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FACULDADE DE DIREITO - Faap

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<strong>FACULDA<strong>DE</strong></strong><br />

<strong>DE</strong> <strong>DIREITO</strong><br />

FA A P - J U R I S<br />

F U N D A Ç Ã O A R M A N D O A LVA R E S P E N T E A D O<br />

Vo l u m e 3 – j a n e i r o a j u n h o / 2 0 1 0<br />

ISSN 2175-2230<br />

revista juris da<br />

FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO<br />

Rua Alagoas 903 - Higienópolis<br />

São Paulo, SP - Brasil<br />

Desde 1947


Revista Juris da Faculdade de Direito, Fundação Armando Alvares Penteado.<br />

Volume 3 - janeiro a junho/2010 – São Paulo: FAAP, 2010<br />

Penteado.<br />

Semestral<br />

ISSN 2175-2230<br />

1. Direito – Periódicos. I. Faculdade de Direito, Fundação Armando Alvares<br />

CDD 340<br />

CDV 34


Apoio Institucional da FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO<br />

Conselho de Curadores da FAAP<br />

Presidente: Sra. Celita Procopio de Carvalho<br />

Integrantes:<br />

Sra. Maria Christina Farah Nassif Fioravanti<br />

Dr. Benjamin Augusto Baracchini Bueno<br />

Dr. Octávio Plínio Botelho do Amaral<br />

Dr. José Antonio de Seixas Pereira Neto<br />

Embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima<br />

Diretoria Executiva<br />

Diretor Presidente: Dr. Antonio Bias Bueno Guillon<br />

Diretor Tesoureiro: Dr. Américo Fialdini Jr.<br />

Diretor Cultural: Prof. Victor Mirshawka<br />

Assessoria Administrativa e Financeira:<br />

Dr. Sérgio Roberto de Figueiredo Santos e Marchese<br />

Assessoria de Assuntos Acadêmicos:<br />

Prof. Raul Edison Martinez<br />

Diretoria da Faculdade de Direito<br />

Diretor: Prof. Álvaro Villaça Azevedo<br />

Vice-Diretor: Prof. José Roberto Neves Amorim<br />

Comissão Editorial<br />

Editor: Prof. Rui Carvalho Piva<br />

Assistente: Milene D. Mussi Krueger<br />

Bibliotecária: Marilena Coscia<br />

Conselho Editorial<br />

Álvaro Villaça Azevedo<br />

José Roberto Neves Amorim<br />

Rui Carvalho Piva<br />

Antonio Cezar Peluso<br />

Carlos Blanco de Morais<br />

Carlos Eduardo de Abreu Boucault<br />

Cláudio Salvador Lembo<br />

Diego Corapi<br />

Eneida Gonçalves de Macedo Haddad<br />

Enrique Ricardo Lewandowski<br />

Fernando Facury<br />

Jorge Miranda<br />

José Geraldo de Sousa Junior<br />

Luiz Edson Fachin<br />

Manoel Gonçalves Ferreira Filho<br />

Marcos Fábio de Oliveira Nusdeo<br />

Maria Helena Diniz<br />

Maria José Constantino Petri<br />

Maria Lígia Coelho Mathias<br />

Mario Julio de Almeida Costa<br />

Sebastião Luiz Amorim<br />

Zeno Veloso<br />

Direitos e Permissão de Utilização<br />

Todos os direitos reservados. A reprodução de qualquer parte<br />

desta revista será permitida mediante prévia autorização.<br />

A reprodução indevida estará sujeita às penalidades<br />

previstas na legislação pertinente.<br />

Publicação Semestral<br />

Solicita-se permuta<br />

Tiragem:<br />

3000 exemplares<br />

Dados para correspondência:<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito<br />

Rua Alagoas, 903 – Prédio 2 – Térreo<br />

Higienópolis – SP - CEP: 01242-001<br />

Fone: (11) 3662-7339<br />

E-mail: pesquisadireito@faap.br<br />

http://www.faap.br/faculdades/direito


Editorial<br />

A Revista Juris da Faculdade de Direito, mais uma vez editada no ambiente de singularidade,<br />

inovação e modernidade que qualificam o estudo do Direito na FAAP, continua repercutindo<br />

assuntos desafiadores da vida das pessoas e da trajetória dos idealizadores do Direito em<br />

busca da norma que atenda o desejo das pessoas na sociedade.<br />

Nas entrevistas, o leitor poderá perceber momentos de rara emoção, afeto e coragem, nos fatos<br />

descritos pelos dirigentes da Faculdade. Os Professores Álvaro e Amorim, respectivamente,<br />

Diretor e Vice-Diretor dessa casa, abriram suas memórias e mostraram a criança, o jovem e o<br />

adulto que compuseram as figuras de expressões da cultura jurídica que eles são.<br />

Nos artigos, os ilustres colaboradores da Revista desafiaram o enfrentamento de temas super<br />

atuais. As visitas e os alimentos em relação aos avós sob a ótica de Villaça, o ensino jurídico<br />

na visão ímpar de Fernando Frederico, os dilemas sobre o ambiente no mundo narrados por<br />

Juliana e Pilar, a caminhada de paz pelos caminhos da guerra descritos por Maria Tereza e a<br />

sempre conflituosa questão do pagamento imediato do salário, vista pela nossa juíza Thereza.<br />

Ainda nos artigos, um destaque especial para o alerta quanto ao perigo dos corantes nos<br />

alimentos, medicamentos e cosméticos, demonstrado na pesquisa atraente e sempre protetora<br />

da população, conduzida pelo famoso médico pesquisador da Federal Fluminense, Luis<br />

Querino, nesse trabalho acompanhado pela Letícia.<br />

Na jurisprudência, a abordagem moderna do tema dos alimentos gravídicos sob a ótica dos<br />

Tribunais de São Paulo e do Rio Grande do Sul. O Professor Simão analisou decisões do STJ<br />

sobre a sucessão patrimonial na separação de fato e na união estável.<br />

Mais uma vez, os alunos da Faculdade deram o tom da qualidade discente na Revista. Dessa<br />

vez com o Victor, que resenhou Pontes de Miranda exigindo a efetivação do direito à educação,<br />

e com o Marcelo, que passeou pelos pensamentos de Nietzsche para ganhar o prêmio de<br />

iniciação conduzido pela Coordenadoria de Pesquisa da Faculdade.<br />

Nas questões polêmicas, esse Editor destacou a PEC do divórcio e o novo Código Florestal.<br />

Orlando Maluf mostrou, em duas peças processuais de difícil elaboração, como a separação<br />

dos casais pode criar situações de extrema dificuldade.<br />

Para encerrar, as sugestões de leituras. Amorim e Vanda abordando com autoridade o tema do<br />

direito ao nome da pessoa física. O culto dirigente das nossas artes plásticas, Silvio Passarelli,<br />

trazendo o luxo para a linguagem da gestão dos negócios. Charlene Li e Josh Bernoff contando<br />

como deveremos prestar atenção nas redes sociais, se quisermos gerir negócios.<br />

Rui Carvalho Piva<br />

Editor


evista juris da<br />

Prof. Dr. Álvaro Villaça Azevedo<br />

Prof. Dr. José Roberto Neves Amorim<br />

Direitos e Deveres dos avós (alimentos e visitação)<br />

Álvaro Villaça Azevedo<br />

O MEC e os objetivos do Ensino de Direito<br />

Fernando Frederico de Almeida Junior<br />

<strong>FACULDA<strong>DE</strong></strong><br />

<strong>DE</strong> <strong>DIREITO</strong><br />

FA A P - J U R I S<br />

Ano I / Vo l u m e 3 / S ã o Pa u l o - 2 0 1 0<br />

Sumário<br />

ENTREVISTAS<br />

I. ARTIGOS<br />

Dilemas de Direito internacional no Meio Ambiente: as lições aprendidas no caso Gabcikovo-Nagymaros<br />

Juliana Cassano Cibim e Pilar Carolina Villar<br />

Controvérsias regulatórias na utilização de corantes em alimentos, medicamentos e cosméticos<br />

Luiz Querino de Araujo Caldas e Letícia S. T. Morais<br />

Caminho para a paz: conflito palestino-israelense<br />

Maria Tereza de Oliveira Audi<br />

Breves considerações sobre o artigo 467 da CLT<br />

Thereza Christina Nahas<br />

II. Jurisprudência<br />

Agravo de Instrumento - Alimentos Gravídicos - TJRS<br />

Desembargador Claudir Fidélis Faccenda<br />

Agravo de Instrumento - Alimentos Gravídicos - TJSP<br />

Desembargador Ênio Santarelli Zuliania<br />

07<br />

10<br />

12<br />

24<br />

34<br />

41<br />

54<br />

59<br />

63<br />

65


Sucessão e separação de fato no STJ<br />

Apresentação: José Fernando Simão<br />

Sucessão e união estável no STJ<br />

Apresentação: José Fernando Simão<br />

III. Resenha<br />

O direito fundamental à educação na visão de Pontes de Miranda<br />

Victor Manfrinato de Brito<br />

O Novo Código Florestal<br />

Apresentação: Rui Carvalho Piva<br />

PEC do Divórcio<br />

Apresentação: Rui Carvalho Piva<br />

Divergências Familiares<br />

Orlando Maluf Haddad<br />

IV. Questão Polêmica<br />

V. Trabalho Premiado em 1º lugar no XII Encontro de<br />

Iniciação Científica<br />

Direitos Humanos e a vontade de potência em Nietzsche<br />

Marcelo Milanezi<br />

VI. Sugestões de leitura<br />

Direito ao nome da pessoa física<br />

José Roberto Neves Amorim e Vanda Lúcia Cintra Amorim<br />

O Universo do Luxo<br />

Silvio Passarelli<br />

Fenômenos sociais nos negócios<br />

Charlene Li e Josh Bernoff<br />

66<br />

67<br />

68<br />

77<br />

79<br />

81<br />

89<br />

103<br />

104<br />

105


ENTREVISTA COM O DIRETOR DA <strong>FACULDA<strong>DE</strong></strong> <strong>DE</strong> <strong>DIREITO</strong> DA FAAP<br />

1. Certo dia, um moço de Bauru chegou aqui em São<br />

Paulo e foi estudar no Colégio Rio Branco. Como foi<br />

isto?<br />

R. Nascido em Bauru, cursei o Ginásio no Colégio Guedes<br />

de Azevedo, tendo sido sempre um bom aluno, interessado<br />

nos estudos e no esporte. Meu pai foi gerente de Banco e<br />

campeão de tênis do Interior, por mais de dez anos. Em<br />

razão disso, levantava muito cedo e influenciado por ele<br />

jogava tênis e depois ia para o Colégio, de bicicleta. Bauru<br />

era, à época, cidade nova sendo reunião de um grande<br />

contingente de família Villaça Azevedo, descendentes de<br />

meus avós. Minha avó materna, Júlia, teve dez filhos, sendo<br />

minha mãe a caçula, professora primária. Sempre vivendo<br />

em clima de estudos com minhas tias, professoras, passava<br />

os fins de semana em contato completo com a natureza,<br />

em uma pequena fazenda de propriedade de meus pais. Aí<br />

vivia subindo em árvores, tomando banho no rio e andando<br />

a cavalo, indo de madrugada, com o retireiro buscar na<br />

invernada o gado leiteiro para ser ordenhado. Sempre<br />

montando meu cavalo pinhão. À tarde, sempre, gostei de<br />

apreciar o por do sol, deitado na areia quente em frente ao<br />

nosso casarão, de alvenaria e telhado sem estuque. Belas<br />

lembranças daquela época, que muito me influenciaram na<br />

realização de minha obra poética, iniciada aos quinze anos.<br />

O constante contato com a natureza tornou-se uma pessoa<br />

simples e sensível, apegado às visões da mata, do rio e do<br />

campo. Às vezes vinha para São Paulo, no trem de aço da<br />

Cia. Paulista, desfrutando de sua cabine dormitório, de seu<br />

pulmann e de seu restaurante. Vivia cada momento dessas<br />

viagens, como uma grande aventura de desbravador, que<br />

vinha para a Cidade Grande.<br />

Professor Dr. Álvaro Villaça Azevedo<br />

2. Depois, a Faculdade de Direito Mackenzie recebeu<br />

um aluno ainda pouco conhecido. Como foram os anos<br />

de estudante de Direito?<br />

R. Meus estudos universitários iniciei-os na Faculdade de<br />

Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde<br />

me formei em 1960, em sua segunda turma. Sempre fui<br />

muito estudioso e gastava muito tempo em estudos e<br />

pesquisas nas Bibliotecas, principalmente da Faculdade<br />

de Direito do Mackenzie e da Universidade de São Paulo.<br />

Eu, no primeiro ano, calouro ainda de cabeça raspada, dava<br />

aulas de latim e de português no Cursinho Pré-Jurídico<br />

João Mendes Júnior, preparatório para os vestibulares<br />

de Direito, por mim criado. Eu dava essas aulas nas<br />

dependências da Faculdade, com autorização do então<br />

Diretor, professor Jorge Americano, que foi o primeiro da<br />

Faculdade de Direito Mackenzie, cursinho esse direcionado<br />

principalmente aos vestibulares dessa Faculdade. No<br />

Mackenzie, os professores, à época em que a cursei, eram<br />

quase os mesmos que os das Arcadas, porque a Faculdade<br />

Mackenzie foi fundada por um grupo de professores da<br />

USP. Os professores do Mackenzie eram muito rigorosos,<br />

sendo necessária muita pesquisa para o acompanhamento<br />

do Curso. Eu fazia parte do Departamento de Publicações<br />

do Centro Acadêmico e auxiliava na obtenção do material<br />

de aulas junto aos professores, para a publicação das<br />

apostilas. Fazia a revisão dos textos de grandes professores<br />

que acabaram editando seus cursos, como foi o caso do<br />

professor Sílvio Rodrigues, então somente professor do<br />

Mackenzie; como também do professor Edgard Magalhães<br />

Noronha, do professor Filomeno Joaquim da Costa, do<br />

professor Teófilo Cavalcanti, do professor Manoel Augusto<br />

Vieira Neto, do professor João de Deus Cardoso de Mello,<br />

7


do professor Miguel Reale e do professor Jorge Americano.<br />

Nesse ambiente universitário realizei meus primeiros<br />

estudos, também frequentando como ouvinte, algumas<br />

aulas no Largo de São Francisco. Entre os professores<br />

citados, o que mais me influenciou foi Manoel Augusto<br />

Vieira Neto, o Vieirinha, que incentivou minha carreira<br />

docente, convidando-me para ser seu assistente na Cadeira<br />

de Direito Civil na Faculdade de Direito Presbiteriana<br />

Mackenzie.<br />

3. E os tempos de Pós Graduação?<br />

R. Depois de formado, continuei estudando e pesquisando<br />

no Curso de Pós Graduação da Faculdade de Direito do<br />

Largo de São Francisco (FD-USP), por aproximadamente<br />

cinco anos, defendendo quatro teses de especialização. Ao<br />

defender minha tese de doutoramento, na Faculdade de<br />

Direito da Universidade de São Paulo, com a monografia<br />

Bem de Família, em 18.10.1972, tive como objetivo a<br />

completa reestruturação desse instituto jurídico, oferecendo<br />

na oportunidade um esboço de anteprojeto de lei (conforme<br />

Bem de Família, atualmente na Ed. Atlas, São Paulo, 6ª<br />

edição, 2010, com trinta e dois artigos). A Lei 8009, de<br />

29.03.1990, dispondo sobre a impenhorabilidade do imóvel<br />

residencial e de bens móveis, em algumas circunstâncias,<br />

acabou por acolher, em parte, minha proposta doutrinária<br />

de criação de um bem de família legal, por imposição do<br />

próprio Estado com normas de ordem pública, e não pelo<br />

particular como pautado no Código Civil, de 1916, que<br />

cuida do bem de família voluntário, como o atual. Embora<br />

incompleta, essa Lei 8.009/1990, surgiu em boa hora,<br />

na salvaguarda da família brasileira. Com a minha idéia<br />

global de que o bem de família móvel ou imóvel, capaz<br />

de garantir a sobrevivência da família de direito e de fato,<br />

não fica o bem de família adstrito somente ao bem imóvel<br />

residência, pois nem toda família possui bem imóvel ou<br />

móveis capazes de sua proteção, como os que guarnecem<br />

sua residência. Eu sempre entendi que o bem de família<br />

legal móvel deve ser um somatório de bens, retirado no<br />

momento da execução patrimonial do devedor, capaz de<br />

mantê-lo e sua família. Fiz, ao todo, dez concursos de<br />

pós-graduação, na Faculdade de Direito da USP, além<br />

dos quatros de especialização, o doutorado, o de livredocência,<br />

o de ingresso na carreira docente, o de adjunto e<br />

dois concursos para professor titular, tendo sido Presidente<br />

da CPG (comissão de Pós Graduação da FD-USP). A tese<br />

de livre-docência abordou o tema de Dever de Coabitaçãoinadimplemento;<br />

e as de titular, respectivamente, Do<br />

Concubinato ao Casamento de Fato, que redundou na<br />

regulamentação constitucional da união estável, e Prisão<br />

Civil por Dívida.<br />

8<br />

4. Ser Diretor das Faculdades de Direito da USP,<br />

Mackenzie e FAAP é, certamente, uma experiência<br />

incomum. Revele um pouco disso para os leitores da<br />

Revista Júris.<br />

R. Para mim foi uma satisfação muito grande ser,<br />

principalmente, Diretor, durante quatro anos, da Faculdade<br />

de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde<br />

me formei. Eleito pelos professores da Faculdade, integrei a<br />

lista tríplice, em primeiro lugar, encaminhada ao Chanceler<br />

da Universidade que nomeou a mim para desempenhar<br />

essas altas funções de Diretor. Nessa gestão iniciei um<br />

sistema de representação de classe dos alunos, tendo cada<br />

classe um representante, que compareciam mensalmente<br />

para discutir com o Diretor questões acadêmicas,<br />

juntamente com o Diretório Acadêmico, sempre<br />

convidado, tentando evitar problemas que poderiam surgir,<br />

desde o desempenho didático dos professores, integração<br />

dos alunos e dos professores, revisão de matéria curricular,<br />

com novas necessidades do ensino, aquisição de livros para<br />

a biblioteca, até pequenos reparos e pequenas reformas nas<br />

classes e no sistema da Faculdade e da sede do Diretório<br />

Acadêmico, sempre em franco diálogo. Depois, fui eleito<br />

pelos professores da Faculdade de Direito da USP, em três<br />

votações, em que permaneci o primeiro da lista, encaminha<br />

ao então Reitor, que me nomeou Diretor dessa tradicional<br />

Academia de Direito do Largo de São Francisco. Implantei,<br />

nessa oportunidade, o mesmo sistema de franco diálogo com<br />

os alunos, resolvendo muitos dos problemas que afligiam<br />

os alunos e funcionários daquela Faculdade, abrindo suas<br />

portas à ampla participação em Congressos e intercambio<br />

internacional com diversos países, principalmente,<br />

firmando convênio com a Universidade de Roma – Tor<br />

Vergata, em curso integrado de Direito Romano, para<br />

unificação dos Códigos Civis latinoamericanos e europeus,<br />

no âmbito dos Contratos e da Responsabilidade Civil,<br />

com o apoio da União Européia, que financiou esse curso,<br />

durante esses quatros anos, inclusive com sua formação<br />

um ano antes, concedendo bolsas de estudos a todos os<br />

alunos de vários países, sendo quatro dos mais de trinta,<br />

indicados pela Faculdade de Direito da USP, que sempre<br />

obtiveram os primeiros lugares, nas defesas de tese finais.<br />

Depois veio a era da Faculdade de Direito da Fundação<br />

Armando Alvares Penteado – FAAP, que foi criada há<br />

aproximadamente dez anos, tendo sido eu o seu primeiro<br />

Diretor, cargo que exerço até o presente, procurando honrar<br />

a confiança que me depositou a Entidade Mantenedora<br />

dessa conceituadíssima instituição de ensino. Essa<br />

experiência de Diretor preenche grande parte dos prazeres<br />

de minha vida, firmando-me no meio Acadêmico, em que<br />

me sinto integrado. Minha experiência na Faculdade de<br />

Direito da FAAP revelou-se como um grande aprendizado<br />

de convivência com a mocidade acadêmica e com seus<br />

pais, no empenho contínuo de formar gerações, criando<br />

uma elite pensante nacional. Esse trabalho desempenha-se<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


com todo o apoio da Mantenedora, que não poupa esforços<br />

para manter um clima de primeiro mundo, com técnicas<br />

modernas de ensino, atualizando sua biblioteca com as<br />

exigências da posmodernidade, criando um relacionamento<br />

internacional, com intercâmbio de juristas de vários<br />

países, visitando Faculdades estrangeiras e recebendo seus<br />

professores e alunos, com discussão de temas de alto teor<br />

científico.<br />

5. E os cachorros na vida particular de Álvaro Villaça?<br />

E a bateria?<br />

R. Ao lado de minha prazerosa e feliz vida familiar, meus<br />

cachorros preenchem minha experiência como um dos<br />

elementos integrantes dela. É um prazer que se renova a<br />

cada dia, a recepção dos meus amigos caninos, que fazem<br />

uma festa com latidos e abanos de rabos, como se fosse<br />

a última manifestação carinhosa em minha homenagem.<br />

Fazem-se presentes, sempre, nos meus estudos e pesquisas,<br />

visitando-me em meu escritório, quando possível. Meu<br />

escritório, de minha casa, com seus mais de dez mil livros,<br />

é o lugar que eu freqüento, com assiduidade, vibrando<br />

com meu trabalho de advogado e parecerista, às vezes<br />

madrugadas afora. Nesse lugar de trabalho aprazível<br />

sempre a música me acompanha, quando posso, tocando<br />

minha bateria, acompanhando discos, ou com músicos<br />

convidados, em locais apropriados.<br />

6. Como é sair de Bauru e tornar-se uma referência<br />

invejável do Direito. Tornar-se professor dos professores.<br />

Descobrir e concretizar, os caminhos da doutrina de<br />

qualidade, desejos da sociedade que passaram a estar<br />

contidos nas normas jurídicas brasileiras?<br />

R. Eu me sinto realizado, com minha elaboração<br />

científica. Produzi vinte e dois livros, que influenciaram<br />

sobremaneira o surgimento de normas jurídicas, como o<br />

bem de família, a união estável e os contratos atípicos.<br />

Recebi muitas homenagens, em minha vida de 50 anos<br />

dedicados ao Direito, considerando-me feliz e continuando<br />

com minhas aulas de pós graduação da FD-USP e na FD-<br />

FAAP, escrevendo meus livros e advogando, sem perder<br />

meu contato com a vida acadêmica. É uma satisfação<br />

muito grande ser bem recebido onde apareço, inclusive<br />

em palestras, no Brasil e no Exterior, sabendo que sou<br />

útil e reconhecido no meio jurídico. Sempre defendendo a<br />

posição de que os seres devem ser dignos, respeitadores do<br />

próximo, dos animais e do meio ambiente, para poderem<br />

merecer a proteção constitucional de respeito à pessoa e à<br />

dignidade humana.<br />

9


10<br />

ENTREVISTA COM O VICE-DIRETOR DA <strong>FACULDA<strong>DE</strong></strong> <strong>DE</strong> <strong>DIREITO</strong> DA FAAP<br />

1. São muitas e boas as recordações de infância no Rio<br />

de Janeiro, Avaré e Angatuba? Fale sobre elas e revele<br />

o menino que ainda existe no Desembargador de hoje.<br />

Muitas e saudosas as recordações da minha infância e<br />

juventude, onde tudo era mais bonito, mais tranqüilo e,<br />

sobretudo, mais seguro. Nossa cidade maravilhosa, onde<br />

passava férias ao lado dos meus queridos avós, pais de<br />

minha mãe, com muita praia e sol, na linda Copacabana.<br />

Outros locais, de preocupação zero, eram as cidades de<br />

Avaré, onde nasceu meu pai, e Angatuba, onde ainda<br />

moram parentes de minha avó paterna. Mas é de Angatuba<br />

que sinto mais saudades, das festas de Nossa Senhora do<br />

Carmo, dos churrascos, do futebol e da galinhada, prato<br />

típico das noites de inverno. Eu nem imaginava o quanto<br />

era bom!!!<br />

2. Colégios Dante Alighieri e São Luís, aqui em São<br />

Paulo. Nesses lugares a gente vive momentos bons da<br />

vida. Como foi isso?<br />

Comecei minha vida estudantil no Colégio Dante Alighieri,<br />

onde cursei até o 3.º ano primário, como se falava na época,<br />

mas as recordações são apenas de muito estudo e de um<br />

imenso gramado onde eu queria muito jogar futebol, porém<br />

como era pequeno demais não era permitido. Foi no Colégio<br />

São Luis, alí na Avenida Paulista, menos pujante do que<br />

hoje, que feliz da vida terminaria meu ciclo de aprendizado<br />

básico, antes da faculdade. Colégio de padre onde, no<br />

início, só estudavam homens, abrindo-se às mulheres anos<br />

depois, o que muito melhorou a convivência e a beleza da<br />

escola. Professores de primeira linha, exigentes, missas<br />

obrigatórias semanais e um incentivo ao esporte que dava<br />

gosto, principalmente a mim, que amava e ainda amo um<br />

futebolzinho.<br />

Desembargador José Roberto Neves Amorim<br />

3. E a PUC?<br />

Veio a PUC, agora nos bancos universitários onde eu seria<br />

realmente forjado profissionalmente, e sabia disso. Desde a<br />

matrícula no 1.º ano eu já sabia que queria seguir a mesma<br />

carreira de meu pai, a magistratura. Focado nesse objetivo,<br />

cursei os cinco anos, chegando a fazer cursinho preparatório<br />

para magistratura já no 5.º ano. Foi um sacrifício, pois fazia<br />

o cursinho pela manhã, trabalhava à tarde e completava o<br />

dia na faculdade. A tudo isso se agregava a mulherada, o<br />

futebol e as viagens. Tudo valeu a pena. Vivi intensamente<br />

aqueles momentos, aliás, como faço até hoje, a vida tem<br />

que ser vivida com alegria, felicidade e intensidade. Mais<br />

tarde concluiria o mestrado e o doutorado na escola do meu<br />

coração.<br />

4. No processo de ingresso na magistratura ocorreu<br />

algum momento de grande aflição, ansiedade ou medo?<br />

Ou todos? E a alegria pela aprovação?<br />

Terminada a faculdade, colocou-se à minha frente o maior<br />

objetivo e o maior desafio da minha vida até então: tornarme<br />

juiz. Estudei sem parar mais um ano, no cursinho,<br />

além daquele no 5.º ano da faculdade. Estudar sem parar<br />

significou abandonar o futebol e toda e qualquer atividade<br />

capaz de desviar a atenção. Chegou o dia da maratona. A<br />

prova escrita era realizada no Palácio da Justiça, onde se<br />

juntavam a mim mais de três mil candidatos. Imaginar esse<br />

número hoje é fácil, o difícil é imaginar 26 anos atrás. A<br />

inexperiência falava mais alto, o nervosismo e a ansiedade<br />

tomavam conta do meu corpo e da minha alma. Com<br />

a prova nas mãos, após a oração rogando a proteção e o<br />

amparo de Deus, comecei a me acalmar e fiz a prova, longa<br />

por sinal, no tempo limite. Agora era esperar o resultado<br />

para saber se passaria à fase oral. Muitos e longos dias<br />

se passaram, intermináveis mesmo, até que saiu a lista<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


com meu nome. Um instante de alívio e o pensamento: e<br />

agora, a prova oral!!! Mas como tudo chega na vida, esse<br />

dia também chegou. Lá fui eu, nervoso, suando, de terno<br />

e gravata impecáveis. Nessa hora aparece tudo, aflição,<br />

ansiedade, medo e insegurança. Lembro-me que estava tão<br />

nervoso que não conseguia sequer pegar o copo com água<br />

à minha frente. Pensava: se eu pegar o copo ele vai cair e<br />

será um vexame, melhor ficar com a boca seca. Fui argüido<br />

pelos quatro desembargadores componentes da banca. A<br />

areia da ampulheta parecia não mais terminar. Mas como<br />

tudo chega, as perguntas acabaram e de imediato passaramse<br />

às entrevistas individuais. Dias depois, fizemos o<br />

psicotécnico e passamos a aguardar o resultado final. No<br />

dia marcado, que não me recordo, lá estava eu na sala dos<br />

retratos do Tribunal de Justiça e então ouvi o meu nome.<br />

Certamente um dos momentos mais felizes, o meu maior<br />

sonho acabava de se realizar. Passei dias comemorando e<br />

descansando e, é claro, ouvindo os conselhos do meu juiz<br />

mais velho, meu pai. Escolhi minha primeira Comarca,<br />

como Juiz Substituto: Sorocaba. Depois, já como titular,<br />

em Morro Agudo, Franco da Rocha, São Caetano do Sul,<br />

Juiz Auxiliar da Capital, Juiz da 40.ª Vara Cível Central,<br />

Juiz Substituto em 2.º grau e, finalmente, Desembargador<br />

do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sempre com<br />

muito orgulho. Exerci duas importantes funções dentro da<br />

magistratura paulista, Juiz Auxiliar da Corregedoria Geral<br />

da Justiça e Juiz Auxiliar da Presidência do Tribunal.<br />

5. Revele para os leitores da Revista Juris alguma<br />

particularidade da atividade de magistrado na primeira<br />

instância.<br />

Como juiz de 1.ª instância, costumo dizer que é o juiz<br />

da trincheira, aquele que tem a obrigação de lidar com<br />

as partes, com os advogados, fazer audiências, às vezes<br />

infindáveis e problemáticas, despachar inúmeros processos<br />

todos os dias e sentenciar, ou seja, entregar o direito àquele<br />

que veio buscá-lo, sabendo sempre que um deles sairá<br />

vencido. É uma tarefa estafante, somente para aqueles<br />

vocacionados, capazes de se entregar ao próximo, perdendo<br />

fins de semana, tirando férias para dar conta dos processos<br />

atrasados, porque os dias são curtos para o volume de feitos<br />

que lhe são entregues diariamente. Esta é a realidade da<br />

maioria dos juízes que orgulham nosso Estado. Digo tudo<br />

isso não para desanimar futuros pretendentes, mas para<br />

demonstrar como um ser humano pode ser forte, se superar,<br />

ajudar as pessoas e seu País.<br />

6. Como é a vida de um Desembargador no Tribunal?<br />

Como já disse, a vida do juiz é árdua e continua quando<br />

se atinge o último posto da carreira, o de desembargador.<br />

A vida não muda, são milhares de processos à sua espera<br />

todos os dias no gabinete. Agravos de Instrumento<br />

tirados contra decisões urgentes e importantes. Enfim,<br />

continuamos a atender advogados, que sempre muito nos<br />

auxiliam, decidir processos e participar de sessões públicas<br />

de julgamento.<br />

7. O que se aprende com os desafios enfrentados pelo<br />

Vice-Diretor da Faculdade de Direito da FAAP?<br />

A vontade de colaborar com a evolução humana levoume<br />

à vida acadêmica, iniciada em 1986 quando assumi<br />

outro sacerdócio, o de ser professor. Apaixonei-me pelo<br />

processo civil, cadeira que leciono até hoje. Fui abrigado<br />

por algumas instituições, mas foi na FAAP, onde estou<br />

há 10 anos, que me realizei, porque além das aulas, foime<br />

dada a oportunidade de enfrentar os problemas e as<br />

alegrias acadêmicas como vice-diretor da Faculdade de<br />

Direito. Aprendo a cada dia com os nossos alunos, com<br />

a diversidade de comportamentos, de personalidade e<br />

me surpreendo com a atenção e o carinho deles para<br />

comigo e com os nossos professores. A convivência com<br />

a juventude traz uma energia renovada, ensina que ensinar<br />

é uma missão quase divina. Cada turma que ingressa é<br />

um novo desafio,cada turma que se forma é a sensação<br />

do dever cumprido e a certeza de que muitas amizades se<br />

perpetuarão.<br />

11


12<br />

Direitos e Deveres dos Avós<br />

(alimentos e visitação)<br />

ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO<br />

Doutor em Direito, Professor Titular de Direito Civil, Regente de Pós-Graduação e ex-Diretor da Faculdade de Direito<br />

da Universidade de São Paulo - USP; Professor Titular de Direito Romano, de Direito Civil e ex-Diretor da Faculdade<br />

de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo; Professor Titular de Direito Romano e Diretor da<br />

Faculdade de Direito da Fundação Armando Alvares Penteado – FAAP, em São Paulo; Advogado e ex-Conselheiro<br />

Federal e Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil, Parecerista e Consultor Jurídico.<br />

Resumo: A instituição da família, sólida e afetivamente constituída, é o sustentáculo existencial do Estado. Mostra-nos a<br />

História das Civilizações que o desgaste dessa instituição familiar levou à ruína Impérios e Governos, por falta de apoio<br />

social e pela decadência dos costumes. A família é o fundamento da sociedade, devendo ter especial proteção do Estado,<br />

reza o texto constitucional (caput do art. 226). Como tudo na vida, a sociedade nasce, cresce e morre, num círculo vicioso<br />

que mostra o ser humano como o protagonista central de emoções que o empolgam a ponto de esquecer-se do próximo,<br />

em busca de um poder ilusório e relativo, querendo aproximar-se do criador e até pretendendo substituí-lo em operações<br />

genéticas. O ser humano precisa depurar-se, aperfeiçoando as virtudes, ainda que por demoradas vidas, pelo poder do amor<br />

e da sensibilidade de preservar as obras da Natureza, que vivem a seu redor, principalmente a vida e o meio ambiente. A<br />

família repete-se por gerações, estabelecendo-se regras de convivência entre seus membros, que são verdadeiramente, por<br />

isso, de Direito Natural, escrito pelo tempo no ser humano e, muitas vezes, ratificado pelas regras jurídicas. Desse modo,<br />

quer ande bem, socialmente, a família, ou não, é preciso que existam regras de comportamento entre seus membros,<br />

que preservem a instituição familiar, principalmente em seu tronco ancestral. Neste, necessariamente, encontram-se os<br />

ascendentes e os descendentes, que formam a linha reta do parentesco. Seres que se sucedem por gerações, garantindo<br />

a continuidade existencial. Cuidarei, nesta oportunidade, de parte do complexo de direitos e deveres existentes entre os<br />

avós e os netos.<br />

Palavras Chaves: Direitos, Deveres, Avós, Direito de alimentos, Prisão civil, Direito de visita dos avós.<br />

