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VII ENCUENTRO DE INVESTIGADORES LATINOAMERICANOS DE LA ALIANZA COOPERATIVA INTERNACIONAL Organiza: Santiago de Chile, 2012. SANTIAGO DE CHILE – NOVIEMBRE 2012 1 VII ENCUENTRO DE INVESTIGADORES LATINOAMERICANOS DE LA ALIANZA COOPERATIVA INTERNACIONAL COOPERATIVISMO DE CRÉDITO: O QUE PODEMOS APRENDER COM OS BANCOS COMUNITÁRIOS DE DESENVOLVIMENTO? Airton Cardoso Cançado∗ Waldecy Rodrigues** Jeová Torres Silva Jr*** Ariádne Scalfoni Rigo**** Resumo: Este artigo tem por objetivo apresentar e analisar a experiência dos Bancos Comunitários de Desenvolvimento – BCDs, uma experiência autóctone brasileira, aproximando-a do cooperativismo de crédito. Esta aproximação tem o intuito de buscar subsídios para propor inovações junto ao cooperativismo de crédito no sentido de aprimorar este modelo cooperativista. O texto se justifica pelas experiências exitosas dos mais de 60 BCDs em funcionamento no Brasil que se utilizam de formas “pouco ortodoxas” de funcionamento e concessão de crédito, além de poderem ser considerados, segundo a literatura consultada, instrumentos de promoção do desenvolvimento local sustentável. Os resultados mostram que as cooperativas de crédito podem ter nos BCDs alguns exemplos teóricos e práticos de como integrar a produção e o consumo, utilizando-se de ferramentas como o mapeamento da oferta e da demanda e a moeda social (circulante local). Palavras-Chave: Cooperativismo de Crédito; Bancos Comunitários de Desenvolvimento; Desenvolvimento. Eixo Temático: Novos modelos de gestão organizacional (Nuevos modelos de gestión organizacional). ∗ Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade Federal do Tocantins, Brasil. Email: airtoncardoso@yahoo.com.br. ** Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade Federal do Tocantins, Brasil. Email: waldecy@terra.com.br. *** Laboratório Interdisciplinar de Estudos em Gestão Social da Universidade Federal do Ceará - Campus Cariri, Brasil. E-mail: jeovatorres@cariri.ufc.br. **** Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Solidários da Universidade Federal da Bahia, Brasil. Email: ariadnescalfoni@gmail.com. SANTIAGO DE CHILE – NOVIEMBRE 2012 2 VII ENCUENTRO DE INVESTIGADORES LATINOAMERICANOS DE LA ALIANZA COOPERATIVA INTERNACIONAL Introdução O cooperativismo já é uma experiência de mais de 150 anos (nos moldes rochdelianos) que partiu da Europa e se espalhou pelo mundo. Os Bancos Comunitários de Desenvolvimento – BCDs são uma experiência brasileira que ainda não completou duas décadas. Apesar das diferenças em relação às origens e à “idade”, ambas as experiências trazem alguns pontos em comum. Talvez a grande semelhança entre estes tipos de organização esteja na mobilização da sociedade no intuito de solucionar localmente os seus problemas. Outra semelhança está relacionada ao conceito de desenvolvimento, que em ambos os casos pode ser considerado como um pano de fundo para estas organizações. Neste trabalho busca-se discutir o que as cooperativas de crédito podem aprender com a experiência dos BCDs. Apesar de semelhantes, as experiências têm diferenças e é a partir delas que buscaremos os argumentos para refletir sobre a questão. As possíveis reflexões podem orientar trabalhos futuros tanto em cooperativas de crédito, quanto em BCDs, pois, a partir da compreensão dos dois tipos de experiência, alguns avanços podem ser pensados para ambos. Este trabalho se justifica na medida em que as cooperativas de crédito vêm se tornando no país e no mundo modelos mais seguros e democráticos em relação ao sistema financeiro privado, responsável por algumas das recentes crises. Nesse contexto, os BCDs são uma contribuição autóctone para repensar as relações com a comunidade, a produção e o consumo, mediados pelo crédito. Desta forma, além de poder contribuir com o próprio cooperativismo de crédito, que é o objetivo aqui, se faz importante apresentar a perspectiva dos BCDs para que o público a conheça. Trata-se de uma pesquisa exploratória, onde é considerado o modelo teórico das cooperativas de crédito no contexto brasileiro (que acompanha em grande parte a tradição cooperativista mundial) e as especificidades e formas de operacionalização comuns aos BCDs no Brasil. Este texto está dividido em três partes além desta introdução. Na próxima seção será realizado o desenvolvimento conceitual para o embasamento da discussão que é apresentada na sequência. Ao final estão apresentadas as considerações finais. SANTIAGO DE CHILE – NOVIEMBRE 2012 3 VII ENCUENTRO DE INVESTIGADORES LATINOAMERICANOS DE LA ALIANZA COOPERATIVA INTERNACIONAL 1. Desenvolvimento Conceitual 1.1 Cooperativismo de crédito Nesta seção iremos apresentar inicialmente uma breve contextualização da origem e desenvolvimento do cooperativismo e dos princípios cooperativistas. Posteriormente iremos apresentar o cooperativismo de crédito no contexto brasileiro. 1.1.A. Origens do cooperativismo O cooperativismo, a partir de suas raízes inglesas, essencialmente pela experiência de Rochdale (1844) se espalha pela Europa, em um primeiro momento e depois pelo mundo nos anos seguintes. A primeira experiência cooperativista foi uma experiência de cooperativismo de consumo, inicialmente, mas também se desenvolveu como cooperativismo de produção (SCHNEIDER; 1999; HOLYOAKE, 2005). Em 1895 é constituída a Aliança Cooperativa Internacional (ACI) no intuito de representar o cooperativismo no mundo. Em busca de uma identidade que agregasse o movimento no mundo a ACI encontra no Estatuto da Cooperativa de Rochdale, em meio à suas regras de funcionamento, o que foram denominados princípios cooperativistas. Com o passar do tempo e as bruscas mudanças na sociedade do século XX, tantos nos Estados como no mercado a ACI realiza algumas revisões destes princípios, de forma a adequar os princípios do movimento às novas realidades (SCHNEIDER, 1999). Estas mudanças, porém, segundo a visão de Cançado e Gontijo (2004) e Cançado et al. (2012) caminham no sentido de reforçar as matizes do próprio movimento, procurando consolidar a identidade destas organizações. Cabe ressaltar que estas mudanças foram sempre precedidas de consultas à lideranças cooperativistas e acadêmicos no mundo todo, bem como foram realizados longos debates para a definição de mudanças. Então a partir de 1995 tem-se a configuração atual dos princípios cooperativistas: Adesão Livre e Voluntária, Gestão Democrática, Participação Econômica dos Membros, Autonomia e Independência, Educação, Formação e Informação; Intercooperação e Preocupação com a Comunidade (ACI, 2012). No Brasil o cooperativismo é representado pelo Sindicato e Organização das Cooperativas Brasileiras – OCB, que é filiado à ACI. A atual legislação cooperativista (essencialmente a Lei 5.764/1971) brasileira atende aos princípios cooperativistas, porém, por ser uma lei de 1971, não agrega as mudanças realizadas pela ACI em 1995, especialmente em relação ao princípio SANTIAGO DE CHILE – NOVIEMBRE 2012 4 VII ENCUENTRO DE INVESTIGADORES LATINOAMERICANOS DE LA ALIANZA COOPERATIVA INTERNACIONAL da Autonomia e Independência. Porém, a atual Constituição Federal de 1988 sanou esta falha, o que possibilita dizer que a legislação brasileira não é um entrave para a prática dos princípios cooperativistas (CANÇADO; GONTIJO, 2004; CANÇADO et al., 2012). 