A forma como nos organizamos dentro de casa tem grande impacto nas dinâmicas e laços familiares. Catarina Beato explica porquê.
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viver mais feliz em casa
Créditos: idealista/news e Joana Malaquias

A casa ocupa um lugar central nas nossas vidas. Tem um caráter prático e funcional, mas vai muito além disso. Reflete quem somos: o nosso estilo, aquilo de que gostamos, as nossas vivências e viagens, o que nos faz felizes, que lugar ocupamos nas relações, ou quem queremos ser.

E a forma como nos organizamos em casa – que parece algo tão simples e banal – pode mesmo ter um grande impacto na dinâmica e qualidade das relações familiares: no humor, na saúde (mental e física), no desempenho profissional, mas também na disponibilidade para o lazer e intimidade, segundo explica Catarina Beato ao idealista/news. Em entrevista, a mentora de relações deixa várias dicas para os casais e famílias sobreviverem às tarefas de todos os dias. E a chave, sem surpresas, mas que pode ser difícil de levar à prática, é sobretudo uma: comunicar.

Catarina Beato estudou economia, foi jornalista e responsável de comunicação, e (sem abandonar a escrita) agora dedica-se à mentoria de relações, como coach certificada. Garante que “cada família tem que sentir a divisão como justa e deixar de lado o que é suposto”, isto porque o arrumar da casa e a distribuição de tarefas ainda é, para muitos casais e famílias, uma fonte de conflito e problemas. Quem faz o quê, quando e porquê, o que é que faz mais sentido para uns e para outros, tendo a noção que de que nem sempre aquilo que é o dito “normal” funciona para a maioria.

No guia prático em que procura ajudar os casais a sobreviverem às rotinas diárias e responsabilidades domésticas, a especialista frisa que é importante “negociar e chegar a um acordo que seja satisfatório para ambos, levando em conta as capacidades, as limitações e as contribuições de cada um, em cada momento, de acordo com as necessidades da família”. É preciso comunicar mais, conversar mais sobre as necessidades e limites, mesmo que “ser exatamente o que somos” possa colidir com o outro. Catarina Beato lembra a importância de “vestir a camisola”, até porque para “ganhar campeonatos” é preciso saber “jogar em equipa”.

Nesta entrevista que agora reproduzimos na íntegra, a mentora de relacionamentos explora vários temas: desde a organização das tarefas domésticas ao quebrar padrões de comportamentos; passando pelo papel dos filhos nas dinâmicas familiares até às estratégias para tentarmos viver melhor as relações dentro (e fora) de casa.

família
Catarina Beato e os filhos - Créditos: Pedro Góis

A forma como nos “organizamos” em casa tem impacto na dinâmica e relações familiares. Em que medida?

A casa é um reflexo da relação porque é o principal cenário das dinâmicas familiares. Os números mostram que a forma como nos organizamos, enquanto casal, tem impacto direto no nosso humor, saúde (mental e física), desempenho profissional, disponibilidade para o lazer e intimidade. A forma como cada família organiza as tarefas inerentes à logística de todos os dias é um indicador de qualidade de aspetos tão fundamentais como respeito e comunicação.

A distribuição das tarefas domésticas ainda é, para muitos casais, uma fonte de conflito. Por que é que isso continua a acontecer? Como se pode tentar trabalhar para corrigir estas situações?

Primeiro ainda são muito evidentes questões culturais e históricas. Se pensarmos em termos de linha temporal a igualdade de direitos, entre homens e mulheres, ainda é muito recente. As mulheres ainda são empurradas para situações injustas em termos de partilha de tarefas domésticas. Mas também é preciso dizer que, muitas vezes, são responsáveis por manterem esta situação de forma desequilibrada, pela sensação que “só eu sei fazer isto”.

Num relacionamento é fundamental conversar sobre todos os assuntos e deixar de acreditar que estas coisas fluem como magia. Para minimizar os problemas decorrentes da organização das “tarefas de casa” é importante que as partes comuniquem sobre as suas expectativas, preferências, valores, recursos e necessidades em relação a este tema.

Num relacionamento é fundamental conversar sobre todos os assuntos e deixar de acreditar que estas coisas fluem como magia

Quanto mais justa for a divisão, maior a probabilidade para uma relação feliz?

A questão é exatamente essa: cada família tem que sentir a divisão como justa e deixar de lado o que é suposto. Uma divisão justa pode não ser 50/50. E a divisão que funciona hoje, pode não funcionar amanhã. Eu defendo que o casal deve marcar uma reunião semanal (ou quinzenal). A ideia é terem um espaço de agenda, com tempo e foco total neste tema. É natural que a reunião inicial seja mais demorada, mas depois entra na rotina. É uma das minhas sugestões no meu Guia Prático de Sobrevivência do Casal às Tarefas de Todos os Dias. 

É preciso também negociar e chegar a um acordo que seja satisfatório para ambos, levando em conta as capacidades, as limitações e as contribuições de cada um, em cada momento, de acordo com as necessidades da família.

tarefas domésticas
Foto de Monstera no Pexels

Na generalidade, o peso das tarefas (ainda) recai muito sobre as mulheres... Como é que se podem quebrar estes padrões de comportamento? O que falta fazer? 