I - Direitos da personalidade<br />

Os direitos e os deveres dos avós são da personalidade,<br />

com todas as características a eles inerentes.<br />

No mais das vezes, o direito da personalidade de um avô<br />

é, também, dever da personalidade, e vice-versa, havendo<br />

uma reciprocidade de prestação, como no dever alimentar<br />

devido por um ao outro com o escopo fundamental da<br />

proteção do direito à vida.<br />

O direito da personalidade, assim, pode vestir-se de forma<br />

singular, como o pedido de proteção à vida junto a um órgão<br />

de saúde do Estado; ou apresentar-se sob forma recíproca<br />

em que o direito de um implica o dever do outro, como é o<br />

caso do dever alimentar dos avós e dos netos, imperando o<br />

direito à perpetuação da família pela ordem consangüínea<br />

ou jurídica.<br />

Doutrinando sobre os direitos da personalidade e alinhando<br />

duas grandes teorias sobre a natureza desses direitos (poder<br />

que o homem exerce sobre sua própria pessoa ou direito<br />

sem sujeito), José Castan Tobeñas 1 chega a concluir que “o<br />

objeto dos direitos da personalidade não se encontra nem<br />

na pessoa mesma de seu titular, nem nas demais pessoas<br />

vinculadas a uma obrigação passiva universal (idéia esta<br />

que significaria uma confusão entre os direitos absolutos e<br />

os relativos), senão nos bens constituídos por determinados<br />

atributos ou qualidades, físicas ou morais, do ser humano,<br />

individualizados pelo ordenamento jurídico”, referindo,<br />

em análogo sentido, o pensamento dos juristas lusos Pires<br />

de Lima e Antunes Varela.<br />

Pondere-se, nesse ponto, com Calogero Gangi 2 , que,<br />

quanto a esses direitos da personalidade, podem eles ser<br />

bem chamados de direitos essenciais ou fundamentais da<br />

pessoa, quando a esta se ligam intimamente, que esta não<br />

se pode quase conceber sem a existência deles. Aduz que,<br />

conforme a antiga doutrina da escola do Direito Natural,<br />

esses mesmos direitos se consideravam naturais ou inatos,<br />

como direitos atinentes ao ser humano, por sua própria<br />

natureza, e por essa razão não já a ele atribuído pelo Estado,<br />

mas somente, reconhecido por este.<br />

No tocante aos caracteres dos direitos da personalidade,<br />

os doutrinadores 3 têm-nos declinado, concluindo que<br />

os direitos da personalidade são, em princípio, “direitos<br />

1 Los Derechos de la Personalidad, Instituto Editorial Réus, Madrid, 1952, pp.16 a 18.<br />

2 Persone Fisiche e Persone Giuridiche, Ed. Dott. A. Giuffrè, Milano, 2ª edição, 1948, p. 167.<br />

3 Adriano De Cupis, I Diritti dela Personalità, Ed. Dott. A Giuffrè, Milano, do Trattato di Diritto Civile e Commerciale,dirigido pelos Professores Antonio Cicu e Francesco Messineo, 1959, vol. IV, tomo<br />

I, pp. 44 a 48; José Castan Tobeñas, o.c., pp. 22 a 24; Joaquim Diez Diaz, Los Derechos Físicos de la Personalidad, Derecho Somatico, Ed. Santillana, 1963, p. 57.<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


subjetivos privados”, porque, respeitando as pessoas,<br />

como simples seres humanos, se propõem a assegurar-lhes<br />

a satisfação do próprio ser, físico e espiritual; são “direitos<br />

não patrimoniais, extrapatrimoniais, tipicamente pessoais,<br />

porque não visam uma utilidade de ordem econômica e<br />

financeira; são “direitos originários ou inatos”, porque se<br />

adquirem, naturalmente, sem o concurso de formalidades<br />

externas; são “direitos absolutos ou de exclusão”, visto que<br />

são oponíveis “erga omnes”; são “direitos intransmissíveis,<br />

pois que inerentes à pessoa de seu titular, que deles, assim,<br />

não pode dispor; são “direitos irrenunciáveis”, porque não<br />

podem ser desprezados ou destruídos, sendo, dessa forma,<br />

insuscetíveis de rejeição; e são “direitos imprescritíveis”,<br />

porque podem ser exercidos a qualquer tempo.<br />

Destaca Joaquim Diez Diaz 4 que, sendo os direitos da<br />

personalidade subjetivos privados, ao lado de poderem ser<br />

classificados como públicos, assim admitindo pela forte<br />

tendência publicista dos direitos de liberdade civil, podem,<br />

ainda, conservando, fundamentalmente, seu aspecto<br />

privado, apresentar pontos de contato de tipo público,<br />

citando, neste caso, como exemplo, os direitos-deveres de<br />

família.<br />

Melhor seria que entendêssemos essa classificação<br />

normativa dos direitos e deveres, nascentes do casamento<br />

e da união estável, como de ordem pública. É o que<br />

demonstram os autores, em especial destaque o Professor<br />

Antônio Chaves 5 , que, apoiando-se nos ensinamentos de<br />

Henri de Page, faz empenho em dizer que os deveres,<br />

referidos na generalidade dos Códigos Civis, são<br />

“obrigações legais de ordem pública”, porque toda<br />

convenção que lhes seja contrária “é fulminada de nulidade<br />

absoluta e não pode receber qualquer execução”.<br />

Essas normas de ordem pública, cogentes, não podem ser<br />

modificadas pela vontade das partes. Assim como o direito<br />

público, o direito cogente é um direito de intervenção do<br />

Estado, na ordem privada. Os romanos já referiam que<br />

ius publicum ou ius cogens privatorum pactis mutari non<br />

potest (“o direito público ou direito cogente não pode ser<br />

modificado pelos pactos dos particulares”).<br />

Como pode perceber-se, os direitos e deveres dos avós,<br />

nas relações de alimentos e de visitação, são recíprocos,<br />

a justificar o brocardo “ius et officium sunt correlata” (“o<br />

direito e o dever são correlatos”).<br />

Registre-se, nesse passo, que o Código Civil de 1916<br />

não previa, em capítulo próprio, essa espécie de direitos<br />

fundamentais da pessoa.<br />

O tratamento dessa matéria veio, assim, a ser cuidado em<br />

capítulo próprio, com bastante atraso, pelo Código Civil de<br />

2002, do art. 11 a 21 6 a exemplo do que fizeram os Códigos<br />

Civis da Alemanha, da Itália e de Portugal.<br />

II – Dever alimentar dos avós<br />

O Código Civil de 1916 já reconhecia, em seu art. 397,<br />

o direito à prestação de alimentos como “recíproco entre<br />

pais e filhos”, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo<br />

a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de<br />

outros. Esse texto é reproduzido, integralmente idêntico<br />

ao do art. 1.696 do atual Código Civil de 2002.<br />

Na falta dos pais, a obrigação deve ser cumprida pelos<br />

avós, bisavós, trisavôs etc., recaindo a obrigação nos<br />

mais próximos em graus, uns em falta de outros. Desse<br />

modo, se existirem vários ascendentes do mesmo grau,<br />

são obrigados todos em conjunto, em razão do que “a<br />

ação de alimentos deve ser exercida contra todos, e a<br />

quota alimentar é fixada de acordo com os recursos dos<br />

alimentantes e as necessidades do alimentário: Assim,<br />

intentada a ação, o ascendente (avô, bisavô etc.) pode opor<br />

que não foram chamados a prestar alimentos os outros<br />

ascendentes do mesmo grau. Se algum dos ascendentes<br />

não tem meios com que alimente o descendente, o outro<br />

dos ascendentes do mesmo grau os presta”. Ante qualquer<br />

recebimento alimentar precário ou insuficiente, pode ser<br />

pedida complementação 7 .<br />

Pondera, assim, Yussef Said Cahali 8 que “duas<br />

circunstâncias abrem oportunidade para a convocação do<br />

ascendente mais remoto à prestação alimentícia: a falta de<br />

ascendente em grau mais próximo ou a falta de condição<br />

econômica deste para fazê-lo; o grau mais próximo exclui<br />

aquele mais remoto, sendo o primeiro lugar na escala<br />

dos obrigados ocupado pelos genitores; apenas se faltam<br />

os genitores, ou se estes se encontram impossibilitados<br />

financeiramente de fazê-lo, estende-se a obrigação de<br />

alimentos aos ulteriores ascendentes, respeitada a ordem<br />

de proximidade.”<br />

Destaque-se, nessa oportunidade, acórdão da Sétima Câmara<br />

Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do<br />

Sul 9 , sendo Relatora a Desembargadora Walda Maria Melo<br />

Pierro, em que se reconheceu que “A responsabilidade<br />

alimentar dos avós, por excepcional e subsidiária, só<br />

tem lugar mediante prova da impossibilidade financeira<br />

absoluta do genitor. Atrasos e relutância no pagamento<br />

não autorizam a transferência da obrigação, mormente<br />

quando esta se mostra em dia. Para fixação da obrigação,<br />

na forma de complementação, há de vir prova escorreita de<br />

que o valor alcançado pelo pai, somado ao valor propiciado<br />

pela mãe, é insuficiente, o que não ocorre no presente caso.<br />

Não se pode confundir dificuldades oriundas das modestas<br />

condições econômicas dos genitores, a que devem se<br />

adaptar os filhos, com incapacidade de sobrevivência. O<br />

padrão de vida dos avós não serve de parâmetro para tal<br />

fim.”<br />

4 O.c., p.57 e nota de rodapé 144 e 145.<br />

5 Lições de Direito Civil, Direito de Família, II, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1975, p. 9.<br />

6 Ver a respeito, Álvaro Villaça Azevedo e Gustavo René Nicolau, Código Civil Comentado, Coord. de Álvaro Villaça Azevedo, Ed. Atlas, São Paulo, 2007, vol. 1, pp. 46 a 77.<br />

7 Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, Ed. Borsoi, Rio de Janeiro, 2ª edição, torno IX, § 1002, n. 9, p. 231.<br />

8 Dos Alimentos, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2ª edição, 1993, p. 517.<br />

9 Apel. Civ. nº 7 000 932 1951 – Santa Maria, j. em 23.02.2005, provido por maioria.<br />

13


Nesse decisório, foram citados outros julgados 10 do<br />

mesmo Tribunal, que demonstram o caráter subsidiário<br />

e excepcional da obrigação avoenga, salientando-se que<br />

o sustento dos filhos é primordialmente dos genitores,<br />

pai e mãe, somente sendo chamados os avós, quando<br />

demonstrada a incapacidade econômica dos pais (absoluta<br />

impossibilidade), não tendo o neto direito ao padrão de<br />

vida dos avós.<br />

Outro julgado deve ser referido, da Oitava Câmara Cível<br />

do Tribunal da Justiça do Estado do Rio Grande do Sul 11 ,<br />

sendo Relator o Desembargador Claudir Fidélis Faccenda,<br />

que admitiu que, “Comprovado que o genitor não tem<br />

condições de suportar o encargo alimentar do filho menor,<br />

é cabível demandar o avô paterno para complementar os<br />

alimentos. A responsabilidade dos avós, por ser subsidiária<br />

e complementar, não é igual à dos pais, limitando-se a<br />

atender as necessidades básicas da criança.”<br />

Corroboram esses julgados o teor do art. 1698 do Código<br />

Civil, que assenta: “Se o parente, que deve alimentos<br />

em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar<br />

totalmente o encargo, serão chamados a concorrer o de<br />

grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar<br />

alimentos, todas devem concorrer na proporção dos<br />

respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas,<br />

poderão as demais ser chamadas a integrar a lide” (artigo<br />

sem correspondência no Código Civil de 1916).<br />

Com fundamento em decisão do Tribunal de Justiça<br />

de São Paulo 12 , Maria Berenice Dias 13 acentua que “é<br />

necessário, primeiro, buscar a obrigação alimentar do<br />

parente mais próximo. Nada impede, no entanto, intentar<br />

ação concomitante contra o pai e o avô. Constitui-se um<br />

litisconsórcio passivo facultativo sucessivo. Ainda que não<br />

disponha o autor de prova da impossibilidade do pai, o<br />

uso da mesma demanda atende ao princípio da economia<br />

processual. Na instrução é que, comprovada a ausência de<br />

condições do genitor, evidenciada a impossibilidade de ele<br />

adimplir a obrigação, será reconhecida a responsabilidade<br />

dos avós. A cumulação da ação contra pais e avós tem a<br />

vantagem de assegurar a obrigação desde a data da citação”.<br />

Reforça seu raciocínio essa jurista, em seqüência, apoiandose<br />

em julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal 14 ,<br />

que assenta que “o fato de a lei fazer uso da palavra pais,<br />

no plural, ao lhes atribuir os deveres decorrentes do poder<br />

familiar, não quer dizer que está a se referir a ambos os<br />

14<br />

pais, e sim a qualquer dos pais. A denominada paternidade<br />

responsável estendeu seus efeitos, alcançando os avós,<br />

que tendo condições, podem ser chamados a completar<br />

o pensionamento prestado pelo pai que não supre de<br />

modo satisfatório a necessidade do alimentando” (com<br />

fundamento em Fátima Nancy Andrighi). “O STJ 15 vem<br />

manifestando o entendimento de que a responsabilidade<br />

dos avós não é apenas sucessiva, mas complementar,<br />

podendo ser chamados a subsidiar a pensão prestada pelo<br />

pai, que não supre de modo satisfatório a necessidade dos<br />

alimentandos.”<br />

Relativamente aos precedentes do Superior Tribunal de<br />

Justiça, tem este admitido a responsabilidade dos avós de<br />

suplementarem (completarem) a pensão insuficientemente<br />

prestada aos netos, na medida das possibilidades desses<br />

ascendentes próximos (avós) 16 .<br />

III – Direito dos avós a alimentos<br />

Até este ponto, venho referindo a existência do direito da<br />

personalidade dos netos, relativamente a seus ascendentes.<br />

Aqui, também, está presente o dever destes nessa prestação<br />

alimentar.<br />

Como já acentuei, existe reciprocidade desse direito,<br />

que, por isso, é direito – dever da personalidade. Os<br />

ascendentes também, pelo ius sanguinis, têm direito a<br />

alimentos junto a seus descendentes. Desse modo, o avô<br />

que tiver necessidade, quanto à sua subsistência, pode pedir<br />

alimentos a seus netos, que deverão prestá-los na medida<br />

de suas condições econômico-financeiras.<br />

É o direito que nasce no tronco ancestral de preservação e<br />

de continuidade das famílias em sentido geral.<br />

Destaca Pontes de Miranda 17 , nesse passo, que “A<br />

obrigação à prestação de alimentos é recíproca no direito<br />

brasileiro, uma vez que se estende em toda a linha reta<br />

entre ascendentes e descendentes, e na colateral entre os<br />

irmãos, que são parentes recíprocos por sua natureza. E é<br />

razoável que assim seja. Se o pai, o avô e o bisavô têm<br />

o dever de sustentar aquele a quem deram vida, injusto<br />

seria que o filho, neto ou bisneto, abastado, não fosse<br />

obrigado a alimentar o seu ascendente incapaz de manterse<br />

Iniquissum enim quis merito dixerit patrem egere, cum<br />

filius sit in facultatibus (L.5, § 13, D., de agnoscendis et<br />

alendis liberis, 25,3)”.<br />

10 Agravo de Instrumento nº 7 000 60 90 385, 7ª Câmara do TJERS, Relator Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. em 28.05.2003; e Embargos Infringentes nº 7 000 390 9363, 4º<br />

Grupo de Câmaras Cíveis do TJERS, Relator Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, j. em 12.04.2002.<br />

11 Apel. Cív. nº 7 001 650 8889 – Sarandi, j. em 21.09.2006, provido parcialmente.<br />

12 TJSP, 6ª Câmara de Dir. Priv., AC 345.070-4/0, Relator Desembargador Sebastião Carlos Garcia, j. em 02.12.2004 – “Pleito contra genitor e o avô paterno – Admissibilidade. Demonstração da<br />

necessidade de suplementação dos alimentos pelo avô paterno, ante a impossibilidade de suprimento da totalidade das necessidades da alimentanda pelos próprios pais. Inocorrência da sustentada<br />

ilegitimidade passiva ad causam. Apelo improvido”.<br />

13 Manual de Direito das Famílias, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 4ª edição, 2007, pp.472 e 473, nº 27.12.<br />

14 TJDF, 2ª T.Civ, AC 200 50 11 0342045 – Relator Desembargador J.J. Costa Carvalho, j. em 11.10.2006 – “Ação de alimentos – Avós – Responsabilidade subsidiária. 1. A responsabilidade de os avós<br />

suportarem o pagamento de pensão alimentícia dos netos tem natureza subsidiária, decorrendo da incapacidade de o pai cumprir com a sua obrigação. 2. Para que seja acolhida pretensão exposta em ação<br />

de alimentos ajuizada diretamente contra os avós paternos, mister se faz comprovação de que o genitor, devedor originário, não tem condições de arcar com seu dever.”<br />

15 STJ, 4ª T., REsp 119.336-SP, Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ 10.03.2003, baseado em Precedentes; REsp 81.838-SP, 4ªT., Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, j. em 06.06.2000; REsp<br />

366.837-RJ, 4ªT., Rel. p/ Acórdão Min. Cesar Asfor Rocha, j. em 19.12.2002 (obrigação “própria, complementar e/ou sucessiva, mas não solidária”); REsp 401.484-PB, 4ªT, Rel. Min. Fernando<br />

Gonçalves, j. em 07.10.2003 (responsabilidade complementar diluída entre avós paternos e maternos); REsp 658.139-RS, 4ªT., Rel Min. Fernando Gonçalves, j. em 11.10.2005 (avós concorrem na<br />

proporção de seus recursos); também TJ-SP, Ap. 256.719, Rel. Des. Azevedo Franceschini, in RT 509/78; TJ-SP, MS 281.431, Rel. Des. Toledo Piza, in RT 531/67 (prestação insuficiente).<br />

16 STJ-REsp 268.212-MG, 3ª T, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 27.11.2000 (ainda sob a vigência do CC de 1916); REsp 50 153-9-RJ, 4ªT, Rel. Min. Barros Monteiro, j. em 12.09.1994 (“o credor não<br />

está impedido de ajuizar a ação apenas contra um dos coobrigados...”).<br />

17 O.c., § 1006, nº 1, p. 236.<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


Desse modo, “ao direito de exigir alimentos corresponde o<br />

dever de prestá-los”, lembra Sílvio Rodrigues 18 , afirmando:<br />

“se por causa de idade ou moléstia a pessoa não pode<br />

prover a sua subsistência, deve reclamar alimentos de seu<br />

pai, avô etc. (art. 1.696), ou de seus filhos (art. 1.697). A<br />

estes, desde que o possam, incumbe fornecer os alimentos,<br />

ainda que haja netos, ou bisnetos, com recursos muito<br />

mais amplos. Não havendo filhos, são chamados os netos<br />

a prestar alimentos, e assim por diante, porque a existência<br />

de parentes mais próximos exclui os mais remotos da<br />

obrigação alimentícia”.<br />

A lei distribui em categorias os sujeitos de obrigação<br />

alimentar, sendo certo que, “Na primeira, encontram-se<br />

os ascendentes de primeiro grau, isto é, o pai e a mãe.<br />

Quem careça de alimentos deve reclamá-los, em primeiro<br />

lugar, dos pais. Na falta destes, a obrigação passa aos<br />

outros ascendentes, paternos ou maternos, recaindo nos<br />

mais próximos em graus, uns em falta de outros. Assim,<br />

ocupam o primeiro plano na segunda categoria os avós; em<br />

seguida os bisavós, e assim sucessivamente. Na falta de<br />

ascendentes, cabe a obrigação aos descendentes, guardada<br />

a ordem da sucessão. Em primeiro lugar os filhos; em<br />

segundo os netos, e assim sucessivamente. Faltando os<br />

descendentes, a obrigação incumbe aos irmãos, germanos<br />

ou unilaterais.” 19<br />

IV – Prisão civil dos avós, na prestação alimentar. E a<br />

prisão civil dos netos?<br />

a) Conceito e natureza jurídica da prisão por débito<br />

alimentar<br />

Tenha-se presente, inicialmente, que a prisão civil é meio<br />

coativo para um parente forçar o recebimento do crédito<br />

alimentar do outro parente, nos limites estabelecidos na lei.<br />

Se o art. 396 do Código Civil de 1916 autorizava que os<br />

parentes se cobrassem de alimentos, reciprocamente,<br />

os arts. 397 e 398, seguintes, mencionavam os graus<br />

dessa responsabilidade alimentar, quando não houvesse<br />

cumprimento espontâneo.<br />

Ao seu turno, o atual Código Civil, por seu art. 1.694,<br />

alargou, bastante, a abrangência desse antigo art. 396,<br />

reconhecendo o direito recíproco a alimentos entre os<br />

parentes ou cônjuges ou conviventes. Assim, o direito<br />

a alimentos é recíproco entre pais e filhos e extensivo a<br />

todos os ascendentes, recaindo o dever nos mais próximos<br />

em grau, uns em falta de outros; não havendo ascendentes,<br />

o dever alimentar caberá aos descendentes, guardada a<br />

ordem sucessória; na falta destes, aos irmãos, bilaterais ou<br />

unilaterais (arts. 1.696 e 1.697 do atual Código).<br />

Resta evidente que só as aludidas pessoas, e do mesmo<br />

tronco ancestral, podiam, pelo Código de 1916, pedir<br />

alimentos, umas das outras. Pelo atual Código, incluemse,<br />

também, os cônjuges e os conviventes que não são<br />

parentes. 20<br />

O parente necessitado de alimentos poderá reclamá-los,<br />

portanto, em primeiro lugar, de seus pais; na falta destes,<br />

de seus avós paternos ou maternos; na falta destes, dos<br />

bisavós até esgotar a linha; na falta de ascendentes, dos<br />

colaterais de segundo grau, irmãos germanos (bilaterais) e<br />

unilaterais. Assim, tios não devem alimentos a sobrinhos,<br />

nem primos se devem, reciprocamente, alimentos.<br />

Por outro lado, os afins, não sendo parentes, também, não<br />

podem pedir, reciprocamente, alimentos. 21<br />

Sempre entendi que os cônjuges e os conviventes, não<br />

sendo parentes, entre si, não tinham direitos e deveres<br />

recíprocos de alimentos, a não ser direitos e deveres<br />

em razão do contrato de casamento ou de união estável,<br />

enquanto durasse a sociedade familiar. Todavia, no tocante<br />

ao casamento, esse dever de provisão do lar, que era do<br />

marido, atualmente é de ambos os cônjuges, ante o § 5º<br />

do art. 226 da Constituição de 1988. Após a separação<br />

judicial e o divórcio, amigáveis ou litigiosos, bem como a<br />

separação dos conviventes, sempre entendi, nascem outros<br />

direitos e deveres, decorrentes de acordo ou de sentença,<br />

podendo estar incluída pensão alimentícia.<br />

Nesses casos, não há que se falar em prisão, pois ela foi<br />

criada para coagir um parente para pagar alimentos ao<br />

outro.<br />

Em face de sua Súmula 379, que equipara os alimentos<br />

oriundos da separação aos devidos entre parentes,<br />

proibindo a renúncia do direito aos alimentos, no acordo<br />

dessa separação, com o que eu não concordava, o STF<br />

chega a admitir sua “dispensa”, desistência tácita, quando,<br />

por muito tempo, deles não se utilizou a “desquitanda” (em<br />

quatorze ou em vinte anos) 22<br />

Ante o atual Código, não resta dúvidas de que admitiu ele<br />

esse entendimento sumular, pois assenta, em seu art. 1.707:<br />

“Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o<br />

direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível<br />

de cessão, compensação ou penhora”.<br />

Mesmo tendo esse Código Civil admitido o direito recíproco<br />

a alimentos entre cônjuges e conviventes, para “viver de<br />

modo compatível com a sua condição social, inclusive<br />

para atender às necessidades de sua educação” (art. 1.694,<br />

caput), não foram eles considerados parentes. Sim, porque<br />

os direitos e deveres dos cônjuges e dos conviventes nascem<br />

de seu casamento ou de sua união estável, conforme o<br />

caso, e não ex iure sanguinis. Os parentes consangüíneos<br />

adquirem seus direitos e deveres com seu nascimento<br />

biológico, já que esses direitos e deveres ligam-se à sua<br />

18 Direito Civil, Direito de Família, Ed. Saraiva, São Paulo, 2004, 28ª edição, rev. e atual. por Francisco José Cahali, vol. 6, p. 380, nº 168 e rodapé 325. No mesmo sentido, Maria Helena Diniz, Curso<br />

de Direito Civil Brasileiro, Direito de Família, Ed. Saraiva, São Paulo, 5º volume, 17ª edição, 2002, pp. 469 a 474, letra F.<br />

19 Orlando Gomes, Direito de Família, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2002, 14ª edição, rev. e atual. por Humberto Theodoro Júnior, p. 436, nº263.<br />

20 Assim, não há que decretar-se, por exemplo, prisão civil por descumprimento de dever alimentar decorrentes de responsabilidade civil por ato ilícito, conforme julgado, nesse sentido, RT 646/124.<br />

21 RT 468/175, 418/180.<br />

22 RTJ 108/1351 (com dois outros julgados no mesmo sentido).<br />

15


personalidade, com todas as características desses direitos<br />

da personalidade, sendo, portanto, imprescritíveis. O<br />

direito a alimentos, ao seu turno, quando entre cônjuges<br />

ou conviventes, podem ser perdidos em razão de decreto<br />

judicial na separação do casal; não são inatos.<br />

Só o descumprimento do dever alimentar entre<br />

consangüíneos é que pode levar ao decreto da prisão civil,<br />

no meu entender, ainda com o advento do atual Código.<br />

Uma coisa é ser devida e irrenunciável a pensão alimentícia,<br />

outra é possibilitar a prisão por seu descumprimento.<br />

Principalmente, ante o atual Código, que possibilita o<br />

pensionamento alimentício a credor culpado, caso em<br />

que os alimentos devem ser, apenas, “os indispensáveis à<br />

subsistência” (§2º do art. 1.694).<br />

Com essa conceituação, por mim justificada, pela qual<br />

a prisão do devedor de alimentos só se admite com o<br />

pressuposto de relação entre parentes, analisarei a natureza<br />

desse modo de constrangimento pessoal.<br />

Embora a 1ª T. do STF, por unanimidade de votos, em<br />

11.12.1981, sendo Relator o Min. Clóvis Ramalhete, 23<br />

tenha entendido que a prisão por dívida de alimentos não<br />

tem finalidade coativa de execução e deve existir por prazo<br />

fixado em lei, com proibição de que se reitere, sendo, assim<br />

“repressão punitiva”, prefiro acompanhar o entendimento<br />

pelo qual essa medida extrema foi concebida não com<br />

caráter penal, de punição, mas para forçar o cumprimento<br />

obrigacional; embora lute para que esse meio odioso e<br />

violento desapareça de nosso texto legal.<br />

Aliás, a 1ª Câm. Civ. do TJSP, por votação unânime, em<br />

26.12.1978, sendo Relator o Des. José Cardinale, 24 admitiu<br />

que: “À prisão civil imposta ao devedor de alimentos não<br />

se aplicam dispositivos do Código Penal”, já que “não é<br />

pena, mas simples meio de coerção com que se busca o<br />

cumprimento de obrigação”.<br />

O próprio Min. Cordeiro Guerra, “principal colaborador da<br />

Lei de Alimentos, defendendo a legitimidade dessa prisão,<br />

em voto proferido no RHC 54.796-RJ, assentou: “A prisão<br />

do devedor de alimentos é meio coercitivo adequado,<br />

previsto em todas as legislações cultas, para obrigar o<br />

devedor rebelde aos seus deveres morais e legais a pagar<br />

aquilo que, injusticadamente, se nega.” Essa orientação<br />

guarda consonância com esta observação de Pisapia:<br />

“Todas as legislações modernas reconhecem, hoje e para<br />

o futuro, a necessidade de recorrer à sanção penal para<br />

assegurar o respeito e o cumprimento das obrigações que<br />

encontram sua fonte numa relação de família” 25<br />

Ao meu ver, a tendência é a de que se humanizem e que<br />

se racionalizem os sistemas jurídicos modernos, para<br />

que se apaguem, definitivamente, em breve futuro, essa<br />

16<br />

lamentável prisão por dívida, por substituição do regime<br />

selvagem de hoje pelo civilizado e profícuo do amanhã.<br />

O citado entendimento de Pisapia encontra eco em nossa<br />

posição doutrinária, pois não se refere ele à prisão civil, mas<br />

às sanções penais, que devem, mesmo, existir nos crimes<br />

e nas contravenções contra a família; não, simplesmente,<br />

como meio de cumprimento de dever alimentar.<br />

Ao seu turno, ensina Pontes de Miranda 26 que nosso<br />

direito processual civil concebeu a prisão civil por débito<br />

alimentar, não como medida penal, nem como ato de<br />

execução pessoal, e sim como meio de coerção”.<br />

A prisão sob estudo, com meio coativo de cumprimento<br />

obrigacional, está ligada à natureza da prestação alimentar,<br />

entre parentes, para cumprir um dos eventuais efeitos desta.<br />

A prisão é, assim, de natureza constritiva, agredindo a<br />

liberdade do devedor, sendo, portanto, indiscutível modo<br />

de execução pessoal por dívida.<br />

Tanto é verdade que, desnaturando-se a dívida alimentar<br />

entre parentes, torna-se impossível aplicar a prisão, em<br />

meu entender.<br />

Em abono do exposto, decidiu o STF, por sua 1ª Turma,<br />

em julgado já anteriormente referido, 27 sob outro aspecto,<br />

que, não tendo sido pagos os alimentos devidos aos filhos,<br />

mesmo ocorrendo acordo, em que ficou assumido, pelo<br />

devedor, pai, por confissão, o débito vencido, não lhe<br />

retira a natureza de dívida alimentar, mormente tendo se<br />

tornado quantia líquida, não se transformando em dívida<br />

de dinheiro.<br />

O devedor, pai, procurou defender-se, alegando que o que<br />

era alimentos, com o acordo, transformou-se em “mera<br />

obrigação de pagar, quanto a prestações vencidas”, uma<br />

vez que as filhas passaram da guarda da mãe à dele, pai.<br />

Aponta, nesse mesmo caso, em seu voto, o Min. Clóvis<br />

Ramalhete, que as prestações alimentícias vencidas,<br />

assumidas no acordo, não perderam a natureza de alimentos<br />

pelo ato do acordo, sendo certo que a mãe, que não recebeu<br />

os alimentos dos filhos, é credora deles. A dívida, portanto<br />

não é em dinheiro, mas de valor. Assim, o saldo do debito<br />

tem origem e natureza alimentar.<br />

Viu-se, nesse passo, que o débito alimentar, entre parentes,<br />

como direito-dever da personalidade, é intransacionável.<br />

É certo que pode haver transação (acordo) para fixação<br />

do quantum debeatur, todavia, a transação tem por objeto<br />

direitos patrimoniais privados, consoante resultava do art.<br />

1.035 do CC, de 1916, e resulta, com idêntica redação,<br />

do art. 841 do atual Código Civil, não sendo possível que<br />

recaia sobre direitos imateriais, sobre o direito à vida, sobre<br />

alimentos entre parentes. 28<br />

Entretanto, sendo dívida de alimentos resultante de acordo,<br />

23 RT 564/235.<br />

24 RT 527/91. Ver, também, no mesmo sentido, julgamento das Câmaras Criminais Conjuntas do mesmo Tribunal. RJTJSP 49/286.<br />

25 Luiz Flávio Gomes. Prisão civil por dívida alimentar (alguns aspectos controvertidos). RT 582/9 a 14, especialmente, cit., p. 9. Ver, ainda, Giandomenico Pisapia. Les obligations familiales<br />

alimentaires et leurs sanctions pénales, in Journées. Juridiques, v. 1, p. 316.<br />

26 Pontes de Miranda. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1976, t. X., p. 483.<br />

27 RT 564/235-236. No mesmo sentido e do mesmo Tribunal, julgado in RT 574/282-283; RTJ 101/179. Em sentido contrário, julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, em que se entendeu<br />

que a prisão decretada, no processo executório de prestação alimentícia pretérita, é “crédito patrimonial, que perdeu sua função de garantia de sobrevivência”, RT670/132, sendo Relator o Des. Troiano<br />

Netto. Destaque-se, na linha deste mesmo julgado, o do STF, que considerou, também, ao conceder habeas corpus, que a dívida de alimentos, pretérita, não se apresenta com a virtude de assegurar a<br />

subsistência presente dos alimentandos. Foi Relator o Min. Francisco Rezek. RT 645/201.<br />