1.1.B. Cooperativismo de Crédito O cooperativismo de crédito tem sua origem na Alemanha, onde se constituíram segundo dois modelos: Schulze-Delitzsch e Raiffeisen. Neste caso as cooperativas não nasceram da organização popular, como na Inglaterra, mas do trabalho de dois homens oriundos da administração pública: Hermann Schulze, prefeito de Delitzsch (conhecido como SchulzeDelitzsch) e Friederich W. Raiffeisen, burgomestre de várias aldeias em torno de Neuwied, na Renânia (MEINEN; DOMINGUES; DOMINGUES, 2004). Raiffeinsen, assessorado pelo pastor Müller, criou em 1848 a associação de Amparo aos Agricultores sem Recurso, também conhecida como Caixa Rural. A associação foi criada no intuito de fugir de um agiota local. A ideia era reunir as economias dos produtores com mais recursos e emprestar aos agricultores menos favorecidos sem a perspectiva do ganho abusivo. A organização era gerida democraticamente e reunia pessoas que se conheciam em uma área de atuação restrita. Os resultados não eram distribuídos. Embora não fosse uma cooperativa, este seria o modelo para a futura atividade cooperativista de Raiffeinsen (MEINEN, DOMINGUES; DOMINGUES, 2004; PINHEIRO, 2005). Em 1850, com uma perspectiva próxima à da criação da Caixa Rural, mas em um contexto urbano, Herman Schulze, criou as Caixas de Socorro na cidade de Delitzsch, que ficaram conhecidas como Schulze-Delitzsch. As diferenças em relação ao modelo anterior são: previsão de retorno das sobras líquidas, área de atuação não restrita e a remuneração dos dirigentes (MEINEM; DOMINGUES; DOMINGUES, 2004; PINEIRO, 2005). Em 1865, com desdobramento dos modelos alemães de cooperativismo de crédito pelo mundo, Luigi Luzzatti em Milão, na Itália, realiza adaptações dos modelos anteriores e funda o Banco Popular, o primeiro Banco Cooperativo (MEINEM; DOMINGUES; DOMINGUES, 2004). Segundo Pinheiro (2005) este modelo no Brasil tem as seguintes características: quotas de capital de pequeno valor, concessão de crédito sem garantias reais e responsabilidade limitada ao capital subscrito. Inspirado nos modelos anteriores Alphonse Desjardins idealizou um novo modelo de cooperativa de crédito. A primeira cooperativa constituída por Desjardins foi em Quebéc no Canadá em 1900. A principal diferença é nesta cooperativa há alguma espécie de vínculo entre os cooperados: funcionários de uma mesma empresa, profissionais da mesma classe, membros SANTIAGO DE CHILE – NOVIEMBRE 2012 5 VII ENCUENTRO DE INVESTIGADORES LATINOAMERICANOS DE LA ALIANZA COOPERATIVA INTERNACIONAL de um clube, etc. No Brasil este tipo de cooperativa é conhecido como cooperativa de crédito mútuo (PINHEIRO, 2005). 1.1.C. Cooperativismo de crédito no Brasil As cooperativas de Crédito no Brasil são reguladas pelo Banco Central do Brasil – BCB, pois fazem parte do Sistema Financeiro Nacional. Desta forma, além da legislação cooperativista, as cooperativas de crédito atendem às resoluções do BCB e estão sujeitas à sua fiscalização. Durante o século XX, o cooperativismo de crédito no país passou por diversas fases. A primeira cooperativa foi constituída em 1902 no Rio Grande o Sul, seus resultados foram tão relevantes que logo o cooperativismo de crédito se espalhou pelo estado (PAGNUSSATT, 2004). O cooperativismo de crédito brasileiro foi inspirado em três modelos: no modelo alemão Raiffeisen, para cooperativas rurais, no modelo de cooperativas de classe canadense Desjardins, para cooperativas urbanas e no modelo italiano Luzzatti. Na década de 1950, foi proibida a constituição das cooperativas do tipo Luzzatti. Talvez este seja o primeiro grave revés das cooperativas de crédito brasileiras. Outro grave revés acontece por volta de 1965 (a tomada do poder pelos militares foi em 1964), quando na reformulação da legislação bancária, os bancos oficiais foram escolhidos como veículo de concessão do crédito agrícola. Nesse contexto histórico, as cooperativas ainda sofreram uma restrição em seu espectro societário e operacional, o que levou ao fechamento de diversas cooperativas. No início da década de 1980, também no Rio Grande do Sul, o cooperativismo ainda remanescente se organizava de forma sistêmica por meio de uma central, a Cooperativa Central de Crédito Rural do Rio Grande do Sul Ltda. – COCECRER. A partir desta iniciativa, o cooperativismo de crédito, mesmo sob um marco regulatório desfavorável renasce no país por meio da criação de novas cooperativas singulares e centrais, até que em 1986 é criada a Confederação Brasileira das Cooperativas de Crédito – CONFEBRÁS (MEINEN; DOMINGUES; DOMINGUES, 2002). A criação destas cooperativas centrais e da confederação é importante, pois, com as exigências dos mercados, torna-se cada vez mais importante a economia de escala e de escopo para a sobrevivência das cooperativas, ainda confinadas em uma forte segmentação: cooperativas rurais (tipo Raiffeisen) e cooperativas de economia e crédito mútuo (tipo Desjardin). Em 1992 começam as grandes conquistas do cooperativismo de crédito. Neste ano foi autorizado às cooperativas de crédito captarem depósitos a prazo, aumentando o volume dos recursos administrados. Em 1994 é publicada a autorização para a criação de Postos de SANTIAGO DE CHILE – NOVIEMBRE 2012 6 VII ENCUENTRO DE INVESTIGADORES LATINOAMERICANOS DE LA ALIANZA COOPERATIVA INTERNACIONAL Atendimento (equivalentes a agências/filiais) e no ano seguinte as cooperativas são autorizadas a constituir bancos cooperativos, sendo o primeiro constituído no mesmo ano (PAGNUSSATT, 2004). Já no início do novo século, o Conselho Monetário Nacional passa a reconhecer o papel das centrais na capacitação e controle das afiliadas. As centrais passam a ser responsáveis pela fiscalização e prestação de contas ao BCB. Porém, o avanço mais significativo ocorre em 2003 com a permissão da livre associação o que consolidou a organização sistêmica (centrais e bancos cooperativos) das cooperativas brasileiras. A partir daí outras resoluções foram tomadas facilitando cada vez mais a criação de cooperativas de livre admissão e a transformação das já existentes em cooperativas com esta configuração (PAGNUSSATT, 2004). A tendência atual do cooperativismo de crédito brasileiro caminha no sentido de fusões e incorporações de cooperativas. Este movimento deve se tornar mais forte no decorrer desta década. Além disso, as cooperativas também têm caminhado no sentido da livre associação. Na seção seguinte apresentaremos algumas propostas relacionadas ao conceito de desenvolvimento. 