era o rotundo sil9ncio de lugar deserto) e a possibilidade de ter sido abandonada me fe4 engasgar com um peda7o de tamale. -e volta ao quarto de /lorinda me detive ante cada porta para golpear repetidas ve4es e perguntar Dem algu1m em casa@< ningu1m respondeu. Estava a ponto de sair ao p"tio quando ouvi com nitide4 uma vo4 que perguntava: LNuem chama@ L vo4 profunda e "spera cu:o sexo n8o pude determinar) assim como tampouco a dire78o de onde vinha. !etrocedi e repeti a pergunta a plenos pulmCes. $o chegar ao extremo do corredor parei um instante frente a uma porta fechada) depois acionei a ma7aneta e entrei. &om os olhos fechados) apoiada contra a parede) esperei at1 que se normali4assem as batidas de meu cora78o) e pensei com antecipada culpa nas consequ9ncias que podia acarretar'me o fato de ser surpreendida ali. (as minha curiosidade venceu) superei a sensa78o de estar cometendo um ato delituoso) e aspirei o ar de encanto e de mist1rio que impregnava o cKmodo. Pesadas cortinas escuras impediam toda a claridade) e a ilumina78o vinha de uma lUmpada cu:o enorme aba:ur adornado com fran:as vertia um c2rculo de lu4 amarela sobre o sof" pr.ximo = :anela. No pr.prio centro uma cama de quatro colunas) com dossel e cortinado) dominava tudo qual se fosse um trono) e as figuras orientais de bron4e e madeira) talhadas a m8o e dispostas sobre as quatro mesinhas situadas em cada canto) pareciam ser as sentinelas celestiais que guardavam o aposento. *ivros) pap1is e :ornais estavam amontoados sobre a escrivaninha e sobre um arm"rio< a cKmoda carecia de espelho) e em lugar de pente e escova) ou frascos de perfume e cosm1ticos) a superf2cie de vidro estava coberta por uma cole78o de pequenas ta7as. &olares de p1rolas) correntes de ouro) an1is e broches transbordavam das ta7as de bordas douradas como tesouros abandonados) e reconheci dois dos an1is por t9'los visto nas m8os de 6oila. !eservei para o final a inspe78o da cama. Nuase com rever9ncia) como se de fato se tratasse de um trono) corri o cortinado e emiti uma exclama78o de go4o: as almofadas brilhantes sobre a colcha verde me lembravam flores silvestres num prado. &ontudo) n8o pude impedir que um calafrio sacudisse meu corpo) pois s. podia atribuir a uma ilus8o esse calor e mist1rio que o quarto exalava. $ sensa78o de ter'me introdu4ido em algum tipo de miragem se fe4 mais pronunciada no terceiro cKmodo) que a princ2pio tamb1m me pareceu c"lido e amistoso. B pr.prio ar era suave e afetuoso) ecos de risos pareciam repicar de suas paredes) por1m esta atmosfera era t8o t9nue e fuga4 como a lu4 do entardecer infiltrando'se atrav1s do cortinado transparente de uma :anela. &omo no outro quarto) a cama) tamb1m com dossel) e decorada com almofadas multicolores distribu2das ao acaso) dominava o espa7o. Ama m"quina de costura descansava contra uma parede: velho artefato de p1) pintado a m8o. ,unto a ela havia uma biblioteca) cu:as estantes se viam forradas com rolos das mais finas sedas) algodCes e gabardines de l8) prolixamente empilhados por cor e por textura. 3eis perucas de diferentes cores) estendidas sobre caba7as) estavam em exibi78o sobre uma mesa baixa :unto = :anela) entre elas a peruca loira que usou -elia /lores) e a escura e esquisita que (ariano $ureliano me enfiou na cabe7a no dia do incidente da cafeteria de Ducson. B quarto cKmodo estava um tanto afastado dos outros) e do outro lado do vest2bulo. &omparado com os demais dava a impress8o de estar va4io. Bs ;ltimos raios do sol da tarde) infiltrando atrav1s de uma parede treli7ada) :a4iam no piso como um tapete de lu4es e sombras) trama ondulante e retangular. $s poucas pe7as de mob2lia estavam t8o engenhosamente distribu2das que fa4iam com que parecesse maior do que na realidade era. Estantes baixas para livros) com portas de vidro) se alinhavam :unto =s paredes) e num extremo do cKmodo havia uma cama estreita cu:a manta com quadrinhos cin4as e brancos pendia at1 o piso e fa4ia :ogo com as sombras no piso. $ delicada secr/taire de madeira rosa) com sua cadeira de igual madeira com bron4e) antes aumentava que redu4ia a sensa78o espartana do ambiente. 3abia que era o quarto de &armela. 5ostaria de ter examinado os t2tulos dos livros) mas minha ansiedade era muito grande) e como perseguida por algu1m) sa2 precipitadamente ao corredor e dali ao p"tio. 3entei'me numa cadeira de :unco: tremia e transpirava) e apesar disso sentia as m8os geladas. N8o era por causa da culpa que tremia n8o me teria importado que me surpreendessem xeretando% e sim a estranha) n8o mundana) qualidade que distinguia esses quartos t8o lindamente mobiliados) a quietude aderida =s paredes era uma

quietude singular que nada tinha a ver com a aus9ncia de seus moradores) mas sim com a aus9ncia dos sentimentos e emo7Ces que normalmente distinguem os lugares habitados. Eu havia rido comigo mesma cada ve4 que algu1m se referia =s mulheres como bruxas e feiticeiras. Nem se pareciam ou se comportavam como se espera que fa7am as bruxas: extravagantemente dram"ticas e sinistras. (as agora n8o me cabia d;vida alguma de que eram diferentes de outros seres humanos. $ssustava'me que fossem diferentes de uma maneira para mim incompreens2vel e inconceb2vel. Am som suave e raspante pKs fim a meus inquietantes pensamentos) e em busca de sua origem desli4ei na ponta dos p1s pelo corredor) afastando'me dos dormit.rios em busca dos fundos da casa. B ru2do emanava de um quarto detr"s da co4inha) mas quando cheguei a ele e encostei meu ouvido na porta) parou) para reiniciar assim que me afastei. Intrigada) aproximei de novo minha orelha e outra ve4 parou) e assim v"rias ve4es) como se o som e o consequente sil9ncio dependessem de meus movimentos. -ecidida a descobrir quem se escondia ou) pior ainda) quem deliberadamente tratava de assustar'me) busquei a ma7aneta da porta) mas ao n8o poder abrir lutei v"rios minutos antes de me dar conta de que estava fechada) e com a chave na fechadura. Nem bem me encontrei dentro pensei que algu1m perigoso bem podia) por muitas boas ra4Ces) estar encerrado neste aposento. Ama penumbra opressiva se aderia =s pesadas cortinas fechadas) como algo vivo que atra2a =s sombras de toda a casa at1 esse recinto enorme. $ lu4 se enfraqueceu) as sombras se engrossaram ao redor do que pareciam ser m.veis descartados) e de figuras incomuns) enormes e pequenas) feitas de madeira e de metal. B mesmo som raspante que me trouxe a este quarto quebrou o sil9ncio. $s sombras se desli4avam pelo quarto como felinos em busca de uma presa) enquanto gelada de terror eu observava como a cortina batia e respirava igual a um dos monstros de meus pesadelos. -e repente cessaram o som e o movimento) fa4endo ainda mais tem2vel a resultante quietude e sil9ncio) e :" me dispunha a abandonar o lugar quando o ru2do recome7ou. Ent8o) armando'me de valor) cru4ei o quarto e descorri o cortinado) e soltei uma risada ao comprovar que atrav1s do vidro quebrado da :anela o vento havia estado chupando e soprando a cortina. $ lu4 declinante da tarde) ao penetrar pelas cortinas semi'abertas) reagrupava as sombras e revelava um espelho ovalado quase escondido por uma das estranhas figuras de metal. &onsegui desli4ar'me entre a escultura e a parede para contemplar embele4ada o velho espelho vene4iano) manchado e gasto pelos anos) que ao distorcer grotescamente minha imagem me obrigou a fugir do lugar. 3a2 afora pela porta traseira e encontrei deserta a ampla clareira detr"s da casa. B c1u seguia brilhante) mas as altas "rvores de frutas :" haviam adquirido os tons do crep;sculo. Am bando de corvos passou voando) suas negras asas escureceram a lu4) e se fe4 noite sobre o lugar. -ominada pela triste4a e a desesperan7a me sentei no ch8o e chorei) e quanto mais forte era meu pranto maior pra4er me ocasionava lamentar'me em viva vo4. B ru2do de um rastelo me tirou de meu lamento) e ao levantar a vista vi a uma pessoa "gil arrastando folhas em dire78o a um fogo que ardia nos fundos do p"tio. LEsperan4aP L gritei) correndo at1 ela) mas me detive ao comprovar que n8o era ela e sim um homem quem manipulava o rastelo. L Eu lamento L murmurei L) o confundi com outra pessoa L e lhe estendi minha m8o para apresentar' me. Procurei n8o olh"'lo muito fixamente) mas n8o pude evitar) pois n8o estava de todo segura de que n8o se tratasse de Esperan4a disfar7ada de homem. $pertou minha m8o suavemente) e a t2tulo de apresenta78o anunciou que era o cuidador. N8o disse seu nome. Nuando tive sua m8o na minha me pareceu t8o fr"gil como a asa de um p"ssaro< tamb1m seu rosto tinha algo de p"ssaro) aquilino e de olhos vivos) cabelo branco semelhante a plumas e penacho. Em suma) um homem fraco e antigo. (as n8o eram s. sua apar9ncia de passarinho e sua delicade4a as que me fa4iam lembrar a Esperan4a) como tamb1m o rosto enrugado e carente de express8o) os olhos l2mpidos e brilhantes como os de uma crian7a) e os dentes pequenos) quadrados e muito brancos. L3abe onde est" /lorinda@ L perguntei) e ante sua resposta negativa acrescentei: LE os outros@ $guardou num amplo sil9ncio) e depois) como se eu n8o tivesse feito pergunta alguma) repetiu que era o cuidador. LEu cuido de tudo o que est" aqui L disse. LN8o me diga@ L perguntei) observando'o com desconfian7a. Dal era sua fragilidade que era dif2cil conceb9'lo cuidando de algo) inclusive de si mesmo. L&uido de tudo L repetiu com um doce sorriso) destinado talve4 a eliminar minhas d;vidas) e parecia estar a ponto de acrescentar algo quando mudou de id1ia) mordeu pensativo seu l"bio inferior) para logo dar meia volta e continuar reunindo as folhas num pequeno monte) mediante h"beis movimentos de sua ferramenta. LBnde est8o todos@ L perguntei. &om a testa descansando sobre a m8o que segurava o rastelo me dirigiu uma olhada ausente. -epois) com um sorriso va4io) olhou ao redor como se a qualquer momento algu1m pudesse aparecer por detr"s de uma das "rvores de frutas. &om um forte e aud2vel suspiro eu estava prestes a me retirar. Ele limpou sua garganta) e com vo4 rouca e gasta pelos anos) disse: LB velho nagual levou a Isidoro Balta4ar =s montanhas. L n8o me olhou< seus olhos enfocavam algo na distUncia. L !egressar8o em alguns dias. L-iasP L gritei indignada. LEst" certo de ter escutado bem@ L e abatida por haver se concreti4ado meu maior temor) s. pude murmurar: L&omo podem ter me deixado so4inha desta maneira@ LPartiram de noite. L informou o velho) ao mesmo tempo em que recobrava uma folha que o vento lhe havia roubado. LIsso 1 imposs2vel) acabamos de chegar de noite L retruquei. LBem tarde. Indiferente = minha presen7a e meu tom agressivo) o velho botou fogo no monte de folhas. LIsidoro Balta4ar deixou alguma mensagem para mim@ L perguntei) ficando de c.coras :unto a ele. LN8o deixou nada dito para mim ou algo parecido@ L sentia vontade de gritar) mas algo me impedia disso. Am certo aspecto mistificador do velho me desconcertava) e a id1ia de que pudesse ser Esperan4a disfar7ada n8o me havia abandonado ao todo. LE Esperan4a) foi com eles para as montanhas@ L perguntei) e minha vo4 tremeu) atacada por um s;bito e desesperado dese:o de rir. $ n8o ser que abaixasse suas cal7as e me mostrasse seus genitais) nada que ele fi4esse poderia me convencer de que era homem. LEsperan4a est" na casa L murmurou) sua aten78o fixa no monte de folhas fumegantes. LEst" na casa com os demais.

LN8o se:a rid2culo) ela n8o est" na casa L o contradisse de mau modo. LN8o h" ningu1m na casa. Eu os estive buscando toda a tarde) e revistei todos os quartos. LEst" na casa pequena L repetiu o velho com obstina78o) transferindo seu intenso olhar das folhas ao meu rosto. B brilho malicioso de seus olhos fe4 com que eu dese:asse chut"'lo. LNue pequenaS@ L n8o completei a pergunta) pois lembrei da outra casa que havia visto quando chegamos) e a lembran7a chegou a me causar uma dor f2sica. L-everia de ter me dito desde o princ2pio que Esperan4a estava na casa pequena L o censurei) enquanto sub' repticiamente buscava o lugar) oculto de minha vista pelas grandes "rvores e por uma parede. LIrei ver se 1 verdade que Esperan4a est" l" como disse L e fiquei de p1. B velho tamb1m se levantou) e da "rvore mais pr.xima pegou uma lamparina e um saco de estopa que estavam pendurados num galho baixo. LEu sinto muito) mas n8o posso deix"'la ir l" so4inha L anunciou. LN8o ve:o por que n8o@ L respondi incomodada. LDalve4 n8o o saiba) mas sou h.spede de /lorinda. (e levaram = casinha de noite. L fi4 uma pausa antes de acrescentar: LEstive l") n8o duvide disso. Escutou com aten78o) mas a d;vida se refletia em seu rosto. LT complicado chegar l" L advertiu L) preciso lhe preparar o caminho. PrecisoS L pareceu parar no meio de um pensamento que n8o dese:ava expressar. Encolheu'se de ombros e repetiu o referente = prepara78o do caminho. LB que 1 que tem que preparar@ Dem que se abrir caminho pelo chaparral com um fac8o@ L perguntei sem ocultar minha irrita78o. L3ou o cuidador. Eu preparo o caminho L repetiu com obstina78o) e se sentou no ch8o para acender a lamparina de a4eite. $ntes de acender'se satisfatoriamente) a lamparina apresentou problemas. -epois) sob sua lu4) os tra7os do velho pareceram descamados) sem rugas) como se essa lu4 tivesse apagado os maus'tratos do tempo. L$ssim que terminar de queimar estas folhas te levarei at1 l". LEu lhe a:udarei L retorqui. Era .bvio que estava senil e necessitava que o satisfi4essem. &olaborei com ele :untando as folhas em pequenos mont2culos que ele de imediato queimava) para coloc"'las no saco de estopa assim que se esfriavam. B interior da bolsa estava recoberto de pl"stico. E foi este detalhe) o forro pl"stico) o que ressuscitou uma lembran7a quase esquecida de minha infUncia. Enquanto :unt"vamos as folhas na bolsa contei'lhe que de menina) vivendo num povoado vi4inho = &aracas) com frequ9ncia me despertava o ru2do de um rastelo. Ent8o me escapulia da cama) e com passo de gato deixava para tr"s os dormit.rios dos meus pais e irm8os) e chegada ao quarto que ficava de frente = pra7a) com extremo cuidado por causa das dobradi7as trai7oeiras) abria as persianas de madeira e me desli4ava por entre as barras de ferro. B velho) a cu:o encargo estava a limpe4a da pra7a) me dava as boas'vindas com um sorriso desdentado) e :untos costum"vamos recolher as folhas ca2das durante a noite em pequenos mont2culos) relegando os demais de:etos =s latas de lixo. Nueim"vamos as folhas e) ao esfriarem'se) as met2amos em um saco de estopa forrado de seda. 3egundo o velho) as fadas aqu"ticas que moravam num riacho sagrado nas montanhas pr.ximas convertiam as cin4as em p. de ouro. LDamb1m conhece =s fadas que transformam as cin4as em p. de ouro@ L perguntei ao perceber o qu8o feli4 que estava o velho com o conto. N8o respondeu) mas riu com tal pra4er e abandono que n8o pude fa4er menos que :untar'me = sua felicidade. *ogo chegamos ao ;ltimo mont2culo de cin4as :unto ao port8o em arco implantado na parede: o port8o de madeira estava aberto de par em par. -o outro lado do chaparral) quase oculta em sombras) encontrava'se a outra casa. Nenhuma lu4 brilhava em suas :anelas) e me deu a impress8o de que se afastava de mim. Perguntei'me se tudo n8o seria mais que fruto de minha imagina78o) um lugar recordado em um sonho) e pisquei repetidas ve4es e esfreguei meus olhos. -ecidi que algo andava mal ao lembrar minha chegada = casa das bruxas na noite anterior com Isidoro Balta4ar. $ casa menor ficava = direita da maior. &omo) ent8o) a via agora do p"tio traseiro da casa das bruxas@ Em minha tentativa por orientar'me me movi de um lado a outro) choquei'me com o velho) agachado :unto a um monte de cin4as) e cai no ch8o. &om incr2vel agilidade ficou p1 e me a:udou a levantar. LEst" cheia de cin4as L disse) limpando'me o rosto com o punho recolhido de sua camisa de trabalho. L*" est"P L gritei. !ecortada nitidamente contra o c1u a casa esquiva parecia estar a poucos passos. L*" est". L repeti) e comecei a saltar como se com esses pulos conseguiria reter a casa em seu lugar e no tempo. LEssa 1 a verdadeira casa das bruxas L acrescentei) enquanto deixava que o velho continuasse com a limpe4a de meu rosto L) a casa grande 1 s. uma fachada. L$ casa das bruxas L repetiu ele) lentamente) saboreando cada palavra) para depois gargalhar) parecendo se divertir. Enfiou as ;ltimas cin4as em sua bolsa) e com um sinal me convidou a segui'lo. -ois p1s'de'laran:a cresciam do outro lado do port8o) afastados da parede. Ama brisa fresca soprava atrav1s de seus galhos floridos) mas as flores em si n8o se moviam) n8o ca2am ao ch8o. &ontra a escura folhagem) pareciam talhadas em quart4o leitoso. &omo sentinelas) as duas "rvores guardavam o estreito caminho) branco e muito reto) como tra7ado com uma r1gua. B velho me entregou a lamparina< depois extraiu um punhado de cin4as da bolsa) as quais passou v"rias ve4es de uma m8o = outra) como se as pesasse) antes de espalh"'las pelo ch8o. LN8o fa7a perguntas e siga minhas instru7Ces L disse numa vo4 :" n8o rouca) e sim dotada de uma qualidade a1rea) en1rgica e convincente. *evemente encurvado e caminhando para tr"s deixou que o resto das cin4as ca2ssem da bolsa sob o estreito caminho. L(antenha seus p1s na linha das cin4as L advertiu. L3e n8o o fi4er nunca chegar" na casa. Dossi para esconder meu riso nervoso) e estendendo os bra7os encarei a estreita linha de cin4as como se caminhasse por uma corda bamba: e cada ve4 que par"vamos para permitir ao velho recuperar o fKlego) me virava para olhar a casa rec1m abandonada) a qual parecia afastar'se apesar de que a outra n8o dava a impress8o de aproximar'se. Dentei me convencer de que se tratava de uma ilus8o de .tica) mas me pesou a vaga certe4a de que :amais alcan7aria uma ou outra casa se o tentasse por minha conta. -iria'se que o velho percebeu meus temores) pois segurou meu bra7o para dar'me Unimo.

LPor isso estou preparando o caminho L explicou) e olhando dentro de sua bolsa acrescentou: LN8o tardaremos a chegar. *embre'se de manter seus p1s sobre a linha de cin4as. 3e o fi4er poder" transitar sem problema num ou noutro sentido a qualquer momento. (inha mente me di4ia que o homem era um louco) mas meu corpo sabia que sem ele e suas cin4as eu estava perdida. E t8o absorta estive em manter meus p1s sobre a linha que me surpreendeu quando finalmente nos encontramos frente = porta. B velho pegou de volta a lamparina) limpou sua garganta e depois golpeou suavemente com os n.s dos dedos sobre o painel entalhado. N8o esperou resposta) empurrou e entramos. LN8o v" t8o r"pidoP L gritei) temerosa de ser deixada para tr"s. B segui por um estreito vest2bulo) onde deixou a lamparina sobre uma mesa baixa) e logo a seguir) sem uma palavra) e sem sequer olhar atr"s) abriu uma porta e desapareceu tragado pela escurid8o. 5uiada por uma vaga lembran7a entrei no quarto ad:acente) apenas iluminado) e de imediato me dirigi = esteira que cobria o piso. N8o tinha a menor d;vida de ter estado ali e dormido sobre essa esteira na noite anterior) mas n8o estava t8o segura sobre o :eito em que cheguei. Nue (ariano $ureliano me havia carregado em suas costas atrav1s do chaparral estava claro em minha mente) como tamb1m ter despertado nesse quarto com &lara ao meu lado) antes de ser levada pelo velho nagual. &onfiante de que tudo me seria explicado em breve me sentei sobre a esteira. $ lu4 da lamparina vacilou e depois se apagou) e pressenti) mais que vi) coisas e pessoas movendo'se ao redor. Escutei o murm;rio de vo4es e sons intang2veis surgindo de cada canto) e entre todos eles reconheci um familiar frufru de saias e um suave risinho. LEsperan4a@ L sussurrei. L(eu -eus) n8o sabe quanto me alegra por lhe verP L e apesar de ser ela quem me esperava) me surpreendi quando a tive a meu lado. Dimidamente toquei seu bra7o. L3ou eu L me assegurou. $penas escutar sua vo4 me convenceu de que na verdade era Esperan4a) e n8o o cuidador) que havia trocado sua roupa de trabalho caqui por an"guas sussurrantes e um vestido branco. Nuando senti o toque tranquili4ante de sua m8o sobre meu rosto desapareceu toda a preocupa78o pelo cuidador. L&omo cheguei aqui@ L perguntei. LB cuidador te trouxe L respondeu rindo. LN8o lembra@ L e virando'se at1 a mesa acendeu de novo a lamparina. L/alo da outra noite L esclareci. L3ei que estive aqui) despertei sobre esta esteira. &lara estava comigo) e /lorinda) e as outras mulheresS L e minha vo4 apagou ao lembrar que depois havia despertado na sala da outra casa) e depois sobre uma cama. 3acudi a cabe7a) como para por ordem em minhas lembran7as. 3entindo'me desamparada olhei para Esperan4a) confiante de que ela estava enrolando) e lhe falei das dificuldades que estava experimentando para recordar) em sua ordem seqMencial) dos acontecimentos daquela noite. LN8o deveria ter problemas L respondeu. L(eteu'se no trilho dos ensonhos. $gora est" ensonhando desperta. LNuer di4er que neste exato instante estou dormindo@ L perguntei brincando. L?oc9 tamb1m dorme@ LN8o estamos dormindo L respondeu) articulando suas palavras com cuidado. L?oc9 e eu estamos ensonhando despertas L e elevando suas m8os num gesto desvalido) acrescentou: LEu lhe disse isso no ano passado. *embra@ Dive de repente um pensamento salvador que chegou como se dito por algu1m em meu ouvido: na d;vida a pessoa deve separar os dois trilhos) o dos assuntos ordin"rios e o dos ensonhos) :" que cada um tem um diferente estado de consci9ncia. Isso me levantou o Unimo) pois sabia que o primeiro a ser examinado era o dos ensonhos< se a situa78o n8o corresponde a este trilho ent8o a pessoa n8o est" ensonhando. (eu :;bilo desapareceu quando tentei examinar o trilho dos ensonhos. N8o tinha no78o de qual era) nem de como se fa4) para proceder = sua revis8o e) para piorar) n8o lembrava quem me havia recomendado este procedimento. L/ui eu L revelou Esperan4a. L?oc9 tem avan7ado muito no reino dos ensonhos. Nuase recordou o que te disse o ano passado) no dia depois da comida. -isse ent8o a voc9 que quando duvidar sobre se est" ou n8o ensonhando) precisa examinar o trilho pelo qual marcham os ensonhos) significando com isto que precisa examinar o grau de consci9ncia que temos nos ensonhos) sentindo aquele com o qual est" nesse momento em contato. 3e est" ensonhando) esse sentir regressa a voc9 como um eco< se n8o regressar) 1 sinal de que n8o est" ensonhando. 3orrindo) beliscou minha coxa e disse: LProve com esta esteira sobre a qual est" recostada. Experimente com suas n"degas. 3e obter resposta) ent8o est" ensonhandoS (inhas intumescidas n"degas n8o receberam resposta. -e fato) eu estava t8o intumescida que nem sequer sentia a esteira. Dinha a sensa78o de estar estendida sobre as "speras la:otas do ch8o. Experimentei um forte dese:o de informar'lhe que deveria imperar o oposto: caso se receba resposta) ent8o se est" desperto) mas me detive a tempo pois sabia) acima de qualquer d;vida) que para ela o significado de o sentir que regressa como um eco nada tinha a ver com nosso conhecido e aceito entendimento do que 1 uma sensa78o ou um eco. $ diferen7a entre estar desperta e ensonhar desperta me escapava) apesar de minha certe4a de que essa diferen7a n8o coincidia em absoluto com nossa maneira convencional de entender a consci9ncia. No entanto) nesse momento) as palavras abandonavam minha boca sem controle de minha parte. -isse: L3ei que estou ensonhando desperta e ponto final. L Pressenti a estar aproximando'me a um novo e mais profundo n2vel de compreens8o que) contudo) n8o conseguia assimilar. LB que queria saber 1: quando eu dormi@ L perguntei. L," te disse) n8o est" adormecida. Est" ensonhando desperta. 3em querer comecei a rir de maneira tranquila) mas visivelmente nervosa. Ela n8o pareceu not"'lo nem importar'se. LNuando teve lugar a transi78o@ L perguntei. LNuando o cuidador te estava fa4endo cru4ar o chaparral) e tinha que concentrar'se em manter seus p1s sobre as cin4as. L-eve ter me hipnoti4adoP L disse de n8o muito bom grado. &omecei a falar de forma incoerente) enredando'me em palavras sem conseguir que elas tivessem sentido) para terminar chorando e denunciando a todos. Esperan4a me observou em sil9ncio) sobrancelhas levantadas e olhos abertos em atitude de surpresa. -e imediato lamentei meu rompante) apesar de que me satisfe4 o fato de ter falado) pois senti um momentUneo al2vio do tipo que se experimenta depois de uma confronta78o.

L3ua confus8o se origina em sua facilidade para passar de um tipo de consci9ncia a outra. 3e tivesse tido que lutar para conseguir isso) como o fa4 todo mundo) ent8o saberia que o ensonhar desperto n8o 1 somente hipnose. L Esperan4a fe4 uma pausa antes de continuar. LB ensonhar desperto 1 o estado mais sofisticado que os seres humanos podem conseguir. Blhou em dire78o =s sombras do quarto) como se de l" algu1m pudesse lhe fornecer uma explica78o mais clara. -epois) virando'se para mim) perguntou: L?oc9 comeu sua comidinha@ $ mudan7a de assunto me surpreendeu) e comecei a balbuciar. $o recobrar'me) disse'lhe que) de fato) havia comido os tamales doces) que havia tido tanta fome que nem me incomodei em esquent"'los) e que estavam deliciosos. Enquanto brincava com seu chale Esperan4a me pediu uma detalhada vers8o de tudo o que havia feito desde meu despertar no quarto de /lorinda. &omo se me tivessem administrado uma po78o reveladora da verdade) soltei mais do que era minha inten78o divulgar. $ Esperan4a n8o pareceu importar'lhe minha passagem pelos quartos das mulheres) nem lhe impressionou o fato de que eu soubesse qual quarto correspondia a cada uma. B que se lhe interessou) n8o obstante) foi meu encontro com o cuidador) e com um sorriso de inocult"vel felicidade) escutou o relato de minha confus8o) de t9'lo tomado a ele por ela. $o admitir que em determinado momento estive a ponto de pedir'lhe a exibi78o de seus genitais como prova) fe4 com que ela se torcesse de risos sobre a esteira. $poiando'se em mim) cochichou em meu ouvido: LDe tranquili4arei L e com um brilho perverso nos olhos adicionou L) olhe os meus. LN8o 1 necess"rio) Esperan4a L retruquei) intentando dissuadi'la. LN8o duvido de que se:a mulher. LN8o h" como se estar seguro disso L rebateu) ignorando minhas palavras) e indiferente ao meu desconcerto ocasionado n8o tanto pela iminente desnude4) e sim pelo fato de ter que contemplar um corpo velho e enrugado% se recostou na esteira e) com grande sutile4a) levantou lentamente suas saias. (inha curiosidade triunfou sobre meu desconcerto) e a olhei boquiaberta. N8o usava calcinhas) e carecia por completo de pelos p;bicos. 3eu corpo era incrivelmente :ovem) as carnes fortes e firmes) e os m;sculos delicadamente delineados. Era de uma s. cor) um uniforme rosa'avermelhado< sua pele n8o exibia uma s. mancha nem vari4es) e nada danificava a uniforme suavidade de suas pernas e seu abdKmen. (e estiquei para toc"'la) como se precisasse do tato para assegurar'me de que essa pele sedosa era real) e ela abriu os l"bios de sua vagina com os dedos. $fastei meu rosto) n8o tanto por sentir'me incomodada) mas por causa de minhas conflitadas emo7Ces. N8o era uma quest8o de desnude4: havia nascido num lugar sem preconceitos) onde ningu1m tinha problemas a esse respeito) e durante meus dias escolares na Inglaterra fui convidada um ver8o a passar duas semanas na 3u1cia) na casa de uma amiga que morava :unto ao mar. Doda sua fam2lia pertencia a uma colKnia nudista que adorava o sol com cada peda7o de sua pele desnuda. ?er a Esperan4a sem roupas ante mim foi diferente) e me excitou de maneira muito especial. Nunca havia reparado antes nos .rg8os sexuais de uma mulher. &ertamente :" havia examinado a mim mesma no espelho. -esde todo Ungulo poss2vel. Damb1m havia assistido = exibi78o de filmes pornogr"ficos) que n8o s. me desagradaram como me ofenderam) mas v9'la assim a Esperan4a foi uma experi9ncia demolidora) pois sempre considerei normais minhas rea7Ces no terreno sexual. Pensei que como mulher unicamente me excitaria um homem) e me surpreendeu tremendamente um incont2vel dese:o de mont"'la) neutrali4ado somente por minha falta de p9nis. Nuando Esperan4a ficou de p1 e tirou a blusa) aspirei o ar num sonoro gesto de surpresa) e depois mantive a vista fixa no piso at1 que se amainou a sensa78o febril em meu pesco7o e em meu rosto. LBlhe'meP L exigiu impaciente. Estava totalmente nua) os olhos brilhantes e as bochechas coradas. 3eu corpo era leve) por1m maior e mais forte do que aparentava vestida) e seus seios cheios e firmes. LDoque'osP L ordenou num tom suave e convidativo. 3uas palavras rebateram ao redor do quarto como um ritmo enfeiti7ador) um som mais sentido que escutado) que pouco a pouco cresceu em intensidade at1 tornar'se t8o forte como o de meu pr.prio cora78o. -epois n8o escutei nem senti outro som al1m do da risada de Esperan4a. LB cuidador n8o estar" escondido aqui) verdade@ L perguntei quando pude falar) repentinamente receosa e sentindo' me culpada por minha ousadia. LEspero que n8oP L rebateu com tal ar de espanto que n8o pude evitar o riso. LBnde est"@ L insisti. Esperan4a abriu bem os olhos e sorriu) como quem se preparara a gargalhar) mas de imediato adotou uma express8o s1ria) e em tom formal explicou que o homem cuidava das duas casas) e n8o era seu costume espiar as pessoas. L(as 1 verdadeiramente o cuidador@ L perguntei) cuidando para mostrar'me asc1tica. LN8o quero menospre4"'lo) mas n8o me parece capa4 de cuidar de nada. 3egundo Esperan4a) a fragilidade do cuidador era s. aparente. LT muito capa4) L me assegurou L e deve se ter cuidado com ele) pois ele gosta de mo7as :ovens) em especial das loiras L e se aproximou para cochichar em meu ouvido: LEle tentou algo contigo@ $cudi em sua defesa. L&1us) n8oP /oi muito correto e de grande utilidade. T s. queS L e minha vo4 se arrastou at1 se fa4er um sussurro) e minha aten78o se desviou at1 os m.veis do quarto) que n8o conseguia distinguir por causa da m" lu4 da lamparina de a4eite. Nuando por fim pude enfocar de novo minha aten78o em Esperan4a o cuidador deixou de me preocupar. 3omente podia pensar) com tena4 insist9ncia) em por que Isidoro Balta4ar havia partido sem avisar'me) sem sequer deixar'me um bilhete. LPor que me deixou desta maneira@ L perguntei a Esperan4a. L $ algu1m deve de ter avisado quando voltar" L e) ao notar seu sorriso irKnico) emendei com tom beligerante: LEstou segura de que voc9 sabe algo sobre tudo isto. LN8o sei de nada L insistiu) incapa4 de entender meu problema. LEssas coisas n8o me preocupam) e tampouco deveriam preocupar a voc9. Isidoro Balta4ar se foi) e assunto acabado. !egressar" num par de dias) num par de semanasS quem sabe@ Dudo depende do que aconte7a nas montanhas. $chei abomin"vel sua falta de compreens8o e simpatia.

LDudo depende@P L gritei. LE eu@ Eu n8o posso ficar semanas aqui. LPor que n8o@ L perguntou Esperan4a com ar inocente. Blhei'a como quem olha a um demente) e logo me lancei a di4er que n8o tinha com que me arran:ar) que n8o havia nada que eu pudesse fa4er ali. (inha lista de queixas era intermin"vel) e mal a havia acabado quando me esgotei. L3implesmente tenho que ir pra casa) regressar a meu meio normal L conclu2) lutando contra minhas inevit"veis l"grimas) =s quais opus valente batalha. LNormal@ L e Esperan4a repetiu a palavra com lentid8o) como se estivesse saboreando'a. LPode ir quando quiser< ningu1m lhe impede disso. Podemos arran:ar para fa4er'lhe chegar sem problemas = fronteira) de onde pode tomar um Knibus da 5reVhound que lhe deixar" em *os Ongeles. N8o me animei a falar) de modo que assenti com um gesto. Dampouco sabia que n8o partir era o que eu dese:ava) pois a mera id1ia de ausentar'me me era intoler"vel. -e algum modo eu sabia que se eu fosse) :amais encontraria de novo a essas pessoas) nem sequer a Isidoro Balta4ar em *os Ongeles. &omecei a chorar incontrolavelmente. N8o poderia ter posto minhas emo7Ces em palavras) mas a aride4 de uma vida) de um futuro sem essa gente) me era inconceb2vel. N8o percebi a partida e o regresso de Esperan4a do quarto) mas n8o teria percebido nada a n8o ser pelo aroma delicioso de chocolate que senti sob minhas narinas. L3e sentir" melhor depois que tiver comido L disse) colocando uma bande:a em minha saia) e sorrindo carinhosamente tomou assento a meu lado) e confessou que o chocolate era o melhor rem1dio para a triste4a. &oncordei plenamente com ela) bebi uns poucos goles e comi umas tantas tortilhas enroladas e untadas com manteiga) e confessei que) apesar de n8o conhecer bem a ela nem =s suas amigas) n8o podia conceber o afastar'me e n8o v9'las mais. $dmiti que com elas sentia uma liberdade e uma soltura :amais experimentada antes. Ama sensa78o estranha) expliquei) em parte f2sica e em parte psicol.gica) que desafiava toda an"lise) que s. podia se descrever como uma sensa78o de bem'estar) ou como a certe4a de ter encontrado por fim um lugar ao qual pertencia. Esperan4a sabia com exatid8o o que eu intentava expressar. -isse que o pertencer ao mundo dos feiticeiros) ainda por um curto tempo) provocava v2cio) depend9ncia. N8o era a extens8o do tempo) ressaltou) e sim a intensidade dos encontros o que importava. L3eus encontros foram muito intensosS L afirmou. LEles foram@ L perguntei. Esperan4a levantou as sobrancelhas num aut9ntico gesto de surpresa) e depois co7ou sua testa de maneira exagerada) como se estivesse ponderando um problema sem solu78o. -epois de um longo sil9ncio emitiu sua opini8o: L&aminhar" mais aliviada quando se der completamente conta de que n8o pode voltar = sua antiga vida L sua vo4) apesar de ser apenas aud2vel) continha uma for7a extraordin"ria< seus olhos prenderam um instante os meus) e ali reconheci o significado de suas palavras. LPara mim nada voltar" a ser igual L disse. Esperan4a concordou. L!egressar" ao mundo) mas n8o ao seu mundo) = sua antiga vida L considerou) levantando'se da esteira com essa abrupta ma:estade pr.pria de pessoas pequenas. &orreu at1 a porta) parou bruscamente e) virando'se para mim) pronunciou outra de suas senten7as: LT muito excitante fa4er algo sem saber o porqu9) e ainda o 1 mais) se voc9 se decide a fa4er algo sem saber qual ser" o resultado. Estive em completo desacordo com ela) e disse'lhe: LPreciso saber o que fa7o. Necessito saber em qu9 estou me metendo. Esperan4a suspirou e levantou as m8os numa cKmica atitude de s;plica. L$ liberdade causa muito temor L disse asperamente) e antes que eu tivesse chance de responder) mudou de tom) e agregou com do7ura: L$ liberdade requer atos espontUneos. N8o tem id1ia do que significa o abandonar'se espontaneamente... LDudo o que eu fa7o 1 espontUneo L interrompi. LPor que acha que estou aqui@ $cha que pensei muito sobre se deveria vir ou n8o@ ?oltou = esteira e ficou contemplando'me um longo per2odo antes de di4er: LT evidente que n8o o pensou muito) mas seus atos de espontaneidade se devem mais = sua falta de avalia78o que a um ato de abandono L e golpeando o ch8o com o p1 para impedir uma nova interrup78o de minha parte) acrescentou: LAm ato verdadeiramente espontUneo 1 aquele no qual voc9 se abandona por completo) mas s. depois de uma profunda delibera78o) um ato onde todos os pr.s e os contra foram devidamente levados em conta e descartados) pois nem se espera nada nem se lamenta nada. &om atos dessa nature4a os bruxos convocam a liberdade. LN8o sou uma bruxa L murmurei em vo4 baixa) e procurei ret9'la segurando o meio de seu vestido) mas ela deixou bem claro que n8o tinha interesse algum em continuar com nossa conversa. Eu a segui pelo caminho que condu4ia = outra casa. Dal qual fi4era o cuidador) tamb1m ela me recomendou manter os p1s sobre a linha de cin4as. L3e n8o o fi4er L disse L) voc9 cair" no abismo. L$bismo@ L repeti) olhando em torno) = massa do escuro chaparral que nos rodeava. 3e al7ou uma leve brisa) e das sombras chegaram vo4es e sussurros. Instintivamente me aferrei = sua saia. LPode ouvi'los@ L perguntou. LB que 1 que devo ouvir@ Ela se aproximou como se temesse que algu1m nos escutasse) para me di4er no ouvido: L0urems de outro tempo. Asam o vento para vagar pelo deserto) sempre despertos. L/antasmas@ LN8o existem os fantasmas L manifestou de maneira terminante) e retomou sua caminhada. (e certifiquei muito bem de manter os p1s sobre a linha de cin4as) e n8o soltei a saia de Esperan4a at1 que ela parou bruscamente no meio do p"tio da casa grande. $li vacilou um instante) como se n8o pudesse decidir a qual parte da casa havia de levar'me. Percorreu corredores e dobrou em v"rias esquinas) at1 que por fim ingressamos num enorme aposento que havia escapado de minha explora78o anterior. $s paredes estavam cobertas do piso ao teto com livros< em um extremo havia uma mesa larga e forte) e em outro estava pendurada uma rede tecida) de cor branca.

LNue quarto magn2ficoP L exclamei. L$ quem pertence@ LT seu L ofereceu Esperan4a com um gracioso gesto) e depois) de um arm"rio pr.ximo = porta) extraiu tr9s grossas cobertas de l8. LPegue) as noites s8o frias L disse. LNuer di4er que posso dormir aqui@ L perguntei) e todo meu corpo tremeu de pra4er quando forrei a rede com as cobertas e me instalei nelaS -e menina) foram muitas as ve4es em que dormi numa rede) de modo que) recriando esses momentos) suspirei feli4 e passei a me balan7ar. -epois meti as pernas e me estendi voluptuosamente. L3aber dormir em rede 1 como saber andar de bicicleta. Nunca se esquece L disse) mas ningu1m me escutou. Esperan4a havia partido sem que eu o notasse. 1A032ULO ON9E $paguei a lu4 e permaneci muito quieta na rede) embalada pelos ru2dos da casa: estalos estranhos) e o gote:ar da "gua de um filtro de barro situado :unto = porta de meu quarto. B inconfund2vel som de passos no corredor me fe4 levantar bruscamente. LNuem pode ser a esta hora@ L me perguntei. $bandonei a rede) e nas pontas dos p1s me aproximei da porta para apoiar meu ouvido contra ela. Bs ru2dos eram fortes) e meu cora78o acelerou ao constatar que chegaram perto e pararam ante meu quarto. Jouve uma batida na porta carregada de urg9ncia que) apesar de esperar por isso) me sobressaltou. -ei um salto para tr"s e derrubei uma cadeira. LDeve um pesadelo@ L perguntou /lorinda ao entrar. -eixou a porta semi'aberta) e a lu4 do corredor invadiu o recinto. LPensei que ficaria feli4 ao escutar o som de meus passos L disse de brincadeira. LN8o queria me aproximar furtivamente L acrescentou) enquanto pendurava uma camisa e uma cal7a cor caqui sobre o encosto de uma cadeira. L&om os cumprimentos do cuidador. -isse que pode ficar com elas. L/icar com elas@ L repeti) olhando as prendas com desconfian7a. -avam a impress8o de estar limpas e rec1m passadas. LB que tem de errado com meus :eans@ L3e sentir" mais cKmoda com essas cal7as durante a longa viagem a *os Ongeles L explicou /lorinda. L(as eu n8o quero irP Eu fico aqui at1 que Isidoro Balta4ar volte. $o observar que eu estava a ponto de entregar'me ao choro) /lorinda riu. LIsidoro Balta4ar regressou) e voc9 pode ficar mais um tempo) se assim o dese:ar. LBh) n8o) nada disso L respondi) esquecida :" de toda a ansiedade acumulada nesses dois dias) assim como tamb1m de todas as perguntas que dese:ava fa4er a /lorinda. 3omente conseguia pensar no fato de que Isidoro Balta4ar estava de volta. LPosso v9'lo :"@ LDemo que n8o L e /lorinda me impediu que abandonasse o quarto. Por uns minutos n8o compreendi o sentido de suas palavras. Blhei'a fixo sem entender) at1 que ela repetiu que naquela noite n8o seria poss2vel ver ao novo nagual. LPor que n8o@ L perguntei confundida. LEstou certa de que ele dese:aria me ver. L3em d;vida alguma L rebateu L) mas est" profundamente adormecido) e n8o pode ser despertado. L ante a t8o terminante recusa n8o pude fa4er nada mais que contempl"'la em sil9ncio. /lorinda passou um longo tempo com o olhar fixo no ch8o) e quando por fim me encarou seu olhar era triste. Por um momento achei que modificaria sua decis8o e me levaria :unto a Isidoro Balta4ar) mas concluiu repetindo que n8o poderia v9'lo essa noite) e dito isto) como temerosa de arrepender'se) me abra7ou e me bei:ou) abandonou o quarto) apagou a lu4 do corredor) e das sombras me mandou ir dormir. Incapa4 de conciliar o sono) passei longas horas revolvendo'me na rede. ," estava por amanhecer quando decidi levantar' me e vestir os presentes tra4idos por /lorinda. 3alvo as cal7as) que por falta de cinta precisei segurar com uma corda) o con:unto me ca2a bem. &om os sapatos na m8o atravessei o corredor) deixei para tr"s o quarto do cuidador) e me dirigi = entrada traseira. &uidando para n8o fa4er ru2do) abri parcialmente a porta. *" fora estava escuro) mas o suave a4ul da madrugada :" coloria o c1u. &orri at1 o p.rtico assentado sobre a parede) parando apenas :unto =s duas "rvores sentinelas do caminho. Am forte aroma de flor de laran:eiras perfumava o ar) e toda a d;vida a respeito de cru4ar o chaparral morreu quando comprovei que cin4as frescas cobriam o ch8o. 3em pensar duas ve4es corri at1 a outra casa. $ porta estava entreaberta) por1m adiei meu ingresso. Escondida sob uma :anela) esperei ser guiada por algum som) que me chegou em pouco tempo na forma de sonoros roncos. -eixei passar uns minutos) entrei) e guiada pelos roncos me encaminhei diretamente ao quarto dos fundos da casa. Na escurid8o apenas distingui uma forma adormecida sobre uma esteira) mas n8o tive d;vidas de que se tratava de Isidoro Balta4ar. Demerosa de que um despertar repentino o perturbasse) voltei ao aposento da frente e me sentei no sof". Dal era minha excita78o que n8o conseguia ficar quieta) feli4 com a id1ia de que a qualquer momento despertaria. -uas ve4es regressei na ponta dos p1s para olh"'lo. Javia mudado de posi78o durante o sono) e :" n8o roncava. -evo ter adormecido no sof") pois atrav1s de meu inquieto sono tive a sensa78o de que algu1m havia entrado no quarto. Ergui'me um pouco para murmurar estou esperando que Isidoro Balta4ar desperte) mas sabia que nenhum som havia sa2do de minha boca. &om um esfor7o consciente me sentei) e tudo dan7ou ante meus olhos) at1 que pude enfocar ao homem de p1 diante de mim. Era (ariano $ureliano. LIsidoro Balta4ar) ainda dorme@ L perguntei. B velho nagual me contemplou por um longo per2odo) e n8o sabendo se sonhava) tentei pegar sua m8o. Precisei solt"'la precipitadamente) pois ardia como uma brasa. $rqueou as sobrancelhas) ao parecer surpreendido por meu comportamento. LN8o poder" ver a Isidoro Balta4ar at1 a manh8 L disse) e pronunciou estas palavras lentamente) como se o fa49'lo lhe ocasionasse um grande esfor7o. $ntes que tivesse oportunidade de di4er que :" era quase de manh8) e que aguardaria a Isidoro Balta4ar onde estava) senti a m8o fervente de (ariano $ureliano sobre minhas costas) expulsando'me do quarto. L?olte para a sua rede.

Jouve um repentino golpe de vento) e quando me virei para protestar (ariano $ureliano :" n8o estava ali. B vento retumbou em minha cabe7a como um tambor grave) para fa4er'se cada ve4 mais suave e morrer numa simples vibra78o. $bri a boca para prolongar os ;ltimos fr"geis ecos. -espertei no meio da manh8 na rede) vestindo as roupas que me deixara /lorinda. $utomaticamente) quase sem pensar) me encaminhei at1 a casa pequena) cu:a porta encontrei fechada = chave. $pesar dos golpes que dei nela e de meus gritos n8o recebi resposta. Dentei for7ar as :anelas) que tamb1m encontrei fechadas. $turdida e pr.xima =s l"grimas) corri colina abaixo at1 a clareira :unto ao caminho) ;nico lugar onde se podia estacionar um carro) para descobrir que a perua de Isidoro Balta4ar n8o estava ali. -epois percorri em v8o um bom trecho do caminho em busca de rastros recentes de rodas de carro. N8o havia nenhum. (uito confusa voltei = casa) e sabendo que seria in;til buscar pelas mulheres em seus quartos) parei no meio do p"tio interno e chamei aos gritos por /lorinda. $ ;nica r1plica foi o eco de minha vo4. !epassei incont"veis ve4es =s palavras de /lorinda) sem chegar a uma conclus8o satisfat.ria. $ ;nica certe4a que me assistia era a de que /lorinda tinha vindo ao meu quarto no meio da noite para tra4er'me as roupas que agora eu vestia. Essa visita) e seu an;ncio de que Isidoro Balta4ar havia regressado) sem d;vida alguma haviam produ4ido t8o vivido sonho em mim. Para conter'me de toda especula78o acerca do motivo de estar s. na casa) pois nem sequer o cuidador havia dado sinais de vida) me dediquei a lavar os pisos. Este tipo de trabalho sempre exerceu um efeito tranquili4ante sobre mim) e havia terminado com todos os cKmodos) inclusive a co4inha) quando escutei o inconfund2vel som de um motor ?ol[s0agen. &orri colina abaixo e me atirei nos bra7os de Isidoro Balta4ar ainda antes que ele abandonasse o ve2culo) quase derrubando'o no ch8o. LN8o posso acreditar L disse rindo) enquanto me abra7ava. L?oc9 1 a mo7a de quem tanto me falou o nagual. 3abia que quase desmaiei quando lhe deram as boas'vindas@ N8o esperou minha resposta. $bra7ou'me de novo e) rindo) me levantou nos bra7os. -epois) como se alguma comporta se tivesse aberto nele) come7ou a falar sem pausa. -isse que fa4ia um ano que sabia de minha exist9ncia) pois o nagual lhe havia informado que lhe encomendaram uma garota estranha) = qual descreveu como o meio'dia de um dia claro) n8o ventoso nem calmo) nem frio nem quente) mas que alterna entre tudo isso) deixando'lhe louco. Isidoro Balta4ar confessou que sendo o tonto pomposo que era) havia sabido instantaneamente que o nagual estava se referindo = sua namorada. LNuem 1 sua namorada@ L o interrompi. /e4 um movimento brusco com a m8o) evidentemente incomodado por minhas palavras. LEsta n8o 1 uma hist.ria de feitos L disse irritado L) 1 uma hist.ria de id1ias) de modo que ver" o idiota que sou. L de repente sua irrita78o cedeu lugar a um brilhante sorriso. L$t1 cheguei a acreditar que poderia averiguar por mim mesmo quem era essa garota L e fe4 uma pausa antes de acrescentar: LInclusive cheguei a incluir a uma mulher casada) com filhos) em minha busca. 3uspirou fundo) sorriu e disse: L$ moral desta hist.ria 1 que no mundo dos feiticeiros a pessoa deve eliminar o ego ou sofrer as consequ9ncias) pois n8o h" forma em que pessoas como n.s possam predi4er algo. $o notar que eu chorava me afastou um pouco e perguntou ansioso: LB que aconteceu) Nibelunga@ LNa verdade nada L respondi) rindo em meio a meus solu7os. LN8o possuo uma mentalidade abstrata capa4 de preocupar'se do mundo das hist.rias abstratas L e acrescentei) com todo o cinismo e a dure4a que pude reunir: L(e preocupo com o aqui e o agora. N8o tem id1ia das coisas que passei nesta casa. L&laro que sim< tenho uma muito boa id1ia L retrucou com deliberada rude4a L pois :" fa4 anos que lido com isso. L olhou'me com olhos de inquisidor ao formular sua seguinte pergunta: LB que dese:o saber 1 por que n8o me disse que :" havia estado com eles@ LEstava a ponto de fa49'lo) mas n8o me pareceu importante L respondi confusa) mas em seguida minha vo4 se fe4 firme = medida que as palavras surgiam alheias = minha vontade: L-e longe) ve:o que a ;nica coisa importante que fi4 na vida 1 ter me relacionado com eles. Para ocultar a surpresa que me produ4iu esta admiss8o) comecei a queixar'me de ter sido abandonada) de ter ficado so4inha nessa casa. LN8o tive oportunidade de lhe avisar que eu ia =s montanhas com o nagual L disse. LIsso eu :" esqueci L assegurei'lhe. LEstou falando do dia de ho:e. Esta manh8) ao despertar) esperava ver voc9 aqui. Estava segura de que tinha passado a noite na casinha) dormindo sobre uma esteira) e ao n8o te encontrar entrei em pUnico. $o not"'lo intrigado) contei'lhe da visita noturna de /lorinda) e de meu sonho de encontrar'me so4inha na casa ao despertar. 3abia que meu discurso era incoerente) meus pensamentos e palavras confusas) mas n8o pude deter'me. &onclui meu discurso di4endo: LJ" tanto que n8o posso aceitar) e tampouco refutar. Isidoro Balta4ar n8o respondeu) e seu olhar) suas sobrancelhas arqueadas e a express8o espirituosa de seu rosto delgado e cansado) cor de fuma7a) pareciam indicar que aguardava a que eu continuasse falando. 3ua pele exsudava uma estranha frescura) e um vago cheiro a terra) como se houvesse passado dias numa caverna subterrUnea. Dodo vest2gio de inquietude desapareceu quando encarei seu sinistro olho esquerdo e sua terr2vel) inclemente olhada. Nesse momento deixou de importar'me qual era a verdade aut9ntica) a ilus8o) o ensonho dentro do ensonho. !i feli4) leve como o vento) livre do insuport"vel peso que carregava em minhas costas. !econheci o olho de bruxo) igual ao que tinham /lorinda) (ariano $ureliano) Esperan4a e o cuidador. -estinado desde os princ2pios do tempo a carecer de sentimento e emo78o) esse olho refletia o va4io) e como se :" tivesse revelado demais) uma p"lpebra interna) como a do olho de um lagarto) se fechou sobre a pupila esquerda. $ntes que eu tivesse chance de comentar sobre seu olho Isidoro Balta4ar fechou ambos< quando) depois de um instante) os abriu) se viam id9nticos) escuros) brilhantes e sorridentes. B olho de bruxo caiu em ilus8o. &om um bra7o rodeando meus ombros subimos a encosta. $ntes de chegar na casa Isidoro Balta4ar me ordenou recolher minhas coisas. LDe espero no autom.vel L disse.