28 Álvaro Villaça Azevedo. Curso de direito civil, teoria geral das obrigações. 9. ed. São Paulo: RT, 2001, p. 194.<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


em processo de separação judicial amigável, entre os<br />

cônjuges, em que o ex-marido obrigou-se, a título de<br />

alimentos, a pagar prestações de um carnê, devido a uma<br />

financeira, tendo sua ex-mulher desistido de seu crédito<br />

alimentar, por declarar-se em condições de custear sua<br />

própria sobrevivência, resta evidente que ocorreu novação<br />

objetiva, com a extinção do débito alimentar, a partir da<br />

referida desistência. Nesse caso, julgado pela 1ª Câm.<br />

Civ. do TJSP, por votação unânime, em 25.05.1982, sendo<br />

Relator o Des. Mendes Pereira, 29 entendeu-se desse modo:<br />

“Alterada a natureza alimentar da pensão, em decorrência<br />

de novação havida entre as partes, é incabível a decretação<br />

da prisão civil do inadimplente”.<br />

b) Prisão reiterada<br />

Muito se discutiu sobre a possibilidade de ser reiterado, ou<br />

não, o decreto de prisão do devedor de alimentos.<br />

Em breve retrospecto histórico, a proibição de reiterar-se o<br />

decreto de prisão continha-se no art. 921 do CPC, de 1939,<br />

que determinava essa vedação, se o devedor de alimentos<br />

houvesse cumprido, integralmente, pena de prisão, objeto<br />

de decisão anterior. Terminava o texto desse art. 921<br />

mencionando: “mas excluirá a imposição de nova pena de<br />

prisão”.<br />

Ao seu turno, o § 1º do art. 19 da Lei de Alimentos, 5.478,<br />

de 25.07.1968, deu nova redação ao referido art. 921,<br />

eliminando essa frase final.<br />

Comentando o fato, João Claudino de Oliviera e Cruz 30<br />

reporta-se a sua manifestação, sob o texto antigo, afirmando<br />

que ele era injusto, “pois, em contrário, o cumprimento<br />

da prisão conferiria ao devedor uma verdadeira carta de<br />

imunidade para o não cumprimento da obrigação alimentar<br />

para o resto de sua vida”, concluindo que, eliminada a<br />

parte final do art. 921, pela Lei de Alimentos, não havia<br />

dúvida de que era, então, possível o decreto de nova prisão,<br />

pelo não pagamento de novo débito alimentar. No mesmo<br />

sentido, Yussef Said Cahali, 31 entendendo que esse aludido<br />

dispositivo da Lei de Alimentos “não proíba a reiteração”<br />

da pena de prisão.<br />

De recordar-se que, depois, o § 2º do art. 733 do CPC<br />

apresentava a seguinte redação: “O cumprimento da pena<br />

não exime o devedor do pagamento das prestações vencidas<br />

e vincendas; mas o juiz não lhe imporá segunda pena, ainda<br />

que haja inadimplemento posterior”. Lembre-se, todavia,<br />

de que desse § 2º retirou-se a última frase, com a redação<br />

determinada pela Lei 6.515, de 1977 (Lei do Divórcio).<br />

Entretanto, reconheceu o STF, por sua 2ª T. em 28.09.1976,<br />

por unanimidade, sendo Relator o Min. Cordeiro Guerra, 32<br />

que o impedimento do mencionado art. 733 “foi revogado”<br />

pelo art. 4º da Lei 6.014, de 27.12.1973, que “restabeleceu”<br />

o § 1º do art. 19 da Lei 5.478, de 25.07.1968.<br />

Na redação do § 2º do citado art. 733, determinada pelo<br />

art.52 da Lei do Divórcio, 6.515 de 1977, foi excluída a<br />

parte final daquele dispositivo citado, modificando-o.<br />

Desapareceu, portanto, a proibição de que se reitere o<br />

decreto de prisão. Agora, indene de dúvidas.<br />

Assim, não mais existe na legislação o caráter proibitivo de<br />

nova prisão do alimentante faltoso, o que foi reconhecido<br />

pela jurisprudência. 33<br />

c) Prazo da prisão<br />

Pelo caput do art. 19 da Lei de Alimentos, 5.478/68, a<br />

prisão do devedor de alimentos pode ser decretada até 60<br />

dias; e pelo § 1º do art. 733 do CPC, o prazo máximo para<br />

a eficácia da pena de prisão é de um a três meses, quando<br />

se cuidar de alimentos provisionais.<br />

Com relação aos alimentos definitivamente fixados por<br />

sentença ou por acordo, é de 60 dias o prazo máximo da<br />

prisão do devedor<br />

inadimplente, vem decidindo o STF. 34 E, também, os<br />

Tribunais dos Estados. 35<br />

Pondera, e com muita justiça, Adroaldo Furtado Fabrício,<br />

36 que “A prisão do alimentante, quanto à sua duração,<br />

segue regulada pela lei especial, podendo ser decretada até<br />

60 dias. Impõe essa conclusão o fato de tratar-se”... “de<br />

lei posterior, à parte a circunstância de conter regra mais<br />

favorável ao paciente de medida excepcional – odiosa<br />

restringenda”. Conclui, ainda, que, em qualquer das<br />

hipóteses, legalmente consideradas, “a duração da prisão<br />

não poderá exceder de 60 dias”. Essa posição é acolhida<br />

como a mais acertada por Yussef Said Cahali. 37<br />

Aliás, decidiu a 2ª Câm. do TJSP, por votação unânime,<br />

em 04.02.1980, sendo Relator o Des. Prestes Barra, 38 que a<br />

decretação de prisão contra devedor de alimentos não pode<br />

ultrapassar 60 dias; daí porque reduziram para esse prazo,<br />

o que condenava o mesmo devedor a 90 dias. Tudo sob<br />

fundamento de que essa é a inteligência das Leis 5.478/68<br />

e 6.014/73 e do art. 733, § 1º, do CPC.<br />

Por outro lado, é inadmissível que o devedor seja<br />

condenado, “por tempo indeterminado, isto é, até que seja<br />

paga a dívida”. 39<br />

Embora Francisco Fernandes de Araújo 40 não vislumbre<br />

exagero em fixar o tempo da prisão em 90 dias, no caso de<br />

alimentos provisórios ou provisionais, “porque o devedor<br />

29 RT 562/66.<br />

30 A nova ação de alimentos, Forense, Rio de Janeiro/ São Paulo, 1969, 2ª edição, p. 76.<br />

31 Dos alimentos..., cit., p.663.<br />

32 RTJ 79/448. Em sentido contrário, três acórdãos do TJSP, respectivamente, em 27.12.1974, em 06.05.1975 e em 04.11.1975, RT 473/291, 479/291 e 489/305 (este último só admitindo a nova prisão<br />

quando não cumprida integralmente a anterior).<br />

33 RTJ 115/1150 o mesmo em RT 602/240; RT 577/65.<br />

34 JSTF-Lex 51/363, 61/379 (o mesmo julgado em RTJ 104/137), 18/310, 41/344; RTJ 115/1151 ( o mesmo julgado em RT 602/240), 87/67, 108/171; RT 585/261.<br />

35 RT 545/347, 556/358, 559/71, 560/220, 601/107.<br />

36 A legislação processual extravagante em face do novo Código de Processo Civil. Ajuris, Porto Alegre, v.3, n. 5.1 e 5.4, p. 85.<br />

37 Dos alimentos..., cit., p.640.<br />

38 RT 541/367. No mesmo sentido os julgados em RF 269/50 e RT 576/219.<br />

39 RT 490/373.<br />

40 Algumas questões sobre alimentos provisionais, provisórios e definitivos, RT 634, pp. 21 a 35, especialmente pp. 30 e 31.<br />

17


será imediatamente colocado em liberdade, tão logo pague<br />

o seu débito”, pondera que tem adotado, na prática, como<br />

Magistrado, também nesses casos, o prazo máximo de 60<br />

dias de prisão, “mesmo porque se mostra difícil perceber o<br />

fundamento que teria levado o legislador a adotar critério<br />

diverso entre as referidas espécies de alimentos, quanto à<br />

prisão do devedor”. Todas as espécies de alimentos são,<br />

igualmente, necessárias.<br />

E aduz, explicando:<br />

“A Lei 5.478/68 é mais antiga do que o CPC, e a inovação<br />

dos três meses de prisão ocorreu neste, e é possível que tal se<br />

tenha verificado por ter o legislador sentido a necessidade<br />

de um maior rigor a respeito da matéria, elevando, destarte,<br />

os limites da prisão. É possível, ainda, que se tenha adotado<br />

critério um pouco mais rigoroso para o caso de alimentos<br />

provisórios ou provisionais, em relação aos alimentos<br />

definitivos, porque nestes já existe um título definido para<br />

a imediata execução. São hipóteses aventadas para a busca<br />

de fundamentos que justifiquem a diferença de tratamento,<br />

e que o juiz poderá levar em conta, no estudo de cada caso<br />

específico, sem desconsiderar os princípios norteadores do<br />

art. 5º da LICC e também do art. 5º do Código de Menores,<br />

se for o caso, aplicáveis por extensão mesmo em matéria de<br />

alimentos”.<br />

O Código de Menores, Lei 6.697, de 10.10.1979, foi<br />

revogado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei<br />

8.069, de 13.07.1990.<br />

d) Lugar da prisão<br />

Revestindo-se a prisão do alimentante de caráter coercitivo<br />

ao cumprimento do dever alimentar, têm a doutrina e a<br />

jurisprudência demonstrado que essa “pena” deve ser<br />

executada na forma regular.<br />

Assim, julgou a 1ª Câm. Civ. do TJSP, em 17.02.1987,<br />

por unanimidade, sendo Relator o Des. Roque Komatsu, 41<br />

ressaltando a inadmissibilidade de conversão dessa prisão<br />

para regime-albergue.<br />

Nesse mesmo julgado, alinha-se o entendimento de vários<br />

doutrinadores, 42 acentuando essa inadmissibilidade. Do<br />

mesmo modo, são ali citados vários acórdãos, reafirmando<br />

essa posição. 43<br />

O alimentante, inadimplente, poderá ser mantido em prisão<br />

especial ou em quartéis, se o devedor for diplomado por<br />

Escola superior da República, conforme permite o art. 295,<br />

inc, VII, do CPP, não em prisão domiciliar ou em liberdade<br />

vigiada. Assim, decidiu a 1ª T. do STF, por unanimidade,<br />

em 30.10.1984, sendo Relator o Min. Soares Muñoz. 44<br />

18<br />

Em decisão elogiável o STJ, por sua 3ª T., sendo Relator o<br />

Min, Humberto Gomes de Barros, garantiu prisão domiciliar<br />

a idoso devedor de pensão. Nesse caso, o devedor idoso,<br />

com 73 anos, era portador de vários problemas graves de<br />

saúde. 45<br />

e) Prisão civil dos avós<br />

O mesmo acontece com a prisão civil dos avós, que são<br />

pessoas idosas e, geralmente, com problemas de saúde e<br />

que precisam ser preservados.<br />

Cite-se, nessa feita, acórdão do Tribunal de Justiça do<br />

Rio Grande do Sul, sendo Relator o Des. Antonio Carlos<br />

Stangler Pereira 46 , em que se decidiu, em ação de execução<br />

de alimentos, contra avós paternos, que, sendo, “a obrigação<br />

dos avós de natureza subsidiária, além do que demonstrada<br />

nos autos a precariedade de suas situações financeiras,<br />

tratando-se, portanto, de impagamento involuntário e<br />

escusável”, não se justificaria o decreto de sua prisão.<br />

Esse acórdão preservou a dignidade da pessoa dos avós<br />

e sua vida, honrando a proteção destes estampada na Lei<br />

Complementar ao art. 230 47 da Constituição de nossa<br />

República Federativa, e presente na Lei nº 10.741, de<br />

1º.10.2003 (Estatuto do Idoso) 48 .<br />

Outra decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do<br />

Sul, por sua 7ª Câmara Civil, sendo Relator o Des. Luiz<br />

Felipe Brasil Santos 49 , em um caso em que foi decretada<br />

a prisão civil da mãe (poderia ter sido da avó), por não<br />

prestar a obrigação alimentar a filho menor, julgou<br />

que a pena deveria ser cumprida em regime aberto para<br />

tornar possível o exercício do trabalho. Nesse caso, não<br />

havia possibilidade de recolhimento em albergue, no<br />

mesmo município da residência das partes. Aplicou-se,<br />

analogicamente, o art. 117, inciso III, da Lei nº 7.210,<br />

de 1984 (Lei de Execução Penal), dado que, não sendo<br />

desse modo, o maior prejudicado seria o menor, com o<br />

afastamento da mãe, para cumprimento da medida em<br />

outra comarca. Nessa situação era inevitável a proteção do<br />

menor pelo Estado.<br />

A prisão civil, assim, não pode ser meio de aniquilamento<br />

do ser humano, principalmente tratando-se de decreto<br />

contra avós.<br />

Tenha-se, ainda, presente que o Tribunal de Justiça de São<br />

Paulo 50 entendeu de não decretar a prisão em ação proposta<br />

contra os avós paternos, ante interrupção dos pagamentos<br />

das pensões, quando o pai perdeu o emprego. Nesse caso, o<br />

devedor efetuara o pagamento “das três últimas prestações<br />

da prisão”. Entendeu que “a execução de pensões em<br />

41 RJTSP-Lex 108/333.<br />

42 Yussef Said Cahali, Dos alimentos..., cit., p. 660; João Claudino de Oliveira e Cruz. Dos alimentos no direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 1956, p. 343; Luiz Flávio Gomes. Prisão civil..., cit.,<br />

p.10; Athos Gusmão Carneiro. Ação de alimentos e prisão civil, RT 516/14, especialmente, p.16.<br />

43 RT 538/316, 552/413; RJTJSP-Lex 92/411.<br />

44 RTJ 112/234 (o mesmo julgado em JSTF-Lex 76/428). No mesmo sentido, acórdão em RTJ 79/448, 98/685; RJTJSP 92/407, 43/328; RT 538/316. Em sentido contrário, decisão em RJTJSP 48/274.<br />

45 Habeas Corpus 35.171.<br />

46 8ª Câm. Cív. – Santo Augusto, Agravo de Instrumento nº 700104200 57, publ. Em 27.04.2005..<br />

47 “A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.<br />

48 Art. 10 “É obrigação do Estado e da sociedade assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito, e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos<br />

na Constituição e nas Leis”.<br />

49 Agravo de Instrumento nº 700 146 15 637, j. em 03.05.2006,v.u..<br />

50 Agravo de Instrumento nº 493.849-4/0-00 – Santos-SP, Relator Des. Morato de Andrade, 2ª Câm. de Direito Privado.<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


atraso” deveria ser feita por rito diferente, em separado e<br />

“sem necessidade de distribuição”. E, mais, que “A pensão<br />

obtida na ação que moveram aos avós paternos não é<br />

substitutiva e sim complementar àquela devida pelo pai”.<br />

Em outra decisão, desse mesmo Tribunal 51 , foi afastada<br />

ameaça de prisão ilegal contra avós paternos, sem ter sido<br />

reconhecida judicialmente a impossibilidade de os pais<br />

alimentarem a exeqüente, sua filha. Esta havia desistido<br />

da ação promovida contra seus pais por não ter sido<br />

encontrado o mesmo pelo oficial de justiça.<br />

Outra situação é a de que os avós “só podem ser obrigados<br />

a alimentar o neto se a situação econômica deles permitir<br />

que garantam a subsistência do neto sem prejuízo de seu<br />

próprio sustento 52 .”<br />

A tendência dos Tribunais é a de continuar condenando<br />

os avós, quando for o caso, decretando-lhes a prisão civil,<br />

embora com alguma relutância, quando as circunstâncias<br />

do caso assim o permitirem. Mas também tende a<br />

Jurisprudência ao decreto de prisão civil pelo sistema<br />

aberto, domiciliar, para preservar a dignidade dos idosos.<br />

Lembre-se, nesse caso, de que o Superior Tribunal de<br />

Justiça 53 garantiu prisão domiciliar a idoso devedor de<br />

pensão, pela primeira vez, levando em consideração, nesse<br />

caso, o preenchimento de dois requisitos, para cumprimento<br />

de pena em regime domiciliar: o devedor tinha 73 anos<br />

(mais de 70) e era portador de doença grave.<br />

Embora esse caso não seja de prisão domiciliar por prisão<br />

de avô, o certo é que, geralmente, este tem problemas de<br />

idade e de saúde.<br />

Como situação agravante, nesse caso, todas as noites, o<br />

aposentado deveria recolher-se à cadeia da cidade vizinha<br />

(mais de 70 quilômetros) da sua cidade, que não tinha<br />

unidade carcerária. Daí, a acertada decisão.<br />

f) Prisão civil dos netos?<br />

Sendo a obrigação alimentar entre avôs e netos, direitodever<br />

da personalidade, porque é recíproco entre eles e nas<br />

categorias ligadas pelo ius sanguinis, seria de indagar-se,<br />

nessa feita, que, assim como existe ação alimentar dos avôs<br />

em face de seus netos, seriam estes, também, obrigados a<br />

esse pagamento sob pena de prisão?<br />

Deve causar preocupação uma tal ordem generalizada de<br />

prisões desse tipo, pois o direito à prestação alimentar entre<br />

consangüíneos, nos moldes dos arts. 1.696 (“recíproco<br />

entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes”...) e<br />

1.697 (na falta destes “cabe a obrigação aos descendentes<br />

guardada a ordem de sucessão”... até os “irmãos, assim<br />

germanos como unilaterais”), traz uma gama enorme<br />

de credores e de devedores que devem preservar a<br />

continuidade da família. Assim, tudo bem; mas com risco<br />

de prisão civil?<br />

No caso dos netos, por exemplo, não podem eles furtar-se<br />

ao amparo de seus avós, se tiverem condições econômicas<br />

de sustentá-los, em sua velhice, se necessitados.<br />

O Código de Processo Civil, cuidando da execução de<br />

prestação alimentícia, não distingue, em seu art. 733, entre<br />

categorias de consangüíneos, refere-se a “devedor” dos<br />

alimentos. Se este não pagar, estará sujeito a prisão civil<br />

(§ 1º).<br />

g) Minha posição<br />

Quanto à prisão em razão de débito alimentar, sou, em<br />

princípio, contrário a ela. 54<br />

Veja-se, inicialmente, que os Tribunais 55 admitem que<br />

devem ser exauridos todos os meios compulsivos, antes do<br />

decreto de prisão.<br />

Destaque-se, ainda, a decisão da 2ª Câm. Civ. do TJSP,<br />

em 26.04.1988, por maioria de votos, sendo Relator o<br />

então Des. Cézar Peluso 56 , que reconheceu que “não se<br />

justifica a modalidade extrema da prisão civil do devedor<br />

de alimentos que possui disponibilidades suscetíveis de<br />

arresto e penhora cuja efetivação garante a satisfação<br />

imediata do credor. Tal modalidade coercitiva só é cabível<br />

em caso de frustração de execução pelo devedor”. No<br />

mesmo sentido, quando o alimentante age com má-fé e<br />

recalcitrância, sendo solvente. 57<br />

Ao seu turno, o art. 5º, inciso LXVII, da Constituição de<br />

nossa República Federativa, de 5 de outubro de 1988,<br />

ao admitir a exceção ao princípio de que “não haverá<br />

prisão civil por dívida”, ressalva a “do responsável pelo<br />

inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação<br />

alimentícia.”<br />

Assim, é necessário comprovar-se que o devedor de<br />

alimentos não quer pagar, não fazendo qualquer empenho,<br />

nesse sentido, depois, deve somar-se a essa situação a<br />

inescusabilidade desse cumprimento obrigacional. Essas<br />

ressalvas não existiam anteriormente, bastando confrontar<br />

o texto atual com o do § 17 do art. 153 da Constituição de<br />

24 de janeiro de 1967, após a Emenda Constitucional nº 1,<br />

de 17 de outubro de 1969.<br />

Ninguém nega que os pais devam, em primeiro lugar,<br />

cumprir sua obrigação alimentar junto a seus filhos;<br />

quando esse descumprimento assume caráter grave, é<br />

possível a instauração de procedimento criminal por<br />

abandono material de filho, conforme o caput do art. 244<br />

do Código Penal (com a redação determinada pela Lei<br />

51 Habeas corpus nº 449.789-4-9-00 – Limeira-SP, Rel. Des. Ary Bauer. Inteligência do art. 1.698 do Cód. Civ.: “Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar<br />

totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato...”. No mesmo sentido, do mesmo Relator, Apelação nº 452.615.4/3-00 - Piracicaba, “A má vontade do pai dos menores em assistilos<br />

convenientemente não pode ser equiparada à sua falta, em termos de devolver a obrigação ao avô”. Ver, ainda, TJSP, Apel. nº 2.390-1, citada nesse julgamento.<br />

52 TJ-SP, Apel. cív. nº 421.583.4/4-00-Jales-SP, Rel. Des. Ary Bauer.<br />

53 Habeas corpus nº 35.171 – Capão da Canoa – RG, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros (in Revista Consultor Jurídico, de 04.08.2004). O paciente foi condenado a pagar pensão à sua ex-mulher<br />

(três salários-mínimos).<br />

54 Álvaro Villaça Azevedo, Prisão Civil por Dívida, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2ª ed., 2000, em especial pp. 134 a 171.<br />

55 RT 452/332, 454/325 e 337, 456/368, 468/297, 471/305, 473/295,474/284, 477/114, 485/277, 489/295, 508/322, 516/285, 529/301, 534/307, 535/275, 544/348, 554/66, 562/67, 563/68, 576/219,<br />

590/94; RJTJSP 11/405, 25/418 e 422, 32/221 e 240, 33/215, 36/245, 48/277, 56/291 e 305, 59/337, 60/323 e 318, 97/389, 114/467; RSTJ 24/166, entre muitos outros.<br />

56 RT 631/115. Em sentido contrário, acórdão in RT 670/132.<br />

57 RT 535/275.<br />

19


10.741, de 2003 – Estatuto do idoso: “Deixar, sem justa<br />

causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho<br />

menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou<br />

de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não<br />

lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao<br />

pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada,<br />

fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer<br />

descendente ou ascendente, gravemente enfermo: Penadetenção,<br />

de 1(um) a 4(quatro) anos, e multa, de uma a dez<br />

vezes o maior salário mínimo vigente no País.”<br />

A prisão em decorrência desse ilícito penal é indiscutível<br />

e deveria ser a regra de atuação dos lesados em prestação<br />

alimentar. Aí, sim, a prisão é cabível.<br />

O inadmissível é considerar o simples não pagamento<br />

de pensão alimentar como ilícito civil capaz de causar a<br />

prisão do devedor. A não ser que este aja com dolo, opondo<br />

obstáculos, para frustrar o pagamento alimentício, tendo<br />

condições de fazê-lo.<br />

Poder-se-ia, por outro lado, admitir a prisão administrativa,<br />

não civil, quando o devedor de alimentos declarasse<br />

falsamente, perante o Poder Judiciário, não ter patrimônio<br />

suficiente ao pagamento da pensão, enganando o juiz. Essa<br />

falsa declaração perante o juiz poderia acarretar a prisão do<br />

declarante, por crime contra a administração da justiça, e<br />

que nada tem a ver com a prisão civil por dívida.<br />

Nos Estados Unidos da América do Norte, essa matéria<br />

é passível de prisão por crime inafiançável contra a<br />

administração da justiça. Aqui, estaria presente a<br />

omissão dolosa de ocultação de recursos ao seu parente,<br />

colocando-o, até, em risco de vida.<br />

V – Direito e dever dos avós a alimentos no Código<br />

Civil italiano<br />

O Código Civil italiano de 1942 estabelece, em seu art. 433,<br />

uma ordem sucessiva entre as várias categorias de pessoas<br />

que devem alimentos, em razão das relações familiares.<br />

O princípio é de que, faltando recursos a uma categoria,<br />

impossibilitada de cumprir com os encargos alimentares,<br />

passa-se à categoria seguinte.<br />

Assenta o art. 148 (2ª parte) do mesmo Código Civil, que,<br />

“Quando os genitores não dispõem de meios suficientes,<br />

os outros ascendentes legítimos ou naturais, pela ordem de<br />

proximidade, são levados a fornecer aos mesmos genitores<br />

os meios necessários para que possam adimplir seus<br />

deveres relativos aos filhos”.<br />

Explica Massimo Dogliotti 58 que, conforme a orientação<br />

prevalente (escudado em Trabucchi, Finocchiaro A. e<br />

M., Santosuosso e em Jurisprudência), “a obrigação dos<br />

ascendentes, atuando somente quando os genitores não<br />

tiverem meios suficientes, é subsidiária ou de integração<br />

e não uma obrigação com pluralidade de obrigações por<br />

20<br />

cota”. Acentua, ainda que “O dever dos ascendentes não<br />

constitui uma verdadeira e própria obrigação de manter os<br />

netos, e não têm como beneficiários diretos estes últimos;<br />

quanto aos netos, os avós têm somente a obrigação<br />

alimentar prevista no art. 433 do Código Civil” (art. 433-<br />

3 “À obrigação de prestar os alimentos são chamados<br />

na ordem os genitores e, em sua falta, os ascendentes<br />

próximos, inclusive naturais; os adotantes”).<br />

Ao seu turno, leciona Alberto Trabucchi 59 que, “Quando<br />

os genitores não têm meios suficientes, os ascendentes<br />

são chamados a financiar os cumprimentos, fornecendo<br />

os meios suficientes: a obrigação assim é de caráter só<br />

subsidiário (148) e de conteúdo indireto para financiar<br />

aqueles que sobram, os obrigados principais, e que são os<br />

genitores”.<br />

Melhor explica Fernando Santosuosso 60 que a reforma<br />

de 1975 inovou nesse aspecto do dever alimentar dos<br />

ascendentes. Realmente, “Na disciplina precedente à<br />

reforma, de fato, os ascendentes eram chamados para<br />

intervir de modo substitutivo para prover diretamente<br />

e satisfazer as exigências dos netos, no caso em que os<br />

genitores não tivessem cumprido sua obrigação com a<br />

prole. Com a nova formulação da norma, não se configura<br />

mais uma passagem da obrigação dos genitores aos outros<br />

ascendentes, mas estes últimos devem colocar os genitores<br />

em condições de cumprir com seus deveres em relação aos<br />

filhos”.<br />

“Essa novidade”, continua o mesmo autor, “é<br />

indubitavelmente positiva, em quanto, de um lado, tende<br />

a utilizar ao menos a atividade pessoal dos genitores no<br />

trabalho de manutenção, educação e instrução da prole,<br />

mas sobretudo tende a não desnaturar a ordem natural<br />

dos afetos e da eficácia pedagógica das diversas gerações.<br />

Em outros termos, a norma evita uma retirada dos filhos<br />

do âmbito natural familiar, exigindo que sejam sempre os<br />

genitores a proverem diretamente ao desenvolvimento da<br />

personalidade dos menores”.<br />

Dada a natureza do direito a alimentos, entendo que ele é<br />

sempre recíproco, porque é direito-dever da personalidade,<br />

também no direito italiano.<br />

VI - Direito e dever de visitas entre avós e netos<br />

Vivemos época de valorização e reconhecimento dos<br />

vínculos afetivos, que, às vezes, superam os criados pela<br />

consangüinidade, pela própria Natureza.<br />

Se é verdade que existe afeição dos avós pelos netos, certo<br />

é, também, que, em muitas oportunidades, os direitos e<br />

deveres entre eles necessitam efetivar-se judicialmente.<br />

Analisando, primeiramente, o direito de visitas do avô<br />

ao neto, sentimos nele a continuidade que existe entre<br />

gerações que se vão seguindo em cuidados recíprocos.<br />

58 Codice della Famiglia, Ed. Ipsoa Scuola D´Impresa, Corso Ferrero, Farigliano, 1996, sob a coordenação de Massimo Dogliotti, vol. I, pp. 212 e 213; e Massimo Dogliotti, Separazione e divorzio,<br />

Torino, 1995, pp. 59 e 60.<br />

59 Istituzioni di Diritto Civile, Ed. Cedam, Padova, 39ª edição, 1999, p. 263, nº105.<br />

60 Il matrimonio, in Giurisprudenza Sistematica di Diritto Civile e Commerciale, de Walter Bigiavi, Ed. Utet, Torino, 3ª edição, 1989, pp. 274 e 275, nº5.<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


Assim, esse direito-dever da personalidade dos avós,<br />

inerente à consangüinidade é a aptidão de cuidar dos netos<br />

e de entrevistar-se com eles.<br />

No cuidar, existe todo o empenho carinhoso de orientálos<br />

na vida, como segundo pai e segunda mãe. No<br />

entrevistar, está presente a comunhão de afeto que propicia<br />

o relacionamento amoroso.<br />

Assim, ao lado do direito-dever de visitas dos pais, está o<br />

dos avós, bisavós etc., mostrando-se em toda a linha reta do<br />

tronco da família.<br />

O direito-dever de visitas dos avós aos seus netos não<br />

encontra regulamentação na legislação pátria; é matéria<br />

que apresenta fundamento no Direito Natural.<br />

Analogicamente, assim como os pais, que não estão com<br />

a guarda dos seus filhos, podem visitá-los e tê-los em sua<br />

companhia, conforme acordo ou fixação judicial (art. 15<br />

da Lei do Divórcio, nº 6.515, de 1977), também os avós o<br />

podem.<br />

O direito-dever de visita entre os consangüíneos, embora<br />

não necessite de regulamentação legal, para ser admitido,<br />

deveria constar na legislação, expressamente, por norma<br />

de ordem pública, para melhor assegurar, assim, como na<br />

situação ora tratada, esse direito-dever dos avós.<br />

A Doutrina e a Jurisprudência “confirmam ou aplaudem”<br />

“o direito dos avós de se avistarem com os netos em visita”.<br />

Essa visitação e cuidados resultam da “solidariedade<br />

familiar”, acentua Washington de Barros Monteiro 61 .<br />

E conclui o mesmo autor: “Sem dúvida alguma, o direito<br />

dos avós se compreende hoje como decorrência do<br />

direito outorgado à criança e ao adolescente de gozarem<br />

de convivência familiar, não sendo demais entender que<br />

nesse relacionamento podem ser encontrados os elementos<br />

que caracterizam a família natural, formada por aquela<br />

comunidade familiar constituída de um dos pais e seus<br />

descendentes, inserida na Constituição Federal e no<br />

Estatuto da Criança e do Adolescente”.<br />

A regulamentação de visitas não se exaure, portanto, nas<br />

ações de separação judicial e divórcio, só em favor do pai<br />

ou da mãe, que não detém a guarda dos filhos. Em certos<br />

casos, a guarda fica com avós, paternos ou maternos, o que<br />

mostra que tudo deve guiar-se no interesse do menor.<br />

Na verdade, essa regulamentação faz-se de caso para caso,<br />

exigindo o juiz e o membro do Ministério Público a maior<br />

especificação possível, para que se evitem novos litígios.<br />

O acordo ou estipulação judicial, em matéria de visitação,<br />

principalmente dos filhos e dos netos, merece especial<br />

atenção. Regulam-se o tempo de visita e da eventual<br />

permanência dos filhos e dos netos, fora do lar do<br />

guardião, prevendo períodos de presença, como o das férias<br />

escolares, dias festivos, de Natal, Ano Novo e aniversário<br />

dos visitantes, também conforme legislação específica 62 .<br />

Tudo assegurando-se o interesse e o bem estar do menor 63 .<br />

Pondera Euclides de Oliveira 64 que o direito de visitas dos<br />

avós subsiste em qualquer situação, ainda mesmo quando<br />

regular a convivência conjugal dos pais dos menores,<br />

muito embora tenda a se agravar e sofrer questionamentos<br />

nas hipóteses de deterioração do casamento, com a<br />

separação judicial ou o divórcio dos genitores, por força dos<br />

desentendimentos pessoais que muitas vezes se estendem<br />

aos próprios pais ou sogros. Convém lembrar, em favor<br />

dos avós, que é exatamente nessas situações de conflito<br />

familiar, quando o filho mais sofre com a separação dos<br />

pais, que se revela útil a presença dos ascendentes mais<br />

longínquos, servindo como exemplo de subsistência<br />

da organização familiar e também contribuindo como<br />

precioso apoio ao filho que sofre as nocivas conseqüências<br />

da discórdia paterna.”<br />

Acentua, ainda, Arnaldo Rizzardo 65 que “Apenas em<br />

circunstâncias especiais deve ser negado o pedido dirigido<br />

a alcançar o direito de visita, como nos graves conflitos<br />

entre a educação e formação dirigida pelos pais, e aquela<br />

pretendida incutir pelos avós, ou se advém influência<br />

negativa do contato com os avós, ou, ainda, se, com estes,<br />

ficam sujeitos a perigos os netos. Não se justificam, para<br />

impedir o direito, as questões pessoais ou as divergências<br />

que, mais freqüentemente, nutre a mãe relativamente à<br />

avó paterna de seus filhos, e muito menos a alegação de<br />

métodos antiquados pelos avós no trato e na educação dos<br />

netos”.<br />

Como visto, os avós também têm o dever de visitar seus<br />

netos, de vigiá-los e de buscá-los nos momentos difíceis e<br />

de perigos. Esse dever de cuidar dos netos coloca os avós<br />

na posição de segundos pais.<br />

Os avôs têm direito e dever de fiscalizar a educação de seus<br />

netos, não podendo conflitar, entretanto, com a orientação<br />

primeira dos pais. São atividades que devem completarse<br />

e se harmonizar, em busca do interesse e bem-estar da<br />

família. O amor e o afeto vêm em primeiro lugar.<br />

Nesse intercâmbio familiar, os netos têm também o direito<br />

e o dever de cuidar de seus avós, de procurá-los e de assistilos,<br />

em todos os momentos, bons e difíceis.<br />

VII – Direito de visitas dos avós, no Código Civil<br />

português e francês<br />

O direito de visitas no Código Civil português estampa-se<br />

em seu art. 1.887-A, com aditamento ocorrido pela Lei 84<br />

de 31.08.1995, onde estão presentes os avós.<br />

Assenta esse artigo que “Os pais não podem<br />

injustificadamente privar os filhos do convívio com os<br />

irmãos e ascendentes”.<br />

É certo que nem sempre é conveniente esse relacionamento,<br />

61 Curso de Direito Civil, Direito de Família, Ed. Saraiva, São Paulo, 2º volume, 36ª edição, atual. por Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto, 2001, pp. 238 e 239.<br />

62 Art. 15 da Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977 (direito de visita dos filhos e de estar em sua companhia, e de fiscalizar sua manutenção e educação); art. 1.121, inciso II, § 2º, do CPC, alterado<br />

pela Lei nº 11.112, de 13 de maio de 2005 (acordo deve compreender encontros periódicos e repartição de férias escolares e dias festivos); e art., 1.589 do Código Civil (nos moldes do art. 15 da Lei do<br />

Divórcio – fala-se em acordo ou fixação judicial relativos ao direito de visita).<br />

63 Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).<br />

64 Direito de visitas dos Avós aos Netos, in Família Notadez, Direito de Família e Sucessões, Ed. Notadez, Sapucaia do Sul – RS, 1ª edição, 2007, pp. 163 a 170, especialmente pp. 165 e 166.<br />