1.2 Trajetórias do desenvolvimento Afinal o que significa desenvolvimento? Como pode ser alcançado? Neste artigo parte-se do pressuposto que “desenvolvimento” é antes de tudo um constructo de cada sociedade historicamente e espacialmente delimitada, onde se associa com a visão de cada sociedade com relação às formas pelas quais se organiza na busca de patamares superiores de qualidade de vida. O desenvolvimento trata-se de um constructo ampliado, porém com algumas discussões mais centrais no âmbito da Ciência Econômica. Assim, é conveniente perceber a evolução do conjunto de ideias a respeito das teorias de desenvolvimento econômico, partindo das concepções clássicas do crescimento econômico, até chegar a algumas das principais críticas sociais e ambientais realizadas ao modelo tradicional de acumulação de capital. 1.2.A. O desenvolvimento como consequência natural do processo de crescimento econômico Nessa concepção, o crescimento econômico é fruto da expansão do capital no território que é financiado pela poupança, que por sua vez é limitada, principalmente nas regiões subdesenvolvidas. Não existem limites para o crescimento que não sejam aqueles impostos SANTIAGO DE CHILE – NOVIEMBRE 2012 7 VII ENCUENTRO DE INVESTIGADORES LATINOAMERICANOS DE LA ALIANZA COOPERATIVA INTERNACIONAL pela escassez de capital e pelo crescimento demográfico para além das necessidades da expansão produtiva. O avanço tecnológico também pode ampliar as possibilidades de crescimento e, consequentemente, de desenvolvimento. Alguns dos principais membros dessa escola são Roy F. Harrod, Evsey Domar, Robert Solow, Walt W. Rostow. De forma geral, eles foram criticados por seus modelos simplistas. Pois a quantidade de investimento depende também da distribuição e não apenas da renda acumulada no período, além de outros fatores institucionais e “não econômicos”. Um modelo interessante para compreender os estágios de desenvolvimento foi elaborado por Rostow. Parte da crítica que o modelo de Harrod-Domar não apresenta uma teoria de crescimento satisfatória porque não demonstra o que determina a taxa de investimento. No Modelo de Rostow, o progresso tecnológico – subsidiado pela poupança – é o responsável pelo aumento constante do nível de vida (das etapas econômicas da nação). O aumento da poupança converte-se em investimentos, automaticamente, em setores líderes que são as verdadeiras alavancas que impulsionam a economia (ENRÍQUEZ, 2010). Rostow foi um dos principais expoentes da teoria da modernização. A aplicação da ciência e tecnologia tem, portanto, papel crucial para garantir um crescimento estável e sustentado. Foi dito atrás que o aumento do nível da qualidade de vida é sinônimo da evolução do país quanto à etapa econômica em que se encontra. As categorias tentam explicar as diferenças entre as sociedades, classificando-as de acordo com aspectos econômicos em fases que podem ser ou não subsequentes (ENRÍQUEZ, 2010). a) Sociedade tradicional: caracterizada por baixa produtividade e deficiências no sistema de ciência e tecnologia. Possui, portanto, baixo teto do PIB per capita. b) Precondições para a decolagem (take-off): é a etapa de transição das sociedades. Existe a possibilidade de superar a baixa produtividade por meio da utilização da ciência e da tecnologia. Mas estas condições não são endógenas e se dão a partir de economias mais avançadas. Caracteriza-se por empreendedores dispostos a assumir riscos, expansão dos investimentos em transporte, das comunicações e da exploração de matérias primas que outras nações mais avançadas têm interesse em adquirir. Mas ainda encontra-se embasada numa sociedade produtivamente baixa, com velhas estruturas sociais. c) Decolagem (take-off) para um crescimento autossustentado: a produtividade aumenta (seu impulso fundamentalmente vem da tecnologia) e a expansão da poupança/ investimentos acelera. Além do desenvolvimento das industriais e reinvestimento de seus lucros em novos empreendimentos, surgem novos métodos de produção. SANTIAGO DE CHILE – NOVIEMBRE 2012 8 VII ENCUENTRO DE INVESTIGADORES LATINOAMERICANOS DE LA ALIANZA COOPERATIVA INTERNACIONAL d) Caminho para a maturidade: surge um período de progresso sustentado (aproximadamente 60 anos). Os investimentos são maiores e há melhorias tecnológicas. Logo, cresce o PIB per capita e as velhas e ultrapassadas indústrias são extintas. A economia estabelece-se internacionalmente (as exportações aumentam) e a importação de bens diminui visto que são produzidos internamente. e) Maturidade: Caracterizada por um elevado consumo de massa, altos níveis de poupança e um sistema estruturado de ciência, tecnologia e inovação. A abordagem evolutiva de Rostow pode apresentar vários limites. Primeiro não há garantias que os países consigam naturalmente ou até mesmo, com um sistema mais planejado atingir os patamares estabelecidos. Outra crítica que pode ser feita, que mesmo em economias mais maduras e desenvolvidas, existem permanentes problemas de estabilidade, crescimento e, principalmente, de natureza social e ambiental. 