Pareceu'me estranho que n8o entrasse comigo) mas nesse momento n8o me ocorreu investigar sua ra48o) e somente quando estava recolhendo meus poucos pertences) ocorreu'me que talve4 temesse =s mulheres) o qual me provocou riso) pois se havia algo que Isidoro Balta4ar n8o temia era =s mulheres. -isso estava totalmente segura. $o chegar :unto ao carro continuava com meu riso) e abri a boca para explicar a Isidoro Balta4ar o motivo de meu :;bilo) quando me invadiu uma forte e estranha emo78o. N8o era paix8o sexual o que sentia) tampouco afeto platKnico) e menos ainda aquele carinho para com meus pais e irm8os. 3implesmente amava a ele com um amor ausente de expectativas) d;vidas e temores) e como se eu tivesse dito tudo isto em vo4 alta) Isidoro Balta4ar me abra7ou com tal for7a que apenas me permitia respirar. Partimos muito lentamente) e botei a cabe7a pela :anela) acreditando que poderia ver o cuidador entre as "rvores. 3into'me rara) partindo desta maneira) pensei. -e certo modo) /lorinda se despediu de mim = noite) mas eu teria gostado de agradecer a Esperan4a e ao cuidador. B caminho de terra serpenteava em torno do monte) e ao chegar a uma curva fechada vimos de novo a casa. Isidoro Balta4ar parou o carro) desligou o motor) e com o dedo assinalou ao velho) sentado sobre um caixote em frente = casa. Nuis abandonar o ve2culo e correr at1 ele) mas Isidoro Balta4ar me deteve. L-9 adeus com a m8o. B cuidador se levantou< o vento brincava com sua camisa solta e suas cal7as) fa4endo que parecessem asas batendo contra seus membros. 3oltou uma gargalhada) se encurvou) e ao parecer aproveitando a for7a do vento) deu dois saltos mortais para tr"s. Por um momento pareceu estar suspenso no ar) por1m nunca aterrissou. 3implesmente se evaporou) como se o pr.prio vento o tivesse sugado. LB que aconteceu@ Para onde foi@ L perguntei assombrada. L$o outro lado L respondeu Isidoro Balta4ar) rindo com a felicidade de uma crian7a se divertindo. LEssa foi sua maneira de se despedir. &olocou o carro em movimento) e enquanto via:"vamos) como se estivesse me tentando) lan7ava'me ocasionais olhadas irreverentes. LB que 1 que te preocupa) Nibelunga@ L perguntou. L?oc9 sabe quem ele 1) verdade@ L acusei'o LN8o 1 o cuidador) n8o@ Isidoro Balta4ar fran4iu o cenho) e depois de um longo sil9ncio me lembrou que) para mim) o nagual ,uan (atus era (ariano $ureliano) assegurando'me que deveria existir uma ra48o muito boa para que o conhecesse por esse nome) e agregou: LEstou certo de que deve de existir uma :ustificativa igualmente v"lida para que o cuidador n8o te revele seu nome. Eu argumentei que :" que sabia quem era (ariano $ureliano) a pretens8o do cuidador n8o tinha sentido e L acrescentei com propriedade L eu sei quem 1 o cuidadorS L e ao di49'lo) olhei de soslaio a Isidoro Balta4ar) cu:o rosto nada revelou. Nuando falou foi para di4er que) como todos os seres do mundo dos feiticeiros) o cuidador tamb1m era um feiticeiro) mas que eu n8o sabia quem era. *an7ou'me um breve olhar) e em seguida transferiu sua aten78o ao caminho. L-epois de todos estes anos eu mesmo n8o sei quem s8o eles realmente) e incluindo ao nagual ,uan (atus. Enquanto estou com ele creio saber quem 1) mas assim que me vira as costas) estou perdido. &om acento quase sonhador) Isidoro Balta4ar acrescentou que no mundo cotidiano nossos estados sub:etivos eram compartilhados por todos nossos semelhantes. Por tal ra48o sabemos a todo momento o que fariam estes semelhantes sob certas condi7Ces. LEst" equivocadoP L gritei. L Dotalmente equivocado. N8o saber o que far8o nossos semelhantes sob certas circunstUncias 1 o que fa4 excitante a vida. T uma das poucas coisas excitantes que nos sobram. N8o me diga que o quer eliminar. LN8o sabemos com exatid8o o que fariam nossos semelhantes) L explicou pacientemente L mas poder2amos redigir uma lista de possibilidades que teria sentido. Ama lista muito longa) te advirto) no entanto uma lista limitada. Para escrev9'la n8o necessitamos averiguar as prefer9ncias de nossos semelhantes. 3. precisamos nos colocar em seu lugar e escrever as possibilidades que nos concernem. 3er8o aceit"veis a todos) pois as compartilhamos. Nossos estados sub:etivos s8o compartilhados por todos n.s. -isse depois que nosso conhecimento sub:etivo do mundo nos 1 conhecido como sentido comum. Pode diferir de grupo em grupo) de cultura em cultura) mas apesar de todas essas diferen7as) o sentido comum 1 o suficientemente homog9neo) como para garantir a declara78o de que o mundo cotidiano 1 um mundo intersub:etivo. LEntretanto com os feiticeiros o sentido comum) ao qual estamos acostumados) n8o tem vig9ncia. Possuem outro tipo de sentido comum) pois t9m outro tipo de estados sub:etivos. LNuer di4er que s8o como seres de outro planeta@ L perguntei. L3im L respondeu Isidoro Balta4ar) rindo L) s8o como seres de outro planeta. LT por isso que s8o t8o reservados@ LN8o acho que o termo reservado se:a o correto L observou pensativo. L*idam de maneira diferente com o mundo cotidiano) e seu comportamento nos parece reservado pois n8o compartilhamos seu significado) e :" que carecemos de padrCes para medir o que para eles 1 sentido comum) optamos por acreditar que seu comportamento 1 reservado. LEles fa4em o que n.s fa4emos: dormem) co4inham suas refei7Ces) l9em L observei L) contudo) nunca pude surpreend9'los no ato de fa49'los. Eu lhe asseguro que s8o reservados. 3orrindo) sacudiu a cabe7a. L?iu o que eles quiseram que visse) apesar do qual n8o te ocultavam nada. 3implesmente voc9 n8o conseguia ver. Estava a ponto de contradi49'lo) mas me abstive) pois n8o queria que me tomasse antipatia. N8o era tanto o fato de que tivesse a ra48o) pois afinal eu n8o entendia de qu9 falava. $ntes disso) sentia que todas minhas averigua7Ces e curiosidades n8o me haviam dado pista alguma a respeito de quem eram essas pessoas e o que fa4iam. &om um suspiro) fechei os olhos e reclinei minha cabe7a contra o encosto do banco.

No tra:eto lhe falei de meu sonho) do qu8o real que me foi o v9'lo dormido e roncando sobre a esteira. /alei'lhe de minha conversa com (ariano $ureliano) do calor de sua m8o) e quanto mais falava mais me convencia de que tudo isso n8o havia sido um sonho) e me agitei de tal forma que terminei chorando. LN8o sei o que me fi4eram L disse. LNeste momento n8o estou muito certa se estou sonhando ou se me encontro desperta. /lorinda sempre insiste em que eu ensonho desperta. LB nagual ,uan (atus se refere a isso como consci9ncia intensificada L esclareceu Isidoro Balta4ar. L&onsci9ncia intensificada L repeti. $s palavras me eram familiares) ainda que parecessem exatamente o oposto de ensonhar desperto. !ecordei vagamente de t9'las ouvido antes. /lorinda ou Esperan4a as havia utili4ado) mas n8o lembrava em qu9 contexto) e :" estavam a ponto de adquirir sentido vago talve4% mas minha mente se encontrava sobrecarregada por minhas v8s tentativas de recontar minhas atividades di"rias na casa das feiticeiras. $pesar do muito que me esforcei n8o conseguia lembrar certos epis.dios. *utava por dar com palavras que empalideciam e se desvaneciam ante meus pr.prios olhos) igual a visCes semivistas e lembradas pela metade. N8o era que tivesse esquecido) e sim que as imagens me chegavam fragmentadas) como pe7as de um quebra'cabe7a que se recusam a encaixar. Dudo isto adquiria estatura de sensa78o f2sica) e podia resumir'se como uma n1voa descida sobre certas partes de meu c1rebro. L-e modo que consci9ncia intensificada e ensonhar desperto s8o o mesmo@ L mais que uma pergunta era essa uma declara78o cu:o significado me escapava. (udei de posi78o no assento) e recolhendo as pernas me sentei de frente a Isidoro Balta4ar. B sol fa4ia ressaltar seu perfil) seus cabelos negros e enrolados caindo sobre sua frente) os pKmulos cin4elados) sua forte testa e nari4) e os l"bios finos) lhe davam um aspecto romano. L-evo de estar ainda em estado de consci9ncia intensificada L disse L) n8o me havia fixado antes em voc9. ,ogou a cabe7a para tr"s e riu) e essa a78o fe4 com que o carro balan7asse. LN8o h" d;vida de que est" ensonhando desperta. $ pouco voc9 se esqueceu de que sou nanico) negro e de aspecto insignificante@ Dive que rir) n8o porque estivesse de acordo com essa descri78o de si mesmo) e sim porque era a ;nica coisa que lembrava que ele havia dito naquela confer9ncia em que o conheci formalmente. (inha alegria logo cedeu lugar a uma estranha ansiedade. Dive a sensa78o de que haviam se passado meses) e n8o apenas dois dias) desde nossa chegada = casa das feiticeiras. L$ passagem do tempo 1 diferente no mundo dos feiticeiros L disse Isidoro Balta4ar) interpretando meus pensamentos L) e tamb1m o vivemos de maneira diferente. -epois acrescentou que um dos aspectos mais dif2ceis de sua aprendi4agem foi o de ter que lidar com sequ9ncias de acontecimentos em termos de tempo. &om frequ9ncia essas confusas imagens se misturavam em sua mente) que penetravam mais profundamente quando mais tentava enfoc"'las. L3omente agora) com a a:uda do nagual) consigo recordar fatos e aspectos de seus ensinamentos) que tiveram lugar h" muitos anos L disse. L&omo te a:uda@ L perguntei. LDe hipnoti4a@ L(e fe4 mudar os n2veis de consci9ncia e) ao fa49'lo) n8o s. lembro acontecimentos passados como tamb1m os revivo. LE como fa4 isso@ (e refiro a fa4er'lhe mudar seus n2veis de consci9ncia. L$t1 a bem pouco tempo achava que se conseguia com uma forte palmada nas costas) entre os ombros) mas agora estou seguro que o consegue com sua mera presen7a. LEnt8o) n8o te hipnoti4a@ 3acudiu a cabe7a. LBs feiticeiros s8o e1perts em mudar seus pr.prios n2veis de consci9ncia. $lguns o s8o tanto que conseguem mudar os n2veis de outros. Eu fervia de perguntas) mas com um gesto ele me pediu paci9ncia. LBs feiticeiros nos fa4em ver que a nature4a total da realidade 1 diferente de nosso conceito dela) ou se:a) o que nos foi ensinado a acreditar que 1 a realidade. Intelectualmente estamos dispostos a brincar com a id1ia de que a cultura predetermina nossa exist9ncia) nossa conduta) o que estamos preparados a aprender e o que podemos sentir. (as n8o estamos dispostos a dar corpo a esta id1ia) aceit"'la como uma proposta pr"tica e concreta) e a ra48o 1 que n8o queremos aceitar que a cultura tamb1m predetermina o que somos capa4es de perceber. L$ feiti7aria L continuou L nos fa4 dar conta de diferentes realidades) diferentes possibilidades) n8o s. acerca do mundo e sim sobre n.s mesmos) ao extremo de nos fa4er entrar num estado no qual :" n8o estamos em condi7Ces de acreditar sequer nas mais s.lidas convic7Ces a nosso respeito e ao nosso entorno. 3urpreendeu'me poder absorver suas palavras com tanta facilidade) visto que na realidade n8o as compreendia. LAm feiticeiro n8o s. tem consci9ncia de diferentes realidades L continuou L como usa a esse conhecimento com um sentido pr"tico. Bs feiticeiros sabem) n8o s. intelectualmente) e sim praticamente) que a realidade) ou o mundo) tal como o conhecemos) consiste apenas de um acordo extra2do a cada um de n.s. 3e poderia fa4er que esse acordo se derrube) dado que 1 apenas um fenKmeno social) e quando se derruba) todo o mundo se derruba com ele. $o ver que eu n8o conseguia seguir seus argumentos) tratou de apresent"'los por outro Ungulo. -isse que o mundo social nos define a percep78o em propor78o = sua utilidade em nos guiar atrav1s da complexidade da experi9ncia na vida di"ria. B mundo social fixa limites ao que percebemos e ao que somos capa4es de perceber. Para um feiticeiro a percep78o pode exceder esses parUmetros acordados. Estes parUmetros est8o feitos e respaldados por palavras) pelo idioma) por pensamentos) ou se:a) por acordos. LE os feiticeiros n8o t9m acordos@ L perguntei) fa4endo um esfor7o para compreender sua premissa. L3im) eles os t9m L respondeu L) mas seus acordos s8o diferentes. Bs feiticeiros quebram o acordo normal) n8o s. intelectual como f2sica ou praticamente. Bs feiticeiros derrubam os parUmetros da percep78o socialmente determinada) e para

compreender o que querem di4er os feiticeiros com isso) a pessoa deve converter'se em um praticante) ela precisa comprometer' se) ela precisa empregar tanto a mente como o corpo. Precisa ser uma rendi78o consciente e sem medo. LB corpo@ L perguntei) de imediato desconfiada a respeito do tipo de ritual que isso poderia exigir. LB que 1 que querem com meu corpo@ LNada) Nibelunga L esclareceu rindo. -epois) num tom sereno embora bondoso) acrescentou que nem meu corpo nem minha mente se encontravam ainda em condi7Ces de seguir o "rduo caminho de feiticeiro) e ao perceber minha inten78o de protestar) se apressou a assegurar'me que nem meu corpo nem minha mente sofriam de falha alguma. LAm momentoP L interrompi. Isidoro Balta4ar ignorou minha interrup78o e prosseguiu seu discurso para di4er que o mundo dos feiticeiros era um mundo sofisticado) e que n8o era suficiente compreender seus princ2pios de maneira intuitiva. Damb1m era necess"rio assimil"' los intelectualmente. L&ontrariamente ao que as pessoas acreditam L explicou L) os feiticeiros n8o s8o praticantes de obscuros e esot1ricos ritos) e sim que est8o = frente de nosso tempo. E a modalidade de nosso tempo 1 a ra48o. Em geral somos homens ra4o"veis. N8o obstante os feiticeiros s8o homens de razo, o que 1 totalmente diferente: t9m um romance com as id1ias) cultivam a ra48o at1 seus limites) pois cr9em que unicamente compreendendo plenamente o intelecto podem corporificar os princ2pios da feiti7aria sem perder sua pr.pria integridade e sobriedade. $qui reside a dr"stica diferen7a entre os feiticeiros e n.s. N.s possu2mos pouca sobriedade e ainda menos integridade. *an7ou'me uma olhada furtiva e sorriu. Eu sentia a desagrad"vel impress8o de que ele sabia com exatid8o o que eu estava pensando nesse momento) ou melhor) que me encontrava incapacitada para pensar. Javia entendido suas palavras) mas n8o seu significado. N8o sabia o que di4er nem sequer o que perguntar) e pela primeira ve4 em minha vida me senti uma est;pida total. &ontudo n8o me incomodei) pois n8o podia negar que ele tinha ra48o. (eu interesse em assuntos intelectuais foi sempre muito superficial) e para mim pensar em ter um romance com id1ias era totalmente ins.lito. &hegamos = fronteira em poucas horas) mas a viagem acabou sendo extremamente cansativa. Eu queria falar) mas n8o sabia o que di4er) ou melhor) n8o encontrava as palavras para expressar'me. 3entia'me intimidada) uma sensa78o nova para mimP Isidoro Balta4ar notou minha inseguran7a e meu mal'estar) e se apropriou da palavra. &om candide4 admitiu que at1 esse mesmo momento o mundo dos feiticeiros o desorientava) apesar dos muitos anos de estudar e agir com eles. LE quando digo estudar) falo muito = s1rio L esclareceu. LEsta mesma manh8 esse mundo me avassalou de uma maneira imposs2vel de descrever. /alava num tom que era meio afirma78o e metade queixa) apesar do qual sua vo4 estava carregada de tal alegria e pot9ncia interior que me senti exaltada. (e transmitiu uma sensa78o de onipot9ncia e de capacidade para tolerar tudo sem deixar que nada importasse) e constatei uma vontade e habilidade para sobrepor'se a todos os obst"culos. LImagine: pensei que minha viagem com o nagual havia sido de s. dois dias L e virando'se para mim) e rindo) me sacudiu com sua m8o livre. Eu estava t8o absorta pela vitalidade de sua vo4 que n8o compreendi o significado de suas palavras. Pedi a ele para repetir o que dissera: ele o fe4) e continuei sem compreender. LN8o entendo o que 1 que te excita tanto L disse repentinamente irritada por minha incapacidade para entender o que pretendia di4er'me. LEsteve ausente um par de dias) e da2@ L&omo@ L gritou) e seu grito fe4 com que eu saltasse em meu banco e batesse com a cabe7a no teto do ve2culo. 3eu olhar penetrou at1 o fundo de meus olhos) mas n8o pronunciou uma s. palavra. 3abia que n8o me acusava de nada) mas sim que 4ombava de minha aspere4a) meus humores variantes e minha falta de aten78o. Parou o ve2culo =s margens do caminho) desligou o motor) e se acomodou para ficar de frente para mim. L$gora quero que me conte todas as suas experi9ncias L sua vo4 transmitia excita78o nervosa) inquieta78o e vitalidade) ao assegurar'me que a ordem dos acontecimentos n8o importava em absoluto) e seu sorriso me tranquili4ou ao extremo de fa4er'me contar em detalhes tudo o que recordava. Escutou com aten78o) rindo de tanto em tanto e animando'me com um gesto de sua testa cada ve4 que eu vacilava. L-e modo queS tudo isto te aconteceu emS dois dias@ L3im L rebati com firme4a. &ru4ou os bra7os sobre seu peito. LDenho uma not2cia para voc9 L e a lu4 divertida de seus olhos traiu a seriedade de sua vo4 e a firme4a de sua boca quando acrescentou: LEu estive ausente do4e dias) mas achei que foram s. dois. Pensei que iria apreciar a ironia de meu erro por ter mantido um melhor controle do tempo) mas n8o foi assim. T igual a mim: perdemos de4 dias. L-e4 dias L murmurei perplexa) e meu olhar se perdeu na paisagem que estava al1m da :anela. N8o pronunciei uma s. palavra durante o resto da viagem. N8o era que n8o lhe acreditasse) nem que n8o quisesse falar. 3implesmente nada tinha para di4er) nem sequer depois de ter comprado o 2os 3ngeles 4imes e corroborado a verdade sobre a perda dos de4 dias. &ontudo) estavam de verdade perdidos@ (e fi4 essa pergunta sem dese:ar obter uma resposta. 1A032ULO DO9E $ oficina'est;dio de Isidoro Balta4ar consistia em um quarto retangular) que dava sobre uma pra7a de estacionamento) uma pequena co4inha e um banheiro de a4ule:os rosados. *evou'me para ali na noite que voltamos de 3onora. Eu) por demais exausta para notar algo) o segui dois pisos acima por um corredor acarpetado de cor escura at1 o apartamento W. $ssim que minha cabe7a entrou em contato com o travesseiro ca2 adormecida) e sonhei que segu2amos pela rota. Jav2amos via:ado sem parar desde 3onora) alternando ao volante) parando somente para comer e para colocar combust2vel. B apartamento estava mobiliado apenas com o imprescind2vel. ,unto ao beliche havia uma longa mesa dobr"vel que servia de escrivaninha) uma cadeira) tamb1m dobradi7a) e dois arquivos de metal para suas anota7Ces. ?"rios ternos e meia d;4ia de camisas pendiam em dois guarda'roupas :unto ao banheiro. B resto do espa7o era ocupado por livros) pilhas de livros. N8o

havia estantes) e os livros davam a impress8o de nunca ter sido abertos) menos ainda lidos. Damb1m os arm"rios da co4inha estavam repletos de livros) salvo um reservado para um prato) um :arro) um :ogo de garfos e facas) e uma colher. 3obre o fog8o havia uma chaleira para ferver "gua e uma ca7arola. Em tr9s semanas encontrei um apartamento novo para mim) a mais ou menos uma milha da universidade e virando a esquina do escrit.rio'estudio de Isidoro Balta4ar) apesar do qual continuava passando a maior parte de meu tempo em sua casa. Ele instalou uma segunda cama para mim) uma mesa daquelas que se usa para :ogar cartas) e uma cadeira dobr"vel id9ntica = sua) no outro extremo do quarto. Nos seis meses seguintes) 3onora se converteu para mim num lugar m2tico. N8o dese:ando :" bloquear minhas experi9ncias :untei as lembran7as das duas oportunidades em que estive l") mas por mais que o intentasse n8o consegui recordar absolutamente nada dos on4e dias perdidos: um na primeira e de4 na segunda oportunidade. Isidoro Balta4ar recusou de imediato qualquer men78o = perda desses dias. Por momentos eu concordava plenamente com ele: o absurdo de considerar perdidos esses dias) simplesmente porque n8o podia record"'los) se me fe4 t8o evidente que muito lhe agradeci por n8o conceder importUncia ao assunto. Estava claro que me protegia. N8o obstante) em outras oportunidades) e sem que me desse ra48o para isso) me dominava um forte ressentimento. Era seu dever a:udar'me) esclarecer'me o mist1rio) repetia a mim mesma) at1 convencer'me de que deliberadamente me escondia coisas. L?oc9 vai ficar louca se continuar com isso L disse'me um dia L) e toda sua preocupa78o ser" em v8o porque nada resolver". L titubeou um momento) como n8o se animando a por em palavras o que dese:ava di4er) depois encolheu de ombros e acrescentou num tom desafiante: LPor que n8o usa essa mesma energia de modo mais pr"tico) como para enumerar e examinar seus maus h"bitos@ Eu) em lugar de admitir a sabedoria da sugest8o) de imediato contra'ataquei com a outra queixa que se aninhava em mim) que ainda n8o havia conhecido =s outras mulheres :ovens encomendadas a ele pelo velho nagual. (e havia falado tanto delas que sentia que :" as conhecia) pois cada ve4 que fi4 perguntas ele me respondeu em detalhes. /alava delas extasiado) com profunda e pelo visto sincera admira78o) di4endo que algu1m de fora as descreveria como atraentes) inteligentes e exitosas. Dodas possu2am t2tulos universit"rios e eram seguras de si mesmas) e fero4mente independentes. (as para ele eram muito mais que isso: eram seres m"gicos que compartilhavam seu destino) unidas a ele por la7os de afeto e compromisso que nada tinham a ver com a ordem social. &ompartilhavam a comum busca pela liberdade. &erta ve4 at1 lhe dei um ultimato: LDem que me levar para conhec9'las) ou do contr"rioS Isto provocou risos em Isidoro Balta4ar. LDudo o que posso lhe di4er 1 que n8o 1 o que voc9 imagina) e n8o h" forma de determinar quando as conhecer". 3implesmente ter" que esperar. L," esperei o bastanteP L gritei) e ao n8o receber rea78o de sua parte) acrescentei: LEst" louco se acha que poderei encontrar a um grupo de mulheres em *os Ongeles. Nem sequer sei por onde come7ar a buscar. L$s encontrar" como encontrou a mim) e como encontrou ao nagual (ariano $ureliano. Blhei'o com desconfian7a. N8o podia menos que suspeitar que abrigava uma certa e secreta mal2cia. LN8o te andava buscando L respondi com impertin9ncia L nem tampouco a (ariano $ureliano. $credite em mim que) em ambos os casos) nossos encontros foram fortuitos. LN8o existem os encontros fortuitos no mundo dos feiticeiros L disse) e :" estava a ponto de di4er'lhe que n8o precisava deste tipo de conselho) quando ele acrescentou seriamente: L$s conhecer" quando chegar o momento adequado. N8o tem que andar em busca delas. -e cara para a parede contei at1 de4) depois o enfrentei para di4er com suavidade. LB problema contigo 1 que 1 um t2pico latino. $manh8 sempre 1 perfeito para voc9. N8o tem conceito de apressar ou fa4er as coisas L elevei a vo4 para impedir que me interrompesse) e terminei di4endo: L(inha insist9ncia em conhecer =s suas amigas 1 um exemplo de apressar as coisas. L-e apressar as coisas@ L repetiu sem compreender. LNual 1 a afoba78o@ L?oc9 vem me di4endo) quase que diariamente) que resta muito pouco tempo L recordei'lhe. L?oc9 mesmo sempre fala do importante que 1 para mim o conhec9'las) e no entanto age como se tivesse a eternidade pela frente. Dornou'se impaciente. LDe digo isto constantemente porque dese:o que se apresse a limpar seu ser interno) n8o porque quero que se levem a cabo com rapide4 atos sem importUncia como pretende voc9. N8o 1 meu dever o apresent"'las a voc9< se assim fosse) n8o estaria sentado aqui) escutando suas tolices. L /echou os olhos e suspirou de modo exagerado) num gesto de fingida resigna78o) mas em seguida acrescentou com um doce sorriso: LT demasiado tonta para dar'se conta do que acontece. LN8o acontece nada L retruquei) do2da pelo insulto. LN8o sou t8o est;pida como acha. Denho notado o ar de ambival9ncia que envolve suas rea7Ces para comigo. _s ve4es tenho a clara impress8o de que n8o sabe o que fa4er comigo. L3ei exatamente o que devo fa4er L assegurou. L3e 1 assim) por que reage sempre de maneira t8o indecisa quando proponho algo@ Isidoro Balta4ar me lan7ou um olhar severo) e por um instante pensei que me atacaria utili4ando essas palavras "speras que costumava usar para demolir'me com alguma cr2tica aguda) mas quando falou para conceder ra48o sobre minha opini8o o fe4 com suavidade. L3empre espero at1 que os acontecimentos decidam por mim L afirmou. L-epois me movo com velocidade e com vigor. 3e n8o se cuidar te deixarei para tr"s. L," estou muito atr"s L disse lamentando'me. L-ado que n8o me a:udar" a encontrar a essas mulheres estou condenada a continuar atrasada. L(as n8o 1 esse o verdadeiro problema. B mal 1 que voc9 ainda n8o se decidiu L e levantou as sobrancelhas como se estivesse = espera de um rompante de minha parte. LN8o sei o que quer di4er com isso. B que 1 que devo decidir@

LN8o se decidiu a :untar'se ao mundo dos feiticeiros. Est" parada no umbral) observando) = espera do que est" por acontecer. Est" = espera de algo pr"tico que lhe possa ser lucrativo. Palavras de protesto se formaram em minha garganta) mas antes que pudesse manifestar minha profunda indigna78o) ele acrescentou que eu tinha a errKnea id1ia de que o ter'me mudado a um novo apartamento e deixado para tr"s minha velha forma de vida significavam uma mudan7a. LE o que 1 ent8o uma mudan7a@ L perguntei com sarcasmo. LN8o deixou nada para tr"s exceto seus pertences L respondeu) ignorando meu tom. LPara certas pessoas isso significa um passo gigantesco) mas para voc9 isso n8o 1 nada. ?oc9 n8o se interessa em possuir coisas. Estava de acordo. LN8o) n8o me interessa L disse) e depois insisti que) n8o obstante seu :u24o) eu me havia decidido a :untar'me ao mundo dos feiticeiros h" muito tempo. LPor que acha que estou aqui se ainda n8o me decidi@ L3em d;vida o fe4 corporalmente) mas n8o em esp2rito. $gora est" esperando que te d9em um mapa) algum plano reconfortante) antes de tomar sua decis8o final. Entretanto seguir" dando'lhes corda. 3eu principal problema 1 que necessita estar convencida de que o mundo dos feiticeiros tem algo para lhe oferecer. LE ent8o ele n8o tem@ Isidoro Balta4ar me encarou com o rosto estampado por um sorriso. L3im) tem algo muito especial para oferecer. &hama'se liberdade) mas n8o h" garantia alguma de que a obtenha) ou que algum de n.s tenha 9xito nesta empresa. -igeri suas palavras) e depois lhe perguntei o que devia fa4er para convenc9'lo de que :" me havia unido ao seu mundo. LN8o 1 a mim a quem precisa convencer) e sim ao esp2rito. -eve fechar a porta atr"s de voc9. LNue porta@ L$ que voc9 mant1m aberta< a que te permitir" escapar se as coisas n8o s8o de seu agrado) ou n8o se encaixam em suas expectativas. LEst" di4endo que deserdarei@ Blhou'me com uma express8o enigm"tica) depois deu de ombros. LIsso fica entre o esp2rito e voc9. L(as se voc9 mesmo acha queS LEu n8o acho nada L interrompeu. LEntrou neste mundo da mesma maneira que todos os outros. Ningu1m teve nada a ver com isso) e tampouco o ter" se voc9 ou qualquer outro decide se retirar. Blhei'o) confusa. L(as suponho que tentar" me convencerS se euS L gague:ei. 3acudiu a cabe7a antes que eu terminasse de falar. LN8o convencerei a voc9 nem a ningu1m. 3ua decis8o carecer" de poder se precisar ser encora:ada cada ve4 que fraque:ar ou duvidar. LNuem me a:udar" ent8o@ L perguntei alarmada. LEu< eu sou seu servidor L respondeu com um sorriso doce e t2mido) por completo desprovido de cinismo. L(as antes sirvo ao esp2rito. Am guerreiro n8o 1 um escravo) e sim um servidor do esp2rito. Bs escravos n8o tomam decisCes) os servidores sim. 3ua decis8o 1 servir impecavelmente. LE minha a:uda n8o entra no c"lculo L continuou. LN8o posso investir em voc9 e) claro) tampouco voc9 pode investir em mim ou no mundo dos feiticeiros. Esta 1 a premissa b"sica desse mundo: nada se fa4 que possa ser catalogado como ;til. 3. se permitem atos estrat1gicos. $ssim me ensinou o nagual ,uan (atus) e 1 assim como vivo. B feiticeiro pratica o que predica. E no entanto nada se fa4 por ra4Ces pr"ticas. Nuando chegar a compreender e praticar isto) ter" fechado a porta atr"s de voc9. 3obreveio um longo sil9ncio< eu mudei de posi78o sobre a cama em que me achava sentada. (inha mente se encheu de pensamentos. Dalve4 nenhum dos feiticeiros poderia chegar a acreditar'me) mas sem d;vida alguma eu havia mudado) imperceptivelmente a princ2pio. Eu o notava porque tinha a ver com um dos problemas mais dif2ceis que uma mulher pode enfrentar: os ci;mes e a necessidade de saber. (eus ataques de ci;mes eram um pretexto) n8o necessariamente um pretexto consciente) mas contudo havia neles algo de posse. $lgo em mim exigia que tivesse ci;mes de todas as outras mulheres que formavam parte da vida de Isidoro Balta4ar) mas de igual maneira algo me fa4ia perceber que a vida do novo nagual n8o era a de um homem comum) nem sequer de quem pudesse ter muitas esposas. Nossa rela78o) se assim se podia cham"'la) n8o se encaixava em nenhum dos moldes habituais e conhecidos) apesar de meus esfor7os por conseguir inseri'la num contexto. Para que os ci;mes e o sentido de posse tenham sustenta78o 1 necess"rio um espelho) n8o s. um pr.prio) como tamb1m um do companheiro) e Isidoro Balta4ar :" n8o refletia os impulsos) os sentimentos) as necessidades e as emo7Ces de um homem. (inha necessidade de conhecer a vida de Isidoro Balta4ar era opressora) e me amargava o fato de que n8o me dava acesso a seu mundo privado. N8o obstante) eu n8o lutava contra isso. Deria sido f"cil segui'lo ou revisar seus pap1is para descobrir de uma ve4 por todas quem era ele de verdade) mas n8o pude fa49'lo. $lgo me di4ia que com ele eu n8o podia proceder como estava acostumada< e o que me inibia) mais que um sentido de dec9ncia) era a confian7a que havia depositado em mim. Isidoro Balta4ar me havia dado livre acesso a seus pertences) e isso para mim o tornava inviol"vel. !i forte. Entendia qual era o ato estrat1gico do guerreiro. Isidoro Balta4ar estava equivocado< confundia meu inveterado mau humor e minha afeta78o alem8 com falta de decis8o. N8o importava. Eu sabia que pelo menos havia come7ado a compreender e praticar a estrat1gia do guerreiro) ao menos enquanto ele se encontrava presente. N8o obstante) na sua aus9ncia) com frequ9ncia eu fraque:ava) e quando isso acontecia costumava dormir em seu est;dio. &erta noite) enquanto enfiava a chave na fechadura) apareceu um bra7o e) sem mais nem menos) me levou ao interior do est;dio. 5ritei aterrori4ada) e comecei a balbuciar qu9S) quando a m8o que apertava meu bra7o me soltou. Para recuperar meu equil2brio e acalmar meu cora78o que galopava) recostei'me contra a parede) e ali surgiu uma figura conhecida.

L/lorindaP L gritei) ainda confusa. Ela vestia uma longa bata) presa na cintura) e seus cabelos pendiam por suas costas e por ambos os lados de seu rosto. -uvidando se era na verdade ela ou uma apari78o) ressaltada por uma suave lu4 atr"s de suas costas) me aproximei para tocar sua manga. LT voc9) /lorinda) ou estou sonhando@ LEu em pessoa) querida. B produto aut9ntico. L&omo chegou aqui@ Est" so4inha@ L perguntei tontamente) e em seguida) procurando sorrir) acrescentei: L3e eu soubesse que voc9 viria teria iniciado a limpe4a mais cedo. Eu adoro limpar o est;dio de Isidoro Balta4ar de noite. 3empre o fa7o de noite. Em ve4 de responder /lorinda se situou de maneira que a lu4 iluminava seu rosto) e um sorriso perverso brilhou em seus olhos. LEu lhe adverti que nunca deveria seguir a nenhum de n.s) ou apresentar'se sem ser convidada. Dem sorte de que n8o foi outra pessoa quem te condu4iu para dentro esta noite. LE que outra pessoa poderia ter sido@ L perguntei com um tom desafiante que estava longe de sentir. /lorinda me contemplou um instante) depois se virou e me deu sua resposta por cima do ombro. L$lgu1m a quem n8o lhe teria importado que voc9 morresse de susto. L agitou uma m8o no ar como para afastar suas palavras enquanto atravessava o quarto procurando a pequena co4inha. N8o parecia caminhar) e sim desli4ar num tipo de dan7a n8o premeditada que balan7ava seus longos cabelos brancos) semelhantes a uma cortina prateada tocada por uma lu4 indefinida. Eu a segui) parodiando seu gracioso andar. L3aiba que tenho a chave L informei'lhe. LDenho vindo aqui todos os dias) a qualquer hora) desde que regressamos de 3onora. Na verdade eu praticamente vivo aqui. LIsidoro Balta4ar n8o te disse para n8o vir aqui enquanto ele est" no (1xico@ L o tom de /lorinda era suave) quase casual. N8o me acusava) mas eu senti como se o fi4esse. LDalve4 tenha dito algo L respondi com estudada indiferen7a) e vendo que fran4ia o cenho me senti obrigada a me defender. &onfessei'lhe que muitas ve4es eu estava so4inha no apartamento) e achava que n8o importava muito se Isidoro Balta4ar estava a cinco ou quinhentas milhas de distUncia) e alentada por sua aparente aprova78o =s minhas palavras admiti que) al1m de fa4er ali minhas tarefas escolares) passava horas pondo em ordem seus livros) classificando'os por tema e por autor. L $lguns deles s8o t8o novos que as p"ginas nem sequer foram cortadas L expliquei. LEu os estou abrindo. Isso 1 o que vim fa4er esta noite. L_s tr9s da manh8@ N8o pude evitar de ficar vermelha ao responder: LT) sim. J" muito por fa4er. Nuando se 1 cuidadosa e n8o se dese:a danificar as p"ginas) este 1 um trabalho de nunca acaba. (as 1 tranquili4ante) e a mim me a:uda a dormir bem. B coment"rio de /lorinda se redu4iu a uma palavra) apenas modulada: LExtraordin"rio. $nimada por sua aparente aprova78o continuei falando. LDenho certe4a de que voc9 entende o que estar aqui significa para mim. Neste apartamento me sinto livre de minha antiga vida) de todos e de tudo) salvo Isidoro Balta4ar e seu mundo m"gico. B pr.prio ar me enche de um sentido de entrega total. L suspirei profundamente. L$qui nunca me sinto so4inha) apesar da maior parte do tempo o estar. J" algo na atmosfera que me lembra a casa das feiticeiras. Essa mesma frie4a e aus9ncia de sentimentos banais) que a princ2pio tanto me incomodavam) se aderem a estas paredes) e 1 precisamente essa distUncia) essa falta de calide4) o que busco dia e noite. Eu a acho curiosamente reconfortante) me d" for7as. Enquanto se dirigia = pia da co4inha com o bule na m8o) /lorinda meneou a cabe7a como se duvidando) murmurou incr2vel e depois algo que n8o alcancei ouvir) afogadas as palavras pelo ru2do da "gua. L/ico muito feli4 de saber que se sente confort"vel aqui L suspirou dramaticamente e completou: L-eve sentir'se muito segura neste ninho4inho) sabendo que t9m um companheiro L e terminou num tom :ocoso) aconselhando'me a fa4er todo o poss2vel por fa4er feli4 a Isidoro Balta4ar) mencionando pr"ticas sexuais) que descreveu com horrenda grosseria. &ontemplei'a boquiaberta) espantada pelo que acabara de ouvir) enquanto ela) com a seguran7a e a efici9ncia de algu1m conhecedora da disposi78o da co4inha) pegava duas x2caras) meu bule de ch" favorito e o pacote de biscoitos de chocolate que eu mantinha escondido por tr"s dos dicion"rios de idiomas alem8o e franc9s. &om um sorriso /lorinda virou'se para mim e perguntou: L$ quem esperava encontrar aqui esta noite@ LN8o a voc9 L respondi abruptamente) percebendo tarde demais que minha resposta me delatava) e me lancei numa extensa e elaborada explica78o de por que esperava encontrar ali) se n8o a todas) pelo menos a uma das outras :ovens mulheres. L&ru4ar8o seu caminho quando chegar o tempo adequado L respondeu /lorinda. LN8o 1 sua obriga78o for7ar um encontro com elas. -e repente) sem poder controlar minhas palavras) me encontrei culpando a ela) a (ariano $ureliano e a Isidoro Balta4ar por minha atitude furtiva. -isse'lhe que era impratic"vel) para n8o di4er imposs2vel) pretender que eu esperasse a que umas mulheres desconhecidas cru4assem meu caminho) e achar que eu as reconheceria por algo t8o inconceb2vel como sua radia78o interna) e como de costume) quanto mais me queixava) melhor me sentia. /lorinda me ignorou) e com exagerado acento britUnico cantarolou L uma) duas colheradas) e uma para a chaleira L = medida que colocava o ch". -epois) de maneira casual) observou que a ;nica coisa caprichosa e impratic"vel era que eu pensasse em Isidoro Balta4ar como homem) e o tratasse como tal. LN8o sei o que me quer di4er com isso L rebati na defensiva. Blhou'me com tal intensidade que corei.

L3abe perfeitamente o que quero di4er L retrucou enquanto servia o ch" nas x2caras) e com um r"pido gesto de sua testa indicou qual das duas era a minha. &om o pacote de biscoitos na m8o) sentou na cama de Isidoro Balta4ar) e sorveu seu ch") enquanto eu) sentada ao seu lado) fa4ia o mesmo. -e improviso me lan7ou uma acusa78o: L?oc9 n8o mudou nada. LIsso 1 exatamente o que me disse Isidoro Balta4ar fa4 uns dias L repus L) mas eu sei que mudei muito. -isse'lhe que meu mundo havia mudado totalmente desde a volta de 3onora) e expliquei em detalhes sobre a troca de apartamento) minha mudan7a) deixando para tr"s todas minhas posses. Escutou com glacial indiferen7a) dura como uma pedra. LNa verdade n8o posso me atribuir muito cr1dito por romper rotinas e fa4er'me inacess2vel L admiti) sentindo'me incKmoda ante seu sil9ncio. LNualquer um que este:a em estreito contato com Isidoro Balta4ar deve esquecer que h" limites entre o dia e a noite) entre :ornadas de trabalho e feriados. B tempo flui eS L n8o pude terminar minha frase) pois me assaltou um estranho pensamento. Nue eu lembrasse) ningu1m me havia falado de romper rotinas e fa4er'me inacess2vel. Blhei fixo para /lorinda) e meu olhar fraque:ou. 3eria coisa dela@ -e onde me vinham essas id1ias@ E o mais desconcertante era que eu sabia com exatid8o o que era que essas id1ias significavam. LIsso deveria servir para advertir'lhe que algo est" por acontecer em voc9 L sentenciou /lorinda) como se tivesse seguido o fluxo de meus pensamentos) e acrescentou que tudo o que foi feito por mim em ensonhos) at1 esse momento) ainda n8o havia imbu2do minhas horas de vig2lia com a dure4a e a autodisciplina necess"ria para atuar no mundo dos feiticeiros. LNunca fi4 algo assim em minha vida L protestei. L-9'me uma oportunidade. 3ou nova nisto. Estava de acordo nisso. LNaturalmente L disse) e reclinou sua cabe7a na almofada e fechou os olhos. /oi t8o longo seu sil9ncio que pensei que tivesse dormido) e por conseguinte me assustei quando falou. LAma mudan7a verdadeira n8o inclui mudan7a de Unimo) atitude ou ponto de vista) e sim uma transforma78o total do ser L e ao ver que eu estava a ponto de interromp9'la) tapou meus l"bios com seus dedos e acrescentou: LB tipo de mudan7a ao qual aludo n8o se consegue em tr9s meses) um ano ou de4. Doma toda a vida L e terminou di4endo que era sumamente dif2cil converter'se em algo diferente ao que algu1m havia sido destinado a ser. L B mundo dos feiticeiros 1 um ensonho) um mito) e no entanto t8o real como o mundo de todos os dias L prosseguiu. Para perceber e funcionar nesse mundo devemos nos despo:armos da m"scara cotidiana que levamos aderida aos nossos rostos desde o dia em que nascemos) e colocarmos a segunda) a que nos permite vermos a n.s mesmos e a nosso entorno como realmente s8o: acontecimentos extraordin"rios que florescem s. uma ve4) adquirem exist9ncia transit.ria e nunca se repetem. Essa m"scara voc9 mesma ter" que confeccionar. L&omo a fa7o@ LEnsonhando seu outro ser L murmurou. L&ertamente n8o adquirindo novas roupas) novos livros e uma nova dire78o e) L acrescentou sarcasticamente L por certo n8o acreditando que tem um novo homem. $ntes que eu pudesse desmentir sua brutal acusa78o disse que externamente eu era uma pessoa fluida) capa4 de mover' me a grande velocidade) mas por dentro era r2gida e dura. &omo :" o havia assinalado Isidoro Balta4ar) ela tamb1m sustentava que era enganoso acreditar que adquirir um apartamento novo e dar de presente tudo o que possu2a era uma mudan7a. &urvei a cabe7a em sinal de que aceitava sua cr2tica. 3empre senti uma inclina78o a despo:ar'me de coisas e) tal como ela o apontou) isso representava basicamente uma compuls8o. Para incKmodo de meus pais) e desde que era muito nova) eu periodicamente me desfa4ia de minhas roupas e meus brinquedos) e a felicidade de ver meu quarto e meus arm"rios ordenados e quase va4ios ultrapassava a de adquirir posses. _s ve4es minha compuls8o se fa4ia t8o intensa que tamb1m di4imava os arm"rios de meus pais e de meus irm8os) fato que costumava passar inadvertido) pois tomava o cuidado de se desfa4er de roupas que haviam ca2do em desuso. &ontudo) de tarde em tarde) a casa explodia quando meu pai percorria os cKmodos abrindo guarda'roupas e vociferando) em busca de uma determinada camisa ou cal7a. $ /lorinda isto lhe causou gra7a e) de p1 :unto = :anela que dava a uma viela) fixou sua vista na grossa cortina negra que servia para se ter escurid8o total) como se pudesse ver atrav1s dela) e opinou que era muito mais f"cil para uma mulher que para um homem cortar amarras com a fam2lia e o passado. L$s mulheres L manteve L n8o s8o respons"veis) e esta falta de responsabilidade lhes d" uma grande medida de fluide4 que) lamentavelmente) raras ve4es aproveitam L e enquanto falava percorreu o aposento acariciando a mob2lia. LB mais dif2cil de compreender a respeito do mundo dos feiticeiros 1 que ele oferece a liberdade) masS L e ao di4er isto se virou para ficar de frente a mim L a liberdade n8o se obt1m gratuitamente. LB que custa essa liberdade@ L perguntei. L$ liberdade lhe custar" a m"scara que leva posta: essa t8o cKmoda e dif2cil de descartar) n8o por ser cKmoda) mas sim porque a tem estado usando tanto tempoS L com isto deixou de percorrer o quarto e veio a instalar'se frente = mesa. L3abe o que 1 a liberdade@ T a total aus9ncia de preocupa78o acerca de si mesma L disse) sentando'se :unto a mim sobre a cama L e a melhor maneira de deixar de preocupar'se com sua pessoa 1 preocupando'se por outros. LEu me preocupo L assegurei'lhe. LPenso constantemente em Isidoro Balta4ar e suas mulheres. LN8o me cabe d;vida L concordou) sacudindo a cabe7a e boce:ando. L," 1 hora de que comece a modelar sua m"scara) a que n8o tem a marca de ningu1m mais que n8o a sua. Precisa ser esculpida em solid8o) se n8o for assim n8o servir" em voc9) e haver" momentos em que a sentir" muito a:ustada) muito solta) muito quente) muito friaS L e prosseguiu enumerando uma s1rie de ins.litas incomodidades. &a2mos em um longo sil9ncio) depois do qual) com a mesma vo4 sonolenta) /lorinda prosseguiu seu discurso: LEscolher o mundo dos feiticeiros n8o 1 quest8o de declarar que :" o f94: deve agir nesse mundo. Em seu caso deve ensonhar. Dem ensonhado desperta desde seu regresso@ Precisei admitir que n8o o havia feito. LEnt8o ainda n8o se decidiu L observou com severidade. LN8o est" talhando sua m"scara. N8o est" ensonhando seu outro ser. Bs feiticeiros est8o comprometidos com seu mundo somente atrav1s de sua impecabilidade L e os olhos de /lorinda

brilharam ao completar: LBs feiticeiros n8o t9m interesse em converter a outros =s suas id1ias. Entre eles n8o h" gurus nem s"bios) s. naguais. Eles s8o os l2deres) n8o por saber mais) ou ser melhores feiticeiros que os outros) e sim por simplesmente possuir mais energia) e n8o me refiro necessariamente = for7a f2sica) e sim a certa configura78o de seu ser que lhes permite a:udar a outros a quebrar os parUmetros da percep78o. L3e aos feiticeiros n8o lhes interessa converter ao pr.ximo) por que Isidoro Balta4ar 1 aprendi4 do nagual velho@ LIsidoro Balta4ar apareceu no mundo dos feiticeiros do mesmo modo em que voc9 apareceu. N8o importa o que o trouxe) o certo 1 que n8o pKde ser ignorado por (ariano $ureliano) e ensinar'lhe tudo o referente ao mundo feiticeiro se converteu em obriga78o para ele. L -epois explicou que ningu1m nos andou buscando) nem a Isidoro Balta4ar e a mim. Nosso ingresso nesse mundo n8o foi obra nem dese:o de ningu1m. LNenhum de n.s faria nada por mant9'los neste mundo m"gico contra sua vontade L acrescentou sorrindo L mas sim far2amos o poss2vel e o imposs2vel para a:ud"'los a permanecer nele. /lorinda se virou como se dese:asse esconder seu rosto de mim) e um instante depois me olhou por cima de seu ombro. Javia em seu olhar algo frio e remoto) e a mudan7a de express8o era tal que me inspirou temor. Instintivamente me afastei dela. L$ ;nica coisa que nem eu nem Isidoro Balta4ar far2amos nem quis1ramos fa4er 1 a:udar'lhe a que continue com sua exist9ncia disforme) vora4 e complacente. Isso seria uma fraude L e como para suavi4ar o insulto me abra7ou. LDe direi o que necessitaS L e esteve calada por t8o longo tempo que pensei que havia esquecido o que estava por me di4er. /inalmente murmurou: LB que voc9 precisa 1 de uma boa noite de sono. LN8o estou nada cansada L respondi) resposta autom"tica como todas as minhas) sempre contr"rias ao que se estava di4endo. Para mim ter a ra48o era uma quest8o de princ2pios. /lorinda riu e me abra7ou de novo. LN8o se:a t8o alem8) e n8o espere a que tudo se:a soletrado com precis8o para seu benef2cio. L acrescentou que nada no mundo deles era t8o claro e preciso. $s coisas se desenvolviam de maneira vaga e lenta. LIsidoro Balta4ar te a:udar" L me assegurou L mas 1 necess"rio que lembre que n8o te a:udar" do modo que voc9 espera que o fa7a. LB que quer di4er com isso@ L perguntei) livrando'me de seu abra7o para poder olh"'la. LN8o lhe dir" as coisas que dese:a ouvir) nem te dir" como deve se comportar pois) como sabe) em nosso mundo n8o existem regras nem regulamentos. L Pelo visto minha crescente frustra78o lhe causava gra7a) pois riu com vontade. L*embre'se sempre que s. existem improvisa7CesS L e com isso e um grande boce:o) se estendeu na cama) depois de pegar uma das mantas empilhadas no piso. (as antes de cobrir'se se ergueu sobre um de seus cotovelos para dirigir'me um olhar penetrante) e numa vo4 sonolenta e levemente hipn.tica) me aconselhou a ter sempre presente que a minha era a mesma senda guerreira que a de Isidoro Balta4ar. &om os olhos fechados) e num tom apenas aud2vel) completou: LNunca o perca de vista. 3uas a7Ces te guiar8o de maneira t8o sutil que voc9 nem sequer se perceber" disso. Isidoro Balta4ar 1 um guerreiro impec"vel e incompar"vel. 3acudi seu bra7o) temendo que dormisse antes de terminar com o que tinha que di4er'me) e sem abrir os olhos continuou seu discurso. L3e o observar cuidadosamente ver" que ele n8o busca amor nem aprova78o. ?er" que permanece imp"vido sob qualquer situa78o. N8o pede nada) mas est" disposto a dar tudo de si mesmo. $guarda permanentemente um sinal do esp2rito) na forma de uma palavra am"vel ou um gesto apropriado) e quando o recebe) expressa seu agradecimento redobrando seus esfor7os. &ontinuou di4endo que Isidoro Balta4ar n8o :ulgava. L3e redu4iu ele mesmo a nada para escutar e observar) para assim poder conquistar e ser humilhado na conquista) ou ser derrotado e enaltecido na derrota. 3e observar com cuidado ver" que Isidoro Balta4ar n8o se rende. Podem venc9'lo) mas n8o se render" e) acima de tudo) Isidoro Balta4ar 1 livre. Eu me morria por interromp9'la) por di4er'lhe que tudo isso :" o havia me contado) mas antes que pudesse falar /lorinda :" havia adormecido) e temendo n8o dar com ela de manh8) caso voltasse ao meu apartamento) sentei'me sobre a outra cama. Estranhos pensamentos me invadiram. (e relaxei e me deixei ir) ao compreender que estavam desconectados do resto de meus pensamentos normais) vistos como raios de lu4 e relUmpagos de intui78o. 3eguindo um destes relUmpagos intuitivos decidi sentir a cama com minhas n"degas) e para minha grande surpresa foi como se minhas n"degas se tivessem fundido na pr.pria cama. Por uns momentos eu era a cama que se esfor7ava por tocar minhas n"degas. -urante um bom tempo go4ei esta situa78o. 3abia que ensonhava) e compreendi com absoluta claridade que acabara de experimentar o que Esperan4a havia descrito como minha sensa78o sendo devolvida como um eco. -epois todo meu ser se derreteu ou) melhor di4endo) explodiu. Deria querido rir de felicidade) mas n8o dese:ei despertar a /lorinda. Eu me lembrava de tudoP E n8o tive dificuldade alguma em lembrar o que havia feito na casa das feiticeiras durante aqueles de4 dias perdidos. Javia ensonhadoP 3ob o olhar vigilante de Esperan4a eu ensonhei sem deter'me) despertando na casa das bruxas) na de Esperan4a) ou em outros lugares irreconhec2veis no momento. &lara havia insistido que antes que um fato particular pudesse se fixar na mem.ria de modo permanente) era necess"rio t9'lo visto um par de ve4es) e sentada ali na cama) observando a /lorinda dormir) lembrei =s outras mulheres do grupo dos feiticeiros) com quem havia convivido em ensonhos durante esses dias esquecidos. Eu as vi com claridade) como se tivessem se materiali4ado diante de mim) ou melhor) como se eu houvesse sido fisicamente transportada de volta a essas circunstUncias. Para mim a mais chamativa era N1lida) que se parecia tanto a /lorinda que a princ2pio pensei que fossem g9meas. N8o s. era alta e delicada como /lorinda) como tinha a mesma cor de olhos) cabelo e pele. $t1 suas expressCes eram id9nticas. Damb1m se pareciam no temperamento) apesar de que se poderia di4er que N1lida que era mais suave) menos dominante. -ava a impress8o de n8o possuir a sabedoria e a for7a energ1tica de /lorinda) mas sim uma energia paciente e silenciosa) muito reconfortante. Nuanto = Jermelinda) com muita facilidade poderia ter passado por irm8 menor de &armela. 3eu corpo pequeno e delicado) de apenas um metro e cinquenta e sete cent2metros) era delicadamente arredondado) e seus modos esquisitos. -ava a impress8o de possuir menos autoconfian7a que &armela. 3ua fala era doce) e se movia com meneios r"pidos e bruscos) n8o livre de gra7a. 3uas companheiras me confiaram que sua timide4 e sossego fa4iam com que aqueles que lidavam com ela tendessem a se mostrar sob suas melhores lu4es) e tamb1m que n8o poderia mane:ar a um grupo) nem sequer a duas pessoas por ve4.