65 Direito de Família, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2004, 2ª edição, p. 269.<br />

21


o que terá de ser comprovado pelos pais, justificando suas<br />

razões perante o juiz.<br />

Desse modo, a regra geral é de que os netos têm direito de<br />

conviver com seus avós, que, por sua vez, têm o mesmo<br />

direito de conviver com seus netos.<br />

Vê, assim, o legislador português, em princípio, necessário<br />

esse relacionamento, acentuando sua natureza de direito<br />

natural. Objetiva esse intuito, também relativamente<br />

aos irmãos em relação a seus sobrinhos, a integração da<br />

família, entendendo-a, assim, fortalecida.<br />

Nessa área da consangüinidade, certamente está presente<br />

a reciprocidade de direito e de dever. Nasce, desse modo,<br />

um direito-dever desses parentes de se cuidarem uns aos<br />

outros, em verdadeira solidariedade familiar, que deve<br />

existir.<br />

Nem sempre as famílias entendem a necessidade<br />

dessa convivência, colocando empecilhos e interesses<br />

particulares, que prejudicam a formação espiritual dos<br />

netos, em detrimento de um interesse coletivo da família.<br />

Embora o direito-dever de visitas entre avós e netos tenha<br />

fundamento no Direito Natural, é muito importante que o<br />

direito positivo escrito reconheça essa situação, fortalecendo<br />

a crença de um melhor e aprimorado relacionamento entre<br />

avós e netos, no futuro.<br />

Muito semelhante a essa posição do Direito português, é a<br />

do Código Civil francês, que, em seu art. 371-4, estabelece:<br />

“Os pai e mãe não podem, salvo motivos graves, criar<br />

obstáculo às relações pessoais do filho com seus avós. Na<br />

falta de acordo entre as partes, os modos dessas relações<br />

são regulamentados pelo “juiz de assuntos familiares”, nos<br />

moldes da Lei nº. 93-22, de 8 de janeiro de 1993. Ver, a<br />

propósito, o Novo Código de Processo Civil, art. 1180.<br />

“Em consideração a situações excepcionais”, esse “juiz<br />

de assuntos familiares” pode estabelecer “um direito de<br />

correspondência ou de visita a outras pessoas, parentes ou<br />

não”.<br />

Nesse ponto, sentimos uma certa independência desse<br />

juizado familiar, em estabelecer o que for melhor ao<br />

interesse do neto.<br />

Segundo a Jurisprudência francesa 66 , todos os avós sem<br />

distinção estão beneficiados por esse texto (TGI Paris,<br />

03.06.1976, D. 1977, 303, nota Cazals); em caso de<br />

urgência, pode o juiz conceder, a título provisório, um<br />

direito de visita aos avós (Civ. 1 re , 01.02.1983, Bull. civ. I,<br />

nº. 46); o juiz aprecia soberanamente, para conceder direito<br />

de visita aos avós (Civ. 1 re , 13.12.1989, Bull. civ.I, nº. 389),<br />

em uma situação excepcional (Civ. 1 re 17.05.1972, Bull.<br />

civ. I, nº. 131); constitui situação excepcional a que nasce<br />

entre os avós de sangue e os netos adotados em forma plena<br />

(Civ. 1 re , 21.07.1987, Gaz. Pal. 1988. 1.326, note Massip.);<br />

a concessão do direito de visita aos avós constitui uma<br />

simples faculdade do juiz, pois mesmo em presença de uma<br />

22<br />

situação excepcional, o direito de visita pode ser negado se<br />

esse for o interesse da criança (Civ. 1 re , 10.05.1977, Bull.<br />

civ. I, nº. 213), em face dos arts. 425, al. 3, e 1.180 do novo<br />

Código de Processo Civil, o ministério público deve atuar,<br />

ante a regra de ordem pública do art. 371-4 do Código Civil<br />

(Civ. 1 re , 17.06.1986, Bull. civ. I, nº. 171 e outros julgados);<br />

mesmo que a ação objetive somente a obtenção de um<br />

direito de visita (Civ. 1 re , 17.06.1986, Bull. civ. I, nº. 172 e<br />

outro decisório).<br />

Entre outras legislações adiantadas, o direito de visita dos<br />

avós aos netos é reconhecido, em princípio, salvo situações<br />

prejudicais a esses descendentes, sempre no interesse do<br />

menor.<br />

Abstract: The institution of family, strong and emotionally<br />

constituted, is the mainstay of the existential state. Show<br />

us the history of civilizations that the erosion of the family<br />

institution has led to ruin empires and governments, lack of<br />

social support and the decay of morals. The family is the<br />

foundation of society and should have special protection<br />

from the state, stated in the co nstitutional text (caput of<br />

art. 226). Like everything in life, society is born, grows<br />

and dies, a vicious circle that shows the human being as the<br />

central character of the emotions that thrill about to forget<br />

the next in search of an elusive and relative power, wanting<br />

to bring is the creator and intending to replace him in the<br />

genetic operations. The human need to debug, perfecting<br />

the virtues, even by consuming lives by the power of love<br />

and sensitivity to preserving the works of Nature, who live<br />

around them, particularly the lives and environment. The<br />

family is repeated for generations, establishing rules of<br />

coexistence among its members, who are truly, therefore,<br />

of natural law, written by time in humans and often ratified<br />

by the legal rules. Thus, whether to walk well, socially,<br />

family, or not, there must exist rules of conduct among its<br />

members, to preserve the family institution, especially in<br />

its ancestral stock. In this, necessarily, are the ancestors<br />

and descendants, which form the straight line of kinship.<br />

Beings that follow for generations, ensuring the continuity<br />

of existence. Look after this opportunity, part of the<br />

complex of rights and duties between grandparents and<br />

grandchildren.<br />

Key-words: Rights, duties, grandparents, the right to food,<br />

prison civil, rights of access to grandparents.<br />

66 Citada nas notas desse art. 371-4, no Code Civil, Ed. Dalloz, Paris, 1994-95, 94ª ed., com o concurso de Gilles Goubeaux e Philippe Bihr, pp. 338 e 339, notas 1 a 9.<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


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cit., p. 9. Ver, ainda, PISAPIA, Giandomenico. Les obligations familiales alimentaires et leurs sanctions pénales, in<br />

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Cristina de Barros Monteiro França, 2001, PP. 238 e 239.<br />

Direito de Família, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2004, 2ª edição, p. 269.<br />

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3ª edição, 1989, PP. 274 e 275, nº 5.<br />

23


24<br />

O MEC e os objetivos do ensino de direito<br />

FERNANDO FRE<strong>DE</strong>RICO <strong>DE</strong> ALMEIDA JÚNIOR<br />

Doutor em Educação pela Universidade Federal de São Carlos, Mestre em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto,<br />

Professor e Advogado.<br />

Resumo: Averiguar quais são os atuais objetivos do ensino de Direito no Brasil consiste na temática central deste<br />

trabalho, restringindo o objeto da análise às finalidades do ensino de Direito segundo o Ministério da Educação e<br />

limitando-se a desvendar o disposto a esse respeito na Resolução CES/CNE nº 9, de 29/09/2004. O estudo consiste numa<br />

provocação a todos os educadores interessados em estudar e repensar os objetivos das instituições de ensino de todos os<br />

níveis e modalidades de educação. As reflexões apresentadas se contrapõem aos que defendem que o ensino superior se<br />

destina exclusivamente à formação de pessoal para o mercado de trabalho e se esquecem que um curso superior influi<br />

expressivamente na vida dos indivíduos e nos destinos da sociedade.<br />

Palavras-chaves: Ensino de Direito. Ensino jurídico. Cursos de Direito. Diretrizes curriculares. Resolução 9/2004.<br />

1. Introdução<br />

Ponderar acerca dos objetivos do ensino de<br />

Direito no Brasil é algo mais complexo do que se imagina,<br />

notadamente porque não se pode olvidar jamais das<br />

funções do ensino superior como um todo. Com efeito, os<br />

cursos de Direito se enquadram como cursos superiores e,<br />

nesta qualidade, devem buscar atingir os atuais objetivos<br />

da educação superior, impondo ressaltar que estes não se<br />

limitam às metas fixadas na legislação nacional ou por<br />

órgãos do Poder Público local, devendo ser almejados<br />

também os objetivos do ensino superior estabelecidos nos<br />

tratados, instrumentos e relatórios internacionais.<br />

Todavia, o que se deseja neste trabalho é recortar<br />

o campo de estudo e restringir o objeto da análise às<br />

finalidades do ensino de Direito segundo o Ministério<br />

da Educação, limitando-se a esmiuçar o prescrito a esse<br />

respeito na Resolução CES/CNE nº 9, de 29/09/2004.<br />

Portanto, esquece-se, propositalmente, dos pilares<br />

da educação fixados pelo Relatório Delors, 1 dos saberes<br />

necessários à educação do futuro de acordo com Edgard<br />

Morin, 2 da Declaração Mundial sobre Educação Superior<br />

no Século XXI, 3 da Constituição Federal de 1988 4 e da Lei<br />

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 5<br />

É de suma importância conhecer e discutir os<br />

objetivos dos cursos de Direito na visão do Ministério<br />

da Educação, fixados na Resolução CES/CNE nº 9/2004,<br />

notadamente porque deles se tira a idéia do profissional<br />

esperado oficialmente pelo Governo Federal. Além disso, é<br />

a mencionada resolução que fixa as diretrizes curriculares<br />

nacionais que servem de parâmetro nas avaliações oficiais<br />

para autorização de abertura, para reconhecimento e para<br />

renovação de reconhecimento dos cursos jurídicos no<br />

Brasil.<br />

2. A Resolução CES/CNE n° 9, de 29/09/2004<br />

O artigo 3º da mencionada Resolução estabelece<br />

o perfil desejado do formando, dispondo que um curso de<br />

Direito deve oportunizar ao estudante uma<br />

1 Jacques Delors reuniu quatorze outras personalidades de todas as regiões do mundo, vindas de horizontes culturais e profissionais diversos, para integrarem a Comissão Internacional sobre Educação<br />

para o Século XXI, criada oficialmente no início de 1993 e financiada pela UNESCO. Delors e seu grupo relataram que a educação, para poder dar resposta ao conjunto das suas missões, deve organizarse<br />

em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda a vida, serão de algum modo para cada indivíduo os pilares do conhecimento, a saber: 1º) aprender a conhecer; 2º) aprender<br />

a fazer; 3º) aprender a viver juntos; e 4º) aprender a ser (<strong>DE</strong>LORS, Jacques – coord.. Educação: um tesouro a descobrir: Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação<br />

para o Século XXI. Tradução de José Carlos Eufrázio. São Paulo: Cortez Editora. Brasília: UNESCO, 1998, p. 89-102).<br />

2 Da UNESCO também partiu a idéia, em 1999, de encomendar ao filósofo francês Edgar Morin a exposição das suas idéias sobre a educação do amanhã, com o objetivo, dentre outros, de aprofundar a<br />

visão transdisciplinar da educação. Para o filósofo, há sete saberes fundamentais que a educação do futuro deveria tratar em toda sociedade e em toda cultura, sem exclusividade nem rejeição, segundo<br />

modelos e regras próprias a cada sociedade e a cada cultura. Eis os sete saberes necessários à educação do futuro, segundo Morin: 1°) as cegueiras do conhecimento (o erro e a ilusão); 2º) os princípios<br />

do conhecimento pertinente; 3°) ensinar a condição humana; 4°) ensinar a identidade terrena; 5°) enfrentar as incertezas; 6°) ensinar a compreensão; e 7°) a ética do gênero humano (MORIN, Edgar.<br />

Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. 2 a ed. São Paulo: Cortez Editora. Brasília: UNESCO, 2000, passim).<br />

3 Um debate sobre a função do ensino superior não pode deixar de lembrar da Conferência Mundial sobre Educação Superior, convocada pela UNESCO e realizada em Paris, de 5 a 9 de outubro de 1998.<br />

Desta reunião resultou o documento que reflete a posição oficial da UNESCO e de seus Estados-Membros, dentre eles o Brasil (UNESCO. Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século<br />

XXI: Visão e Ação. Paris: 5 a 9/10/1998. Documento disponível on-line, em http://www.interlegis.gov.br/processo_legislativo/copy_of_<br />

20020319150524/20030620161930/20030623111830/, acesso em 17/07/2006).<br />

4 Embora trate do ensino superior, a Constituição Federal de 1988 não dispõe expressamente sobre a função específica que o mesmo deva desempenhar. Mister, então, fazer referência aos objetivos do<br />

país e da educação como um todo, estabelecidos pela Carta Magna nos artigos 3° e 205, respectivamente. Os objetivos do Estado, descritos no art. 3º, se constituem também em metas a serem alcançadas<br />

pela educação, inclusive pelo ensino superior e pelas instituições que o oferecem. Já do artigo 205 da Carta Magna deflui-se que são objetivos da educação nacional e, pois, também do ensino superior,<br />

contribuir para o pleno desenvolvimento da pessoa, prepará-la para o exercício da cidadania e qualificá-la para o trabalho.<br />

5 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n° 9.394/96) trata especificamente da finalidade da educação superior em seu artigo 43.<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.<br />

sólida formação geral, humanística e axiológica,<br />

capacidade de análise, domínio de conceitos e da<br />

terminologia jurídica, adequada argumentação,<br />

interpretação e valorização dos fenômenos<br />

jurídicos e sociais, aliada a uma postura reflexiva<br />

e de visão crítica que fomente a capacidade<br />

e a aptidão para a aprendizagem autônoma<br />

e dinâmica, indispensável ao exercício da<br />

Ciência do Direito, da prestação da justiça e do<br />

desenvolvimento da cidadania.


Observa-se que o dispositivo supracitado, ao<br />

delimitar o perfil desejado do formando, ressalta os<br />

objetivos que um curso de Direito deve ter.<br />

Um deles é proporcionar uma formação geral<br />

e humanística, ou seja, não deve um curso de Direito se<br />

preocupar exclusivamente com uma formação técnica<br />

jurídica, impondo-lhe oportunizar ao aluno uma formação<br />

completa, que lhe prepare para a vida e não somente para<br />

uma profissão. Daí a necessidade de cada vez mais se<br />

preocupar com os conteúdos e atividades integrantes do<br />

denominado “eixo de formação fundamental”, que tem por<br />

objetivo integrar o estudante no campo, estabelecendo as<br />

relações do Direito com outras áreas do saber, abrangendo,<br />

dentre outros, estudos que envolvam conteúdos essenciais<br />

sobre Antropologia, Ciência Política, Economia, Ética,<br />

Filosofia, História, Psicologia e Sociologia. Deve-se,<br />

pois, evitar que o conhecimento jurídico fique isolado<br />

das demais áreas do saber, assim como repelir o ensino<br />

estritamente técnico-profissional, para gerar no aluno<br />

uma formação cultural geral e, assim, muito mais<br />

completa e bem mais relacionada à existência da pessoa,<br />

envolvendo-a em contextos familiares, políticos, culturais,<br />

ideológicos, éticos e religiosos. Enfim, uma formação<br />

geral e humanística cobra de um curso de Direito evitar o<br />

puro tecnicismo jurídico e atribuir preferência a um ensino<br />

antidogmático, antipositivista, pluralista, democrático e<br />

desfragmentado. 6<br />

Segundo Morin, é sabido<br />

cada vez mais que as disciplinas se fecham<br />

e não se comunicam umas com as outras. Os<br />

fenômenos são cada vez mais fragmentados,<br />

e não se consegue conceber a sua unidade. É<br />

por isso que se diz cada vez mais: ‘Façamos<br />

interdisciplinaridade.’ Mas a interdisciplinaridade<br />

controla tanto as disciplinas como a ONU<br />

controla as nações. Cada disciplina pretende fazer<br />

reconhecer sua soberania territorial, e, à custa de<br />

algumas magras trocas, as fronteiras confirmamse<br />

em vez de se desmoronar. 7<br />

Em razão disso, defende Morin que “é<br />

preciso ir além” e impõe o aparecimento do termo<br />

“transdisciplinaridade”, 8 tornando-se necessário<br />

“complexificar o modo de conhecimento”. 9<br />

Para Martinez, “um rompimento transdisciplinar<br />

passível de ser inicialmente vislumbrado contra a<br />

disciplinaridade fragmentária” consiste em “não mais se<br />

pensar em disciplinas tecnonormativas”. Sustenta que o<br />

“oposto inovador (‘despositivador’) estará em<br />

pensar disciplinas temático-conceptuais, tais<br />

como, uma disciplina da Família e Direito, uma<br />

disciplina de Estudo Jurídico da Propriedade,<br />

nas quais o objeto de estudo não terá um cerne<br />

normativo, mas um cerne voltado a uma visão<br />

sócio-jurídica, imersa na complexidade das<br />

relações sociais. 10<br />

eisenMann já asseverava que o ensino do Direito<br />

unicamente “jurídico”, que conduziria a um ponto de vista<br />

puramente prático, não corresponde ao ideal de um ensino<br />

universitário, que é aquele que não deve se descuidar de<br />

nenhuma espécie de fenômeno e que considera não só o<br />

Direito, mas também a realidade como um tema primordial<br />

para o conhecimento e não como algo de natureza<br />

meramente prática. Para ele, a instrução proporcionada nas<br />

faculdades de Direito tem que ser de natureza cultural ou<br />

geral, não utilitária ou profissional. 11<br />

Na lição de tagliavini, o projeto pedagógico<br />

de um curso de Direito deve ter por objetivo substituir<br />

uma prática pedagógica predominantemente conteudista,<br />

centrada na transmissão de fatos, conceitos e<br />

procedimentos, pela formação para o pensamento, para<br />

a capacidade de identificar e resolver problemas e para<br />

a aquisição de habilidades e competências. Explica<br />

tagliavini que em primeiro lugar estão as habilidades<br />

necessárias a todos os cidadãos profissionais, que são<br />

as associadas ao “saber fazer”, como a ação física ou<br />

mental, que indica a capacidade adquirida, citando como<br />

exemplos: identificar variáveis, compreender fenômenos,<br />

relacionar informações, analisar situações-problema,<br />

sintetizar, julgar, comparar, classificar, discutir, descrever,<br />

opinar, fazer generalizações, analogias, diagnósticos,<br />

correlacionar e manipular. Já as competências, continua o<br />

professor, são um conjunto de habilidades, desenvolvidas<br />

em harmonia, e ter competência significa estar habilitado<br />

com conhecimentos e esquemas para desenvolver respostas<br />

inéditas, adequadas, criativas e eficazes para problemas<br />

6 Há muito tempo Mauro Cappelletti, tratando sobre o acesso a justiça, já advertia para a necessidade de integração entre o Direito e outras áreas do conhecimento. Eis sua lição: “Nenhum aspecto de<br />

nossos sistemas jurídicos modernos é imune à crítica. Cada vez mais pergunta-se como, a que preço e em benefício de quem estes sistemas de fato funcionam. Essa indagação fundamental que já produz<br />

inquietação em muitos advogados, juízes e juristas torna-se mais perturbadora em razão de uma invasão sem precedentes dos tradicionais domínios do Direito, por sociólogos, antropólogos, economistas,<br />

cientistas políticos e psicólogos, entre outros. Não devemos, no entanto, resistir a nossos invasores; ao contrário, devemos respeitar seus enfoques e reagir a eles de forma criativa. Através da revelação<br />

do atual modo de funcionamento de nossos sistemas jurídicos, os críticos oriundos das outras ciências sociais podem, na realidade, ser nossos aliados na atual fase de uma longa batalha histórica – a luta<br />

pelo ‘acesso à justiça’ ” (Acesso à Justiça. Trad. de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1988, p. 7-8). Pedro Lessa, demonstrando a complexidade do Direito, também<br />

evidencia suas relações com as outras áreas do saber, afirmando que a sociologia é o “tronco que sustenta as diversas ciências sociais particulares e, conseqüentemente, o direito”, que é “manifesta a<br />

necessidade dos subsídios da antropologia para a formação da teoria científica do direito” e para a “elaboração de normas jurídicas”, o mesmo ocorrendo com a economia política, e que “são de mútua<br />

dependência e subordinação as relações do direito com a política” (Estudos de Filosofia do Direito. 2a ed. Campinas: Bookseller, 2002, p. 82-122).<br />

7 a MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 5 ed. Trad. de Maria D. Alexandre e Maria Alice Sampaio Dória. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001, p. 135.<br />

8 Edgar Morin, Ciência com consciência, p. 135.<br />

9 MORIN, Edgar. Saberes globais e saberes locais: o olhar transdisciplinar. Trad. de Paula Yone Stroh. Rio de Janeiro: Garamond, 2001, p. 31.<br />

10 MARTINEZ, Sérgio Rodrigo. Manual da Educação Jurídica. Curitiba: Juruá, 2003, p. 61-62.<br />

11 EISENMANN, Charles. “Los objetivos y la naturaleza de la enseñanza del derecho”. In: WITKER, Jorge (coord.). Antología de Estudios sobre la Enseñanza del Derecho. 2ª ed. México: Instituto<br />

de Investigaciones Jurídicas de la Universidad Nacional Autónoma de México, 1995, p. 54-55. Roberto A. R. de Aguiar lembra que, “como os estudos têm demonstrado, a procura pelos cursos jurídicos<br />

traduz uma vontade de ascensão social. Os cursos jurídicos no Brasil, segundo pesquisas, não se destinam a formar advogados. Os bacharéis diplomados encaminham-se prioritariamente para atividades<br />

não jurídicas”. (apud BONFIM, B. Calheiros. Conceitos sobre Advocacia, Magistratura, Justiça e Direito. 4a ed. Rio de Janeiro: Editora Destaque, 1995, p. 110)<br />

25


novos que se apresentam. Competências, portanto,<br />

envolvem esquemas de percepção, pensamento, avaliação,<br />

decisão e ação. Adverte ainda tagliavini que não se pode<br />

esquecer de se formar também na habilidade para resistir,<br />

para opor-se, para transformar e não apenas para adaptarse.<br />

12<br />

Outra missão de um curso de Direito é gerar em<br />

seu aluno a capacidade de análise, domínio de conceitos<br />

e da terminologia jurídica e adequada argumentação.<br />

Ter capacidade de analisar significa conseguir contestar<br />

ou questionar aquilo que é apresentado, evitando aceitar<br />

passivamente tudo que lhe é posto. Dominar conceitos e ter<br />

uma argumentação apropriada implica na exigência de se<br />

estimular uma postura mais reflexiva e criativa por parte do<br />

aluno, além, é claro, de lhe gerar a possibilidade de expor<br />

suas idéias e de argumentar com fundamento e lógica.<br />

Também se deve buscar uma capacidade de<br />

interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos e<br />

sociais. Mais uma vez se ressalta que o ensino do Direito<br />

vai muito além de um simples ensino tecnicista legalista.<br />

O aluno tem que conseguir analisar, entender e criticar o<br />

mundo em que vive, para com isso almejar, cobrar e propor<br />

mudanças na sociedade da qual faz parte. Para souza, três<br />

são as instâncias onde se ensina e se aprende o Direito: na<br />

sala de aula, no laboratório e na rua, ou seja, nas demais<br />

instituições, como a casa, a biblioteca pública, as favelas,<br />

os movimentos sociais, os órgãos governamentais, as<br />

organizações da sociedade civil, as empresas públicas e<br />

privadas. Segundo souza,<br />

26<br />

é na rua, é fora da sala de aula que é possível<br />

ver como o direito-instituído ou se efetiva ou<br />

é sonegado. Nas instituições se apresentam<br />

as possibilidades (e a necessidade concreta,<br />

imediata, candente) de releitura do direito, de<br />

enriquecimento hermenêutico da lei, de aplicação<br />

qualificada da dogmática jurídica e da técnica<br />

processual. É no cotidiano das pessoas que os<br />

fatos acontecem, onde se luta pelos bens da vida,<br />

onde se operam as mudanças sociais. É na rua e<br />

não no laboratório onde aparecem indiferenciados<br />

o jurídico e o político. De um lado, a juridicização<br />

da política dá juridicidade aos fatos, dá-lhes<br />

contornos jurídicos, instituindo-s como direito<br />

emergente (...); e de outro, a politização do<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.<br />

jurídico se dá como expressão democrática das<br />

tendências plurais da sociedade, como efetivação<br />

da democracia enquanto espaço político de<br />

manifestação do indivíduo e dos grupos e<br />

realização da justiça social. 13<br />

Adverte Witker que um alto grau de tecnicismo<br />

conceitual pode produzir uma ruptura com a realidade,<br />

razão pela qual se faz necessário incorporar ao processo<br />

de aprendizagem o direito em ação, o direito tal como<br />

se dá em um contexto social específico, a fim de que o<br />

estudante perceba criticamente a instituição jurídica,<br />

seu funcionamento, eficácia ou desuso. 14 tagliavini, por<br />

sua vez, lembra que o Curso de Direito, com vocação<br />

para formação generalista e em consonância com a<br />

realidade atual, tem como objetivo formar o profissional<br />

competente e ético, devendo estar, ao lado das habilidades<br />

e competências, sempre presentes os valores, como<br />

conteúdos e cimento a dar liga na aprendizagem e na<br />

formação dos bacharéis, numa perspectiva humanística,<br />

voltada para o compromisso social. E continua advertindo<br />

que competências e habilidades não são tecnicamente<br />

neutras, lição muito bem aprendida pela humanidade<br />

diante dos horrores praticados em todas as partes do<br />

mundo, por profissionais, “habilidosos e competentes” em<br />

suas profissões, como no holocausto nazista, Hiroshima e<br />

Nagasaki, Kosovo, Oriente Médio, Afeganistão etc.. 15<br />

Ao abordar a exclusão e após fazer referência<br />

inclusive à Constituição Federal brasileira de 1988, Müller<br />

avisa que<br />

o que se afigura como risco a partir da exclusão herdada<br />

do passado, configura ocasião para a luta legal e nãoviolenta,<br />

para a luta legitimadora contra a exclusão: a<br />

ocasião de levar essa constituição a sério na prática.<br />

(...) Os juristas de um país da modernidade periférica,<br />

que se vêem expostos a tal situação, têm objetivamente<br />

o papel de vanguarda não apenas em termos de técnica<br />

jurídica, de competências, mas justamente também<br />

em termos sociais. Assumem o papel de vanguarda do<br />

desenvolvimento global da sociedade no sentido de criar<br />

e fortalecer uma consciência pública mais ampla com<br />

relação à constituição, à legalidade e a vigência (levada a<br />

sério) dos textos oficiais de normas. 16<br />

12 TAGLIAVINI, João Virgílio. Aprender Direito: para além do ensino fragmentado. São Carlos: [s.d.], p. 32-33. Tratando da “formação dos operadores jurídicos no Brasil”, especificamente dos<br />

juízes, João Batista Herkenhoff sustenta que faz-se necessário “um juiz que esteja a serviço, um juiz que não ocupe apenas um cargo, mas desempenhe uma missão. Um juiz sem prerrogativas e vantagens<br />

pessoais. O oposto disso: um juiz que carregue nos ombros um fardo, mas que carregue um fardo com alegria porque vocacionado para o serviço dos seus semelhantes, para o serviço do bem público.<br />

Um juiz que seja um misto de juiz e poeta, não com o sentido pejorativo que se desse a essa fusão. Mas com o verdadeiros sentido que há em ver como atributos da justiça a construção da beleza, obra<br />

do artista, e a construção do bem, obra do homem que procura trilhar o caminho da virtude. (...) Um juiz ético. Um juiz menos técnico e mais ético. (...) Um juiz aberto ao universal. Um juiz que tenha<br />

do direito uma visão sistêmica. Um juiz que perceba a relação do direito com os outros saberes humanos. Um juiz portador de cultura ampla. Um juiz que perceba seu papel social, de mediador de<br />

culturas, num Brasil plural.” (“A formação dos operadores jurídicos no Brasil”. In: SOUSA JÚNIOR, José Geraldo et all (orgs.). Ética, Justiça e Direito: reflexões sobre a reforma do Judiciário.<br />

2 a ed. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 176-179)<br />

13 SOUZA, João Paulo de. “O ensino jurídico, a sala de aula e a rua”. In: RODRIGUES, Horácio Wanderlei (org.). Ensino jurídico para que(m)? Florianópolis: Fundação Boiteux, 2000, 105-106.<br />

14 WITKER, Jorge. Técnicas de la enseñanza del derecho. 4ª ed. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas de la Universidad Nacional Autónoma de México, 1985, p. 77.<br />

15 João Virgílio Tagliavini, Aprender Direito: para além do ensino fragmentado, p. 34. Um ensino desvinculado da realidade social também é objeto de crítica de José Eduardo Faria, segundo o<br />

qual, “em termos práticos, tal ensino quando muito se limita a fornecer um conhecimento progressivamente empobrecido, insensível ao que é qualitativamente novo; um conhecimento que não vê<br />

como, na materialidade do cotidiano (...), vão sendo forjados novas relações e novos direitos, mediante conceitos construídos através da história e funções inéditas para as antigas categorias normativas;<br />

um conhecimento que se deixou banalizar pelas concessões retóricas e pelo palavreado grotescamente barroco e ‘coimbrão’ dos pseudojuristas, tornando-se incapaz de lidar com as informações<br />

especializadas de caráter extranormativo crescentemente necessárias para a resolução dos conflitos relevantes; em suma, um conhecimento repetitivo e vicioso, incorrendo permanentemente numa<br />

conhecida advertência de Hegel – ‘o que é dado por sabido, exatamente porque é dado por sabido, não é efetivamente conhecido’.” (Justiça e Conflito: os juízes em face dos novos movimentos sociais.<br />

2 a ed. São Paulo: RT, 1992, p. 186)<br />

16 MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. Trad. de Peter Naumann. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 105.


Uma visão crítica é outra qualidade que deve ser<br />

desejada no formando de um curso de Direito. É crítico<br />

o aluno que pensa e reflete sobre os fatos concretos e<br />

extrai da sua análise argumentos e idéias para melhorar<br />

seu desempenho, traçar melhor seus objetivos, definir suas<br />

atitudes e repensar suas crenças. O crítico tem repulsa<br />

pelo dogmatismo e busca compreender a realidade para<br />

melhorá-la.<br />

Defendia Freire que basta ser homem para ser<br />

capaz de captar os dados da realidade, para ser capaz de<br />

saber, ainda que seja este saber meramente opinativo, razão<br />

pela qual inexiste ignorância absoluta e sabedoria absoluta.<br />

Advertia, por outro lado, que<br />

o homem, contudo, não capta o dado da realidade,<br />

o fenômeno, a situação problemática pura. Na<br />

captação, juntamente com o problema, com o<br />

fenômeno, capta também seus nexos causais.<br />

Apreende a causalidade. A compreensão<br />

resultante da captação será tão mais crítica quanto<br />

seja feita a apreensão da causalidade autêntica. E<br />

será tão mais mágica, na medida em que se faça<br />

com um mínimo de apreensão dessa causalidade.<br />

Enquanto para a consciência crítica a própria<br />

causalidade autêntica está sempre submetida à<br />

sua análise – o que é autêntico hoje pode não ser<br />

amanhã – para a consciência ingênua, o que lhe<br />

parece causalidade autêntica já não é, uma vez<br />

que lhe atribui caráter estático, de algo já feito e<br />

estabelecido. (...) (Afirmava, em conseqüência),<br />

... que é próprio da consciência crítica a sua<br />

integração com a realidade, enquanto que da<br />

ingênua o próprio é sua superposição à realidade.<br />

(...) “A toda compreensão de algo corresponde,<br />

cedo ou tarde, uma ação. Captado um desafio,<br />

compreendido, admitidas as hipóteses de resposta,<br />

o homem age. A natureza da ação corresponde à<br />

natureza da compreensão. Se a compreensão é<br />

crítica ou preponderantemente crítica, a ação<br />

também o será. Se é mágica a compreensão,<br />

mágica será a ação. 17<br />

Daí o porquê, segundo Freire, da necessidade<br />

de uma educação capaz de colaborara com a pessoa na<br />

indispensável organização reflexiva de seu pensamento,<br />

que lhe ponha à disposição meios com os quais seja capaz<br />

de superar a captação mágica ou ingênua de sua realidade<br />

por uma dominantemente crítica. 18<br />

Por fim, fomentar a capacidade e a aptidão para<br />

a aprendizagem autônoma e dinâmica é mais um objetivo<br />

dos cursos de Direito. Cada vez é mais inútil tentar<br />

conhecer tudo, embora o processo de aprendizagem jamais<br />

se acabe, sendo este o motivo pelo qual o aluno precisa<br />

aprender a conhecer. Na visão de tagliavini, o projeto<br />

pedagógico que tiver sua proposta na direção da formação<br />

de habilidades e competências será aquele que possibilitará<br />

ao futuro bacharel a conquista da sua autonomia intelectual,<br />

sua maioridade profissional para enfrentar por si e crescer<br />

diante dos muitos e complexos desafios da realidade<br />

sempre mutante. 19<br />

Diante do exposto, tem-se que um curso de<br />

Direito não busca apenas formar profissionais para atuar<br />

no mercado de trabalho, não gera somente profissionais<br />

do Direito, não produz advogados, juízes, promotores ou<br />

delegados. Não resta a menor dúvida de que se impõe<br />

repensar os objetivos do curso de Direito e até mesmo o<br />

fundamento da sua própria existência.<br />

Resta claro e incontestável que o ensino do<br />

Direito tem diversos outros objetivos além da formação<br />

de profissionais, uma vez que sempre proporciona ao<br />

estudante um mínimo de desenvolvimento sócio-cultural<br />

e humanístico, além de habilitá-lo para inúmeras outras<br />

atividades direcionadas ao aumento de conhecimentos,<br />

sem o forçoso objetivo profissionalizante.<br />

Também não se pode olvidar que<br />

os benefícios privados da educação superior no<br />

Brasil são muito altos. Isso pode ser comprovado<br />

pela renda mediana das pessoas de nível superior,<br />

que era de 1.500 reais, segundo a Pesquisa<br />

Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de<br />

2003, comparado com a renda mediana dos que<br />

tinham somente o médio, de 480 reais, ou dos que<br />

só tinham a educação básica, de 350 reais. 20<br />

Neste sentido a opinião de Moura Castro, ao<br />

dizer que,<br />

ao contrário do que se afirma, com total<br />

desconhecimento dos números, os alunos não<br />

estão iludidos por promessas vãs de cursos<br />

superiores (embora haja públicos e privados de<br />

péssima qualidade). De fato, sua renda média<br />

ao longo da vida profissional representa 2,7<br />

vezes a de um graduado do ensino médio. E sua<br />

probabilidade de ficar desempregado é entre<br />

duas e três vezes menor. Trata-se de um grande<br />

negócio. Para as empresas também é bom, pois<br />

muitos dos diplomados superiores passam a<br />

ter a preparação que poderíamos esperar de um<br />

17 FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 5 a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975, p. 105-106.<br />

18 Paulo Freire, Educação como prática da liberdade, p. 106.<br />

19 João Virgílio Tagliavini, Aprender Direito: para além do ensino fragmentado, p. 34. Para tanto, nas palavras de Dalmo de Abreu Dallari, o ensino do Direito “não deve ser entendido e praticado<br />

como simples transmissão de informações a respeito de técnicas de elaboração e aplicação de preceitos jurídicos”, sendo mister a formação de uma consciência jurídica (O renascer do Direito. 2 a ed.<br />

São Paulo: Saraiva, 1980, p. 43-48).<br />

20 SCHARTZMAN, Simon. MOURA CASTRO, Cláudio de. “A nova reforma do MEC: mais polimento, mesmas idéias”. In: Estudos: Revista da Associação Brasileira de Mantenedoras do<br />

