Esc Anna Nery 2021;25(spe):e20200498
EAN
www.scielo.br/
REFLEXÃO | REFLECTION
Diálogos da enfermagem durante a pandemia: reflexões,
desafios e perspectivas para a integração ensino-serviço
Nursing dialogues during the pandemic: reflections, challenges and perspectives for teaching-service
integration
Diálogos de enfermería durante la pandemia: reflexiones, desafíos y perspectivas para la integración
enseñanza-servcio
Carla Aparecida Spagnol1
Karolinna Diniz Pereira2
Verônica Pedersane Nunes de Castro3
Letícia Gonçalves Figueiredo4
Karine Karoline de Souza Borges5
Luciana Moreira Batista4
Resumo
Objetivo: abordar, de forma crítica e reflexiva, desafios e perspectivas da prática profissional da enfermagem, da formação
e da integração ensino-serviço no cenário da pandemia da Covid-19. Método: as atividades práticas de uma disciplina, que
aborda a gestão do Sistema Único de Saúde, foram suspensas durante a pandemia. Diante desse fato, constituiu-se um grupo
para discutir a prática profissional, assegurando a integração ensino-serviço. A partir dos diálogos e dos textos produzidos
elaborou-se essa reflexão, tendo como referencial teórico a Análise Institucional. Resultados: alguns analisadores revelaram
desafios como a influência e o difícil acesso às tecnologias digitais no ensino e no processo de trabalho, além do medo e da
1. Universidade Federal de Minas Gerais,
Escola de Enfermagem, Departamento de
Enfermagem Aplicada. Belo Horizonte, MG,
insegurança vivenciados pelas autoras. O grupo analisou suas implicações, compartilhando sentimentos e angústias, sem
perder de vista as mudanças necessárias nos processos de trabalho. Conclusão e implicações para a prática: a Análise
Institucional contribuiu para realizar este estudo “à quente”, nesse contexto de pandemia, trazendo à tona questionamentos e
Brasil.
contradições vivenciadas nos serviços de saúde e na universidade, fortalecendo a integração ensino-serviço. Mas, mediante
2. Universidade Federal de Minas Gerais,
prestada, possibilitando a realização de outras pesquisas.
Escola de Enfermagem. Belo Horizonte, MG,
o recorte de tempo, práticas e cenários este estudo traz limitações quanto aos impactos para o ensino e para a assistência
Palavras-chave: Enfermagem; Curso de Enfermagem; Serviços de Saúde; Coronavírus; Serviços de Integração Docente-Assistencial.
Brasil.
AbstRAct
3. Secretaria Municipal de Saúde,
Coordenação de Atenção Integral à Saúde do
Adulto e do Idoso, Gerência de Integração do
Cuidado à Saúde. Belo Horizonte, MG, Brasil.
4. Universidade Federal de Minas Gerais.
Hospital das Clínicas. Belo Horizonte, MG,
Brasil.
Objective: critically and reflexively address challenges and perspectives of professional nursing practice, training, and teachingservice integration in the context of the Covid-19 pandemic. Method: the practical activities of a discipline that addresses the
management of the Unified Health System were suspended during the pandemic. In view of this fact, a group was formed to
discuss the professional practice, ensuring the teaching-service integration. From the dialogues and texts produced, this reflection
was elaborated, using Institutional Analysis as a theoretical framework. Results: some analyzers revealed challenges such as
the influence and difficult access to digital technologies in teaching and in the work process, as well as the fear and insecurity
experienced by the authors. The group analyzed their implications, sharing feelings and anguish, without losing sight of the
necessary changes in the work processes. Conclusion and implications for the practice: the Institutional Analysis contributed
to carry out this study “in the heat of the moment”, in this pandemic context, bringing to light questions and contradictions
5. Secretaria Municipal de Saúde, Unidade de
Pronto Atendimento Regional Centro Sul. Belo
Horizonte, MG, Brasil.
experienced in health services and in the university, strengthening the teaching-service integration. But, due to the cut-off of
time, practices and scenarios, this study has limitations regarding the impacts on teaching and the care provided, making it
possible to carry out other research.
Keywords: Nursing; Nursing course; Health services; Coronavirus; Teaching Care Integration Services.