1.2.B.A crítica marxista: dependência e causação circular Myrdal afirma várias causas para o subdesenvolvimento e não garante a sua superação, visto que os mecanismos automáticos do mercado tendem a manter os países desenvolvidos e os países subdesenvolvidos estagnados porque as desigualdades econômicas entre países prósperos e pobres, segundo o autor, têm aumentado. Nesse sentido, a “causação circular e cumulativa” pode tanto promover “efeitos regressivos” – causação circular e cumulativa da pobreza -, como gerar “efeitos propulsores centrífugos” –, causação circular e cumulativa do desenvolvimento (ENRÍQUEZ, 2010). O desenvolvimento é o resultado de vários fatores. O subdesenvolvimento, por sua vez, é social e econômico e possível de ser resolvido com a política. Na concepção de Myrdal, apenas o planejamento estatal “inteligente e eficaz” seguidor do exemplo de países industrializados – que tenha por objetivo elevar os investimentos para aumentar a capacidade produtiva do país – pode reverter os efeitos negativos da causação circular da pobreza e gerar efeitos positivos. Então, o desenvolvimento econômico deve ser buscado por meio do aumento compulsório da renda nacional retirada do consumo e aplicado no investimento. Então, não empenhar-se, nas etapas iniciais do desenvolvimento econômico (que não tem por objetivo elevar a qualidade de vida da população), em medidas para distribuição da renda. SANTIAGO DE CHILE – NOVIEMBRE 2012 9 VII ENCUENTRO DE INVESTIGADORES LATINOAMERICANOS DE LA ALIANZA COOPERATIVA INTERNACIONAL 1.2.C. A crítica ecológica: a Ecossocioeconomia A principal causa da crise do desenvolvimento, diz Sachs (2007), é a implantação por parte dos países subdesenvolvidos do desenvolvimento mimético, ou seja, daquele padrão de crescimento que reproduz acriticamente os modelos dos ricos sem qualquer esforço sério de compreensão e de pesquisas criativas para a busca de soluções novas. Para ele, o conceito de desenvolvimento pertence mais à esfera da ética do que da economia. Requer solidariedade “diacrônica” com as gerações futuras e o postulado da justiça social e da solidariedade sincrônica no presente. Um dos principais desafios para a promoção do “desenvolvimento includente, sustentável e sustentado”, segundo o autor, é estimular o “potencial de desenvolvimento endógeno”. Este se caracteriza por priorizar as necessidades sociais, a procura de estratégias socioeconômicas que permitam viver em harmonia com a natureza e uma ampla abertura à inovação social e às reformas institucionais. A noção de desenvolvimento sustentável, para Sachs (2007), deve, portanto, estar assentada em cinco pilares – social, ambiental, territorial, econômico e político. A respeito da controvérsia sobre a necessidade, ou não, do crescimento econômico como precondição para o desenvolvimento, Sachs (2007) afirma que enquanto houver iniquidades sociais, o crescimento econômico não pode ser descartado. No entanto, é preciso rejeitar o “crescimento empobrecedor” ou crescimento perverso (mimético), que gera concentração de renda, exclusão social e uso predatório dos recursos naturais. Em uma crítica econômica e ecológica mais profunda, Altvater (1996) reforça a ideia de que a industrialização é um “bem oligárquico”. Segundo o autor, não há, em geral, a possibilidade de regiões periféricas trilharem um caminho de desenvolvimento e, ainda mais, sustentável. Nesse sentido, o processo de acumulação global implica que a melhoria de uma região somente possa ocorrer à custa da piora de outra região. Altvater (1996) não acredita em conceitos como ecodesenvolvimento e desenvolvimento sustentável nos limites do processo da acumulação de capital. O moderno sistema industrial capitalista, de acordo com o autor, depende de recursos naturais e ambientais numa enorme quantidade. Nesse sentido, ele conclui que a grave crise global iminente não terá origens nas crises sociais ou econômicas, mas sim no colapso do sistema ecológico global. Na seção seguinte serão apresentados os Bancos Comunitários de Desenvolvimento. SANTIAGO DE CHILE – NOVIEMBRE 2012 10 VII ENCUENTRO DE INVESTIGADORES LATINOAMERICANOS DE LA ALIANZA COOPERATIVA INTERNACIONAL 1.3 Bancos Comunitários de Desenvolvimento Sob o termo de Banco Comunitário de Desenvolvimento (BCD) identifica-se, preliminarmente, o projeto de desenvolvimento territorial surgido em 1998 a partir da iniciativa dos moradores do Conjunto Palmeiras, bairro de aproximadamente 40 mil habitantes, situado na periferia da cidade de Fortaleza, Estado do Ceará, Brasil. O BCD do Conjunto Palmeiras, denomina-se Banco Palmas. Para Jayo, Diniz e Pozzebon (2009) resultado da ação da Associação dos Moradores do Conjunto Palmeiras - ASMOCONP, esta experiência de BCD apresenta por objetivo o fomento à geração de trabalho e renda por meio da utilização de diversas ferramentas de concessão de serviços de finanças solidárias aos produtores e consumidores do território. Em função de sua prática inovadora que “integra em um mesmo cenário instrumentos de crédito, produção, comercialização e consumo na perspectiva de remontar as cadeias produtivas, oportunizando trabalho, renda para os moradores” (MELO NETO; MAGALHÃES, 2003, p.18), o Banco Palmas passou a ser reconhecido. Esse reconhecimento se transformou no desejo de outras instituições em reproduzir esta tecnologia social. Para facilitar a execução deste propósito, em 2003, surge o Instituto Palmas, cuja função é difundir as metodologias e tecnologias sociais desenvolvidas pelo Banco Palmas no Brasil e no Exterior. Já em setembro de 2004, o primeiro banco comunitário com metodologia replicada, é constituído no litoral do Ceará (Banco PAR, na cidade de Paracuru). Em 2005, a idéia de replicação metodológica dos BCDs passa a se consolidar e vários parceiros procuram o Instituto Palmas com o intuito de constituir experiências de Banco Comunitário em algumas cidades do Brasil: Vila Velha/ES, Vitória/ES, Simões Filho/BA, Palmácia/CE, Santana do Acaraú/CE, Campo Grande/MS e Fortaleza/CE. Ainda naquele mesmo ano, o Ministério Venezuelano de Poder para Economia Comunal (MINEC) dá mostras de interesse na constituição de empreendimentos similares na Venezuela. Assim, são constituídos os Bancos Comunales em alguns territórios deste país. Os Bancos Comunales venezuelanos guardam princípios parecidos com os dos BCDs brasileiros, pois são geridos por organizações populares locais - os conselhos comunales, mas são implantados através de uma política pública específica do governo federal da Venezuela. O Governo Federal do Brasil, também em 2005, por meio da Secretaria Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego – SENAES/MTE, anuncia sua proposta de “Apoio à Implantação de Bancos Comunitários”, entendendo esta experiência como fomento ao desenvolvimento local. Em Janeiro de 2006, um outro parceiro, o Banco Popular do Brasil SANTIAGO DE CHILE – NOVIEMBRE 2012 11 VII ENCUENTRO DE INVESTIGADORES LATINOAMERICANOS DE LA ALIANZA COOPERATIVA INTERNACIONAL (BPB)i se insere no suporte as iniciativas de BCD`s, por meio do aporte de recursos financeiros para a formação do fundo de crédito do banco comunitário. Esta parceria com o BPB, iniciada em 2005, começou com um aporte de R$50.000,00 e atingiu R$700.000,00, em 2009, para a carteira de crédito a ser emprestada pelo Banco Palmas. Esta relação do Banco Palmas com o BPB também permitiu aos demais Bancos Comunitários ter uma referência em políticas de incentivo para formação de seus fundos de crédito. Depois desta importante experiência com o BPB, os fundos para empréstimos dos BCDs