&lara e -elia formavam um estupendo par de travessas. $ princ2pio pareciam ser de grande tamanho) mas era sua robuste4) vigor e energia o que se fa4ia pensar nelas como em mulheres gigantescas e indestrut2veis. -edicavam'se a :ogos deliciosamente competitivos) e com o menor pretexto exibiam vestimentas exc9ntricas. $mbas tocavam muito bem o viol8o) possu2am lindas vo4es) e rivali4avam cantando n8o s. em espanhol como em ingl9s) alem8o) franc9s e italiano. 3eu repert.rio inclu2a baladas) can7Ces folcl.ricas e todo tipo de can78o popular) inclusive os mais recentes sucessos pop. N8o era necess"rio mais que cantarolar a primeira linha de uma can78o) e :" &lara e -elia a completavam. Damb1m organi4avam competi7Ces po1ticas) escrevendo versos para as ocasiCes em que se apresentavam. $ mim me haviam dedicado poemas que depois atiravam embaixo da minha porta sem assinar) devendo eu adivinhar quem o havia escrito) e ambas sustentavam que se a amava como ela a mim) a intui78o se encarregaria de revelar'me o nome da autora. B atraente destas competi7Ces era a aus9ncia de segundas inten7Ces. 3eu ob:etivo era entreter) n8o o de vencer o oponente) e desnecess"rio di4er que &lara e -elia se divertiam :unto com quem as assistia. 3e algu1m lhes ca2a nas gra7as) como parecia ter' lhes ca2do eu) seu afeto e lealdade n8o tinham limite. $mbas me defenderam com assombrosa perseveran7a) ainda que eu estivesse errada) pois para elas eu era perfeita e incapa4 de errar. Elas me ensinaram que manter essa confian7a significava para mim uma dupla responsabilidade) e n8o foi propriamente o meu temor em decepcion"'las e sim que) para mim) acabou sendo natural acreditar'me perfeita) o que fe4 com que me comportasse com elas de maneira impec"vel. $ mais estranha das mulheres feiticeiras era minha suposta professora na arte de ensonhar) 6uleica) que nunca me ensinou nada. ,amais me dirigiu a palavra) e talve4 nem sequer chegou a reparar em minha exist9ncia. 6uleica) assim como /lorinda) era muito bonita) talve4 n8o t8o chamativa mas sim bela) num sentido mais et1reo. Era pequena) e seus olhos escuros com suas sobrancelhas aladas) e sua boca e nari4) perfeitos) estavam emoldurados por cabelos escuros e ondulados) pr.ximos do grisalho) que acentuavam sua aura de ser de outro mundo. N8o era a sua uma bele4a normal) e sim sublime) moderada por seu implac"vel autocontrole. Possu2a plena consci9ncia do cKmico que era ser linda e atraente aos olhos de terceiros. Javia aprendido a admiti'lo) e o usava como se fosse um pr9mio que havia ganhado) tudo o qual a fa4ia n8o'igual a todos e a tudo. 6uleica havia aprendido a arte do ventriloquismo) levando'o a n2veis excelsos) e sustentava que as palavras enunciadas pelo movimento dos l"bios se tornavam mais confusas do que na realidade eram. $ mim me encantava o modo em que 6uleica como ventr2loqua fa4ia falar as paredes) as mesas) os pratos ou qualquer ob:eto que tivesse diante de si) e eu havia pego o costume de segui'la pela casa. (ais que caminhar 6uleica parecia flutuar sem tocar o solo e sem mover o ar) e quando perguntei =s outras feiticeiras se isto representava uma ilus8o) me responderam que era porque 6uleica detestava deixar suas pegadas no ch8o. -epois de conhecer e lidar com todas) as mulheres me explicaram a diferen7a entre ensonhadoras e espreitadoras. &hamavam a esta diferen7a os dois planetas. /lorinda) &armela) 6oila e -elia eram espreitadoras: seres fortes dotados de grande energia f2sica< agressivas) trabalhadoras incans"veis) e especialistas nesse extravagante estado de consci9ncia que chamavam ensonhar desperto. B outro planeta) as ensonhadoras) era composto pelas outras quatro mulheres: 6uleica) N1lida) Jermelinda e &lara. 3ua qualidade era mais et1rea) n8o por ser menos forte ou en1rgica) mas simplesmente porque sua energia era menos aparente. Pro:etavam uma imagem de n8o ser deste mundo) ainda quando ocupadas com tarefas mundanas) e eram especialistas em outro estado especial de consci9ncia) que chamavam ensonhar em mundos outros que este mundo. (e informaram que este era o estado de consci9ncia mais complexo que uma mulher podia alcan7ar. Nuando todas elas trabalhavam :untas) as espreitadoras representavam uma corti7a exterior) dura e protetora) que ocultava um n;cleo profundo: as ensonhadoras. Elas eram a matri4 suave que acolchoava a dura corti7a exterior. -urante esses dias na casa das feiticeiras elas cuidaram de mim como se eu fosse algo precioso. /ui adulada e mimada) co4inharam para mim seus pratos favoritos) e me fi4eram a roupa mais elegante que :amais tive. (e atordoaram com presentes) coisas bobas e :.ias preciosas que guardaram) segundo disseram) para o dia do meu despertar. Javia outras duas mulheres no mundo dos feiticeiros) ambas espreitadoras) ambas gordas) e de nome (arta e Deresa. $s duas eram bonitas e possu2am fabulosos apetites. No arm"rio tinham escondido um sortido de biscoitos) chocolates e doces) muito convencidas de que somente elas conheciam sua locali4a78o) e me agradou e alegrou sobremaneira que desde a primeira hora me fi4eram part2cipe deste tesouro) habilitando'me para fa4er uso dele ao meu pra4er) o qual) 1 claro) n8o deixei de fa4er. -as duas) (arta era a maior) uma ex.tica mistura de 2ndia e alem8 de vinte e tantos anos. 3ua te4) se bem n8o de todo branca) era p"lida< seu magn2fico cabelo negro era suave e ondulado) e emoldurava um rosto cheio com ma78s do rosto altas. Bs olhos amendoados eram de um verde a4ulado) e suas pequenas e delicadas orelhas pareciam) por ser de um rosado quase transparente) as de um gato. (arta era muito dada a emitir longos e tristes suspiros) segundo ela devido a sua origem alem8) e a melanc.licos sil9ncios) heran7a de sua alma ind2gena. J" pouco tempo havia come7ado a tomar li7Ces de violino) e praticava a qualquer hora do dia) mas longe de critic"'la ou irritarem'se com ela) a rea78o unUnime era que (arta tinha um fabuloso ouvido musical. Deresa media apenas um metro e cinquenta) mas sua robuste4 a fa4ia parecer mais alta. (ais que mexicana) parecia uma 2ndia da andia. 3ua pele perfeita era de uma cremosa cor cobre claro) seus olhos puxados) escuros e l2quidos) tinham por complemento c2lios enrolados de tal peso que mantinham baixas as p"lpebras) dando'lhe uma express8o distante e sonhadora. 3eu car"ter doce e gentil nos convidava a proteg9'la. Damb1m em Deresa :a4ia um temperamento art2stico. Pintava aquarelas ao cair da tarde. -iante de seu cavalete) com todos seus elementos prontos) sentava'se durante horas no p"tio = espera de que a lu4 e as sombras alcan7assem seu ponto ideal) e ent8o) com um controle e uma fluide4 que pareciam ditados pela filosofia 6en) fa4ia entrar em a78o seus pinc1is) e dava vida =s suas telas. B grosso de minhas mem.rias ocultas havia alcan7ado a superf2cie. Estava exausta. B ritmo dos leves roncos de /lorinda) crescendo e diminuindo como um eco distante) tinha um poder hipnoti4ante. Nuando abri os olhos meu primeiro ato foi pronunciar seu nome. N8o recebi resposta. $ cama estava va4ia. Bs len7.is cuidadosamente esticados n8o mostravam sinais de que algu1m tivesse sentado sobre eles) e muito menos dormido. Bs dois travesseiros se encontravam em sua posi78o original) contra a parede) e a manta que ela usou) dobrada :unto com as outras) empilhadas sobre o piso. $nsiosa) revistei o apartamento em busca de algum ind2cio de sua presen7a. N8o encontrei nada) nem sequer um cabelo grisalho no banheiro.

1A032ULO 2RE9E Nos momentos em que me encontrava totalmente desperta) n8o recordava muito bem esses dias perdidos) apesar de saber sem espa7o a d;vidas) que n8o eram dias perdidos. $lgo me havia acontecido nesse tempo) algo com um significado interior que me escapava. N8o reali4ei nenhum esfor7o consciente para recapturar todas essas mem.rias vagas: sabia que estavam ali) semi' ocultas) como essas pessoas a quem algu1m conhece apenas) e cu:os nomes n8o se consegue lembrar. Nunca fui de dormir bem) mas dessa noite em diante) desde a apari78o de /lorinda no est;dio de Isidoro Balta4ar) eu dormia a toda hora com o exclusivo prop.sito de ensonhar. $dormecia com inteira naturalidade cada ve4 que me encostava) e por longos per2odos. Inclusive engordei) por desgra7a n8o nos lugares apropriados. No entanto :amais ensonhei com os feiticeiros. Ama tarde um forte ru2do de lata me despertou. Isidoro Balta4ar havia deixado cair a chaleira na pia da co4inha. -o2a'me a cabe7a) suava copiosamente e tinha a vista nublada. !estou'me a lembran7a de um sonho terr2vel) que se desvaneceu muito r"pido. LT culpa suaP L gritei'lhe. L3e apenas me a:udasse n8o desperdi7aria minha vida dormindo. L -ese:ava ceder = minha frustra78o e = minha impaci9ncia mediante um protesto retumbante) mas rapidamente me dei conta de que isso era imposs2vel) pois :" n8o desfrutava protestando como antes. B rosto de Isidoro Balta4ar exteriori4ava sua satisfa78o) como se eu tivesse expressado meus pensamentos em vo4 alta. Pegou uma cadeira e) cavalgando'a) disse: L3abe que n8o posso lhe a:udar. $s mulheres possuem uma rota diferente para seus ensonhos. Nem sequer posso conceber o que fa4em as mulheres para ensonhar. L-everia saber L retruquei de mau modo L) com tantas mulheres em sua vidaS (inha r1plica provocou sua risada. Nada parecia perturbar seu bom Unimo. LN8o posso conceber o que fa4em as mulheres para ensonhar L repetiu. LBs homens precisam lutar incessantemente para enfocar sua aten78o nos sonhos. $s mulheres n8o lutam) mas precisam adquirir disciplina interna. J" algo que pode lhe a:udar L agregou sorrindo L) trate de n8o ensonhar com sua acostumada atitude compulsiva. -eixe que o ensonho venha a ti. $bri e fechei a boca) e rapidamente meu assombro se trocou por f;ria. Esquecida minha recente lucide4) calcei meus sapatos e abandonei a casa) batendo a porta ao sair. 3ua risada me seguiu at1 onde se encontrava estacionado meu carro. -eprimida) sentindo que n8o me amavam) so4inha e) acima de tudo) com pena de mim mesma) me dirigi = praia. Estava deserta) e chovia mansamente. $ aus9ncia de vento era total. B som das ondas lambendo a praia) e o da chuva golpeando as "guas) atuaram sobre mim como um calmante. Direi os sapatos) arregacei minhas cal7as) e caminhei at1 ficar limpa de meus caprichosos arranques. !econheci estar limpa) pois o sussurro das ondas me trouxe as palavras de /lorinda: T uma luta solit"ria. N8o me senti amea7ada) simplesmente aceitei minha solid8o) e foi esta aceita78o o que me deu a convic78o do que precisava fa4er< e posto que n8o sou dada =s posterga7Ces) agi de imediato. -eixei um bilhete sob a porta de Isidoro Balta4ar n8o queria que ele me dissuadisse% e tomei rumo = casa das feiticeiras. -irigi toda a noite. Em Ducson me registrei num motel) dormi a maior parte do dia) e retomei minha viagem ao cair da tarde) seguindo a mesma rota que tomou Isidoro Balta4ar em nossa viagem de regresso. (eu sentido de dire78o 1 pobre) mas tinha bem gravada essa rota. &om seguran7a assombrosa soube quais caminhos tomar) onde virar) e em escasso tempo cheguei ao destino. N8o me incomodei em consultar meu rel.gio) pois n8o queria perder a sensa78o de que o tempo n8o se havia movido entre minha partida de Ducson e minha chegada = casa das feiticeiras. N8o me incomodou n8o encontrar a ningu1m na casa) pois tinha bem presente que n8o me havia se estendido nenhum convite formal) mas lembrava muito bem que N1lida) ao esconder numa gaveta uma pequena cesta contendo os presentes que me fi4eram) me disse que devia voltar todas as ve4es que quisesse. 3uas palavras soavam em meus ouvidos: -e dia ou de noite esta cesta te a:udar" a que chegue bem. &om uma seguran7a = qual normalmente se chega com a pr"tica) fui diretamente ao quarto que Esperan4a me designara) onde a rede branca com fran:as parecia estar me esperando. /inalmente me invadiu uma vaga inquietude) mas n8o o medo que deveria ter sentido. Am pouco inquieta) instalei'me na rede) deixando uma perna para fora) com a qual balan7ar'me. L$o diabo com meus temores L gritei) e em seguida recolhi a perna) e totalmente instalada na rede me estirei com a voluptuosidade de um gato) fa4endo estalar todas as minhas articula7Ces. Ama vo4 me saudou vinda do corredor: L?e:o que chegou s8 e salva. N8o precisei v9'la para reconhecer a vo4. 3abia que era N1lida) e esperei em v8o a que entrasse no quarto. Eu a ouvi di4er sua comida est" na co4inha) e depois seus passos se afastaram pelo corredor. $bandonei a rede e corri atr"s dela) mas n8o havia ningu1m no corredor nem nos quartos que passei a caminho da co4inha. Na verdade n8o havia ningu1m em toda a casa. &ontudo) eu tinha a certe4a de que se encontravam ali. Escutei suas vo4es) suas risadas e o ru2do de pratos e panelas. (eus dias seguintes transcorreram em permanente estado de antecipa78o) em esperar a que algo importante ocorresse. N8o imaginava o qu9) mas tinha a certe4a de que esse algo estava ligado =s mulheres. Por alguma ra48o insond"vel as mulheres n8o dese:avam ser vistas) e esse ins.lito comportamento furtivo me manteve nos corredores a toda hora) espreitando silenciosa como uma sombra) mas apesar de meus engenhosos estratagemas me foi imposs2vel surpreend9'las) ou obter sequer uma fuga4 vis8o de seus corpos. 3e desli4avam invis2veis por toda a casa) entravam e sa2am de seus quartos como se fosse entre diferentes mundos) deixando o rastro de suas vo4es e seus risos. Jouve momentos em que duvidei de sua presen7a na casa) e at1 cheguei a suspeitar que os ru2dos de passos) murm;rios e risos n8o passavam de ser fruto de minha imagina78o< e quando me encontrava a ponto de aceitar como v"lida esta suspeita) escutava a alguma delas fa4endo algo no p"tio) e ent8o) plena de expectativa e de fervor renovado) corria at1 a parte posterior da casa para topar'me com a realidade de ter sido enganada mais uma ve4. Nesses momentos me convencia de que elas) sendo como

eram) verdadeiras bruxas) possu2am algum tipo de sistema de eco interno) parecido ao dos morcegos) que as alertava a respeito de minha aproxima78o. (eu desencanto ao n8o poder surpreend9'las :unto ao fog8o sempre desaparecia ante as ex.ticas comidas que me deixavam) e cu:o delicioso sabor compensava a mesquinhe4 das por7Ces. &om enorme pra4er comia sua magn2fica comida) apesar do qual sempre sentia fome. &erto dia) um pouco antes do crep;sculo) escutei a vo4 de um homem) pronunciando meu nome com suavidade) vinda dos fundos da casa. 3altei da rede e corri at1 l") e me produ4iu tal felicidade encontrar ao cuidador que saltei sobre ele como salta um cachorro. Incapa4 de conter minha alegria o bei:ei em ambas as bochechas. L&uidado) Nibelunga L disse com a mesma vo4 e modo de Isidoro Balta4ar. (inha surpresa me fe4 dar um salto e abrir os olhos surpreendida. &om uma piscada me formulou uma maliciosa advert9ncia: L&ontrole'se) pois se n8o me cuido 1 capa4 de se aproveitar de mim. Por um momento n8o soube como interpretar suas palavras) mas ao ver que ria) e sentir que me espalmava as costas para me animar) relaxei por completo. L(e alegra muito ver voc9 L disse'me com suavidade. LE eu L respondi alegremente L me alegro muit2ssimo de ver voc9P L depois lhe perguntei onde estavam os demais. LBh) andam por a2 L respondeu de maneira amb2gua. LNeste momento) misteriosamente inacess2veis) mas sempre presentes L e percebendo minha desilus8o) acrescentou: LDenha paci9ncia. L3ei que andam por a2) pois me deixam comida L confessei L) mas sempre tenho fome) :" que as por7Ces s8o muito pequenas. Em sua opini8o essa era a condi78o natural das iguarias que conferiam poder: nunca se recebia o suficiente. -isse que co4inhava sua pr.pria comida) arro4 e fei:Ces com peda7os de porco) vaca ou frango uma ve4 ao dia) mas nunca = mesma hora. -epois me levou a seu aposento. ?ivia num quarto grande e desordenado atr"s da co4inha) entre as estranhas esculturas de ferro e de madeira) onde o ar impregnado de :asmim e eucalipto pairava im.vel ao redor das cortinas fechadas. -ormia sobre uma cama port"til) que mantinha dobrada dentro de um arm"rio quando n8o estava em uso) e comia sobre uma pequena mesa &hippendale de pernas fr"geis. &onfessou'me que assim como as misteriosas mulheres) detestava a rotina. Para ele tanto importava o dia como a noite) a manh8 como a tarde. (antinha limpos os p"tios e se ocupava de varrer quando sentia vontade de fa4er) indiferente a se o que :a4ia no ch8o eram folhas ou flores. Nos dias subseqMentes tive grandes problemas para a:ustar'me a este tipo de vida desarticulada. (ais por compuls8o que por dese:o de ser ;til) a:udei ao cuidador em suas tarefas) e tamb1m aceitei seus convites de compartilhar suas comidas) que se mostraram ser t8o deliciosas como sua companhia. &onvencida de que ele era algo mais que um cuidador) tentei) com perguntas manhosas) surpreend9'lo desprevenido< t1cnica in;til) que n8o produ4iu respostas satisfat.rias. L-e onde voc9 1@ L perguntei'lhe a queima'roupa certo dia enquanto com2amos. *evantou a vista do prato e apontou com o dedo em dire78o =s montanhas) que a :anela aberta emoldurava como se fosse um quadro. LEl Bacatete@ L perguntei) revelando no tom de vo4 minha incredulidade. L(as voc9 n8o 1 2ndio L murmurei desconcertada. L-e acordo com como eu ve:o tais coisas) somente o nagual (ariano $ureliano) -elia e 5enaro /lores s8o 2ndios L e encora:ada pela express8o de surpresa e expectativa refletida em seu rosto acrescentei que) sempre em minha opini8o) Esperan4a transcendia as categorias raciais. $proximando'me) e baixando a vo4 a um n2vel de conspirador) confessei'lhe o que :" havia confiado a /lorinda. LEsperan4a n8o nasceu como ser humano. /oi estabelecida por um ato de bruxaria. T o diabo em pessoa. $fastando sua cadeira para tr"s) o cuidador extravasou sua alegria. LE o que me di4 de /lorinda@ 3abia que 1 francesa@ Bu melhor) que seus pais eram franceses) das fam2lias que vieram ao (1xico com (aximiliano e &arlota. LT muito bonita L murmurei) tratando de lembrar em que momento exato do s1culo passado Napole8o havia enviado o pr2ncipe austr2aco ao (1xico. LN8o a viu quando se enfeita todaS L acrescentou o cuidador. LT outra pessoa) para quem a idade n8o conta. L&armela me disse que eu sou como /lorinda L me aventurei a di4er) num ataque de vaidade e anseio ilus.rio. Impulsionado pelo riso que fervia em seu interior) o cuidador saltou de sua cadeira. LBem que voc9 gostaria que fosseS L comentou sem maior 9nfase) como se n8o lhe interessasse a repercuss8o que teriam em mim suas palavras. Irritada por seu coment"rio e sua falta de sensibilidade olhei'o com um aborrecimento mal disfar7ado. -epois) ansiosa por mudar de assunto) lhe fi4 uma pergunta relacionada com o nagual (ariano $ureliano: LE ele) exatamente de onde prov1m@ LNuem sabe de onde prov1m os naguais L contrapKs) e aproximando'se da :anela fixou sua vista durante um longo per2odo nas montanhas distantes. -epois completou: LJ" quem diga que os naguais v9m do pr.prio inferno. Eu acredito. $lguns di4em que nem sequer s8o humanosS L houve uma nova pausa que me fe4 perguntar'me se o longo sil9ncio seria repetido) ao fim do qual) como se tivesse intu2do minha impaci9ncia) sentou'se a meu lado e continuou: L3e perguntassem a mim eu diria que os naguais s8o super'humanos. Por essa ra48o conhecem tudo acerca da nature4a humana. N8o se pode mentir a um nagual. ?9em atrav1s de ti. $t1 v9em atrav1s do espa7o os outros mundos al1m deste) e outras eras deste mundo. (e senti incKmoda) e essa incomodidade me pKs inquieta. -ese:ava que deixasse de falar) e lamentei t9'lo levado a essa conversa. Dinha a certe4a de que o homem estava louco. LN8o) n8o estou louco L assegurou) e ao escutar essas palavras soltei um grito. L3implesmente estou falando de coisas que voc9 nunca escutou antes. &olocada na defensiva) meus olhos piscaram repetidas ve4es) mas essa inquieta78o me proporcionou a coragem necess"ria para perguntar'lhe sem preUmbulo algum:

LPor que se escondem de mim@ LT .bvio L respondeu. -epois) ao ver que para mim n8o era t8o .bvio) acrescentou: L-everia saber. ?oc9) e os que s8o como voc9) constituem a tripula78o) n8o eu. N8o sou um deles) sou apenas o cuidador) o que a4eita a m"quina. LEst" me confundindo cada ve4 mais L respondi irritada. -epois tive um momento de intui78o. LNuem s8o os da tripula78o = qual se referiu@ LDodas as mulheres que conheceu da ;ltima ve4 que esteve aqui. $s espreitadoras e as ensonhadoras. (e disseram que voc9 pertence =s espreitadoras. $p.s servir'se de um copo de "gua se dirigiu = :anela) levando consigo o copo. Bebeu uns goles antes de me informar que o nagual (ariano $ureliano havia posto = prova minhas condi7Ces de espreitadora em Ducson) quando me fe4 entrar na cafeteria para por uma barata na comida. -epois) encarando'me) anunciou: L?oc9 falhou. Eu o interrompi) pois n8o dese:ava escutar o resto dessa est.ria. LN8o quero escutar essa bobagem. Enrugou o rosto) prel;dio nele de alguma travessura. L(as depois do fracasso voc9 se reabilitou) gritando e chutando ao nagual (ariano $ureliano sem vergonha nem considera78o alguma L e ressaltou que as espreitadoras s8o pessoas que possuem a habilidade de lidar com outras pessoas. $bri a boca) a ponto de di4er'lhe que n8o entendera uma s. palavra) mas a fechei de novo. LB desconcertante 1 que tamb1m 1 uma grande ensonhadora. 3e n8o fosse por isso seria como /lorinda) naturalmente sem sua estatura e sua bele4a. 3orrindo venenosamente) maldisse em sil9ncio ao velho debochado. -e repente me disparou uma pergunta. L*embra quantas mulheres havia no piquenique@ /echei os olhos para visuali4ar melhor o acontecimento. ?i com clare4a a seis mulheres sentadas em torno da lona estendida sob os eucaliptos. Esperan4a n8o estava presente) mas sim &armela) 6oila) -elia e /lorinda. LNuem eram as outras duas@ L perguntei) mais confusa que nunca. L$h L murmurou) apreciando minha pergunta) a :ulgar pelo brilhante sorriso que enrugou seu rosto. LEssas eram duas ensonhadoras de outro mundo. ?oc9 as viu claramente) mas logo desapareceram) e sua mente n8o as registrou) pois lhe pareceu completamente inconceb2vel. $ceitei sua explica78o sem lhe prestar demasiada aten78o) incapa4 de conceber como havia visto somente quatro mulheres) quando sabia que eram seis. (inha d;vida deve de ter'se transparecido a ele) pois explicou que era muito natural que eu tivesse me concentrado somente em quatro. L$s outras duas s8o sua fonte de energia. 38o incorp.reas) e n8o pertencem a este mundo. Perdida e desconcertada) n8o pude atinar) sen8o olh"'lo fixo. 3e me haviam esgotado as perguntas. L-ado que voc9 n8o est" no planeta das ensonhadoras) seus sonhos s8o pesadelos) e suas transi7Ces entre ensonhos e realidade lhe acabam sendo muito inst"veis e perigosas) a voc9 e =s demais ensonhadoras. Por conseguinte) /lorinda assumiu a tarefa de apoiar'lhe e proteger'lhe. /iquei de p1 com tal 2mpeto que minha cadeira foi ao ch8o. LN8o quero saber maisP L gritei) e :usto a tempo me abstive de acrescentar que estava melhor assim) sem conhecer seus loucos costumes e explica7Ces. B cuidador me pegou pela m8o e me condu4iu para fora) atrav1s do p"tio e do chaparral) at1 a parte traseira da casa pequena. LPreciso da sua a:uda com o gerador L pediu. LDem que repar"'lo. 3eu pedido me causou gra7a. !espondi que ignorava tudo a respeito de geradores) e assim que abriu a portinhola de uma pequena casinha de cimento) me dei conta de que a corrente el1trica para as lu4es da casa se gerava ali. $t1 ent8o presumi que as lu4es e eletrodom1sticos do (1xico rural eram os mesmos que na cidade. -este dia em diante procurei n8o fa4er'lhe demasiadas perguntas) pois n8o me sentia preparada para suas respostas. Ent8o nossa rela78o adquiriu contornos de ritual) onde eu me esmerava por igualar o esquisito dom2nio que o velho possu2a do idioma espanhol. -ediquei horas = consulta de v"rios dicion"rios) buscando palavras novas e quase sempre arcaicas) com as quais impression"'lo. &erta tarde em que esperava que o cuidador trouxesse a comida) era a primeira ve4 desde que conheci seu quarto que me encontrava so4inha nele% lembrei do velho e estranho espelho) e me dediquei a examinar sua superf2cie brumosa e manchada. L&uidado. Esse espelho te prender" se voc9 se contemplar muito nele L aconselhou uma vo4 em minhas costas. (inhas esperan7as de ver ao cuidador se frustraram pois) ao virar'me) o quarto estava deserto de presen7a humana) e em meu precipitado af8 por alcan7ar a porta esbarrei numa das esculturas. $utomaticamente estirei a m8o para estabili4"'la) mas antes sequer de que pudesse aproximar'me) a figura pareceu afastar'se com um estranho movimento rotativo) para depois retomar sua posi78o original ap.s emitir um suspiro quase humano. LB que acontece@ L perguntou o cuidador) entrando no quarto. &olocou uma grande bande:a sobre a mesinha fr"gil e) reparando em meu rosto) que devia de estar verde) insistiu em sua quest8o. !espondi assinalando a escultura. LJ" momentos em que sinto que essas monstruosidades t9m vida pr.pria e me espiam L disse) e ao observar a express8o s1ria e chateada de seu rosto me apressei em assegurar'lhe que por monstruosidade n8o me referia = fei;ra e sim ao tamanho das pe7as. $p.s respirar profundamente repeti minha impress8o de que estavam vivas) o qual) depois de olhar furtivamente em torno dele) e com apenas um fio de vo4) o cuidador confirmou com seu D9m vida. (e senti t8o incKmoda que comecei a tagarelar acerca da tarde em que descobri seu quarto) de como me senti atra2da a ele por um inquietante murm;rio que no fim era obra do vento empurrando a cortina atrav1s de uma :anela quebrada. L3em d;vida nesse momento achei que se tratava de um monstro L confessei entre risinhos nervosos L) uma presen7a estranha alimentada pelas sombras do crep;sculo.

/ui ob:eto do olhar penetrante do cuidador) que mordeu seu l"bio inferior e depois deixou que esse olhar vagasse em torno do aposento antes de chegar a uma decis8o. LT melhor que nos sentemos = mesa antes que a comida se esfrie. L ofereceu'me uma cadeira) e assim que me sentei acrescentou em tom vibrante: LDem muita ra48o em cham"'las presen7as) pois n8o s8o esculturas) s8o inven56es. /oram concebidas segundo modelos vistos em outro mundo por um grande nagual. LPor (ariano $ureliano@ LN8o) por um nagual muito mais velho) chamado El2as. LE por que est8o estas inven7Ces em seu quarto@ Esse grande nagual as fe4 para voc9@ LN8o L respondeu L) eu s. cuido delas L e pondo'se de p1) tirou um len7o branco de um bolso e come7ou a limpar com ele a inven78o mais pr.xima. L-ado que sou o cuidador) me corresponde cuidar delas. $lgum dia) com a a:uda dos feiticeiros que voc9 conheceu) entregarei estas inven7Ces ao lugar onde lhes corresponde. LE onde 1 isso@ LB infinito) o cosmos) o va4io. LE como pretende lev"'las at1 l"@ L(ediante o mesmo poder que as trouxe: o poder de ensonhar desperto. L3e voc9 ensonha como ensonham estes feiticeiros L disse com cautela) procurando evitar que minha vo4 adquirisse um tom triunfalista L) ent8o voc9 tamb1m h" de ser um feiticeiro. LEu sou) mas n8o sou como eles. 3ua ing9nua admiss8o me confundiu. LNual 1 a diferen7a@ L$hP L exclamou com ar sabich8o. LExiste uma enorme diferen7a) que n8o posso lhe explicar agora. 3e o fi4esse) te afetaria muito) e te poria mais triste que nunca. No entanto chegar" o dia em que o saber" so4inha) sem necessidade de que algu1m o revele a voc9. 3enti em minha mente girar as rodas do esfor7o enquanto buscava algo novo para di4er) alguma outra pergunta para fa4er. LPode me di4er como chegaram essas inven7Ces ao poder do nagual El2as@ LEle as viu em seus ensonhos e as capturou. $lgumas s8o c.pias feitas por ele) c.pias de inven7Ces que n8o pKde transportar. Butras s8o o produto verdadeiro< inven7Ces que o nagual trouxe at1 aqui. N8o lhe acreditei nem em uma s. palavra) contudo n8o pude evitar outra pergunta. LPor que o nagual El2as as trouxe@ LPorque as pr.prias inven7Ces lhe pediram. LE por qu9@ B cuidador me silenciou com um gesto de sua m8o) e me instou a comer) e essa ren;ncia a satisfa4er minha curiosidade serviu como incentivo para meu interesse. N8o podia imaginar os motivos que lhe impediam de falar dos artefatos) quando era t8o h"bil em mat1ria de respostas evasivas. Poderia ter me respondido a primeira coisa que lhe ocorresse. Nem bem terminamos nossa refei78o me pediu que tirasse sua cama do arm"rio) e conhecendo suas prefer9ncias) eu a armei em frente = porta francesa que tinha uma cortina. &om um suspiro que demonstrava seu bem'estar estendeu'se nela) descansando a cabe7a sobre uma pequena almofada presa num dos extremos. $ almofada havia sido recoberta com fei:Ces secos e gr8os de milho e) segundo ele) garantia'lhe sonhos feli4es. L," estou pronto para minha siesta cochilo da tarde% L anunciou) enquanto afrouxava sua cinta. Era sua maneira discreta de pedir'me que me retirasse. $borrecida por sua negativa de falar das inven7Ces) empilhei os pratos sobre a bande:a e abandonei o quarto) escoltada por seus roncos) que me seguiram at1 a pr.pria co4inha. Essa noite me despertou os acordes de um viol8o. $utomaticamente busquei a lanterna que guardava :unto = minha rede e consultei meu rel.gio: apenas passava da meia'noite. Enrolei'me numa coberta e) na ponta dos p1s) sa2 ao corredor que condu4ia ao p"tio interior. $li) sentado sobre uma cadeira de :unco) um homem tocava o viol8o. $pesar de n8o poder ver seu rosto sabia que era o mesmo que Isidoro Balta4ar e eu hav2amos visto e escutado na ocasi8o de minha primeira visita. &omo naquela oportunidade) parou de tocar assim que me viu) ficou de p1 e entrou na casa. $ssim que cheguei de volta ao meu quarto a m;sica recome7ou) e estava a ponto de dormir quando o escutei cantar com vo4 clara e firme. $ melodia era uma invoca78o ao vento) um convite a cru4ar milhas e milhas de sil9ncio e de va4io) e como se fosse em resposta a essa convoca78o) o vento ganhou for7a) silvou atrav1s do chaparral) arrancou as folhas secas das "rvores e as depositou em montCes contra as paredes da casa. Num impulso abri a porta que dava ao p"tio) e o vento se introdu4iu e encheu o quarto de profunda triste4a< n8o a triste4a das l"grimas) e sim a da melanc.lica solid8o do deserto) a poeira e as sombras velhas. B vento percorreu o quarto como se fosse uma fuma7a. Eu o aspirei com cada inala78o) e o senti pesado nos pulmCes) apesar do qual cada profunda aspira78o me fe4 sentir mais aliviada. /ui para fora) e desli4ando'me por entre os altos arbustos) cheguei = parte de tr"s da casa cu:as paredes caiadas captavam o brilho da lua) para reflet2'lo sobre o descampado) varrido pelo vento. Demendo ser vista corri de "rvore em "rvore) aproveitando as sombras para ocultar'me) at1 chegar aos dois p1s'de'laran:a guardiCes do caminho que levava = casa pequena. B vento me trouxe o rumor de risinhos e vagas murmura7Ces) e em sua procura) numa atitude decidida) me lancei pela trilha para s. me acovardar ao chegar = porta da casinha escura. Dremendo) me aproximei pouco a pouco da :anela aberta. !econheci as vo4es de -elia e /lorinda) mas a altura da :anela me impediu de ver o que fa4iam. Escutei) = espera de algo profundo) de ser transportada a alguma revela78o transcendente capa4 de me a:udar a resolver o porqu9 de minha presen7a ali) minha inabilidade para ensonhar) mas unicamente escutei fofocas) e me prendi de tal maneira a suas maliciosas insinua7Ces que ri forte v"rias ve4es) esquecendo de minha situa78o. Inicialmente achei que falavam de terceiros) mas depois compreendi que falavam das ensonhadoras) e que seus coment"rios mais insidiosos eram dirigidos a N1lida. -isseram que at1 o momento) apesar dos anos transcorridos) n8o havia

conseguido desprender'se da atra78o do mundo. N8o s. era vaidosa) pois segundo elas passava o dia inteiro em frente ao espelho) como tamb1m era impudica) :" que fa4ia todo o poss2vel para ser sexualmente atrativa a fim de agarrar ao nagual (ariano $ureliano) e uma ve4 at1 chegou a contar que era a ;nica capa4 de acomodar seu enorme e intoxicante .rg8o. -epois foi a ve4 de &lara. $ apelidaram de elefante pomposo) que se achava encarregada de distribuir b9n78os a todos. B receptor de sua aten78o era nesse momento o nagual Isidoro Balta4ar) e o pr9mio) seu corpo desnudo) pr9mio que o nagual podia contemplar mas n8o possuir. Ama ve4) de manh8 e de novo = noite) presenteava'lhe o espet"culo de sua nude4) convencida de que ao fa49'lo se assegurava a pot9ncia sexual do novo nagual. $ terceira mulher de quem falaram foi 6uleica. -isseram que tinha aspira7Ces de santa) de ser a ?irgem (aria) e que sua assim chamada espiritualidade n8o passava de ser loucura. Periodicamente perdia o rumo) e em seus ataques de insUnia lhe ocorria por limpar a casa de ponta a ponta) as rochas do p"tio e inclusive as dos terrenos vi4inhos. -epois Jermelinda) a quem descreveram como muito sensata e decorosa) um perfeito modelo dos valores da classe m1dia. $ssim como N1lida) era incapa4 de cessar de ambicionar ser a mulher perfeita) a perfeita dona de casa. $pesar de n8o saber co4inhar) costurar) bordar ou tocar piano para entreter aos h.spedes) Jermelinda dese:ava ser conhecida L e isto o disseram entre acessos de risinhos debochados L como o modelo de perfei78o da casta feminina) assim como N1lida aspirava a ser o paradigma da mulher libidinosa. Escutei uma vo4 lamentar'se do fato de que ambas n8o combinassem seus talentos) pois se o fi4essem chegariam a constituir a mulher perfeita) capa4 de agradar ao amo: perfeita na co4inha e na sala) quer se:a vestindo avental ou tra:e de noite) e perfeita na cama) com as pernas abertas quando assim o dese:asse seu amo. Nuando se calaram voltei = casa) ao meu quarto e = minha rede) onde apesar de meus esfor7os n8o pude recuperar o sono. 3entia que algum tipo de c"psula protetora havia se arrebentado) destruindo o encanto e a felicidade de encontrar'me na casa das feiticeiras. 3omente podia pensar em que) desta ve4 por escolha pr.pria) me achava presa em 3onora com uma cole78o de velhas loucas) cu:o ;nico entretenimento era a fofoca) ao inv1s de estar me divertindo em *os Ongeles. ?im em busca de conselhos) e ao inv1s de ach"'los fui ignorada e redu4ida = companhia de um velho senil de quem suspeitava que fosse mulher) e quando chegou a manh8 e o momento de sentar'me para comer com o velho cuidador) eu havia levado meu sentido de leg2tima indigna78o a tal ponto que n8o pude comer nada. LB que se passa@ L perguntou o velho) olhando'me nos olhos) quando normalmente evitava este tipo de contato direto. LEst" sem apetite@ Eu lhe devolvi um olhar venenoso) e abandonando todo intento de controlar'me) descarreguei minha raiva e frustra78o acumuladas. Enquanto o fa4ia prevaleceu por um momento meu sentido de modera78o: disse'me que era in:usto culpar ao velho) que me havia tratado com todo carinho. -evia lhe estar agradecida) mas :" n8o podia me conter. (inhas pequenas queixas haviam adquirido vida pr.pria) e minha vo4 se fa4ia cada ve4 mais aguda = medida que exaltava e distorcia os fatos dos ;ltimos dias. &om maliciosa satisfa78o) confessei ter escutado a conversa das mulheres. LElas n8o t9m nenhuma inten78o de a:udar'me L assegurei. LN8o fa4em outra coisa que falar mal das ensonhadoras) de quem disseram coisas horr2veis. LB que as escutou di4er@ &om gosto lhe relatei tudo) surpreendendo a mim mesma pela fidelidade com que lembrei de cada um dos maliciosos coment"rios. LBbviamente falavam de voc9 L declarou) nem bem havia finali4ado minha exposi78o. L*ogicamente que em sentido figurado. L esperou que suas palavras ganhassem peso em mim) e antes que eu pudesse protestar) perguntou inocentemente: L N8o 1 voc9 muitissimamente assim@ L&omo se atreveP L explodi L) e n8o me venha com essa merda psicol.gica. N8o a aceito de um homem educado) menos ainda de voc9) pe8o de merda. (eu ataque s;bito o pegou de surpresa. $briu bem os olhos) e seus fr"geis ombros se encolheram. N8o senti nenhuma pena por ele) s. l"stima de mim mesma. &omunicar'lhe o que ouvi havia sido uma perda de tempo. Estava a ponto de lhe di4er que ter feito essa longa e "rdua viagem havia sido um erro da minha parte) quando me olhou com tal despre4o que senti vergonha de minha explos8o. L3e controlar seu g9nio se dar" conta de que nada do que fa4em estes feiticeiros 1 para entreter'se ou para impressionar a algu1m) ou dar livre va48o =s suas compulsCes. Dudo o que fa4em ou di4em tem uma ra48o) um prop.sito L e me olhou com tal frie4a que senti vontade de me afastar. LN8o v" pensando que est" aqui de f1rias L insistiu. LPara estes feiticeiros as f1rias n8o existem. LPor que me disse isto@ L perguntei irritada. LE n8o fique dando voltas. -iga. LN8o ve:o como posso di49'lo mais claramente L respondeu. 3ua vo4 era enganosamente suave) carregada de uma inten78o cu:o alcance eu n8o conseguia decifrar. L$s bruxas :" te disseram de noite o que voc9 1. Asaram as quatro mulheres do planeta das ensonhadoras como fachada para descrever voc9) para fa4er saber) a quem estava escondida atr"s da :anela) o que 1: uma puta com del2rios de grande4a. /oi tal o impacto que fiquei momentaneamente aturdida. -epois a f;ria) quente como lava) tomou posse de meu corpo. L(iser"vel) insignificante peda7o de merda L gritei'lhe) chutando'o na virilha. N8o havia chegado meu chute ao alvo e :" me deparava com a imagem do pequeno bastardo retorcendo'se no ch8o de dor) e contudo o destino de meu chute acabou sendo o ar. &om a velocidade de um boxeador ele o havia evitado. 3orriu com a boca) mas n8o com os olhos) que) frios e inexpressivos) contemplaram minhas investidas e lamentos. LEst" fa4endo ao nagual Isidoro Balta4ar v2tima de tudo o que disseram as bruxas. Dreinaram voc9 para isso. Pense nisso) e n8o se limite apenas em irritar'se. $bri a boca para di4er algo) mas n8o emiti som. N8o eram tanto suas palavras que me deixaram sem fala) e sim seu tom indiferente) gelado e demolidor. Deria preferido que me gritasse) :" que assim saberia como reagir: teria gritado mais forte. N8o tinha sentido enfrent"'lo) disse a mim mesma. N8o tinha ra48o. Era simplesmente um velhinho senil com uma l2ngua de v2bora. N8o) decidi) n8o me irritaria com ele) mas tampouco o levaria a s1rio.