Resumen
Objetivo: abordar de manera crítica y reflexiva, los desafíos y perspectivas de la práctica profesional de enfermería, de la
formación y la integración enseñanza-servicio en el escenario de la pandemia Covid-19. Método: las actividades prácticas de
una disciplina, que aborda la gestión del Sistema Único de Salud, fueron suspendidas durante la pandemia. Ante este hecho,
se formó un grupo para discutir la práctica profesional, asegurando la integración entre enseñanza y servicio. A partir de los
diálogos y textos producidos, se elaboró esta reflexión, teniendo como marco teórico el Análisis Institucional. Resultados:
algunos analizadores revelaron desafíos como la influencia y el difícil acceso a las tecnologías digitales en la enseñanza y
Autor correspondente:
Carla Aparecida Spagnol.
E-mail: spagnol@ufmg.br.
en el proceso de trabajo, además del miedo y la inseguridad vivenciados por las autoras. El grupo analizó sus implicaciones,
compartiendo sentimientos y ansiedades, sin perder de vista los cambios necesarios en los procesos de trabajo. Conclusión
e implicaciones para la práctica: El Análisis Institucional contribuyó a realizar este estudio “en caliente”, en este contexto
de pandemia, planteando interrogantes y contradicciones vividas en los servicios de salud y en la universidad, fortaleciendo la
Recebido em 07/12/2020.
Aprovado em 17/03/2021.
integración enseñanza -servicio. Pero, a través del recorte de tiempo, prácticas y escenarios, este estudio trae limitaciones en
DOI:https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2020-0498
Palabras clave: Enfermería; Curso de Enfermería; Servicios de salud; Coronavirus; Servicios de Integración Docente Asistencial.
cuanto a los impactos para la enseñanza y la asistencia brindada, permitiendo la realización de otras investigaciones.
Escola anna nEry 25(spE)2021
1
Diálogos da enfermagem durante a pandemia
Spagnol CA, Pereira KD, Castro VPN, Figueiredo LG, Borges KKS, Batista LM
o que faz professores, alunos e governantes repesarem a
formação, os processos pedagógicos, as condições de trabalho,
a infraestrutura das escolas, as condições socioeconômicas dos
alunos, entre outros fatores.
No que diz respeito à formação universitária, pode-se dizer
que de alguma forma a educação à distância (EAD) já fazia parte
desse universo acadêmico, por meio da oferta de cursos de
graduação e pós-graduação, disciplinas, cursos de atualização,
entre outras atividades didáticas. Entretanto, para os cursos da
área da saúde, como por exemplo, a enfermagem não é possível
ofertá-los integralmente nessa modalidade de ensino e nem de
forma remota, devido aos estágios e atividades práticas que são
fundamentais para a formação do enfermeiro, profissional que
presta assistência e gerencia o cuidado nos serviços de saúde.
Em relação a disciplina mencionada anteriormente, os
conteúdos teóricos foram adaptados à modalidade ERE e estão
sendo ministrados por meio de plataformas virtuais com atividades
síncronas e assíncronas. Mas, a carga horária prática ainda está
suspensa e sem previsão para ser desenvolvida. Esse fato nos
instigou a pensar como ficaria a relação e integração ensinoserviço diante dessa descontinuidade e incerteza.
Parte-se do pressuposto que a “integração ensino-serviço
pode proporcionar o pensamento crítico, criativo e reflexivo, pois
trata-se de uma interação profunda entre seus protagonistas e
a realidade dos serviços de saúde”. Essa integração pode se
constituir como um ateliê pedagógico em saúde e, para ser
efetiva é preciso que ocorra um acolhimento entre ambos (ensino
e serviço) e uma relação dialógica que proporcione análises da
realidade vivida pelos seus protagonistas (docentes, estudantes,
profissionais de saúde, gestores, comunidade, entre outros),
estimulando o debate e a reflexão sobre os problemas da prática,
além de propiciar um crescimento mútuo.5
Com a finalidade de se manter, em alguma medida, a
integração docente assistencial na relação ensino-serviço, a
coordenadora e a monitora da disciplina convidaram gestores
e enfermeiras das unidades de saúde, onde ocorrem as visitas
técnicas dos alunos, para constituírem uma espécie de “atelier
pedagógico em saúde em tempos de pandemia”. Esse atelier
tem como objetivo discutir e refletir sobre aspectos da prática
profissional da enfermagem, no contexto da pandemia, a partir
de uma interlocução entre conceitos do arcabouço teórico da
Análise Institucional (AI) e as vivências profissionais e acadêmicas
das autoras.
