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ISSN 1678-3131

Foto: Paulo V. Peixoto

COMUNICADO Plantas Tóxicas em


Pastagens: Cipó Prata
TÉCNICO

88 (Amorimia pubiflora, (A.


Juss.) W.R. Anderson,
Juiz de Fora, MG
Setembro, 2018
Família Malpighiaceae)
Pérsio Sandir D’Oliveira
Paulo Vargas Peixoto
Alexandre Magno Brighenti
Vânia Maria de Oliveira
João Eustáquio Cabral de Miranda
2

Plantas Tóxicas em Pastagens:


Cipó Prata (Amorimia pubiflora
(A. Juss.) W.R. Anderson,
Família Malpighiaceae)1
1
Pérsio Sandir D’Oliveira, Engenheiro-agrônomo, D.Sc. em Fitotecnia, pesquisador da Embrapa
Gado de Leite, Juiz de Fora, MG
Paulo Vargas Peixoto, Médico-veterinário, D. Sc. em Patologia, professor da Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, RJ
Alexandre Magno Brighenti, Engenheiro-agrônomo, D.Sc. em Fitotecnia, pesquisador da
Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora, MG
Vânia Maria de Oliveira, Médica-veterinária, D.Sc. em Ciência, pesquisadora da Embrapa
Gado de Leite, Juiz de Fora, MG
João Eustáquio Cabral de Miranda, Engenheiro-agrônomo, D.Sc. em Genética e Melhoramento
de Plantas, pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora, MG

Introdução As perdas econômicas decorrentes


de envenenamentos por plantas
No Brasil, até o momento, são tóxicas podem ser diretas ou indiretas.
conhecidas 131 espécies e 79 gêneros Perdas diretas incluem morte dos
de plantas tóxicas de interesse pecuário animais, redução do desempenho
(Tokarnia et al., 2012; Pessoa et al., reprodutivo (abortos, infertilidade,
2013). Embora não existam estudos malformações) e produtivo dos animais
precisos sobre as perdas causadas por sobreviventes (carne, leite ou lã), bem
essas plantas em todo o País, estimativas como outras alterações ou doenças
têm sido feitas em alguns estados da intercorrentes, resultantes do aumento
federação. As projeções indicam que as da susceptibilidade pela depressão
plantas tóxicas causam grandes prejuízos imunológica. Perdas indiretas incluem
à pecuária. Com base em necropsias custos de controle das plantas
realizadas em laboratórios de diagnóstico tóxicas nas pastagens, construção
de universidades em diferentes regiões de cercas e pastoreio alternativo
do Brasil, as mortes anuais de animais para evitar intoxicações, compra de
foram estimadas em: 800.000 a novos animais para recomposição do
1.750.000 bovinos, aproximadamente rebanho, diagnóstico das intoxicações
400.000 ovinos, 50.000 a 60.000 caprinos e tratamento dos animais intoxicados.
e 38.000 equinos (Tokarnia et al., 2012; Devem ser consideradas, ainda, a
Pessoa et al., 2013). impossibilidade de uso das pastagens
e a desvalorização da terra, pela
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invasão por plantas tóxicas (Riet-


Correa et al., 2012).
Conforme Duarte et al. (2013),
entre as plantas tóxicas que causam
a insuficiência cardíaca superaguda
associada ao exercício (ou “morte
súbita”), destaca-se o cipó prata,
também chamado “corona” (Amorimia
pubiflora sin. Mascagnia pubiflora). Os
prejuízos econômicos causados pelo
cipó prata são mais sentidos no Mato
Grosso do Sul, sul de Goiás, Triângulo
Mineiro e oeste de São Paulo, também
ocorrendo no leste do Pará e noroeste
de Mato Grosso (Figura 1) (Tokarnia et
al., 2012). Entre 2000 e 2012, verificou-
Figura 1. Área de ocorrência do cipó prata no Brasil.
se que 6,4% das mortes de bovinos do Fonte: modificado de TOKARNIA et al., 2012.

Mato Grosso do Sul foram causadas por


intoxicações, sendo as plantas tóxicas Princípio Tóxico
responsáveis por 88,9%; A. pubiflora
O princípio tóxico do cipó prata
correspondeu a 11,5% dos casos (Souza
é o ácido monofluoracético. Após
et al., 2015).
a ingestão e absorção pelo trato
Os objetivos deste Comunicado digestivo, este ácido é convertido em
Técnico são descrever o potencial de fluorocitrato pela citrato sintase, que
intoxicação do cipó prata, caracterizar a se liga fortemente à aconitase, enzima
planta em diferentes estádios fenológicos, que converte o citrato em succinato no
no sentido de facilitar sua identificação, ciclo do ácido tricarboxílico (ou ciclo de
e auxiliar no emprego de práticas de Krebs) (Nogueira et al., 2011; Furlan
prevenção e controle. et al., 2012; Lee et al., 2012; Tokarnia
et al., 2012; Duarte et al., 2013; Leong
et al., 2017). No miocárdio, ocorre a
interrupção da fase inicial do ciclo de
Krebs, cuja consequência é a diminuição
da produção de ATP, pelo bloqueio
secundário da cadeia respiratória.
As partes tóxicas do cipó prata são as
folhas. Contudo, há variações na toxidez
das mesmas durante o ano: durante o
período de estiagem, com o cipó prata em
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brotação, floração e frutificação, a dose Embora não haja tempo hábil