LEspero que n8o v" come7ar a chorar L me advertiu) ainda antes que me recobrasse. -ecidi n8o exteriori4ar minha raiva) contudo n8o pude evitar que enrubescesse o rosto quando mencionei que nem pensava fa49'lo) e que dada sua condi78o de pobre servente) merecia ser a7oitado por sua impertin9ncia< mas seu olhar duro me aplacou) e finalmente) persistindo em seu trato cort9s mas inexpressivo) conseguiu me convencer de que devia desculpar'me. LEu sinto muito L e na verdade o sentia L) meu mau g9nio e maus modos sempre terminam por vencer'me. LEu sei) todos me advertiram a seu respeito L disse muito s1rio) mas em seguida seu sorriso reapareceu quando me convidou a comer. 3entia'me incomodada durante a refei78o. (astigando com lentid8o o observei sub'repticiamente) e constatei que apesar de n8o se esfor7ar por mostrar'se am"vel sua raiva havia desaparecido. Dentei sem 9xito consolar'me com esse pensamento) e percebi que sua falta de interesse em mim n8o era algo deliberado nem estudado. N8o me castigava) pois nada do que foi dito ou feito por mim podia afet"'lo. Derminei minha comida) e disse a primeira coisa que me ocorreu com uma seguran7a que n8o deixou de me assombrar. L?oc9 n8o 1 o cuidador. !eapareceu seu sorriso quando perguntou: LE quem acha que sou@ Esse sorriso me fe4 abandonar toda precau78o) e com um tremendo descaro e) naturalmente com inten78o de insulto) disse'lhe que era uma mulher: Esperan4a. B fato de ter'me descarregado dessa suspeita me trouxe al2vio. 3uspirei e completei: LPor isso somente voc9 tem espelho. Nuer se:a como mulher ou como homem) precisa soar convincente. LB ar de 3onora deve ter lhe afetado. T bem sabido que o ar rarefeito do deserto afeta =s pessoas de maneira peculiar L e agarrou meu pulso quando acrescentou: LBu talve4 se:a normal em voc9 ser mesquinha e chata) e di4er o que lhe conv1m com ar de absoluta autoridade. Em seguida mudou de atitude) e rindo me propKs compartilhar sua siesta. LNos far" muito bem. $mbos somos chatos. L-e modo que assim s8o as coisas L acusei) n8o muito segura de se devia me ofender ou rir. LNuer dormir comigo) 1@ Esperan4a :" me havia advertido disto. LE por que ra48o se opCe a sestear comigo se acha que sou Esperan4a@ L perguntou) acariciando minha nuca com uma m8o t2bia e apa4iguante. (inha defesa foi fr"gil. LN8o me oponho. $contece que odeio as siestas. Nunca durmo a siesta) e me disseram que at1 quando era crian7a as odiava. L me defendi falando com rapide4) gague:ando) repetindo palavras. -ese:ava abandonar o quarto) mas a leve press8o de sua m8o sobre minha nuca me impedia disso. L3ei que 1 Esperan4a L repeti. L!econhe7o esse tato. Possui o mesmo efeito sedante que o seu. L senti que minha cabe7a se bamboleava e que meus olhos se fechavam contra minha vontade. L$ssim 1 L concordou. LDe far" bem recostar'se mesmo que n8o se:a mais que por uns minutos L e interpretando meu sil9ncio como sinal de aceita78o) tirou do arm"rio sua cama dobr"vel e um par de mantas) uma das quais me cedeu. &ontinuaram as surpresas. 3em saber por que) e sem protestar) me deitei) e atrav1s das p"lpebras entreabertas o observei estirar'se at1 fa4er estalar cada uma de suas articula7Ces) tirar as botas) desa:ustar a cinta e encostar'se ao meu lado. ," coberto pela manta se desfe4 de suas cal7as) que depositou no ch8o :unto =s suas botas) depois do qual levantou a manta e se mostrou. !oxa de vergonha) comprovei que seu corpo desnudo) igual ao de Esperan4a) era a ant2tese do imaginado. Era um corpo flex2vel) imberbe e limpo< delicado como um :unco) mas por sua ve4 musculoso e) definitivamente masculino e :ovemP N8o me parei para pensar. Prendendo a respira78o levantei cautelosamente minha pr.pria manta. Am risinho feminino me fe4 fechar os olhos e fa4er de conta que dormia) mas me aquietou o saber que quem se ria n8o entraria no quarto. $poiei a cabe7a em meus bra7os) e me absorveu a sensa78o de que o cuidador e os risinhos haviam restabelecido um equil2brio) e recriado em torno de mim a borbulha m"gica. N8o sabia com exatid8o qual significado lhe dava a isto) mas sim que quanto mais meu corpo se relaxava mais me aproximava a uma resposta. 1A032ULO 1A2OR9E -o meu regresso da casa das feiticeiras :" n8o necessitei ser persuadida ou animada. $s mulheres haviam conseguido infundir'me uma estranha coer9ncia) uma certa estabilidade emocional como nunca antes possu2. N8o me converti da noite para o dia em outra pessoa) mas minha exist9ncia adquiriu um prop.sito definitivo) meu destino estava tra7ado: devia lutar para livrar minha energia. 3imples assim. Por1m n8o podia recordar) quer fosse clara ou mesmo vagamente) tudo o que aconteceu nos tr9s meses transcorridos nessa casa. Dal tarefa me demandou anos de esfor7o e determina78o. &ontudo) o nagual Isidoro Balta4ar me advertiu acerca da fal"cia das metas definidas e das conquistas emocionalmente carregadas. -isse que careciam de valor) pois o verdadeiro cen"rio de um feiticeiro 1 a vida cotidiana) e ali as motiva7Ces conscientes superficiais n8o aguentam as pressCes. $s feiticeiras haviam expressado mais ou menos o mesmo) s. que de um modo mais harmonioso. Explicaram que dado que as mulheres est8o habituadas a serem manipuladas) elas acediam com facilidade) e que suas conformidades eram simplesmente ocas adapta7Ces = press8o. (as de ser na verdade fact2vel convencer = mulher da necessidade de mudar seus h"bitos) ent8o metade da batalha estava ganha< ainda sem sua conformidade) seu 9xito 1 infinitamente mais dur"vel que o dos homens. Podia optar entre as duas opiniCes) ambas a meu ver acertadas. -e tanto em tanto) todas as ra4Ces fundamentais da feiti7aria que eu havia aprendido sucumbiam sob a press8o do mundo di"rio) mas minha entrega ao mundo dos feiticeiros nunca foi posta no tapete da d;vida. Pouco a pouco comecei a adquirir a energia necess"ria para ensonhar) o que significava que por fim havia compreendido o que me disseram as mulheres: Isidoro Balta4ar era o novo nagual) e havia deixado de ser um homem. &ompreender isto me deu suficiente energia para regressar periodicamente = casa das feiticeiras.

Essa casa era propriedade de todos os pertencentes ao grupo de (ariano $ureliano) grande e encorpada vista de fora) mas indistingu2vel de outras< apenas vis2vel) apesar da exuberante primavera florida que pendia sobre o muro que circundava a propriedade. $ ra48o pela qual as pessoas passavam sem v9'la) di4iam os feiticeiros) residia na t9nue n1voa que a cobria) delicada como um v1u) vis2vel ao olho) por1m imposs2vel de perceber para a mente. N8o obstante) uma ve4 dentro da casa) tinha'se a aguda sensa78o de ter ingressado em outro mundo. Bs tr9s p"tios) sombreados por "rvores frut2feras) conferiam uma lu4 de ensonho aos escuros corredores e aos muitos aposentos que se abriam sobre eles) e impressionavam os pisos de ti:olos e la:otas) com seus intrincados desenhos. N8o era um lugar c"lido) mas sim acolhedor) e de nenhuma maneira um lar) dada sua onipresente personalidade e sua implac"vel austeridade. Era o lugar onde o velho nagual (ariano $ureliano e seus feiticeiros concebiam seus ensonhos e reali4avam seus prop.sitos) e dado que suas inquietudes nada tinham a ver com o mundo cotidiano) essa casa era o reflexo de suas preocupa7Ces n8o humanas) e refletia a aut9ntica medida de sua individualidade) n8o como pessoas) mas como feiticeiros. Nessa casa me relacionei e lidei com todas as feiticeiras do grupo do nagual (ariano $ureliano) que n8o me ensinaram feiti7aria) nem sequer a ensonhar. 3egundo elas) n8o havia nada para ensinar. -isseram que minha tarefa era recordar de tudo o que aconteceu entre elas e eu durante esses momentos iniciais de nossa conviv9ncia) em especial tudo o que 6uleica e /lorinda me fi4eram ou disseram) mas 6uleica nunca me havia dirigido a palavra. Nuando tentava pedir'lhes a:uda recusavam fa49'lo. 3eu argumento era que sem a necess"ria energia de minha parte s. lhes sobrava repetir'se) e n8o dispunham de tempo para isso. $ princ2pio sua negativa me pareceu in:usta e nada generosa) mas depois de um tempo abandonei toda tentativa de indag"'las) e me dediquei a desfrutar de sua presen7a e de sua companhia. &heguei assim a aceitar sua ra48o para n8o querer :ogar nosso :ogo intelectual predileto) esse de pretextar interesse nas assim chamadas perguntas profundas) que usualmente nada significam para n.s pela verdadeira ra48o de que n8o possu2mos a energia para utili4ar com proveito a resposta que possamos receber) exceto para estar ou n8o de acordo com ela. N8o obstante) gra7as a essa di"ria inter'rela78o) cheguei a compreender muitas coisas acerca de seu mundo. $s ensonhadoras e as espreitadoras representavam duas formas de comportamento entre mulheres) muito distintas entre si. Inicialmente me perguntei se o grupo que me havia sido descrito como ensonhadoras: N1lida) Jermelinda e &lara) eram na realidade as espreitadoras pois) at1 onde eu podia determinar) minha rela78o com elas era sobre uma base estritamente mundana e superficial. 3omente mais tarde pude dar'me conta de que sua mera presen7a provocava em mim uma nova maneira de comportamento. &om elas n8o necessitava reafirmar'me. -e minha parte n8o existiam d;vidas nem perguntas. Possu2am a singular habilidade de fa4er'me ver) sem necessidade de verbali4"'lo) o absurdo de minha exist9ncia) apesar do qual n8o achava necess"rio defender'me. Dalve4 fosse esta aus9ncia de esfor7o o que me levou a aceit"'las sem resist9ncia) e n8o levei muito tempo para dar'me conta de que as ensonhadoras) ao tratar'me num n2vel mundano) me estavam proporcionando o modelo necess"rio para recanali4ar minhas energias. -ese:avam que eu mudasse minha maneira de enfocar assuntos cotidianos tais como co4inhar) limpar) estudar ou ganhar a vida. -isseram'me que essas tarefas deviam fa4er'se com distintos ausp2cios) n8o como tarefas mundanas) e sim como esfor7os art2sticos) todos de igual importUncia. 3obretudo foi sua mutua inter'rela78o) e sua rela78o com as espreitadoras) o que me deu a pauta do qu8o especial eram. Em seu trato habitual careciam de falhas humanas. 3eu sentido de dever coexistia facilmente com suas caracter2sticas individuais) fossem estas o mau g9nio) a irritabilidade) grosseria) loucura ou do7ura excessiva. Na presen7a e companhia de qualquer destas feiticeiras eu experimentava a rara sensa78o de estar em f1rias permanentes) s. que isso era uma miragem) pois elas viviam em permanente estado de guerra) sendo o inimigo a id1ia do eu. Na casa delas conheci a ?icente e 3ilvio (anuel) os outros dois feiticeiros do grupo de (ariano $ureliano. ?icente era obviamente de origem espanhola) e soube que seus pais eram oriundos da &atalunha. Era magro) de aspecto aristocr"tico) com m8os e p1s que davam uma errKnea impress8o de fragilidade. $ndava sempre em alpargatas) e preferia blusas de pi:amas pendiam abertas sobre suas cal7as caqui% a camisas. 3uas bochechas eram rosadas apesar de sua palide4. Bstentava uma barbinha que cuidava com esmero) a qual lhe conferia um toque de distin78o a seu porte abstra2do. N8o s. parecia) como era de fato um erudito< os livros no quarto que eu ocupava eram seus) ou melhor) era ele quem os colecionava) lia e cuidava. B atraente de sua erudi78o sabia de tudo% era que se portava como se fosse um perp1tuo aprendi4. Eu tinha a certe4a de que n8o era assim) pois era .bvio que sabia mais que os outros) e seu esp2rito generoso o levava a compartilhar seus conhecimentos com magn2fica naturalidade e humildade) :" que :amais envergonhava a terceiros por saber menos que ele. 3ilvio (anuel era de m1dia estatura) corpulento) sem pelos e moreno. Am 2ndio sinistro e misterioso) perfeito exemplo da imagem que eu me havia formado do que deveria ser um bruxo. 3ua aparente taciturnidade me assustava) e suas lacKnicas respostas revelavam o que eu suspeitava ser uma nature4a violenta. 3omente ao conhec9'lo melhor compreendi o muito que go4ava cultivando essa imagem. $cabou se mostrando ser o mais aberto e) para mim) o mais encantador de todos os feiticeiros. $s intrigas e os segredos eram sua paix8o) fossem ou n8o aut9nticos) e era a maneira em que os contava o que) para mim e para todos) n8o tinha pre7o. $l1m disso) possu2a um inextingu2vel repert.rio de piadas) a maioria delas pesadas) su:as. Era o ;nico que se divertia vendo D?) e portanto sempre estava em dia com as not2cias do mundo) as quais transmitia aos outros) grosseiramente exageradas e temperadas com uma grande dose de mal2cia. 3ilvio (anuel era um excelente bailarino) e era legend"ria sua habilidade e seus conhecimentos das v"rias dan7as sagradas ind2genas. 3e movia com ext"tico abandono) e com frequ9ncia me pedia que dan7asse com ele. /osse a dan7a um )oropo vene4uelano) uma cumbia) um samba) um tango) o t0ist) roc[ and roll ou um bolero dos que se dan7am de rosto colado) conhecia a todas. Damb1m interagi com ,ohn) o 2ndio que me apresentou o nagual (ariano $ureliano em Ducson) $ri4ona. 3eu aspecto rotundo) inalter"vel e :ovial n8o era outra coisa que uma fachada) pois era o menos abord"vel dos feiticeiros. &ondu4indo sua camionete se encarregava dos recados de todos) e tamb1m reparava o que precisava ser consertado dentro e ao redor da casa. 3e me mantinha em sil9ncio) n8o o incomodando com perguntas e coment"rios) ,ohn me permitia acompanh"'lo em suas viagens) e me ensinava a consertar coisas: banheiros) torneiras e m"quinas de lavar roupas) e tamb1m como reparar uma placa)

comutadores el1tricos) e lubrificar e mudar as velas de meu autom.vel. Ensinada por ele) o uso de martelos) chaves'de'fenda e serras se converteu em tarefa f"cil para mim. $ ;nica coisa em que n8o me a:udaram foi em responder =s minhas perguntas e averigua7Ces acerca de seu mundo) e quando intentava compromet9'los se referiam ao nagual Isidoro Balta4ar. 3ua recusa usual era: Ele 1 o novo nagual) e 1 miss8o dele lidar com voc9. N.s somos meramente seus tios e tias. Inicialmente o nagual Isidoro Balta4ar representava para mim algo mais que um mist1rio. N8o tinha bem claro onde residia) pois indiferente a hor"rios e rotinas) aparecia e desaparecia do est;dio a toda hora. B dia e a noite lhe eram indiferentes. -ormia quando estava cansado) quase nunca) e comia quando tinha fome) quase sempre. Em meio =s suas fren1ticas idas e vindas trabalhava com uma concentra78o na verdade assombrosa) sendo sua capacidade para esticar ou comprimir o tempo incompreens2vel para mim. Dinha a certe4a de ter passado horas) e at1 dias inteiros com ele) quando na realidade poderiam ter sido s. momentos) furtados aqui e ali) se:a l" durante o dia ou a noite) ou a outras de suas desconhecidas atividades. 3empre me considerei uma pessoa ativa) cheia de energia) mas descobri que me era imposs2vel manter'me a par de seu ritmo. ?ivia em permanente movimento L ou assim parecia L) "gil e ativo) sempre pronto para encarar algum pro:eto. 3eu vigor era permanente e francamente incr2vel. (uito tempo depois cheguei a compreender que a fonte da inesgot"vel energia de Isidoro Balta4ar residia em sua falta de preocupa78o por si mesmo) e foi seu permanente apoio) suas impercept2veis e por sua ve4 h"beis maquina7Ces) as que me mantiveram na senda correta. !esidia nele uma alegria) um go4o em sua sutil e contudo poderosa influ9ncia) que me levou a mudar sem que eu notasse que estava sendo condu4ida por um novo caminho) um caminho em que :" n8o valiam os :ogos) os pretextos ou o uso de minhas arg;cias femininas para conseguir meus prop.sitos. B que tornou t8o urgente sua guia e conselhos era o fato de que n8o o abrigavam motivos ulteriores. N8o era possessivo) e sua diretiva n8o se via adulterada por promessas ou atos de sentimentalismo. N8o me empurrou em nenhuma dire78o precisa) ou se:a) n8o me aconselhou a respeito do rumo a se tomar ou aos livros que devia ler. Nisso tive caminho livre. 3omente impKs uma condi78o: eu devia trabalhar exclusivamente em favor do edificante e agrad"vel processo de pensamento. Ama proposta estremecedoraP Eu nunca havia entrevisto o pensar nesses ou em outros termos) e apesar de que n8o me desagradava estudar) :amais havia considerado as tarefas escolares como algo pra4eroso) e sim como algo que eu era obrigada a fa4er) no geral =s pressas e empregando nele um m2nimo de esfor7o. N8o pude evitar o estar de acordo com o que /lorinda e seus companheiros) t8o sem delicade4a) me haviam dito na ocasi8o de nosso primeiro encontro: que eu havia ido ao col1gio n8o para aprender) e sim para divertir'me) e o fato de ter'me distinguido obedecia mais a uma quest8o de sorte e loquacidade do que por ter estudado. Eu possu2a uma mem.ria bastante boa) sabia falar) e sabia convencer a terceiros. Ama ve4 superada a vergonha inicial de ver'me for7ada a aceitar e admitir minhas limita7Ces intelectuais) e que s. sabia pensar de maneira superficial) me senti aliviada) pronta para colocar'me sob a tutela dos feiticeiros e seguir o plano de estudos de Isidoro Balta4ar. (e desiludiu descobrir que tal plano n8o existia) e que sua ;nica insist9ncia era que eu deixasse de estudar e ler ao ar livre) como era meu costume. Isidoro Balta4ar sustentava que o processo de pensar era um rito privado) quase secreto) que n8o podia reali4ar'se em p;blico. &omparou esse processo ao da levedura) que s. fermenta dentro de um recinto fechado. B melhor lugar para compreender algo 1 naturalmente a cama) me disse certa ve4. 3e estirou na sua) reclinou a cabe7a contra v"rias almofadas) e cru4ou sua perna direita sobre a esquerda) descansando o torno4elo sobre o :oelho elevado de sua perna esquerda. N8o me impressionou essa absurda posi78o para a leitura) mas a pratiquei sempre que estava s.. (e fa4ia cair num profundo sono) e dada minha sensibilidade e at1 minhas tend9ncias = insKnia) go4ava mais com o sono que com o conhecimento. _s ve4es) no entanto) sentia como se umas m8os se enroscassem ao redor de minha cabe7a) pressionando suavemente minhas t9mporas. Ent8o automaticamente olhava a p"gina aberta ainda antes de ter consci9ncia do que estava fa4endo) e captava par"grafos inteiros do papel) cu:as palavras bailavam ante meus olhos at1 fa4er que con:untos de conhecimento explodissem dentro de meu c1rebro semelhantes a revela7Ces. $nsiosa por desenterrar esta nova possibilidade que se abria diante de mim) insisti nela como se me impulsionasse um professor desapiedado) e houve momentos em que este esfor7o me esgotou tanto f2sica como mentalmente. Nesses momentos perguntava a Isidoro Balta4ar acerca do conhecimento intuitivo) esse brilho de percep78o interior e de compreens8o que se supCe cultivam os feiticeiros com prefer9ncia a todos os demais. Nesses momentos costumava di4er'me que conhecer algo somente de maneira intuitiva n8o tem valor algum. Essas centelhas de percep78o interna) que comparava com visCes de fenKmenos inexplic"veis) precisam ser transformadas em pensamentos coerentes. Danto um como outro se desfa4em t8o r"pido como surgem) e se n8o s8o refor7ados continuamente sobrev9m = d;vida e o esquecimento) pois a mente 1 condicionada para ser pr"tica e aceitar unicamente o verific"vel e fact2vel. Explicou que os feiticeiros s8o homens de conhecimento antes que homens de ra48o) e como tal est8o adiantados em rela78o aos intelectuais do Bcidente) que assumem que a realidade frequentemente equiparada com a verdade% se conhece atrav1s da ra48o. Am feiticeiro mant1m que a ;nica coisa que se pode conhecer mediante a ra48o s8o nossos processos de pensamento) mas que 1 s. mediante o ato de compreender nosso ser total) em seu n2vel mais sofisticado e intrincado) que poderemos apagar os limites com os quais a ra48o define a realidade. Isidoro Balta4ar me explicou que os feiticeiros cultivam a totalidade de seu ser) ou se:a) que n8o necessariamente fa4em uma distin78o entre os aspectos racionais e intuitivos do homem. Atili4am ambos para chegar ao reino da consci9ncia) que chamam de conhecimento silencioso) o qual existe mais al1m da linguagem e mais al1m do pensamento. Ama e outra ve4) Isidoro Balta4ar ressaltou que para que algu1m possa silenciar seu lado racional) primeiro deve compreender os processos do pensamento em seu n2vel mais sofisticado e complexo. $creditava que a filosofia) come7ando com o pensamento cl"ssico grego) forneceu a melhor maneira de iluminar este processo. Nunca se cansava de repetir que) se:a como eruditos ou como leigos) somos membros e herdeiros da tradi78o cultural do Bcidente) significando que) independente de nosso n2vel de educa78o e sofistica78o) somos prisioneiros dessa tradi78o e de sua maneira de interpretar a realidade. Isidoro Balta4ar sustentava que somente de maneira superficial estamos dispostos a aceitar que aquilo que chamamos de realidade 1 algo culturalmente determinado) e o que precisamos 1 aceitar) ao n2vel mais profundo poss2vel) que a cultura 1 o

produto de um processo longo) cooperativo) altamente seletivo e desenvolvido) e por ;ltimo) mas para ele n8o menos importante) altamente coercitivo) que culmina num acordo que nos desvia e nos afasta de outras possibilidades. Bs feiticeiros procuram) de forma ativa) desmascarar o fato de que a realidade 1 ditada e mantida por nossa ra48o: que as id1ias e os pensamentos surgidos da ra48o se convertem em regimes de conhecimento que ordenam a forma como vemos e atuamos no mundo< e que todos estamos su:eitos = uma incr2vel press8o para assegurar que certas ideologias nos se:am aceit"veis. !essaltou que os feiticeiros est8o interessados em perceber o mundo de maneira diferente ao culturalmente definido) e o culturalmente definido 1 que nossa experi9ncia pessoal) mais um acordo social compartilhado acerca do que nossos sentidos s8o capa4es de perceber) determinam o que percebemos. Nualquer coisa fora deste reino perceptual) sensorialmente convencionado) 1 automaticamente encapsulado e posto de lado pela mente racional) e desta maneira nunca se danifica o fr"gil manto das presun7Ces humanas. Bs feiticeiros ensinam que a percep78o ocorre em um lugar fora do reino sensorial< sabem que existe algo mais vasto que o que nossos sentidos podem captar. -i4em que a percep78o tem lugar em um ponto fora de nosso corpo) fora dos sentidos) mas n8o 1 suficiente acreditar meramente nesta premissa. N8o 1 apenas quest8o de ler acerca disso) ou escut"'lo da boca de terceiros. Para transform"'lo em algo corp.reo) a pessoa precisa t9'lo experimentado. Isidoro Balta4ar disse que os feiticeiros lutam ativamente durante todas suas vidas para quebrar esse d1bil manto das presun7Ces humanas. &ontudo) n8o mergulham cegamente na escurid8o. Est8o preparados< sabem que quando se lan7am ao desconhecido necessitam dispor de uma bagagem racional bem desenvolvida. 3omente ent8o poder8o explicar e dar sentido ao que trouxerem de volta de suas viagens ao ignoto. $crescentou que eu n8o devia entender a feiti7aria atrav1s da leitura dos fil.sofos) e sim compreender que tanto a filosofia como a feiti7aria s8o formas altamente sofisticadas de conhecimento abstrato. Danto para o feiticeiro como para o fil.sofo a verdade de nosso ser'no'mundo n8o permanece impensada. N8o obstante) o feiticeiro vai um passo al1m: atua = base de seus achados que :" est8o) por defini78o) fora de nossas possibilidades culturalmente aceitadas. Isidoro Balta4ar acreditava que os fil.sofos s8o feiticeiros intelectuais. $pesar disso) suas buscas e ensaios ficam sempre em empenhos mentais. Bs fil.sofos somente podem atuar no mundo que t8o bem entendem e explicam da maneira cultural :" concordada. Eles se somam a um :" existente corpo de conhecimento. Interpretam e reinterpretam textos filos.ficos. Novos pensamentos e id1ias resultantes deste intenso estudo n8o os mudam exceto) talve4) num sentido psicol.gico. Podem chegar a converter'se em pessoas mais compreensivas e boas) ou talve4 em seu oposto. No entanto) nada do que fa7am filosoficamente mudar" sua percep78o sensorial do mundo) pois os fil.sofos trabalham de dentro da ordem social) = qual ap.iam) ainda que intelectualmente possam n8o estar de acordo com ela. Bs fil.sofos s8o feiticeiros frustrados. Bs feiticeiros tamb1m constroem sobre um :" existente con:unto de conhecimento. &ontudo) n8o o fa4em aceitando o :" provado e estabelecido por outros feiticeiros. -evem provar de novo a si mesmos que aquilo que :" se d" por aceitado na verdade existe) e se submete = percep78o. Para conseguir cumprir esta tarefa monumental) precisam de uma extraordin"ria capacidade de energia) a qual obt9m apartando'se da ordem social sem retirar'se do mundo. Bs feiticeiros rompem a conven78o que tem definido a realidade sem destruir'se no processo de fa49'lo. 1A032ULO 6UIN9E $ incerte4a se apoderou de mim pouco antes de cru4ar a fronteira em (exicali. (inha :ustificativa para ir ao (1xico com Isidoro Balta4ar) que a princ2pio se me pareceu brilhante) agora s. parecia uma p"lida desculpa para for7"'lo a levar'me. ," abrigava d;vidas sobre se poderia ler teorias sociol.gicas na casa das feiticeiras) tal como disse que faria. 3abia que l" me dedicaria a fa4er exatamente o mesmo que em todas as ocasiCes anteriores: dormir muito) ensonhar ensonhos estranhos) e tentar desesperadamente decifrar o que as pessoas desse mundo pretendiam que eu fi4esse. L$lgum remorso@ L perguntou Isidoro Balta4ar) surpreendendo e fa4endo'me saltar. Blhava'me de soslaio) e provavelmente havia me estado observando por um longo per2odo. L(as 1 claro que n8o L respondi de maneira apressada) na d;vida de se ele se referia a meu estado geral ou a meu sil9ncio. (urmurei algumas tolices acerca do calor) para depois dedicar'me a olhar pela :anela. N8o voltei a abrir a boca) principalmente porque sentia medo e me encontrava triste) e porque a ansiedade me eri7ava a pele como se um punhado de formigas estivesse caminhando em mim. Isidoro Balta4ar) por sua parte) se encontrava de muito bom humor< cantou e contou piadas bobas) recitou poemas em ingl9s) castelhano e portugu9s) mas nem isso nem seus suculentos coment"rios acerca de pessoas que ambos conhec2amos na universidade conseguiram dissipar minha melancolia. B fato de n8o constituir eu um p;blico apreciativo n8o influiu nele) e nem sequer meus gritos exigindo que me deixasse em pa4 conseguiram aplacar sua euforia. L3e algu1m estivesse nos observando) :uraria que estamos casados h" anos L comentou em meio =s suas gargalhadas) enquanto eu pensava que se fossem feiticeiros que nos observavam) diriam que algo n8o andava bem. 3aberiam que Isidoro Balta4ar e eu n8o est"vamos em plano de igualdade. Eu sou precisa e categ.rica a respeito de meus atos e decisCes) enquanto que para ele atos e decisCes s8o coisas fluidas) se:a qual for seu resultado) e sua finalidade est" medida pela plena responsabilidade que assume por eles) quer se:am triviais ou significativos. ?ia:amos rumo ao sul e n8o nos distra2mos em in;teis meandros como costum"vamos fa4er para chegar = casa das feiticeiras. Nuando deixamos 5uaVmas para tr"s L nunca hav2amos estado t8o ao sul L perguntei'lhe para onde me levava. !espondeu como ao acaso. LEstamos seguindo o caminho longo. N8o se preocupe. L $ mesma resposta me deu quando repeti minha pergunta enquanto com2amos em Navo:oa. -eixamos para tr"s Navo:oa e seguimos em dire78o ao sul) rumo a (a4atl"n. (inha preocupa78o era crescente. &erca de meia'noite Isidoro Balta4ar abandonou a estrada internacional para enfiar'se num estreito caminho de terra) cu:os buracos e pedras fi4eram que a perua se bamboleasse e rangesse sua carroceria. _s nossas costas a estrada principal) vis2vel uns instantes

gra7as ao d1bil reflexo das lu4es traseiras) desapareceu tragada pelos arbustos que a flanqueavam. -epois de uma longu2ssima e incKmoda viagem fi4emos uma parada repentina) e Isidoro Balta4ar apagou os far.is. LBnde estamos@ L perguntei) olhando em torno sem distinguir nada. *ogo meus olhos se habituaram = escurid8o) e vi pequenos pontos brancos em frente a n.s e a curta distUncia. Pareciam pequenas estrelas ca2das do c1u. $ exuberante fragrUncia das matas de :asmim) que trepavam ao alto e ca2am sobre a ramada) se havia apagado a tal ponto de minha mente) que quando a reconheci senti como se tivesse inalado esse ar perfumado s. em um sonho anterior. &omecei a rir) pois tudo me brindava uma alegria quase infantil. Est"vamos na casa de Esperan4a. T aqui onde vim pela primeira ve4 com -elia /lores) disse a mim mesma) e de imediato busquei a m8o de Isidoro Balta4ar a quem perguntei) dominada pela ansiedade: L(as) como pode ser poss2velS@ 3ua resposta revelava um estado de confus8o e agita78o) e sua m8o) sempre c"lida) estava fria. LB que@ LEsta casa estava nos arredores de &iudad Bbreg.n) h" mais de cem milhas ao norte L gritei. LEu mesma condu4i meu carro at1 aqui) e nunca abandonei o caminho asfaltado. L Blhei em torno e recordei que tamb1m havia via:ado desde l" at1 Ducson) e :amais havia estado perto de Navo:oa em minha vida. Isidoro Balta4ar guardou sil9ncio durante uns minutos: parecia estar buscando uma resposta. Eu sabia que nenhuma me seria satisfat.ria. Encolhendo'se de ombros virou'se para mim) e com uma energia semelhante = do nagual (ariano $ureliano opinou que sem d;vida alguma eu ensonhava desperta quando) :unto com -elia) deixamos Jermosillo rumo = casa da curandeira. L3ugiro que o deixe assim L foi seu conselho. L3ei por experi9ncia pessoal como pode chegar a confundir'se a mente quando busca explicar o inexplic"vel. Eu estava a ponto de protestar quando ele me cortou) assinalando uma lu4 que se aproximava) e sorriu como se soubesse de antem8o a quem pertencia a enorme sombra que se aproximava bamboleando'se. LT o cuidador L murmurei surpreendida) e quando o tive ante mim lhe rodeei o pesco7o com os bra7os e o bei:ei em ambas as bochechas. LN8o esperava encontrar voc9 aqui. 3orriu envergonhado) sem responder. $bra7ou a Isidoro Balta4ar) palmeando'lhe repetidas ve4es as costas como fa4em os homens latinos ao saudarem'se) murmurando algo que apesar de meus esfor7os n8o consegui entender. -epois nos condu4iu at1 a casa. Encontramos a imponente porta principal fechada) assim como as :anelas entreli7adas. Nenhuma lu4) nenhum som escapava das grossas paredes. !odeamos a casa at1 alcan7ar o p"tio traseiro) cercado por uma alta grade) e = porta que condu4ia a um quarto retangular) o mesmo ao qual me havia levado -elia /lores) t8o espartanamente mobiliado como ent8o: cama estreita) mesa e v"rias cadeiras. Dranquili4ou'me reconhecer suas quatro portas. B cuidador colocou a lamparina sobre a mesa e me convidou a tomar assento: virando'se at1 Isidoro Balta4ar lhe rodeou os ombros com seu bra7o e o condu4iu ao escuro corredor. $ repentina partida me aturdiu) mas antes que conseguisse me repor da surpresa o cuidador reapareceu) tra4endo uma manta) uma almofada) uma lanterna e um pinico urinol%. LPrefiro usar o toalete L anunciei. 3e encolheu de ombros e empurrou o pinico sob a cama. LPara se precisar dele durante a noite L e com esse olhar travesso que eu bem conhecia) acrescentou que l" fora montava guarda o cachorr8o negro de Esperan4a. LEle n8o gosta que gente desconhecida ande por a2 de noite L e como por combina78o se ouviu um forte latido. LN8o sou uma desconhecida) conhe7o o c8o L retruquei) ao que o cuidador por sua ve4 respondeu com outra pergunta. LE o cachorro) conhece voc9@ *ancei'lhe um de meus piores olhares) e o cuidador) emitindo um suspiro) recolheu a lamparina e se dirigiu para a porta. LN8o leve a lu4 L ordenei) bloqueando sua passagem. Dentei sorrir) mas meus l"bios ficaram grudados em meus dentes. /inalmente pude perguntar: LBnde est8o todos@ Bnde est8o Esperan4a e /lorinda@ LNeste momento sou o ;nico que se encontra aqui. LBnde est" Isidoro Balta4ar@ L insisti alarmad2ssima. LPrometeu levar'me = casa das feiticeiras. Denho que trabalhar em um ensaio L e confundida quanto a meus pensamentos e minhas palavras) pr.xima das l"grimas) revelei a ele minhas ra4Ces para acompanhar a Isidoro Balta4ar em sua viagem ao (1xico) e o importante que era para mim terminar meu trabalho. B cuidador palmeou minhas costas e fe4 ru2dos semelhantes aos usados para se acalmar a um beb9. LIsidoro Balta4ar est" dormindo. ?oc9 sabe como 1: assim que sua cabe7a toca o travesseiro ele est" roncando L e completou L) deixarei minha porta aberta para se precisar de mim) para se tiver pesadelos ou algo parecido. &hame'me e virei de imediato. L e antes que eu pudesse di4er'lhe que desde minha chegada = 3onora os pesadelos eram coisas do passado) a escurid8o do corredor o engoliu. $ lamparina de a4eite sobre a mesa come7ou a falhar e logo se apagou) deixando o quarto =s escuras. -eitei'me totalmente vestida) e fechei os olhos. Dudo ficou em sil9ncio) salvo um respirar suave e entrecortado que vinha de muito longe) e devido a esse ru2do e = dure4a de minha cama) logo abandonei todo intento de dormir. &om a lanterna na m8o me arrastei em sil9ncio pelo corredor) esperando encontrar o cuidador ou Isidoro Balta4ar. &om toques suaves bati em cada uma das portas. Ningu1m respondeu. 3il9ncio absoluto em cada um dos aposentos. Essa mesma quietude) quase opressiva) dominava o resto da casa) e at1 cessaram os sussurros e gor:eios do exterior. Dal como suspeitava) tinha ficado outra ve4 so4inha) mas em lugar de preocupar'me por isso) decidi inspecionar os diferentes quartos. Eram oito os dormit.rios) do mesmo tamanho e disposi78o: retangulares) de m1dio a pequenos) e mobiliados somente com uma cama e uma mesa de noite. $s paredes e as duas :anelas das quais cada quarto dispunha estavam pintadas de branco) e as la:otas do piso ostentavam um intrincado desenho. $bri as portas corredi7as dos pain1is empurrando com suavidade sua parte inferior esquerda com o p1) sabendo) sabe'se l" como) que um toque ou um suave chute nesse lugar liberava um mecanismo que abria as portas.

(ovi umas cobertas empilhadas sobre o piso de um deles) e descobri uma pequena porta secreta. *iberei a trava que simulava ser um interruptor de lu4 e) :" mais al1m de toda possibilidade de surpresa) aceitei a exist9ncia da porta secreta) conhecimento logicamente inadmiss2vel = minha consci9ncia. $bri a pequena porta) me desli4ei atrav1s da estreita abertura) e me encontrei no painel do aposento cont2guo e) sem maravilhar'me por isso) descobri que me escorrendo por esses corredores secretos poderia ir de um a outro dos oito cKmodos. Prague:ei quando a lanterna se apagou) e na esperan7a de reavivar as baterias) as tirei e logo as recoloquei. Drabalho in;til: estavam esgotadas. $ escurid8o desses quartos era t8o intensa que n8o conseguia ver minhas pr.prias m8os) e ent8o) tateando) tratei de voltar sobre meus passos) em busca do corredor. B esfor7o foi tal que acabei tremendo e ofegando. !ecostada contra uma parede) permaneci ali um longo per2odo) tratando de decidir a dire78o em que ficava meu quarto. -e longe chegavam fragmentos de vo4es) e ao n8o poder precisar se provinham do interior da casa ou do exterior) segui o som at1 chegar ao p"tio) que eu lembrava vivamente como algo verde e quase tropical) cheio de brotos e folhagem densa) e perfumado pela fragrUncia de :asmins e madressilvas. $penas havia ensaiado uns passos quando vi a enorme silhueta de um cachorro) recortada contra a parede. -epois vieram um grunhido e a lu4 queimante de seus olhos) para fa4er que um calafrio percorresse minha coluna vertebral. Em lugar de sucumbir ao temor) ou talve4 por causa dele) senti que acontecia algo muito estranho. Era como se sempre tivesse estado dobrada como um leque :apon9s ou uma figurinha de cartolina) e de repente me abrisse. $ sensa78o f2sica era quase dolorosa. B cachorro me observou) confuso. &ome7ou a chorar como um cachorro fa4) moveu as orelhas e se agachou no piso. Eu) tensa em meu lugar. N8o sentia medo< simplesmente n8o podia mover'me. -epois) como se fosse o mais natural do mundo) voltei a me :untar) dei as costas ao c8o e me retirei. -esta ve4 n8o tive dificuldade em achar meu quarto. -espertei com uma dor de cabe7a e a sensa78o de n8o ter dormido em absoluto) sensa78o que como insone conhecia muito bem. 3entia os m;sculos de meu corpo como desconectados: soltei um gemido) e senti abrir'se a porta do quarto e meu rosto ser inundado pela lu4. Dentei inverter minha posi78o sem cair da cama. LBom diaP L exclamou Esperan4a) ingressando com um frufru de saias e an"guas L ou melhor di4endo) boa tarde L se corrigiu) assinalando o sol vis2vel atrav1s da porta aberta. Dransbordava de alegria) e uma for7a deliciosa dominava sua vo4 ao di4er'me que foi ela quem resgatou meus livros e pap1is da perua antes que Isidoro Balta4ar partisse com o velho nagual. *evantei'me abruptamente) desperta de tudo. LPor que n8o veio saudar'me o nagual (ariano $ureliano) e por que Isidoro Balta4ar n8o me avisou de sua partida@ L e acrescentei que agora n8o poderia terminar meu trabalho e ingressar num curso superior. Esperan4a me observou com uma express8o de curiosidade) e comentou que se escrever meu ensaio era um ato t8o mercen"rio) nunca chegaria a complet"'lo) e antes que eu pudesse di4er'lhe que pessoalmente n8o me interessava se nunca completasse meus estudos) acrescentou: L?oc9 n8o escreve esse trabalho para ingressar nesse curso superior) e sim porque te encanta fa49'lo) porque n8o h" nada que neste momento preferiria fa4er. LJ" muitas coisas que preferiria fa4er. L&omo o que@ L desafiou'me. Pensei) mas n8o pude rebater nada espec2fico. Precisei admitir) se bem que s. a mim mesma) que nunca um trabalho deste tipo me havia brindado tanto pra4er. Ama ve4 na vida havia come7ado com as leituras e as investiga7Ces a come7os do ano letivo) em lugar de esperar) como costumava fa4er) a que faltassem apenas uns dias para a entrega do trabalho. (as foi s. saber que representava minha passagem ao curso de p.s'gradua78o) e se arruinou o pra4er. Esperan4a) como sempre confidente de meus pensamentos) opinou que eu deveria esquecer'me do curso de p.s' gradua78o e pensar somente em fa4er um bom trabalho. LAma ve4 que fi4er parte do mundo dos bruxos e comece a entender a nature4a dos ensonhos) :" estar" a caminho de entender o que 1 a feiti7aria. $l1m do mais) esse entendimento vai te liberar. Blhei'a) intrigada. N8o conseguia entender o que queria me di4er. LIsso te libera de dese:ar algo L e Esperan4a enunciou a frase com muito cuidado) como se eu fosse surda. -epois emendou: L&obi7a 1 seu segundo nome) apesar de voc9 n8o precisar nem dese:ar nadaS L e sua vo4 se apagou ao dedicar'se a pKr ordem em meus livros) pap1is e pilhas de anota7Ces sobre a mesa. Parecia radiante quando se virou para mostrar'me v"rios l"pis. L$pontei'os com uma lUmina de barbear L disse L) e o farei cada ve4 que se gastem as pontas. L &olocou os l"pis :unto a um de meus cadernos) e depois abriu bem os bra7os como para abarcar a totalidade do quarto e disse: LEste 1 um lugar maravilhoso para trabalhar. $qui ningu1m lhe incomodar". LEstou certa disso L concordei) e ao observar que estava a ponto de retirar'se) perguntei'lhe onde havia dormido Isidoro Balta4ar na noite anterior. LEm sua cama de armar. Em onde mais@ L respondeu) e entre risos recolheu suas saias e an"guas e saiu ao p"tio. Eu a segui com o olhar at1 v9'la desaparecer atr"s do arco de pedra. /iquei com os olhos doloridos por causa da intensa lu4. (omentos depois houve uma forte batida sobre uma das portas que se abriam ao corredor. LEst" decente@ L perguntou o cuidador) empurrando a porta antes que eu tivesse oportunidade de di4er que estava. L $limento para seu c1rebro L anunciou) colocando uma bande:a de bambu sobre a mesa. (e serviu uma tigela de caldo) e depois recomendou comer a niachaca sonorense) feita por ele. Essa mistura de ovos mexidos) carne picada) cebola e chilis calientes era deliciosa. LNuando terminar eu a levarei ao cinema. LNuando terminar de comer@ L perguntei excitada) metendo uma tortilha inteira em minha boca. LNuando terminar com seu trabalho L esclareceu. $o terminar a comida o cuidador opinou que eu deveria fa4er ami4ade com o cachorro. L3e n8o o fi4er) n8o poder" sair da casa. Nem sequer para ir ao toalete.

Estava a ponto de lhe confessar que :" me havia encontrado com o c8o) e que havia visitado o toalete na noite anterior) quando um ligeiro gesto de sua testa me convidou a acompanh"'lo ao p"tio. B enorme cachorro estava deitado = sombra de um alto cercado de varas. B cuidador foi at1 ele para a:oelhar'se a seu lado) co7"'lo atr"s das orelhas e lhe sussurrar algo. $bruptamente o cuidador ficou de p1. 3urpreendida) eu dei um passo e cai sentada. B cachorro soltou um gemido) e o cuidador) com um salto incr2vel) passou ao outro lado do cercado. Eu me levantei) disposta a correr) mas o c8o esticou suas patas dianteiras e as colocou sobre meus p1s) fa4endo'me sentir a press8o de suas garras. Blhou'me e abriu a boca num monumental boce:o) revelando suas gengivas negras e l2ngua de igual cor. LIsso 1 sinal de um pedigree muito bom. (e surpreendeu essa vo4 =s minhas costas) e me virei para ela. $o fa49'lo perdi de novo o equil2brio e cai sobre o animal. Permaneci quieta) sem animar'me a tentar um movimento) e depois afastei minha cabe7a. Bs olhos cor de Umbar do cachorro estavam fixos em mim) e mostrou seus dentes) mas n8o para grunhir) e sim para dar'me um amistoso sorriso canino. L$gora s8o amigos L disse o cuidador) a:udando'me a se levantar L) e 1 hora de que comece a trabalhar. Bs tr9s dias seguintes foram inteiramente dominados pelo dese:o de terminar com minha tarefa. Drabalhei longas horas sem notar a passagem do tempo) mas n8o devido = concentra78o em meu trabalho) e sim ao fato de que o tempo parecia ter se transformado em uma quest8o de espa7o. &omecei a considerar o tempo como interl;dios entre minhas visCes de Esperan4a. Dodos os dias) por volta do meio'dia) enquanto eu des:e:uava o que ela me havia deixado na co4inha) Esperan4a fa4ia sua apari78o. 3em ru2do) parecia emergir do permanente fumo a4ulado que impregnava a co4inha) e invariavelmente penteava meus cabelos com um tosco pente de madeira) sem pronunciar uma s. palavra. Eu tampouco. Eu a via de novo nas horas da tarde. D8o silenciosa como quando aparecia na co4inha) se materiali4ava no p"tio para sentar'se em sua cadeira de balan7o) sob um arco de pedra. -urante horas sua vista se perdia no espa7o) como se seus olhos transcendessem os limites da vis8o humana) mas fora um movimento de cabe7a ou um sorriso) nada se passava entre n.s. No entanto me sentia protegida por seu sil9ncio. 3e diria que o cachorro obedecia ordens do cuidador) pois :amais se separava de mim. (e seguia de dia e de noite) inclusive at1 ao toalete. Eu aguardava impaciente nossos passeios) feitos ao cair da tarde) quando ambos atravess"vamos correndo os campos) em busca de uma fileira de "rvores que dividia os lotes de terreno. $li busc"vamos uma sombra e permanec2amos horas olhando o va4io) tal qual fa4ia Esperan4a. _s ve4es dava a impress8o de que com s. um esticar de m8o se poderia tocar as montanhas distantes. Escutava o rumor da brisa entre as folhas) aguardando o momento em que a lu4 amarela do sol poente convertia essas folhas em ouro) folhas que logo se tornavam a4uis e finalmente negras. &hegado este momento) o c8o e eu corr2amos de volta = casa para escapar da d1bil vo4 do vento) que falava da solid8o destas terras "ridas. $o quarto dia despertei sobressaltada. $lgu1m gritava: LT hora de levantar'se) pregui7osa L era a vo4 do cuidador. LPor que n8o entra@ L perguntei. LBnde esteve todo este tempo@ N8o recebi resposta. Permaneci sentada na cama) envolta numa coberta) demasiado tensa e adormecida para sair ao p"tio e averiguar por que o cuidador se escondia. -epois) quando me decidi a deixar a cama) encontrei o p"tio va4io) e num esfor7o por afastar minha sonol9ncia :oguei em mim balde atr"s de balde de "gua fria na cabe7a. Nesta manh8 variou meu des:e:um. Esperan4a n8o apareceu) e quando acabei de me sentar para trabalhar) notei o desaparecimento do cachorro. Encarei minha tarefa com Unimo escasso. Dinha pouca energia) e ainda menos dese:o de trabalhar) e o resultado foi que permaneci horas sentada) contemplando as montanhas distantes atrav1s da porta aberta. B sil9ncio transparente da tarde era quebrado de tanto em tanto pelo cacare:ar das galinhas) que siscavam a terra em busca de sementes) e pelo grito penetrante das cigarras vibrando na clara lu4 a4ul como se ainda fosse meio'dia. Estava a ponto de dormir quando escutei um barulho. -e imediato prestei aten78o e vi o cuidador e o cachorro estendidos sobre uma esteira = sombra do cercado. (e chamou a aten78o sua total quietude< davam a impress8o de estar mortos. Preocupada e curiosa me aproximei na ponta dos p1s. B cuidador se deu conta de minha presen7a antes que o c8o. $briu bem os olhos num gesto exagerado) e com um r"pido movimento se levantou para sentar'se com as pernas cru4adas e perguntar: L3entiu minha falta@ Pareceu'me uma pergunta estranha) e ri nervosa) ap.s admitir que sim. LPor que n8o entrou em meu quarto esta manh8@ L emendei) e ao observar a falta de express8o em seu rosto) insisti: L Por onde tem estado nestes ;ltimos tr9s dias@ Em lugar de responder me fe4 uma nova pergunta) desta ve4 em tom "spero: L&omo andam seus estudos@ /oi tal minha surpresa que n8o soube o que responder. N8o sabia se lhe di4ia que a marcha de meus estudos n8o era assunto de sua incumb9ncia) ou confessar que me encontrava obstru2da. LN8o se incomode em tratar de pensar numa resposta L disse. L-iga'me a verdade. $dmita que precisa de minha opini8o de e1pert sobre seu trabalho. Demendo n8o poder dominar minha vontade de rir) me a:oelhei :unto ao cachorro para acariciar sua cabe7a. LE ent8o@ L exigiu. LN8o vai admitir que sem mim est" perdida@ Indecisa sobre sua sa;de mental) decidi que era melhor agrad"'lo que contradi49'lo) e admiti n8o ter escrito uma s. linha em todo o dia. -isse'lhe que o havia estado esperando) pois somente ele podia salvar'me) e lhe assegurei que a ele) e n8o a meus professores) competia decidir minha sorte como aspirante a graduar'se. ?isivelmente satisfeito) pediu meu trabalho para dar'lhe uma olhada. LEst" em ingl9s L adverti com toda a mal2cia. LN8o poder" entend9'lo L e engoli meu dese:o de agregar que) ainda estando em castelhano) superaria sua capacidade. Insistiu em sua solicita78o e eu cumpri. Esparramou as folhas em torno dele) algumas sobre a esteira) outras sobre o ch8o empoeirado) e tirou do bolso de sua camisa uns .culos de arma78o de metal) e ent8o os colocou.