A AI é um referencial teórico que tem por objetivo compreender
uma determinada realidade social e organizacional e está centrado
no conceito de instituição. Esse referencial teórico nasce na
França na década de 60 e, desde os anos 70, tem influenciado
diversos movimentos no Brasil, tanto na psicologia quanto na
saúde coletiva.6,7
Um dos seus precursores, René Lourau, definiu instituição
como uma norma universal, por exemplo, o casamento, a educação,
o trabalho assalariado, mas também como o ato de fundar algo,
por exemplo, uma família, uma associação ou a criação de uma
empresa. As instituições, também, são representadas, por
INTRODUÇÃO
As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para os Cursos
de Graduação em Enfermagem, aprovadas pela Resolução
CNE/CNS nº 03 de 7/11/2001, deixam explícito o compromisso
com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS)
e com a formação de profissionais críticos e reflexivos, pautados
em preceitos éticos, inseridos num contexto histórico-social e
capazes de intervir em necessidades de saúde da população.1
A partir do movimento de mudança curricular para atender
as DCNs e a legislação pertinente, os docentes do curso de
graduação em enfermagem, de uma universidade pública do
estado de Minas Gerais, elaboraram uma disciplina com o objetivo
conhecer a organização e o funcionamento do sistema de saúde,
no que se refere a gestão da Rede de Atenção à Saúde (RAS)
no SUS. Essa disciplina é ministrada aos alunos do 3° período,
possui uma carga horária total de 75 horas, sendo 45 horas de
teoria e 30 horas de atividades práticas.
Para desenvolver o conteúdo programático da referida
disciplina, utiliza-se uma metodologia de ensino pautada na
concepção dialógica da aprendizagem, centrada na análise crítica
do aluno que problematiza as principais questões da realidade
dos serviços de saúde, buscando conhecer a gestão do SUS e o
percurso do usuário na RAS. Até o segundo semestre de 2019,
as aulas teóricas eram intercaladas com atividades práticas de
observação, nos serviços de saúde que compõem os Distritos
Sanitários da Secretaria Municipal de Saúde.
Assim, a cada atividade prática o discente vivenciava
a realidade de um determinado serviço de saúde: Unidade
Básica de Saúde (UBS) e a Estratégia de Saúde da Família;
Ambulatórios de Especialidades; Unidade de Pronto Atendimento
(UPA) e Hospital. Nesses campos de prática, os alunos eram
acompanhados por docentes da disciplina e gestores de cada
serviço de saúde, sendo uma média de sete alunos por professor
e um total de quatro visitas de 04 horas cada.
A partir do primeiro semestre de 2020, as referidas visitas
técnicas não puderam acontecer devido a disseminação da
doença denominada Covid-19, causada pelo coronavírus SARSCoV-2. Em 11 de março desse mesmo ano, essa patologia foi
declarada pandemia, pela Organização Mundial de Saúde (OMS)
2
e está atingindo diversos setores e serviços como: a saúde, a
educação, o comércio, entre outros, interferindo, sobremaneira,
nos aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais.
Tal fato tem levado a implementação de medidas de proteção
e controle da doença nos diversos países, a fim de reduzir o
risco de contágio e a proliferação do novo coronavírus, como
por exemplo, a suspensão temporária de aulas presenciais nas
universidades, visto que docentes e alunos podem ser potenciais
disseminadores desse agente infeccioso.3
Nas universidades, o ensino remoto emergencial (ERE)
apresentou-se como uma possibilidade para garantir a continuidade
do processo de ensino aprendizagem durante a pandemia, até
que se obtenha uma vacina como medida de prevenção da
Covid-19.4 No entanto, essa mudança imediata está impactando,
de forma significativa, o sistema educacional no mundo todo,
Escola anna nEry 25(spE)2021
2
Diálogos da enfermagem durante a pandemia
Spagnol CA, Pereira KD, Castro VPN, Figueiredo LG, Borges KKS, Batista LM
integração docente assistencial, à prática profissional, à formação
dos profissionais de enfermagem, que foram articulados a alguns
conceitos do referencial teórico da AI.
Além disso, os membros do grupo tiveram a oportunidade de
analisar suas implicações, a partir dos diálogos e da produção
de textos analítico reflexivos. Na abordagem da AI é importante
analisar as implicações libidinais, organizacionais e ideológicas
que os indivíduos estabelecem com as instituições,12 visto
que essa análise permite desnaturalizar e desindividualizar as
relações cotidianas nas organizações.13
Para se compreender os aspectos organizacionais dos
cenários de prática, onde as visitas técnicas não aconteceram
devido a pandemia da Covid-19, foi realizada uma breve síntese
das características de cada serviço analisado, ou seja, uma UBS,
um Ambulatório de Especialidades, uma Unidade de Pronto
Atendimento e uma Unidade de Internação de um Hospital Escola.