letal de folhas frescas é de 5 g/kg de para aplicar contravenenos, devido à
peso vivo. No final do período chuvoso, evolução superaguda da intoxicação,
com as folhas maduras, a dose letal é de são conhecidos dois antídotos, o
20 g/kg de peso vivo. Os frutos também monoacetato de glicerol e a acetamida
são tóxicos, e ensaios realizados com (Nogueira et al., 2011).
coelhos identificaram a dose letal de 1
Os animais intoxicados devem
g/kg (Tokarnia et al., 2012).
permanecer em repouso, pois andar
ou correr podem acelerar os sinais
Sinais Clínicos clínicos e a morte (Tokarnia et al., 2012).
Estudos sobre a utilização de bactérias
da Intoxicação (Butyrivibrio fibrisolvens) modificadas
geneticamente, capazes de desdobrar
Em ruminantes, observam-se sinais o monofluoroacetato dentro do rúmen,
clínicos como: relutância em se levantar, são promissores, mas ainda incipientes
andar rígido e tremores musculares. (Barbosa et al., 2003; Leong et al., 2017).
O animal urina com frequência,
permanece em posição quadrupedal por
pouco tempo e se deita repentinamente, Características
evoluindo para decúbito lateral, com
movimentos de pedalagem, mugidos e
da Espécie
morte. A evolução varia de superaguda
O cipó prata é um arbusto escandente
(poucos minutos) a aguda (até 48
(trepadeira), com ramos cilíndricos,
horas), porém, mesmo nos casos mais
vilosos, cinzentos e flexíveis. As folhas
protraídos (ou prolongados), há uma
(Figura 2) são membranáceas, verdes na
fase final “dramática”, característica da
face superior, branco-cinzentas na inferior,
intoxicação por esta planta; os sinais
pecíolo curto, com base ligeiramente em
clínicos podem ser intensificados após
forma de coração e ápice agudo, lâminas
exercício físico (Tokarnia et al., 2012).
ovaladas a oblongas, medindo de 6 cm a
À necropsia, não há lesões 15 cm de comprimento e 2,5 cm a 7,5 cm
macroscópicas significativas. Ao exame de largura. Há duas formas da planta,
histológico do rim de parte dos animais uma em que as folhas são glabras, isto
(2/3), há uma lesão degenerativa é, desprovidas de pelos, e outra em que
(degeneração hidrópico-vacuolar de parte são pilosas, o que dá aspecto prateado
do epitélio tubular). Por isso, este é o à brotação; daí o nome popular cipó
órgão de eleição a ser encaminhado ao prata (Tokarnia et al., 2012).
laboratório de patologia, em formalina a
As flores (Figuras 3 e 4) são
10%, para confirmação do diagnóstico (Dr.
amarelas, medem 2 cm de comprimento
Paulo V. Peixoto, informação pessoal).
e estão dispostas em inflorescências
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(racemos) terminais, de 13 cm a 20 cm

Foto: Paulo V.Peixoto


de comprimento.
Os frutos são sâmaras verde-claras,
com asas laterais trapezoides com cerca
de 2 cm de largura, sendo a asa dorsal
reduzida à metade da lateral (Marques et
al., 2006; Tokarnia et al., 2012).

Foto: Paulo V.Peixoto


Figura 4. Detalhe das inflorescências e frutos de cipó
prata (Amorimia pubiflora).

A simples presença do cipó prata na


pastagem é suficiente para que ocorra
intoxicação, pois os animais ingerem
suas folhas indiscriminadamente, em
qualquer época do ano. A ocorrência de
mortes é maior durante a estação seca,
Figura 2. Folhas e caule de cipó prata (Amorimia quando ocorre escassez de forragem, e
pubiflora).
a planta costuma rebrotar nessa ocasião;
seus brotos são muito tóxicos (Furlan et
Foto: Paulo V.Peixoto

al., 2012; Tokarnia et al., 2012).