LT importante parecer educado L disse em vo4 baixa) dirigindo'se ao c8o) que levantou uma orelha e grunhiu como para manifestar seu acordo. Em seguida o c8o mudou de lugar e o cuidador me convidou com um gesto a sentar'me entre ele e o animal. Parecia uma coru:a) austera e doutoral) olhando as folhas dispersas. Emitiu sons de desaprova78o) estalando com a l2ngua) co7ou a cabe7a e embaralhou repetidas ve4es as folhas) ao parecer em busca de certa ordem que parecia escapar'lhe. $o fim de um bom per2odo de estar sentada nessa postura) come7aram a me doer os m;sculos de meu pesco7o e de meus ombros. 3uspirei) impaciente) e me reclinei contra o cercado) fechei os olhos) e apesar de minha crescente irrita78o) devo ter dormido) pois me sobressaltou um suave por1m insistente 4umbido. $bri os olhos) e sentada ante mim descobri uma mulher alta e linda) esplendidamente vestida) que me disse algo que n8o entendi. $umentou o 4umbido em meus ouvidos. $ mulher se aproximou de mim) e em vo4 alta e clara perguntou: LN8o vai me cumprimentar@ LN1lidaP L gritei. LNuando chegou@ Estou tentando me desfa4er de um 4umbido em meus ouvidos. !ecolheu suas longas e bem torneadas pernas sob a saia e me abra7ou. LNue bom lhe ver. Entretanto o cuidador fran4iu o cenho) e murmurou seus coment"rios: L3eus garranchos n8o s. s8o dif2ceis de entender como al1m do que) ainda por cima) n8o t9m muito sentido. Bs olhos de N1lida pareciam incitar'me a contradi49'lo. Eu) ansiosa por escapar da intensidade de seu olhar) me remexia) incomodada) at1 que ela cutucou meu bra7o com firme4a. B cuidador come7ou a ler o conte;do das p"ginas com uma lentid8o exasperante) e se bem o que di4ia soava familiar) eu n8o captava se na verdade seguia o texto) pois me era imposs2vel concentrar'me. (e irritava sua maneira caprichosa de mutilar as frases) e as ve4es at1 as palavras. LEm suma L sentenciou ao terminar a ;ltima p"gina L) trata'se de um mau trabalho. L Brdenou os pap1is) formando com eles uma pilha) e se recostou contra o cercado) adotando a mesma posi78o que me ensinou Isidoro Balta4ar: a perna direita cru4ada sobre a outra) com o torno4elo apoiado sobre a coxa esquerda e os olhos fechados. (anteve sil9ncio por t8o longo tempo que achei que havia dormido) e portanto me assustou quando) com vo4 lenta e moderada) come7ou a falar de antropologia) hist.ria e filosofia. 3eus pensamentos pareciam formar'se = medida que falava) e as palavras flu2am de maneira clara e precisa) com uma simplicidade f"cil de seguir e compreender. Escutei'o com aten78o) mas ao mesmo tempo n8o deixava de intrigar'me o fato de que soubesse tanto acerca das tend9ncias intelectuais de Bcidente. Nue grau de educa78o possu2a@ Nuem na verdade era ele@ LPoderia repetir tudo de novo@ L perguntei nem bem ele havia terminado. L5ostaria de tomar algumas notas. LDudo o que disse est" em seus pap1is L assegurou'me. LEnterrado sob excessivas cita7Ces) anota7Ces ao p1 da p"gina e id1ias mal desenvolvidas. L $proximou'se at1 que nossas cabe7as quase se tocaram. LN8o basta citar obras alheias para dar a seu trabalho a veracidade que lhe falta. L(e a:udaria a refa49'lo@ L perguntei desorientada. LN8o) n8o posso fa4er isso. Precisa fa49'lo voc9 mesma. L(as 1 que n8o posso L ob:etei. L?oc9 mesmo acaba de assinalar o mal que est" meu trabalho que) acredite'me) 1 o melhor que pude fa4er. LN8o 1 verdadeP L contradisse'me de maneira veemente) para depois olhar'me com uma express8o que misturava surpresa e ternura. LN8o duvido de que seus professores aceitariam seu trabalho) uma ve4 que o tenha passado a limpo) mas eu n8o o faria. &arece de originalidade. $ ;nica coisa que fa4 1 parafrasear o que :" leu) e eu exi:o que voc9 dependa mais de suas pr.prias opiniCes) ainda que contradigam o que se espera de voc9. LDrata'se apenas de um trabalho de composi78o L disse para defender'me. L3ei que pode ser melhorado) s. que tamb1m preciso agradar a meus professores) independente de se estou ou n8o de acordo com o expressado. Preciso ser aceita no curso de p.s'gradua78o) e isso) de certo modo) requer satisfa4er a meus professores. Em contesta78o recebi uma ra:ada de cr2ticas) advert9ncias e sugestCes da parte do cuidador. L3e dese:a receber for7as do mundo dos feiticeiros :" n8o pode trabalhar com essas premissas. Em nosso mundo m"gico os motivos ulteriores n8o s8o aceit"veis. 3e quer graduar'se) deve se comportar como um guerreiro) n8o como uma mulher treinada para agradar) pois voc9) ainda quando se pCe bestialmente desagrad"vel) procura agradar. $gora) no que se refere a escrever) :" que n8o foi treinada para isso) quando o fi4er) dever" adotar uma nova modalidade: a modalidade do guerreiro. LB que quer di4er com isso de a modalidade do guerreiro@ -evo lutar com meus professores@ LN8o com seus professores) e sim consigo mesma) a cada cent2metro do caminho) e precisa fa49'lo com tal arte e intelig9ncia que ningu1m notar" sua luta. N8o estava muito segura do que queria di4er com tudo isso) e tampouco me interessava) de modo que antes que pudesse acrescentar algo perguntei'lhe como era que sabia tanto acerca de antropologia) hist.ria e filosofia. 3orriu e sacudiu a cabe7a. LN8o se deu conta de como o fi4@ L e logo passou a responder = sua pr.pria pergunta. L$panhei os pensamentos no ar. Estendi minhas fibras energ1ticas e pesquei esses pensamentos) tal como se pesca um peixe com uma vara) num imenso oceano de pensamentos e id1ias que h" ali L e tra7ou um amplo gesto com os bra7os) como para captar o ar que o rodeava. LPara apanhar pensamentos Isidoro Balta4ar me disse que a pessoa precisa saber quais deles podem ser ;teis L argumentei L) de modo que voc9 deve ter estudado hist.ria) filosofia e antropologia. LDalve4 o fi4 alguma ve4 L respondeu) n8o muito decidido) co7ando a cabe7a) perplexo. L3im) devo de t9'lo feito. LDem que t9'lo feitoP L insisti) como se tivesse feito uma grande descoberta. 3uspirando de maneira aud2vel) o cuidador se recostou contra o cercado e fechou os olhos. LPor que insiste em ter sempre a ra48o@ L perguntou N1lida. 3urpreendida) olhei boquiaberta como os cantos de seus l"bios se curvavam num provocante e misterioso sorriso. Em seguida) com um gesto) me ordenou fechar a boca. Eu havia estado t8o pendente dos coment"rios do cuidador a respeito de meu

trabalho que a havia esquecido) apesar de t9'la em frente a mim. Bu talve4 n8o fosse assim. Nuem sabe n8o estivera ali) e a id1ia de que podia ter se ausentado e regressado) sem que eu o percebesse) me provocou ansiedade. LN8o deixe que isso te preocupe L consolou'me N1lida) como se eu tivesse exteriori4ado meu pensamento. LN.s estamos habituados a ir e vir sem que as pessoas o notem. B tom de sua vo4 teve o efeito de suavi4ar a contund9ncia da revela78o) e olhando a um e logo ao outro) me perguntei se de fato seriam capa4es de desaparecer diante de meus olhos sem que esse ato fosse notado. Dratei de segur"'los para que isso n8o acontecesse. (e estendi sobre a esteira) e esticando'me em atitude gatuna) avancei meu p1 at1 a roda do vestido de N1lida) que ro7ava o ch8o) e movi a m8o em busca do casaco do cuidador) que deve ter sentido o pux8o na manga) pois se levantou abruptamente e me olhou. Eu fechei os olhos) mas continuei observando'os atrav1s das p"lpebras entreabertas. N8o se moveram. 3uas posturas sacerdotais n8o revelavam fadiga) no entanto eu precisei lutar para manter os olhos abertos. Ama brisa fresca) com fragrUncia de eucaliptos) come7ou a soprar< peda7os de nuvens coloridas sulcaram o c1u) e o profundo e transparente a4ul se fe4 mais difuso) dissolvendo'se de maneira t8o lUnguida que se tornou imposs2vel distinguir entre c1u e nuvem) entre dia e noite. $dormeci com o p1 na roda do vestido de N1lida e aferrada ao casaco do cuidador) como se minha vida dependesse disso) e quando algu1m tocou meu rosto tive a impress8o de que havia transcorrido apenas uns momentos. L/lorinda@ L perguntei) sabendo instintivamente que a mulher sentada a meu lado era outra. (urmurava algo) e tive a sensa78o de que levava um bom tempo fa4endo'o) e eu acabara de acordar para escut"'la. Nuis sentar'me) mas com uma suave press8o sobre meu ombro a mulher o impediu. Em algum lugar) na escurid8o) uma pequena chama tremulava insegura) iluminando a palide4 de seu rosto) conferindo'lhe um aspecto fantasmal. _ medida que ela se aproximava parecia agigantar'se) e tamb1m seus olhos se aumentaram quando se fixaram nos meus. B arco de suas sobrancelhas) como um arco tra7ado por um marcador negro) se via concentrado num gesto de preocupa78o. 3uspirei aliviada quando pronunciei seu nome. LN1lidaP Ela aceitou meu reconhecimento com um leve sorriso e um gesto da cabe7a. Nueria fa4er'lhe perguntas acerca do cuidador e meus escritos) mas ela me silenciou colocando um dedo sobre meus l"bios) e continuou com suas murmura7Ces) que se foram fa4endo mais e mais distantes at1 cessar por completo. -epois ficou de p1 e me indicou fa4er o mesmo. Bbedeci) e notei que :" n8o est"vamos no p"tio e sim num dos dormit.rios va4ios sobre o corredor. LBnde est" meu trabalho@ L perguntei) alarmada ante a possibilidade de que o vento pudesse ter esparramado as p"ginas. $ id1ia de ter que recome7"'lo do 4ero me aterrori4ava. &om um gesto imperioso de sua testa N1lida indicou que devia segui'la. Era muito mais alta que eu) id9ntica a /lorinda) e a n8o ser por sua especial delicade4a) n8o teria podido diferenci"'las. Nesse momento) parecia uma vers8o inacabada de /lorinda) uma /lorinda :ovem. Javia nela algo t8o delicado) et1reo) e por sua ve4 atraente) que eu costumava brincar com Isidoro Balta4ar di4endo que) se eu fosse homem) ficaria louco por ela) ao qual ele respondia que talve4 fosse essa a ra48o pela qual ela raramente me dirigia a palavra. Nos dirigimos a meu quarto. Escutava passos) passos que vinham de todas as dire7Ces) que n8o podiam ser obra de N1lida) pois ela caminhava com tal delicade4a que n8o parecia tocar o ch8o. $ absurda no78o de que escutava meus pr.prios passos me fe4 caminhar com a suavidade de um gato) apesar do qual o ru2do n8o cessou. Bs passos de algu1m se moviam em un2ssono com os meus) o mesmo ritmo repicava sobre o piso enla:otado. ?"rias ve4es olhei para tr"s mas) 1 claro) sem encontrar a ningu1m. /inalmente) na esperan7a de poder afugentar meu temor) ri forte. $ maneira abrupta em que N1lida se virou me fe4 temer uma reprimenda) mas ao inv1s disso) abra7ando'me) soltou o riso) e n8o dei importUncia ao fato de que sua car2cia n8o fosse quente nem suave. Eu gostava de N1lida) e o toque de suas m8os me reconfortava. !indo) e acompanhadas pelo ru2do dos passos) entramos em meu quarto. Am estranho brilho se aderia =s paredes) semelhante a uma n1voa que se tivesse introdu4ido atrav1s das quatro portas) agora invis2veis. $l1m disso havia modificado o formato do quarto) conferindo'lhe um aspecto quase quadrado. $pesar de minhas repetidas piscadas n8o podia ver outro ob:eto al1m da mesa) sobre a qual havia trabalhado nos ;ltimos tr9s dias. (e aproximei) e me aliviou ver meus pap1is ordenados e) :unto a eles) meus l"pis) todos apontados. LN1lidaP L exclamei excitada) mas ela :" n8o estava ali. $ n1voa se havia feito mais espessa) se aproximava com cada inala78o de meus pulmCes e se infiltrou dentro de mim) enchendo'me de uma sensa78o agrad"vel de lucide4 e frivolidade. 5uiada por alguma for7a invis2vel me sentei = mesa) esparramei os pap1is) e sob meus olhos vigilantes surgiu a estrutura total de meu trabalho) sobrepondo'se ao original) como a dupla exposi78o de uma pel2cula. (e perdi admirando o h"bil desdobramento dos temas) e como se tivessem sido manipulados por alguma m8o invis2vel) pensante e escritora) os par"grafos se recolocaram impondo uma nova ordem. Dudo era t8o maravilhosamente claro e simples que ri de puro go4o. LEscreve'o. $s palavras repercutiram suavemente no aposento. Blhei ao redor sem ver ningu1m) e sabendo que isso que agora vivia era definitivamente mais que um sonho) lancei m8o de meu caderno e a um l"pis) e comecei a escrever a toda velocidade. $s id1ias me chegavam com incr2vel claridade e facilidade) e inundavam minha cabe7a e meu corpo como ondas de som. 3imultaneamente via e escutava as palavras) mas n8o eram meus olhos e meus ouvidos os que as percebiam) e sim) melhor di4endo) filamentos internos que se estendiam e) como um silencioso aspirador) chupavam as palavras que brilhavam ante mim como part2culas de poeira. -epois de um tempo) a ordem sobreposta come7ou a opacar'se. Ama a uma) as linhas empalideceram. &om desespero procurei aferrar'me a esta espl9ndida estrutura) ainda sabendo que tudo desapareceria sem deixar rastro. 3. restou a mem.ria dessa magn2fica lucide4) e depois tamb1m isso se extinguiu) como uma lUmpada que algu1m tivesse apagado. Am resto de n1voa) delicada como um filamento) permaneceu flutuando no quarto para depois desaparecer em pequenas ondas) e deixar uma escurid8o opressiva que se fechava sobre mim. 3enti'me t8o extenuada que soube que ia desmaiar. L-eite'seP

N8o me incomodei em olhar. 3abia que n8o veria a ningu1m. &om um grande esfor7o) abandonei a cadeia e me arrastei at1 minha cama. 1A032ULO DE9ESSEIS Por um momento permaneci na cama) recordando vagamente meu assombroso ensonho) t8o diferente de qualquer outro. Pela primeira ve4 tinha pleno conhecimento de tudo o que havia feito. LN1lida@ L perguntei) ao escutar um suave murm;rio que chegava do outro extremo do quarto. Dentei levantar'me) mas ca2 de novo sobre a cama. B quarto girava. (inutos depois o tentei de novo. /iquei de p1 e ensaiei uns passos vacilantes) que terminaram quando ca2 ao ch8o e dei com a cabe7a contra a parede. L(erdaP L gritei. LEstou desmaiando. LN8o se:a t8o dram"tica L foi /lorinda quem disse isso) e riu ao ver'me t8o desconcertada. Docou primeiro minha testa) depois meu pesco7o) e ao comprovar que n8o tinha febre pronunciou sua senten7a: LN8o est" desmaiando. B que precisa 1 repor sua energia. Perguntei por N1lida) e enquanto me a:udava a voltar para a cama) /lorinda quis saber se havia estranhado a ela. LEst" fraca porque est" com fome L disse. LN8o tenho fome L a contradisse) mais por h"bito que por convic78o) sem duvidar de que minha tontura se devia a n8o ter comido nada o dia todo) salvo o des:e:um. LNos perguntamos por que n8o comeu L confessou /lorinda) respondendo a meus inexpressados pensamentos. L Jav2amos lhe preparado um guisado t8o delicioso. LNuando chegou@ L quis saber. LDenho estado lhe chamando em sil9ncio durante dias. /lorinda semicerrou os olhos) e emitindo um som sussurrante) ao que parecia destinado a a:ud"'la a recordar) respondeu que acreditava estar a v"rios dias na casa. L$credita@ L perguntei impaciente) perto de uma exteriori4a78o de mau g9nio que consegui controlar. LPor que n8o me fe4 saber que estava aqui@ L mais que ofendida me intrigava n8o ter notado sua presen7a. L&omo pude n8o me dar conta@ L murmurei) mais para mim que para seus ouvidos. $ curiosa express8o de seus olhos denotava que a /lorinda lhe surpreendia meu desconcerto) e sua saga4 resposta foi que) se tivessem me revelado sua presen7a) eu n8o teria podido me concentrar em minha tarefa. L&omo bem sabe) em lugar de ocupar'se de seu ensaio) estaria pendente de nossas idas e vindas. Doda sua energia estaria concentrada em averiguar o que n.s fa42amos) n8o 1 assim@ -eliberadamente decidimos que voc9 deveria trabalhar sem distra7Ces L explicou) para depois agregar que o cuidador me havia a:udado somente depois de ter comprovado que o feito por mim at1 aquele momento era satisfat.rio) e que em ensonhos ele havia encontrado a ordem inerente de minhas anota7Ces. LEu tamb1m os achei em ensonho L confessei. LNaturalmente L concordou /lorinda. L N.s te fi4emos ensonhar para que pudesse trabalhar. L?oc9s me fi4eram ensonhar@ L repeti. 3em d;vida sua declara78o era chamativamente normal) mas n8o deixava de causar'me apreens8o. (e dominou a misteriosa sensa78o de estar por fim a ponto de compreender o que significava o ensonhar desperto) embora sem conseguir capt"' lo por completo) e esfor7ando'me por ser clara) revelei a /lorinda tudo o que aconteceu desde o momento em que vi ao cuidador e ao cachorro no p"tio. N8o me foi f"cil ser coerente) pois eu mesma n8o conseguia decidir quando estive desperta e quando adormecida) e aumentava minha confus8o o fato de poder recordar o exato contorno de meu trabalho tal como o vi) sobreposto ao texto original. L(inha concentra78o era demasiado intensa para pensar que pudesse estar ensonhando L resumi. LT disso) precisamente) que se trata o ensonhar desperto. Por isso o lembra t8o bem L e o modo em que /lorinda disse isto me lembrou uma professora impaciente) explicando algo simples a uma crian7a retardada. L," te disse que o ensonhar desperto n8o tem nada a ver com dormir e sonhar. LDomei notas L acrescentei) como se isso pudesse invalidar o que ela acabara de di4er) e ao ver que concordava com um movimento de cabe7a) perguntei'lhe se encontraria algo sobre a mat1ria) escrito de meu punho e letra) entre minhas notas. L3im L me assegurou L) mas antes ter" que comer. L /icando de p1) estendeu'me a m8o e me a:udou a se levantar. Para a:eitar'me um pouco acomodou a camisa dentro de meus :eans e tirou os peda7os de palha aderidos a meu su1ter. -epois me afastou um pouco para inspecionar sua obra. N8o satisfeita) encarou o aspecto de meu cabelo) acomodando os fios esticados e rebeldes. L?oc9 fica horr2vel com o cabelo desgrenhado. LEstou acostumada a uma ducha quente ao levantar'me L e sa2 atr"s dela ao corredor. $o ver que se dirigia = co4inha lhe informei que antes precisava ir ao toalete. LDe acompanho L ofereceu) e ao notar meu gesto de recusa) explicou que s. dese:ava assegurar'se de que eu n8o me desmaiaria e cairia pelo buraco. $ceitei agradecida o apoio de seu bra7o) e quase cai de bru7os ao sair ao p"tio) n8o tanto por causa de minha debilidade e sim pela surpresa que me causou comprovar o tarde que era. LB que acontece@ L perguntou /lorinda. L3e sente fraca@ $pontei o c1u. $penas sobrava um resto de lu4. LN8o 1 poss2vel que tenha perdido um dia L disse com vo4 apagada. *utei por assimilar a id1ia de que haviam transcorrido toda uma noite e todo um dia) mas minha mente n8o o aceitou. B fato de n8o poder calcular o tempo de acordo com os cUnones normais me desorientava. LBs feiticeiros quebram o fluir do tempo L explicou /lorinda) interpretando meus pensamentos. LB tempo) tal como n.s o medimos) n8o existe quando se ensonha como o fa4em os feiticeiros. Eles o estendem ou condensam = vontade) e n8o o

consideram em termos de horas ou minutos. $o ensonhar despertos) aumentam suas faculdades perceptuais L prosseguiu em tom paciente e medido. LN8o obstante) com o tempo acontece algo por intero distinto. $ percep78o do tempo n8o aumenta) e sim que fica totalmente cancelada. L $crescentou que o tempo 1 sempre um fator de consci9ncia) ou se:a) que sua percep78o 1 um estado psicol.gico) automaticamente transformado por n.s em medidas f2sicas. T algo que levamos t8o gravado que) ainda quando n8o o percebamos) um rel.gio soa em nosso interior) marcando subliminarmente o tempo. LNo ensonhar desperto L enfati4ou L essa capacidade est" ausente. Ama estrutura por completo nova e nada familiar assume o controle< uma estrutura que de alguma maneira n8o 1 para ser interpretada ou entendida como normalmente fa4emos com o tempo. LBu se:a) que tudo o que saberei conscientemente acerca do ensonhar desperto 1 que) com rela78o ao tempo) ele poder" ter sido estendido ou comprimido L disse) procurando entender = explana78o. L&ompreender" muito mais que isso L me assegurou com 9nfase. LNuando for e1pert em penetrar na consci9ncia intensificada) como a chama (ariano $ureliano) ter" consci9ncia de tudo o que dese:e) pois os feiticeiros n8o est8o envolvidos com medir o tempo e sim em us"'lo) em estend9'lo ou comprimi'lo = vontade. L$ pouco voc9 disse que todos me a:udaram a ensonhar L afirmei. LNeste caso) algu1m deve saber o quanto durou meu ensonho. /lorinda respondeu que ela e seus companheiros viviam permanentemente num estado de ensonhar desperto) e que era precisamente seu esfor7o con:unto o que me fe4 ensonhar) mas que :amais levavam conta de sua dura78o. LNuer inferir que posso estar ensonhando desperta agora@ L perguntei) sabendo de antem8o o que responderia. L3e 1 assim) o que fi4 para alcan7ar este estado@ Nuais passos tomei@ LBs mais simples imagin"veis L respondeu /lorinda. LN8o se permitiu ser seu ser usual. Esta 1 a chave que abre portas. (uitas ve4es) e de diferentes maneiras) temos lhe dito que a feiti7aria n8o 1 o que pensa que 1. -i4er que n8o permitir'se ser seu ser usual 1 o segredo mais complexo da feiti7aria< soa bobo mas n8o o 1. T a chave ao poder) e portanto o mais dif2cil que fa4 um feiticeiro< e n8o obstante) n8o 1 algo complexo) imposs2vel de entender. N8o confunde a mente) e por tal ra48o ningu1m pode sequer suspeitar sua importUncia ou tom"'lo a s1rio. $ :ulgar pelo resultado de sua ;ltima sess8o de ensonhar desperta) posso di4er que voc9 acumulou suficiente energia mediante o ato de impedir'se ser seu ser usual. -eu um tapinha em meu ombro e sussurrou. LDe verei na co4inha. $ porta da co4inha estava entreaberta) mas nenhum som provinha do interior. L/lorinda@ L perguntei em vo4 baixa. (e respondeu um riso suave) mas n8o vi ningu1m. Nuando meus olhos se acostumaram = penumbra divisei a /lorinda e a N1lida sentadas a uma mesa) seus rostos estranhamente v2vidos nessa t9nue lu4) assim como seus olhos) cabelos) nari4 e bocas. -iria'se que as iluminava uma lu4 interior) e me impressionou comprovar o quanto eram exatas eram entre si. L?oc9s duas s8o t8o lindas que assusta L disse) aproximando'me. Blharam'se uma = outra e soltaram um riso) francamente perturbador. 3enti que um calafrio percorria minha coluna) e antes que eu pudesse ensaiar coment"rio algum) ambas se calaram) e N1lida me convidou a ocupar a cadeira va4ia :unto a ela. !espirei fundo. Precisa manter a calma) me disse ao ocupar o assento. Javia em N1lida uma secura e um tensionamento que me enervava. -a sopeira no meio da mesa me serviu um prato de espessa sopa. LNuero que coma tudo L disse) aproximando de mim uma cesta com tortilhas quentes) e tamb1m a manteiga. Eu estava morta de fome) e ataquei o que me deram como se n8o tivesse comido um s. bocado em muitos dias. Esgotei o conte;do da sopeira) e acompanhei as tortilhas com tr9s canecas de chocolate quente. 3aciada) me acomodei em minha cadeira. $ porta que condu4ia ao p"tio estava aberta de par em par) e uma brisa fresca reacomodou as sombras que invadiam a co4inha. B crep;sculo parecia eterno) e no c1u languideciam grossas capas de cor: vermelh8o) a4ul escuro) ouro e violeta) e tanto o ar) dotado de uma qualidade transparente) parecia aproximar as montanhas distantes. &omo impulsionada por uma for7a interior a noite dava a impress8o de surgir do ch8o) e o ensombrecido movimento das "rvores frut2feras) impulsionado pelo vento r2tmico e cheio de gra7a) arrebatava a escurid8o e a elevava at1 o c1u. Esperan4a entrou na co4inha portando uma lamparina de a4eite que colocou sobre a mesa) olhando'me sem piscar) como se tivesse problemas para enfocar a vista. -ava a impress8o de continuar preocupada por algum mist1rio de outro mundo) mas aos poucos seus olhos se descongelaram) e sorriu) como sabendo que havia regressado de algum lugar muito distante. L(eu ensaioP L gritei) ao ver as folhas soltas e meu caderno sob seu bra7o. &om um grande sorriso os entregou a mim. 3em dissimular minha impaci9ncia) examinei as folhas) rindo feli4 ao poder constatar as p"ginas do caderno cobertas de precisas e detalhadas instru7Ces) a metade em espanhol e a outra metade em ingl9s) sobre como proceder com meu trabalho) sendo a caligrafia indiscutivelmente minha. LEst" tudo aquiP L exclamei muito excitada. L$ssim o vi em meu ensonho L e de pensar que poderia me livrar do curso de p.s'gradua78o sem ter que esfor7ar'me em excesso) esqueci toda minha ansiedade anterior. LN8o se escrevem bons ensaios recorrendo a atalhos L advertiu Esperan4a. LNem sequer com a a:uda da feiti7aria. -everia saber que sem as leituras pr1vias e a coleta de notas) o fato de escrever e de revisar o escrito) nunca teria conseguido reconhecer a estrutura e a ordem de seu trabalho em seus ensonhos. $ssenti sem falar. Ela havia dito isso com autoridade incontest"vel) deixando'me sem palavras. LE o que acontece com o cuidador@ /oi professor em sua :uventude@ N1lida e /lorinda se viraram na dire78o de Esperan4a) como se a ela coubesse responder. LIsso n8o o saberia di4er L respondeu) de maneira evasiva. LN8o te disse que era um feiticeiro enamorado das id1ias@ (anteve sil9ncio por um momento) para depois completar: LNuando n8o cuida de nosso mundo m"gico) como cabe a um cuidador) ele l9. L$l1m de livros L ampliou N1lida L l9 uma extraordin"ria quantidade de revistas culturais. /ala v"rios idiomas) de modo que est" atuali4ado com o ;ltimo em tudo. -elia e &lara s8o suas a:udantes. Ele as ensinou a falar ingl9s e alem8o. Perguntei se a biblioteca da casa pertencia a ele.

LT de todos L respondeu N1lida. L&ontudo estou segura de que) tirando ?icente) ele 1 o ;nico que leu todos os livros que cont9m as estantes L e ao observar minha express8o incr1dula me advertiu que o aspecto das pessoas desse mundo n8o deveria enganar'me. LPara alcan7ar um certo n2vel de conhecimentos os feiticeiros trabalham o dobro do que o fa4em outros. Bs feiticeiros devem encontrar e dar sentido tanto para o mundo cotidiano como ao m"gico. Para conseguir isso devem ser muito preparados e sofisticados) tanto mental como fisicamente. L-urante tr9s dias trabalhou em seu ensaio. Drabalhou duro) n8o 1 verdade@ L aguardou a que eu me manifestasse de acordo) e depois acrescentou que) enquanto ensonhava desperta) lhe dediquei ainda maior esfor7o que estando desperta. LN8o estou de acordo L contradisse. LDudo foi muito simples e carente de esfor7o L e expliquei que a ;nica coisa que fi4 foi ver uma nova vers8o de meu trabalho sobreposta = antiga) a qual copiei. L/a4er isso demandou toda a for7a que voc9 possu2a L sustentou N1lida. LEnquanto ensonhava desperta voc9 canali4ou toda sua energia em um s. prop.sito. Doda sua preocupa78o e esfor7o se destinaram a terminar seu trabalho. Nada mais importava. Nenhum outro pensamento interferiu com sua meta. LB cuidador ensonhava desperto quando leu meu ensaio@ ?iu o que eu vi@ N1lida ficou de p1 e caminhou lentamente at1 a porta. -urante um longo tempo olhou para fora) em dire78o = escurid8o. -epois voltou = mesa) segredou algo com Esperan4a) e tornou a sentar'se. Esperan4a riu quando me disse que o que o cuidador viu em meu trabalho era diferente ao que foi visto e escrito por mim. LE 1 natural que assim fosse) pois o conhecimento dele 1 muito mais vasto que o seu. ?oc9) guiada por suas sugestCes) e de acordo com sua capacidade) captou como devia parecer seu trabalho) e isso foi o que voc9 escreveu. Por sua ve4 N1lida explicou que enquanto ensonhamos despertos temos acesso a recursos ocultos que de ordin"rio n8o empregamos. -isse que nem bem eu vi meu trabalho lembrei dos pontos'chave que me havia fornecido o cuidador. $o notar que minha express8o incr1dula persistia) lembrou o que foi dito pelo cuidador sobre meu ensaio. -emasiadas notas ao p1 da p"gina) cita7Ces demais e id1ias desenvolvidas com descuido. 3eus olhos irradiavam simpatia e um ar divertido ao acrescentar que) dado que eu ensonhava e n8o era t8o est;pida como alegava ser) de imediato percebi toda sorte de enlaces e conexCes n8o notados antes. -epois se aproximou sorridente = espera de minha rea78o. LT hora de que saiba o que te fe4 ver uma melhor vers8o de seu trabalho original. L Esperan4a me piscou um olho como para enfati4ar que estava por revelar'me um segredo retumbante. LNuando ensonhamos despertas) n.s temos acesso ao conhecimento direto. Bbservou'me um longo per2odo) e havia desencanto em seus olhos. LN8o se:a t8o densaP L N1lida me cutucou impaciente. LEnsonhar desperta deveria ter lhe demonstrado que possui) como todas as mulheres) uma capacidade sem igual para receber conhecimentos diretos. &om um gesto Esperan4a me indicou guardar sil9ncio e disse: L3abia que uma das diferen7as b"sicas entre homens e mulheres 1 a maneira em que encaram o conhecimento@ Eu n8o tinha id1ia do que queria di4er. -e maneira lenta e deliberada arrancou uma folha em branco de meu caderno e desenhou duas figuras humanas) uma das quais coroou com um cone e disse que era um homem. 3obre a outra cabe7a desenhou o mesmo cone) s. que invertido) e o declarou ser a mulher. LBs homens constroem seu conhecimento passo a passo L explicou com o l"pis apontando = cabe7a coroada pelo cone. LDendem para cima) trepam em dire78o ao conhecimento. Bs feiticeiros di4em que os homens se estiram como um cone em dire78o ao esp2rito) para o conhecimento) e este procedimento limita at1 onde podem chegar L repassou com o l"pis as linhas do cone da primeira figura. L&omo poder" ver) os homens s. podem alcan7ar certa altura) e seu caminho termina no "pice do cone. LPreste aten78o L advertiu) apontando com o l"pis = segunda figura. L&omo poder" ver o cone est" invertido) aberto como um funil. $s mulheres possuem a faculdade de abrir'se diretamente = fonte) ou melhor di4endo) a fonte lhes chega de maneira direta) na base larga do cone. Bs feiticeiros di4em que a conex8o das mulheres com o conhecimento 1 expansiva) enquanto a dos homens 1 bastante restritiva. Bs homens se conectam com o concreto L prosseguiu L) e apontam ao abstrato. $s mulheres se conectam com o abstrato) e contudo tratam de entregar'se ao concreto. LPor qu9@ L perguntei L) sendo as mulheres t8o abertas ao conhecimento ou ao abstrato) s8o consideradas como inferiores@ Esperan4a me contemplou fascinada. /icou de p1) esticou'se como um gato) fa4endo estalar todas suas articula7Ces) e recuperou seu assento. LNue se:am consideradas inferiores ou) no melhor dos casos) que suas caracter2sticas femininas se:am consideradas complementares =s dos homens) t9m a ver com a maneira em que uns e outros se aproximam do conhecimento. Em geral = mulher lhe interessa mais dominar'se a si mesma que a outros) um tipo de dom2nio claramente ambicionado pelo homem. LInclusive entre os feiticeiros L acrescentou N1lida para satisfa78o das mulheres. Esperan4a expressou sua cren7a em que originalmente as mulheres n8o consideravam necess"rio explorar essa facilidade para unir'se direta e amplamente ao esp2rito. N8o achavam necess"rio falar ou intelectuali4ar acerca desta sua capacidade) pois lhes bastava acion"'la para saber que a possu2am. L$ incapacidade do homem para unir'se diretamente ao esp2rito 1 o que os impulsionou a falar do processo de alcan7ar o conhecimento L explicou. LN8o pararam mais de falar disso) e 1 precisamente essa insist9ncia em saber como se esfor7am por alcan7ar o esp2rito) esta insist9ncia por analisar o processo) o que lhes deu a certe4a de que o ser racional 1 uma conquista tipicamente masculina. Esperan4a explicou que a conceituali4a78o da ra48o tem sido obtida exclusivamente pelos homens) e isto lhes t9m permitido minimi4ar os dons e as conquistas da mulher e) pior ainda) excluir as caracter2sticas femininas da formula78o dos ideais da ra48o.

LT claro que na atualidade a mulher acredita no que lhe tem sido fixado L enfati4ou. L$ mulher tem sido criada para crer que s. o homem pode ser racional e coerente) e agora o homem 1 portador de um capital que o torna automaticamente superior) se:a qual for sua prepara78o ou capacidade. L&omo foi que as mulheres perderam sua conex8o direta com o conhecimento@ L perguntei. LN8o a perderam L corrigiu Esperan4a. L$inda t9m uma conex8o direta com o esp2rito) s. que esqueceram como us"' la) ou melhor) copiaram a condi78o masculina de n8o possu2'la. -urante milhares de anos o homem tem se ocupado de que a mulher o esque7a. Pegue a 3anta Inquisi78o) por exemplo: esse foi um expurgo sistem"tico para erradicar a cren7a de que a mulher tem uma conex8o direta com o esp2rito. Doda religi8o organi4ada n8o 1 outra coisa que uma manobra muito exitosa para colocar = mulher no n2vel mais baixo. $s religiCes invocam uma lei divina que mant1m que as mulheres s8o inferiores. Blhei'a assombrada) perguntando'me como podia ser t8o erudita. LBs homens necessitam dominar a outros) e a falta de interesse das mulheres por expressar ou formular o que conhecem) e como o conhecem) tem constitu2do uma nefasta alian7a L continuou Esperan4a. LDem tornado poss2vel que a mulher se:a for7ada) desde seu nascimento) a aceitar que a plenitude encontra'se no lar) no amor) no casamento) em parir filhos e negar'se a si mesma. $ mulher tem sido exclu2da das formas dominantes de pensamento abstrato e educada para a depend9ncia. D9m sido t8o bem treinadas para aceitar que os homens devem pensar por elas que terminaram por n8o pensar. L$ mulher 1 perfeitamente capa4 de pensar L disse. Esperan4a me corrigiu. L$ mulher 1 capa4 de formular o que aprendeu) e o que tem aprendido tem sido definido pelo homem. B homem define a nature4a intr2nseca do conhecimento) e dele tem exclu2do tudo aquilo que pertence ao feminino ou) se o h" inclu2do) 1 sempre de maneira negativa. E a mulher o tem aceitado. LEst" atrasada em anos L ob:etei. LJo:e em dia a mulher pode fa4er o que dese:a. Em geral t9m aceso a todo centro de aprendi4agem) e a quase todos os trabalhos que desempenha o homem. L(as isso n8o tem sentido) a menos que possuam um sistema de apoio) uma base L argumentou Esperan4a. L-e que serve ter aceso ao que possuem os homens) quando ainda se as consideram seres inferiores) obrigadas a adotar atitudes e comportamentos masculinos para conseguir o 9xito@ $s que na verdade conseguem alcan7ar o 9xito s8o as perfeitas convertidas) e elas tamb1m depreciam =s mulheres. L-e acordo com os homens o ;tero limita = mulher tanto mental como fisicamente. Esta 1 a ra48o pela qual =s mulheres) apesar de seu acesso ao conhecimento) n8o lhes tem sido permitido determinar o que 1 este conhecimento. Pegue) por exemplo) aos fil.sofos L propKs Esperan4a. LBs pensadores puros. $lguns deles s8o encarni7adamente contra a mulher. Butros s8o mais sutis) no sentido de que est8o dispostos a admitir que a mulher poderia ser t8o capa4 como o homem) se n8o fosse porque n8o lhe interessam as investiga7Ces racionais) e no caso de estar interessadas) n8o deveriam estar. Pois lhe cai melhor = mulher ser fiel = sua nature4a: uma companheira nutriente e dependente do macho. Esperan4a expressou tudo isto com inquestion"vel autoridade. No entanto) em poucos minutos) a mim :" me assaltavam as d;vidas. L3e o conhecimento n8o 1 outra coisa que um dom2nio masculino) a qu9 se deve ent8o sua insist9ncia em que eu v" = universidade@ L perguntei. LPorque voc9 1 uma bruxa) e como tal precisa saber o que te afeta) e como te afeta L respondeu. L$ntes de recusar algo deve saber por que o recusa. 3abe) o problema 1 que o conhecimento em nossos dias se deriva simplesmente de pensar nas coisas) mas as mulheres t9m um caminho distinto) nunca antes levado em considera78o. Esse caminho pode contribuir ao conhecimento) mas teria que ser uma contribui78o que nada tem a ver com pensar nas coisas. L&om o que teria que ver ent8o@ LIsso 1 para que voc9 o decida) depois de ter dominado as ferramentas do racioc2nio e da compreens8o. (inha confus8o era muito grande. LB que propCem os feiticeiros L continuou Esperan4a L 1 que os homens n8o podem possuir o direito exclusivo ao racioc2nio. Parecem possu2'lo agora porque o terreno sobre o qual o aplicam 1 um terreno onde prevalece o masculino. $pliquemos ent8o a ra48o a um terreno onde prevalece o feminino) e esse 1) naturalmente) o cone invertido que te descrevi: a conex8o feminina com o pr.prio esp2rito. -esviou apenas a cabe7a) como decidindo o que estava por di4er. LEssa conex8o deve enfrentar'se com outro tipo de racioc2nio) algo nunca antes empregado: o lado feminino do racioc2nio. LE qual 1 o lado feminino do racioc2nio) Esperan4a@ L(uitas coisas< uma delas 1 definitivamente ensonhar. L olhou'me de maneira questionante) mas eu nada tinha a di4er. 3ua profunda gargalhada me pegou de surpresa. LEu sei o que espera voc9 dos feiticeiros: rituais e encantamentos) cultos raros) misteriosos. Nuer que cantemos. Nuer fundir'se com a nature4a< estar em comunh8o com os esp2ritos da "gua< quer paganismo) uma vis8o romUntica do que fa4emos. (uito germUnico. Para submergir'se no desconhecido precisam de coragem e mente. 3omente com isso poder" explicar a voc9 mesma e a outros os tesouros que poder" encontrar. L Esperan4a chegou perto de mim) ansiosa ao que parecia) por confiar'me algo. &o7ou a cabe7a e bufou repetidas ve4es) cinco ve4es como o fa4ia o cuidador. LPrecisa agir a partir de seu lado m"gico L disse. LE isso o que 1@ LB ;tero L e o disse com tanta calma) e em tom t8o baixo) como se n8o lhe interessasse minha rea78o) que quase n8o lhe ouvi. -epois) ao dar'me conta do absurdo de suas palavras) me endireitei e olhei para as outras mulheres. LB ;tero L repetiu Esperan4a L 1 o .rg8o feminino fundamental) o que d" =s mulheres esse poder) essa for7a extra para canali4ar sua energia. Explicou que o homem) em sua busca pela supremacia) tem conseguido redu4ir esse misterioso poder) o ;tero) ao n2vel estrito de um .rg8o biol.gico cu:a ;nica fun78o 1 reprodu4ir) abrigar a semente do homem.

&omo se obedecesse a um chamado) N1lida ficou de p1) rodeou a mesa e veio parar'se atr"s de mim. L&onhece a est.ria da $nuncia78o@ L murmurou quase pegado a meu ouvido. LN8o L respondi) rindo. &om esse mesmo sussurro confidencial me disse que na tradi78o :udaico'crist8 os homens s8o os ;nicos que escutam a vo4 de -eus. $s mulheres) salvo a ?irgem (aria) foram exclu2das deste privil1gio. N1lida disse que um an:o sussurrando = (aria era) logicamente) algo natural. N8o o era em troca de que a bnica coisa que pKde di4er'lhe foi que daria a lu4 ao filho de -eus. B ;tero n8o recebeu conhecimento e sim) melhor di4endo) a promessa da semente de -eus. Am deus masculino) que por sua ve4 gerava outro deus masculino. Eu queria pensar) refletir acerca de tudo o que se havia dito) mas minha mente estava em total confus8o. LE o que acontece com os feiticeiros homens@ L perguntei. LEles n8o t9m ;tero e) contudo) est8o claramente conectados com o esp2rito. Esperan4a me olhou com uma satisfa78o que n8o tentou dissimular< depois olhou por cima de seu ombro como temerosa de que algu1m a escutasse. Num murm;rio) apenas disse: LBs feiticeiros podem alinhar'se com o esp2rito pois abandonam o que especificamente define sua masculinidade. ," n8o s8o homens.

1A032ULO DE9ESSE2E $ maneira em que Isidoro Balta4ar percorria o aposento diferia da que usualmente empregava para cobrir o espa7o de seu est;dio retangular. $ntes sempre me acalmava seu andar) mas desta ve4 possu2a uma qualidade incKmoda e amea7adora) tra4endo = minha mente a imagem de um tigre que espreita entre o mato) ainda n8o preparado para saltar sobre sua v2tima) mas consciente de que algo anda mal. -eixei de lado o que estava lendo) a fim de averiguar a nature4a de sua preocupa78o) quando ele disse: LN.s vamos ao (1xico. B modo em que o disse me causou gra7a) e o tom sombrio e s1rio :ustificou minha risonha pergunta: L?ai se casar comigo l"@ -eteve'se de imediato. LEste n8o 1 um grace:o L disse irritado. LIsto 1 coisa s1ria L e nem acabou de di49'lo e sorriu) e com um gesto desva2do perguntou a si mesmo: LB que estou fa4endo@ Estou me irritando com voc9) como se dispusesse de tempo para isso. Nue vergonhaP B nagual ,uan (atus :" me havia advertido que somos uma merda at1 o momento final. $bra7ou'me com for7a) como se voltasse de uma longa aus9ncia. LN8o creio que se:a uma boa id1ia que eu v" ao (1xico. 3ua resposta foi como a de um militar dando ordens. L&ancele tudo. ," n8o resta tempo. Eu) feli4) respondi: L,a0ohP (ein 5ruppenfMhrerP -istendido) ele riu. Enquanto via:"vamos pelo $ri4ona me assaltou uma estranha sensa78o) uma sensa78o f2sica parecida a um calafrio) que se estendia desde o ;tero a todo o corpo) eri7ando a pele< a sensa78o de que algo andava mal) misturada com um elemento totalmente novo: certe4a absoluta. L$cabo de ter uma intui78o. $lgo est" malP L disse) e minha vo4 se tornou aguda contra minha vontade. &omo se fosse o mais natural do mundo) e depois de assentir com um movimento de cabe7a) Isidoro Balta4ar me informou que os feiticeiros estavam de partida do mundo. LNuando@P L perguntei) deixando escapar um grito involunt"rio. LDalve4 amanh8) ou passado ou dentro de um m9s) mas sua partida 1 iminente. &om um suspiro de al2vio me acomodei no assento e me relaxei conscientemente. LEst8o di4endo que v8o partir desde o dia em que os conheci) :" fa4 mais de tr9s anos L murmurei) com a sensa78o de que n8o deveria t9'lo dito. Isidoro Balta4ar se virou para olhar'me) seu rosto tinha por um lado uma express8o de despre4o) e por outro de empenho em se livrar dessa express8o. 3orriu) bateu em meu :oelho e disse com suavidade que no mundo dos feiticeiros n8o se deveria tomar as coisas t8o ao p1 da letra. L3e os feiticeiros lhe repetem algo at1 te fartar 1 porque dese:am preparar'te para isso L e acrescentou) com um olhar s1rio: LN8o confunda seus procedimentos m"gicos com suas bobagens. 3uas palavras n8o provocaram raiva em mim. (eu medo era demasiado intenso para permitir'me esse luxo. $ceitei'as em sil9ncio. $ viagem foi muito r"pida) ou ao menos assim me pareceu. N.s reve4amos na dire78o e no descanso) e ao meio'dia do dia seguinte chegamos = casa das bruxas. N8o perdemos tempo. Nem bem desligou'se o motor do carro o abandonamos para correr at1 a casa. LB que aconteceu@ L perguntou o cuidador) surpreendido por nossa abrupta e ruidosa chegada. LB que fa4em voc9s) est8o brigando ou est8o se perseguindo um ao outro@ LNuando se v8o@ Nuando se v8o@ L repeti mecanicamente) incapa4 de conter minha ansiedade e temor. !indo) o cuidador espalmou minhas costas e pronunciou palavras de Unimo.

LN8o vou a nenhum lado. N8o vai se livrar de mim t8o facilmente. L $pesar de soar genu2nas) suas palavras n8o eliminaram minha ansiedade. Examinei seu rosto e seus olhos) procurando descobrir algum ind2cio de mentira) mas s. vi sinceridade e bondade. Nuando notei que Isidoro Balta4ar :" n8o estava ao meu lado me dominou de novo a tens8o. Javia desaparecido velo4 e silencioso como uma sombra. B cuidador percebeu essa agita78o) e com um gesto assinalou a casa. Buvi a vo4 de Isidoro Balta4ar) ao que parecia em tom de protesto) e logo sua risada. LEst8o todos aqui@ L perguntei) tentando abrir passagem. LEst8o l" dentro L respondeu o cuidador) e abriu os bra7os para deter'me. LN8o podem receber voc9 neste momento. N8o te esperavam L incrementou) ao ver que eu estava por protestar. LNuerem que eu te fale antes de receber'te. L Pegou minha m8o e me afastou da porta. L?amos aos fundos para recolher folhas L propKs. LN.s as queimaremos e deixaremos as cin4as =s fadas aqu"ticas. Dalve4 as transformem em ouro. N8o pronunciamos uma s. palavra enquanto recolh2amos monte ap.s monte de folhas) mas a atividade f2sica e o som do rastelo que raspava a terra me tranquili4aram. (e pareceu que lev"ramos horas recolhendo folhas) quando de repente soube que n8o est"vamos so4inhos no p"tio) e ao dar uma volta vi a /lorinda. ?estida de camisa e cal7as brancas) parecia uma apari78o. Am chap1u de palha protegia seu rosto) de aba muito larga) na m8o levava um leque de renda) e sua atitude era t8o remota que parecia n8o ser de todo humana. Eu) im.vel) observei'a fascinada. Perguntando'me se repararia em minha presen7a) e com passos vacilantes) me aproximei a ela) e ao perceber que) de nenhuma maneira) registrava minha proximidade) me detive indecisa. N8o se tratava de um intento de proteger'me contra uma re:ei78o) nem de temor em ser desdenhada. Ama indeterminada e contudo aceitada norma que impediu que lhe exigisse prestar' me aten78o. N8o obstante) quando o cuidador se sentou :unto a ela no banco) peguei o rastelo apoiado contra uma "rvore e aos poucos fui me aproximando. B cuidador) atento =s palavras de /lorinda) apenas acusou meu prop.sito com um distra2do sorriso. /alavam um idioma desconhecido para mim) apesar do qual os escutei fascinada) sem poder determinar se era essa l2ngua ou o afeto de /lorinda pelo velho o que conferia = sua vo4 rouca uma qualidade por sua ve4 terna) suave e estranha. -e repente /lorinda ficou de p1) e como se a impulsionasse alguma mola invis2vel) percorreu o terreno com os movimentos 4igue4agueantes de um bei:a'flor) fa4endo uma parada :unto a cada "rvore) tocando aqui uma folha e ali uma flor. *evantei minha m8o para atrair sua aten78o) mas me distraiu uma mariposa) que tecia sombras a4uis no ar) e que pousou depois sobre minha m8o para pro:etar sua sombra escura sobre meus dedos. -epois esfregou a cabe7a contra as patas) abriu e fechou v"rias ve4es as asas) e retomou seu vKo) deixando sobre meu dedo m1dio um anel em forma de mariposa triangular. 3egura de que se tratava de uma ilus8o de .ptica) sacudi repetidas ve4es minha m8o. LT um truque) n8o 1@ L perguntei ao cuidador. LAma ilus8o de .ptica@ Negou com a cabe7a) seu rosto se enrugou num radiante sorriso) e tomando minha m8o comentou: LT um lindo anel< um espl9ndido presente. !epeti suas palavras: um presente. Dive um breve lampe:o de intui78o) que desapareceu para deixar'me desorientada. LNuem colocou esse anel em meu dedo@ L perguntei) observando a :.ia. $s antenas e o delicado corpo que dividiam o triUngulo eram de filigrana de ouro branco) e eram encravados com pequenos diamantes. LN8o havia percebido antes esse anel@ L perguntou o cuidador. L$ntes@ L repeti desconcertada. L$ntes de qu9@ LDem estado usando esse anel desde que /lorinda o deu de presente a voc9. L(as) quando@ L perguntei) tapando minha boca com a m8o para aplacar minha sensa78o de choque. LN8o lembro que /lorinda tenha me dado de presente um anel L sussurrei L) e por que n8o o notei antes@ B cuidador deu de ombros) e ao n8o poder explicar'se minha confus8o) sugeriu que talve4 eu n8o havia reparado no anel devido a ele se encaixar t8o bem em meu dedo. Pareceu a ponto de acrescentar algo) desistiu) e em troca me sugeriu continuar com o recolhimento de folhas. LN8o posso L disse. LPreciso falar com /lorinda. LPrecisa falar com ela@ L perguntou) como se eu tivesse enunciado algo rid2culo e insano. LEla saiu para dar um passeio L explicou) e apontou com o dedo = trilha que condu4ia aos montes. &onsegui distinguir sua figura branca) que por momentos aparecia e logo tornava a submergir'se no chaparral. LEu a alcan7arei L disse. LEla :" est" longeS L advertiu o cuidador. LIsso n8o 1 problema. &orri atr"s de /lorinda) e antes de alcan7"'la diminui meu passo para admirar a elegUncia de seu andar) seus movimentos vigorosos) atl1ticos) reali4ados sem esfor7o) com as costas retas. Nuando percebeu minha presen7a) /lorinda se deteve abruptamente e se virou) estendendo'me as m8os. L&omo est") querida@ L perguntou) sua vo4 clara) alegre e muito suave. Em minha ansiedade por averiguar o referente ao anel) omiti saud"'la como 1 devido) e com palavras confusas perguntei' lhe se havia sido ela quem colocou a :.ia em meu dedo. LT minha agora@ L perguntei. L3im) 1 sua por direito L respondeu) e havia algo em seu tom) uma seguran7a) que por sua ve4 me emocionou e aterrori4ou. E no entanto nem me ocorreu recusar esse presente) sem d;vida valioso. LPossui poderes m"gicos@ L perguntei) deixando que a lu4 real7asse o brilho de cada pedra. LN8o L respondeu rindo. LN8o possui nenhum tipo de poder) apesar de ser um anel muito especial. N8o por seu valor) ou porque tenha pertencido a mim) e sim porque a pessoa que o fe4 era algu1m muito especial. LEra :oalheiro@ $ mesma pessoa que fe4 essas estranhas figuras que est8o no quarto do cuidador@ L$ mesma) mas n8o era :oalheiro) e tampouco escultor) e teria r2do se algu1m o chamasse de artista. 3em d;vida) quem via sua obra n8o podia deixar de proclam"'lo como tal) pois unicamente um artista podia ter produ4ido as maravilhas que ele produ4iu.