A UBS em estudo é uma porta de entrada preferencial da
Atenção Primária à Saúde (APS), realiza o planejamento e presta
assistência aos usuários, a partir dos aspectos epidemiológicos,
sanitários, sociais, econômicos e geográficos do território, tendo
em vista a articulação com os demais serviços da rede assistencial,
estratégias interdisciplinares e a integralidade da assistência. O
perfil da população atendida é diverso, com destaque para as
pessoas em situação de rua e um número elevado de idosos,
inclusive os institucionalizados. Além disso, presta atendimento
aos profissionais do sexo, imigrantes, moradores de ocupações
e trabalhadores de toda cidade. Isto evidencia os desafios de se
programar as ações que contemplem a todos em suas diferentes
necessidades.
O ambulatório é vinculado a um hospital público, universitário,
e oferece atendimento multidisciplinar em diversas especialidades
tais como: ortopedia, reumatologia, cardiologia, pneumologia,
cirurgia plástica, neurologia, psiquiatria, urologia, andrologia,
nefrologia, transplantes, entre outras. A clientela atendida são
usuários de diferentes níveis socioeconômicos e com uma faixa
etária ampla: lactentes, crianças, jovens, adultos e idosos, que
residem na capital ou em diversos municípios do interior de Minas
Gerais e até de outros estados. Esses usuários apresentam
comorbidades predominantemente graves e/ou em estágio
avançado de doenças cardíacas, oncológicas, autoimunes,
neurológicas, cardiovasculares, entre outras.
A UPA oferece serviços de clínica médica e cirúrgica adulto por
demanda espontânea, acolhe os encaminhamentos da atenção
básica, do Serviço de atendimento domiciliar e do Serviço de
Atendimento Móvel de Urgência (SAMU). A organização do
atendimento é realizada por meio da classificação de risco,
visto que o paciente utiliza o serviço como porta de entrada
para atendimento de diversos motivos, desde situações com
pouca urgência como: sintomas gripais, diarreias e cortes com
pequenos sangramentos, além de casos mais graves como
descompensações de diabetes e hipertensão, crises convulsivas,
síndrome coronariana aguda, acidentes vasculares, entre outros.
Atualmente, nesse cenário de pandemia da Covid-19 a unidade
formas sociais visíveis, dotadas de uma organização jurídica e/
ou material, a exemplo das fábricas ou hospitais.8
O conceito de instituição é complexo e se constituí por
três momentos dinâmicos e dialéticos.9 O primeiro é o da
universalidade, constituído pela ideologia, pelos aspectos
formais, pelo sistema de normas e valores, representando o
instituído. O segundo é o da particularidade, entendido como o
conjunto de fatos e situações que ocorrem nas instituições, são
processos sociais que negam e entram em conflito constante com
a universalidade, caracterizando o instituinte. E o terceiro é o da
singularidade, sendo o movimento dialético entre o instituído
e o instituinte, ou seja, é o momento concreto da instituição,
denominado de institucionalização.8
Outro conceito importante do arcabouço teórico da AI é o de
analisador entendido como uma situação, um fato ou elemento que
provoca revelações.10 Acerca desse conceito pode-se dizer que:
de forma geral o efeito do analisador é sempre o de revelar
algo que permanecia escondido, de desorganizar o que
estava, de certa forma organizado, de dar um sentido
diferente a fatos já conhecidos. Isto vale tanto para as
análises de fenômenos sociais mais amplos como para as
análises construídas a partir de processos de intervenção
com grupos mais restritos.11:82
Nessa reflexão, partiu-se do princípio que a pandemia da
Covid-19 é um analisador natural. Mas, apesar das revelações
que trouxe para os diversos setores da sociedade, ainda, é difícil
prever os impactos nas áreas da saúde e educação, principalmente
para o trabalho e a formação dos profissionais da enfermagem.
Tais incertezas contribuíram para a motivação de se constituir
o grupo de discussão, embasado no referencial teórico da Análise
Institucional, a fim de realizar este estudo “à quente”, trazendo à
tona, nesse momento da pandemia, questionamentos e contradições
vivenciadas nos serviços de saúde e nas universidades. Nessas
organizações, as práticas profissionais são atravessadas pelas
instituições saúde, educação, enfermagem, gerência, entre outras,
que necessitam ser analisadas pelos profissionais envolvidos com
a formação e a prestação da assistência à saúde dos usuários,
a fim de permitir uma melhor compreensão dos desafios e das
perspectivas para o trabalho em saúde.