Ensino Superior. Ano 23, n° 35. Brasília: ABMES, novembro/2005, p. 17.<br />

27


28<br />

graduado do ensino médio, em vez de permanecer<br />

semi-analfabetos. 21<br />

Fazendo referência direta aos cursos de Direito,<br />

continua o economista asseverando que<br />

menos de 20% dos bacharéis em direito passam<br />

no exame da OAB. E daí? Simplesmente não<br />

serão advogados. Mas, como em muitos outros<br />

países – incluindo a França –, o curso de direito é<br />

uma excelente formação geral. Ou seja, direito é<br />

um curso que também forma advogados. Fazemos<br />

cursos de geometria e história no ciclo básico.<br />

Nem por isso seremos geômetras ou historiadores.<br />

Antes de tudo, a educação, de qualquer nível, é<br />

um processo de desenvolvimento intelectual.<br />

Aprendemos a pensar, a ler, a escrever, a usar<br />

números. Isso pode ser o resultado de cursar<br />

disciplinas como geometria ou história quanto<br />

de fazer curso superior de filosofia, direito ou<br />

economia. 22<br />

Analisando os cursos de Direito do México e<br />

averiguando se a melhoria das qualificações humanas<br />

pode beneficiar a sociedade, laveaga explana que<br />

propor qualquer esquema cujo enfoque principal seja<br />

a eficiência significa ignorar um dos problemas que<br />

envolvem a educação formal do Direito: os objetivos<br />

sociais dos estudantes. Após indagar o que os estudantes<br />

pretendem ao se inscreverem na carreira de Direito, se<br />

satisfazer as expectativas familiares ou contribuir para<br />

o desenvolvimento econômico do país, por exemplo,<br />

constata laveaga que as aspirações variam de um grupo<br />

socioeconômico para outro e que dificilmente se pode crer<br />

que, ao se inscreverem na carreira, os jovens das classes<br />

médias estão buscando o mesmo que os jovens das classes<br />

altas. Explica que o “capital social” com que conta cada<br />

estudante antes de ingressar na escola será determinante<br />

para prognosticar seu desempenho e sua contribuição para<br />

o desenvolvimento de um país. Mesmo em igualdades de<br />

condições acadêmicas, seria ingênuo esperar um formando<br />

idêntico entre um filho de um advogado célebre – que já<br />

conta com uma carteira de clientes, uma visão ampla da<br />

profissão relações com funcionários do Governo e com<br />

membros do Poder Judiciário – e um filho de um obreiro<br />

cujo objetivo é adquirir um documento que, aos olhos de<br />

sua família, eleve seu prestígio social e, no melhor dos<br />

casos, lhe atribua uma série de conhecimento que são<br />

atrativos ao mercado laboral. 23<br />

Daí porque não procedem de maneira alguma<br />

as críticas realizadas aos cursos de Direito levando-se<br />

em conta apenas o baixo índice de aprovação no exame<br />

da OAB, que se constitui, como cediço, em requisito<br />

indispensável para o exercício da advocacia. Os cursos<br />

de Direito não formam advogados, mas sim bacharéis em<br />

Direito. Nem todos os que se submetem ao mencionado<br />

exame cursaram Direito pensando em se tornar advogado,<br />

mas mesmo assim se inscrevem no certame. O conteúdo das<br />

questões que compõem a prova está em pleno desacordo<br />

com os reais e atuais objetivos do ensino do Direito.<br />

Cobra-se memorização, tecnicismo, legalismo e atitude<br />

passiva, enquanto o curso de Direito estimula uma visão<br />

crítica, pluralista, antidogmática, antipositivista e reflexiva.<br />

Além disso, exige-se do candidato, recém-formado, um<br />

conhecimento e experiência que pouquíssimos advogados<br />

já aprovados no exame possuem, a ponto de autorizar a<br />

afirmação de que o índice de reprovação no exame da OAB<br />

poderia ser ainda maior se aplicado aos profissionais já<br />

inscritos no quadro da entidade de classe. O curso de Direito<br />

não é um curso de advocacia. Alto índice de reprovação no<br />

exame da OAB não é sinônimo de má qualidade dos cursos<br />

de Direito.<br />

sCaFF responde negativamente a duas indagações<br />

por ele próprio elaboradas: 1) Será que o Exame de Ordem<br />

realmente mede a qualidade do ensino jurídico no País?;<br />

e 2) Será que o Exame de Ordem mede a qualidade dos<br />

profissionais da advocacia em nosso País? Quanto à<br />

primeira questão, lembra sCaFF que<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.<br />

todo aquele que já foi professor sabe que pode<br />

formular uma prova de forma que nenhum dos<br />

alunos obtenha nota máxima, ou sequer mediana.<br />

Ainda mais quando se trata de uma prova sobre<br />

temas jurídicos, em que a consulta aos textos<br />

legais é proibida. Logo, basta formular uma<br />

prova cheia de ‘pegadinhas’ que privilegie a<br />

memorização do conhecimento, em face do<br />

verdadeiro saber. (...) Nenhum cliente entra em um<br />

escritório de advocacia perguntando ao advogado<br />

qual o prazo de agravo, ou qual a alíquota de<br />

ICMS para a importação de batatas. O cliente<br />

sempre apresenta um problema, usualmente<br />

complexo e relatado de forma leiga, em que o<br />

advogado é levado a buscar uma solução para<br />

aquela situação. Para tanto, conta com um arsenal<br />

de textos legais, doutrinários e jurisprudenciais<br />

para orientar seu cliente. Logo, o privilegiamento<br />

de uma memorização é algo que frustra o saber<br />

verdadeiro, que deve ser ensinado nas faculdades<br />

de Direito, que seguramente não são faculdades<br />

21 MOURA CASTRO, Cláudio de. “O brasileiro da Nokia”. In: Revista Veja. São Paulo: Abril, edição n° 1.965, ano 39, n° 28, 19/07/2006, p. 22. Importante registrar, por oportuno, a opinião divergente<br />

de Eliane Botelho Junqueira acerca dos principais objetivos de um curso de Direito, uma vez que sua lição parece atribuir ao ensino jurídico uma função exclusivamente profissionalizante. Para ela, “os<br />

cursos de direito não devem ter como função prioritária a produção de conhecimento, mas sim a formação de profissionais tecnicamente competentes e eticamente comprometidos com um exercício<br />

correto da profissão”. Sustenta que “já é hora de formar bacharéis em direito que, se interessados em uma das funções públicas clássicas – como magistratura, defensoria pública, promotoria pública etc.<br />

–, não necessitem ingressar em um curso de preparação para concursos. Estes bacharéis devem ser competentes para o exercício da profissão. Neste momento, se as faculdades de direito conseguirem<br />

cumprir este objetivo, já será um grande passo. Ou melhor, sendo ainda mais modestos em nossas metas, devemos ficar satisfeitos se as faculdades de direito conseguirem aprovar 80% de seus alunos no<br />

Exame de Ordem, o que efetivamente não vem acontecendo”. (Faculdades de Direito ou Fábrica de Ilusões? Rio de Janeiro: I<strong>DE</strong>S, Letra Capital, 1999, p. 89)<br />

22 Cláudio de Moura Castro, “O brasileiro de Nokia”, p. 22.<br />

23 LAVEAGA, Gerardo. La Cultura de la Legalidade. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas de la Universidad Nacional Autónoma de México, 1999, p. 95-98.


de lei (o que é bastante diferente). Portanto, não<br />

se pode inferir que as faculdades são boas ou<br />

ruins porque seus alunos foram reprovados no<br />

Exame de Ordem. 24<br />

Quanto ao segundo questionamento, adverte<br />

sCaFF que,<br />

uma vez tendo ingressado na corporação dos<br />

advogados, o profissional jamais será novamente<br />

submetido a outro exame, de tal modo que poderá<br />

passar anos e anos a advogar sem jamais estudar de<br />

forma sistemática o Direito, apenas o caso-a-caso<br />

que lhe chega às mãos. Há uma abissal diferença<br />

entre o estudo sistemático e o casuístico. Neste, o<br />

profissional analisa a situação de um cliente (ou<br />

um grupo deles) e busca soluções para aquele<br />

caso concreto. No estudo sistemático, busca-se<br />

compreender o Direito para sua aplicação perante<br />

toda a sociedade. É claro que os dois tipos de<br />

estudos podem convergir, mas sem um método<br />

coerente e determinado isso jamais será obtido,<br />

correndo o advogado o risco de se tornar um<br />

praxista, e não um profissional do Direito. 25<br />

Ressalta, ainda, que as referências que faz<br />

aos advogados também servem para os membros da<br />

magistratura e do Ministério Público, porque, “após uma<br />

enorme dificuldade para ingresso na carreira por concurso,<br />

nunca mais são avaliados pela sociedade, que lhes paga<br />

o serviço. Logo, a existência de um Exame de Ordem<br />

que regule apenas o ingresso na corporação também não<br />

afasta a existência de profissionais desatualizados no<br />

seio da classe”. 26 E tanto isso é verdade que, em pesquisa<br />

realizada junto aos advogados de todo o Brasil pela<br />

própria OAB, ficou realçada por eles “a necessidade de<br />

formação complementar. Dos entrevistados, iniciantes ou<br />

não, quase três quartas partes (74,4%) sentem necessidade<br />

não somente de complementação da formação acadêmica<br />

quanto de atualização de conhecimentos”. 27<br />

Ampliando o tema, santos assevera que<br />

os processos de seleção dos magistrados – e dos<br />

operadores jurídicos, em geral (demais concursos<br />

públicos e exame de Ordem) – vêm relutando<br />

reiteradamente em abrir espaço a enfoques menos<br />

enclausurados no campo da técnica, estimulando,<br />

assim, a manutenção de uma formação pouco<br />

voltada a propiciar aos alunos uma visão mais<br />

ampla do fenômeno jurídico, em suas diversas<br />

facetas, que extrapolam o simples tecnicismo,<br />

adentrando as dimensões psicológica, social,<br />

econômica e política, que nele se conjugam. 28<br />

Especificamente no tocante ao Exame de Ordem,<br />

santos tem “por absolutamente válidas as críticas contra<br />

ele lançadas por parte significativa dos juristas nacionais”.<br />

E complementa que,<br />

quanto à sua possível contribuição, em qualquer<br />

nível, para a melhoria dos cursos jurídicos<br />

nacionais, não a temos por factível, sobretudo em<br />

razão da disparidade de perspectivas que hão de<br />

guiar, de um lado, qualquer sistema de avaliação<br />

de qualidade de ensino, e, de outro, um sistema<br />

de avaliação de aptidão técnica ou profissional.<br />

(...) ... o efeito produzido pelo Exame de Ordem,<br />

como até hoje empreendido, sobre a racionalidade<br />

do ensino desenvolvido em nossas faculdades<br />

de Direito, não poderia ser mais nocivo; afinal,<br />

trata-se de um Exame efetivamente calcado em<br />

uma lógica completamente avessa àquela que se<br />

tem defendido como desejável à formação dos<br />

novos profissionais do Direito, na medida em que<br />

prestigia, indisfarçadamente, não a capacidade<br />

de raciocínio (menos ainda crítico) de seus<br />

candidatos, mas sua capacidade mnemônica – a<br />

velha ‘decoreba’ (...). 29<br />

Embora a OAB sustente que o Exame de Ordem<br />

tem seu fundamento na necessidade de “verificação de<br />

conhecimentos mínimos indispensáveis ao exercício da<br />

profissão”, 30 é fato inegável que na prática isso não ocorre.<br />

Com efeito, o Exame de Ordem, do modo como é hoje<br />

realizado, parece mais se constituir numa ferramenta para<br />

“reserva de mercado” e tem como conseqüência, dentre<br />

outras, a proliferação de cursinhos preparatórios que<br />

constantemente se intitulam os maiores, senão únicos,<br />

24 SCAFF, Fernando Facury. “Exame de Ordem: para quê e para quem?”. In: Jornal O Liberal. Belém: 16/04/2006, disponível em http://www.oliberal.com.br/, acesso em 19/07/2006.<br />

25 Fernando Facury Scaff, “Exame de Ordem: para quê e para quem?”.<br />

26 Fernando Facury Scaff, “Exame de Ordem: para quê e para quem?”. Ainda sobre Exame de Ordem, discorre o mesmo autor, em texto publicado em obra de autoria da própria OAB: “(...) pode-se<br />

dizer que o Exame de Ordem, na formação atual, não se reveste da característica de um processo de avaliação, mas de seleção de ingresso. A distinção, mais intuída do que asseverada, é que no processo<br />

de seleção efetua-se uma triagem, separa-se o joio do trigo, o arroz da quirela. É uma forma através da qual se procede a uma seleção onde apenas os que estiverem de conformidade com as exigências<br />

estipuladas serão considerados aptos. (...) Logo, o Exame de Ordem é uma prova de corte, de seleção, e não um processo de avaliação, de cultivo de um jardim. (...) Dessa forma, a utilização do Exame<br />

de Ordem como instrumento de avaliação, na forma atual, não é bastante nem suficiente para permitir uma análise comparativa nacional entre diferentes IES.” (“Ensino jurídico: o controle público e<br />

social da atividade educacional”. In: OAB. CONSELHO FE<strong>DE</strong>RAL. OAB Recomenda: um retrato dos cursos jurídicos. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2001, p. 93 – grifos nossos)<br />

27 OMMATI, Fides Angélica de Castro V. M.. “Conhecer para integrar”. In: OAB. CONSELHO FE<strong>DE</strong>RAL A OAB vista pelos advogados: pesquisa de avaliação da imagem institucional da OAB.<br />

Brasília: OAB, Conselho Federal, 2000, p. 11.<br />

28 SANTOS, André Luiz Lopes dos. “Acesso a que Justiça? Novos argumentos para o debate acerca do ensino jurídico no Brasil”. In: Direito, Ciência e Arte – Estudos jurídicos interdisciplinares.<br />

Campinas: Edicamp, 2001, p. 38.<br />

29 SANTOS, André Luiz Lopes dos. Ensino jurídico: uma abordagem político-educacional. Campinas: Edicamp, 2002, p. 87-88 e 95-96.<br />

30 Vide a respeito a Política de Educação Continuada da Escola Nacional de Advocacia da OAB, disponível em http://www.oab.org.br/Ena/politicaeducacao.asp, acesso em 19/07/2006.<br />

29


esponsáveis pelos aprovados no certame da OAB. 31 Se<br />

realmente o Exame de Ordem avalia o ensino ministrado<br />

nos cursos de Direito do país, então autorizada está a<br />

afirmação de que os “cursinhos preparatórios” estão<br />

educando melhor do que as escolas de Direito.<br />

A própria OAB já reconheceu a necessidade de<br />

modificações no Exame de Ordem. É o que se verifica, por<br />

exemplo, na lição de lôbo, publicada em livro editado pela<br />

entidade, segundo o qual, “para que possa melhor atingir<br />

suas finalidades e, sobretudo, ser qualificado instrumento de<br />

contribuição para o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos”,<br />

mister se faz a adoção de providências no Exame de Ordem<br />

para “desenvolver questões que exijam raciocínio, reflexão<br />

crítica, e incluam temas voltados às mudanças do direito e<br />

às matérias de formação geral e humanística, excluindo-se<br />

as questões que envolvam apenas memorização”. 32<br />

Ao analisar o ensino jurídico como<br />

problema, Faria constata os limites de uma formação<br />

profissionalizante e sustenta que o Direito se encontra<br />

martirizado pelo dilema de ser arte ou ciência. É arte se<br />

servir como “tecnologia de controle, organização e direção<br />

social”, o que implica um ensino unidisciplinar, meramente<br />

informativo, despolitizado, massificador, adestrador e<br />

dogmático, estruturado em torno de um sistema jurídico<br />

tido como autárquico, auto-suficiente, completo, lógico<br />

e formalmente coerente. É ciência se consistir em uma<br />

“atividade verdadeiramente científica”, eminentemente<br />

crítica e especulativa – o que exige um ensino antes de tudo<br />

formativo, não-dogmático e multidisciplinar, organizado<br />

a partir de uma interrogação sobre a dimensão política,<br />

sobre as implicações socioeconômicas e sobre a natureza<br />

ideológica de toda e qualquer ordem jurídica. 33<br />

Um curso jurídico que trate o Direito como<br />

“atividade verdadeiramente científica” e não como<br />

“tecnologia de controle” está respeitando e realmente<br />

buscando os “atuais” objetivos de uma educação superior<br />

em Direito e somente este tipo de curso é que pode alterar<br />

a realidade e contribuir para eliminar ou diminuir as<br />

desigualdades sociais.<br />

30<br />

Para rodrigues,<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.<br />

hoje os cursos jurídicos auxiliam, enquanto<br />

instância de reprodução simbólica das crenças,<br />

valores e pré-conceitos jurídico-políticos de<br />

um certo liberalismo, mesclado de nuances de<br />

conservadorismo, a manutenção do status quo<br />

político-econômico-social. A expectativa é que se<br />

possa transformá-lo em um instrumento a serviço<br />

da construção de uma sociedade mais justa e<br />

democrática. Deve ele formar agentes sociais<br />

críticos, competentes e comprometidos com as<br />

mudanças emergentes, com o novo; operadores<br />

jurídicos que possuam uma qualificação técnica<br />

de alto nível, acompanhada da consciência de<br />

seu papel social, da importância estratégica que<br />

possuem todas as atividades jurídicas no mundo<br />

contemporâneo e, portanto, da responsabilidade<br />

que lhes compete nessa caminhada. Em resumo:<br />

que os cursos jurídicos sejam instrumentos de<br />

resgate da cidadania. 34<br />

O mesmo autor defende que, na prática, não<br />

se tem uma profissão de jurista, mas sim várias funções<br />

que são desempenhadas pelos egressos dos cursos<br />

jurídicos. Sustenta, ainda, que não se pode esquecer de<br />

uma constatação empírica extremamente importante, qual<br />

seja, “a grande parte dos egressos dos cursos jurídicos<br />

não trabalha no mercado de trabalho jurídico e sim no<br />

parajurídico”. Em razão disso, assevera que<br />

profissionalizar os alunos dos cursos jurídicos<br />

não pode e não deve representar a formação de<br />

técnicos em direito positivo, meros exegetas dos<br />

textos legais emanados do Estado. Fazer isso<br />

é desprepará-los para um mercado de trabalho<br />

plural onde as normas estatais não são mais<br />

as únicas efetivas de pacificação e/ou controle<br />

social, se é que ainda o são em alguma medida. 35<br />

Após citar lição de José Eduardo Faria, para quem<br />

ao lado do monopólio da violência legítima por parte do<br />

31 Apenas a título de exemplo, vale conferir as campanhas de alguns cursos preparatórios: a) Rede de Ensino Luis Flávio Gomes: “A Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes oferece a você Cursos<br />

Preparatórios para Carreiras Jurídicas e Pós-Graduações com o maior índice de aprovação do mercado. Comprove você mesmo”; b) Ipojur: “Professores qualificados, estrutura moderna, material didático<br />

atualizado e turmas reduzidas - alguns dos detalhes que fazem do IPOJUR o lugar certo p/ quem deseja ser aprovado na OAB e concursos públicos da magistratura e promotoria”; c) FMB Curso Jurídico:<br />

“O Curso FMB, coordenado pelo professor Flávio Monteiro de Barros, desenvolveu um método revolucionário de estudo, simplificando o caminho da aprovação”; d) Siga Concursos: “Curso preparatório<br />

para os principais concursos. Inclui apostilas divididas aula a aula, professores experientes, simulados comentados, plantão de dúvidas e a experiência do Curso Anglo”; e) Central de Concursos: “Uma<br />

história de 17 anos baseada na seriedade e competência. Com professores altamente qualificados e pedagogia eficaz, faz jus ao título: O Maior Índice de Aprovação do Brasil”; f) Policom Editora:<br />

“Material preparatório para concursos, vestibulares e exames/OAB. Apostilas elaboradas de acordo com os programas oficiais, por professores especializados no setor”; g) Siga Concursos: “Curso<br />

preparatório para os principais concursos. Inclui apostilas divididas aula a aula, professores experientes, simulados comentados, plantão de dúvidas e a experiência do Curso Anglo”; h) Meta: “Fundado<br />

em 1981, idealizando um curso onde teríamos os melhores professores e trabalharíamos c/ editora própria. Como resultado, possuímos os maiores índices de aprovação do mercado”; i) LEC Livraria e<br />

Editora dos Concursos: “Com mais de 15 anos de tradição, a Lec é a maior livraria especializada em concursos públicos do país. Livros, Apostilas de acordo com editais, Cd´s especializados e muito<br />

mais”. (disponível em http://jcconcursos.uol.com.br/montatela4-jc.php?p=guia_brasil&secao=1, acesso em 19/07/2006)<br />

32 LÔBO, Paulo Luis Netto. “Ensino jurídico: realidade e perspectivas”. In: OAB. CONSELHO FE<strong>DE</strong>RAL. OAB Ensino Jurídico: balanço de uma experiência. Brasília: OAB, Conselho Federal,<br />

2000, p. 156. Oton Nasser, quando candidato à presidência da OAB/MS, também criticou o Exame de Ordem no modelo atual: “O Exame de Ordem não pode ter o caráter impeditivo de acesso à<br />

profissão, como atualmente está ocorrendo. As provas devem ser elaboradas da forma mais objetiva possível e na consideração de que os recém-formados não têm vasta experiência. O que se pretende<br />

é a aferição de conhecimentos mínimos que permitam ao recém-formado entrar no mercado de trabalho. O que se exige atualmente foge aos padrões de normalidade. A prova parece que é direcionada<br />

apenas para um profissional experiente, como se o advogado tivesse a obrigação de conhecer questões complexas que dificilmente lhe seriam submetidas no início da profissão. Sem contar que as questões<br />

são formuladas de forma errônea, induzindo em erro o candidato, com famosas ‘pegadinhas’ que não se justificam para a avaliação técnica do profissional. (...) Você não pode ver o novo advogado como<br />

um concorrente, mas sim como um novo profissional que irá valorizar a classe, o que é fundamental para a renovação dos quadros da OAB” (NASSER, Oton. “É preciso resgatar independência da<br />

OAB”. In: Jornal Correio do Estado. Campo Grande, 05/02/2006, p. 5a). Carlos Alberto de Jesus Marques, advogado e membro do TRE-MS, afirma que é a favor do exame da Ordem, “pois é uma<br />

forma de ter um controle ao menos indireto sobre o ensino, é uma preocupação com a qualidade da profissão”. Por outro lado, diz que no Mato Grosso do Sul formam-se uma enorme quantidade de<br />

bacharéis todos os anos e entende que isso é bom e salutar para a sociedade” (JESUS MARQUES, Carlos Alberto de. “Por uma OAB forte e inserida na sociedade”. In: Jornal A Crítica, Campo<br />

Grande, 05/11/2006, caderno B, p. 7).<br />

33 FARIA, José Eduardo. A reforma do ensino jurídico. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1987, p. 27.<br />

34 RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Novo currículo mínimo dos cursos jurídicos. São Paulo: RT, 1995, p. 21.<br />

35 RODRIGUES, Horácio Wanderlei. “O ensino do direito, os sonhos e as utopias”. In: RODRIGUES, Horácio Wanderlei (org.). Ensino jurídico para que(m)? Florianópolis: Fundação Boiteux,<br />

2000, p. 19.


Estado há também um poder difuso, sem centro, atomizado,<br />

móvel, múltiplo, inerente às relações, às interações sociais,<br />

presentes na família, na fábrica, na escola, na igreja etc, que<br />

burocratiza a vida social e aprisiona o cotidiano, contém<br />

os desejos, calibra as expectativas e disciplina reações,<br />

rodrigues completa enfatizando que “profissionalizar os<br />

egressos dos cursos jurídicos, neste momento histórico,<br />

deve ser prepará-los para enfrentar essa realidade; é<br />

colocá-los a serviço da sociedade, em busca da justiça<br />

social efetiva, é transformar o Direito em instrumento de<br />

libertação”. 36<br />

Warat reconhece o ensino jurídico “como<br />

prática preventiva dos processos de pós-alienação”,<br />

(...) “como uma prática política dos direitos humanos”,<br />

explicando que o “ensino do direito tem que reconhecerse<br />

comprometido com as transformações da linguagem,<br />

aceitar-se como prática genuinamente transgressora da<br />

discursividade instituída, como exercício de resistência<br />

a todas as formas de violência simbólica, isto é, como<br />

uma prática política dos direitos dos homem à sua própria<br />

existência”. Após alertar que a humanidade “corre o risco<br />

de tornar-se estranha a si mesma, consagrando um espaço<br />

comunicacional despolitizado e desprovido das máscaras<br />

e cerimônias do pensamento”, defende Warat que “o<br />

ensino do direito pode proteger-nos contra estas formas<br />

patológicas de humanidade que ameaçam instalar-se como<br />

um fascinante projeto de existência”, possibilidade que<br />

entrevê mirando o ensino jurídico “como uma prática de<br />

inscrição nas dimensões simbólicas dos direitos humanos<br />

e da democracia”. Para ele, “uma das coisas que se pode<br />

esperar do ensino jurídico, despojado das estratégias<br />

alucinantes dos saberes da lei, é a de poder contribuir para a<br />

formação de personalidades visceralmente comprometidas<br />

com duas dimensões éticas fundamentais: a dignidade e a<br />

solidariedade”, valores sem os quais “nunca poderemos<br />

gerar uma sociedade melhor”. 37<br />

O curso de Direito, repita-se, não forma<br />

advogados ou juízes; forma pessoas mais cidadãs, mais<br />

conscientes de seus direitos e deveres, mais aptas a<br />

viver em sociedade, mais propensas ao desenvolvimento<br />

pessoal; forma melhores chefes de família, melhores pais,<br />

melhores mães, melhores filhos; forma pessoas capazes<br />

de solucionar conflitos sem se socorrer de advogados e<br />

até mesmo do Poder Judiciário; forma pessoas capazes de<br />

pensar e criticar a realidade social; forma pessoas com um<br />

mínimo de vontade de mudar o mundo em que vivem. 38<br />

3 CONCLUSÕES<br />

As colocações deste sucinto estudo consistem<br />

numa provocação a todos os educadores interessados em<br />

estudar e repensar os objetivos das instituições de ensino<br />

de todos os níveis e modalidades de educação. Do mesmo<br />

modo, as reflexões ora apresentadas se contrapõem aos que<br />

defendem que o ensino superior se destina exclusivamente<br />

à formação de pessoal para o mercado de trabalho e se<br />

esquecem que um curso superior influi expressivamente na<br />

vida dos indivíduos e nos destinos da sociedade.<br />

Com efeito, aos cursos superiores não cabe<br />

apenas a missão de formar pessoas aptas para o trabalho<br />

qualificado, incumbindo-lhes também e principalmente a<br />

tarefa de servir de fonte de desenvolvimento individual,<br />

permitindo e facilitando o acesso ao saber desinteressado,<br />

nas mais diversas áreas do conhecimento e da cultura<br />

humana.<br />

É preciso lembrar, deste modo, que uma<br />

instituição de ensino superior no Brasil, ao possibilitar<br />

que pessoas se formem e recebam um diploma, está<br />

certamente contribuindo para uma sociedade mais livre,<br />

justa e solidária, está ajudando no desenvolvimento do<br />

país, está contribuindo para a erradicação da pobreza e da<br />

marginalização, está diminuindo as desigualdades sociais e,<br />

ainda, está promovendo o bem estar de todos, ou seja, está<br />

favorecendo o cumprimento dos objetivos fundamentais<br />

da República Federativa do Brasil (art. 3º), que também se<br />

constituem em metas da educação superior. Aliás, deflui-se<br />

também da Constituição Federal (art. 205) que a educação<br />

nacional não tem como objetivo apenas qualificar a pessoa<br />

para o trabalho, mas também contribuir para o seu pleno<br />

desenvolvimento e prepará-la para o exercício da cidadania.<br />

A atual Carta Magna brasileira elevou a dignidade<br />

da pessoa humana a princípio fundamental da República<br />

Federativa do Brasil (art. 1°, III), o qual deve nortear a leitura<br />

e interpretação de toda e qualquer norma, inclusive daquelas<br />

relacionadas à educação nacional. Assim, se a dignidade<br />

da pessoa humana é fundamento da República brasileira,<br />

deve esta dignidade ser buscada incessantemente por todos<br />

(Estado, sociedade, família, instituições, organizações etc.)<br />

e um dos modos de se alcançá-la é através da educação. Em<br />

outras palavras, a educação nacional também tem como<br />

meta contribuir para a preservação e, em alguns casos,<br />

recuperação da dignidade da pessoa humana, com o que<br />

um curso superior efetivamente colabora.<br />

36 Horácio Wanderlei Rodrigues, “O ensino do direito, os sonhos e as utopias”, p. 20.<br />

37 WARAT, Luiz Alberto. Introdução geral ao Direito: o Direito não estudado pela teoria jurídica moderna. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1997, p. 41-60.<br />

38 Nem se diga que somente advogados, juízes, promotores de justiça, delegados e procuradores é que são os “operadores do Direito”. Merece destaque, a esse respeito, a constatação de Boaventura de<br />

Sousa Santos, ao realizar na década de 70 estudos nas favelas do Rio de Janeiro. Segundo o professor, “foi possível detectar e analisar a existência no interior destes bairros urbanos de um direito informal<br />

não oficial, não profissionalizado, centrado na Associação de Moradores que funcionava como instância de resolução de litígios entre vizinhos, sobretudo nos domínios da habitação e da propriedade<br />

de terra. Estes e muitos outros estudos que se seguiram com objetivos analíticos semelhantes permitiram concluir o seguinte: (...) de um ponto de vista sociológico, o Estado contemporâneo não tem o<br />

monopólio da produção e distribuição do direito. Sendo embora o direito estatal o modo de juridicidade dominante ele coexiste na sociedade com outros modos de juridicidade, outros direitos que com<br />

ele se articulam de modos diversos. Este conjunto de articulações e inter-relações entre vários modos de produção do direito constitui o que designo por formação jurídica”. (“Introdução à sociologia<br />

da administração da justiça”. In: FARIA, José Eduardo (org.). Direito e Justiça: a função social do judiciário. São Paulo: Ática, 1989, p. 54) (O Discurso e o Poder: ensaio sobre a sociologia da<br />

retórica jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1988, passim)<br />

31


Tratando especificamente das diretrizes<br />

curriculares dos cursos de Direito no Brasil, a Resolução<br />

n° 9/2004, editada pela Câmara de Educação Superior do<br />

Conselho Nacional de Educação/MEC, em seu artigo 3º,<br />

estabeleceu o perfil desejado do formando, dispondo que<br />

um curso de Direito deve oportunizar ao estudante e, pois,<br />

ter como meta, uma “sólida formação geral, humanística<br />

e axiológica, capacidade de análise, domínio de conceitos<br />

e da terminologia jurídica, adequada argumentação,<br />

interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos e<br />

sociais, aliada a uma postura reflexiva e de visão crítica<br />

que fomente a capacidade e a aptidão para a aprendizagem<br />

autônoma e dinâmica, indispensável ao exercício da Ciência<br />

do Direito, da prestação da justiça e do desenvolvimento da<br />

cidadania”.<br />

Assim, para evitar problemas futuros, ou a<br />

manutenção das dificuldades atuais, faz-se mister valorizar<br />

a construção de cidadãos com uma formação geral,<br />

humanística, crítica e reflexiva, execrando a desvinculação<br />

existente entre o que se fala nos cursos de Direito e a real<br />

situação política, social e econômica do país, evitando<br />

cada vez mais uma formação meramente técnica,<br />

exacerbadamente legalista, positivista e dogmática, que<br />

cria a pessoa neutra e a transforma em instrumento das<br />

elites dominantes.<br />

Não restam dúvidas de que a educação serve à<br />

sociedade de inúmeras maneiras e seu objetivo é formar<br />

pessoas mais sábias, possuidoras de mais conhecimentos,<br />

bem informadas, éticas, responsáveis, críticas e capazes<br />

de continuar aprendendo e de detectar as deficiências<br />

e injustiças do mundo. A educação superior existe<br />

para expandir os processos civilizatórios, produzir os<br />

conhecimentos emancipatórios, formar os cidadãos e assim<br />

32<br />

Bibliografia<br />

desenvolver a sociedade humana, tendo como razão de ser<br />

a formação global das pessoas.<br />

Enfim, ressalta-se, como já feito alhures, que<br />

um curso de Direito forma pessoas mais cidadãs, mais<br />

conscientes de seus direitos e deveres, mais aptas a<br />

viver em sociedade, mais propensas ao desenvolvimento<br />

pessoal; forma melhores chefes de família, melhores pais,<br />

melhores mães, melhores filhos; forma pessoas capazes<br />

de solucionar conflitos sem se socorrer de advogados e<br />

até mesmo do Poder Judiciário; forma pessoas capazes<br />

de pensar e criticar a realidade social; forma pessoas com<br />

um mínimo de vontade de mudar o mundo em que vivem;<br />

forma divulgadores do Direito; e forma até advogados,<br />

juízes e promotores.<br />

Abstract: To check what are the current objectives of the<br />

teaching of Rights in Brazil consists of the central theme<br />

of this work. Restricting the object of the analysis to the<br />

finalities of the teaching of Rights according to the Ministry<br />

of Education and contenting it with solving the rule in this<br />

respect in the Resolution CES/CNE nº 9, of 29/09/2004.<br />

The study consists of a provocation to all the educators<br />

interested in studying and in rethinking the objectives of<br />

the institutions of teaching of all the levels and kinds of<br />

education. The presented reflections are set against what<br />

people that think university teaching destines exclusively<br />

for the formation of people in the labor market and they<br />

forget that a degreed course influences to a great degree the<br />

life of individuals and the destinies of the society.<br />

Key-words: Teaching of Rights. Legal teaching. Courses<br />

of Rights. Necessary curriculum. Resolution 9/2004.<br />

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33


34<br />

Dilemas de Direito Internacional do Meio Ambiente: as lições<br />

aprendidas no caso Gabcikovo-Nagymaros<br />

JULIANA CASSANO CIBIM<br />

Advogada, consultora ambiental, professora da Faculdade de Direito da FAAP e coordenadora do curso de especialização<br />

em Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Questões Globais da Faculdade de Direito da FAAP, doutoranda do<br />

Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo, membro da Sociedade Brasileira de<br />