/lorinda se afastou uns passos e deixou vagar seu olhar pelos montes) como se a distUncia contivesse mem.rias que ela necessitava. -epois) devolvendo'me sua aten78o) e numa vo4 apenas aud2vel) revelou que tudo o que fa4ia esse nagual) fosse um anel) uma parede de ti:olos) la:otas para o piso) as inven7Ces maravilhosas ou uma simples caixa de papel8o) se convertia em uma pe7a esquisita) n8o s. em termos de maravilhoso artesanato) e sim pela marca inef"vel com a qual os imbu2a. Insisti que se o anel havia sido confeccionado por um indiv2duo t8o extraordin"rio) devia possuir algum tipo de poder. LB anel em si n8o possui poder algum L assegurou /lorinda L independente de quem o fe4. B poder participou de sua gesta78o. B nagual estava t8o intimamente compenetrado com o que os feiticeiros chamam de intento) que pKde confeccionar este lindo anel sem ser :oalheiro. B anel representa um ato de puro intento. !esistindo a mostrar'me como est;pida) n8o me animei a admitir que n8o tinha a menor id1ia do que ela queria significar com intento) de modo que me limitei a perguntar'lhe o que a havia movido a fa4er'me t8o maravilhoso presente. LN8o creio merec9'lo L acrescentei. LAsar" o anel para alinhar'se com o intento L foram suas instru7Ces) acompanhadas por um sorriso perverso L) mas naturalmente voc9 :" sabe como fa4er esse alinhamento. LN8o sei nada desse assunto L respondi defensivamente) e em seguida confessei minha ignorUncia sobre o tema. LDalve4 n8o conhe7a o significado da palavra) mas sua intui78o sabe como fa4er uma conex8o com essa for7a. L $proximou sua cabe7a = minha) e me fe4 saber que eu sempre havia usado do intento para mover'me dos ensonhos = realidade) ou para fa4er realidade meu ensonho) fosse qual fosse. Blhou'me de forma expectativa) sem d;vida esperando que eu chegasse a conclusCes .bvias) e ao constatar minha express8o desorientada) acrescentou: LDanto as inven7Ces que viu no quarto do cuidador como o anel foram feitos em ensonhos. L&ontinuo sem compreender L lamentei'me. L$s inven7Ces te assustam) e o anel te encanta) e dado que ambos s8o ensonhos poderia ser o opostoS L?oc9 me assusta) /lorinda. B que quer di4er com isso@ LEste) querida) 1 um mundo de ensonhos. De estamos ensinando a consegui'los por sua conta L manteve seus olhos escuros e brilhantes fixos nos meus por uns instantes) e depois prosseguiu: LNeste momento todos os feiticeiros do grupo de (ariano $ureliano te a:udam a entrar neste mundo) e tamb1m a permanecer neleS L guardou sil9ncio uns momentos e depois concedeu que minha energia era agora maior que antigamente. LEnergia que vem de suas economias) e do empr1stimo que todos te fi4emos. L 3ua met"fora banc"ria era bem clara) mas ainda n8o compreendia sua refer9ncia ao anel e ao quarto do cuidador. LBlhe ao seu redorP L exclamou) estendendo os bra7os. LEste n8o 1 o mundo cotidianoP L de novo observou um sil9ncio) desta ve4 longo) e depois perguntou em vo4 baixa se no mundo dos afa4eres di"rios era fact2vel que as mariposas se transformassem em an1is. LAm mundo L disse L seguro e rigorosamente estruturado pelas regras que nos foram designadas n8o permite esses prod2gios. Eu carecia de resposta. Blhei em volta: as "rvores) os arbustos) as montanhas distantes. &ontinuava me escapando sua dedu78o. B que ela queria indicar) conclu2) teria que ser algo puramente sub:etivo. LN8o o 1P L insistiu /lorinda) lendo meus pensamentos. LEste 1 o ensonho de um feiticeiro. T algo real. ?oc9 entrou nele pois possui a energia necess"ria. (e observou resignada e disse: LN8o existem maneiras para ensinar = mulher a ensonhar. B ;nico que se pode fa4er 1 apoi"'las para que recebam o tremendo potencial de que dispCe seu organismo. Posto que para uma mulher o ensonhar 1 quest8o de dispor de energia) o importante 1 convenc9'la da necessidade de modificar sua profunda sociali4a78o a fim de adquirir essa energia. B ato de fa4er uso dela 1 autom"tico< as mulheres ensonham ensonhos de feiticeiros no instante que t9m = sua disposi78o essa energia. &onfessou que uma quest8o s1ria acerca dos ensonhos dos feiticeiros) verificada em suas pr.prias experi9ncias) era a dificuldade de imbuir =s mulheres de valor necess"rio para abrir novos caminhos. $ maioria delas L e confessou ser uma delas L prefere suas cadeias conhecidas ao terror do novo. LB ensonhar 1 unicamente para mulheres valentes L me sussurrou ao ouvido. -epois riu forte e agregou: LBu para aquelas que n8o t9m outra op78o) pois suas circunstUncias s8o intoler"veis) uma categoria = qual pertence a maioria do sexo feminino) sem sab9'lo. B som de sua risada rouca teve um raro efeito em mim) algo assim como se tivesse despertado de um longo sono e recordado algo esquecido enquanto dormia. LIsidoro Balta4ar me falou da iminente partida. Nuando 1 que partem@ L$inda n8o vou a parte alguma L disse com vo4 firme) mas tingida por uma infinita triste4a. L3ua mestra de ensonhos e eu ficaremos. B resto se dissipa. N8o compreendi o significado de sua explica78o) e visando ocultar minha confus8o recorri a um coment"rio :ocoso. LEm tr9s anos minha mestra de ensonhos) 6uleica) n8o me dirigiu a palavra. ?oc9 e Esperan4a s8o as ;nicas que me t9m guiado e ensinado. $s gargalhadas de /lorinda reverberaram em torno de n.s) um som alegre que por sua ve4 me produ4iu um intenso al2vio e desconcerto. LExplique'me algo) /lorinda. Nuando me deu este anel@ &omo 1 que passei de recolher folhas a possuir esta bele4a@ B rosto de /lorinda resplandecia de contentamento ao explicar que o recolhimento de folhas pode muito bem ser tomado como um dos acessos ao ensonho dos feiticeiros) sempre e quando se dispunha da suficiente energia como para cru4ar o umbral. Domando minha m8o acrescentou: LEu te dei o anel enquanto estava cru4ando) e no entanto sua mente n8o registrou o feito. -e repente) quando :" estava dentro do ensonho) o descobriu em seu dedo. Blhei'a com curiosidade. Javia algo incompreens2vel em sua explica78o) algo vago e confuso. L!egressemos = casa L sugeriu L e cru4emos de novo esse umbral. Dalve4 agora o reconhe7a.

?oltamos sem pressa pelo mesmo caminho) aproximando'nos da casa por tr"s. Eu tomei a dianteira para ter a perfeita no78o de tudo) e com olhos bem alertas) inspecionei as "rvores) as la:otas e as paredes em busca de algum ind2cio de mudan7a) ou algo que me permitisse interpretar a transi78o. B ;nico ponto destac"vel acabou sendo a aus9ncia do cuidador) e quando me virei para informar a /lorinda que nada havia percebido a respeito da transi78o) ela :" n8o estava ali. Javia desaparecido) deixando'me so4inha. Entrei na casa) e mais uma ve4 a encontrei va4ia) mas esta sensa78o de solid8o :" n8o me assustava. B temor do abandono havia perdido sua validade. $utomaticamente me encaminhei = co4inha e comi os tamales de frango que haviam sobrado dentro de um cesto. -epois busquei minha rede e tentei por ordem em meus pensamentos. $o despertar encontrei'me sobre uma cama num quarto pequeno e escuro. Blhei ao redor) desesperada) em busca de uma explica78o) e ao detectar umas sombras grandes que se agitavam perto da porta) me levantei. Em meu af8 entre descobrir se a porta estava aberta) e com as sombras dentro do quarto) busquei o pinico sob a cama que) de alguma maneira) sabia que se encontrava ali) e o :oguei. B pinico caiu do lado de fora) rasgando o sil9ncio com seu ru2do. $s sombras desapareceram) e para assegurar'me de que n8o foram simples produto de minha imagina78o) abandonei o recinto. -esorientada) fixei a vista no alto cercado de algarobo) e de repente reconheci estar na parte posterior da casa pequena. Dudo isto ocupava minha mente enquanto buscava o pinico) que havia rodado at1 alcan7ar o cercado de algarobo. Nuando me inclinei para recuper"'lo) um coiote se aproveitou para escapulir) e num gesto autom"tico eu o :oguei. B pinico errou o alvo e repicou numa pedra) mas o animal) indiferente ao ru2do e = minha presen7a) prosseguiu seu caminho) e teve a aud"cia de virar v"rias ve4es a cabe7a para olhar'me. 3ua pele tinha o brilho prateado) e sua espessa cauda) convertida em varinha m"gica) despertava cada pedra ao toc"'la) e estas) ao adquirir vida) l"bios falantes e olhos que brilhavam) formulavam estranhas perguntas em vo4es demasiado fr"geis para ser escutadas. (eu alarme se fe4 grito) enquanto as pedras se aproximavam velo4es. -e imediato soube que estava ensonhando. LEste 1 um de meus costumeiros pesadelos L murmurei. L&om seus monstros) seus medos e todos os demais. &onvencida de que uma ve4 reconhecido e enunciado o problema seus efeitos eram neutrali4ados) me resignei a viver o terror do pesadelo) quando ouvi a uma vo4 di4er: LDente o caminho dos ensonhos. $o virar'me encontrei a Esperan4a parada sob a ramada) cuidando de um fogo acendido sobre uma plataforma elevada) feita de varas e revestida de barro) e sob cu:a lu4 ela se mostrava estranha e distante) separada de mim por uma distUncia em nada relacionada com o espa7o. LN8o tenha medo L ordenou) e depois em vo4 mais baixa L) todos compartilhamos nossos ensonhos) mas agora n8o est" ensonhando L declara78o que precisou repetir ao ver a d;vida estampada em meu rosto. &heguei mais perto dela. N8o s. sua vo4 havia perdido seu toque familiar) assim como ela mesma parecia diferente. -e onde eu me encontrava era Esperan4a) apesar do qual se parecia com 6uleica. $o me aproximar mais comprovei que era 6uleica) :ovem) forte e linda) com n8o mais de quarenta anos. 3eu rosto ovalado tinha por marco cabelos negros e ondulados) que come7avam a ficar grisalhos) com um semblante p"lido e coroado por olhos escuros e ;midos) bem separados um do outro) e seu olhar abstra2do) enigm"tico e muito puro. 3eu l"bio superior) muito fino) insinuava severidade) enquanto o inferior) quase voluptuoso) falava de do7ura e tamb1m de paix8o. /ascinada pela mudan7a operada nela n8o pude tirar os olhos de cima dela) e conclu2 que) sem d;vida) ensonhava. 3eu riso revelou que havia lido meus pensamentos. Pegou minha m8o e me falou com do7ura: LN8o est" ensonhando) querida. Este 1 meu verdadeiro eu. 3ou sua mestra de ensonhos) sou 6uleica. Esperan4a 1 meu outro eu. Bs feiticeiros o chamam o corpo energ1tico ou o corpo de ensonhos. (eu cora78o batia com uma viol9ncia tal que me do2a o peito) e a ansiedade e a agita78o por pouco me afogaram. Dentei retirar minha m8o) que ela retinha com tal firme4a que n8o pude quebrar. /echei os olhos com for7a) pois mais que nada n8o dese:ava v9'la ao abri'los novamente mas) 1 claro) ali estava) com os l"bios abertos num radiante sorriso. /echei de novo os olhos e saltei socando o ar como se tivesse ficado louca) e com minha m8o livre me esbofeteei repetidas ve4es at1 causar'me intensa dor. -e nada serviu< n8o conseguia despertar. &ada ve4 que abria os olhos foi para me ver de frente a ela. L(e parece que :" teve o bastante L disse rindo) quando lhe ordenei que me golpeasse) e apesar disso me obedeceu) administrando'me dois fortes golpes na parte superior de meus bra7os com seu bast8o. L-e nada serve) querida L disse com uma vo4 que soava cansada< suspirou fundo e soltou minha m8o. LN8o est" ensonhando) e eu sou 6uleica) mas quando ensonho sou Esperan4a e algo mais tamb1m) mas melhor deixarmos isso para outra oportunidade. Eu queria di4er algo) n8o importava o que) mas n8o podia falar. (inha l2ngua estava paralisada) e s. emiti um lamento mirrado. Procurei relaxar'me mediante certo modo de respirar aprendido numa aula de Voga. (eus esfor7os lhe causaram gra7a) e sua risada surtiu o efeito de acalmar'me) tal era seu calor e a confian7a que irradiava. Instantaneamente meu corpo se relaxou. L?oc9 1 uma espreitadora) e por direito pertence = /lorinda L disse) e sua vo4 n8o admitia discuss8o ou contradi78o. LDamb1m 1 sonUmbula e uma grande ensonhadora natural) e em virtude disso tamb1m pertence a mim. 5ostaria de ter rido e di4er'lhe que estava completamente louca) por1m outro aspecto meu estava em completo acordo com sua declara78o. L&omo quer que eu lhe chame@ L perguntei. L&omo quero que me chame@ L repetiu) olhando'me como se a pergunta fosse absurda. LEu sou 6uleica. B que acha que 1 isto@ Am :ogo@ $qui n8o nos dedicamos aos :ogos. 3urpreendida por sua veem9ncia) apenas me ocorreu murmurar que n8o havia pensado que fosse um :ogo. LNuando ensonho sou Esperan4a L continuou. Ela parecia s1ria) mas ao mesmo tempo radiante) a vo4 incisiva e intensa. LNuando n8o ensonho sou 6uleica) mas ser Esperan4a) 6uleica ou qualquer outra n8o di4 respeito a voc9. 3igo sendo sua mestra de ensonhos. 3. pude assentir com um desva2do movimento de cabe7a. $inda se tivesse tido algo para di4er n8o teria podido fa49'lo. 3enti que um suor frio me escorria pelo corpo) minhas entranhas se afrouxaram e minha bexiga estava a ponto de estourar. Nueria

ir ao banheiro para aliviar'me e vomitar. N8o pude resistir< era quest8o de me emporcalhar ali mesmo ou correr ao toalete. Por sorte reuni a suficiente energia para optar pelo ;ltimo. $ risada :uvenil de 6uleica me acompanhou por todo o tra:eto. Nuando voltei me convidou a sentar'me :unto a ela em um banco de madeira. Bbedeci automaticamente) sentando'me na borda e pregando minhas m8os nervosas sobre os :oelhos. Em seus olhos se refletia uma dure4a que) mitigada pela bondade) me levou = certe4a de que era) antes de tudo) um expoente de disciplina interna. 3eu implac"vel autocontrole havia estampado todo seu ser com um atrativo selo ao mesmo tempo fugidio e esot1rico) mas n8o o esoterismo de comportamento oculto e furtivo) mas sim o do misterioso e desconhecido) e por tal ra48o) cada ve4 que a via) a seguia como um cachorro segue a seu dono. LJo:e voc9 experimentou duas transi7Ces L explicou. LAma) do estado de estar normalmente desperta ao de ensonhar desperta) e a outra de ensonhar desperta a estar normalmente desperta. $ primeira foi suave e quase impercept2vel) a segunda um pesadelo. Isso 1 normal) e todos a experimentamos dessa maneira. &onsegui dar um sorriso for7ado. L(as ainda n8o sei o que foi que fi4. N8o guardo mem.ria de meus passos. $s coisas me acontecem) e me encontro em meio de um ensonho sem saber como cheguei ali. LB normal 1 come7ar a ensonhar dormindo numa rede ou algum utens2lio similar) pendurado em alguma viga) ou em uma "rvore. $ssim suspendidos n8o temos contato com o ch8o. B s.lo nos captura) n8o esque7a disso. 3uspendido assim) um ensonhador novato aprende como a energia muda de estar desperto a ensonhar) e de ensonhar um ensonho a ensonhar desperto. Dudo isto) como :" lhe disse /lorinda) 1 quest8o de energia. $ssim que a tem) voc9 voa. $gora seu problema ser" se conseguir" arma4enar suficiente energia por voc9 mesma) pois os feiticeiros :" n8o poder8o emprest"'la L e 6uleica elevou suas sobrancelhas exageradamente antes de agregar: L?eremos. Eu tratarei de relembrar'lhe isso na pr.xima ve4 em que n.s compartilharmos nossos ensonhos L e riu como uma crian7a ao observar o desconcerto que refletia meu rosto. L&omo fa4emos para compartilhar nossos ensonhos@ L perguntei) buscando a resposta nesses olhos incompar"veis) escuros e brilhantes) cu:as pupilas irradiavam uma intensa lu4. Em lugar de responder 6uleica adicionou um par de lenhas ao fogo que) ao reavivar'se) intensificou a lu4 circundante. Por um instante permaneceu im.vel) com os olhos fixos nas chamas) como recolhendo a lu4) e depois de dirigir'me um breve e pungente olhar) sentou'se em c.coras e envolveu seus :oelhos com seus fortes e musculosos bra7os) e contemplando a escurid8o) atenta ao crepitar do fogo) come7ou a balan7ar'se de lado a lado. L&omo compartilhamos nossos ensonhos@ L repeti. 6uleica deteve seu movimento oscilante) sacudiu a cabe7a) e depois levantou a vista) surpreendida) como se acabasse de acordar. LPor agora me 1 imposs2vel explicar isso. B ensonhar 1 incompreens2vel. Dem que viv9'lo) n8o discuti'lo) assim como no mundo di"rio) onde antes de explicar ou analisar algo tem que t9'lo experimentado. L disse isto de maneira lenta e deliberada) admitindo a importUncia de explicar os passos = medida que se davam. L&ontudo) as explica7Ces s8o =s ve4es prematuras) e este 1 um desses casos. $lgum dia ver" o sentido de tudo isto L concluiu) ao notar o desencanto que transmitia meu rosto. &om um movimento r"pido ficou de p1 e voltou = contempla78o do fogo) como se seus olhos necessitassem nutrir'se de sua lu4. 3ua sombra pro:etada pelas chamas se fe4 enorme contra o teto e a parede da ramada) e sem sequer se despedir) recolheu suas amplas saias e buscou o ref;gio da casa. Incapa4 de mover'me) fiquei pregada ao ch8o) apenas respirando = medida que o ressoar de suas sand"lias se afastava. LN8o me deixeP L gritei aterrada L) h" coisas que preciso saber. 6uleica reapareceu de imediato. LB que precisa saber@ L perguntou em tom distra2do. L3into muito L me desculpei L) n8o foi minha inten78o gritar. $chei que havia entrado em um dos quartos L e meu olhar implorante esperou conseguir dela a alme:ada explica78o. N8o explicou nada) limitando'se a repetir sua pergunta. Perguntei a primeira coisa que me ocorreu: L/alar" de novo comigo quando eu voltar a lhe ver@ L temerosa de que se n8o falasse ela tornaria a desaparecer. LNuando te ver de novo n8o estaremos no mesmo mundo de antes L respondeu. LNuem sabe o que faremos l"@ L(as a pouco L insisti L voc9 me disse que 1 minha mestra de ensonhos. N8o me deixe no escuro. Explique'me as coisas. N8o aguento mais este tormento< estou partida em dois. L$ssim 1 L concordou. LPor certo est" dividida L e me olhou com infinita bondade L) mas isso se deve a que n8o abandona seus velhos h"bitos. T uma boa ensonhadora. B c1rebro dos sonUmbulos possui um potencial formid"vel< isso 1S se voc9 se decide a cultivar seu car"ter. $penas escutei o que di4ia. Dentei em v8o por em ordem meus pensamentos. Ama sucess8o de imagens de acontecimentos n8o bem recordados desfilou por minha mente com incr2vel rapide4) mas minha vontade n8o conseguia controlar sua ordem nem sua nature4a. -epois estas imagens se transformaram em sensa7Ces) as quais) n8o obstante sua precis8o) recusavam definir'se) recusavam transformar'se em palavras ou nem sequer em pensamentos. Bbviamente consciente de minha incapacidade) o rosto de 6uleica se iluminou com um sorriso. LDodos) e a todo o momento) temos a:udado ao nagual (ariano $ureliano a empurrar voc9 = segunda aten78o. $li encontramos continuidade e fluide4) assim como na vida di"ria. Em ambos estados domina o pr"tico) e atuamos eficientemente neles. No entanto) o que n8o podemos conseguir na segunda aten78o 1 esmiu7ar nossa experi9ncia para mane:"'la) nos sentirmos seguros e entend9'la. Enquanto falava eu pensava comigo: Est" perdendo seu tempo di4endo'me tudo istoS N8o sabe por acaso que sou por demais est;pida para entender suas explica7Ces@) mas ela continuou falando) sorrindo) obviamente sabendo que se eu admitisse n8o ser muito esperta) isso equivaleria a tamb1m admitir que em algo eu havia mudado< caso contr"rio) n8o me concederia tal fato nem a mim mesma.

LNa segunda aten78o L continuou L ou como eu prefiro cham"'la) quando ensonhamos despertos) a pessoa deve crer que o ensonho 1 t8o verdadeiro como no mundo real. Em outras palavras) devemos aceder. Para os feiticeiros todo neg.cio mundano ou extramundano est" regido por seus atos irretoc"veis) e detr"s de todo ato irretoc"vel est" o aceder) que n8o 1 aceita78o passiva. B aceder inclui um elemento dinUmico: inclui a78o L e sua vo4 se fe4 suave) e havia em seus olhos um brilho febril quando terminou di4endo: LNo momento em que come7amos a ensonhar desperto se nos abre um mundo de incitantes e inexploradas possibilidades) onde a ;ltima aud"cia se converte em realidade) onde se espera o inesperado. Esse 1 o momento em que come7a a aventura definitiva do homem) e o universo se converte em um lugar de possibilidades e maravilhas ilimitadas. 3eguiu'se a isto um longo sil9ncio) durante o qual 6uleica pareceu estar ponderando suas pr.ximas palavras. L&om a a:uda do nagual (ariano $ureliano voc9 chegou a contemplar o resplendor dos surem L come7ou) com vo4 suave e s1ria L) essas criaturas m"gicas) que existem somente nas lendas dos 2ndios) e que os feiticeiros podem ver unicamente quando ensonham despertos ao n2vel mais profundo. 38o seres de outro mundo) que brilham como seres humanos fosforescentes. Em continua78o me deu um boa'noite e entrou na casa) e ap.s um momento de desconcerto corri atr"s dela) mas antes de alcan7ar o umbral ouvi a vo4 de /lorinda di4endo: LN8o a sigaP $ presen7a de /lorinda me foi t8o inesperada que precisei apoiar'me contra a parede at1 que as batidas de meu cora78o se normali4assem. L?em) fa7a'me companhia L sugeriu. Estava sentada no banco) alimentando o fogo) e a lu4 esquiva de seus olhos e a brancura fantasmal de seus cabelos eram mais uma mem.ria que uma vis8o. -eitei'me sobre o banco como se fosse o mais natural) e coloquei minha cabe7a em sua saia. LNunca siga a 6uleica ou a nenhum de n.s) a menos que se te pe7a que o fa7a L advertiu /lorinda) penteando meus cabelos com seus dedos. L&omo voc9 sabe muito bem) 6uleica n8o 1 o que parece ser. 3empre 1 mais) muito mais que isso. Nunca trate de defini'la) pois quando achar ter esgotado todas as possibilidades) te far" em peda7os ao ser mais do que voc9 pode imaginar em suas mais delirantes fantasias. LEu sei L respondi) acompanhando minhas palavras com um suspiro de al2vio. 3entia que a tens8o abandonava meu rosto e tamb1m meu corpo. L6uleica 1 um surem das montanhas do Bacatete L disse com absoluta convic78o L) fa4 tempo que conhe7o a exist9ncia dessas criaturas L e ao notar a surpresa no rosto de /lorinda me encora:ei. L6uleica n8o nasceu como qualquer ser humano. Ela foi esta'elecida) foi criada. T a pr.pria encarna78o da feiti7aria. LN8oS L e a contradi78o de /lorinda foi enf"tica. L6uleica nasceu) mas Esperan4a n8o. Pense neste enigma. L&reio compreender L murmurei L) mas sou muito insens2vel e n8o posso formular o que entendo. L?ai indo por um bom caminho L comentou risonha. L3endo como 1) normalmente insens2vel) deve esperar a estar bem desperta) cem por cento desperta) para poder entender. Neste momento s. alcan7a os cinquenta por cento. B segredo est" em permanecer em estado de consci9ncia acrescentada) onde nada nos 1 imposs2vel compreender L e ao adivinhar minha inten78o de interromp9'la) cobriu minha boca com sua m8o. LN8o pense nisso agora. *embre'se sempre que 1 compulsiva) ainda que em estado de consci9ncia acrescentada) e que seus pensamentos n8o s8o profundos. Buvi que algo se movia nas sombras que os arbustos pro:etavam) e levantando'me exigi que) quem quer que fosse) se identificasse. (e responderam risos femininos. LN8o pode v9'las L anunciou /lorinda. LE por que se escondem de mim@ LN8o se escondem de ti L explicou /lorinda com um sorriso. LT s. que voc9 n8o pode v9'las sem a a:uda do nagual (ariano $ureliano. N8o soube o que di4er. Por um lado) as palavras de /lorinda tinham sentido) apesar ao qual me encontrei meneando a cabe7a num gesto negativo. LPode me a:udar a v9'las@ L(as seus olhos est8o cansados L ob:etou /lorinda L) cansados de ver em excesso. Precisa dormir. -eliberadamente mantive os olhos bem abertos) temerosa de perder o que emergisse dos arbustos assim que eu diminu2sse minha aten78o) e fiquei olhando as sombras e os arbustos sem poder determinar qual era qual) at1 cair num sono profundo. 1A032ULO DE9OI2O B cuidador se encontrava cochilando sobre seu banco favorito = sombra do sapoti. 3ua atividade se havia redu4ido a isso nos ;ltimos dois dias. ," n8o varria os p"tios nem recolhia as folhas< em troca dedicava horas a dormitar ou contemplar os arredores) como se tivesse um secreto entendimento com algo que s. ele podia ver. Dudo havia mudado na casa) e de maneira incessante me perguntava se n8o tinha sido um erro de minha parte ter vindo visit"'los. &omo de costume me sentia culpada e na defensiva) e dedicava meu tempo a dormir durante horas. N8o obstante) quando estava desperta) me perturbava comprovar que :" nada era igual) e percorria a casa sem um prop.sito fixo. (as tudo era in;til. $lgo parecia ter fugido dessa casa. Am prolongado e sonoro suspiro do cuidador interrompeu minhas reflexCes) e :" incapa4 de conter durante mais tempo minha ansiedade) deixei o livro que lia) fiquei de p1 e) aproximando'me) o convidei a recolher e queimar folhas. (inha pergunta pareceu sobressalt"'lo) mas n8o respondeu a ela. Era imposs2vel captar a express8o de seus olhos devido aos .culos escuros que usava) e n8o soube se permanecia ali = espera de sua resposta ou se me afastava) e temendo que tornasse a dormir) liberei minha impaci9ncia para perguntar'lhe se existia uma ra48o para ter abandonado a coleta e a queima das folhas. -esviou minha pergunta com uma pr.pria. LDem visto ou escutado cair uma folha nestes ;ltimos dois dias@ L e tirando as lentes escuras me perfurou com o olhar. 3eu porte e a severidade com que me falou) antes que as palavras em si) que considerei rid2culas) me moveram a dar'lhe uma resposta negativa. &onvidou'me a compartilhar seu banco) e aproximando'se me sussurrou no ouvido:

LEstas "rvores sabem exatamente quando devem desprender'se de suas folhasS L olhou ao redor como se temesse ser escutado) e em seguida acrescentou: LE sabem que agora n8o 1 necess"rio. L$s folhas secam e caem) apesar de tudo L anunciei pomposamente. LT uma lei da nature4a. LEstas "rvores s8o muito caprichosas L manteve) teimoso L) t9m mente pr.pria) n8o respeitam as leis da nature4a. LE o que 1 que as levou a n8o descartar suas folhas@ LEssa 1 uma boa pergunta L sussurrou) co7ando sua barbinha em atitude pensativa. L*amento ainda n8o conhecer a resposta< as "rvores n8o me disseram pois) como :" te falei) estas s8o "rvores temperamentais L e antes que eu pudesse responder me surpreendeu com algo totalmente inesperado: L," preparou sua comida@ $ abrupta mudan7a de tema me desorientou. $dmiti ter'me preparado o almo7o) depois do qual se apoderou de mim um humor quase desafiante) que me fe4 di4er: LN8o 1 que a comida me interesse tanto. Estou acostumada a comer o mesmo) dia ap.s dia) e se n8o fosse que o chocolate e as no4es me produ4issem espinhas na cara) viveria sempre dissoS L depois abandonei toda precau78o) e comecei a queixar'me. -isse ao cuidador que dese:ava que as mulheres me falassem. L$preciaria de que me mantivessem a par do que est" acontecendo) pois a ansiedade est" me matando L e ao descarregar'me me senti melhor) muito aliviada. LT verdade que se v8o para sempre@ L," partiram para sempre L informou o cuidador) que ao ver minha express8o desconcertada) acrescentou: L (as voc9 :" sabia) n8o 1@ Est" falando s. para puxar conversa) n8o 1 verdade@ $ntes que eu conseguisse me refa4er do choque) perguntou num tom de aut9ntica perplexidade: LPor que isso te afeta@ L e respondeu a si mesmo ap.s uma pausa: L," seiP ," o tenhoP Est" furiosa porque levaram a Isidoro Balta4ar com eles. L -eu'me um tapa nas costas como para enfati4ar cada palavra) seu olhar me di4ia que pouco lhe importava que eu desembocasse em l"grimas ou em um de meus ataques de raiva. 3aber que carecia de p;blico me serenou de imediato o Unimo. LIsso eu n8o sabia L murmurei L) :uro que n8o o sabia. L 3enti meu rosto exausto) dor nos :oelhos e uma tremenda opress8o no peito) e sentindo'me pr.xima de desmaiar) aferrei ambas as m8os ao banco. $s palavras do cuidador me chegaram de muito longe: LNingu1m sabe se regressar") nem sequer eu. (inha impress8o pessoal 1 que se foi com eles temporariamente) mas voltar") se n8o logo) ent8o algum dia. Essa 1 minha opini8o. Dentei descobrir em seus olhos algum sinal de fingimento) mas seu rosto irradiava bondade e honestidade) e seus olhos brilhavam sinceros como os de uma crian7a. LN8o obstante L advertiu o cuidador L) quando regressar) :" n8o ser" Isidoro Balta4ar) o Isidoro Balta4ar que voc9 conheceu. Esse se foi) e sabe o que 1 o mais triste@ L e de novo) ap.s uma pausa) respondeu sua pr.pria pergunta. L?oc9 o aceitou como algo t8o natural que nem sequer lhe agradeceu por seus cuidados) sua a:uda e seu afeto por voc9. Nossa grande trag1dia 1 a de ser bufCes) indiferentes a tudo salvo nossa bufonaria. Eu me sentia oprimida demais at1 para emitir palavra. &om um de seus usuais movimentos abruptos) o cuidador ficou de p1 e caminhou em dire78o ao caminho que condu4ia = outra casa. -iria'se que era como se estivesse envergonhado demais para permanecer comigo. LN8o pode me deixar aqui) so4inhaP L gritei'lhe. ?irou'se para me fa4er sinais com a m8o) e depois come7ou a rir) com uma risada alegre que ressoava no chaparral. $gitou sua m8o pela ;ltima ve4) e depois desapareceu como se os arbustos o tivessem tragado. Incapa4 de segui'lo) aguardei seu regresso) ou uma de suas s;bitas apari7Ces para assustar'me. ," estava me preparando para tal susto) intu2do em meu corpo) mais que antecipado mentalmente. &omo :" havia acontecido anteriormente) n8o vi nem escutei a Esperan4a aproximar'se) ainda que tenha percebido sua presen7a. Eu me virei) e ali estava) sentada no banco sob o sapoti) e o simples fato de v9'la me encheu de alegria. LPensei que nunca te veria de novo L suspirei. LNuase me havia resignado a isso. Pensei que havia partido. L3anto -eusP L comentou com um toque :ocoso. L?oc9 1 na verdade 6uleica@ LNem sonhe isso. 3ou Esperan4a. E voc9) o que fa4@ Est" se pondo maluca) fa4endo perguntas =s quais ningu1m pode responder@ ,amais em minha vida estive t8o perto de um colapso total como nesse momento. 3enti que minha mente n8o aguentaria tanta press8o) e que minha ang;stia e minha inquieta78o me destruiriam. L/or7a) garota L ordenou Esperan4a com dure4a L) ainda falta o pior) mas n8o podemos ter piedade contigo. Parar a press8o porque est" por vir abaixo n8o 1 coisa de feiticeiros. 3eu desafio 1 o de ser posta = prova ho:e. Bu vive ou morre) e n8o o digo metaforicamente. L," n8o verei mais a Isidoro Balta4ar@ L perguntei atrav1s das l"grimas que me tornavam dif2cil o falar. LN8o posso mentir para lhe evitar a dor. N8o) nunca regressar". Isidoro Balta4ar 1 s. um momento de feiti7aria. Am ensonho que passou depois de ser ensonhado. Isidoro Balta4ar) assim como o ensonho) :" se dissipou. Am leve sorriso) quase nost"lgico) curvou seus l"bios. LB que ainda n8o sei 1 se este homem) o novo nagual) tamb1m se foi definitivamente. *ogicamente voc9 entende que) mesmo se ele voltar) n8o ser" Isidoro Balta4ar. 3er" outra pessoa) que voc9 ter" que conhecer de novo. L3er" um desconhecido para mim@ L perguntei n8o muito segura de querer sab9'lo. LN8o o sei) filha L respondeu com o desUnimo pr.prio da incerte4a. L3inceramente n8o o sei. Eu mesma sou um ensonho) como tamb1m o 1 o novo nagual. Ensonhos como n.s t9m a marca de n8o ser permanentes) pois 1 nossa imperman9ncia o que nos permite existir. Nada nos ret1m exceto o ensonho. &egada por minhas l"grimas me era quase imposs2vel v9'la. LPara aliviar sua pena afunde-se em si mesma L aconselhou. L3ente'se com os :oelhos elevados) tomando seus torno4elos com os bra7os cru4ados: o torno4elo direito com a m8o esquerda. -escansa sua cabe7a sobre os :oelhos e deixe que a pena se v". -eixe que a terra te acalme) que sua for7a curativa venha a ti.

3entei'me no ch8o da maneira aconselhada) e num curto tempo minha triste4a havia se dissipado) substitu2da por uma sensa78o corporal de bem'estar. Perdi a no78o de mim mesma) salvo em rela78o com o momento que estava vivendo. -esprovida de minha mem.ria sub:etiva a dor n8o existia. &om a m8o) Esperan4a assinalou o lugar :unto a ela no banco) e assim que o ocupei) ela pegou minha m8o para esfreg"' la um momento) como se a estivesse massageando. -epois comentou que por ser uma m8o t8o ossuda at1 que tinha bastante carne. ?irou a palma para cima e a estudou com deten78o) para terminar) sem di4er uma palavra) fechando'a num punho. Permanecemos um longo per2odo em sil9ncio. &a2a a tarde) e nada se escutava) al1m do r2tmico som das folhas agitadas pelo vento. Bbservando'a) se apoderou de mim uma estranha certe4a: sabia que Esperan4a e eu hav2amos falado muito a respeito de minha vinda = casa e da partida dos feiticeiros. LB que est" acontecendo comigo) Esperan4a@ Estou ensonhando@ LBomS L rebateu) e com olhos chispantes me recomendou submeter o ensonho a uma prova. L3ente'se no ch8o e comprove'o. $ssim fi4) mas a ;nica coisa que senti foi o frio da rocha sobre a qual me sentei. LN8o estou ensonhando L assegurei L em tal caso) por que sinto que :" falamos disso@ L e estudei seu rosto a procura de algum ind2cio que resolvesse meu dilema. LEsta 1 a primeira ve4 que te ve:o desde minha chegada) mas sinto que temos estado :untas todos os dias L disse) mais para consumo pr.prio que para ser escutada por Esperan4a. L," s8o sete dias. L(uito mais que isso L respondeu L) mas 1 algo que precisa resolver so4inha) com um m2nimo de a:uda. (anifestei meu acordo. Era muito o qu9 queria perguntar) mas sabia e aceitava que falar seria in;til. 3abia) sem saber como o sabia) que :" hav2amos tocado em todos esses temas) e que me encontrava saturada de respostas. Esperan4a me observou pensativa e duvidosa. -epois) muito lentamente) enunciando suas palavras com cuidado) disse: L-evo advertir'lhe que a consci9ncia que tenha adquirido) n8o importa qu8o profunda e permanente te possa parecer a ti) 1 s. tempor"ria) e logo regressar" =s suas bobagens. Essa 1 a sina de n.s) mulheres: ser singularmente dif2ceis. L$cho que est" equivocada L protestei. LN8o me conhece em absoluto. LT precisamente porque te conhe7o que digo isto L e ap.s uma pausa acrescentou com vo4 "spera e s1ria: L$s mulheres s8o muito astutas. *embre'se que) ao ser criadas para ser serventes) elas se tornam extremamente furtivas e astutas L e seu riso explosivo apagou qualquer dese:o meu de protestar. B melhor que pode fa4er 1 n8o di4er nadaS L disse) e tomando minha m8o me a:udou a pKr de p1) e sugeriu entrar na casa pequena para termos uma longa e muito necess"ria conversa. N8o entramos na casa) e sim nos sentamos em um banco :unto = porta principal. /icamos ali em sil9ncio quase uma hora) depois do qual Esperan4a virou'se para mim. Parecia n8o ver'me) e cheguei a perguntar'me se n8o haveria esquecido que eu tinha vindo com ela) e que me encontrava sentada ao seu lado. 3em reparar em minha exist9ncia) ficou de p1 para afastar'se uns passos) olhar a outra casa) e depois de um longo per2odo di4er: L?ou te levar longe. N8o poderia di4er se foi a esperan7a) a excita78o ou o temor o que me provocou uma estranha sensa78o desagrad"vel na boca do estKmago. 3abia que ela n8o se referia = distUncia em termos de milhas) e sim aludindo a outros mundos. LN8o me importa se 1 longe onde vamos L disse) bravata que estava longe de sentir. -esesperadamente dese:ava saber) mas n8o me animava a perguntar qual seria o destino final de nossa viagem. Esperan4a sorriu e abriu bem os bra7os) como para abra7ar o sol poente que morria num decl2nio em meio a um inc9ndio. $s montanhas distantes eram de um p;rpura escuro) e uma leve brisa se infiltrava por entre as "rvores fa4endo mexer as folhas. 3eguiu uma hora silenciosa e depois tudo se deteve quando o encanto do crep;sculo imobili4ou o mundo ao redor. &essaram todos os sons e cada movimento) e os contornos dos arbustos) das "rvores e das serras se viam definidos de maneira t8o precisa que se diria que haviam sido recortados contra o c1u. (e aproximei de Esperan4a a medida que as sombras nos rodeavam) e o c1u se desvanecia. $ vis8o da outra casa) silenciosa) com suas lu4es brilhando como vaga'lumes na escurid8o) evocou em mim uma profunda emo78o sepultada em meu interior) e n8o ligada a nenhuma viv9ncia de momento) e sim a uma vaga) triste e nost"lgica lembran7a :uvenil. -evo ter estado profundamente imersa em meus pensamentos) pois de repente me encontrei caminhando :unto a Esperan4a. (eu cansa7o e anterior ansiedade haviam desaparecido) e cheia de uma nebulosa sensa78o de vigor) marchava em uma esp1cie de 9xtase e de felicidade silenciosa) meus p1s impulsionados por algo superior = minha vontade. Nosso caminho terminou abruptamente. B terreno era uma ladeira) e as "rvores se estendiam bem alto sobre nossas cabe7as. 5randes rochas estavam esparramadas aqui e ali) e de longe chegava o som de "guas que corriam) som parecido a um suave e reconfortante canto. &om um suspiro) repentinamente fatigada) recostei'me contra uma das rochas e dese:ei que este fosse o final de nossa viagem. LN8o chegamos ainda ao nosso destinoP L gritou Esperan4a) que :") movendo'se com a agilidade de uma cabra) havia escalado a metade de um tra:eto rochoso. N8o me esperou) nem sequer voltou seu olhar para constatar se eu a seguia. (eu curto descanso me havia despo:ado de minha ;ltima fortale4a) e apenas pude segui'la com dificuldade) a respira78o entrecortada) resvalando entre as pedras. Na metade do caminho a trilha continuava contornando uma pedra enorme) e a vegeta78o seca e quebradi7a cedeu lugar a plantas frondosas) escuras na prematura lu4 crepuscular. Damb1m mudou o ar) agora ;mido e para mim mais respir"vel. Esperan4a se movia com seguran7a pela estreita trilha cheia de sombras) sil9ncios e sussurros. &onhecia os sons misteriosos da noite) e identificou em vo4 forte cada um de seus gritos) chamados) coaxares e assobios. Ans degraus cortados na rocha) que condu4iam a um oculto mont2culo de pedras) interromperam nosso caminho. L!ecolha uma e guarde'a em seu bolso L ordenou. _ primeira vista todas as pedras pareciam iguais) lisas como as de um c.rrego) por1m uma inspe78o mais detalhada revelava suas diferen7as. $lgumas eram t8o lisas e brilhantes que pareciam ter sido lustradas. (e tomou tempo escolher uma de meu gosto< pesada) mas que encaixava com perfei78o na palma de minha m8o< de uma cor marrom claro) forma de cunha e entrecru4ada por veias leitosas quase transl;cidas. Am ru2do me sobressaltou e quase soltei a pedra. L$lgu1m nos segue L adverti em vo4 baixa.

LNingu1m est" nos seguindoP L respondeu Esperan4a) entre incr1dula e divertida) e riu ao ver que me refugiava atr"s de uma "rvore. LPossivelmente se:a um sapo saltando entre o matagal. Deria querido di4er'lhe que os sapos n8o saltam na escurid8o) mas n8o estava muito certa disso) e me surpreendeu n8o t9' lo dito espontaneamente) e com absoluta certe4a) como era habitual em mim. L$lgo anda mal em mim) Esperan4a L disse) alarmada. LN8o sou a de sempre. LNada anda mal) querida L me assegurou. LNa verdade 1 mais voc9 mesma que nunca. L(e sinto estranhaS L e minha vo4 se perdeu. Pela primeira ve4 desde minha chegada = casa das bruxas come7ava a perceber uma configura78o reconhec2vel no que estava me acontecendo. LT muito dif2cil ensinar algo t8o insubstancial como ensonhar L disse Esperan4a. LEspecialmente =s mulheres) que somos t8o preparadas e esquivas. $l1m do mais) temos sido escravas toda a vida) e sabemos manipular muito bem as coisas quando n8o queremos que nada transtorne aquilo pelo qual tanto temos trabalhado: nosso status quo. LNuer di4er que os homens n8o fa4em o mesmo@ LEles o fa4em) contudo s8o mais abertos. $s mulheres lutam com subterf;gios. 3ua t1cnica preferida 1 a manobra do escravo: desconectar a mente. Escutam sem prestar aten78o) e olham sem ver. L $crescentou que ensinar = mulher era tarefa digna de elogios. LN.s gostamos da franque4a de sua forma de lutar) e temos muitas esperan7as em ti. B que mais tememos 1 = mulher agrad"vel) que n8o se opCe ao novo e fa4 tudo o que lhe pedem) para depois se recriminar assim que se aborrece da novidade. L$cho que come7o a compreender L respondi) um tanto insegura. L(as 1 claro que come7ou a compreenderP L e sua seguran7a era t8o comicamente triunfalista que provocou risos em mim. LInclusive come7ou a entender o que 1 o intento. LNuer di4er que come7o a ser uma feiticeira@ L perguntei) e todo meu corpo se sacudiu quando tratei de evitar o riso. L-esde sua chegada tem estado) por momentos) ensonhando desperta. T por isso que voc9 dorme com tanta facilidade L e apesar de sorrir n8o havia em seu rosto sinal algum de ironia ou condescend9ncia. &aminhamos um tempo em sil9ncio) e depois ela disse que a diferen7a entre um feiticeiro e uma pessoa comum era que o feiticeiro podia voluntariamente entrar num estado de ensonhar desperto. Docou meu bra7o repetidas ve4es) como para enfati4ar suas palavras) e ent8o acrescentou num tom confidencial: LE ensonha desperta porque) para a:udar'lhe a agu7ar sua energia) criamos uma bolha em torno de ti desde a primeira noite que chegou aqui. $crescentou que desde que me conheceram me haviam dado o sobrenome de fosforita. L?oc9 se queima r"pido demais e de forma desnecess"ria. L &om um gesto me ordenou tranquili4ar'me) e opinou que eu n8o sabia enfocar minha energia. L?oc9 a desdobra para proteger e apoiar a id1ia de ti mesma. L de novo seu gesto ordenou sil9ncio) e disse que o que pensamos ser nosso eu pessoal 1 na realidade s. uma id1ia) e manteve que a maior parte de nossa energia se consumia defendendo essa id1ia. $s sobrancelhas de Esperan4a se elevaram um pouco quando sorriu e disse: LB chegar a um ponto de abandono onde o eu 1 t8o somente uma id1ia que pode ser mudada = vontade) 1 um verdadeiro ato de feiti7aria) o mais dif2cil de todos. Nuando se afasta a id1ia de eu) os feiticeiros t9m a energia para alinhar'se com o intento) e ser mais do que acreditamos constituir o normal. L$s mulheres) por possuir um ;tero) podem enfocar sua aten78o com grande facilidade em algo fora de seus ensonhos enquanto ensonham. Isso 1 precisamente o que voc9 vem fa4endo todo este tempo sem sab9'lo. Esse ob:eto se converte em uma ponte que te conecta com o intento. LE qual ob:eto eu uso@ &aptei um toque de impaci9ncia em seus olhos. -epois disse que usualmente era uma :anela) uma lu4 ou ainda uma cama. LT t8o destra nisso que o consegue naturalmente L assegurou. LPor isso tem pesadelos. Dudo isso eu lhe disse estando voc9 num profundo estado de ensonhar desperta) e voc9 entendeu que) sempre e quando recuse enfocar sua aten78o em qualquer ob:eto antes de adormecer) conseguir" evitar os pesadelos. Est" curada) n8o 1 mesmo@ T claro que minha rea78o inicial foi contradi49'la) mas depois de pensar um segundo n8o pude fa4er menos que estar de acordo. $p.s conhecer a esta gente em 3onora havia ficado relativamente livre de pesadelos. LNunca estar" verdadeiramente livre se persistir em ser a mesma de sempre L declarou. LT .bvio que o que deveria fa4er 1 explorar seus talentos para ensonhar de maneira deliberada e inteligente. Para isso est" aqui) e a primeira li78o 1 que a mulher deve) atrav1s de seu ;tero) enfocar sua aten78o sobre um ob:eto. N8o um ob:eto de ensonho em si) e sim um ob:eto independente) pertencente ao mundo anterior ao ensonho. L&ontudo L complementou L) n8o 1 o ob:eto o que importa) e sim o ato deliberado de enfoc"'lo = vontade) antes e durante o ensonho. L $dvertiu'me que apesar de parecer simples) tratava'se de uma tarefa formid"vel) que poderia levar'me anos para domin"'la. LB que normalmente acontece 1 que a pessoa desperta no instante em que enfoca sua aten78o num ob:eto externo. LB que significa usar o ;tero@ L perguntei. LE como se consegue@ L?oc9 1 mulher) e sabe sentir com o seu. -ese:ava contradi49'la) di4er'lhe que n8o tinha a mais remota id1ia) mas antes que pudesse fa49'lo) ela explicou que na mulher o sentir emana do ;tero. LNo homem se origina no c1rebro L e depois de dar'me um suave golpe no estKmago me recomendou pensar sobre isto. L$ mulher 1 desapiedada exceto com sua prole) pois seus sentimentos v9m do ;tero. Para enfocar sua aten78o atrav1s do ;tero coloque um ob:eto sobre seu estKmago) ou esfregue'o com seu .rg8o oco L e riu com gosto ao observar a express8o de meu rosto. Ent8o) entre risos) me repreendeu: LE olha que n8o fui t8o m". Podia di4er'lhe que era necess"rio untar o ob:eto com suas secre7Ces) mas n8o o fi4. Ama ve4 estabelecida uma estreita afinidade com o ob:eto L continuou) agora s1ria L) sempre estar" presente para servir'lhe como ponte.