Diante do exposto, este artigo tem o objetivo de abordar,
de forma crítica e reflexiva, desafios e perspectivas da prática
profissional da enfermagem, da formação e da integração ensinoserviço no cenário da pandemia da Covid-19.
METODOLOGIA
O grupo de discussão e reflexão, denominado “ateliê
pedagógico em saúde em tempos de pandemia”, foi composto
por uma docente, uma aluna de graduação, uma gerente e três
enfermeiras. Esse grupo realizou seis encontros de 02 horas
cada, por meio de plataforma virtual, durante os meses de
agosto a novembro de 2020, para debater temas relacionados à
Escola anna nEry 25(spE)2021
3
Diálogos da enfermagem durante a pandemia
Spagnol CA, Pereira KD, Castro VPN, Figueiredo LG, Borges KKS, Batista LM
tornou-se referência para o atendimento de pessoas com sintomas
e contaminadas pelo novo coronavírus.
O hospital em análise tem as seguintes características: público,
geral, universitário, integrado ao SUS e possui 507 leitos. Neste
estudo, destaca-se a Unidade de Clínica Médica que possui
duas alas (norte e sul) com capacidade de 69 leitos e atende
pacientes com prognóstico de recuperação, patologias raras e
em cuidados paliativos, vindos de vários lugares do estado de
Minas Gerais, desde a capital até o interior e Região Metropolitana.
Atualmente, a ala norte está atendendo exclusivamente aos
pacientes suspeitos ou contaminados pelo novo coronavírus e
os demais pacientes clínicos são atendidos na ala leste.
A partir das inquietações, acerca do processo de ensinoaprendizagem no contexto da pandemia e da realidade vivenciada,
nesses cenários de prática, foram produzidos diálogos e reflexões
que colocaram em cena o ensino e os serviços de saúde. Além
disso, a partir da análise de implicações das autoras deste
artigo, alguns analisadores se destacaram, revelando várias
questões e situações que influenciam a prática profissional da
enfermagem, os quais foram apresentados no tópico, a seguir.
Nesse sentido, em um primeiro momento, a pandemia
da COVID-19 veio para desorganizar o que está instituído na
universidade e nos serviços de saúde, o que gera uma resistência
tanto dos professores e alunos, quanto dos profissionais de saúde
e usuários, diante das dificuldades e dos desafios constantes.
No entanto, essa resistência não se constitui somente como
algo negativo, mas sim um analisador que permite contestar o
instituído e revelar as potências existentes, ou seja, os instituintes
presentes nas Universidades e no SUS.
Destaca-se no estudo que a resistência ao ser tomada como
um analisador expõe movimentos de contradição que sempre
são fontes para compreender os movimentos institucionais.
Nesse sentido,
as resistências podem ser movimentos de comodismo
ou retaliação, mas podem ser movimento de sustentação
de boas práticas em conjunturas de precarização. Para
que as resistências possam sair da paralisia e adquirir
movimento, elas devem ser analisadas em coletivo incluindo
as dimensões institucionais que as permeiam.10:131
Nesse momento da pandemia, a dimensão institucional que
diz respeito ao financiamento do sistema de saúde, demonstra
que mesmo com o desmonte e o corte de gastos realizados
nos últimos anos, o SUS reforçou a sua importância para a
população brasileira e apresenta condições efetivas de se
preparar cada vez mais para atender os usuários na rede de
atenção à saúde.15 Entretanto, gestores e equipes de saúde
tiveram que rever e atualizar ações, protocolos, estratégias e
ferramentas para orientar as ações de vigilância e assistência
aos pacientes infectados. Em suma, o SUS teve que se preparar
para prover assistência ao crescente número de pacientes com a
COVID-19, mas ao mesmo tempo manter a atenção aos demais
agravos agudos e crônicos e garantir a segurança dos pacientes
e profissionais de saúde.
Na rede de atenção à saúde, a UBS referida, neste estudo,
continua garantindo a assistência à saúde dos usuários de forma
acessível e qualificada, mas buscando manter o distanciamento
social e, ao mesmo tempo, priorizando em suas agendas à atenção
à saúde a grupos que necessitam de cuidados específicos.
No caso do ambulatório de especialidade o atendimento à
população foi reduzido, alguns trabalhadores da enfermagem
tiveram que ser remanejados para setores críticos do hospital
a que ele está vinculado e alguns aspectos relacionados à área
física, fluxos, protocolos e materiais tiveram que ser modificados.
O mesmo aconteceu em relação ao atendimento das urgências
e emergências, pois na UPA houve readequação da área física,
com recepção, triagem com classificação de risco, sala de
medicação e observação separados dos demais atendimentos.