foram ampliados consideravelmente - atingindo R$3.000.000,00 em 2011 - sobretudo em razão do acesso aos recursos com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a partir de 2010. Os recursos provenientes do BPB e do BNDES são emprestados pelos bancos comunitários de desenvolvimento conforme em seus próprios critérios. Todavia, os BCDs assumem plenamente os riscos pelos empréstimos. Atualmente, há também um acordo para aporte de recursos nos fundos de créditos com a Caixa Econômica Federal (CAIXA), mas neste caso, a concessão de créditos no BCD é feita sob as condições da CAIXA. Esta parceria foi fundamental para o público usuário do BCD. A CAIXA é a instituição financeira responsável pelo pagamento de diversos benefícios sociais (fundo de garantia, seguro desemprego, pensões, fundo de aposentadoria, programas de transferência de renda). Uma vez que o público primário do BCD geralmente é um beneficiário direto de programas de assistência social pública (como o programa de transferência de renda “Bolsa Família”) era essencial facilitar o acesso a esses recursos para a comunidade por meio de um correspondente bancário da CAIXA. Ao se tornar um correspondente bancário destes bancos comerciais públicos (Banco do Brasil e CAIXA), o BCD passar a funcionar como uma espécie de "ponto de atendimento" destes grandes bancos e oferece – em sua sede – parte dos diversos serviços prestados por estes. O BCD é remunerado pelas operações e serviços bancários que realizar para cada um destes bancos comerciais e o valor da remuneração varia de acordo com os contratos e a transação realizada. Ademais, como correspondente bancário, além da facilidade para retirar os benefícios sociais, também tornou-se mais prático o pagamento de títulos, carnês e contas (água, gás e eletricidade) permitindo uma representativa inclusão financeira da comunidade. É importante revelar que em vários territórios onde existem bancos comunitários, a agência bancária mais próxima fica até 30,0 km de distância. Assim, o BCD facilita o acesso dos clientes à instituição financeira sem o sacrifício e os custos do deslocamento. Todavia, em que pese a atuação dos agentes e parceiros externos, a implementação de um BCD em um território necessita, principalmente, de uma ação endógena. É a partir do desejo da SANTIAGO DE CHILE – NOVIEMBRE 2012 12 VII ENCUENTRO DE INVESTIGADORES LATINOAMERICANOS DE LA ALIANZA COOPERATIVA INTERNACIONAL comunidade que se inicia o processo de implantação do BCD, entretanto alguns requisitos devem ser atendidos, por exemplo: capital financeiro para o fundo de crédito, recurso financeiro para pagamento das despesas operacionais do banco, organização comunitária (associação, fórum, conselho, etc) que possa assumir a gestão do banco, pessoas capacitadas para as funções de agente de crédito e gerente de crédito, e assessoramento para assimilação da tecnologia pela comunidade. O outro passo relevante para a solidificação dos processos de gestão social desses BCD`s foi a criação da Rede de Bancos Comunitários. Conforme Rede (2006), esta rede contribui para troca de experiências, saberes e articular recursos e parcerias para que todos os BCD´s possam crescer de modo conjunto. Atualmente, integraram a Rede de Bancos Comunitário, mais de 60 BCD`s constituídos em cidades de norte a sul do país, dentre estas: Belém/PA, Alcântara/MA, São João do Arraial/PI, Fortaleza/CE, Juazeiro do Norte/CE, João Pessoa/PB, Salvador/BA, Vitória/ES, Rio de Janeiro/RJ, São Paulo/SP e Dourados/MS. Em razão da peculiaridade de suas características, os BCDs não se enquadram na tipologia tradicional de organizações inseridas nos domínios das microfinanças, microcrédito e finanças solidárias, acreditando-se serem seus pontos distintivos os seguintes: i) a coordenação do BCD e gestão dos recursos são efetuados por uma organização comunitária; ii) a utilização de linhas de microcrédito para a produção e o consumo local com juros justos que possibilitam a geração de renda e oportunidades de trabalho em toda a comunidade; iii) a concessão e cobrança dos empréstimos são baseadas nas relações de vizinhança e domesticidade, impondo um controle que é muito mais social que econômico; e iv) a criação de instrumentos alternativos de incentivo ao consumo local – cartão de crédito e moeda social circulante local – que são reconhecidos por produtores, comerciantes e consumidores como eficazes para a dinamização da economia local (FRANÇA FILHO; SILVA JÚNIOR, 2009). Convém ressaltar ainda, que as garantias de pagamento e controle da concessão do microcrédito repousam na confiança no outro, baseando-se nas relações de proximidade e vizinhança, e garantindo assim, um controle social do banco. Diferente da tipologia tradicional, o futuro tomador de empréstimo em um BCD não necessita de submissão à consulta a órgão de restrição ao crédito, sendo a abordagem dos moradores do bairro, o atestado de sua confiabilidade. Do mesmo modo, na cobrança do crédito a comunidade desempenha função de um instrumento de pressão junto aos demais, constituindo uma espécie de controle social comunitário. Segundo Ledgerwood (1999 apud ABRAMOVAY; JUNQUEIRA, 2005) “são mecanismos como estes que diminuem as taxas de juros e o índice de inadimplência através de um monitoramento ‘invisível’ efetivo”. SANTIAGO DE CHILE – NOVIEMBRE 2012 13 VII ENCUENTRO DE INVESTIGADORES LATINOAMERICANOS DE LA ALIANZA COOPERATIVA INTERNACIONAL As características descritas apontam a natureza singular dos BCDs no universo do microcrédito. Em outras palavras, para além do microcrédito fomentado por organizações de mercado (bancos privados), ou instituições públicas de governo (bancos do povo), ou ainda, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips de microcrédito) e outras formas de organizações (cooperativas de crédito), existe um vasto elenco de experiências informais oriundas das formas de organização popular (tais como os fundos rotativos e fundos solidários) que ampliam e complexificam a compreensão do que seja este universo das microfinanças. A compreensão de tal singularidade supõe, primeiro, uma releitura sobre as origens e disseminação do atual microcrédito. Conforme Woller e Woodworth (2001), a ampla disseminação da idéia de microcrédito nas ultimas três décadas (1980, 1990 e 2000) parece particularmente vinculada a um contexto muito específico na dinâmica do capitalismo contemporâneo. Essa conjuntura de popularização do microcrédito por grandes instituições financeiras internacionais é motivada também por uma interpretação e reapropriação bastante específica de experiências pioneiras como a do Grameen