Quadrinhos da EC Comics – Quando o terror vira arte

Na nossa HQ Escola do Pavor, existe um misterioso narrador chamado Sr. Monteiro. Ele introduz os contos que vão assustar/encantar o leitor. Seu nome é uma homenagem ao escritor Monteiro Lobato. Mas existe outra homenagem ai: os quadrinhos da EC Comics e seu famoso narrador, o Guardião da Cripta/Crypt-Keeper.

A EC Comics é até hoje considerada a editora responsável pelas obras mais marcantes do meio.

Max Gaines foi um dos pais da Era de Ouro dos quadrinhos. Ele foi fundamental para convencer a direção da National a deixar o editor Vin Sullivan lançar algo meio arriscado: uma revista só com quadrinhos inéditos. A publicação se chamou Action Comics e apresentou Superman para o mundo, iniciando a citada Era de Ouro.

Logo Gaines abriu uma editora irmã da National, a All-American. É dela que vem a maioria dos super-heróis do Universo DC, como Mulher Maravilha, Flash, Lanterna Verde e Gavião Negro. Inclusive a ideia do supergrupo, com a Sociedade da Justiça.

Com o enorme sucesso, a National (que viraria DC) comprou a All-American e anexou todos os heróis.

Max então abriu a Educational Comics – EC Comics, focando em temas como adaptação da bíblia e da história americana. Em pouco tempo a linha editorial foi se expandindo para histórias de humor e animais fofinhos. Isso fez a empresa mudar o nome para Entertaining Comics, mantendo o EC da marca. A qualidade dos roteiristas e artistas envolvidos já destacava a EC no mercado.

Então, em 20 de agosto de 1947, uma tragédia mudou para sempre a história das histórias em quadrinhos. Max morreu num acidente de barco, segundos algumas testemunhas, tentando salvar o filho de 8 anos de um amigo.

William Gaines, filho de Max, não tinha a mesma experiência para trabalhar com quadrinhos. Então ele chamou Al Feldstein como desenhista e editor. Os dois descobriram que tinham uma paixão em comum: histórias de terror.

Auxiliados pelos editores e escritores Bill Elder e Harvey Kurtzman, eles comandaram uma equipe que adaptou obras de escritores como Edgar Alan Poe ou criaram seus próprios contos em revistas que hoje são citadas como referência: The Vault of Horror, Tales From the Crypt e The Haunt of Fear. Entre os artistas que passaram pela EC, estão alguns dos mais conhecidos e respeitados nomes do meio: Wally Wood, Al Williamson, Graham Ingels, Frank Frazetta, Jack Davis, Bernard Kriegstein, Reed Crandall, Jack Kamen, Joe Orlando, Johnny Craig, George Evans e John Severin.

O sucesso de suas publicações foi tanto que logo outras editoras queriam fazer terror. E muita gente começou a prestar atenção nas suas histórias, tramas que envolviam monstros, mas também a máfia, a Ku Klux Klan, sexo e violência. Numa América cada vez mais conservadora, embalada pelo canto reacionário do Senador Joseph McCarthy e sua caça às bruxas comunistas, não é de se admirar que aparecesse alguém como o psicólogo Dr. Frederic Wertham e a sua obra The Seduction of the Innocents.

Com base no discurso de achar culpados pelos erros da sociedade (como já aconteceu com a TV, o rock, o cinema e, recentemente, a internet e o videogame), o tal Dr. lançou sua fúria contra os quadrinhos, afirmando que eles estavam corrompendo os jovens americanos. Sua campanha difamatória o levou ao rádio, a programas de TV e a dar palestras em escolas e universidades, mostrando como as histórias em quadrinhos – principalmente as da EC – estavam causando a delinqüência juvenil pós-guerra.

Essa perseguição absurda obrigou o proprietário da EC a depor perante o Congresso diversas vezes, inclusive, com transmissão via televisão.

O resultado dessa investida contra as HQ foi sentido pelo mercado. Logo as histórias de Batman passaram a ser mais infantis, fora do seu estilo vigilante, e a contar com personagens femininos como Batgirl e Batwoman para evitar a acusação de homossexualidade. As aventuras da Mulher Maravilha ficaram mais voltadas para as adolescentes. Stan Lee, editor da Timely (futura Marvel) foi obrigado pelo proprietário Martin Goodman a demitir quase todos os desenhistas, já que havia material sobrando na editora, pois Lee comprava mais do que o necessário para manter os títulos mensais.

O golpe final foi a criação do Comics Code Authority, que ficou em vigor por décadas.

Esse “código de ética” regulava e censurava os quadrinhos, a exemplo do que aconteceu em Hollywood no mesmo período. Com tudo o que houve envolvendo Wertham, ficou até ofensivo se usar palavras como Crime, Horror e Terror em título de revistas.

Sim, a principal vítima acabou sendo a EC Comics, curiosamente a editora de maior sucesso e respeito no mercado. Com essa rasteira, a gigante National (que viu suas vendas despencarem com a queda de popularidade dos super-heróis no Pós-Guerra), voltou a dominar o mercado. Por trás de hipócritas movimentos moralistas, sempre tem alguém lucrando. E muito.

Apesar do seu injusto e traiçoeiro assassinato, as obras de terror da EC Comics seguem até hoje celebradas. Sua influência é tanta que foi para outras mídias, como TV, cinema e literatura.

Tales From the Crypt virou seriado de TV mais de uma vez, inclusive pela HBO. Diversos grandes nomes do cinema, como Steven Spielberg ou George Lucas, já declararam seu amor pelas revistas e explicaram como marcaram sua formação artística. Em seu livro Dança Macabra, onde discute e analisa o gênero, Stephen King cita a EC Comics em vários trechos e deixa bem claro como eles eram os verdadeiros mestres do terror.

Mas as adversidades, também, revelam ou confirmam talentos. Vendo que sua editora estava mal e teria que fechar as portas, Gaines mostrou seu jeito para editor. Em 1950, deu carta branca a Harvey Kurtzman que, comandando uma equipe que envolvia artistas como Bill Elder, Jack Davis e Wallace Wood, criou a revista MAD. O impacto de MAD extrapolou os quadrinhos e o seu estilo de humor inspirou artistas no mundo todo, desde as HQ até o cinema e a televisão.  Mas isso é tema para outro post.

Para apoiar Escola do Pavor
https://www.catarse.me/escoladopavor

Texto originalmente publicado no blog da Skript:
https://www.skripteditora.com.br

Referências

Moreau, Diego. Cadê o Gibi que estava aqui – Maus e a evolução da História em Quadrinhos Dissertação de Mestrado. Unisul. 2007.

Livros

CAGNIN, Antonio Luiz. Os quadrinhos. São Paulo: Ática, 1975.
GUEDES, Roberto. Quando surgem os super-heróis. São Paulo: Opera Graphica, 2004.
HOWE, Sean. Marvel Comics A História Secreta. São Paulo. LeYa. 2013.
JONES, Gerard. Homens do Amanhã. São Paulo: Conrad, 2006.
KING, Stephen. Dança Macabra. Rio de Janeiro: Suma, 2013.
MOYA, Álvaro de. Shazam!. São Paulo: Editora Perspectiva, 1970.
PATATI, Carlos; BRAGA, Flávio. Almanaque dos quadrinhos: 100 anos de uma mídia popular. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006
VOLOJ, Julian e CAMPI, Thomas. A história de Joe Shuster: O artista por trás do Superman. São Paulo. Aleph: 2018.

 

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