Direito Internacional de Meio Ambiente – SBDIMA.<br />

PILAR CAROLINA VILLAR<br />

Advogada, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo, bolsista<br />

Capes, pesquisadora colaboradora do Instituto de Pesquisas Tecnológicas e membro do grupo de pesquisa de geografia<br />

política e meio ambiente.<br />

Resumo: Este artigo tem como objetivo esboçar alguns rasgos, tensões e perplexidades da aplicação do direito<br />

internacional ambiental, utilizando como pano de fundo o caso Gabcikovo-Nagymaros, envolvendo Hungria e Eslováquia.<br />

A metodologia utilizada foi a análise documental. Essa decisão provoca no operador do direito o enfrentamento de três<br />

questões fundamentais: a complexidade da conciliação entre desenvolvimento e proteção ambiental; a identificação dos<br />

riscos ambientais e o principio da precaução; e a soberania versus o uso de recursos naturais compartilhados. A temática<br />

ambiental, especialmente o uso dos recursos naturais transfronteiriços, exige maior cooperação entre os Estados e a<br />

superação de pressupostos clássicos do direito internacional.<br />

Palavras chave: bacias hidrográficas transfronteiriças, direito internacional, cooperação, Gabcikovo-Nagymaros, riscos<br />

ambientais, soberania.<br />

1. Introdução<br />

As grandes guerras, o poderio militar capaz de destruir<br />

a humanidade, a crise ecológica global e as desigualdades<br />

sociais existentes provocaram profundas alterações no<br />

direito internacional (KISS; CANÇADO TRINDA<strong>DE</strong>,<br />

1995). A criação de organizações internacionais, dotadas<br />

de personalidade jurídica e recursos de poder, bem como a<br />

emergência de novos direitos, como os direitos humanos e<br />

ambientais, contribuíram para a progressiva erosão daquilo<br />

que se chamava matéria de domínio exclusivo dos Estados<br />

(KISS; CANÇADO TRINDA<strong>DE</strong>, 1995), especialmente<br />

quando se trata de recursos naturais transfronteiriços como<br />

água e ar que ultrapassam os territórios delimitados dos<br />

Estados trazendo a necessidade de se discutir e viabilizar<br />

uma gestão compartilhada.<br />

O direito internacional do meio ambiente<br />

corresponde ao ramo do direito internacional que cuida<br />

das questões derivadas da proteção ao meio ambiente e<br />

do uso dos recursos naturais, dialogando diretamente com<br />

os direitos humanos, no denominado direito humano ao<br />

meio ambiente equilibrado, não devendo, contudo, ceder a<br />

tentação de reduzir o direito internacional ambiental a uma<br />

questão de direitos humanos (SOARES, 1999, p. 123).<br />

A temática ambiental avançou progressivamente<br />

nas últimas décadas, especialmente na elaboração de<br />

normas e tratados. Os primeiros esforços de codificação<br />

ocorrem pela percepção dos danos após a incidência<br />

de certos desastres ambientais causados pelo homem e<br />

posteriormente, busca se pautar por uma sistemática de<br />

regulações voltada à prevenção dos danos ambientais pela<br />

conservação do ambiente (KUOKKANEN, 2002).<br />

O presente trabalho tem como objetivo esboçar<br />

alguns rasgos, tensões e perplexidades da aplicação do<br />

direito internacional ambiental utilizando como pano de<br />

fundo o caso Gabcikovo-Nagymaros, envolvendo Hungria<br />

e Eslováquia.<br />

O ponto central da controvérsia apresentada à Corte<br />

Internacional de Justiça se baseia em matéria clássica de<br />

direito internacional que é o descumprimento do tratado<br />

internacional firmado entre as partes em 1977 e regulado<br />

pela Convenção de Viena, contudo as argumentações são<br />

permeadas por aspectos de direito internacional do meio<br />

ambiente.<br />

A leitura do caso provoca ao operador do direito<br />

o enfrentamento de três questões fundamentais a esse<br />

ramo do direito: a complexidade da conciliação entre<br />

desenvolvimento e proteção; a identificação dos riscos<br />

ambientais e o principio da precaução; e a soberania versus<br />

o uso de recursos naturais compartilhados.<br />

1.1 Contextualização fática do caso Gabcikovo-<br />

Nagymaros<br />

Em setembro de 1977, Hungria e Checoslováquia<br />

assinam um tratado para a construção e operação do sistema<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


Gabcikovo-Nagymaros. O projeto previa a construção<br />

de um sistema de infraestruturas único e indivisível<br />

composto por um reservatório a montante de Dunakiliti, no<br />

território da Hungria e Checoslováquia; uma barragem em<br />

Dunakiliti (Hungria); um canal de derivação (Eslováquia);<br />

duas eclusas, cada uma delas com centrais hidrelétricas,<br />

uma em Gabcikovo - Eslováquia (720 megawatts) e<br />

outra em Nagymaros – Hungria (158 megawatts); e o<br />

aprofundamento da calha do rio a jusante da entrada do<br />

canal de derivação e a sua montante.<br />

A iniciativa seria financiada por investimento<br />

conjuntos e sua motivação era a geração de energia, a<br />

melhora da navegação e o controle de inundações. Os<br />

impactos ambientais eram significativos, por isso o tratado<br />

previa, no artigo 15, que a qualidade das águas não poderia<br />

ser afetada pela construção e operação do sistema, e, no<br />

artigo 19, que as obrigações relativas à proteção da natureza<br />

deveriam ser respeitadas.<br />

Em 1983, a Hungria decidiu diminuir o ritmo das<br />

obras em Dunakiliti e suspender a execução dos trabalhos<br />

em Nagymaros para a realização de mais estudos técnicoambientais.<br />

Em 1989, após sucessivas suspensões dos<br />

trabalhos, a Hungria decide abandonar o projeto de<br />

Nagymaros, e deixar as obras de Dunakiliti no estado<br />

em que se encontravam diante do parecer da Academia<br />

Húngara de Ciências sobre os riscos para o ambiente e<br />

qualidade da água.<br />

A iniciativa húngara gera a revolta da Checoslováquia,<br />

cujas obrigações referentes ao projeto estavam em estado<br />

avançado e tinham consumido expressivos recursos<br />

financeiros. As tentativas de negociação foram infrutíferas.<br />

A Hungria recusava retomar o projeto original ou qualquer<br />

uma das alternativas apresentadas, querendo revogar o<br />

tratado consensualmente. A Checoslováquia, então, decide<br />

adotar a solução provisional C. Essa medida fazia parte<br />

de um conjunto de propostas apresentadas à Hungria para<br />

alterar o projeto original, e era a única, que prescindia<br />

da cooperação húngara para ser implementada. Essa<br />

alternativa consistia no desvio do fluxo de água do Danúbio<br />

unilateralmente a montante de Dunakiliti, por meio da<br />

construção de uma barragem e de uma central elétrica<br />

no território checoslovaco na área de Cunovo. A água<br />

represada seria transportada por um canal de derivação até<br />

Gabcikovo.<br />

O início das obras de construção da solução<br />

provisional C faz que a Hungria, em maio de 1992,<br />

revogasse o tratado unilateralmente. Graças à mediação<br />

da Comissão da Comunidade Européia, as partes acordam<br />

em submeter o caso a Corte Internacional de Justiça (CIJ),<br />

e, posteriormente, ainda no curso da ação na CIJ, firmam,<br />

em 1995, um acordo temporário sobre as medidas técnicas<br />

e lançamentos no Danúbio, cuja vigência perduraria até a<br />

sentença.<br />

A ação apresentada à CIJ, em 1993, demanda<br />

seu posicionamento sobre: a) a legalidade da conduta<br />

da Hungria em suspender e abandonar os trabalhos em<br />

Nagymaros e suas obrigações na área de Gabcikovo; b)<br />

a legalidade da implementação da solução provisional C;<br />

c) os efeitos legais da notificação da Hungria revogando<br />

o tratado de 1977; d) os efeitos e conseqüências legais das<br />

decisões da CIJ.<br />

A sentença da corte determinou que a Hungria não<br />

estava autorizada a abandonar o projeto em 1989 e que sua<br />

notificação rompendo o tratado em 1992 não era válida.<br />

A Eslováquia podia executar as obras da Variável C, mas<br />

não lhe era permitido colocar o sistema em funcionamento<br />

unilateralmente. Diante de tais fatos, a Corte se manifestou<br />

no sentido de que as partes retomassem as negociações<br />

para o cumprimento do tratado de 1977. Se não houvesse<br />

acordo entre as partes para o manejo conjunto do sistema,<br />

a Eslováquia teria que encontrar uma forma de utilizar as<br />

infraestruturas construídas conforme as regras do tratado<br />

de 1997. Finalmente, que cada parte deveria indenizar a<br />

outra pelos danos causados.<br />

2. Desenvolvimento versus proteção ambiental: um<br />

dilema ambiental<br />

A temática ambiental já foi abordada em outros<br />

casos na CIJ 1 , contudo a peculiaridade do caso Gabcikovo-<br />

Nagymaros é que pela primeira vez se tem claramente<br />

a contraposição: desenvolvimento versus proteção<br />

ambiental 2 . Trata-se de um marco jurídico no debate sobre<br />

o princípio do desenvolvimento sustentável.<br />

O direito internacional ambiental surge diante da<br />

percepção dos efeitos negativos do desenvolvimento e<br />

da necessidade de buscar soluções e regular as situações<br />

decorrentes de impactos e danos ambientais. A temática<br />

ambiental se conformou a partir de duas vertentes<br />

jurídicas: direito internacional ambiental e o direito dos<br />

recursos naturais. Enquanto o primeiro buscava proteger a<br />

natureza e prevenir a poluição transfronteiriça, o segundo<br />

se esforçava em fortalecer a condição dos países em<br />

desenvolvimento em relação à soberania de seus recursos<br />

(KUOKKANEN, 2002).<br />

Os Estados em desenvolvimento se preocupavam<br />

mais em gerar riquezas e atrair investimentos do que<br />

com a degradação ambiental. A política de atração de<br />

indústrias baseada em baixos standards ambientais, serviu<br />

de chamariz para as indústrias poluidoras dos países<br />

desenvolvidos, gerando deterioração do ambiente dos<br />

países periféricos e comprometendo a saúde e a qualidade<br />

de vida da população, sem contudo resolver o problema<br />

1 Para maiores informações: UNEP (2005). Compendium of Summaries of Judicial Decisions in Environment-Related Cases<br />

2 O conflito entre a idéia de uma supremacia da lei ambiental versus a supremacia da lei do desenvolvimento pode ser observado claramente na conferência de Estocolmo, e é retomado em várias<br />

negociações internacionais, o exemplo mais atual é o debate sobre as mudanças climáticas. Naquela ocasião, os países desenvolvidos adotam uma postura preservacionista em relação aos países em<br />

desenvolvimento, porém sem mecanismos de transferência tecnológica ou financeiros para apoiá-los, o que provocou a resistência do mundo em desenvolvimento, que enxergou a elevação desses<br />

padrões ambientais como um óbice a sua industrialização tardia (KUOKKANEN, 2002).<br />

35


da pobreza, e em alguns casos este foi agravando (ALIER,<br />

2007). Paralelamente, os países desenvolvidos percebem<br />

que os efeitos dessa política acabavam repercutindo em seu<br />

território (KUOKKANEN, 2002).<br />

Como forma de conciliar proteção ambiental e<br />

crescimento econômico surge o ideal de desenvolvimento<br />

sustentável. Sua inserção nos documentos internacionais se<br />

dá pela primeira vez em 1987, com o Informe Brundtland<br />

das Nações Unidas, tendo sido definido como aquele que<br />

“satisfaz as necessidades presentes sem comprometer a<br />

capacidade das gerações futuras de satisfazer as suas”<br />

(Nosso futuro comum, 1987).<br />

A definição de desenvolvimento sustentável,<br />

além da proteção ambiental e do desenvolvimento,<br />

adiciona outro elemento complexo, que são os aspectos<br />

intrageracionais e intergeracionais. Dessa forma, se<br />

estabelece um comprometimento ético e filosófico com as<br />

próximas gerações, bem como, uma restrição à inclinação<br />

natural das gerações atuais de obter uma vantagem<br />

excessiva do seu controle temporário sobre os recursos<br />

ambientais, condicionando seu uso, de forma a mantê-los<br />

para as próximas gerações (WEISS, 1989).<br />

Apesar das inovações da noção de desenvolvimento<br />

sustentável, o termo possui um “alto grau de ambigüidade,<br />

ambivalência e ambição conceitual” e varia conforme os<br />

“parâmetros ideológicos ou intelectuais” utilizados, sendo<br />

contextualizado de formas distintas. A perspectiva ecológica<br />

prioriza a necessidade de manter os ecossistemas; a<br />

economia se interessa na internalização das externalidades;<br />

o discurso ético se volta para os princípios filosóficos<br />

universais, já a ciência política pela governabilidade e pela<br />

justiça distributiva (O´RIORDAN; VOISEY, 1998, p. 9).<br />

O conceito traz inúmeros questionamentos que<br />

deverão ser enfrentados no âmbito jurídico: quais são<br />

os objetivos a perseguir e como adaptá-los aos distintos<br />

contextos socioeconômicos; a adoção desse modelo<br />

exige que tipo de transformações econômicas e políticas;<br />

que estratégias facilitariam a formação dos consensos<br />

necessários para modificar as formas dominantes de<br />

distribuição da riqueza (FONT, 2000, p. 11).<br />

A flexibilidade desse conceito se evidencia no<br />

caso em tela, pois ambas as partes o utilizam como<br />

argumentação jurídica de seus posicionamentos. As partes<br />

não discutem sobre a existência do princípio, mas divergem<br />

sobre como se dá sua aplicação. A corte ao analisar a<br />

questão, reconhece o desenvolvimento sustentável como<br />

um conceito que expressa essa necessidade de conciliar a<br />

proteção ambiental e o crescimento econômico. Contudo,<br />

sua sentença no caso Gabcikovo-Nagymaros ilustra as<br />

dificuldades de definir o desenvolvimento sustentável na<br />

prática. A corte no parágrafo 141 vai atribuir essa tarefa as<br />

partes dizendo:<br />

“Não cabe à Corte determinar qual será o resultado<br />

final dessas negociações a serem conduzidas pelas partes.<br />

Cabe às próprias Partes encontrar uma solução que leve<br />

36<br />

em conta tanto os objetivos do tratado, os quais devem<br />

ser perseguidos de modo conjunto e integrado, como as<br />

normas de direito internacional do meio ambiente e os<br />

princípios do direito dos cursos d’água internacionais. A<br />

corte recorda nesse contexto que, conforme dito nos casos<br />

da plataforma continental do Mar Norte, “as partes têm<br />

obrigação de se conduzir de tal maneira que as negociações<br />

sejam frutíferas, o que não será o caso, se alguma delas,<br />

insistindo em sua posição não lhe admitir modificação<br />

alguma”.<br />

O voto separado, do vice presidente daquela<br />

corte, Juiz Weeramantry, eleva o status jurídico do<br />

desenvolvimento sustentável a categoria de principio de<br />

direito internacional. Seu posicionamento se funda no<br />

papel fundamental desse princípio em orientar a articulação<br />

entre desenvolvimento e proteção ambiental, na sua ampla<br />

aceitação pela comunidade global em diversos instrumentos<br />

jurídicos internacionais e na prática dos Estados. Tal<br />

entendimento parece mais apropriado no atual cenário,<br />

pois apesar de suas limitações práticas, cada vez mais esse<br />

conceito/princípio é assimilado nas práticas internacionais.<br />

Num contexto de crise ambiental, os Estados reconhecem<br />

a necessidade de promover alterações em sua forma de<br />

interagir com o ambiente, ainda que cheguem a um acordo<br />

sobre como proceder à aplicação prática desse princípio.<br />

Além disso, baseando se numa análise histórica,<br />

o Juiz Weeramantry identifica hábitos de culturas antigas<br />

que representam a idéia de desenvolvimento sustentável.<br />

Diante dessa constatação, ele defende que esse princípio<br />

corresponde a um dos valores mais antigos da humanidade,<br />

e, portanto, poderia ser concebido como ius gentium. Nesse<br />

sentido, afirma:<br />

“Não seria errado afirmar que entre os valores<br />

mais puros e universais, a exigir reconhecimento<br />

internacional, estão o amor pela natureza, o<br />

desejo de preservá-la e a necessidade de que a<br />

atividade humana respeite os requisitos para sua<br />

manutenção e continuidade.”<br />

O magistrado vai além do conteúdo estrito da<br />

sentença, e enfrenta a questão da necessidade de pensar a<br />

proteção do ambiente como uma obrigação erga omnes.<br />

No caso Barcelona Traction (Bélgica versus Espanha,<br />

1970) a CIJ faz uma distinção entre as obrigações de um<br />

Estado perante outro Estado (inter partes), e as obrigações<br />

do Estado perante toda a comunidade internacional (erga<br />

omnes). Segundo a CIJ, no segundo caso, todos os Estados<br />

têm um interesse jurídico na proteção de tais obrigações<br />

diante da importância dos direitos ali envolvidos.<br />

O reconhecimento da existência de um novo<br />

conceito de obrigação internacional muda radicalmente a<br />

responsabilidade dos Estados. As obrigações erga omnes<br />

prescindem de acordos bilaterais, pois implicam a todos os<br />

Estados. Tais normas pressupõem “um interesse coletivo,<br />

fundado sobre a existência de bens comunitários, que é<br />

considerado digno de proteção jurídica e determina uma<br />

solidariedade em nível universal” (VILLALPANDO, 2005,<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


p.104). A violação desse tipo de obrigação gera uma relação<br />

de responsabilidade diferenciada, em um pólo se tem o<br />

Estado violador e do outro toda a comunidade internacional.<br />

As normas erga omnes geralmente correspondem a normas<br />

de jus cogens 3 .<br />

A posição do Juiz Weeramantry abre um precedente<br />

para a qualificação de certas normas ambientais como<br />

obrigações erga omnes. O conceito de obrigações erga<br />

omnes pode ser bastante relevante no caso dos problemas<br />

ambientais globais (mudanças climáticas, poluição<br />

em águas internacionais ou perda da biodiversidade).<br />

Corroborando esse entendimento, salienta-se que o clima<br />

e biodiversidade foram identificados como “preocupações<br />

comuns da humanidade” na Convenção da Diversidade<br />

Biológica e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre<br />

Mudanças do Clima. Dito isso, o conceito de obrigação<br />

erga omnes pode ensejar no futuro a emergência de<br />

deveres ambientais para toda a comunidade internacional<br />

(SCHERIJVER, 1997).<br />

Concluí-se que a complexidade de conciliação<br />

entre desenvolvimento e proteção ambiental poderá ser<br />

equacionada pela definição de soluções que tenham como<br />

objetivo a gestão compartilhada e integrada dos recursos<br />

naturais visando à cooperação entre os Estados envolvidos<br />

com finalidade de alcançar o desenvolvimento sustentável.<br />

A decisão da CIJ corrobora com esse entendimento.<br />

De outra parte, é importante conhecer os riscos<br />

ambientais relativos ao empreendimento para que seja<br />

possível definir soluções técnicas e procedimentos<br />

adequados para minimizar e mitigar danos ambientais.<br />

Diante dessa discussão cabe evocar o princípio da precaução<br />

e sua relação com as questões de direito internacional.<br />

3. Riscos ambientais e o princípio da precaução<br />

Um dos argumentos apresentados pela Hungria<br />

para revogar o tratado foi a ocorrência do “estado de<br />

necessidade ecológico”, isto é, um estado de necessidade<br />

decorrente da possibilidade de grave impacto ao seu meio<br />

ambiente. A base legal dessa afirmação eram os estudos<br />

complementares da Academia de Ciências da Hungria.<br />

A CIJ não considerou o estado de necessidade como<br />

causa de revogação do tratado, mas como uma excludente<br />

de ilicitude, portanto, a ocorrência do estado de necessidade<br />

eximiria a Hungria da responsabilidade pelo cumprimento<br />

do tratado. A CIJ reconheceu a possibilidade de ocorrência<br />

desse estado de necessidade ecológico, o que representa<br />

um precedente importante. Contudo, a argumentação a<br />

respeito dos critérios utilizados para afastá-lo demonstra a<br />

complexidade das questões ambientais.<br />

O projeto de artigos sobre responsabilidade dos<br />

Estados por atos ilícitos define o estado de necessidade<br />

como sendo aquele que expressa certos casos excepcionais,<br />

nos quais, o Estado para salvaguardar um interesse essencial<br />

ameaçado por um perigo grave e iminente pode descumprir<br />

obrigação de menor peso ou urgência. O artigo 25 4 restringe<br />

a alegação desse estado às seguintes condições: (a) é a única<br />

forma do Estado de salvaguardar um interesse essencial<br />

contra perigo grave e iminente; e (b) o descumprimento<br />

da obrigação não atinge interesse essencial do Estado ou<br />

Estados, ou comunidade internacional, para os quais ela<br />

se dirigia. Além disso, o estado de necessidade não pode<br />

ser alegado caso: (a) a obrigação internacional em questão<br />

excluir a possibilidade de alegação do estado; ou (b)<br />

o Estado tenha contribuído para a situação de estado de<br />

necessidade.<br />

A corte descarta a argumentação científica da<br />

Hungria sob a alegação de que os cientistas mencionam<br />

apenas probabilidades e não certezas, e, os riscos só se<br />

dariam no longo prazo. Embora a gravidade estivesse<br />

comprovada, a iminência estaria afastada. A Corte explica<br />

que “iminência é um sinônimo de imediatividade ou<br />

proximidade, e se relaciona ao conceito de possibilidade”<br />

(parágrafo 54). Tal embasamento se apóia nos comentários<br />

explicativos da Comissão Internacional de Direito sobre o<br />

estado de necessidade, nos quais se esclarece que o perigo<br />

deve constituir uma ameaça aos interesses do tempo atual.<br />

Apesar de tais ponderações, a corte admite que o perigo que<br />

emerge no longo prazo poderia até ser considerado como<br />

iminente, desde que se tenha certeza de sua ocorrência em<br />

um ponto determinado do tempo.<br />

O dano ambiental na maior parte das vezes não se<br />

reveste dessa objetividade na certeza de suas conseqüências<br />

e tempo. O arbítrio do risco ambiental foge do escopo do<br />

direito, ele depende de outras ciências para se materializar.<br />

A sentença desconsiderou que o perigo também se encontra<br />

na irreversibilidade dos efeitos negativos (NYIKOS, 2009).<br />

O reconhecimento da incerteza sobre os riscos e<br />

a condição de irreversibilidade de um possível impacto<br />

motivou a criação do princípio da precaução, que não foi<br />

mencionado na sentença. Esse princípio reforça a idéia do<br />

princípio da prevenção, pois procura prevenir não apenas a<br />

ocorrência de danos ao ambiente, mas o próprio perigo da<br />

ocorrência dos danos.<br />

O principio da precaução desafia a comunidade<br />

internacional, pois como ilustra Beck (2008) os riscos<br />

são socialmente percebidos, construídos e difundidos<br />

culturalmente e midiaticamente O saber sobre os riscos,<br />

seja dos leigos ou expertos, deixa de ser unívoco, já que<br />

se refere a acontecimentos futuros e cuja verificação ou<br />

refutação não é conclusiva. Todas as atividades humanas<br />

representam um risco, contudo a sua valoração difere para<br />

cada grupo social ou individuo.<br />

O direito internacional ambiental terá que lidar<br />

com essa dificuldade de auferir os riscos, que ao contrário<br />

3 A convenção de Viena define a noção de jus cogens no artigo 53: “Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela<br />

comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma<br />

natureza.”<br />

4 Na época de sentença do caso Gabcikovo-Nagymaros correspondia ao artigo 33.<br />

37


dos outros subsistemas do direito, depende diretamente da<br />

ciência para a determinação da existência e abrangências<br />

dos problemas ambientais. Essa dependência dos expertos<br />

será cada vez mais complexa, pois na maior parte das<br />

vezes, não há consensos. Essa dependência da ciência e a<br />

limitação dos expertos podem comprometer a convicção<br />

das provas e o estabelecimento do nexo de causalidade nos<br />

processos sobre responsabilidade ambiental (SHELTON,<br />

1996).<br />

4. A soberania e o uso compartilhado dos recursos<br />

naturais<br />

O direito internacional ambiental reflete a tensão<br />

entre a soberania nacional sobre os recursos naturais e a<br />

necessidade de estreitar a cooperação internacional entre<br />

países. O enquadramento dos Estados soberanos provém<br />

de um processo histórico, porém o ambiente não respeite<br />

tais limites artificiais e políticos. Apesar da territorialidade<br />

dos recursos ser distinta do território dos Estados, a força<br />

da soberania nacional impera nos rios internacionais<br />

sucessivos.<br />

A doutrina Harmon representa o extremo mais<br />

radical do exercício da soberania sobre os recursos fluviais<br />

transfronteiriços. Essa teoria, que surge no caso entre<br />

Estados Unidos e México sobre o uso das águas do Rio<br />

Grande, privilegia os Estados à montante em virtude dos<br />

países à jusante. Em 1985, o México demanda os Estados<br />

Unidos por entender que o programa americano de irrigação<br />

comprometeria o caudal do Rio Grande, prejudicando a<br />

agricultura mexicana. O procurador-geral dos Estados<br />

Unidos, J. Harmon, se pronuncia no sentido de excluir<br />

a responsabilidade internacional dos Estados Unidos,<br />

baseado em que o empreendimento foi instalado junto<br />

aos recursos naturais localizados em território americano<br />

(CAUBET, 1980).<br />

Outras teorias surgiram para atenuar os excessos da<br />

doutrina da soberania absoluta. Entre elas: teoria do coimpério,<br />

na qual a propriedade do curso de água é comum<br />

a todos os estados ribeirinhos; teoria das servidões, que<br />

constitui um direito de oposição dos Estados prejudicados<br />

por atividades realizadas no território do outro Estado;<br />

teoria do abuso de Direito, o uso de um direito não deve<br />

resultar em danos para terceiros (CAUBET, 1980).<br />

Ainda que a sentença não se remeta à questão da<br />

soberania dos recursos naturais, o tema é abordado ao<br />

verificar-se a legalidade da aplicação da Variável C. A<br />

Eslováquia apresenta vários argumentos para defender a<br />

legalidade da solução provisional C: a) a Variável C era<br />

a única alternativa encontrada pela Eslováquia e a mais<br />

próxima do projeto original diante da negativa húngara<br />

de continuá-lo; b) tratava-se de uma forma de mitigar os<br />

danos da ação ilícita da Hungria, pois os danos econômicos<br />

e ambientais seriam maiores com o fracasso do projeto; e<br />

c) contramedida da ação da Hungria.<br />

No caso do primeiro argumento, a corte afirma que<br />

o principio da aplicação aproximada só é cabível dentro<br />

dos limites do tratado de 1977. A adoção da variante C não<br />

38<br />

se justificaria (parágrafos 73 a 77) diante da previsão de um<br />

sistema único e indivisível. A alegação da mitigação dos<br />

danos também não procede, pois a parte prejudicada pelo<br />

não cumprimento do tratado, não pode mitigar os danos por<br />

meio de um ato ilícito (parágrafo 80 – 81).<br />

Na contestação do terceiro argumento fica<br />

evidente o posicionamento contrário da corte a soberania<br />

absoluta dos recursos naturais. A caracterização de uma<br />

contramedida só é possível caso atendidos os seguintes<br />

requisitos: a) resposta a ato ilícito direcionado contra o<br />

Estado que o causou; b) o estado prejudicado deve declarar<br />

a ilegalidade do ato; c) proporcionalidade entre os danos e<br />

a contramedida.<br />

A CIJ entendeu que faltou o critério da<br />

proporcionalidade entre dano e contramedida. A ação<br />

unilateral de desviar de 80 a 90 por cento do fluxo do rio<br />

Danúbio (parágrafo 78) conferia a Eslováquia o controle<br />

sobre um recurso compartilhado e privava a Hungria de<br />

seu direito a um uso razoável e equitativo. A CIJ entendeu<br />

que Eslováquia não estava autorizada a proceder essa<br />

apropriação unilateral do recurso face ao Tratado de 1977 e<br />

as regras estabelecidas pela Convenção das Nações Unidas<br />

sobre o Direito relativo à Utilização dos Cursos de Água<br />

para fins diversos dos de Navegação, que exigem o uso<br />

eqüitativo e razoável de recursos hídricos compartilhados.<br />

Contudo é interessante a forma como a CIJ divide a<br />

questão da construção e implementação da Variável C em<br />

dois momentos. A ação de construir as infraestruturas para<br />

operação da Variável C no território eslovaco não constitui<br />

um ato ilícito, nem justifica a revogação do Tratado. O ato<br />

ilícito só ocorre, quando, a Eslováquia coloca em operação<br />

tais estruturas, ou seja, quando desvia as águas do Danúbio.<br />

Esse entendimento não foi unânime na corte. O<br />

Juiz Oda em sua opinião dissidente não apóia a conclusão<br />

da corte, para ele os atos preparatórios, construção das<br />

infraestruturas, já constituíam uma infração ao tratado. Tal<br />

posição foi apoiada também pelo voto dissidente do Juiz<br />

Mohammed BEDJAOUI, para ele tratava-se de um caso de<br />

infração contínua ou composta, portanto não seria possível<br />

desmembrar a construção das infraestruturas, de sua efetiva<br />

utilização no desvio da água. Os Estados são soberanos em<br />

seu território podendo erguer as obras que quiserem, mas<br />

uma vez que o Estado está obrigado por um compromisso<br />

para a regulação de uma bacia fluvial compartilhada, suas<br />

ações são limitadas ao conteúdo do tratado (parágrafo 38).<br />

De forma incidental, a sentença da CIJ se pauta<br />

pela soberania absoluta do Estado sobre o seu território e<br />

recursos, sendo esta mitigada quando atinge diretamente<br />

um recurso compartilhado. O entendimento de que os<br />

atos preparatórios para a prática de uma ação unilateral<br />

ilícita não constituem um ato ilícito abre um precedente<br />

preocupante.<br />

Este caso levanta a problemática da soberania<br />

frente ao uso de uma bacia de drenagem internacional 5 .<br />

Esta nova unidade territorial traz a necessidade de se<br />

garantir e resguardar o uso equitativo e razoável da água,<br />

a necessidade de estreitar a comunicação entre os Estados<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


e a obrigação de não causar danos ao Estados ribeirinhos<br />

(Yahn, 2005).<br />

Dito isso, surge a necessidade de buscar<br />

uma gestão colaborativa e participativa envolvendo<br />

arranjos de governança híbrida (governança interativa<br />

intergovernamental e pública-privada). O principal<br />

exemplo desse modelo é a bacia transfronteiriça dos<br />

Grandes Lagos entre o Canada e os Estados Unidos. Neste<br />

caso, a “1997 Great Lakes Binational Toxics Strategy”<br />

envolveu os governos, as indústrias e as organizações<br />

não-governamentais. Este documento abarcou tanto<br />

iniciativas regulatórias como iniciativas voluntárias que<br />

são periodicamente revisadas e atualizadas à luz de sua<br />

eficácia sempre com o objetivo de eliminar os poluentes<br />

tóxicos persistentes. (Karkkainen, 2005).<br />

Ainda neste sentido, a soberania dos países<br />

integrantes da bacia escolhida poderá ser substituída, no<br />

nível internacional, considerando a região hidro-geográfica<br />

como o território internacional, por uma governança<br />

institucional colaborativa. Na qual os países soberanos<br />

não serão excluídos do processo de governança, mas<br />

continuarão como o marco de força institucional para o<br />

novo arranjo. (Karkkainen, 2005).<br />

5. Considerações Finais<br />

A discussão do caso Gabcikovo-Nagymaros é<br />

bastante ilustrativa sobre os desafios do direito internacional<br />

ambiental, que apesar de ter se consolidado como um<br />

subsistema de direito internacional e produzido um número<br />

expressivo de princípios, tratados e declarações compostas<br />

por instrumentos vinculantes e não vinculantes, sua<br />

regulação tem falhado em conter a degradação ambiental<br />

e a pressão sobre o ambiente, pois prescinde de clareza, e,<br />

em muitos casos, o status de seus princípios ainda é incerto<br />

em relação ao seu sentido e conseqüências na aplicação<br />

prática dos Estados e da jurisprudência internacional.<br />

Isso se justifica porque o direito ambiental<br />

internacional é um fenômeno recente, cujos pressupostos<br />

colidem de frente com princípios consolidados do direito<br />

internacional clássico, como soberania e domínio exclusivo<br />

dos estados. Isso se dá em um contexto conflitivo, pois se<br />

por um lado os Estados almejam a proteção ambiental, por<br />

outro insistem em manter a soberania absoluta sobre os seus<br />

recursos naturais. Outro problema, é que o caráter geral de<br />

seus postulados permite as mais diversas interpretações por<br />

parte dos Estados e das Cortes, a prática desses princípios<br />

ainda esta longe de um processo de consolidação. O caso<br />

em tela é ilustrativo, ambos os Estados afirmam agir em<br />

nome do desenvolvimento sustentável, a corte por sua vez<br />

o classifica como um conceito, enquanto o voto do Juiz<br />

Weeramantry o reconhece expressamente como princípio<br />

de direito internacional.<br />

Apesar de suas contradições, o principio do<br />

desenvolvimento sustentável e o da precaução têm<br />

um papel crítico na determinação das obrigações<br />

internacionais. O princípio do desenvolvimento sustentável<br />

exige que a proteção ambiental seja inserida no processo de<br />

desenvolvimento, implicando que as decisões relativas às<br />

atividades econômicas ponderem a componente ambiental.<br />

Ao mesmo tempo, exige que a variável econômica<br />

seja analisada na proteção ambiental, fortalecendo a<br />

responsabilidade comum, mas diferenciada dos Estados. O<br />

real reconhecimento desse princípio pode elevar o status<br />

jurídico das normas ambientais internacionais editadas<br />

nos últimos anos a categoria de erga omnes, com todas as<br />

implicações que isso gera.<br />

O princípio da precaução corresponde a outro<br />

principio de suma relevância, já que a certeza e o consenso<br />

científico se aplicam cada vez menos nas questões<br />

ambientais, e caberá cada vez mais aos Estados e as cortes<br />

julgar se os riscos são ou não assumíveis. Se os riscos são<br />

socialmente produzidos, a aplicação desse princípio obriga<br />

a inclusão de outros atores, além dos Estados, no momento<br />

de assumi-los. O papel da comunidade epistêmica<br />

(científica) se torna mais importante, bem como o de outros<br />

atores não estatais, como, por exemplo, as organizações<br />

não governamentais. Além disso, esse princípio exigirá<br />

uma mudança na forma de produzir e analisar as provas.<br />

O desafio do século XXI será fortalecer a<br />

aplicabilidade e efetividade do direito internacional<br />

ambiental, não apenas para resolver os problemas clássicos<br />

do século passado, proteção dos recursos e poluição<br />

transfronteiriça, mas também, para criar meios de solucionar<br />

as ameaças globais, como as mudanças climáticas e a<br />

perda de biodiversidade. O direito internacional ambiental<br />

terá que encontrar formas de harmonizar a tecnoesfera e<br />

biosfera buscando a cooperação entre os Estados e, quem<br />

sabe, a gestão compartilhada do uso dos recursos naturais.<br />

Abstract: This paper objects to discuss some concerns<br />

of international environmental law application having the<br />

Gabcikovo-Nagymaros Case, Slovakia/Hungary, as a main<br />

stream. Metodology used was based on documents analysis.<br />

The decision taken in the case brings to the law operator<br />

three fundamental questions: complexity to conciliate<br />

development and environmental protection; environmental<br />

risks identification and precautionary principle; and<br />

sovereignty versus the use of shared natural resources. The<br />

environmental subject, specially the use of transboundary<br />

resources, requires cooperation among the States and<br />

overcoming of classic international law concepts.<br />

Key words: transboundary water basins, international law,<br />

cooperation, Gabcikovo-Nagymaros, environmental risks,<br />

sovereignty.<br />

5 A bacia de drenagem internacional é uma área geográfica que cobre dois ou mais Estados, determinada pelos limites fixados pelos divisores de água, inclusive as águas de superfície e as subterrâneas,<br />

que desembocam num ponto final comum. Esse conceito, abrange toda a bacia e não apenas o rio internacional (Yahn, 2005, p. 4).<br />