Bank, em Bangladesh. Assim, a entrada de grandes bancos privados no campo do microcrédito, através de um processo mais conhecido como “inclusão financeira”, representou a descoberta de um novo nicho mercadológico para as instituições financeiras convencionais. Portanto, inserido nos domínios de finanças solidárias, o BCD identifica-se – conforme algumas análises (REDE, 2006; SILVA JÙNIOR, 2006; FRANÇA FILHO, 2007) – enquanto sistema financeiro de natureza associativa e comunitária que, admitindo por orientação os preceitos da Economia Solidária, voltando-se à geração de trabalho e renda em territórios com populações fragilizadas. Nesta caracterização do que são BCDs, importa lembrar que se trata de um projeto de apoio às economias populares de territórios com baixo desenvolvimento socioeconômico, oferecendo a população excluída do sistema financeiro três serviços: fundo de crédito solidário, moeda social circulante local e feiras de produtores locais. Assume-se, então, um destacado papel de promotor do desenvolvimento territorial, do empoderamento e da organização comunitária, ao articular – simultaneamente – produção, comercialização, financiamento e capacitação das comunidades do território. Diante disso, aparentemente, os BCD´s vêm se constituindo em uma política de finanças solidária que pode contribuir na minimização destas dificuldades, pois se constitui em um serviço comunitário que incentiva as ações do desenvolvimento socioeconômico territorial nos territórios onde está implantado, financiando produtores, comerciantes e consumidores, e ampliando a capacidade de geração de renda na comunidade. No desenvolvimento de suas ações os BCD`s relacionam-se diretamente com as políticas públicas de assistência e SANTIAGO DE CHILE – NOVIEMBRE 2012 14 VII ENCUENTRO DE INVESTIGADORES LATINOAMERICANOS DE LA ALIANZA COOPERATIVA INTERNACIONAL distribuição de renda do governo federal, estadual e municipal, sendo por isso importante a participação do município no apoio das atividades do BCD. Do ponto de vista do processo metodológico de implantação, a maioria absoluta dos BCDs criados no país tem a assessoria do Instituto Palmas. Isto, praticamente, padroniza o processo de implementação dos BCD`s. Contudo, novas experiências de constituição de BCD`s têm surgido apoiados por outras instituições (Ateliê de Idéias - Espirito Santo, Incubadoras Universitárias da Universidade de São Paulo – USP e das Universidade Federais: Fluminense UFF, da Bahia – UFBA e do Ceará – Campus Cariri - UFC Cariri). De um modo geral, estas Incubadoras seguem um processo próximo ao do Instituto Palmas, mas existem algumas variações quanto a etapa de criação do banco ou até a inserção do BCD em um projeto mais amplo de desenvolvimento territorial, onde ele compõe uma rede local de economia solidária. Aqui, cabe destacar o seguinte: se existem variações nos métodos para implantação dos BCD`s, o mesmo não cabe afirmar quanto a metodologia de funcionamento. Todos os BCDs, independente da instituição fundadora, funcionam seguindo a mesma proposta, os mesmos procedimentos funcionais e estruturas básicas de gestão muito semelhantes. De acordo com França Filho (2007), quanto à sua natureza singular de atuação, o BCD apresenta como características fundamentais a hibridação de economias e uma construção conjunta de oferta e demanda. Quanto à hibridação de economias, este autor explica que em razão da natureza de suas atividades e de suas fontes de captação e geração de recursos, esses bancos têm por base de atuação três lógicas econômicas distintas: 1) Economia Mercantil - Fundada no princípio do mercado auto-regulado. Trata-se de um tipo de troca marcado pela impessoalidade e pela equivalência monetária, limitando a relação a um registro utilitário. Nos BCDs recorre-se à uma lógica de economia mercantil, quando os recursos originam-se de pagamento de serviços. 2) Economia Não-mercantil - Fundada no principio redistribuição. É marcada pela verticalização da relação de troca e pelo seu caráter obrigatório, pois aparece a figura de uma instância superior (o Estado) que se apropria dos recursos a fim de distribuí-los a população na forma de serviços públicos. Este princípio se materializa por meio de uma atuação redistributiva dos BCDs, quando os recursos originam-se de fontes públicas (governamentais ou não governamentais), e mesmo privadas, através de transferência direta característica de uma forma de subsidiariedade econômica. 3) Economia Não-monetária - Fundada sobretudo na reciprocidade. Trata-se de perenizar os laços sociais, através de uma relação que privilegiam a domesticidade, a vizinhança e o valor do laço em detrimento do valor do bem. Encontra-se esta economia, identificada no, à SANTIAGO DE CHILE – NOVIEMBRE 2012 15 VII ENCUENTRO DE INVESTIGADORES LATINOAMERICANOS DE LA ALIANZA COOPERATIVA INTERNACIONAL uma lógica de economia não monetária, quando os recursos do BCD não são financeiros e baseiam-se em diferentes mecanismos de solidariedade como cooperação, ajuda mútua e distintas formas de doação ou troca dádiva, fundamentado em valores como confiança e lealdade, além do seu do seu modelo de garantia e controle social nos empréstimos ou no uso da moeda social fundamentada nas relações de confiança. Em relação à construção conjunta da oferta e demanda, essencial em sua caracterização como experiência sui generis de finanças solidárias, refere-se à articulação do banco em torno das necessidades reais da população a que assiste. Neste sentido, os BCDs procuram investir simultaneamente na capacidade de produção, de geração de serviços e de consumo territorial. Para tanto ele financia e orienta a construção de empreendimentos sócio-produtivos e de prestação de serviços locais, bem como, o próprio consumo local. Isto porque, para além da disseminação de microcréditos com múltiplas finalidades conforme as linhas de crédito definidas por cada banco, o seu maior objetivo e compromisso é com a construção de redes locais de economia solidária através da articulação de produtores, prestadores de serviços e consumidores locais. Tais redes são também conhecidas como redes de “prossumidores”, pelo fato de associar produtores e consumidores locais através do estabelecimento de canais ou circuitos específicos de relações de troca, o que implica uma ruptura com a clássica dicotomia entre produção e consumo característica da lógica capitalista de organização do funcionamento econômico. A construção de redes desse tipo é a expressão concreta de uma outra economia acontecendo nos territórios. É a forma encontrada para fortalecer as economias