&aminhamos um trecho em sil9ncio) ela parecendo profundamente imersa em seus pensamentos. Eu fervia por di4er algo) apesar de saber que nada tinha para di4er. Nuando Esperan4a finalmente falou) seu tom era s1rio. L," n8o lhe sobra tempo para desperdi7ar. T muito natural que devido = nossa estupide4 n.s fodemos com as coisas) e isto os feiticeiros o sabem melhor que ningu1m. (as igualmente sabem que n8o existem segundas oportunidades. -eve aprender controle e disciplina) pois :" n8o h" margem para erros. L?oc9 fodeu a si mesma) sabia@ L disse ela. LNem sequer sabia que Isidoro Balta4ar havia partido. B dique et1reo que continha a avalanche de sentimentos se desmoronou. !eapareceu minha mem.ria) e de novo me dominou a triste4a) fa4endo'se t8o intensa que nem me dei conta de ter'me sentado e estar afundando'me no ch8o como se este fosse de espon:a. Em ;ltima instUncia o s.lo me tragou. N8o resultou ser uma experi9ncia sufocante ou claustrof.bica) pois a sensa78o de estar sentada na superf2cie coexistiu com a de ser tragada pela terra) uma sensa78o dual que me fe4 gritar: Estou ensonhandoP) e este an;ncio em vo4 alta desatou algo dentro de mim) uma nova avalanche de mem.rias diferentes me invadiu. &ada noite) desde minha chegada) havia ensonhado o mesmo ensonho) o qual at1 esse momento havia esquecido. Ensonhei que todas as feiticeiras vinham ao meu quarto para instruir'me) e me di4iam uma e outra ve4 que ensonhar era a fun78o secund"ria do ;tero) sendo a primeira a reprodu78o e tudo o relativo a ela. (e disseram que ensonhar era nas mulheres uma fun78o natural) um puro corol"rio de energia. -otado de suficiente energia o corpo da mulher) por si s.) desperta as fun7Ces secund"rias do ;tero) e a mulher ensonha ensonhos inconceb2veis. N8o obstante) essa energia necess"ria se assemelha = a:uda a pa2ses subdesenvolvidos: nunca chega. $lgo na ordem geral de nossa estrutura social impede que essa energia se libere para que as mulheres possam ensonhar. 3egundo as feiticeiras) se essa energia fosse liberada de uma forma clara e tang2vel) derrubaria a ordem civili4ada das coisas. $ grande trag1dia da mulher 1 que sua consci9ncia social domina por completo a individual. $ mulher teme ser diferente) e n8o gosta de afastar'se por demais da comodidade do conhecido. $s pressCes sociais =s quais se v9em submetidas para n8o se afastar s8o simplesmente fortes demais) e ao inv1s de mudar se rendem ao estabelecido: a mulher existe para estar a servi7o do homem) e portanto n8o pode ensonhar ensonhos de feiticeiros) apesar de possuir a disposi78o orgUnica para isso. B feminismo tem destru2do as oportunidades da mulher) e quer se:a por seu apego religioso ou cient2fico) marca'as por igual com o mesmo selo: sua principal fun78o 1 reprodu4ir) e em ;ltima an"lise) pouco importa se a mulher tenha alcan7ado um n2vel de igualdade pol2tica) social ou econKmica. $s mulheres me repetiam isto cada noite) e quanto mais recordava e entendia suas palavras) maior era minha triste4a< n8o s. a t2tulo pessoal como por todas n.s) uma ra7a de seres esqui4ofr9nicos aprisionada em uma ordem social que nos amarra =s nossas pr.prias incapacidades. 3e conseguimos nos libertar) 1 somente por momentos) uma claridade ef9mera vivida antes de cair de novo) de forma involunt"ria ou deliberadamente) em um po7o de obscuridade. Escutei uma vo4 que di4ia basta com essa faxina sentimental) uma vo4 de homem que percebi ser a do cuidador) que me olhava. L&omo chegou aqui@ L perguntei) perplexa e um pouco confusa. L?oc9 estava me seguindo@ L a qual) mais que uma pergunta) era uma acusa78o. L3im) eu venho seguindo a voc9 em especial L e me presenteou com um de seus olhares maliciosos. Estudei seu rosto. N8o acreditava nele< sabia que estava brincando) apesar do qual n8o me aborrecia ou assustava essa intensa lu4 que irradiavam seus olhos. LBnde est" Esperan4a@ L perguntei ao comprovar que havia desaparecido. LBndeS@ L n8o pude superar o gague:o. $s palavras se recusavam a sair. L$nda por a2 L respondeu com um sorriso. LN8o fique aflita. Eu tamb1m sou seu mestre. Est" em boas m8os. ?acilante lhe estendi uma m8o) e sem esfor7o algum ele me a:udou a trepar numa rocha plana) situada sobre uma pequena lagoa ovalada) que era alimentada por um riacho de sons relaxantes) vindo de algum ponto entre as trevas. LE agora tire suas roupas L ordenou. LT hora de seu banho c.smicoP L(eu qu9@ L e certa de que se tratava de uma piada comecei a rir. N8o era piada. (e deu uma s1rie de golpe4inhos no bra7o) tal qual fa4ia Esperan4a) e repetiu a ordem. $ntes que eu me desse conta de seus atos ele :" havia desatado os cordCes de meu cal7ado. LN8o temos muito tempo L me admoestou) fixando'me com seu olhar frio) cl2nico e impessoal) como se eu fosse o sapo ao qual havia aludido Esperan4a. $ simples id1ia de introdu4ir'me nessas "guas frias e escuras) sem d;vida infestadas por todo tipo de pestes viscosas) me horrori4ava) e com Unimo de por fim a t8o rid2cula situa78o me desli4ei pela pedra e meti os dedos na "gua. LN8o sinto nadaP L gritei) retrocedendo atemori4ada. LB que acontece@ Isto n8o 1 "guaP LN8o se:a infantil. Naturalmente que 1 "gua) s. que voc9 n8o a sente. $bri a boca para lan7ar um insulto) mas consegui me frear a tempo. (eu horror havia desaparecido. LPor que n8o sinto a "gua@ L perguntei numa tentativa de ganhar tempo) apesar de saber que esse era um truque in;til) e que terminaria metendo'me nessas "guas) quer eu as sentisse ou n8o. &ontudo) n8o era minha inten78o ceder com tanta facilidade. LT este algum tipo de fluido purificador@ L perguntei. $p.s um longo sil9ncio) carregado de possibilidades amea7antes) admitiu que poderia chegar a di4er'se que se tratava de um l2quido purificante. LN8o obstante L disse L) devo advertir'lhe que n8o existe ritual capa4 de purificar a ningu1m. $ purifica78o deve vir de dentro< 1 uma luta privada e solit"ria. LEnt8o por que quer que me meta nesta "gua que 1 viscosa) ainda que n8o a sinta@ L perguntei do modo mais irado poss2vel. 3eus l"bios se moveram num ind2cio de riso) mas manteve a seriedade. $nunciou que mergulharia comigo) e sem mais trUmites se desnudou por completo. Parou frente a mim) a pouca distUncia) totalmente nu) e nessa estranha e indefinida lu4 pude reconhecer cada cent2metro desse corpo) cu:a nude4 n8o tentou dissimular. $o contr"rio) parecia orgulhoso ao extremo de sua masculinidade) a qual exibia com desafiante insol9ncia.

L$presse'se e tire as roupas. N8o temos muito tempo L insistiu. LN8o farei isso. T coisa de loucoP L?oc9 far". T uma decis8o que voc9 mesma tomar" L e se bem que o disse com veem9ncia) n8o demonstrou raiva. L Esta noite) neste mundo estranho) entender" que s. lhe enquadra um tipo de comportamento: o dos feiticeiros. &om um sorriso destinado a tra4er'me tranquilidade) por1m sem sucesso) me disse que o mergulho me sacudiria) modificando algo dentro de mim. LEsta mudan7a lhe servir" mais adiante) para entender o que somos e o que fa4emos. Am sorriso passageiro iluminou seu rosto quando se apressou a esclarecer'me que o mergulhar nessas "guas n8o me proporcionaria energia para ensonhar desperta por minha conta. Preveniu'me que transcorreria muito tempo at1 que eu acumulasse e agu7asse minha energia) e que talve4 nunca chegaria a consegui'lo. LN8o existem garantias no mundo dos feiticeiros L disse) e depois concedeu que talve4 a imers8o desviasse minha aten78o das preocupa7Ces di"rias) as esperadas de uma mulher de minha idade e de meu tempo. LT este um lago sagrado@ L perguntei. $rqueou as sobrancelhas) revelando surpresa. LT um lago de feiticeiros L explicou) olhando'me fixo. Ele deve ter percebido que minha decis8o :" estava tomada) pois passou a desatar meu rel.gio de pulso para ent8o coloc"'lo no seu. LN8o 1 sagrado e nem o oposto L disse. L$gora olhe seu rel.gio. Dem sido seu durante muitos anos. 3inta'o em meu pulsoS L soltou uma gargalhada contida) amea7ou di4er algo e preferiu se calar. LBom) vamos) tire a roupa. L$cho que vou entrar com roupa L murmurei. $pesar de n8o ser nenhuma puritana) resistia = id1ia de exibir'me desnuda ante ele. $ssinalou que eu precisaria de roupas secas para quando sa2sse da "gua. LN8o quero que pegue uma pneumonia L disse enquanto um sorriso malvado assomava em seus olhos. LIsto 1 "gua de verdade) apesar a que n8o a sinta assim. -e m" vontade tirei a camisa e os :eans. L3uas calcinhas tamb1m L ordenou. &aminhei pela borda do lago perguntando'me o que seria melhor) se atirar'me e acabar de uma ve4 por todas com a quest8o) ou molhar'me aos poucos) recolhendo a "gua em minhas m8os para deixar que se escorresse por meus bra7os) pernas e estKmago) e por ;ltimo sobre o cora78o) tal qual havia visto fa4er as velhas na ?ene4uela antes de meter'se ao mar. L$qui vou euP L gritei) mas antes de saltar me virei para olhar ao cuidador. 3ua imobilidade me assustou. Parecia ter se convertido em pedra) t8o quieto e ereto sobre o penhasco. $penas seus olhos pareciam ter vida) brilhando de maneira estranha sem haver uma lu4 que o :ustificasse) e me surpreendeu) antes que entristeceu) ao ver l"grimas rolarem por suas bochechas. 3em saber por que) eu tamb1m comecei a chorar em sil9ncio. Pensei que suas l"grimas chegavam e se introdu4iam em meu rel.gio colocado em seu pulso. 3enti o atemori4ante peso de sua convic78o) e de repente) vencidos meu temor e minha indecis8o) me :oguei na "gua. N8o era espessa) e sim transparente como a seda. N8o senti frio) e tal qual adu4iu o cuidador) tampouco senti a "gua. Na verdade n8o senti nada. Era como se eu fosse uma consci9ncia incorp.rea) que nadava no centro de um espelho aqu"tico ao qual sentia ser l2quido mas n8o molhado. Percebi uma lu4 que emanava do fundo) e me impulsionei para cima) como um peixe procurando 2mpeto) para depois mergulhar em busca dessa lu4. Nuando ressurgi necessitada de ar) perguntei: LNue profundidade tem este po7o@ L$ mesma que ao centro da Derra L respondeu a vo4 clara e potente de Esperan4a) com tal seguran7a que) somente para ser fiel a mim mesma) a quis contradi4er. &ontudo) certa inquietude que flutuava no ar me impediu: uma calma artificial) uma tens8o de s;bito quebrada por um som raspante) um sussurro que advertia que algo estava errado. -e p1 no exato lugar antes ocupado pelo cuidador se encontrava Esperan4a) totalmente nua. LBnde est" o cuidador@ L perguntei alarmada. LEu sou o cuidador L respondeu. &onvencida de que ambos me fa4iam v2tima de uma horrenda piada) me aproximei) gra7as a fortes bra7adas) = rocha sobre a qual se encontrava Esperan4a. LB que est" acontecendo@ L perguntei) minha vo4 ainda fr"gil por causa do esfor7o reali4ado. Dranquili4ando'me com um gesto) aproximou'se com esse andar desengon7ado) t8o caracter2stico nela) e depois exibiu meu rel.gio. L3ou o cuidador L repetiu. $quiesci automaticamente) mas em seguida) frente a mim) em lugar de Esperan4a surgiu o cuidador) despido como antes) assinalando meu rel.gio. N8o olhei o rel.gio< minha aten78o se centrou em seus .rg8os sexuais. Estendi minha m8o para toc"'los) para descobrir se era hermafrodita. N8o o era. 3egui tentando) e senti) mais que vi) como seu corpo se dobrou dentro de si) e que o que eu tocava era uma vagina. 3eparei os l"bios vaginais para assegurar'me que dentro dela n8o estivesse oculto um p9nis. LEsperan4aS L consegui di4er) e minha vo4 se desvaneceu quando algo se prendeu = minha garganta. Dive consci9ncia de que as "guas se abriam e que algo me atra2a em dire78o =s profunde4as da lagoa. 3enti frio) n8o um frio f2sico) e sim algo mais como a sensa78o de falta de calor) de lu4 e de som) nesse mundo misterioso do lago. (e despertou um suave ronco< 6uleica dormia ao meu lado sobre uma esteira desdobrada no ch8o. Estava bonita como sempre) :ovem) forte) e ao mesmo tempo vulner"vel) apesar da harmonia e do poder que exalava) diferente das outras feiticeiras. $ observei um momento para depois levantar'me) quando os acontecimentos da noite me aturdiram. Nueria sacudi'la) despert"'la e exigir que explicasse o acontecido) quando notei que :" n8o est"vamos :unto = lagoa na montanha) e sim no lugar exato onde estivemos sentadas anteriormente) :unto = porta principal da casa das bruxas. Perguntando'me se tudo n8o havia sido mais que um sonho) sacudi com suavidade seu ombro. L$h) :" despertouS L murmurou. LB que aconteceu@ Dem que me contar tudo.

LDudo@ L repetiu) com um boce:o. LDudo o que aconteceu :unto ao lago L rebati impaciente. Boce:ou de novo) riu) e estudando meu rel.gio que continuava em seu pulso%) disse que algo em mim havia mudado mais al1m do antecipado. LB mundo dos feiticeiros dispCe de uma barreira natural que dissuade as almas t2midas L explicou. LBs feiticeiros necessitam de uma for7a tremenda para poder mane:"'lo. Est" povoado por monstros) dragCes voadores e seres demon2acos) que naturalmente n8o s8o outra coisa que energia impessoal. N.s) impelidos por nosso medo) convertemos essa energia em seres infernais. L(as o que houve com Esperan4a e o cuidador@ L interrompi. LEnsonhei que ambos eram na verdade voc9. LEles s8o L respondeu) como se isso fosse a coisa mais natural do mundo. L$cabei de lhe di4er. ?oc9 mudou mais do que eu antecipei) e entrou no que os ensonhadores chamam ensonhar em mundos que no so este. L?oc9 e eu ensonh"vamos em um mundo diferente) e por isso n8o sentia a "gua. $quele 1 o mundo onde o nagual El2as encontrou todas suas inven7Ces. Nesse mundo se pode ser homem ou mulher) e assim como o nagual El2as trouxe suas inven7Ces a este mundo) eu trago a Esperan4a ou o cuidador) ou melhor) minha energia impessoal o fa4. Eu n8o conseguia tradu4ir meus sentimentos ou pensamentos em palavras: me dominava uma incr2vel necessidade de fugir aos gritos) que n8o podia transformar em a78o. (eu controle motri4 :" n8o era volunt"rio) e em meu intento de pKr de p1 e gritar) desabei. $ 6uleica n8o lhe comoveu nem preocupou minha condi78o. 3eguiu falando como se meus :oelhos n8o tivessem cedido) como se eu n8o estivesse esparramada pelo ch8o igual a uma boneca de trapo. LT uma boa ensonhadora. $final de contas) passou a vida sonhando com monstros. $gora 1 chegado o momento de adquirir a energia para ensonhar como o fa4em os feiticeiros) ensonhar com energia impessoal. -ese:ava interromp9'la) di4er'lhe que n8o havia nada impessoal em meu ensonho de Esperan4a e o cuidador) e que na verdade aquilo havia sido pior que os monstros de meus pesadelos) por1m n8o podia falar. LEsta noite seu rel.gio te trouxe de volta do ensonho mais profundo que :" teve L continuou 6uleica) indiferente aos sons raros que surgiam de minha garganta. LE tem a rocha para prov"'lo. &hegou aonde eu me encontrava prostrada) observando'a boquiaberta) e procurou em meu bolso. Estava certa) ali encontrou a rocha que peguei da pilha de pedras. 1A032ULO DE9ENO8E *evantei'me quando um forte ru2do me despertou) e esquadrinhando as sombras constatei que as persianas de madeira se encontravam abaixadas. Am vento frio me envolveu) o mesmo que perseguia folhas no p"tio) e uma t2mida lu4 penetrou no aposento) aderindo'se =s paredes desnudas como se fosse n1voa. LNagualP L gritei) e como se o tivesse con:urado) ali estava Isidoro Balta4ar) de p1 :unto = minha rede. Parecia um ser real) apesar desse algo indefinido que fa4ia que se lhe visse como a uma imagem submergida. *impei a garganta para falar) e s. consegui emitir um d1bil coaxar. -epois se dissolveram: a imagem e em seguida a n1voa. Densa demais para conseguir dormir) permaneci sentada) envolta num cobertor) pensando se havia sido acertada minha decis8o de buscar aqui a Isidoro Balta4ar. N8o sabia de outro lugar. Javia esperado pacientemente durante tr9s meses) depois do qual minha ansiedade se fe4 t8o aguda que me vi obrigada a agir. Ama manh8) sete dias atr"s) havia via:ado sem paradas at1 a casa das feiticeiras) e naquele momento n8o abrigava d;vidas sobre se minha decis8o era ou n8o a correta: nem sequer depois de ver'me obrigada a escalar o muro dos fundos da casa) e entrar por uma :anela entreaberta< mas ao fim de sete dias essa minha certe4a havia come7ado a fraque:ar. 3altei da rede ao piso enla:otado) batendo fortemente no ch8o com meus calcanhares descal7os. 3acudir'me desse modo sempre me a:udou a afastar as d;vidas) mas desta ve4 n8o surtiu efeito) de modo que me deitei de novo. 3e havia aprendido algo nesses tr9s anos de conviv9ncia com os feiticeiros) era que suas decisCes s8o finais) e minha decis8o havia sido a de viver e morrer sob seu credo. Javia chegado o momento de coloc"'lo = prova. Am riso nada comum interrompeu meus pensamentos) retumbou atrav1s da casa e subitamente se extinguiu. $guardei) tensa) mas s. me chegava o ru2do das folhas no corredor) movidas pelo vento. Esse som n8o s. me adormeceu como que me introdu4iu no ensonho que estava a sete noites ensonhando. Estou no deserto de 3onora. (eio'dia. B sol) um disco que de t8o brilhante era quase indistingu2vel) est" parado no meio do c1u. N8o se escuta um s. som) nem existe movimento ao redor. Bs altos saguaros de bra7os espinhosos cactos%) elevados em dire78o a esse sol im.vel) s8o as sentinelas que guardam o sil9ncio e a quietude. B vento) como se me tivesse seguido atrav1s do ensonho) come7a a soprar com for7a tremenda. $ssovia entre os galhos dos algarobeiros) e os sacode com f;ria sistem"tica. !edemoinhos de poeira roxos surgem em torno de n.s. J" um bando de corvos) que pareciam pontos no c1u< depois caem por terra um pouco mais al1m) como peda7os de um v1u negro. D8o abruptamente como surgiu) o vento se acalma. -iri:o'me em dire78o =s montanhas distantes) e parecia'me que tinha caminhado horas antes de discernir uma enorme sombra negra no ch8o. *evanto o olhar. Am gigantesco p"ssaro negro pende no ar com as asas abertas) im.vel) como se estivesse cravado ao c1u) e s. quando reparo em sua sombra escura sobre o ch8o descubro que o p"ssaro se move. *enta) imperceptivelmente) sua sombra se desli4a diante de mim. Impelida por uma for7a inexplic"vel) tento alcan7ar a sombra) mas independente da velocidade em que corro) a sombra se afasta mais e mais. $tordoada por causa de meu esgotamento) trope7o em meus pr.prios p1s e caio ao ch8o. Enquanto procuro tirar a poeira de minhas roupas descubro ao p"ssaro parado sobre um penhasco pr.ximo) sua cabe7a ligeiramente desviada para mim em aparente atitude convidativa. (e aproximo com cautela. T enorme e escuro) e suas plumas brilham como cobre polido. 3eus olhos cor Umbar s8o duros e implac"veis) determinantes como a pr.pria morte. !etrocedo quando o p"ssaro abre bem suas asas e decola. !emonta vKo at1 converter'se num ponto no c1u) apesar do qual sua sombra sobre a terra 1 uma linha negra e reta) que se estende at1 o infinito) unindo o c1u e a terra.

&onfiante de que) se convoco ao vento) poderei alcan7ar ao p"ssaro) invoco uma encanta78o) mas que carece de for7a e de poder. (inha vo4 se quebra em mil sussurros) absorvidos de imediato pelo sil9ncio. B deserto recupera sua estranha calma. &ome7a a desmoronar'se nas bordas< depois se desvanece lentamente ao redorS -e maneira gradual adquiri consci9ncia de meu corpo encostado na rede) e atrav1s da inconstante neblina adivinhei as paredes do quarto) revestidas de livros. *ogo despertei totalmente e me impactou) como acontecera toda a semana) a certe4a de que este foi um ensonho) e que sei o que significa. B nagual (ariano $ureliano me havia dito certa ve4 que os feiticeiros) quando falam de feiti7aria) se referem a ela como a um p"ssaro) e o chamam o p"ssaro da liberdade) p"ssaro que s. voa em linha reta e nunca fa4 uma segunda visita. Damb1m di4em que 1 o nagual quem o atrai e o indu4 a lan7ar sua sombra sobre a trilha do guerreiro. 3em essa sombra n8o existe dire78o. B significado de meu ensonho era que eu havia perdido ao p"ssaro da liberdade. Javia perdido ao nagual) e com ele toda esperan7a e sensa78o de prop.sito) e o que mais penali4ava meu cora78o era que o p"ssaro da liberdade se havia afastado t8o velo4mente que nem tempo tive para expressar meu agradecimento a todos) al1m de minha infinita admira78o. $ todo momento eu havia assegurado aos feiticeiros que nunca os havia tomado) nem a eles nem a seu mundo) por dados) mas sim) o havia feito) especialmente a Isidoro Balta4ar. Ele sem d;vida permaneceria comigo para sempre) pensei) e de repente se haviam ido todos) como estrelas fuga4es ou sopros de vento) levando a Isidoro Balta4ar. -urante semanas permaneci sentada em meu quarto) fa4endo'me a mesma pergunta: &omo era poss2vel que desaparecessem desse modo@) uma pergunta sup1rflua e carente de sentido) dado o que eu havia visto e experimentado nesse mundo) e que a ;nica coisa que revelava agindo assim era minha verdadeira nature4a: submissa e insegura. Bs feiticeiros me haviam dito durante anos que sua meta final era arder) desaparecer tragados pela for7a da consci9ncia. B velho nagual e seu grupo estavam preparados) mas eu n8o sabia. ?inham se preparando quase todas suas vidas para a aud"cia final: ensonhar despertos. $ aud"cia de burlar a morte tal como n.s a conhecemos% para internar'se no desconhecido) aumentando) sem quebr"'la) a unidade de sua energia total. (eu pesar se fe4 mais intenso quando recordei que minha nature4a incr1dula reapareceria no momento menos pensado. N8o era quest8o de n8o crer em sua estupenda meta) em seus prop.sitos extraterrenos) mas por sua ve4 pr"ticos. (elhor preferia interpret"'los e) de alguma maneira) integr"'los ao mundo do sentido comum) n8o sempre) claro) de tudo) mas coexistindo com o que para mim era normal e familiar. Bs feiticeiros intentaram preparar'me para presenciar sua viagem definitiva: que num certo dia desapareceriam era algo quase aceitado por mim. &ontudo) nada poderia ter'me preparado para a ang;stia e a desesperan7a resultantes. &a2 em um po7o de triste4a do qual sabia muito bem nunca sairia) mas esse era um problema que devia ser resolvido por conta pr.pria. Demendo aumentar meu desespero se permanecesse estendida na rede) levantei'me para preparar o des:e:um ou) melhor di4endo) a esquentar as sobras da noite anterior: arro4) tortilhas e fei:Ces) minha comida t2pica dos ;ltimos sete dias) exce78o feita no almo7o ao qual :untara uma lata de sardinhas norueguesas compradas no arma41m de um povoado vi4inho. *avei a lou7a e conferi o piso) depois do qual) armada com a escova) percorri todos os quartos em busca de novas su:eiras) ou alguma teia de aranha esquecida num canto. -esde minha chegada parecia n8o ter feito outra coisa que esfregar pisos) lavar paredes) :anelas) e varrer p"tios e corredores. $s tarefas de limpe4a sempre me haviam tra4ido pa4 e me afastado de meus problemas) mas desta ve4 n8o foi assim. $pesar do interesse com que encarava a estes trabalhos) n8o conseguia acalmar com eles minha ang;stia) nem encher o doloroso e opressivo va4io. Am barulho de folhas varridas pelo vento interrompeu minha atividade) obrigando'me a sair para investigar. Am vendaval) cu:a for7a me sobressaltou) soprava entre as "rvores) e estava eu a ponto de fechar as :anelas da casa quando abruptamente cessou. Ama profunda melancolia descendeu sobre tudo) p"tio) "rvores) flores e quintal) e at1 a primavera que ali morava se associou ao desassossego geral. $calmado o vento) caminhei at1 a fonte colonial no meio do p"tio) me a:oelhei sobre a larga borda de pedra) e quase sem pensar me dediquei a tirar as folhas e flores ca2das na "gua. -epois me aproximei para buscar minha imagem na tranquila superf2cie) e descobri o belo e anguloso rosto de /lorinda :unto ao meu. Jipnoti4ada por seus grandes olhos escuros) que contrastavam com sua branca cabeleira) contemplei seu reflexo na "gua) e em nossos rostos nasceu um sorriso. LN8o te ouvi chegar L disse em vo4 baixa) temerosa de que desaparecesse sua imagem) de que tudo n8o fosse mais que um sonho. Pousou sua m8o sobre meu ombro) e depois se sentou :unto a mim sobre a borda de pedra. LEstarei contigo apenas um momento L advertiu L) por1m mais tarde regressarei. N8o pude conter'me e dei va48o a toda a ang;stia e desespero acumulados. /lorinda me olhou) e seu rosto refletia uma profunda triste4a. *"grimas assomaram a seus olhos) para desaparecer com a mesma celeridade com que surgiram. LBnde est" Isidoro Balta4ar@ L perguntei. 3em olh"'la no rosto descarreguei minhas l"grimas) n8o provocadas por sentir pena de mim mesma) nem sequer pela triste4a) e sim por uma sensa78o de fracasso) culpa e perda que me afogava. Dempos atr"s /lorinda :" me havia advertido acerca destes rompantes. LPara os feiticeiros as l"grimas carecem de sentido L disse. LNuando voc9 se uniu ao mundo dos feiticeiros lhe foi feito entender que os des2gnios do destino) se:am quais forem) s8o meros desafios que um feiticeiro deve enfrentar) sem ressentimento nem pena de si mesmo L fe4 uma pausa para repetir que :" em outras ocasiCes me havia dito que Isidoro Balta4ar :" n8o era um homem) e sim um nagual. LDalve4 ele tenha acompanhado ao velho nagual) e neste caso nunca regressar") mas tamb1m pode ser que n8o o tenha feito. L(as) por queS@ L n8o cheguei a completar a pergunta. L-esta ve4 realmente n8o sei L anunciou /lorinda) levantando uma m8o para antecipar'se ao meu protesto. L3e trata de um desafio que precisa vencer e) como sabe) os desafios n8o s8o discutidos nem ressentidos) e sim enfrentados ativamente. Nisso os feiticeiros podem triunfar ou fracassar) e o resultado n8o interessa em especial) sempre e quando dominem a situa78o. L&omo espera que a domine) quando a triste4a me mata@ Isidoro Balta4ar se foi para sempre L e em minha queixa ficou refletido meu ressentimento e minha raiva ante a trivialidade de sua atitude.

LPor que n8o escuta minhas sugestCes) e se comporta impecavelmente deixando de lado seus sentimentos@ L disse em som de reprova78o. 3eu g9nio era t8o mut"vel como seu brilhante sorriso. L&omo posso chegar a fa4er isso@ 3ei que quando se ausenta o nagual o :ogo se acabou. LN8o necessita do nagual para ser uma feiticeira impec"vel. 3ua impecabilidade deve condu4ir'lhe a ele) ainda se :" n8o estiver no mundo. 3eu desafio 1 viver impecavelmente dentro de suas circunstUncias) e n8o mudar" absolutamente nada se ver a Isidoro Balta4ar o ano que vem ou ao final de sua vida. /lorinda me deu as costas e manteve um longo sil9ncio. Nuando me encarou de novo seu rosto mostrava'se como uma m"scara) como se estivesse fa4endo um grande esfor7o para controlar suas emo7Ces) e havia tal triste4a em seus olhos que esqueci minha pr.pria ang;stia. L-eixe'me lhe contar um conto L disse) e a dure4a de seu tom talve4 estivesse destinada a apagar a dor refletida em seus olhos. LEu n8o via:ei com o nagual (ariano $ureliano e seu grupo) e tampouco o fe4 6uleica. 3abe por qu9@ Boquiaberta) paralisada pelo temor) levei um tempo antes de poder di4er'lhe que n8o o sabia. LEstamos aqui porque n8o pertencemos a esse grupo de feiticeiros. Pertencemos) mas n8o pertencemos. Nossos sentimentos est8o com outro nagual) o nagual ,uli"n) nosso mestre. B nagual (ariano $ureliano 1 nosso igual) e o nagual Isidoro Balta4ar) nosso aluno. &omo a ti) nos deixaram para tr"s. $ ti) porque n8o estava pronta para via:ar com eles. $ n.s) porque necessitamos de mais energia para dar um grande salto) e talve4 nos unirmos a um outro grupo de guerreiros) um grupo mais antigo) o do nagual ,uli"n. Podia sentir a solid8o de /lorinda como uma n1voa fina que descia sobre mim) e quase n8o tinha coragem de respirar por temor que ela emudecesse. Explanou'se acerca de seu mestre) o nagual ,uli"n) homem de grande fama. 3uas descri7Ces eram breves) e ao mesmo tempo t8o evocativas) que pude v9'lo ante meus olhos) o homem mais charmoso que :amais existiu. 5racioso) de r"pida capacidade para criar e agir) um piadista incorrig2vel. Narrador e mago) capa4 de mane:ar a percep78o como um mestre'padeiro mane:a a massa) modelando'a sem perd9'la de vista. Estar com o nagual ,uli"n) assegurou /lorinda) era uma experi9ncia inesquec2vel. &onfessou am"'lo mais al1m das palavras) dos sentimentos) assim como tamb1m o amava 6uleica. /lorinda caiu num novo e longo sil9ncio) a vista fixa nas montanhas distantes) como se com esse ato conseguisse extrair energias dos afilados picos. Nuando falou de novo sua vo4 era apenas um sussurro: LB mundo dos feiticeiros 1 um mundo de solidCes) por1m nele aninha'se eterno o amor. &omo o meu pelo nagual ,uli"n. 3o4inhas) nos movemos neste mundo) contando somente com nossos atos e sentimentos) e com nossa impecabilidade L disse) e moveu a cabe7a como para enfati4ar suas palavras. LEu :" n8o tenho sentimentos. Bs que tive foram levados pelo nagual ,uli"n. Dudo o que me resta 1 meu sentido de vontade) de prop.sito e de dever. Nuem sabe voc9 e eu tenhamos o mesmo problema L e disse isto com tal do7ura que se desfe4 antes que eu entendesse o que ela di4ia. /iquei observando'a. &omo sempre) sua espl9ndida bele4a chamava a aten78o) :unto com essa m"gica :uventude) que os anos deixaram intacta. LEu n8o) /lorinda L rebati. L?oc9 teve ao nagual Isidoro Balta4ar e a mim) e todos os outros disc2pulos dos quais me falaram. Eu n8o tenho nada) nem sequer meu antigo mundo L n8o me estava lamentando< falava atrav1s da certe4a de que a vida) tal como a havia conhecido at1 agora) era ho:e coisa do passado. LB nagual Isidoro Balta4ar 1 meu pelo direito que me d" meu poder. Esperarei um tempo mais) como 1 minha obriga78o fa49'lo) mas se :" n8o est" neste mundo) tampouco o estarei eu. 3ei o que tenho que fa4erP L e minha vo4 foi se perdendo ao dar'me conta de que /lorinda :" n8o me prestava aten78o. Encontrava'se absorta com um pequeno corvo que se aproximava de n.s pela borda da fonte. LEsse 1 -ion2sio L anunciei) buscando em meus bolsos os peda7os de tortilha que lhe guardava. N8o os encontrei. D8o absorta estive em meus pesares que esqueci que) a essa hora) passado o meio'dia) o pequeno animal vinha por sua comida. LEst" irritado o senhorP L observou /lorinda) rindo dos furiosos reclamos do p"ssaro. L?oc9 e o corvo se parecem bastante. $mbos se irritam com facilidade) e o proclamam de maneira muito sonora. &onsegui apenas conter meu dese:o de di4er'lhe que o mesmo se podia di4er dela) e ela riu como se soubesse do esfor7o que eu fa4ia para n8o chorar. B corvo havia pousado sobre minha m8o) e me olhava de canto com olhos brilhantes) que pareciam seixos. $briu suas asas) e seu reflexo a4ul cintilou = lu4 do sol. &om toda a calma disse = /lorinda que as pressCes do mundo dos feiticeiros eram intoler"veis. LBobagemP L respondeu) como se provocasse a uma crian7a malcriada. LBlha s.) n.s assustamos o -ion2sio L e fascinada) observou o vKo do p"ssaro que se afastava) para depois centrar sua aten78o em minha pessoa. -esviei o rosto) e n8o saberia di4er o porqu9) pois n8o havia hostilidade nesses olhos escuros e brilhantes que mostravam'se calmos e indiferentes. L3e n8o conseguir alcan7ar a Isidoro Balta4ar) ent8o eu e os demais feiticeiros que te servimos de mestres teremos fracassado em nosso intento de impressionar'lhe) e tamb1m de desafiar'lhe. N8o ser" uma perda decisiva para n.s) mas sim o ser" para voc9 L e vendo que minhas l"grimas amea7avam voltar a cair me desafiou de novo. LBnde est" seu prop.sito impec"vel@ B que aconteceu com tudo o que aprendeu de n.s@ LB que acontecer" se eu nunca alcan7ar a Isidoro Balta4ar@ LPode seguir vivendo no mundo dos feiticeiros se n8o se esfor7a por averigu"'lo@ L perguntou com severidade. LEste 1 um momento no qual necessito bondade L murmurei) fechando os olhos para evitar que se derramassem minhas l"grimas. LPreciso da minha m8e. Bh) se pudesse estar com elaP (inhas pr.prias palavras me surpreenderam) pronunciadas com inteira sinceridade) e :" incapa4 de reter as l"grimas) rompi a chorar. /lorinda riu. Por1m n8o 4ombando) pois havia bondade em seus olhos. LEst" t8o longe de sua m8e que nunca voltar" a encontr"'la L disse carinhosamente) e sua vo4 perdeu volume quando acrescentou que a vida do feiticeiro constr.i barreiras intranspon2veis ao seu redor. LBs feiticeiros L recordou L n8o encontram consolo na simpatia de outros) nem sentindo pena de si mesmos. L?oc9 acha que todos meus tormentos se devem a que sinto pena de mim mesma) n8o 1 verdade) /lorinda@

LN8o. N8o s. isso) como tamb1m = morbide4 L e rodeando'me com os bra7os me abra7ou como se eu fosse uma crian7a. L$ maioria das mulheres s8o m.rbidas) estando voc9 e eu entre elas. N8o estava de acordo) mas n8o dese:ava contradi49'la. 3eu abra7o me enchia de felicidade) e apesar de estar com Unimo deca2do) consegui sorrir. /lorinda) como todas as mulheres desse mundo) careciam da capacidade para expressar sentimentos maternais) e apesar a que eu gostava de abra7ar e bei:ar as pessoas que amava) n8o tolerava estar nos bra7os de algu1m por muito tempo. B abra7o de /lorinda n8o era morno e tranquili4ador como o de minha m8e) mas era o ;nico a que podia aspirar. -esfa4endo o abra7o /lorinda entrou na casa. -espertei de repente) e por um momento permaneci no ch8o aos p1s da fonte) intentando recordar algo dito por /lorinda antes que eu dormisse. Bbviamente havia dormido horas) pois apesar da claridade do c1u as sombras do entardecer :" come7avam a invadir o p"tio. Estava a ponto de buscar a /lorinda quando um riso incomum me chegou atrav1s do p"tio) o mesmo que escutei durante a noite. Esperei e agucei o ouvido) em meio a um sil9ncio estranho: nada se movia) nada 4umbia) nenhum p"ssaro piava) apesar do qual intu2a o movimento de passos silenciosos =s minhas costas. ?irei'me) e no extremo do p"tio) quase oculta pela primavera florida) vi algu1m sentado num banco de madeira) e que reconheci apesar de dar'me as costas. L6uleica@ L sussurrei) temendo que meus passos a afugentasse. LNue feli4 me fa4 o fato de ver'lhe de novo L respondeu) fa4endo'me sinais para que me sentasse :unto a ela. 3ua vo4 clara) vibrante por causa do ar do deserto) parecia n8o provir de seu corpo) e sim de muito longe. -ese:ei abra7"' la) mas algo me aconselhou a n8o fa49'lo. $ 6uleica n8o lhe gostava que a tocassem) de modo que tomei assento :unto a ela) e manifestei por minha ve4 minha alegria por v9'la. (as ela me surpreendeu) tomando minha m8o na sua) uma m8o pequena e delicada. 3eu lindo rosto rosa bron4eado carecia de express8o) e toda sua vida se concentrava nos olhos incr2veis) nem negros nem marrons) e chamativamente claros) que se fixaram nos meus num longo olhar. LNuando voc9 chegou@ L perguntei. LNeste exato momento L respondeu) curvando os l"bios num sorriso angelical. L&omo chegou@ /lorinda veio contigo@ LBh) voc9 sabe) as feiticeiras v8o e v9m sem que se o note. Ningu1m se fixa numa mulher) em especial se 1 velha. N8o obstante) uma mulher :ovem e bonita chama a aten78o) e 1 por isso que as feiticeiras) se s8o bonitas) precisam adotar algum tipo de disfarce. 3e s8o meio fe2nhas n8o ter8o problemas. Am repentino golpe4inho no ombro me sobressaltou. 6uleica pegou de novo minha m8o) como para dissipar minhas d;vidas) e disse: LPara viver no mundo dos feiticeiros deve'se ensonhar livremente L e desviou seu olhar para a lua quase cheia) que parecia pender sobre as montanhas distantes. L$ maioria das pessoas n8o possui a engenhosidade nem a estatura espiritual necess"ria para ensonhar. N8o podem evitar ver o mundo como algo ordin"rio. E sabe por qu9@ Porque se voc9 n8o luta para evit"'lo o mundo 1 na verdade ordin"rio. $ maioria das pessoas vive t8o preocupada consigo mesmas que se idioti4aram) e os idiotas n8o dese:am lutar para evitar a ordinariedade. 6uleica ficou de p1 e cal7ou suas sand"lias) atou seu chale em torno da cintura para impedir que suas saias longas tocassem o ch8o) e caminhou em dire78o ao centro do p"tio. 3oube o que faria antes mesmo que ela come7asse. Ia girar< dan7ar para acumular energia c.smica. $s feiticeiras acreditam que movendo seus corpos obt9m a for7a necess"ria para ensonhar. &om um gesto apenas percept2vel de sua testa me convidou a segui'la e imitar seus movimentos. 3e desli4ou sobre as la:otas e os ti:olos escuros do ch8o) que obedeciam a um velho desenho tolteca) colocado pelo pr.prio Isidoro Balta4ar< desenho que unia a gera7Ces de feiticeiros e ensonhadores atrav1s das eras num emaranhado de segredos e fa7anhas de poder) =s quais ele havia contribu2do com toda sua for7a) sua inten78o e sua entrega para torn"'los realidade. 6uleica se movia com a compet9ncia e a agilidade de uma bailarina :ovem) com movimentos simples que no entanto requeriam tanta velocidade) equil2brio e concentra78o que me deixaram exausta. &om uma not"vel agilidade e preste4a ela girava) afastando'se de mim) retendo'se na sombra das "rvores como para assegurar'se de que eu a seguia) e depois se dirigiu at1 o arco assentado sobre a parede que rodeava as terras detr"s da casa) e se deteve momentaneamente :unto aos dois p1s'de'laran:a que cresciam do outro lado do muro) aqueles que pareciam sentinelas postadas de cada lado do caminho que levava = casa pequena al1m do chaparral. Demendo perd9'la de vista corri pelo escuro e estreito caminho) e depois entrei na casa para segui'la at1 o quarto dos fundos onde) em lugar de acender a lu4) 6uleica pegou uma lamparina de a4eite que estava pendurada numa das vigas. $o acender'se) a lamparina emitiu um fulgor vacilante que deixou os cantos do aposento em sombras. -o ;nico m.vel) uma arca sob a :anela) tirou uma esteira e um cobertor. L-eite'se de barriga para baixo L ordenou) estendendo a coberta sobre as la:otas. 3uspirei fundo e me afundei na pra4erosa sensa78o de abandono que me oferecia o fato de estar prostrada de bru7os sobre a esteira. Ama impress8o de pa4 e bem'estar impregnou todo meu corpo) e senti suas m8os sobre minhas costas) n8o me massageando) mas sim dando ligeiros golpes. $pesar de ter estado muitas ve4es na casa pequena) ainda n8o conhecia sua disposi78o. N8o sabia quantos cKmodos tinha) nem como estava mobiliada. Em certa oportunidade /lorinda havia dito que essa casa constitu2a o centro de suas aventuras. Era ali) segundo ela) onde o velho nagual e seus companheiros teciam sua trama m"gica) a qual) como uma teia de aranha invis2vel e resistente) os unia quando se submergiam no desconhecido) na escurid8o e na lu4) atividade rotineira para os feiticeiros. Damb1m havia dito que a casa era um s2mbolo) e que os feiticeiros de seu grupo n8o necessitavam estar dentro dela) nem sequer em suas vi4inhan7as) para submergir'se no desconhecido gra7as ao ensonhar. $onde quer que fossem levavam o sentido e o humor da casa em seus cora7Ces) e isso) significasse o que significasse para cada um deles) lhes dava a for7a para enfrentar devidamente o mundo cotidiano. Butro golpe em meu ombro por parte de 6uleica me sobressaltou: L-eite'se de costas L ordenou. Bbedeci. 3eu rosto) ao aproximar'se ao meu) irradiava energia e resolu78o.

LBs mitos s8o ensonhos de grandes ensonhadores L disse. LT necess"rio muito valor e concentra78o para mant9'los e) acima de tudo) muita imagina78o. ?oc9 1 um mito vivente) um mito que lhe foi encomendado para salvaguardar) para preservar. /alava num tom quase reverente: LN8o pode receber esse mito a menos que se:a irretoc"vel. 3e n8o o 1) o mito verdadeiramente se afastar" de voc9. $bri a boca para responder) para di4er'lhe que havia compreendido tudo) mas a dure4a de seu olhar me deteve. Era evidente que n8o tinha inten78o de dialogar comigo. B ru2do de galhos raspando a parede exterior da casa parou) e foi substitu2do por um tipo de pulsa78o no ar) sentida antes que escutada. Estava por cair dormida quando 6uleica disse que eu devia seguir as ordens recebidas em meu ensonho repetitivo. L&omo sabe que tenho tido esse ensonho@ L perguntei alarmada) tentando levantar'me. L?oc9 se esqueceu que compartilhamos nossos ensonhos@ L respondeu) obrigando'me a recostar de novo. LEu sou a que tra4 os ensonhos. LN8o foi mais que um ensonho sem importUncia) 6uleica L e minha vo4 tremeu) pois me assaltou um tremendo dese:o de chorar. 3abia que n8o se tratava de um mero ensonho) mas queria que ela me mentisse. 6uleica sacudiu sua cabe7a. LN8o) n8o era um simples ensonho) era um poderoso ensonho de feiticeiros) uma vis8o. LB que devo fa4er@ LN8o te o disse o ensonho@ L perguntou em tom desafiante. LN8o lhe o disse /lorinda@ L observou'me sem que sua express8o revelasse ind2cio algum. *ogo sorriu) um sorriso t2mido e infantil. LPrecisa entender que n8o pode correr atr"s de Isidoro Balta4ar. Ele :" n8o est" no mundo. ," n8o h" nada que possa dar'lhe nem fa4er por ele. N8o pode estar ligada ao nagual como pessoa) somente como um ser m2tico. L &om vo4 suave mais autorit"ria) repetiu que eu estava vivendo um mito. LB mundo dos feiticeiros 1 um mundo m2tico separado do mundo di"rio por uma barreira misteriosa feita de ensonhos e obriga7Ces. 3omente se o nagual 1 apoiado por seus companheiros de ensonhos pode ele condu4i'los a outros mundos vi"veis nos quais pode atrair ao p"ssaro da liberdade L e suas palavras se fundiram com as sombras do quarto quando acrescentou que o apoio que Isidoro Balta4ar necessitava era energia para ensonhar) n8o sentimentos e a7Ces mundanas. $p.s um longo sil9ncio falou de novo. L?oc9 viu como o velho nagual) assim como tamb1m Isidoro Balta4ar) mediante sua mera presen7a) afetam a tudo o que os rodeia) se:am estes seus companheiros feiticeiros ou gente comum e normal) deixando'lhes claro que o mundo 1 um mist1rio onde nada) sob nenhuma circunstUncia) pode ser dado como acabado ou final. &oncordei com um movimento de cabe7a. -urante um longo tempo me foi dif2cil compreender como os naguais) por obra de sua simples presen7a) influ2am de maneira t8o poderosa) e ap.s observar cuidadosamente) trocar opiniCes com outros e questionar'me sem tr1guas) cheguei = conclus8o de que sua influ9ncia era o resultado de sua ren;ncia =s inquieta7Ces humanas. Em nosso mundo ordin"rio tamb1m temos exemplos de semelhante ren;ncia por parte de homens e mulheres aos quais damos o nome de santos) m2sticos e religiosos) mas os naguais n8o s8o santos) e por certo n8o s8o religiosos. Bs naguais s8o homens do mundo) sem sinais de preocupa78o mundana. Num n2vel subconsciente esta contradi78o tem enorme efeito sobre aqueles que o rodeiam. $ mente daqueles que rodeiam a um nagual n8o pode compreender o que os est" afetando) apesar do qual seus corpos sentem o impacto como uma estranha ansiedade) uma urg9ncia por libertar'se) ou um sentido de imperfei78o) como se algo transcendental estivesse acontecendo em alguma parte) e do qual eles est8o exclu2dos. (as a capacidade intr2nseca de um nagual para afetar a terceiros n8o depende) de maneira exclusiva) de sua aus9ncia de preocupa7Ces mundanas) ou na for7a de suas personalidades) e sim na for7a de seu comportamento impec"vel. Bs naguais s8o irretoc"veis em seus atos e sentimentos) independente das emboscadas L mundanas ou n8o L que encontrem em sua senda intermin"vel. E tampouco 1 quest8o de que os naguais sigam um determinado con:unto de leis e regulamentos para alcan7ar esse comportamento irrepreens2vel) pois estes n8o existem. (elhor di4endo) usam sua imagina78o para adotar ou adaptar'se ao que se:a necess"rio para fa4er que seus atos se:am fluidos. Bs naguais) contrariamente ao comum dos mortais) n8o buscam aprova78o) respeito) elogio ou qualquer outro tipo de reconhecimento de ningu1m) e isto inclui a seus semelhantes. B ;nico que ambicionam 1 seu pr.prio sentido de integridade e inoc9ncia. T isto o que torna viciante a companhia de um nagual. $ pessoa chega a depender da liberdade de um nagual como o faria de uma droga. Para um nagual o mundo 1 sempre inteiramente novo) e em sua companhia a pessoa come7a a olhar o mundo como se antes n8o houvesse existido. LIsso 1 porque os naguais quebram o espelho da auto'reflex8o L informou 6uleica) como se tivesse seguido o curso de meus pensamentos. LBs naguais podem ver'se num espelho de n1voa que reflete s. o desconhecido) um espelho que :" n8o reflete nossa humanidade normal L expressada pela repeti78o L e sim que revela a face do infinito. LBs feiticeiros acreditam que quando a face da auto'reflex8o se funde com a face do infinito) um nagual est" totalmente preparado para romper as fronteiras da realidade e desaparecer como se n8o estivesse constitu2do por mat1ria s.lida. Isidoro Balta4ar :" est" h" muito tempo preparado. LN8o pode me deixar para tr"sP L gritei. LIsso seria in:usto demais. LT bobo pensar em termos de :usti7a e in:usti7a L replicou 6uleica. LNo mundo dos feiticeiros s. existe o poder. Por acaso cada uma de n.s n8o lhe ensinamos isso@ L$prendi muitas coisas L admiti com pesar) e ap.s uns minutos murmurei entre os dentes L) mas nestes momentos nada disso tem valor. L$gora valem mais do que nunca L me contradisse. L3e h" algo que voc9 aprendeu 1 que nos piores momentos os guerreiros revivem suas for7as para seguir adiante. Am guerreiro n8o sucumbe ao desespero. LNada do que foi aprendido e experimentado pode aliviar minha triste4a e desespero. &heguei a tentar at1 os cUnticos espirituais que aprendi de minha ama'de'leite. /lorinda se ri de mim. $cha que sou uma idiota. L/lorinda tem ra48o. Nosso mundo m"gico n8o tem nada a ver com cUnticos e con:uros) com rituais e comportamentos estranhos. Nosso mundo m"gico) que 1 um ensonho) 1 feito realidade mediante o dese:o concentrado daqueles que participam

dele. $ todo momento o mant9m intacto a vontade tena4 dos feiticeiros) do mesmo modo como o 1 o mundo di"rio pela vontade de todos. 3e deteve abruptamente. Parecia ter surpreendido a si mesma em meio de um pensamento que n8o dese:ava expressar. -epois sorriu) e com um cKmico gesto de impot9ncia completou: LPara ensonhar nosso ensonho voc9 tem que estar morta. LNuer di4er com isso que me tenho que cair morta aqui mesmo) e neste instante@ L perguntei numa vo4 que come7ava a enrouquecer. L3abe que para isso estou completamente pronta. B rosto de 6uleica se iluminou) e riu como se eu tivesse contado a melhor das piadas) mas ao notar que eu falava muito a s1rio se apressou a esclarecer. LN8o) n8o. (orrer significa que cortamos todas as amarras) abandonamos tudo o que temos) tudo o que somos. LIsso n8o tem nada de novo L respondi. LEu o fi4 no momento mesmo em que me incorporei ao mundo de voc9s. LBbviamente n8o o fe4) pois de ser certo n8o estaria no estado em que est". 3e tivesse morrido como o exige a feiti7aria agora n8o sentiria ang;stia. LB que sentiria) ent8o@ L-everP Prop.sitoP L(inha angustia nada tem a ver com meu sentido de prop.sito L gritei. LT algo separado) independente. Estou viva e sinto triste4a e amor. &omo posso impedi'los@ LN8o se espera que os evite L explicou 6uleica L) e sim que se sobreponha a eles. 3e os guerreiros n8o possuem nada) nada sentem. LE que tipo de mundo va4io 1 esse@ L perguntei desafiante. L?a4io 1 o mundo dos que se entregam ao v2cio do amor por si mesmos L e me olhou de maneira ansiosa) como esperando que eu manifestasse meu acordo. L-e modo que temos um mundo desleixado) enfadonho) repetido. Para os feiticeiros o ant2doto 1 a morte) e n8o s. pensam nela) e sim que morrem. Am calafrio percorreu minhas costas. Engoli a seco e permaneci em sil9ncio) admirando a espl9ndida lua que brilhava atrav1s da :anela. LNa realidade n8o entendo o que me di4) 6uleica. L(e entende perfeitamente bem. 3eu ensonho come7ou quando me conheceu. $gora chegou o momento de outro ensonho) mas desta ve4 ensonhe morta. 3eu erro foi ensonhar viva. LB que significa isso@ L perguntei incKmoda. LN8o me atormente com adivinha7Ces. ?oc9 mesma me disse que somente os feiticeiros se atormentam com adivinha7Ces) e que as feiticeiras n8o) e agora est" fa4endo isso a mim. $ risada de 6uleica rebateu de uma parede a outra) soando como as folhas secas impulsionadas pelo vento. LEnsonhar viva significa ter esperan7as) que se aferra a seu ensonho para manter'se viva. Ensonhar morta significa que abandonou a esperan7a) que n8o se agarra a seu ensonho. Demendo n8o poder controlar minha vo4 ao responder) me limitei a mover afirmativamente a cabe7a. /lorinda me havia dito que a liberdade 1 uma total aus9ncia de preocupa78o por si mesmo) algo obtido quando a massa de energia aprisionada dentro de n.s 1 liberada. Javia dito que esta energia somente podia liberar'se quando podemos reprimir o exaltado conceito que temos de n.s mesmos) de nossa importUncia) essa importUncia que consideramos inviol"vel e livre de enganos. $ vo4 de 6uleica era clara) mas parecia vir de muito longe. LB pre7o da liberdade 1 muito alto L disse. L$ liberdade unicamente se consegue ensonhando sem esperan7a) estando dispostos a perder tudo) inclusive o pr.prio ensonho. Para alguns de n.s ensonhar sem esperan7a) lutar sem meta) 1 a ;nica maneira de n8o ficar para tr"s do p"ssaro da liberdade.