Além disso, nesse caso, o número de profissionais de saúde e
de leitos com respiradores foram ampliados. Essa ampliação
também aconteceu no hospital, com destaque para as mudanças
constantes que ocorreram no processo de trabalho da Unidade
DIÁLOGOS ENTRE O ENSINO E OS SERVIÇOS
DE SAÚDE: ANALISADORES E ANÁLISE DE
IMPLICAÇÕES
Como dito anteriormente, a pandemia da Covid-19 é um
analisador natural, pois tem feito várias revelações, ou mesmo,
dando um outro sentido para fatos e fenômenos sociais já
conhecidos, evidenciando as desigualdades sociais e entre
gêneros, a corrupção, a precarização do trabalho, o descaso
com setores essenciais como saúde e educação, entre outros.
Assim, para compreender essa realidade e as rápidas mudanças
que estão ocorrendo, em especial, no âmbito do trabalho e da
formação profissional, foram colocadas em análise as instituições:
saúde, enfermagem e educação.
Na universidade, uma das mudanças impostas pela pandemia
da Covid-19 e que se constitui como desafio é desenvolver o
ensino remoto para os cursos de graduação em enfermagem. No
ensino, a tecnologia contribui e até facilita em alguns processos
de trabalho, mas não se pode deixar que ela seja um fim em si
mesma. Isso preocupa e nos leva a refletir sobre como vai ser
a formação daqui para frente, principalmente dos profissionais
de enfermagem. Esse profissional é formado para cuidar das
pessoas e gerenciar equipes e, para isso, necessita de práticas
pedagógicas que possibilitem uma base relacional para que
possa atender as demandas do serviço em diversos contextos
sociais, históricos e culturais.14
Nesse contexto de pandemia, dentre as dificuldades
encontradas, pode-se mencionar a falta de preparo dos professores
para manejar as tecnologias para o ensino remoto, a sensação
de vazio ao ficar falando na frente de um celular ou computador
por meio das plataformas digitais, além da apreensão e da
adaptação dos acadêmicos diante da nova modalidade de ensino.
Escola anna nEry 25(spE)2021
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Diálogos da enfermagem durante a pandemia
Spagnol CA, Pereira KD, Castro VPN, Figueiredo LG, Borges KKS, Batista LM
pacientes, mas que agora estão tendo a oportunidade de ver
seus amigos e familiares por meios digitais.
Apesar desses benefícios sabe-se que vários pacientes
não têm acesso à tecnologia e aos insumos necessários à
prestação da assistência. Além disso, os serviços de saúde,
principalmente os públicos ainda precisam investir muito nessa
área digital. Isso também acontece nas universidades, porque a
desigualdade social não permite que alguns discentes tenham
acesso às tecnologias adequadas para acompanhar o ensino
remoto e alguns docentes não dispõem de recursos financeiros
suficientes para oferecer essa modalidade de ensino em suas
casas, devido à falta de uma infraestrutura adequada.
Nesse sentido, é importante que a sociedade e os governos
elaborem políticas públicas voltadas principalmente para a
educação, pois essa transição necessita de planejamento,
educação continuada e permanente dos docentes, tecnologias
acessíveis e adequadas em quantidade e qualidade. Desse modo,
toda a comunidade acadêmica poderá continuar desempenhando
o papel fundamental na sociedade que consiste em pesquisas,
projetos de extensão, inovações e produção de patentes que
impulsionam o desenvolvimento científico e tecnológico do País.16
Mas, as dificuldades enfrentadas ainda são diversas, desde
as mais objetivas até as subjetivas relacionadas aos sentimentos
e emoções. Esse contexto de pandemia trouxe aos profissionais
e usuários do sistema de saúde, momentos de inseguranças
e incertezas, especialmente, para equipe de enfermagem que
atua na linha de frente da assistência. Desde receios de se
infectar e, posteriormente, ser um agente transmissor para os
familiares e a população em geral, até o medo de não realizar
uma assistência confiável e segura aos pacientes, a partir desses
novos parâmetros e reorganização do processo de trabalho.
As pessoas têm medo do vírus e de se contaminar, mas
também precisam ter medo de serem “contaminadas” por esse
tipo de relacionamento à distância gerado em decorrência da
pandemia e reforçado pelas tecnologias digitais. Isto porque
tanto nos serviços de saúde quanto nas universidades, há
um risco das emoções se perderem em meio às plataformas
virtuais, lives e vídeoaulas, afinal a comunicação verbal e não
verbal são essenciais, na constituição do vínculo necessário
para se dar o processo de formação e prestação da assistência
de forma integral.