locais, reorganizando-as, na direção de um outro modo de promover o desenvolvimento tendo por base os princípios da economia solidária. Os BCDs afirmam-se, portanto, como partícipes de um movimento de economia solidária, seja atuando no âmbito dos fóruns regionais e nacionais desse movimento, seja na constituição de sua própria rede: a Rede Brasileira de Bancos Comunitários (FRANÇA FILHO; SILVA JÚNIOR, 2009). Os BCDs têm vocação na sua prática a promover uma construção conjunta da oferta e da demanda. Isto porque, eles são uma iniciativa associativa envolvendo moradores num determinado contexto territorial que buscam a resolução de problemas públicos concretos relacionados à sua condição de vida no cotidiano, através do fomento à criação de atividades sócio-econômicas. Neste sentido, a criação das atividades ou a oferta de serviços, são construídas em função de demandas reais expressas pelos moradores em seu local. A ideia é de estimular no território um circuito integrado de relações envolvendo produtores e/ou prestadores de serviço em articulação com consumidores e/ou usuários de serviços. SANTIAGO DE CHILE – NOVIEMBRE 2012 16 VII ENCUENTRO DE INVESTIGADORES LATINOAMERICANOS DE LA ALIANZA COOPERATIVA INTERNACIONAL Nesta economia de “prossumidores”, a regulação ocorre através de debates públicos concretos no espaço associativo, num exercício de democracia local em que os próprios moradores planejam e decidem sobre a oferta de produtos e/ou serviços (ou seja, a criação de atividades sócio-econômicas) em função das demandas efetivas identificadas precedentemente por eles próprios. O estímulo a criação de fóruns locais torna-se comum na prática dos BCDs, a exemplo do fórum econômico local (FECOL) do bairro do conjunto palmeiras em Fortaleza. Para França Filho e Silva Júnior (2009), a construção conjunta da oferta e da demanda como característica–chave dos BCDs supõe ainda, no nível da ação, uma articulação fina entre dimensões sócio-econômica e sócio-política. Isto porque a elaboração das atividades sócioprodutivas conjuga-se à uma forma de ação pública: trata-se de moradores num determinado território debatendo politicamente seus problemas comuns e decidindo seu destino. Isto é coerente com o fato de que o BCD como vetor de desenvolvimento sócio-econômico da rede inscreve-se numa dinâmica associativa local. Tais iniciativas tem vocação, desse modo, a constituir-se também como formas inéditas de espaço público em seus respectivos territórios de pertencimento, ensejando a idéia de espaços públicos de proximidade (LAVILLE, 1994). Em Silva Júnior (2007) a mobilização endógena do território também é apontada como fator determinante para o surgimento de um BCD. O que significa dizer que, embora necessários, estímulos externos de instituições de apoio devem sempre se secundários ao papel da comunidade nesse processo, devendo derivar desta o desejo de implantação do BCD a partir do reconhecimento da necessidade do mesmo. É preciso, no entanto, que alguns requisitos sejam supridos em seu processo de criação, como a existência de organização comunitária (associação, fórum, conselho, etc) habilitada à sua gestão, capital financeiro para o fundo de crédito e para o pagamento das despesas operacionais, pessoas preparadas para assumir função de agente e gerente de crédito, bem como assessoramento para assimilação da tecnologia pela comunidade. França Filho (2007) acrescenta a isso o fato dos BCDs atuarem numa esfera de atividades cujas demandas não são atendidas, seja pelo estado ou pelo mercado. Os BCDs, em razão principalmente da dimensão de finanças de proximidade que supõe um tipo de relação econômica em que o laço financeiro, encontra-se submerso em relações de confiança e solidariedade. Isto nos faz sugerir a hipótese de uma renovação ou reatualização das práticas de BCDs enquanto forma muito emblemática de manifestação da economia solidária no Brasil tanto no meio rural quanto urbano. Desta forma, pode-se notar que a perspectiva de desenvolvimento dos BCDs tem mais relação com a crítica ecológica, apresentada por Sachs (2007). SANTIAGO DE CHILE – NOVIEMBRE 2012 17 VII ENCUENTRO DE INVESTIGADORES LATINOAMERICANOS DE LA ALIANZA COOPERATIVA INTERNACIONAL Na seção seguinte serão apresentadas as possíveis contribuições dos BCDs para as cooperativas de crédito. SANTIAGO DE CHILE – NOVIEMBRE 2012 18 VII ENCUENTRO DE INVESTIGADORES LATINOAMERICANOS DE LA ALIANZA COOPERATIVA INTERNACIONAL 2. O que as cooperativas de crédito podem aprender com os BCDs? Antes de se iniciar esta seção é importante destacar que o surgimento tanto das cooperativas de crédito nos seus diversos modelos, quanto dos BCDs está vinculado à tentativa de melhoria das condições de vida da população e ao acesso ao crédito. Além disso, ambos os tipos de organização dependem da organização da sociedade. A principal contribuição dos BCDs em relação às cooperativas de crédito está vinculada ao desenvolvimento da comunidade. É inegável que as cooperativas de crédito são instrumentos importantes para este desenvolvimento, porém, a abordagem proposta pelos BCDs parece apresentar um caráter mais efetivo, ou seja, capaz de se aproximar mais das reais demandas do território e com isso tentar atende-las. Os BCDs, como as cooperativas de crédito, são, entre outras funções, instrumentos para fixação de recursos na comunidade. As cooperativas de crédito se propõem a realizar esta tarefa por meio da eliminação do atravessador (banco privado) e de uma micro-regulação do mercado financeiro da região por meio de taxas de juros e/ou serviços diferenciados aos cooperados. Por outro lado, pode-se considerar que os BCDs têm instrumentos mais efetivos, que são relativamente simples. Inicialmente, por meio do mapeamento da oferta e da demanda local os BCDs passam a conhecer o perfil econômico da comunidade e estas informações orientam o financiamento da produção e do consumo na comunidade, criando a figura do “prossumidor”, já apresentada. Além disso, a mobilização da comunidade para utilização da moeda social reforça este apelo de fixação dos recursos na comunidade. Em outras palavras, os BCDs identificam o que é consumido mas ainda não é produzido na comunidade. Desta forma, direciona o crédito (preferencialmente em moeda social) para o financiamento a empreendimentos que possam vir a produzir estes produtos (preferencialmente empreendimentos coletivos) e abastecer a localidade, fixando os recursos na região. Estas ações coordenadas, realizadas pelos BCDs têm ainda uma diferença das cooperativas de crédito. O objetivo de uma cooperativa de qualquer ramo no Brasil, segundo a Lei 