39


40<br />

Bibliografia<br />

ALIER, Joan Martinez. O ecologismo dos pobres: conflitos ambientais e linguagens de valoração. São Paulo: Contexto,<br />

2007<br />

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Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


Controvérsias regulatórias na utilização de corantes<br />

em alimentos, medicamentos e cosméticos<br />

Estudo conduzido no Centro de Pesquisa Clínica da Universidade Federal Fluminense e a consequente restrição da<br />

ANVISA com a determinação de inclusão de mensagem sobre alergenicidade do produto tartrazina, igualmente para<br />

alimentos e medicamentos.<br />

LUIZ QUERINO <strong>DE</strong> ARAUJO CALDAS<br />

Doutor em Toxicologia Clínica, Médico e Professor Associado da Faculdade de Medicina da Universidade Federal<br />

Fluminense<br />

LETÍCIA S. T. MORAIS<br />

Mestre em Ciências Médicas pela Universidade Federal Fluminense<br />

Resumo: O corante amarelo tartrazina, FD & C Yellow nº 5 ou INS nº 102, é um azo-corante aprovado pelas autoridades<br />

reguladoras do Brasil, dos EUA e da Europa presente em inúmeras drogas e alimentos, com a finalidade de melhorar o<br />

aspecto visual e padronizar sua coloração de modo a aumentar sua aceitabilidade e comercialização. Desde a década de<br />

70 muitos casos de sensibilidade à tartrazina foram reportados; estima-se que essa hipersensibilidade ocorre em 0,6 a<br />

2,9% da população, com incidência maior nos indivíduos atópicos ou com intolerância aos salicilatos. A sensibilidade ao<br />

corante geralmente se manifesta como asma e urticária, freqüentemente como dermatite de contato e vasculite cutânea. A<br />

reação alérgica pode ser diagnosticada por duas diferentes técnicas: indiretamente, com o teste cutâneo, ou diretamente,<br />

através do radioalergosorbent test (RAST). O objetivo deste ensaio colocar em pauta a discussão sobre a permissão de<br />

uso do corante tartrazina em alimentos, avaliando sua segurança de uso em portadores de rinite alérgica, asma brônquica,<br />

urticária ou sensibilidade a antiinflamatórios não-esteróides (AINES), utilizando amostra ampliada de estudo anterior.<br />

O método utilizado no estudo foi o desafio duplo cego controlado por placebo (DCCP): 77 indivíduos concluíram o<br />

desafio, que consistiu em duas etapas. Em uma das etapas ocorreu a exposição à Tartrazina (5mg, 10mg, e 20mg) e, na<br />

outra, a exposição ao placebo (5mg, 10mg, e 20mg), com intervalos de 50 minutos entre cada dose. Alguns parâmetros<br />

clínicos apresentaram alterações significativas relacionadas à exposição ao corante como: redução do Pico de Fluxo<br />

Expiratório, angioedema, congestão nasal, rinorreia, sibilância, rash, prurido cutâneo e urticária. Aproximadamente 5%<br />

dos indivíduos apresentaram ainda a elevação dos níveis de IgE tartrazina. Já quanto às aferições da pressão arterial,<br />

freqüência cardíaca e respiratória, temperatura axilar, espirro/prurido nasal e tosse, não houve diferença significativa<br />

entre as exposições ao placebo e corante. Os resultados mostram que a possível reação alérgica induzida pela tartrazina<br />

tem participação do sistema imunológico e que se manifesta principalmente com sinais e sintomas na pele, assim como<br />

nas vias aéreas, afetando menos ou não interferindo nos parâmetros cardiocirculatórios.<br />

Palavras-chaves: FD&C no. 5, Corante Amarelo Tartrazina, Asma, Rinite, Anti-inflamatórios Não-Esteóides, Urticária,<br />

Reações Alérgicas, Proibição de Uso em Alimentos, ANVISA<br />

1. Introdução<br />

Corantes artificiais ou naturais são encontrados<br />

em um grande número de medicamentos, cosméticos e<br />

alimentos.<br />

Em alimentos, a legislação nacional de corantes<br />

porém limita seu uso a produtos específicos, em condições<br />

específicas e ao menor nível para alcançar o efeito desejado<br />

(Portaria no. 540 de 27/10/97 – SVS/MS) 24 . Esta mesma<br />

portaria ressalta que um ingrediente adicionado ao<br />

alimento não tem o propósito de nutrir, apenas modificar<br />

as características físicas, químicas, biológicas ou sensoriais<br />

do mesmo, ao chegar ao consumidor. Intervem ainda<br />

afirmando que a adição do ingrediente torna-se proibida<br />

quando houverem evidencias ou suspeitas de este não é<br />

seguro para consumo ou possa interferir desfavoravelmente<br />

no valor nutritivo dos alimentos.<br />

Produtos químicos utilizados como aditivos têm<br />

tambem importante aplicação na indústria de medicamentos<br />

e tem como objetivo influenciar nossa capacidade de<br />

identificar sabores e indicador visual da sua qualidade, de<br />

restaurar perdas na aparencia e no sabor.<br />

Os aditivos químicos autorizados para uso humano<br />

estão divididos em 23 grupos (D.O.U. de 28/10/1997),<br />

dentre os corantes artificiais permitidos (com a sigla INS<br />

numerada) destacam-se:<br />

- Amarelo Crepúsculo (INS-110)<br />

- Amarelo Quinoleína (INS-104)<br />

- Azorrubina ou Carmosina (INS-122)<br />

- Azul Brilhante (INS-133)<br />

- Azul Patente (INS-131)<br />

- Bordeaux S ou Amaranto(INS-123)<br />

- Eritrosina (INS-127)<br />

41


42<br />

- Indigotina (INS-132)<br />

- Marron HT (INS-155)<br />

- Negro Brilhante (INS-151)<br />

- Ponceau 4R (INS-124)<br />

- Tartrazina (INS-102)<br />

- Vermelho 40 (INS-129)<br />

- Verde Sólido FCF (INS-143)<br />

A tartrazina, corante amarelo largamente utilizado<br />

em alimentos e medicamentos, vem sendo alvo de posições<br />

conflitantes a respeito de seu potencial para causar efeitos<br />

adversos em indivíduos portadores de rinite alérgica, asma,<br />

urticária, e de sensibilidade a analgésicos e antinflamatórios<br />

não-hormonais. Os relatos de hipersensibilidade à<br />

tartrazina ocorrem em 0,6 a 2,9% da população, com<br />

incidência maior nos indivíduos atópicos (alérgicos) ou<br />

com intolerância aos salicilatos. Possui estrutura química<br />

próxima à dos benzoatos, salicilatos e indometacina, daí<br />

a possibilidade de reações alérgicas cruzadas com esses<br />

fármacos. No entanto, recente estudo piloto de ensaios<br />

clínicos realizados em 26 pacientes portadores de asma<br />

brônquica, não ratificou a associação entre tartrazina e<br />

exacerbações da asma.<br />

O presente estudo desenvolvido no Centro de<br />

Pesquisa Clínica da Universidade Federal Fluminense,<br />

propos verificar se os participantes voluntários do estudo,<br />

portadores de rinite alérgica, asma, urticária ou sensibilidade<br />

a analgésicos e anti-inflamatórios não-esteróides, expostos<br />

ao corante tartrazina através de um estudo duplo-cego<br />

placebo controlado, apresentam exarcebações clínicas dos<br />

seus quadros de saúde, ou seja, foi avaliar se haveria ou não<br />

o aparecimento de reações alérgicas em voluntários que<br />

não tinham conhecimento prévio de que haviam ingerido a<br />

cápsulacom corante ou com placebo (cápsula com amido)<br />

1.1 – Racional<br />

1.1.1 – Ensaios em Animais<br />

Os azocorantes, grupo ao qual pertence a tartrazina,<br />

quando ingeridos, são metabolizados a aminas aromáticas<br />

a partir de azo-redutases elaboradas por microorganismos<br />

constituintes da flora intestinal. Os azocorantes também<br />

são metabolizados no fígado graças a redutases hepáticas,<br />

porém esse mecanismo é menos importante em virtude do<br />

papel preponderante de redução pela microflora intestinal<br />

durante a passagem pelo tubo digestivo . Em ratos, após a<br />

ingestão da tartrazina, quantidades que variam até 1,5%<br />

do corante intacto, foram encontradas na urina e na bile<br />

nas 24 horas posteriores à dose ingerida. Houve, ainda,<br />

absorção de cerca de 4% da tartrazina sob a forma de<br />

aminopirazolona, um produto metabólico deste agente. 11<br />

A Dose Letal média (DL 50 ) foi definida em ratos<br />

como sendo da ordem de 2.000 mg/kg e, nesta dosagem,<br />

pesquisas apontaram danos genotóxicos. Nos seres<br />

humanos a dose tóxica é de difícil ocorrência em virtude<br />

das marcantes alterações de cor e sabor produzidas pela<br />

elevação das concentrações normalmente utilizadas<br />

nos alimentos e medicamentos. Em um outro estudo<br />

de genotoxicidade, vinte e uma amostras de alimentos<br />

coloridos com tartrazina disponíveis no comércio, foram<br />

utilizadas em dois ensaios in vitro de mutação reversa em<br />

Salmonella typhimurium e Escherichia coli. Não foram<br />

encontradas evidências mutagênicas em nenhum dos dois<br />

experimentos.<br />

Em pesquisa conduzida por Collins e cols. , doses<br />

que variaram entre 67,4 e 1064 mg/kg/dia de tartrazina<br />

(FD&C yellow No. 5) ingeridas em solução, por ratas<br />

grávidas no 2º trimestre da gestação, não provocaram<br />

alterações na viabilidade fetal, no tamanho fetal, nem<br />

foram observados efeitos teratogênicos.<br />

Ensaio conduzido também por Collins e cols. 8 onde<br />

estudaram ratas grávidas tratadas com doses de tartrazina<br />

da ordem de 0, 60, 100, 200, 400, ou 1000 mg/kg/dia,<br />

em período gestacional, não houve efeitos relacionados<br />

à dose sobre a viabilidade ou desenvolvimento fetais. O<br />

desenvolvimento do esqueleto e das vísceras foi similar<br />

nos conceptos de todos os grupos. Os autores concluíram<br />

que, nas doses utilizadas, a tartrazina não foi tóxica ou<br />

teratogênica .<br />

As concentrações máximas permitidas nos<br />

medicamentos e nos alimentos variam de 10 a 30 mg por<br />

100g de alimento (Resolução 387, de 05 de agosto de 1999,<br />

da ANVISA).<br />

1.1.2. Ensaios Clínicos<br />

Lockey 14 foi o primeiro autor que relatou uma<br />

possível associação entre tartrazina e urticária, pelo uso<br />

de medicamentos corados de amarelo. Em três pacientes<br />

portadores de urticária, relatou exacerbação do quadro<br />

clínico pela administração da droga. Outras comunicações<br />

seguiram-se, associando exacerbações de asma, urticária e<br />

anafilaxia, ao uso de aditivos em alimentos e medicamentos.<br />

Ardern e cols. desenvolveram uma metanálise<br />

dos estudos publicados sobre o papel da tartrazina no<br />

desencadeamento de pioras em pacientes asmáticos.<br />

Encontraram 90 estudos que versavam sobre grupos de<br />

pacientes asmáticos que foram alvo de exposição controlada<br />

à tartrazina. Baseando-se nos critérios atualmente<br />

desejáveis para trabalhos científicos, eliminaram 84<br />

trabalhos. Os seis trabalhos restantes obedecem ao modelo<br />

técnico - científico estabelecido e são descritos a seguir.<br />

Hariparsad estudou 10 crianças asmáticas, pacientes<br />

ambulatoriais de Serviço especializado em atendimento a<br />

asmáticos, sendo 6 meninos e 4 meninas, com história de<br />

tosse ou sibilância após ingestão de bebidas alaranjadas. A<br />

idade média foi de 11,5 anos. A medicação antiasmática foi<br />

interrompida com 24 horas (aminofilina e cromoglicato) e<br />

8 horas (beta agonistas) antes do começo do estudo. Foram<br />

administrados em dias separados, de forma duplamente<br />

cega, 1 mg de tartrazina ou placebo. O indicador utilizado<br />

foi a medida da bronco - reatividade à histamina, antes,<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


e aos 30 e 60 minutos após a ingestão da tartrazina e do<br />

placebo. Não foram encontradas alterações estatisticamente<br />

significantes nos valores basais das provas funcionais<br />

respiratórias de nenhum dos indivíduos testados.<br />

Spector, num trabalho duplamente cego, aleatório,<br />

controlado e cruzado, estudou 304 pacientes, com idades<br />

entre 14 e 72 anos, recrutados dentre os que haviam<br />

padecido de obstrução respiratória reversível, segundo<br />

os critérios da American Thoracic Society, durante uma<br />

exposição prévia, aberta, à tartrazina, ao ácido acetil<br />

salicílico, ao salicilato de sódio ou ao paracetamol. Foram<br />

desafiados com 50 mg de tartrazina, sendo que os que<br />

tinham antecedentes de positividade à tartrazina foram<br />

expostos a doses progressivas, de 1, 5, 15, 25 e 50 mg.<br />

O estudo foi duplamente cego, controlado com placebo<br />

(lactose). Os pacientes submeteram-se a espirometria<br />

(Volume Expiratório Forçado no 1 º segundo - VEF 1 ) antes<br />

e após o ensaio, tendo seus medicamentos antiasmáticos<br />

sido interrompidos previamente. O autor considerou como<br />

um teste positivo uma queda de 20% ou mais no VEF 1 .<br />

Ocorreram 4% de desafios positivos com a tartrazina. No<br />

entanto, os resultados obtidos podem ser questionados visto<br />

que determinados pacientes foram previamente excluídos<br />

da exposição à aspirina por apresentarem história de<br />

reação intensa, o que trouxe impropriedade metodológica e<br />

dificultou a apreciação dos valores encontrados.<br />

Tarlo e cols. estudaram 28 pacientes asmáticos (14<br />

masculinos e 14 femininos), recrutados de ambulatórios da<br />

especialidade e de clínicas de asmáticos. A idade média foi<br />

de 53 anos para o sexo feminino e de 52 para o masculino.<br />

O teste consistiu na ingestão, por método duplamente cego,<br />

com intervalos de 24 horas, de tartrazina, benzoato de sódio<br />

e ácido acetil salicílico. O trabalho foi complementado<br />

com 1 mês de observação numa dieta sem tartrazina e<br />

benzoato, e posteriormente com esses aditivos, em 24<br />

destes pacientes. Os resultados não apontaram alterações<br />

nos parâmetros estudados.<br />

Vedanthan e cols., em estudo duplo cego, aleatório,<br />

controlado com placebo e cruzado, estudaram 54<br />

indivíduos asmáticos com idades entre 10 e 17 anos . O<br />

desafio foi realizado com 600 mg de ácido acetil salicílico<br />

e com 25 mg de tartrazina em dias separados. 32 pacientes<br />

completaram os testes. O parâmetro utilizado foi o Volume<br />

Expiratório Forçado no 1 o segundo (VEF 1 ). Os autores<br />

não apresentaram resultados em separado para o desafio<br />

com tartrazina, o que faz o trabalho incorrer em falha<br />

metodológica, dificultando sua apreciação.<br />

Virchow e cols., empregando estudo duplo cego,<br />

aleatório, cruzado e controlado por placebo, estudaram<br />

156 pacientes com asma induzida por aspirina. O estudo<br />

foi multicêntrico, tendo os pacientes idades entre 16 e<br />

63 anos. Os participantes tiveram seus medicamentos<br />

broncodilatadores suspensos com pelo menos 8 horas de<br />

antecedência. Todos tinham asma induzida por aspirina,<br />

o que havia sido confirmado, previamente, por exposição<br />

aberta. A tartrazina foi administrada dissolvida em água,<br />

em doses progressivas de 1, 5, 10 e 25 mg. O VEF1 foi<br />

registrado, sendo tomados como positivos os valores de<br />

queda de pelo menos 20%. Os autores não apresentaram<br />

dados no grupo placebo.<br />

Weber, em estudo aberto, com administração<br />

aleatória, estudou 45 pacientes com asma persistente<br />

intensa, sensíveis a Ácido Acetil Salicílico. O Volume<br />

Expiratório Forçado no 1 º segundo (VEF 1 ) foi utilizado<br />

como indicador. Vários corantes e aditivos usualmente<br />

empregados em alimentos e drogas foram testados, e<br />

dentre esses a tartrazina, em doses progressivas de 2, 5, 10,<br />

15 e 20 mg. Os autores encontraram pacientes sensíveis<br />

à tartrazina, porém não apresentaram os dados relativos<br />

ao grupo placebo, o que gerou falha metodológica na<br />

apreciação dos resultados..<br />

Fulgsang e cols. estudaram 472 crianças com<br />

idades entre 4 e 15 anos, que apresentavam asma, rinite<br />

alérgica, dermatite atópica ou urticária. Após 2 semanas<br />

de dieta sem aditivos ou corantes, os indivíduos foram<br />

desafiados com uma bebida colorida contendo aditivos<br />

em baixa concentração. Caso não ocorresse exacerbação<br />

da doença atópica até 3 horas após, era servida uma nova<br />

bebida colorida, com concentração 10 vezes mais elevada<br />

dos aditivos. A tartrazina estava contida na 2 a solução, na<br />

dose de 18 mg/100ml. Caso a resposta fosse positiva em<br />

qualquer uma das 2 fases, a criança era encaminhada a um<br />

teste DCCP. Nos indivíduos submetidos ao teste DCCP,<br />

houve piora com a solução ingerida em 2% deles. No<br />

entanto, não houve separação de indivíduos que reagissem<br />

somente à tartrazina, visto que na bebida ingerida, a<br />

tartrazina era apenas um dos componentes.<br />

Da análise desses estudos, o autor concluiu que<br />

não há indicação irrefutável de que a abstenção do uso<br />

do corante tartrazina possa trazer benefícios ao paciente<br />

portador de asma.<br />

1.2. Hipóteses<br />

H 0 (nula): Não haveria reações adversas à imunidade<br />

(e.g. urticária ou broncoconstrição) significativas em<br />

pacientes que ingeriram tartrazina daquelas observadas nos<br />

voluntários expostos ao placebo.<br />

H 1(alternativa): Ocorreriam um número de reações<br />

adversas e/ou idiossincrásicas significativamente maior<br />

nos pacientes submetidos à exposição ao corante tartrazina<br />

daquelas observadas com o placebo.<br />

2. Característica do Produto<br />

De acordo com o fabricante (Plury<br />

Química Ltda) a tartrazina possui impurezas como<br />

chumbo, arsênio, intermediários, corantes subsidiários,<br />

entre outros, que podem interagir com a tartrazina ou até<br />

mesmo provocar as reações alérgicas.<br />

43


Pertence ao grupo de azo–compostos e por isso,<br />

quando usado como corante alimentar proporciona a cor<br />

amarelo – limão. Mas também é utilizada em combinação<br />

com o Azul brilhante FCF (INS133) ou com o Verde<br />

S (INS142) para produzir tons de verde, entre outras<br />

combinações. Por isso é importante atentar para o fato<br />

de que não são somente os alimentos de cor amarela ou<br />

alaranjada que possuem o corante em questão. As tubaínas,<br />

a exemplo de refrigerantes como a Fanta Uva®, o Iogurte<br />

natural Nestlé®, algumas gelatinas sabor limão, entre<br />

outros, também possuem.<br />

3. Considerações regulatórias<br />

A avaliação toxicológica do Joint FAO/WHO<br />

Expert Commitee on Food Additives – JECFA, grupo de<br />

especialistas que avalia a segurança do uso de aditivos para<br />

o Codex Alimentarius com enfoque em análise de risco<br />

determinou a Ingestão Diária Aceitável (IDA) de 7,5 mg/<br />

Kg de peso corpóreo; que corresponde a 225 mg/dia para<br />

uma criança de 30 Kg e 450 mg/dia para um adulto de 60<br />

Kg.<br />

A tartrazina já teve seu uso banido na Noruega.<br />

Na Áustria e na Alemanha foi banido, mas depois voltou<br />

a ter seu uso autorizado. Na Grécia, não é permitido em<br />

antihistamínicos e broncodilatadores. Na Nova Zelândia,<br />

só pode ser adicionado em produtos para uso externo, ou<br />

seja, cosméticos.<br />

Em uma querela adicional, a Foods Standard<br />

Agency (FSA), a agência de alimentos do governo<br />

britânico, defendeu que a Europa proíba o uso de seis<br />

corantes artificiais, depois que um estudo revelou que essas<br />

substâncias podem estar ligadas à hiperatividade infantil.<br />

Esse estudo, realizado a pedido da FSA e concluído em<br />

setembro de 2007, revelou que crianças passaram a agir<br />

impulsivamente e perderam a concentração depois de<br />

consumir uma bebida contendo altos níveis de aditivos.<br />

O estudo reuniu 300 crianças. Três tipos de bebida foram<br />

distribuídos entre elas - uma contendo uma mistura<br />

forte de corantes e outros aditivos, uma que continha a<br />

média de aditivos comumente consumida diariamente<br />

por uma criança e um “placebo”, sem nenhum tipo<br />

de aditivo. O nível de hiperatividade das crianças foi<br />

medido antes e depois, e os pesquisadores concluíram<br />

que a bebida com a maior quantidade de aditivos teve<br />

um efeito “significativamente adverso” se comparado ao<br />

efeito da bebida sem aditivos. Os corantes utilizados na<br />

pesquisa foram o amarelo crepúsculo (INS110), amarelo<br />

tartrazina (INS102), ponceau 4R (INS124), azorrubina<br />

(INS122), vermelho 40 (INS129) e o amarelo quinoleina<br />

(INS104). “A evidência que temos sugere que seria<br />

recomendável retirar esses corantes dos alimentos”,<br />

afirmou a Hutton, D. presidente da FSA, na época.<br />

No Brasil, a utilização dos corantes é regulada<br />

pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).<br />

A Resolução – RE nº 572 de 2002, com base nas Notas<br />

44<br />

Técnicas da Gerência de Medicamentos Novos, Pesquisa<br />

e Ensaios Clínicos (GEPEC) e do Programa de Validação<br />

de Processos de Registro de Medicamentos (Programa<br />

Z), determina a obrigatoriedade da advertência, na bula<br />

e no cartucho de medicamentos, “Este produto contém o<br />

corante amarelo TARTRAZINA que pode causar reações<br />

de natureza alérgica, entre as quais asma brônquica,<br />

especialmente em pessoas alérgicas ao Ácido Acetil<br />

Salicílico”.<br />

Essa iniciativa está fundamentada em relatos<br />

isolados de exacerbações de asma, urticária, rinite alérgica<br />

e dermatite atópica, especialmente em indivíduos sensíveis<br />

a Ácido Acetil Salicílico (AAS) e a antiinflamatórios não<br />

esteróides, por ingestão de alimentos ou medicamentos<br />

coloridos pela tartrazina.<br />

A ANVISA, através da Consulta Pública nº 68 de<br />

2002, propôs modificação na rotulagem de alimentos que<br />

utilizem a substância, com o fim de defender o consumo<br />

inadvertido da substância por pessoas alérgicas, propondo<br />

a inclusão de uma frase de advertência. Principalmente por<br />

ter recebido inúmeras denúncias referentes a consumidores,<br />

pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, de<br />

órgãos estaduais e federais.<br />

Ainda em 2002, a ANVISA promoveu uma<br />

Discussão Científica com a participação de especialistas<br />

para discutir a utilização do corante amarelo Tartrazina<br />

quanto aos seus aspectos fisiológico, bioquímico,<br />

tecnológico e de segurança de uso. Estiveram presentes<br />

representantes da área de toxicologia de alimentos,<br />

médicos alergiologistas, instituições nacionais de pesquisa,<br />

representantes de diversas associações (Sociedade<br />

Brasileira de Alergia e Imunopatologia, Associação<br />

Brasileira de Engenharia de Alimentos, Associação<br />

Brasileira das Indústrias da Alimentação, Associação<br />

Brasileira das Indústrias de Refrigerantes, Associação<br />

Brasileira das Indústrias de Ingredientes e Aditivos<br />

para Alimentos) e técnicos de várias áreas da Anvisa.<br />

A partir das discussões realizadas<br />

no evento, foi possível concluir que:<br />

- Estudos demonstram que o possível mecanismo pelo qual<br />

o corante amarelo tartrazina causa efeito adverso no seres<br />

humanos não está associado a uma reação imunológica,<br />

mas poderia tratar-se de uma hipersensibilidade<br />

conhecida como intolerância alimentar. Os sintomas<br />

relatados se confundem em alguns casos com sintomas<br />

de reações alérgicas mediadas por anticorpos específicos.<br />

- A maioria dos estudos é inadequada quanto à abordagem<br />

metodológica, à população estudada (doentes crônicos e<br />

não agudos), dentre outros aspectos. Portanto, não seria<br />

correta a utilização destes resultados para concluir sobre a<br />

relação do uso do corante amarelo tartrazina com reações<br />

adversas provocadas pelo consumo de alimentos coloridos.<br />

- Seria necessária a padronização para diagnóstico de forma<br />

a avaliar corretamente a causa da reação adversa, utilizando<br />

a provocação oral por meio da metodologia de Duplo Cego<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


Placebo Controlado (DCPC), bem como um levantamento<br />

de dados nacionais com a divulgação dos mesmos.<br />

- O único consenso entre os especialistas foi que deveria<br />

haver a informação ao consumidor sobre a presença<br />

do corante tartrazina na composição do alimento.<br />

A advertência proposta na Consulta Pública 68/02 foi<br />

descartada, por não ser possível afirmar que a reação<br />

adversa deve-se à tartrazina. Isso poderia induzir as<br />

pessoas a não consumir um determinado alimento<br />

acreditando ser este a causa de sua reação, permanecendo<br />

assim expostas ao risco de reações mais grave(anafilaxia).<br />

- A inclusão da frase “Contém Corante Amarelo Tartrazina”<br />

a exemplo de casos de intolerância já comprovados, como<br />

“Contém Glúten” (intolerância ao glúten por celíacos) ou<br />

“Contém Fenilalanina” (intolerância a fenilalanina por<br />

fenilcetonúricos) também foi descartada por não possuir<br />

base científica para a comprovação da intolerância a<br />

tartrazina por populações específicas.<br />

Mesmo após o consenso sobre a necessidade de<br />

comprovação científica da alergenicidade da Tartrazina,<br />

foi publicada a Resolução RDC nº 340 de dezembro de<br />

2002, determinando que produtos que contenham o corante<br />

devem especificá-lo por extenso na lista de ingrediente no<br />

rótulo. 6 Esta iniciativa já havia sido tomada pelo FDA,<br />

Food and Drug Administration, nos Estados Unidos desde<br />

1980.<br />

A ANVISA, com o objetivo de gerar novos dados<br />

científicos, firmou o Convênio de Pesquisa nº. 10/2005 com<br />

a Universidade Federal Fluminense (UFF), intermediada<br />

pela Fundação Euclides da Cunha. Os resultados dessa<br />

pesquisa poderão subsidiar uma eventual ampliação nas<br />

exigências de rotulagem de alimentos que contenham o<br />

corante em questão. .<br />

4. Metodologia<br />

4.1. Tamanho da Amostra<br />

O estudo foi delineado com um tamanho de amostra<br />

de 122 indivíduos, suficiente para determinar se haveria<br />

uma associação entre a exposição ao corante amarelo<br />

tartrazina em doses usuais e o aparecimento de respostas<br />

alérgicas em pacientes atópicos, onde todos os pacientes<br />

foram submetidos aos mesmos procedimentos, com a<br />

exposição oral, sucessiva e sequencial, ao placebo ou ao<br />

corante, de forma randomizada, cruzada e duplamente<br />

cega.<br />

Para tanto, almejou-se um poder estatístico de<br />

0.80 (β=0,20 - bidirecional) a um nível de significância<br />

estatística (α) de 0,05 (erro tipo I) para se detectar uma<br />

magnitude de efeito da ordem de 10% entre os grupos<br />

estudados. Ou seja, considerou-se para efeito deste cálculo<br />

que uma proporção de 10% dos pacientes do grupo placebo<br />

respondeu com reações atópicas enquanto que no grupo<br />

exposto à tartrazina esta proporção dobrou (20%). Foram<br />

propostas avaliações entre proporções, de preditores e<br />

desfechos para as variáveis dos grupos estudados.<br />

4.2. Recrutamento<br />

Os pacientes foram recrutados a partir de cartazes<br />

e divulgação ética através de Serviços especializados do<br />

Hospital Universitário Antonio Pedro (HUAP), em clínicas<br />

privadas, por informação interpessoal ou a partir de<br />

voluntários que se interessaram pela projeto lendo a mídia<br />

universitária que entrevistou participantes da pesquisa.<br />

Os voluntários recrutados eram reunidos em<br />

ambiente próprio, informados sobre as etapas e os<br />

procedimentos da pesquisa, os benefícios e eventuais<br />

riscos, sobre a necessidade de assinarem os Termo de<br />

Consentimento Esclarecido e Informado (TCEI) , sobre os<br />

ressarcimento de gastos e a Declaração de Comparecimento,<br />

durante os dias de ensaio.<br />

A seguir, se concordassem, recebiam um número<br />

de código de prontuário com suas iniciais em cada<br />

um dos formulários. A seguir, eram entrevistados por<br />

pessoal da equipe de saúde (Médicos, Farmacêuticos<br />

e Enfermeiros), respondiam a questionário dirigido<br />

sobre dados demográficos, história clínica (anamnese),<br />

medicações que usavam habitualmente ou em uso recente,<br />

eram submetidos a um exame físico minucioso. E, se<br />

preenchessem os critérios de inclusão e exclusão, eram<br />

considerados selecionados. Estes eram também informados<br />

que não podiam apresentar crises atópicas ou quaisquer<br />

co-morbidades descompensadas, ou seja, deveriam estar<br />

hígidos nos dias de exposição (ingestão de cápsulas ou<br />

placebo).<br />

4.3. Pacientes Voluntários<br />

Nas duas etapas da pesquisa foram selecionados<br />

122 voluntários atópicos de ambos os sexos, divididos<br />

em grupos com 8 a 12 indivíduos em cada desafio, com<br />

história anterior de alergia não manifesta, em geral, sendo<br />

portadores de asma brônquica, rinite alérgica, urticária,<br />

sensibilidade a antiinflamatórios não-hormonais, e que<br />

se dispusessem, através de consentimento informado, a<br />

participar do estudo e atendessem aos seguintes critérios<br />

abaixo:<br />

Critérios de Inclusão :<br />

- Ter idade entre 18 e 65 anos de idade;<br />

- Portadores de asma nos últimos 2 anos,<br />

diagnosticada por médico ou com critérios diagnósticos de<br />

episódios de dispnéia sibilante, reversível espontaneamente<br />

ou com medicamentos bronco dilatadores, ou apresentando<br />

queda de pelo menos 20% do Pico Máximo do Fluxo<br />

Expiratório (VEF 1 ), reversível espontaneamente ou com<br />

medicamentos; ou<br />

- Portadores de urticária, definida como a presença<br />

de pápulas características (ponfos), diagnosticada por<br />

médico ou como manifestação característica, peculiar,<br />

fugaz e sensível a antihistamínicos, independentemente da<br />

causa, com pelo menos 2 episódios nos últimos 2 anos; ou<br />

- Pacientes que apresentem história clínica de<br />

sensibilidade a ácido acetil salicílico / antiinflamatórios<br />

45


não esteroidais, com pelo menos 2 episódios nos últimos<br />

2 anos, com manifestações cutâneas e/ou respiratórias e<br />

cardiovasculares; ou<br />

- Portadores de rinite alérgica, definida como<br />

tendo sintomas intermitentes ou persistentes de prurido<br />

nasal, obstrução nasal reversível e espirros em salva,<br />

acompanhados ou não de prurido ocular, palatino e / ou<br />

faríngeo, com quadro de edema pálido e úmido de cornetos<br />

nasais, ou diagnosticada por médico nos últimos 2 anos.<br />

Critérios de Exclusão:<br />

- Menores de 18 ou maiores de 65 anos.<br />

- Gestantes e Nutrizes<br />

- História pregressa de reação anafilática;<br />

- Formas hereditárias de angioedema;<br />

- Voluntários em uso de beta-bloqueadores;<br />

- Asma grave, dependente de corticóide oral ou<br />

de broncodilatadores de longa ação, ou doentes com<br />

instabilidade diária do Fluxo Expiratório de Pico (PF)<br />

superior a 30%;<br />

- Doenças pulmonares além da asma ou doenças<br />

sistêmicas que apresentem repercussão pulmonar;<br />

- Rinite não alérgica ou sinusite;<br />

- Patologia cutânea que interfira, através de prurido<br />

e/ou pápulas, com a avaliação clínica.<br />

Os voluntários que atendessem aos critérios de<br />

inclusão e exclusão eram encaminhados para uma segunda<br />

avaliação clínico-laboratorial.<br />

4.4. Seleção<br />

Conforme previsto na legislação pertinente<br />

(Resolução CNS 196/96, GCP/ICH, 2002), a avaliação<br />

clínica e laboratorial era realizada antes da admissão<br />

dos voluntários selecionados no estudo e antes da alta<br />

médica, constava de exame clínico, exame de urina tipo<br />

I, hemograma completo, dosagens séricas de glicose,<br />

uréia, creatinina, ácido úrico, lipidograma completo<br />

(triglicerídeos, colesterol total e frações), sódio, potássio,<br />

CPK, hepatograma completo (bilirrubina e frações,<br />

ALT, AST e GGT) dosagem sérica de IgE Total e IgE<br />

específica para Tartrazina e Leucotrieno Urinário, e ECG<br />

de 12 derivações (pacientes selecionados) . Se fossem<br />

considerados aptos nesta avaliação, eram incluídos no<br />

ensaio, caso concordassem em participar da pesquisa,<br />

através do conhecimento e assinatura do Termo de<br />

Consentimento Livre e Esclarecido, sendo então seus<br />

dados registrados no Formulário de Relato de Caso (FRC).<br />

O fluxograma a seguir sumariza as etapas da metodologia<br />

empregada.<br />

O estudo assim conformado foi dividido em duas<br />

etapas: a primeira consistiu em uma amostragem-piloto<br />

com 26 pacientes selecionados que alicerçou as bases da<br />

metodologia duplo-cego placebo controlada (DCCP),<br />

enquanto a segunda deu continuidade ao estudo até a<br />

obtenção do número de voluntários estimados no tamanho<br />

da amostra.<br />

46<br />

4.5. Aspectos Éticos<br />

A pesquisa, aprovada pelo Comitê de Ética em<br />

pesquisa do Hospital Geral de Bonsucesso (CEP-HGB<br />

03/09), foi realizada no Centro de Pasquisa Clínica,<br />

no Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP) da<br />

Universidade Federal Fluminense (UFF).<br />

4.6. Segurança de Uso<br />

O estudo minimiza o risco aos pacientes, uma vez<br />

que utiliza doses pequenas e gradativas, permitindo assim<br />

que, caso o paciente apresente qualquer reação de natureza<br />

alérgica, que o teste seja interrompido não recebendo as<br />

doses subsequentes maiores. Além disso, mesmo a maior<br />

dosagem de Tartrazina oferecida aos pacientes (20mg)<br />

ou mesmo seu valor acumulado (35mg), encontra-se<br />

bem abaixo dos níveis da IDA (7,5mg/Kg/dia) para um<br />

adulto de 44Kg (percentil 5 – adulto jovem de 18 anos).<br />

O Centro de Pesquisa Clínica contava também com todo<br />

equipamento e medicação para pronto-atendimento para<br />

qualquer eventualidade e, sempre, durante o ensaio, com a<br />

presença de dois médicos e um enfermeiro.<br />

4.7. Procedimento para randomização<br />

A alocação dos voluntários nos distintos grupos<br />

foi realizada de modo aleatório, utilizando-se a técnica<br />

de randomização em bloco descrita por Bock e seus<br />

colaboradores em 2006 28 .<br />

4.8. Ensaio Clínico (Duplo-Cego Cruzado Controlado<br />

por Placebo)<br />

O método de desafio duplamente cego controlado<br />

por placebo (DCCP) tem sido considerado como padrão<br />

ouro no diagnóstico de reações alérgicas a medicamentos<br />

e a alimentos e como um procedimento consagrado<br />

internacionalmente capaz de ser realizado em unidades<br />

ambulatoriais.<br />

A coleta da história clínica, levou em conta a<br />

natureza e a intensidade dos sintomas, história anterior de<br />

exacerbações pelo uso de alimentos ou drogas coloridos<br />

de amarelo, reprodutibilidade dos sintomas em exposições<br />

posteriores, quantidade aproximada ingerida e dados<br />

pessoais e familiares.<br />

Os pacientes selecionados na etapa inicial eram<br />

treinados para o uso de monitor de pico de fluxo expiratório<br />

(PF), recebiam um monitor e uma escala para registro<br />

domiciliar do PF duas vezes ao dia durante uma semana.<br />

No teste DCCP, os pacientes foram pareados e<br />

aleatoriamente separados para grupo placebo (controle)<br />

ou para receber tartrazina (estudo). O grupo estudo recebia<br />

tartrazina em doses progressivas (5mg, 10mg e 20mg),<br />

conforme metodologia de domínio corrente, sucintamente<br />

descrita a seguir: a droga estudada era oferecida em pó,<br />

contida em cápsulas numeradas livres de corantes e de<br />

aditivos e/ou preservativos, enquanto o grupo controle<br />

recebia lactose, em cápsulas não diferenciáveis daquelas<br />

contendo a tartrazina, marcadas com os mesmos dizeres e<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