Portanto, poder analisar as implicações libidinais, organizacionais
e ideológicas, no ateliê pedagógico, em saúde, foi importante
para que as autoras, deste artigo, pudessem compartilhar suas
angústias, sentimentos, estresses, sem perder de vista as
reais necessidades de mudanças nos seus processos e locais
de trabalho, além de mobilizar forças para não se sentirem
paralisadas e perderem o sentido do seu trabalho.
A aposta é que ao se fazer análise das implicações e ter
clareza dos analisadores na prática profissional, isso possa
contribuir para superar e transpor as dificuldades encontradas,
institucionalizando paulatinamente novas práticas que possam
ir além da operacionalização do trabalho já instituído. Mas, a
esperança é que apesar de toda a influência da tecnologia dura
de Clínica Médica, onde tem uma ala específica que concentra
o maior número de leitos para isolamento de pacientes.
Ressalta-se que na Unidade de Clínica Médica o adicional
de insalubridade também foi considerado um analisador, nesse
contexto da pandemia, uma vez que foi estabelecida uma
equipe fixa de trabalhadores para atuar na ala destinada ao
atendimento da Covid-19, com direito ao adicional máximo de
insalubridade no seu salário. No entanto, os trabalhadores da ala
que atendiam os demais pacientes clínicos, além de receberem
um adicional menor tinham que cobrir as ausências e licenças
saúde da equipe fixa, gerando conflitos e um sentimento de
desvalorização profissional.
O dinheiro é um analisador natural que revela aspectos
ocultos ou não manifestos nas organizações. Em um estudo
realizado em um hospital público do estado de São Paulo os
efeitos desse analisador trouxeram à tona a discussão sobre as
diferenças salariais dos vários profissionais que cuidam direta ou
indiretamente da assistência ao usuário, além de abrir espaço
para tornar pública a discussão sobre algo que é público, o
próprio sistema de saúde brasileiro. Ao criar espaços para se
discutir os analisadores cria-se um processo de desvelamento
dos meandros ocultos pelos quais passam o dinheiro nas
organizações.11
Em todos esses cenários analisados, conflitos e contradições
têm confrontado processos instituídos na prática profissional
da enfermagem devido a vários fatores como: rápido avanço
do conhecimento científico; orientações diversificadas; fluxos,
protocolos e notas técnicas que surgem diariamente; contínuo
processo de capacitações; entre outros. Isto propicia a instalação
de processos instituintes, com mudanças significativas na forma
de assistir o paciente e organizar o cuidado em saúde, o que
se constitui um grande desafio para a equipe de enfermagem
enfrentar a pandemia da Covid-19.
Na APS, algumas ferramentas como o telemonitoramento
dos pacientes foram introduzidas no processo de trabalho
dos profissionais de saúde, principalmente, para monitorar os
usuários com sintomas respiratórios realizados pela equipe de
enfermagem. Além de se implementar a oferta da teleconsulta
para aqueles que possuem doença crônica com alto risco
cardiovascular, realizada por médico e enfermeiro.
As estratégias supracitadas permitem que a restrição e a
regulação do acesso físico à UBS não representem bloqueio
total de acesso, mas possam ser substituídas por formas mais
seguras e custo-efetivas de atenção.15 Nessa perspectiva, pode
ser pensada a ampliação dessas estratégias também para os
ambulatórios de especialidade, a fim de compensar a redução
do número de consultas realizadas durante a pandemia, mas, ao
mesmo tempo, implementar uma forma efetiva de acompanhamento,
principalmente dos usuários que apresentam comorbidades em
estágio avançado.
A tecnologia digital oferece maior acesso às ações e serviços
de saúde, influencia o processo assistencial e até mesmo as
relações sociais, a exemplo da “visita virtual” implementada pela
UPA em estudo, devido ao isolamento e restrição de visitas aos
Escola anna nEry 25(spE)2021
5
Diálogos da enfermagem durante a pandemia
Spagnol CA, Pereira KD, Castro VPN, Figueiredo LG, Borges KKS, Batista LM
conhecer e aprofundar as investigações sobre a prática e a
formação profissional realizando outros estudos e pesquisas.
nos processos de trabalho e de formação, os docentes, alunos
e profissionais de saúde, se tornem cada vez mais sensíveis,
desenvolvam uma escuta qualificada e tenham um olhar integral,
indo além da queixa clínica dos usuários, a fim de estreitarem
os vínculos e os acolherem em sua singularidade.