5764/71 é “Art. 4º As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados [...]” (BRASIL..., 2012, grifos nossos). O objetivo dos BCDs está vinculado ao desenvolvimento da comunidade como um todo. Pode-se argumentar que, por meio do princípio da Preocupação com a Comunidade as cooperativas também desempenham este papel (CANÇADO; SILVA JR; RIGO, 2008), mas este não é seu objetivo central. SANTIAGO DE CHILE – NOVIEMBRE 2012 19 VII ENCUENTRO DE INVESTIGADORES LATINOAMERICANOS DE LA ALIANZA COOPERATIVA INTERNACIONAL O argumento central aqui é que as cooperativas de crédito, de maneira geral, poderiam ser instrumentos mais efetivos de desenvolvimento das comunidades onde atuam utilizando-se ferramentas como as dos BCDs (não necessariamente as mesmas), na medida em que este pudesse ser considerado como um objetivo central nas cooperativas. O princípio cooperativista da Preocupação com a Comunidade pode ser o caminho para estas ações. Conforme o discutido em Cançado, Silva Jr e Rigo (2008), quando o referido princípio é colocado em prática a própria comunidade se desenvolve melhorando a qualidade de vida onde os cooperados residem (âmbito da cooperativa), o que traz impactos positivos para os próprios cooperados e consequentemente para a cooperativa em uma lógica de reciprocidade próxima à Teoria da Dádiva. No entanto, um aspecto fundamental deve ser observado: a relação com o território em ambos tipos de experiências. No caso das cooperativas, apesar de sempre estarem situação em uma comunidade ou região, em muitos casos representam mais um grupo (produtores, médicos etc) associado e não seu território. Inclusive, pessoas que não moram no lugar podem constituir o quadro de cooperados. No caso dos BCDs, são criados no território (bairro, vila, pequeno município etc) e por moradores do lugar, construindo uma identidade muito própria do BCDs (reforçada pela criação e uso de uma moeda social própria e representativa da comunidade). Essa proximidade, a nosso ver, favorece o estabelecimento de relações entre o BCD e seus usuários (moradores, comerciantes e produtores locais) que lhe permite atender mais diretamente as demandas de um processo de desenvolvimento territorial mais efetivamente. Tendo observado isso, podemos inferir que não seria necessário mudar o objetivo da cooperativa, que continua sendo o de “prestar serviços aos cooperados”, porém, é importante repensar o caminho pelo qual se presta este serviço, vinculando o desenvolvimento da cooperativa ao próprio desenvolvimento do território. Como atualmente as cooperativas têm se orientado para o formato de livre admissão, é provável que estas ações acabem ampliando o próprio número de cooperados podendo se constituir assim um círculo virtuoso de desenvolvimento endógeno para a cooperativa e em escala ampliada para a comunidade. Na seção seguinte serão apresentadas as considerações finais. SANTIAGO DE CHILE – NOVIEMBRE 2012 20 VII ENCUENTRO DE INVESTIGADORES LATINOAMERICANOS DE LA ALIANZA COOPERATIVA INTERNACIONAL Considerações Finais Este trabalho buscou uma aproximação inicial entre as cooperativas de crédito e os BCDs, discutindo como as primeiras poderiam se beneficiar da experiência dos segundos. Cabe ressaltar que são organizações razoavelmente semelhantes e com objetivos semelhantes, porém, com particularidades que justificam este esforço teórico. Destas diferenças partem as contribuições de um modelo para o outro. A principal contribuição identificada está relacionada ao caminho pelo qual a organização busca seu objetivo, os BCDs, que inclusive carregam o termo “desenvolvimento” em sua designação, atuam como catalizadores deste desenvolvimento na comunidade. As cooperativas de crédito também têm esta perspectiva, mas estão mais centradas no atendimento às demandas dos cooperados. Porém, utilizando-se de ferramentas inspiradas nos BCDs, estas cooperativas poderiam atuar no desenvolvimento das comunidades como caminho para atendimento às necessidades dos cooperados. Como este é ainda um trabalho inicial, é muito importante que a comunidade acadêmica da área opine sobre a discussão apresentada aqui de forma a amadurecer a ideia para que em um futuro próximo possa ser implementada efetivamente, caso se entenda que é pertinente. Por outro lado, podem-se identificar cooperativas de crédito que já seguem esta linha e analisar seus resultados. Outra discussão interessante pode partir no sentido inverso, respondendo à pergunta: o que os BCDs podem aprender com as cooperativas de crédito? O que se defende aqui é que os dois modelos são importantes, são semelhantes, mas não iguais e que um pode contribuir para a melhoria do outro. SANTIAGO DE CHILE – NOVIEMBRE 2012 21 VII ENCUENTRO DE INVESTIGADORES LATINOAMERICANOS DE LA ALIANZA COOPERATIVA INTERNACIONAL Referências ABRAMOVAY, Ricardo; JUNQUEIRA, Rodrigo Gravina P. A sustentabilidade das microfinanças solidárias. RAUSP - Revista de Administração da USP. 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SANTIAGO DE CHILE – NOVIEMBRE 2012 22 VII ENCUENTRO DE INVESTIGADORES LATINOAMERICANOS DE LA ALIANZA COOPERATIVA INTERNACIONAL SACHS, Iganacy. Rumo à Ecossocioeconomia - teoria e prática do desenvolvimento. São Paulo: Cortez, 2007. SILVA JR., Jeová Torres. As experiências de bancos comunitários como ação de finanças solidárias para o desenvolvimento territorial. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL SOBRE PODER LOCAL, 10, 2006, Salvador, Bahia. Anais... Salvador, 2006. SILVA JR., Jeová Torres. Bancos comunitários e Desenvolvimento Territorial: Analisando as Singularidades destas Experiências de Microfinanças Solidárias. In: Cadernos Gestão Social, Salvador, v.1, n.1, Ed. Especial, p.1-18, set.-dez. 2007. WOLLER, Gary M.; WOODWORTH, Warner. Microcredit as a grass-roots policy for international development. Policy Studies Journal, v.29, n.2, p. 267-282, 2001. i O Banco Popular do Brasil (BPB) era uma instituição financeira, subsidiária do Banco do Brasil (BB), fundada em 2003, e atuava com serviços de microfinanças destinados – exclusivamente – às pessoas de baixa renda e democratização do acesso ao crédito (Borges, 2010a). O BPB funcionou até 2010 quando seu portfólio de cliente foi integrado ao BB. Em setembro de 2010, o BB passou a operar com microcrédito, diretamente, em suas agencias e através do Mais BB – novo programa de correspondentes bancários do BB em substituição ao BPB. Disponível em <http://www.bb.com.br/portalbb/page17,9169,9169,0,0,1,1.bb> e <http://pt.wikipedia.org/wiki/Banco_Popular_do_Brasil>. Ambos acessados em 10 de março de 2012. SANTIAGO DE CHILE – NOVIEMBRE 2012 23