Falta que as mulheres sejam assertivas e deixem o impulso de ser mães/cuidadoras na dinâmica casal. Um casal é uma equipa. As mulheres acabam muitas vezes por suportar a maioria das tarefas domésticas também porque “só elas é que sabem fazer” ou porque “não faz sentido pedir”. Faz sentido conversar todas as vezes que forem necessárias e faz ainda mais sentido (por alguma razão inventaram as atas das reuniões) deixar tudo por escrito.

Falta que as mulheres sejam assertivas e deixem o impulso de ser mães/cuidadoras na dinâmica casal. Um casal é uma equipa.

Como é que os filhos devem ser envolvidos nesta gestão de tarefas domésticas? 

Os filhos devem colaborar e ser incentivados a participar nas tarefas domésticas de acordo com sua idade e habilidades. Na tal reunião semanal, as tarefas podem ser divididas entre todos da casa. Escolham um conjunto de tarefas e entreguem aos filhos. Se existirem vários filhos proponham que eles façam a distribuição entre eles de acordo com os mesmos critérios: gosto e habilidade. E nisto, é preciso seguir a mesma linha de pensamento: pode não ficar perfeito à primeira (ou mesmo nunca), mas é preciso praticar e ganhar o hábito. Além disso, é fundamental reconhecer e valorizar o esforço e o trabalho do outro, expressando gratidão e elogio.

As tarefas podem ser um ponto de colisão, mas há mais exemplos... Que outros problemas identificas? A distribuição e uso dos espaços pode ser um desafio, tanto entre os casais como por exemplo com os filhos? 

As casas têm de ter em consideração duas coisas: realismo (em que casa vivemos, quantas divisões tem, onde está localizada) e necessidades (trabalhamos em casa ou fora, horários de descanso, estudo). Com estes pontos em cima da mesa é preciso conversar sobre necessidades e limites.

famílias
Foto de olia danilevich no Pexels

Há momentos vitais na vida de uma família... crianças pequenas a dormir no quarto/cama dos pais... adolescentes fechados no quarto... que conselhos darias para gerir a falta/necessidade de intimidade e, ao mesmo tempo, a partilha e o convívio? 

A intimidade não é construída pelo casal enquanto dorme na mesma cama. Há muitos casais sem filhos na cama sem qualquer intimidade, assim como há casais que partilham cama para poderem descansar e têm relações sólidas e intensas a nível físico e sexual. Eu acredito mais numa família que gere um T1 do que aqueles que ocupam um T9. Cada família tem que encontrar aquilo que funciona para eles. Não há fórmulas mágicas. Há conversas honestas e perguntas para serem feitas. Não tenham medo de dizerem o que sentem e perguntarem o que o outro.

Cada família tem que encontrar aquilo que funciona para eles. Não há fórmulas mágicas.

Há cada vez mais casos de casais que continuam a viver juntos, apesar de estarem separados ou até divorciados, porque não podem assumir sozinhos o custo de outra habitação. Achas que é possível ter uma convivência pacífica nestes casos? De que forma?

Não, não acredito. E acho mesmo que esta sequência do aumento do custo da habitação pode ser dramática. Os casais podem ser melhores amigos, mas precisam de fazer o luto daquele projeto. Se não existir qualquer alternativa o ideal será estabelecer regras rígidas sobre a partilha do espaço. Mas reforço que a habitação é um direito e estamos numa situação duríssima a esse nível.

Referes que a principal dificuldade das pessoas com quem trabalhas é a comunicação das necessidades. Por que temos tanta dificuldade em verbalizar aquilo que precisamos? 

Costumo dizer que somos o reflexo de uma noite de Natal em família, em que nos habituamos a dizer que gostamos de uma prenda que detestámos em vez de aprendermos a dizer com respeito “não”. Quando somos crianças fazemos uma associação direta entre sermos amados e agradarmos ao outro, não incomodarmos. É preciso arriscarmos falar das nossas necessidades e percebermos que o mundo será um lugar muito melhor porque estamos alinhadas com a nossa verdade.  Como mães e pais podemos dar espaço aos nossos filhos para falarem do que precisam, pensam e querem.

organização familiar
Foto de Pavel Danilyuk no Pexels

“Ser exatamente quem somos” pode colidir com as necessidades do outro. Como resolver a questão?

Se eu for um ponta de lança brutal e for para uma equipa cheia de avançados, aquela equipa não precisa de mim. Terei que procurar a minha equipa, aquela em que as pessoas podem ser exatamente quem são e contribuírem para nutrir algumas das necessidades do outro. E, principalmente, querermos muito treinar para sermos a melhor equipa do mundo.

Se eu for um ponta de lança brutal e for para uma equipa cheia de avançados, aquela equipa não precisa de mim

Quais as estratégias para viver melhor as relações dentro (e fora) de casa? Que papel tem um mentor de relações?

A estratégia é simples: ser autêntico. Procurarmos a nossa equipa e vestirmos a camisola, comunicar necessidades e limites. A mentoria é uma forma de orientação. Não substituindo nenhum trabalho de terapia ou psicologia, o mentor, baseado na sua formação, mas ainda mais na sua experiência de vida, a mentora ajudará a definir e atingir um conjunto de objetivos na área dos relacionamentos. O meu propósito é estar ao lado das pessoas que escolhem trabalhar comigo para viverem relacionamentos mais felizes.

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Foto de olia danilevich no Pexels
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