Assim, é possível compreender que as perspectivas para
a prestação da assistência e para a formação profissional na
área da saúde apontam para uma construção diária e coletiva
de ações e estratégias que devem ser articuladas e integradas
entre a Universidade e os serviços que compõem a RAS. A
partir de definições e diretrizes que estejam em conformidade
com as necessidades de saúde da população e da proteção
dos trabalhadores, formando e capacitando os profissionais
de enfermagem, especificamente o enfermeiro para realizar o
gerenciamento do cuidado nos serviços de saúde.
As reflexões produzidas neste estudo colocaram em cena
o movimento dialético das instituições: saúde, educação e
enfermagem, pois estas possuem processos instituídos, ou
seja, são constituídas histórica e socialmente com práticas
pautadas em normas e legislações. Mas, principalmente, nesse
cenário da pandemia, estão sendo questionadas e passando por
diversas modificações, que rompem o instituído e abrem espaços
para os instituintes, isso quer dizer novas formas de trabalho.
É nesse movimento de institucionalização que as instituições
são renovadas, a partir de novas concepções e formas, para as
profissões, para as áreas da saúde e da educação.
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
Desenho do estudo de reflexão. Carla Aparecida Spagnol.
Karolinna Diniz Pereira. Verônica Pedersane Nunes de Castro.
Letícia Gonçalves Figueiredo. Karine Karoline de Souza Borges.
Luciana Moreira Batista.
Aquisição ou levantamento de informações. Carla Aparecida
Spagnol. Karolinna Diniz Pereira. Verônica Pedersane Nunes de
Castro. Letícia Gonçalves Figueiredo. Karine Karoline de Souza
Borges. Luciana Moreira Batista.
Análise de dados. Carla Aparecida Spagnol. Karolinna Diniz
Pereira. Verônica Pedersane Nunes de Castro. Letícia Gonçalves
Figueiredo. Karine Karoline de Souza Borges. Luciana Moreira
Batista.
Interpretação dos resultados. Carla Aparecida Spagnol.
Karolinna Diniz Pereira. Verônica Pedersane Nunes de Castro.
Letícia Gonçalves Figueiredo. Karine Karoline de Souza Borges.
Luciana Moreira Batista.
Redação e revisão crítica do manuscrito. Carla Aparecida
Spagnol. Karolinna Diniz Pereira. Verônica Pedersane Nunes de
Castro. Letícia Gonçalves Figueiredo. Karine Karoline de Souza
Borges. Luciana Moreira Batista.
Aprovação da versão final do artigo. Carla Aparecida Spagnol.
Karolinna Diniz Pereira. Verônica Pedersane Nunes de Castro.
Letícia Gonçalves Figueiredo. Karine Karoline de Souza Borges.
Luciana Moreira Batista.
Responsabilidade por todos os aspectos do conteúdo e
a integridade do artigo publicado. Carla Aparecida Spagnol.
Karolinna Diniz Pereira. Verônica Pedersane Nunes de Castro.
Letícia Gonçalves Figueiredo. Karine Karoline de Souza Borges.
Luciana Moreira Batista.
(IN) CONCLUSÕES E CONTRIBUIÇÕES PARA
A PRÁTICA PROFISSIONAL
Tendo em vista que a equipe de enfermagem é responsável
pela maior parte da assistência prestada aos usuários nos
diversos serviços de saúde, buscou-se compreender alguns
analisadores e analisar as implicações das autoras com as
diversas instituições que atravessam suas práticas profissionais
e acadêmicas.
A análise coletiva das implicações foi necessária para o
enfrentamento do “caos”, pois há que se desorganizar para
novamente trazer à ordem os processos de trabalho, transpondo
as barreiras do instituído para lidar com as adversidades de
uma pandemia. Um exemplo de ator social que precisa cada
vez mais ser incorporado a esse debate são os acadêmicos
de enfermagem, que de certa forma, nesse contexto, estão se
preparando desde a sua formação para lidar com situações
difíceis e desconhecidas.
Assim, este estudo apresenta algumas reflexões realizadas
a partir da necessidade de se manter o diálogo entre o ensino e o
serviço, durante a pandemia, mesmo mediante a suspensão das
atividades práticas e a realização do ensino remoto emergencial.
Por estar circunscrito em um recorte de tempo, práticas e cenários,
ele apresenta limitações quanto aos impactos na assistência
prestada e para o ensino da gestão do sistema de saúde e da
gerência em enfermagem, o que reforça a necessidade de se
EDITOR ASSOCIADO
Antonio José de Almeida Filho
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Diálogos da enfermagem durante a pandemia
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