/I(

Este livro foi di+it li* do p r distri)#i:$o livre e +r t#it tr v,s d redeRevis$o e Edi:$o Eletr;nic de .ern<n- = Ros<rio > Ar+entin - = ?@ de 4 r:o de A??B > ?AC@D 2r d#:$o diret do esp nhol% ! ntendo-se o ! is pr&Ei!o do teEto ori+in l- FO#t#)ro=A??GH

NBD$3 3BB!E $ D!$-AcdB ' $ palavra cuidador foi mantida) ao inv1s de 4elador ou vigilante) sentinela) guardi8o) tutor%) por ser de f"cil entendimento) e por diferencia78o) como um nome em si) sem contudo se utili4ar letra mai;scula) por tamb1m designar sua fun78o. ' Ponto de encaixe e ponto de aglutina78o. ' &onsci9ncia acrescentada e consci9ncia intensificada e ensonhar desperto.

' Irreprochable: impec"vel) irretoc"vel) imacul"vel) irrepreens2vel. ' Buganvilla: conhecida tamb1m como primavera) um tipo de trepadeira florida. ' $4ahar: tipo de laran:eira &itrus $uratium%: laran:a'amarga) laran:a'a4eda) laran:a'cavalo) morgote. ' $rve:illa: 30eet Pea *athVrus Bdoratus%: Ervilha'de'cheiro) Ervilha'doce. ' (e4quite: mesquite do Nahuatl: mi4quitl%) g9nero Prosopis. $lgarobeira. ' 6apote: 3apoti) "rvore frut2fera) de cu:a seiva se pode tirar o chicl1. ' /urgoneta furg8o) perua) van) camionete%. f Existem algumas refer9ncias no livro sobre o conceito de aceder. Bs principais sinKnimos ou contrapartes da palavra s8o: aceitar) concordar) ter acesso%) consentir) acatar) submeter'se) condescender) aderir) anuir) aquiescer) assentir) compactuar. Neste caso) as condi7Ces sobre aceder referem'se a aceitar um fato ou circunstUncia) por concordUncia) e n8o por simples aceita78o. T como se referir ao fato de que o fogo queima. N8o se trata de aceitar ou n8o esse fato) e sim de saber por si pr.prio sobre esse fato) e se algu1m se refere a ele) a n.s s. nos cabe aceder) concordar com o fato por saber que 1 assim que funciona.

AneEo de refleEIes infor! is so)re o livro% o)tid s o lon+o d tr d#:$o


&onseguir ler os sinais do esp2rito 1 conseguir ler o funcionamento do pr.prio enredo. T habilitar a capacidade de ver as engrenagens) e ver onde ela est" atuando) e o que ela est" fa4endo. E receber como eco nossa pr.pria fun78o no momento. B funcionamento de todo o sistema n8o 1 velado) basta ter a aten78o necess"ria para afastar a n1voa) e ele aparece so4inho. $ refer9ncia ao mundo dos feiticeiros n8o 1 metaf.rica) :" que ele existe numa posi78o do ponto de encaixe. Ele existe :unto ao mundo das pessoas) no mesmo lugar onde todos est8o e vivem) e s. difere com rela78o =s possibilidades de a78o e percep78o. No mundo comum) a ;nica refer9ncia a esse mundo est" nas hist.rias em quadrinhos) e se fosse levado em considera78o estaria) ao inv1s disso) em livros de estudo. Nuando se di4 que um feiticeiro vive neste mundo sem fa4er parte dele 1 porque seu ponto de encaixe est" alinhado ao mundo dos feiticeiros) e n8o ao do mundo comum. Nessa posi78o de alinhamento) ele pode agir como um bruxo) mas tamb1m lhe 1 exigido comportar'se de acordo) al1m de ser capa4 de lidar com os componentes pr.prios dessa posi78o) como a intera78o com seres inorgUnicos) uma percep78o diferente de tempo e espa7o) e suportar pressCes diferentes das do mundo comum. $s pressCes do mundo cotidiano s8o relativas a empregos) a relacionamentos pessoais) e a auto'imagem. Para se aproximar de um desses mundos) a pessoa precisa se afastar do outro) e 1 por isso que precisa escolher. 3e est" apegada aos elementos de um) n8o vai conseguir se afastar para alcan7ar e viver no outro. B mundo dos feiticeiros 1 uma posi78o de ensonho) e para se viver nele se precisa viver numa posi78o permanente de consci9ncia intensificada) de ensonho desperto. Dodos os medos em se fa4er qualquer coisa se resumem no medo de perder nossa importUncia) se:a ela qual for. 3e:a aos nossos pr.prios olhos) ou a importUncia que pensamos ter para os outros) e at1 mesmo para o mundo) achando que se morrermos) tudo vai parar) e ningu1m mais vai fa4er nada s. porque n8o estamos mais ali. Dalve4 tenhamos medo de perceber que n8o 1 nada assim) que n8o temos importUncia) e n8o queremos fa4er nada para n8o correr o risco de perceber o que no fundo n.s :" sabemos. B medo que temos 1 o de encarar esse fato. $chamos que se de alguma forma n8o formos importantes) ent8o nossa exist9ncia tamb1m n8o ser" importante) e que por isso poderemos ser descartados. 3e n8o somos importantes) ent8o porque continuar2amos existindo@ Demos medo de ser descartados pela pr.pria vida) e ent8o passamos a vida inteira tentando enganar a vida) buscando e acumulando valores que nos tornem t8o importantes a ponto da vida n8o poder abrir m8o de n.s. E neste ponto ca2mos no medo de morrer) de n8o ser nada) e por isso ser :ogado no nada) em dissolver'se no nada. Precisamos urgente e terrivelmente sermos importantes de alguma maneira. Esse 1 o medo infundido em n.s) que nos leva a ter essa linha de racioc2nio e de a78o. E o medo vem :ustamente por sabermos que n8o somos nada) n8o importa o que a gente fa7a ou pense. 3omos nada) mas queremos fechar os olhos para isso) pois constatar 1 confirmar) e o que se busca 1 enganar tanto a si mesmo como = vida. E no entanto) a liberdade est" aqui) neste ponto) quando constatamos que n8o somos nada) e ainda assim podemos fa4er tanto. $ energia que se consegue 1 sentida como poder. Pode'se conseguir poder fa4endo coisas no mundo ou nos ensonhos. Nuando se fa4 algo) e o fato de ter feito esse algo nos d" confian7a ou 2mpeto para fa4er outras coisas) ent8o isso significa que conseguimos poder pelo simples fato de ter feito esse algo. B simples fato de viver certas experi9ncias nos confere poder. 3. somos 3uperman quando estamos completamente limpos) livres de dese:os) de ganas) limpos de consci9ncia) quando nossa energia n8o est" fugindo) se pro:etando em busca de gquereresh) e quando temos apenas a alegria de um menino) que 1 capa4 de fa4er uma travessura admir"vel e completamente inesperada pelos outros) sem esperar nada por fa4er isso) a n8o ser a alegria de ser livre e de poder estar fa4endo isso. Por que 1 que n.s temos que querer sempre as coisas do nosso :eito@ Por que 1 que n8o nos contentamos simplesmente com as coisas do :eito que elas se apresentarem) ou conforme aconte7am@ Por que 1 que nos permitimos ser t8o mimados) a ponto de se irritar e n8o querer viver ou desfrutar de momentos) quando eles n8o s8o exatamente do :eito que imaginamos que deveriam ser@ Existem muitos conceitos a serem assimilados) e muitos levam anos at1 serem processados e chegar a nos fa4er sentido) na forma de uma sensa78o direta que :" n8o precisa de ser acompanhada de uma explica78o para que possamos entend9'lo e senti'lo de forma clara em n.s mesmos) em todo o nosso ser. Nuantos bombons precisamos comer at1 chegar a realmente reconhecer seu sabor@ Der2amos que n8o s. saber) mas sentir que a vida 1 rara) que 1 curta) e que cada coisa que fa4emos nela tamb1m 1 rara) para que bastasse um ;nico bombom@ Bu antes ter2amos que comer muitos) de muitos tipos) para poder comparar) ou tamb1m ter2amos que passar um tempo sem sequer poder sentir o cheiro de um) para que quando se voltasse a provar um) saber o quanto 1 raro tanto a sua pr.pria exist9ncia como um ser) como a exist9ncia do bombom) e o fato de que os dois pudessem existir :untos num mesmo lugar e tempo) a ponto de poderem entrar em contato@ Ama ve4 que se saiba de tudo isso) bastar" um bombom) e n8o de4) para se conseguir apreciar o bombom e se sentir saciado em seu dese:o de querer mais) e satisfeito com o pr.prio fato) por saber quantas coisas precisaram estar envolvidas para que esse fato acontecesse.

' No filme Indiana ,ones e a bltima &ru4ada) no final do filme) todos est8o num templo) e uma fenda se abre no ch8o) formando um abismo. B c"lice 5raal% cai no buraco e fica numa beirada. Ama mulher tenta peg"'lo) cai) e Indiana a segura pela m8o) mas ela) na ambi78o de tentar alcan7ar o c"lice) se solta e cai no abismo. B mesmo acontece com Indiana) que ent8o 1 seguro por seu pai. Ele tamb1m tenta alcan7ar o c"lice. No "pice da situa78o) quando sua m8o tamb1m est" por se soltar) seu pai) que dedicou sua vida inteira na busca desse c"lice) olha para ele e di4 calmamente: -eixa. (esmo um c"lice m"gico e ;nico n8o valia tanta ganUncia. ' Doda a gana de possuir um ob:eto sagrado) com poderes m"gicos) e o medo de se deixar perder para sempre um ob:eto t8o importante) precisa ser deixada de lado num instante de desapego. Para a mulher que caiu) a afli78o e loucura em se ter algo t8o valioso foi maior at1 que seu instinto de sobreviv9ncia. E n8o 1 o mesmo que acontece conosco@ $lgumas coisas brilham mais que o ouro aos nossos olhos) e nos agarramos com tanta for7a = id1ia de possuir tal coisa de deixamos todo o resto de lado. -eixamos de lado o bom senso) a sobriedade) passando por cima de tudo e de todos para tentar conseguir nosso ob:eto sagrado. Nuase nunca ouvimos) ou damos aten78o) = vo4 interior que nos di4: -eixa. ' T caracter2stica do ego possuir uma insatisfa78o sem fim. Ele 1 como um rei que) n8o importa o que ou o tanto se fa7a por ele) ou quais presentes se possa lhe dar) ele nunca se dar" por satisfeito. B universo inteiro n8o seria suficiente. Ele 1 personificado no mito dos vilCes) que querem conquistar primeiro seu pa2s) depois o mundo) ou at1 como -arth ?aider) todo o Aniverso. ' Nuando nos referimos ao esp2rito) sempre parece ser algo externo) mas o esp2rito 1 uma coisa s.. Ele 1 a soma total das energias. $ por78o de energia que est" em n.s) concentrada em nosso ser) que n.s chamamos de nosso esp2rito ou alma) n8o deixa de ser parte do esp2rito total. Buvir o esp2rito n8o 1 necessariamente ouvi'lo de fora. $ por78o de esp2rito que est" em n.s 1 o que nos permite estar em contato com todo o resto. Bs anseios do esp2rito) diferentes dos do ego) se d8o por satisfeitos quando s8o alcan7ados. Nuando se fala sobre as exig9ncias ou requisitos do esp2rito) fica parecendo que temos que fa4er coisas para agradar algo fora de n.s) a uma entidade que s. nos permite continuar quando cumprimos suas solicita7Ces. (as essas necessidades brotam diretamente em n.s. T o que chamamos de consci9ncia. 38o aquelas necessidades de esp2rito que precisamos fa4er ou cumprir para estarmos em pa4 e satisfeitos conosco mesmos. E esta 1 a ;nica satisfa78o real e poss2vel.

2rechos 1o!pil dos Fi% ' Ensonhar tem um prop.sito< os sonhos comuns n8o o t9m. B ensonho sempre tem um prop.sito pr"tico) e serve ao ensonhador de maneira simples ou intrincada. Ele serviu a voc9 para superar seus pesadelos) serviu =s bruxas que lhe fi4eram a comida para conhecer sua ess9ncia) e serviu a mim para fa4er com que o guarda da fronteira) que lhe pediu seu visto de turista) n8o estivesse consciente de mim. ?oc9 mesma) com pouco esfor7o) pode entrar no que voc9 chama de um estado hipn.tico. N.s o chamamos ensonhar um sonho que n8o 1 um sonho) mas um ensonho no qual podemos fa4er quase tudo o que algu1m dese:e. ' N8o 1 uma mulher alta) mas tampouco 1 t8o pequena como voc9 a viu. Em seu ensonho curativo) ela pro:etou sua pequene4 para benef2cio seu e) ao fa49'lo) apareceu pequena. Essa 1 a nature4a da magia. -eve ser aquilo cu:a impress8o dese:a dar. FW% ' Para mim) entender a filosofia dos feiticeiros que a liberdade n8o significava ser o eu que era meu ser% foi quase a morte. 3er eu mesma significava afirmar minha feminilidade) e consegui'lo consumia todo meu tempo) esfor7o e energia. $o contr"rio) os feiticeiros entendem a liberdade como a capacidade para fa4er o imposs2vel) o inesperado< ensonhar um ensonho que carece de base e de realidade na vida cotidiana. B excitante e novo 1 o conhecimento dos feiticeiros) e imagina78o 1 o que a mulher necessita para mudar seu ser e converter'se numa ensonhadora. XE% ' Bs ensonhadores se ocupam de ensonhos. Bbt9m seu poder e sua sabedoria dos ensonhos. Bs espreitadores) por sua parte) tratam com gente) com o mundo cotidiano) e obt9m sua sabedoria e seu poder atrav1s do com1rcio com seus semelhantes. XG% ' (eu pai nunca me disse que temos uma testemunha permanente) e n8o o fe4 porque n8o o sabia. Estou me referindo a uma for7a) a uma entidade) uma presen7a que n8o 1 for7a) entidade nem presen7a. Bs feiticeiros chamam'no o esp(rito) nosso observador pessoal) nossa testemunha permanente. Essa for7a n8o 1 -eus) nem tem nada a ver com a religi8o ou a moral) e sim 1 uma for7a impessoal) um poder = nossa disposi78o para ser utili4ado somente se consegu2ssemos nos redu4ir a nada. EW% ' 3e:a voc9 mesma) mas voc9 mesma sob controle. B que n8o se deve fa4er 1 fa4er algo e depois se arrepender. RE% ' Bs acontecimentos de nossa vida cotidiana s8o f"ceis de recordar. Demos muita pr"tica nela) mas os que vivemos em ensonhos s8o farinha de outro saco. Precisamos lutar muito para recuper"'los) simplesmente porque o corpo os arma4ena em diferentes lugares. &om mulheres que n8o possuem seu c1rebro de sonUmbula) as instru7Ces para ensonhar come7am por fa4er com que desenhem um mapa de seus corpos) um trabalho cuidadoso que revela onde as visCes dos ensonhos s8o arma4enadas. Esse mapa 1 tra7ado percorrendo e investigando cada polegada do corpo. !ecomenda'se um martelinho de madeira para golpear o corpo e tatear somente as pernas e os quadris) pois muito raramente o corpo arma4ena estas mem.rias no peito ou no ventre. B que se guarda no peito) costas e ventre s8o as lembran7as da vida di"ria) mas esse 1 outro assunto. $ ;nica coisa que di4 respeito a voc9 agora 1 que recordar ensonhos tem a ver com a press8o f2sica sobre o ponto espec2fico onde est" arma4enada essa vis8o. iX% ' &aminhar" mais aliviada quando se der completamente conta de que n8o pode voltar = sua antiga vida. !egressar" ao mundo) mas n8o ao seu mundo) = sua antiga vida. T muito excitante fa4er algo sem saber o porqu9) e ainda o 1 mais) se voc9 se decide a fa4er algo sem saber qual ser" o resultado. ' $ liberdade causa muito temor. $ liberdade requer atos espontUneos. N8o tem id1ia do que significa o abandonar'se espontaneamente... seus atos de espontaneidade se devem mais = sua falta de avalia78o que a um ato de abandono. Am ato verdadeiramente espontUneo 1 aquele no qual voc9 se abandona por completo) mas s. depois de uma profunda delibera78o) um ato onde todos os pr.s e os contra foram devidamente levados em conta e descartados) pois nem se espera nada nem se lamenta nada. &om atos dessa nature4a os bruxos convocam a liberdade. iG% ' N8o 1 a mim a quem precisa convencer) e sim ao esp2rito. -eve fechar a porta atr"s de voc9) a que voc9 mant1m aberta) a que te permitir" escapar se as coisas n8o s8o de seu agrado) ou n8o se encaixam em suas expectativas. -eserdar desse mundo fica entre o esp2rito e voc9. Entrou neste mundo da mesma maneira que todos os outros. Ningu1m teve nada a ver com isso) e tampouco o ter" se voc9 ou qualquer outro decide se retirar.

' 3ua decis8o carecer" de poder se precisar ser encora:ada cada ve4 que fraque:ar ou duvidar. Am guerreiro n8o 1 um escravo) e sim um servidor do esp2rito. Bs escravos n8o tomam decisCes) os servidores sim. 3ua decis8o 1 servir impecavelmente. Esta 1 a premissa b"sica desse mundo: nada se fa4 que possa ser catalogado como ;til. 3. se permitem atos estrat1gicos. $ssim me ensinou o nagual ,uan (atus) e 1 assim como vivo. B feiticeiro pratica o que predica. E no entanto nada se fa4 por ra4Ces pr"ticas. Nuando chegar a compreender e praticar isto) ter" fechado a porta atr"s de voc9. jF% ' Ama mudan7a verdadeira n8o envolve mudan7a de Unimo) atitude ou ponto de vista) e sim uma transforma78o total do ser. B tipo de mudan7a ao qual aludo n8o se consegue em tr9s meses) um ano ou de4. Doma toda a vida. T sumamente dif2cil converter'se em algo diferente ao que algu1m havia sido destinado a ser. B mundo dos feiticeiros 1 um ensonho) um mito) e no entanto t8o real como o mundo de todos os dias. ' Para perceber e funcionar nesse mundo devemos nos despo:armos da m"scara cotidiana que levamos aderida aos nossos rostos desde o dia em que nascemos) e colocarmos a segunda) a que nos permite vermos a n.s mesmos e a nosso entorno como realmente s8o: acontecimentos extraordin"rios que florescem s. uma ve4) adquirem exist9ncia transit.ria e nunca se repetem. Essa m"scara voc9 mesma ter" que fa49'la. Isso se fa4 ensonhando seu outro ser. ' $ liberdade n8o se obt1m gratuitamente< ela lhe custar" a m"scara que leva posta: essa t8o cKmoda e dif2cil de descartar) n8o por ser cKmoda) mas sim porque a tem estado usando tanto tempo. 3abe o que 1 a liberdade@ T a total aus9ncia de preocupa78o acerca de si mesma) e a melhor maneira de deixar de preocupar'se com sua pessoa 1 preocupando'se por outros. ' ," 1 hora de que comece a modelar sua m"scara) a que n8o tem a marca de ningu1m mais que n8o a sua. Precisa ser esculpida em solid8o) se n8o for assim n8o servir" em voc9) e haver" momentos em que a sentir" muito a:ustada) muito solta) muito quente) muito friaS ' Escolher o mundo dos feiticeiros n8o 1 quest8o de declarar que :" o f94: deve agir nesse mundo. Em seu caso deve ensonhar. 3e n8o est" ensonhando) ent8o ainda n8o se decidiu. N8o est" talhando sua m"scara. N8o est" ensonhando seu outro ser. Bs feiticeiros est8o comprometidos com seu mundo somente atrav1s de sua impecabilidade. Bs feiticeiros n8o t9m interesse em converter a outros =s suas id1ias. Entre eles n8o h" gurus nem s"bios) s. naguais. Eles s8o os l2deres) n8o por saber mais) ou ser melhores feiticeiros que os outros) e sim por simplesmente possuir mais energia) e n8o me refiro necessariamente a for7a f2sica) e sim a certa configura78o de seu ser que lhes permite a:udar a outros a quebrar os parUmetros da percep78o. jX% ' N8o espere que tudo se:a soletrado com precis8o para seu benef2cio. Nada no mundo dos feiticeiros era t8o claro e preciso. $s coisas se desenvolviam de maneira vaga e lenta. Nesse mundo n8o existem regras nem regulamentos. *embre'se sempre que s. existem improvisa7Ces. ' Nunca perca Isidoro Balta4ar de vista. 3uas a7Ces te guiar8o de maneira t8o sutil que nem sequer se dar" conta disso. Ele 1 um guerreiro impec"vel e incompar"vel. 3e o observar cuidadosamente ver" que ele n8o busca amor nem aprova78o. ?er" que permanece imp"vido sob qualquer situa78o. N8o pede nada) mas est" disposto a dar tudo de si mesmo. $guarda permanentemente um sinal do esp2rito) na forma de uma palavra am"vel ou um gesto apropriado) e quando o recebe) expressa seu agradecimento redobrando seus esfor7os. Ele n8o :ulga. 3e redu4iu ele mesmo = nada para escutar e observar) para assim poder conquistar e ser humilhado na conquista) ou ser derrotado e enaltecido na derrota. 3e observar com cuidado ver" que Isidoro Balta4ar n8o se rende. Podem venc9'lo) mas n8o se render" e) acima de tudo) Isidoro Balta4ar 1 livre. jG% ' B nagual Isidoro Balta4ar havia me advertido acerca da fal"cia das metas definidas e das conquistas emocionalmente carregadas. -isse que careciam de valor) pois o verdadeiro cen"rio de um feiticeiro 1 a vida cotidiana) e ali as motiva7Ces conscientes superficiais n8o aguentam as pressCes. HI% ' Nuando tentava pedir'lhes a:uda recusavam fa49'lo. 3eu argumento era que sem a necess"ria energia de minha parte s. lhes sobrava repetir'se) e n8o dispunham de tempo para isso. $ princ2pio sua negativa me pareceu in:usta e nada generosa) mas depois de um tempo abandonei toda tentativa de indag"'las) e me dediquei a desfrutar de sua presen7a e de sua companhia. &heguei assim a aceitar sua ra48o para n8o querer :ogar nosso :ogo intelectual predileto) esse de pretextar interesse nas assim chamadas perguntas profundas) que usualmente nada significam para n.s pela verdadeira ra48o de que n8o possu2mos a energia para utili4ar com proveito a resposta que possamos receber) exceto para estar ou n8o de acordo com ela. ' $s ensonhadoras) ao tratar'me num n2vel mundano) me estavam proporcionando o modelo necess"rio para recanali4ar minhas energias. -ese:avam que eu mudasse minha maneira de enfocar assuntos cotidianos tais como co4inhar) limpar) estudar ou ganhar a vida. -isseram'me que essas tarefas deviam fa4er'se com distintos ausp2cios) n8o como tarefas mundanas) e sim como esfor7os art2sticos) todos de igual importUncia. Na presen7a e companhia de qualquer destas feiticeiras eu experimentava a rara sensa78o de estar em f1rias permanentes) s. que isso era uma miragem) pois elas viviam em permanente estado de guerra) sendo o inimigo a id1ia do eu. HX% ' Isidoro Balta4ar acreditava que os fil.sofos s8o feiticeiros intelectuais. $pesar disso) suas buscas e ensaios ficam sempre em empenhos mentais. Bs fil.sofos somente podem atuar no mundo que t8o bem entendem e explicam da maneira cultural :" concordada. Eles se somam a um :" existente corpo de conhecimento. Interpretam e reinterpretam textos filos.ficos. Novos pensamentos e id1ias resultantes deste intenso estudo n8o os mudam exceto) talve4) num sentido psicol.gico. Podem chegar a converter'se em pessoas mais compreensivas e boas) ou talve4 em seu oposto. No entanto) nada do que fa7am filosoficamente mudar" sua percep78o sensorial do mundo) pois os fil.sofos trabalham de dentro da ordem social) = qual apoiam) ainda que intelectualmente possam n8o estar de acordo com ela. Bs fil.sofos s8o feiticeiros frustrados.

' Bs feiticeiros tamb1m constroem sobre um :" existente con:unto de conhecimento. &ontudo) n8o o fa4em aceitando o :" provado e estabelecido por outros feiticeiros. -evem provar de novo a si mesmos que aquilo que :" se d" por aceitado na verdade existe) e se submete = percep78o. Para conseguir cumprir esta tarefa monumental) precisam de uma extraordin"ria capacidade de energia) a qual obt9m apartando'se da ordem social sem retirar'se do mundo. Bs feiticeiros rompem a conven78o que tem definido a realidade sem destruir'se no processo de fa49'lo. Hj% ' 3e dese:a receber for7as do mundo dos feiticeiros :" n8o pode trabalhar com essas premissas. Em nosso mundo m"gico os motivos ulteriores n8o s8o aceit"veis. 3e quer graduar'se) deve se comportar como um guerreiro) n8o como uma mulher treinada para agradar) pois voc9) ainda quando se pCe bestialmente desagrad"vel) procura agradar. $gora) no que se refere a escrever) :" que n8o foi treinada para isso) quando o fi4er) dever" adotar uma nova modalidade: a modalidade do guerreiro. -eve lutar consigo mesma) a cada cent2metro do caminho) e precisa fa49'lo com tal arte e intelig9ncia que ningu1m notar" sua luta. HG% ' Para alcan7ar certo n2vel de conhecimentos os feiticeiros trabalham o dobro do que o fa4em outros. Bs feiticeiros devem encontrar e dar sentido tanto para o mundo cotidiano como ao m"gico. Para conseguir isso devem ser muito preparados e sofisticados) tanto mental como fisicamente. ' Enquanto ensonhava desperta voc9 canali4ou toda sua energia em um s. prop.sito. Doda sua preocupa78o e esfor7o se destinaram a terminar seu trabalho. Nada mais importava. Nenhum outro pensamento interferiu com sua meta. WI% ' Bs homens constroem seu conhecimento passo a passo. Dendem para cima) trepam em dire78o ao conhecimento. Bs feiticeiros di4em que os homens se estiram como um cone em dire78o ao esp2rito) para o conhecimento) e este procedimento limita at1 onde podem chegar. &omo poder" ver) os homens s. podem alcan7ar certa altura) e seu caminho termina no "pice do cone. No caso das mulheres o cone est" invertido) aberto como um funil. $s mulheres possuem a faculdade de abrir'se diretamente = fonte) ou melhor di4endo) a fonte lhes chega de maneira direta) na base larga do cone. Bs feiticeiros di4em que a conex8o das mulheres com o conhecimento 1 expansiva) enquanto a dos homens 1 bastante restritiva. Bs homens se conectam com o concreto) e apontam ao abstrato. $s mulheres se conectam com o abstrato) e contudo tratam de entregar'se ao concreto WX% ' Por voc9 ser uma bruxa) precisa saber o que te afeta) e como te afeta. $ntes de recusar algo deve saber por que o recusa. Wi% ' ?oc9 experimentou duas transi7Ces: uma) do estado de estar normalmente desperta ao de ensonhar desperta) e a outra de ensonhar desperta a estar normalmente desperta. $ primeira foi suave e quase impercept2vel) a segunda um pesadelo. Isso 1 normal) e todos a experimentamos dessa maneira. ' B normal 1 come7ar a ensonhar dormindo numa rede ou algum utens2lio similar) pendurado em alguma viga) ou em uma "rvore. $ssim suspendidos n8o temos contato com o ch8o. B s.lo nos captura) n8o esque7a disso. 3uspendido assim) um ensonhador novato aprende como a energia muda de estar desperto a ensonhar) e de ensonhar um ensonho a ensonhar desperto. Dudo isto) como :" lhe disse /lorinda) 1 quest8o de energia. $ssim que a tem) voc9 voa. Wj% ' Na segunda aten78o encontramos continuidade e fluide4) assim como na vida di"ria. Em ambos estados domina o pr"tico) e atuamos eficientemente neles. No entanto) o que n8o podemos conseguir na segunda aten78o 1 esmiu7ar nossa experi9ncia para mane:"'la) e com isso nos sentirmos seguros para ent8o tentar entend9'la. ' Na segunda aten78o) ou como eu prefiro cham"'la) quando ensonhamos despertos) a pessoa deve crer que o ensonho 1 t8o verdadeiro como no mundo real. Em outras palavras) devemos aquiescer. Para os feiticeiros todo neg.cio mundano ou extra' mundano est" regido por seus atos irretoc"veis) e detr"s de todo ato irretoc"vel est" o aceder) que n8o 1 aceita78o. B assentir inclui um elemento dinUmico: inclui a78o. No momento em que come7amos a ensonhar desperto se nos abre um mundo de incitantes e inexploradas possibilidades) onde a ;ltima aud"cia se converte em realidade) onde se espera o inesperado. Esse 1 o momento em que come7a a aventura definitiva do homem) e o universo se converte em um lugar de possibilidades e maravilhas ilimitadas. aceder: aceitar) aderir) anuir) aquiescer) assentir) concordar) acatar) consentir) condescender) compactuar%. WW% ' Nossa grande trag1dia 1 a de ser bufCes) indiferentes a tudo salvo nossa bufonaria. ' Para aliviar sua pena afunde-se em si mesma. 3ente'se com os :oelhos elevados) tomando seus torno4elos com os bra7os cru4ados: o torno4elo direito com a m8o esquerda. -escansa sua cabe7a sobre os :oelhos e deixe que a pena se v". -eixe que a terra te acalme) que sua for7a curativa venha a ti. GI% ' ?oc9 se queima r"pido demais e de forma desnecess"ria. -isse que eu n8o sabia enfocar minha energia. ?oc9 a desdobra para proteger e apoiar a id1ia de ti mesma. -isse que o que pensamos ser nosso eu pessoal 1 na realidade s. uma id1ia) e manteve que a maior parte de nossa energia se consumia defendendo essa id1ia. ' B chegar a um ponto de abandono onde o eu 1 t8o somente uma id1ia que pode ser mudada = vontade) 1 um verdadeiro ato de feiti7aria) o mais dif2cil de todos. Nuando se afasta a id1ia de eu) os feiticeiros t9m a energia para alinhar'se com o intento) e ser mais do que acreditamos constituir o normal. Gj% ' Para viver no mundo dos feiticeiros deve'se ensonhar amplamente. $ maioria das pessoas n8o possui a engenhosidade nem a estatura espiritual necess"ria para ensonhar. N8o podem evitar ver o mundo como algo ordin"rio. E sabe por qu9@ Porque se voc9 n8o luta para evit"'lo o mundo 1 na verdade ordin"rio. $ maioria das pessoas vive t8o preocupada consigo mesmas que se idioti4aram) e os idiotas n8o dese:am lutar para evitar a ordinariedade.

GH'GW% ' T bobo pensar em termos de :usti7a e in:usti7a. No mundo dos feiticeiros s. existe o poder. Nos piores momentos os guerreiros revivem suas for7as para seguir adiante. Am guerreiro n8o sucumbe ao desespero. ' Nosso mundo m"gico) que 1 um ensonho) 1 feito realidade mediante o dese:o concentrado daqueles que participam dele. $ todo momento o mant9m intacto a vontade tena4 dos feiticeiros) do mesmo modo como o 1 o mundo di"rio pela vontade de todos. Para ensonhar nosso ensonho voc9 tem que estar morta. ' (orrer significa que cortamos todas as amarras) abandonamos tudo o que temos) tudo o que somos. 3e tivesse morrido como o exige a feiti7aria agora n8o sentiria ang;stia. 3entiria dever) prop.sitoP N8o se espera que se evite a triste4a ou o amor) e sim que se sobreponha a eles. 3e os guerreiros n8o possuem nada) nada sentem. ?a4io 1 o mundo dos que se entregam ao v2cio do amor por si mesmos. -e modo que temos um mundo esfarrapado) surrado) aborrecido) repetido. Para os feiticeiros o ant2doto 1 a morte) e n8o s. pensam nela) e sim que morrem. ' Ensonhar viva significa ter esperan7as) que se aferra a seu ensonho para manter'se viva. Ensonhar morta significa que abandonou a esperan7a) que n8o se agarra a seu ensonho. /lorinda havia dito que a liberdade 1 uma total aus9ncia de preocupa78o por si mesmo) algo obtido quando a massa de energia aprisionada dentro de n.s 1 liberada. Javia dito que esta energia somente podia liberar'se quando podemos reprimir o exaltado conceito que temos de n.s mesmos) de nossa importUncia) essa importUncia que consideramos inviol"vel e livre de enganos. B pre7o da liberdade 1 muito alto. $ liberdade unicamente se consegue ensonhando sem esperan7a) estando dispostos a perder tudo) inclusive o pr.prio ensonho. Para alguns de n.s ensonhar sem esperan7a) lutar sem meta) 1 a ;nica maneira de n8o ficar para tr"s do p"ssaro da liberdade. -I&IBN]!IB E3P'PB!D% E( B!-E( $*/$BTDI&$ $brumar: atordoar) enevoar) obscurecer $certi:o: charada) enigma) adivinha78o $cceder: concordar) aceder ter acesso%) aceitar) consentir) acatar) submeter'se) condescender $dem"s: al1m $dictiva: viciante $fici.n: afei78o $ga4apada: escondida) encoberta) oculta $gu:ero: buraco) rombo) perfura78o) va4ar) fenda $horrar: conservar) conter) manter. $horro: poupan7a) economia $lacena: arm"rio) buffet $lfombra: tapete) carpete $lima`as: anim"lia) feras) pragas) pestes) pequenos predadores $lmendra: am9ndoa almendrado% $mago: demonstrar a inten78o de sinal%) ind2cio) amea7ar fa4er $manerado: cort9s) boas maneiras) fresco $ncha: longa) ampla) larga) extensa $nhelante: "vido) ansioso) interessad2ssimo $nhelos: anseios) dese:os) vontades) pretens8o $`adir: add) anex) increment% completar $`icos: fragmentos) pedacinhos $nidaba: aconchegava) aninhar) acomodar $nto:.: sentir o gosto) agradar) parecer $pantallar: impressionar) surpreender $plastar: comprimir) abrir) esmagar) pressionar) apertar $puesto: charmoso $rpillera: estopa) aniagem) tecido r;stico $rreglar: remediar) reparar) arran:ar) dispor) organi4ar) arrumar< saldar) a:ustar contas< acalmar. $rro:ar: :ogar) lan7ar) atirar $sidero: pretexto para fa4er algo%) ponto de apoio) suporte) ader9ncia) ma7aneta) aperto de m8o) sacada entender%) anteparo $signado: atribu2do) designado $somo: aparecer) mostras) sinal marcas% $ta`e: concerne) di4 respeito) ter rela78o $temperado: moderado Unimo%) aclimatado $trapar: prender) apanhar) capturar $trapada: p9ga) capturada) aprisionada $unar: :untar) unir) ligar) atar) prender< acrescentar< combinar) concordar $unque: embora Basura: varredura) limpe4a) r"pido) faxina Borrar: apagar) desvanecer &omisuras: cantos &ontest.: respondeu &ontrarrestado: balanceado) neutrali4ado) compensado) contrabalan7ado) agir contra &onque: ent8o so then% &ornisa: beira) borda &robi4o: avermelhado) acobreado &ru:ir: ranger) estalar &uchara: colher &uchillo: faca &uello: garganta -efraudar: decepcionar) desapontar) fraudar -e:o: toque) dica) pitada -erriban: derrubam) demolem) destrCem. -errotero: curso) caminho) dire78o) plano de a78o -esaVunaba: pequeno almo7o) des:e:um -esconchinflar: desmontar) descompor -esenfado: naturalidade) simplicidade) singele4a) despreocupa78o) impulsividade) desebini78o) despre4o -esgano: t1dio) falta de gana) de vontade) rep;dio -esmandarme: ir longe demais) exagero) descontrolar'se -esmenu4ar: esmiu7ar) especificar) esmigalhar -esparpa:o: atrevimento) dispers8o -esplegar: dispersar) empregar esfor7os%) desdobrar -espliegue: revela78o) demonstra78o) amostra) exibi78o -esplomaba: desmoronava) despencava -estartalado: esfarrapado) decr1pito) deselegante) surrado) desleixado) desmantelado -esva2do: esva2do) desbotado) desanimado) apagado Echar: :ogar) atirar) expulsar) re:eitar) lan7ar Eludir: evitar) escapar) evadir Encomio: elogio) aplauso) louvor) parabeni4ar Empiece: come7ar) iniciar) principiar) lan7ar Empecinada: obstinada) persistente Emplear: empregar) ativar) utili4ar) empenhar Empotrado: encaixado) integrado) alo:ado) assentado Enano: an8o Enfado: t1dio) raiva) 4anga) irrita78o) aborrecimento) indigna78o) importuno. Enfurru`ada: furiosa) raivosa Eno:o: raiva) irrita78o Ensanchar: alargar) ampliar) dilatar) expandir

Brind.: trouxe) ofereceu Broma: piada) grace:o) anedota Burla: iludir) fingir) simular) enganar) trapacear) tapear Burlona: :ocosa) irKnica) pilh1ria) espirituosa) morda4) sat2rica) picante) irreverente) c"ustica) sarc"stica) pungente) c2nica) ferina. &acerola: ca7arola) panela grande &alide4: entusiasmo) cordialidade) quente) calor humano) ternura &al4ones: calcinha &antar2n: melodioso) suave e agrad"vel de ouvir &argoso: chato) aborrecido k teimoso) persistente &elos: ci;mes &haqueta: casaco) blusa) palet.) camisa &hillona: chorosa &hisme: boato) fofoca) intriga) rumor< invento) engenhoca) artefato &holos: mesti7os &odicia: cobi7a) avare4a) mesquinharia) voracidade) dese:o) ansiar &olgar: pendurar) trepar) pender) suspenso &olmado: coberto) forrado) cheio) oprimido Jalag.: lison:eou) agradar) adular Jarag"n: pregui7oso) pessoa su:a slob% Jecho: evento) fato) feito) reali4a78o Jelecho: samambaia Jembra: relativo ao sexo% feminino Jonda: profunda) intensa Juella: pegada) pista) marca deixada) rastro Juidi4o: fugidio huir%) ou breve) fuga4 Jundir: afundar algo) cravar) desabar) submergir Jurtadillas: furtivamente) secretamente Infructuosamente: sem efeito) em v8o Ingenio: brilhantismo) engenhosidade) capacidade Ingle: virilha Involucra: envolve) implica) inclui Irreprochable: irrepreens2vel ,adear: ofegar) arque:ar) engasgar) inspirar fundo ,arras: x2caras) canecas ,erigon4a: lingua:ar complicado) confuso galimat2as% ,oder: foder) ferrar) irritar. No me :odasP Est" de sacanagem@%. JaV que :oderse Dem que ter saco%. ,uguet.n: divertido *acio: em linha reta) retil2neo *adrillo: ti:olo *ampi`o: careca< audacioso) cara'de'pau) descarado *echuga: alface) salada) folhas *echu4a: coru:a) pessoa n8o soci"vel) heremita *iviana: leviano) superficial) leve) ligeiro *.bregas: obscuras) sombrias *ucir: parecer) exibir'se) mostrar'se (a:ader2a: estupide4) bobagem) idiotice) tolice) burrice (anch.n: manto) capa (ano:o: feixe) punhado) por78o (architar: degenerar) murchar) desaparecer) desvanecer) esvair) dissipar'se) fenecer) esmorecer) desfa4er'se) definhar) enfraquecer) debilitar< encolher'se< pre:udicar (e echaste de menos@ ' 3entiu minha falta@ (enudo: ligeiro) breve) "gil) destre4a) leve) port"til a menudo: constantemente) frequentemente% (itigar: abrandar) serenar) suavi4ar) aplacar) aliviar) saciar (ofar: 4ombar) :udiar) brincar) grace:o) escarnecer (o:igata: puritana ou modos femininos%

EnsaV1: testar) tentar) experimentar Enre:ado: grade) treli7a Escenas: cenas) visCes Estancia: estada Estallido: explos8o) estouro) rompante Escurrir: desli4ar) passar entre Espet1: espetar) mencionar) cutucar Esqui4oide: dividido) esqui4ofr9nico Estall1) estallido: explodir) rompante ExangMe: d1bil) exausto) esgotado) p"lido Exhum1: desenterrei /act.tum: fa4'tudo /alda: saia /lanquar: ladear /ra4ada: cobertor) manta Jallar: encontrar) achar) buscar) averiguar) locali4ar Jalla4gos: achados) descobertas. 3erendipitV: capacidade de fa4er descobertas importantes por acaso) sorte.

Peatonal: de pedestres Percatar: estar ciente P2caro: atrevido) imoral) travesso) debochado) provocante) malicioso) maldoso Picardia: malandragem) baixaria) desonestidade) travessura Pla`idera: tr9mula Plegadi4a: dobradi7o) dobr"vel P.mulos: ma78s do rosto) pKmulos Por lo ba:o: em segredo) silenciosamente Posadera: n"degas !eanudar: recome7ar) renovar) retomar) reiniciar !ecelosa: desconfiada) receosa distrustful% !echa4o: re:ei78o) recusa) rep;dio !ega`o: repreender) censurar !emilgu1) remilgado: esmerado) dengoso) melindroso) delicado em excesso) recatado. !e`ir: brigar) argumentar) alegar) defender !esult.: era !e4agada: retardado) retardat"rio) lerdo) atrasado) pregui7oso !ienda suelta: livre fluxo) va48o) liberar !oto: quebrado Nuedar: restar) sobra) fica) cair) manter 3encillamente: verdadeiramente) sinceramente 3endero: caminho) trilha) pista 3ienes: t9mporas 3in alento: sem fKlego) ofegante 3in tacha: impec"vel) completo) sem defeito fla0less% 3orti:a: anel mais os com algum adorno ou pedra preciosa% 3ostuvo: manteve) sustentou) conservou 3uministrado: fornecido) suprido) fonte) supplV 3ueles: acostumado a 3uspica4: desconfiado) duvidoso) receoso Dac.n: salto de sapatos% Daladr.: perfurou) broca< ferir) magoar Dararear: cantarolar Da4a: c"lice) ta7a) copo) tigela) x2cara Demprana: cedo De`ida: tingida) pintada Derminante: categ.rico) preciso) definitivo) inquestion"vel Destarudo: tena4) perseverante) teimoso Detera: bule de ch") chaleira

(oh2n: careta) tre:eito (uchacha: garota) menina (usit.: sussurrou) cochichou (uslo: coxa Nalgas: n"degas) bunda Necedades: tolices) burrices Nudillos: n.s dos dedos) :untas Bcaso: decl2nio Bminoso: agourento) mau press"gio Bquedad: buraco) cavidade) oco) va4io Palade"ndola paladear%: saborear) aprecisar) desfrutar) go4ar Pare:o: uniforme) paralelo) alinhado Parroquianos: clientes) fregueses Pasillo: corredor Patada: chute) pontap1 Patra`a: est.rias man:adas) pra boi dormir%) contos Patane: grosseria) deselegante) r;stico) desa:eitado &onsultas para a Dradu78o e 5uias de !efer9ncia

Dibio: morno Dir.n: pux8o s;bito) tranco Dobillo: torno4elo Dodav2a: ainda Drampa: armadilha< al7ap8o< engano) trapa7a) subterf;gio Drasfondo: conota78o) mati4) base) forma78o) antecedentes Drinchante: faca de carne) cin4el Dri4as: peda7os) cacos Dro4os: pe7as) peda7os) partes Abicada: locali4ada) situada Ano: pessoa) aquele que ?aledero: v"lido) legitimado) execut"vel) for7ado ?iandas: comidas) iguarias) petiscos ?indicada: :usti7ada) vingada) desforra 6ambullir: mergulhar 6an:.: escavou

$s2 habla el mexicano: -icion"rio B"sico de (exicanismos ' ,orge (e:2a http:kk000.babVlon.comkdefinition http:kk000.diccionario0eb.orgkpkE3kdesco http:kk000.0ordreference.com http:kk000.0oxi[on.com.brkespanholk http:kkpt.0i[tionarV.orgk0i[ik http:kk000.plantamed.com.brkglossariokindex.html Plantas medicinais) descri78o de doen7as e usos de cada planta para tratamento% http:kk000.:ardineiro.net $l fin V al cabo: quando tudo 1 dito e pronto% afinal< no fim das contas. $ la par de: :unto com) assim como) ao mesmo tempo que. Dirando a: tendendo a) vi1s tirando a peque`os ' de m1dio a pequenos%. /ade: desbotar) fa4er desaparecer a cor e o brilho< esvair'se< murchar< encarquilhar< desaparecer< amortecer< perder a for7a. 3anseacab.: ponto final) fim de papo) assunto encerrado express8o coloquial%. Brinco: salto) pirueta) pulo. $ sus anchas locu78o adverbial ' coloquial%. P"g. XR% (e puso tan a mis anchas: deixou'me t8o = vontade) t8o cheia de si. ' &on entera liberdad. 3e usa com: estar) quedarse) sentirse V vivir. &uando ao fin todos se fueron) ella se qued. a sus anchas. ' Brgulloso) ufano. 3e usa mais com: estar) ponerse V quedarse. *e insult. V se qued. tan ancho. $nto:ar: dese:o intenso e passageiro mulher gr"vida%) capricho< suposi78o) a mim me parece. '/a4er'se ob:eto de veemente dese:o) ainda mais se s. por capricho. No hace mas que lo que se le anto:a. '/a4er uma considera78o como algo prov"vel. 3e me anto:a que va a llover. 3e me anto:a que aqu2 sucede algo raro. S nt#rronerJ Fnome feminino% despectivo. $titude ou comportamento que se caracteri4a por dar grandes mostras de devo78o religiosa) geralmente de maneira exagerada e hip.crita. /anatismo) extremismo) intransig9ncia) religiosismo) beato. p"g. i% 0 noch Fnome feminino% ' p"g. EW K- Espiga grande) formada por gr8os grossos e apertados) assim como o milho. A- 7alavro xulo% (1x. ' Parte externa do aparelho genital feminino boceta) perereca%. B- &olomb ' Dipo de pan grande) hecho con ma24 tierno: cri8 a sus dos hi)os con la venta de panochas 9 tamales. D- (1x ' !aspadura de a4;car que se prepara s.lida en tro4os rapadura%. ArveLill ) 30eet Pea *athVrus Bdoratus%: Ervilha'de'cheiro) Ervilha'doce. T uma trepadeira anual de inverno. $presenta caule herb"ceo) "spero e ascendente por meio de gavinhas que se desenvolvem nas pontas das folhas compostas. 3uas flores s8o muito vistosas) perfumadas) solit"rias e podem ser de cores e mati4es variados) com degrad1s e combina7Ces entre o a4ul) branco) amarelo) laran:a) rosa e vermelho. $p.s a polini4a78o formam'se vagens curtas) com sementes semelhantes a ervilhas) por1m venenosas. $ ervilha'de'cheiro 1 uma excelente trepadeira para pequenos suportes) como treli7as e at1 mesmo cercas. 3ua altura n8o ultrapassa os dois metros. $ flora78o ocorre na primavera e ver8o.

Escolher o mundo dos feiticeiros n8o 1 quest8o de declarar que :" o f94: deve agir nesse mundo. Em seu caso deve ensonhar. ' Nuais s8o as atividades do mundo dos feiticeiros@ $s &inco Preocupa7Ces. ,untar'se a esse mundo 1 fa4er suas coisas. Ama pessoa pode n8o se dedicar a ler os ind2cios do esp2rito) temendo que eles mostrem um caminho pelo qual n8o se gostaria de seguir) temendo que eles mostrem aquilo que n8o se quer ver) por diferir de suas metas e dese:os pessoais.

Você também pode gostar