Medidas de Controle

a) Práticas de manejo
Deve-se retirar, com cuidado, o
rebanho de áreas invadidas pelo cipó
prata e cercar o local, para evitar o
retorno dos animais (Duarte et al., 2013),
prevenindo o contato dos mesmos com
a planta tóxica. Durante o período seco,
os cuidados devem ser redobrados.

b) Controle mecânico
O cipó prata é difícil de erradicar,
pois apresenta sistema radicular bem
Figura 3. Inflorescências e frutos de cipó prata (Amorimia
pubiflora). desenvolvido, que favorece a rebrota
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após a roçada. Arrancar a planta, com Journal of Poisonous Plant Research,


enxadão, exige muita mão de obra e é v. 2, n. 1, p. 1-13, 2012.
adequado apenas em áreas pequenas
LEE, S. T.; COOK, D.; RIET-CORREA,
(Furlan et al., 2012).
F.; PFISTER, J. A.; ANDERSON, W. R.;
LIMA, F. G.; GARDNER, D. R. Detection
Considerações Finais of monofluoroacetate in Palicourea and
Amorimia species. Toxicon, v. 60, n. 5,
Para prevenir mortes causadas pela p. 791-792, 2012.
ingestão de cipó prata, é necessário LEONG, L. E. X.; KHAN, S.; DAVIS, C.
inspecionar periodicamente as K.; DENMAN, S. E.; MCSWEENEY, C.
pastagens, antes da introdução dos S. Fluoroacetate in plants – a review
animais, para verificar a presença e a of its distribution, toxicity to livestock
frequência da planta. A orientação de and microbial detoxification. Journal of
profissionais de medicina veterinária Animal Science and Biotechnology, v.
e agronomia é fundamental para o 8, n. 55, p. 1-11, 2017.
emprego das medidas corretas de MARQUES, T. C.; CARDOSO, M. das
tratamento dos animais e controle de G.; SALVADOR, S. C.; SALGADO, A. P.
plantas tóxicas. S. P.; GAVILANES, M. L.; BERTOLUCCI,
S. K. V. Plantas tóxicas para bovinos na
Referências região de Minas Gerais e Goiás. Boletim
de Extensão, v. 12, n. 130, 2006.
BARBOSA, J. D.; OLIVEIRA, C. M. C. NOGUEIRA, V. A.; PEIXOTO, T.
de; TOKARNIA, C. H.; RIET-CORREA, C.; FRANÇA, T. N.; CALDAS, S.
F. Comparação da sensibilidade de A.; PEIXOTO, P. V. Intoxicação por
bovinos e búfalos à intoxicação por monofluoroacetato em animais.
Palicourea marcgravii (Rubiaceae). Pesquisa Veterinária Brasileira, v. 31,
Pesquisa Veterinária Brasileira, v. 23, n. 10, p. 823-838, 2011.
n. 4, p. 167-173, 2003.
PESSOA, C. R. M.; MEDEIROS, R.
DUARTE, A. L.; MEDEIROS, R. M. M. T.; RIET-CORREA, F. Importância
T.; RIET-CORREA, F. Intoxicação por econômica, epidemiologia e controle
Amorimia spp. em ruminantes. Ciência das intoxicações por plantas no Brasil.
Rural, v. 43, n. 7, p. 1294-1301, 2013. Pesquisa Veterinária Brasileira, v. 33,
FURLAN, F. H.; COLODEL, E. M.; n. 6, p. 752-758, 2013.
LEMOS, R. A. A.; CASTRO, M. B.; RIET-CORREA, F.; FIORAVANTI, M.
MENDONÇA, F. S.; RIET-CORREA, C. S.; MEDEIROS, M. T. de. A pecuária
F. Poisonous plants affecting cattle in brasileira e as plantas tóxicas. Revista
Central-Western Brazil. International UFG, v. 13, n. 13, p. 83-91, 2012.
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SOUZA, R. I. C.; SANTOS, A. C. dos; TOKARNIA, C. H.; BRITTO, M. de F.;


RIBAS, N. L. K. de S.; COLODEL, E. M.; BARBOSA, J. D.; PEIXOTO, P. V.;
LEAL, P. V.; PUPIN, R. C.; CARVALHO, DÖBEREINER, J. Plantas Tóxicas do
N. M.; LEMOS, R. A. A. Doenças tóxicas Brasil para Animais de Produção. 2.
de bovinos em Mato Grosso do Sul. ed. Helianthus: Rio de Janeiro, 2012,
Semina: Ciências Agrárias, v. 36, n. 3, 530 p.
p. 1355-1368, 2015.

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Francisco José da Silva Lédo, Pérsio Sandir D’Oliveira,
1ª edição Fábio Homero Diniz, Frank Ângelo Tomita Bruneli, Nívea
On Line (2018) Maria Vicentini, Letícia Caldas Mendonça, Rita de Cássia
Bastos de Souza, Rita de Cássia Palmyra da Costa Pinto,
Virgínia de Souza Columbiano Barbosa

Supervisão editorial
Pérsio Sandir D’Oliveira
Normalização bibliográfica
Inês Maria Rodrigues
Tratamento das ilustrações e editoração
Carlos Alberto Medeiros de Moura
Projeto gráfico da coleção
Carlos Eduardo Felice Barbeiro
Foto da Capa
Paulo V.Peixoto

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