quantidades, diferindo uma da outra apenas pela adição do<br />

sinal # ao lado da numeração. Assim, um frasco plástico<br />

branco opaco, rotulado com o nome e n o . do projeto, a data<br />

de fabricação o n o . do frasco (e.g. 48 ou 48#), continha 03<br />

cápsulas nomeadas com as 03 diferentes doses. A ordem de<br />

administração das doses dos agentes (5mg, 10mg e 20mg)<br />

ou dos placebos (3 doses) era crescente e seqüencial nos<br />

02 grupos de pacientes, distribuídos aleatoriamente nos<br />

leitos, conforme randomização, feitas a cada 60 minutos.<br />

A preparação e a rotulagem ficaram a cargo de um único<br />

profissional farmacêutico da Farmácia Universitária da<br />

UFF, que manteve sob sua guarda o código de identificação.<br />

A codificação não permitia o reconhecimento de diferenças<br />

entre as cápsulas de estudo e de controle, seja por parte do<br />

paciente, seja por parte do pesquisador.<br />

Os voluntários eram avisados que não poderiam<br />

ingerir alimentos com aditivos pelo menos 48 horas antes<br />

da data de internação para o ensaio. O estudo tinha início<br />

às 7h 45 min da manhã, ficando o indivíduo alojado na<br />

enfermaria do CPC, e em jejum desde as 19 horas do dia<br />

anterior.<br />

Após anamnese sumária, o voluntário recebia<br />

um desjejum às 8 horas da manhã, ingerindo refeição<br />

nutricionalmente balanceada, hipoalergênica e livre<br />

de corantes e aditivos. Medicamentos não incluídos<br />

nos critérios de exclusão, regularmente utilizadas pelo<br />

paciente, não foram interrompidos. O paciente ficava<br />

sob observação, e ao final de 30 minutos do desjejum era<br />

avaliado por meio de exame físico sucinto e um teste de<br />

Pico de Fluxo Expiratório (VEF 1 ). Caso não houvessem<br />

alterações no estado clínico e no VEF 1 , a dose inicial era<br />

administrada, processo que se repetiria sucessivamente a<br />

cada 60 minutos, até a dose de n o . 3 (20 mg de placebo ou<br />

tartrazina) ser atingida ou aparecerem alterações clínicas<br />

justificassem a suspensão do agente. Cada pessoa era<br />

observada por 180 minutos e, após a última dose ter sido<br />

administrada, recebia um questionário a ser respondido<br />

no dia imediatamente posterior à prova, versando sobre<br />

eventuais reações suspeitas de se associarem à prova<br />

realizada. Nesta ocasião os pacientes eram novamente<br />

examinados clinicamente e submetidos a novo exame PF,<br />

havendo coleta de 2ml de sangue por punção venosa, e de<br />

amostra (30 ml) de urina, no início dos procedimentos, e<br />

aos 180 minutos do término da prova. Este ensaio se repetiu<br />

duas semanas depois com os mesmos procedimentos (Etapa<br />

A e B) cruzando-se a cápsulas (controle e tartrazina).<br />

4.9. Observações Clínicas Adicionais<br />

Durante o curso dos ensaios clínicos da fase inicial<br />

(amostragem-piloto), observou-se que alguns pacientes<br />

apresentavam alterações significativas (fugazes ou não)<br />

dos níveis pressóricos coincidentes com um estado de<br />

inquietação e ansiedade que inicialmente haviam sido<br />

atribuídos ao estresse do ensaio. Entretanto, como tais<br />

eventos quase sempre não se repetiam naquele mesmo<br />

paciente e como a equipe desconhecia se o voluntário<br />

naquela semana havia tomado placebo ou tartrazina, foi<br />

proposto que se investigasse mais amiúde tais<br />

ocorrências em todos os voluntários admitidos na segunda<br />

etapa do estudo. A literatura corrente sugere que possa<br />

ocorrer uma resposta hipercinética em pacientes muito<br />

sensíveis a alguns de aditivos alimentares, incluindo a<br />

tartrazina (3,4mg), ou seja, parece que o aditivo por inibir<br />

o metabolismo da dopamina leva a um acúmulo desse<br />

neurotransmissor e seu efeito no sistema nervoso central<br />

torna o indivíduo hiperativo. Para investigar essa hipótese<br />

aplicou-se questionário dedicado a adultos com história<br />

de hiperatividade adaptado de Conners e colaboradores e<br />

outro sobre os hábitos de consumo do voluntários, além de<br />

avaliação de seus parâmetros clínicos.<br />

4.10. Exames Laboratoriais<br />

Os exames laboratoriais da rotina hematológica<br />

e bioquímica foram feitos através de procedimentos<br />

automatizados em Laboratório de Análises Clínicas<br />

credenciado junto ao Programa Nacional de Controle e<br />

Garantia Qualidade (n o . 00630), licitado por chamada<br />

pública e selecionado entre um mínimo 3 instituições de<br />

igual porte e condições operacionais. Os resultados das<br />

análises eram expedidos num prazo de 48 a 72 horas,<br />

após a coleta, e os laudos anexados ao prontuário de cada<br />

voluntário, identificados por suas iniciais e número. Foi<br />

acordado com o Laboratório que este seria responsável<br />

pela coleta de sangue e urina dos voluntários, a cada<br />

ensaio, durante todo o período de vigência do estudo<br />

e que alíquotas de sangue e urina estariam disponíveis<br />

à Coordenação do Projeto até que os dados obtidos<br />

pudessem ser consolidados. Os resultados referentes às<br />

dosagens de IgE total e Específica foram acompanhados<br />

por profissionais farmacêuticos da Equipe do Projeto.<br />

4.10.1 - Análise de IgE Total<br />

Determinação Quantitativa da concentração de IgE<br />

em soro humano por enzimaimunoensaio em microplaca,<br />

utilizando o Kit Imunoglobulin E (IgE) AccuBind IgE<br />

Microplate ELISA System do fabricante SANLAB.<br />

A dosagem de IgE em soro é amplamente utilizado no<br />

diagnóstico das reações alérgicas e infecções parasitárias.<br />

Muitas alergias são causadas pelas imunoglobulinas da<br />

classe IgE agindo como ponto de contato entre o alérgeno<br />

e as células especializadas. As moléculas IgE (PM<br />

200.000 D(g/mol)) se ligam à superfície dos mastócitos e<br />

granulócitos basofílicos. Subseqüentemente, a ligação do<br />

alérgeno a uma IgE ligado á célula causa a liberação de<br />

histamina por estas células e outras substâncias vasoativas.<br />

A liberação de histamina no corpo humano resulta no que é<br />

comumente conhecido como reação alérgica.<br />

Antes de iniciar qualquer tratamento é importante<br />

saber se a reação alérgica é mediada por uma IgE ou não.<br />

A dosagem de IgE Total na amostra de soro, em conjunto<br />

47


com outras informações que sustentem o diagnóstico,<br />

podem auxiliar na determinação da terapêutica. A dosagem<br />

da IgE Total circulante pode também ser de valor na<br />

detecção precoce de alergia em crianças e um meio de<br />

prever manifestações atópicas no futuro. Os níveis de<br />

IgE apresentam um pequeno aumento durante a infância,<br />

atingindo níveis adultos na segunda década da vida. Em<br />

geral, os níveis de IgE aumentam com as alergias que<br />

a pessoa tem e a quantidade de vezes que é exposta a<br />

alérgenos importantes. Elevações significantes podem ser<br />

observadas em indivíduos sensibilizados, mas também em<br />

caso de mieloma, aspergilose pulmonar e durante estpagios<br />

ativos de infecções parasitárias.<br />

4.10.2. Análise de IgE tartrazina:<br />

A análise foi realizada pelo método de<br />

radioimunoensaio (RIE) para a determinação semiquantitativa<br />

da concentração de lgE alérgeno-específica<br />

em soro humano. O kit é comercializado pela Hycor<br />

Biomedical Inc. para diagnóstico in vitro . Trata-se de<br />

método consagrado na literatura, onde os níveis circulantes<br />

lgE alérgeno-específica podem ser determinados pelo<br />

uso de alérgeno específico (p.ex. tartrazina) ligado a um<br />

carreador de fase sólida. Este procedimento também<br />

utiliza anticorpo radiomarcado para lgE, que é conhecido<br />

com radioallergosorbent test (RAST). Assim, um disco<br />

alergênico embebido em tartrazina reage com lgE alérgeno-<br />

48<br />

específica do soro do paciente. O disco é então lavado e<br />

colocado para reagir com I-anti-lgE, lavado novamente,<br />

formando uma matriz de fase-sólida com radioatividade<br />

proporcional à quantidade de lgE alérgeno-específica na<br />

amostra de soro do paciente. Esta matriz é então avaliada<br />

por um contador gama e os resultados calculados. O soro<br />

referência contendo quantidade conhecida de lgE alérgenoespecífica<br />

é analisado simultaneamente com as amostras do<br />

ensaio e a curva de calibração construída. A concentração<br />

de lgE alérgeno-específica da amostra em teste é calculada<br />

e comparada com o valor encontrado soro referência, com<br />

um coeficiente de variação em torno de 10%, inter e intraensaios.<br />

5 - Resultados<br />

Foram selecionados 94 voluntários para a pesquisa,<br />

mas apenas 77 concluíram as duas etapas do estudo; sendo<br />

23,4% homens e 76,6% mulheres, com idade entre 18 e 65<br />

anos, com maior predominância da faixa etária entre 18-<br />

28 anos (47%). Do total de voluntários 33% era portador<br />

de rinite alérgica; 19% portador de urticária; 17% de asma<br />

e rinite; 11% de sensibilidade a AINES (anti-nflamatórios<br />

não-esteróides); 9% de asma; 5% de rinite e urticária; 2%<br />

de asma e urticária; 2% de asma, rinite e sensibilidade a<br />

AINES e 1% de asma, rinite e urticária.<br />

Tabela I: Valores de P encontrados na análise estatística, onde as etapas mencionadas referem-se as duas<br />

fases de execução do desafio.<br />

As aferições do pico de fluxo expiratório<br />

sofreram influencias pelos tempos de administração das<br />

cápsulas, os valores do tempo zero (T0), na admissão,<br />

são significantemente maiores do que nos três tempos de<br />

aferições realizadas 60 minutos após a ingestão de cada<br />

dose do corante. Os valores obtidos nas aferições do PF<br />

durante a exposição ao corante apresentaram diminuição<br />

significativa entre os quatro tempos consecutivos; enquanto<br />

o mesmo não se repetiu nas aferições durante a exposição<br />

ao placebo. Mostrando que ocorreu broncoconstrição após<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


a ingestão da tartrazina, principalmente após a primeira<br />

dose de 5 mg.<br />

Gráfico 1: Comparação do PF com o tempo<br />

Gráfico 2: Comparação do PF entre semanas<br />

Gráfico 3: Comparação do PF nas etapas A e B com o<br />

tempo de administração das doses<br />

Na etapa A (exposição ao corante) a média dos<br />

escores para angioedema foi maior do que na etapa B<br />

(exposição ao placebo), visto que um maior número de<br />

pacientes apresentou escores acima de zero. Observou-se<br />

ainda que o sintoma agravou com o tempo de administração<br />

das doses sucessivas, sugerindo que o angioedema foi<br />

provocado pelo corante.<br />

Gráfico 4: Angioedema X Etapas<br />

Gráfico 5: Angioedema X Tempo<br />

O sintoma de congestão nasal difere<br />

significativamente entre as etapas e com os quatro tempos<br />

de avaliação. A média na etapa A é maior do que na etapa<br />

B, sugerindo ser causada pelo corante em estudo. A média<br />

das aferições antes do início das exposições também foi<br />

menor do que as médias após a administração das cápsulas<br />

durante a pesquisa.<br />

Gráfico 6: Congestão nasal X Etapas<br />

49


50<br />

Gráfico 7: Congestão nasal X Tempo<br />

A média dos escores clínicos para o rash cutâneo<br />

no tempo zero (T0), antes do início do estudo, foi bem<br />

menor do que 60 minutos após a ingestão da cápsula de<br />

5 mg (T1) e as médias foram sucessivamente maiores<br />

após a ingestão das cápsulas de 10 mg (T2) e 20 mg (T3),<br />

mostrando que há relação entre o corante estudado e o<br />

aparecimento do rash na pele.<br />

Gráfico 8: Rash X Tempo<br />

Na etapa A, a média dos escores do prurido<br />

cutâneo foi maior do que na etapa B, sugerindo que a<br />

exposição à tartazina seja a causa do aparecimento e<br />

agravamento do sintoma. A média do escore na avaliação<br />

antes do início do estudo foi muito menor do que após a<br />

exposição ao corante e crescente nos tempos T1, T2 e T3,<br />

avaliados após a ingestão das cápsulas de 5mg, 10 mg e<br />

20mg.<br />

Gráfico 9: Prurido Cutâneo X Etapa<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.<br />

Gráfico 10: Prurido Cutâneo X Tempo<br />

Na etapa de exposição ao corante as médias dos<br />

escores para a urticária foram maiores. Além disso, a<br />

média dos escores foi crescente nos tempos de avaliação<br />

pré-estudo, após a cápsula de 5mg, 10mg e 20mg,<br />

sugerindo que o corante é responsável pelo aparecimento<br />

e amplificação do sintoma.<br />

Gráfico 11: Urticária X Tempo


Tabela II – Resumo dos resultados obtidos para IgE alérgeno-específica<br />

A dosagem da IgE tartrazina na admissão forneceu<br />

uma média de 0,1957 KU/L, e a média da dosagem no<br />

final do estudo foi de 0,2205 KU/L com uma perda de 10<br />

pacientes. Dos 66 voluntários, nos quais foram concluídas<br />

as duas análises para IgE alérgeno-específica, 63 pacientes<br />

se mantiveram na classe 0 e 3 pacientes evoluíram de classe<br />

0 para classe 1. Os valores até 0,35 KU/L (classe 0) são<br />

considerados negativos e os valores entre 0,35 e 0,7 KU/L<br />

(classe 1) são considerados positivos para o diagnóstico da<br />

alergia. Então, 4,55% do total de voluntários apresentaram<br />

valores negativos na admissão e valores positivos na<br />

dosagem 48 horas após a segunda etapa de exposição.<br />

6. Conclusões<br />

Conforme relatado anteriormente os dados da<br />

primeira não etapa do estudo seriam suficientes para<br />

demonstrar alterações significativas entres pacientes<br />

expostos ao placebo ou a tartrazina 35 . Entretanto, na<br />

segunda etapa, os dados obtidos de 77 voluntários<br />

consolidados e analisados estatisticamente mostraram<br />

que alguns parâmetros clínicos apresentaram alterações<br />

significativas relacionadas à exposição ao corante; como<br />

Pico de Fluxo Expiratório, angioedema, congestão nasal,<br />

rinorreia, sibilância, rash, prurido cutâneo e urticária.<br />

Enquanto nas aferições de PAS, PAD, FC, FR, temperatura<br />

axilar, espirro/prurido e tosse não apresentaram diferenças<br />

significativas entre as exposições ao placebo e corante.<br />

Sugerindo que a possível reação alérgica induzida pela<br />

tartrazina se manifeste principalmente com sinais e sintomas<br />

na pele, assim como de vias aéreas, afetando menos ou não<br />

interferindo nos parâmetros cardiocirculatórios. Foram<br />

observadas ainda discretas alterações nos níveis de IgE<br />

tartrazina em cerca de 5% dos indivíduos estudados, que<br />

não foram estatisticamente significativas, mas indicam a<br />

necessidade de estudos futuros para desvendar sua possível<br />

função patofisiológica.<br />

As evidencias demostraram que o corante amarelo<br />

tratrazina deve ser restringido ou abolido de alimentos e<br />

bebidas de pacientes alérgicos com história de asma, rinite<br />

ou urticária de origem química.<br />

Abstract: Yellow tartrazine coloring agent, FD & C Yellow<br />

No. 5 or E 102, is an approved azo pigment used in many<br />

drugs and foods, improving their appearance, standardizing<br />

their color, as well as increasing their visual acceptance<br />

and marketing. Since the 70’s many cases of sensibility to<br />

tartrazine have been reported, and scientists estimated that<br />

approximately 0.6 to 2.9% of the population is affected by<br />

this substance, with a higher incidence in atopic individuals<br />

or in those with intolerance to salicylates. The colorant<br />

sensibility generally consists in asthma and hives, and<br />

frequently in contact dermatitis and cutaneous vasculitis.<br />

The allergic reaction can be diagnosed with the use of two<br />

different techniques: cutaneous test (direct technique) and<br />

radioalergosorbent test - RAST (indirect technique). The<br />

aim of this study was to discuss and to evaluate the safety<br />

of tartrazine in food and bevereage using an enhanced<br />

population sampling. The method was double-blinded and<br />

controlled by a placebo (DCCP); 77 individuals finished<br />

the test, which consisted in two steps. In one of them the<br />

individuals were exposed to tartrazine (5 mg, 10 mg, 20<br />

mg) and in the other one they were exposed to placebo (5<br />

mg, 10 mg, 20 mg) with an interval of 50 minutes between<br />

each dose. Some clinical parameters presented significant<br />

alterations related to the exposure to the coloring agent,<br />

such as reduction of the respiratory peak flow, angioedema,<br />

nasal congestion, runny nose, wheezing, rash, cutaneous<br />

pruride and hives. Nearly 5% of the individuals also<br />

presented an increase in the tartrazine IgE levels. While<br />

the measurements of arterial blood pressure, heart and<br />

respiratory rate, axillary temperature, sneeze/nose itch and<br />

cough did not present significant differences between the<br />

exposure group and the placebo. The results suggest there<br />

exists a possible allergic reactions induced by tartrazine<br />

51


elated to changes in the immune system and the signals<br />

and symptoms of these reactions are mainly manifested in<br />

the skin and airways.<br />

52<br />

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53


54<br />

Caminho para a paz: conflito palestino-israelense<br />

MARIA TEREZA <strong>DE</strong> OLIVEIRA AUDI<br />

Graduada em Pedagogia e Economia pela Universidade Mackenzie. Mestre em Economia pela PUCSP. Doutora em<br />

Ciências Sociais na área de Política, pela PUCSP. Projeto de Pós Graduação na Universidade de Harvard – USA.<br />

Professora de Economia na Faculdade de Direito, Professora de Pós-Graduação em Comércio Exterior e Excelência<br />

Gerencial na FAAP – Fundação Armando Álvares Penteado.<br />

Texto elaborado com a colaboração de Samara Figueiredo e Renata Koraicho, alunas do Curso de Relações Internacionais<br />

da FAAP.<br />

Resumo: Uma missão estudantil da FAAP, baseada em um projeto que foi encubado na Universidade de Harvard e que se<br />

transformou em uma ONG denominada “Caminho de Abraão” possibilitou a observação de que um caminho para a paz<br />

é bem possível e que, existem homens e mulheres de boa vontade tanto em Israel quanto na Palestina que estão dispostos<br />

a encontrar caminhos para dias melhores. Sabemos que o conflito palestino-israelense vem acontecendo durante décadas<br />

de violência, ou por séculos, se considerarmos outros períodos anteriores da História. Interferências estrangeiras como as<br />

norte-americana, inglesa, francesa, egípcia, da Arábia Saudita, da Síria, do Irã, etc. Basicamente, esse conflito se resume<br />

na questão da terra, da água, dos assentamentos, dos refugiados e das fronteiras. Os graves problemas sociais e territoriais<br />

são ainda mais agudos, com posições políticas inflexíveis de ambos os lados. Há desencontros tanto entre os israelenses<br />

como entre os palestinos, quando se trata de ações eficazes para amenizar a situação. O que se contempla é uma situação<br />

de ressentimento e desconfiança mútuos. Para os especialistas em Direito, podemos afirmar que se trata de questões bem<br />

complicadas e confusas de Direitos Humanos e Direito Internacional.<br />

Palavras-chaves: Conflito, paz, direitos humanos, direito internacional, fronteiras, assentamentos, terra e água.<br />

A situação conflituosa entre palestinos e israelenses<br />

foi se mapeando, em nosso entendimento, na medida em<br />

que desembarcávamos em Amã, na Jordânia.<br />

A leitura do livro “Tirando os Sapatos” do<br />

rabino Nilton Bonder, antes da viagem, foi também um<br />

grande apoio no entendimento de várias situações por<br />

nós encontradas através do Caminho de Abraão, que<br />

percorremos no início do ano de 2010, no mês de fevereiro.<br />

Éramos professores e alunos da FAAP, além das<br />

empresas de turismo e de relações internacionais que nos<br />

davam apoio.<br />

Na medida em que avançamos o caminho, a devida<br />

densidade da triste realidade que conhecemos ia dando, ao<br />

mesmo tempo, a noção de esperança de dias melhores. Tem<br />

que haver uma solução!<br />

O antropólogo William Ury, professor do<br />

Departamento de Mediação e Conflitos da Universidade<br />

de Harvard, além do rabino Nilton Bonder e do palestino<br />

Hijazi Eed nos guiaram todo o tempo.<br />

Entre os professores, estava William Waack que,<br />

com sua sabedoria de repórter que cobriu a região durante<br />

muitos anos, prestava informações precisas de como se<br />

comportar em situações de “check point”.<br />

Os “check points” são instalados em regiões<br />

de fronteiras, onde passamos, até a cidade de Tel Aviv<br />

em Israel. Éramos obrigados a parar e mostrar nossos<br />

passaportes. Estávamos de ônibus. Fomos de avião de<br />

São Paulo até Istambul, e de Istambul até Amã. A partir<br />

de Amã, fomos de ônibus e, no trajeto, pernoitamos duas<br />

vezes em residências de colonos palestinos, até chegarmos<br />

em Tel Aviv. Depois de Tel Aviv, visitamos Haifa, que é<br />

maravilhosa e a região de Cesárea, que é lindíssima.<br />

A partida de Tel Aviv, de volta para Istambul, foi<br />

extremamente tensa. Pessoalmente, eu nunca havia visto<br />

tantas metralhadoras cruzadas nos peitos de tantos jovens,<br />

homens e mulheres. O sentimento de ser brasileiro é bom. O<br />

passaporte brasileiro, para soldados tão jovens e armados,<br />

parece ser um símbolo da paz. Os nossos conflitos de<br />

violência são mais focalizados, aqui no Brasil!<br />

Lá se vive um conflito difuso e ameaçador a todo<br />

instante, tanto para palestinos quanto para israelenses.<br />

A história bíblica nos diz que Abraão foi o pai de<br />

todos os cristãos, muçulmanos e judeus. Ele viveu nesta<br />

região há quatro mil anos atrás. Procurava a justiça e o<br />

amor ao próximo. Passou por diversos conflitos. Havia<br />

então o que corresponde hoje aos “check points” dos<br />

israelenses daquela época bíblica, em sentido figurado. Ele<br />

quase matou o próprio filho!<br />

As culturas judaica, cristã e muçulmana são<br />

entrelaçadas e enraizadas a partir desse patriarca. Ele é o<br />

pai dessas três religiões.<br />

Nos nossos dias, tanto no Brasil quanto nos Estados<br />

Unidos, além da região do Oriente Médio onde estivemos,<br />

há também pessoas de boa vontade que fazem do trajeto<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


íblico uma iniciativa de turismo pela paz.<br />

No Brasil, por exemplo, o Sr. David Feffer,<br />

presidente do Centro de Cultura Judaica, citado por Bonder,<br />

é também uma das pessoas de boa vontade que aponta o<br />

caminho para a paz.<br />

Observar os seres humanos, em qualquer hierarquia<br />

cultural, é a experiência mais rara para quem está envolvido<br />

na solução de conflitos desses seres.<br />

O Oriente Médio é uma das regiões mais conflituosas<br />

da agenda internacional, cujos conflitos complicados<br />

e confusos abalam o mundo, há décadas. Uma rápida<br />

abordagem histórica pode ajudar no desafio de entender um<br />

pouco do conflito atual.<br />

Em 1948, houve a criação do Estado de Israel. Os<br />

judeus sempre assumiram esta região de um novo Estado<br />

como algo que sempre lhes pertenceu.<br />

A região poderia ter servido de área para a superação<br />

de diversidades. Dentro de Israel há aproximadamente<br />

cinco milhões de habitantes, quatro milhões dos quais são<br />

judeus. Os palestinos somam aproximadamente quatro<br />

milhões de pessoas, fora de Israel. “Pequenos grupos<br />

foram se estabelecendo na Palestina turca e no Mandato<br />

Britânico, logo após o Holocausto e, principalmente, após<br />

a partida dos britânicos, que se permitiu que o Estado<br />

judaico se tornasse realidade. (Guilbert)<br />

Talvez por inépcia de decisões catastróficas das<br />

pessoas de outros países que dominavam o poder sobre<br />

a região, logo no final da segunda guerra mundial, ali<br />

instalou-se um clima de desconfiança e insegurança , tanto<br />

para os israelenses quanto para os palestinos.<br />

Em Guilbert, temos trechos elucidativos de alguns<br />

fatores beligerantes da região: “cada novo dia acrescenta<br />

algo aos principais temas da História de Israel desde a<br />

fundação do Estado, há cinqüenta anos: as aspirações dos<br />

que lá se encontram há mais tempo e os desejos muitas<br />

vezes opostos dos recém-chegados, numa nação onde os<br />

imigrantes constituem o setor mais vasto da sociedade; as<br />

tensões entre os judeus asquenazes, predominantemente<br />

europeus, e os sefarditas, muitos deles de origem norteafricana;<br />

as tensões entre os judeus ultra-ortodoxos e os<br />

que seguem formas de observância menos rígidas, ou<br />

os que não são , de todo, praticantes; o conflito que se<br />

apresenta ao movimento trabalhista, e à sua ideologia, que<br />

entre 1948 e 1977 dirigiu o Estado praticamente sem ser<br />

desafiado, e que desde 1977 disputa o poder e a influência<br />

com a filosofia revisionista do Likud, que assume posições<br />

muito diferentes no que respeita à natureza do poder do<br />

Estado, ao comportamento das instituições públicas e à<br />

relação com os árabes palestinos”.<br />

Em junho de 1967, Israel ganhou uma guerra que<br />

resultou na aquisição de uma numerosa população árabe.<br />

Em novembro de 1995, o primeiro ministro israelense<br />

Yitzak Rabin foi assassinado por um judeu israelita. Estes<br />

dois fatos relevantes acirraram os conflitos na região.<br />

Logo após 1967, houve enormes batalhas com a<br />

Síria, apoiada pela União Soviética.<br />

O movimento palestino Fatah invadiu Israel. O<br />

Egito de Nasser invadiu Israel. Houve armistício com a<br />

Jordânia.<br />

O exército da Libertação Palestina era financiado<br />

pelo Egito. Hoje o governo do Egito se curva ao intrincado<br />

jogo político do tabuleiro internacional a fim de se manter<br />

no poder.<br />

Yitzak Rabin não considerava sensato um ataque ao<br />

Egito e à Síria nos fins dos anos 50. A França teve um papel<br />

dúbio. Foi fornecedora de armas à Israel e depois causou<br />

descontentamento em Tel aviv e Jerusalém por sua redução<br />

de compromisso ao mero reconhecimento da “existência’<br />

de Israel.<br />

Nasser, anterior ditador do Egito, declarou, em<br />

meados dos anos cinquenta, que: estamos em confronto<br />

com Israel. Ao contrário do que aconteceu em 1956, quando<br />

a França e a Grã-Bretanha estavam ao seu lado, Israel não<br />

conta hoje com o apoio de nenhuma potência européia. É,<br />

no entanto, possível que a América venha em seu auxílio.<br />

Podemos observar que há conflitos dentro do<br />

território israelense, com os próprios israelenses. Há<br />

também grandes conflitos entre os palestinos e o movimento<br />

da Libertação da Palestina.<br />

O confronto de Nasser sempre foi evidente. Ele<br />

queria destruir Israel.<br />

O conflito de 1956 caracterizou-se pela disputa<br />

do Canal de Suez, que é um ponto estratégico para fins<br />

militares e econômicos. Nasser exigiu a retirada das forças<br />

de paz da ONU que controlavam o canal.<br />

Na guerra dos seis dias, de 1967, o exército de Israel<br />

invadiu a península do Sinai, no Egito, parte do território<br />

da Palestina, o “ West Bank” juntamente com Jerusalém<br />

Oriental, as colinas de Golã na Síria e pequena parte do<br />

Líbano.<br />

Esse conflito foi o marco para os assentamentos<br />

judaicos em territórios palestinos ocupados.<br />

Em Guilbert, temos uma breve cronologia de<br />

algumas guerras na região do Oriente Média. Para as<br />

pessoas mais velhas, nos dias de hoje, os fatos recorrentes<br />

ainda estão na memória. Ele nos diz então que Israel foi<br />

vitorioso em 1967, mas “a resolução 242 da ONU exigia<br />

a devolução dos territórios conquistados, parte deles foi<br />

devolvida, mas não tudo. Golã, Jerusalém e uma porção<br />

de terra libanesa foram anexadas como parte de Israel, já<br />

os territórios do “West Bank” e Gaza ficaram sob controle<br />

militar (que estão até hoje), também o Sinai foi mantido<br />

sob controle israelense até 1979.”<br />

Em 1964, teve início um movimento: a Organização<br />

para a Libertação da Palestina (OLP), que ganhou<br />

reconhecimento da ONU em 1974. A OLP entrou em<br />

confronto também com a Jordânia, Esse conflito ficou<br />

conhecido como o movimento Setembro Negro.<br />

Apenas em 1988, a posição da OLP mudou,<br />

passando a rejeitar o terrorismo e a aceitar negociações<br />

55


com Israel.<br />

Voltando para 1973, quando houve a guerra do Yom<br />

Kippur, envolvendo a Síria e Israel, Israel foi vitorioso,<br />

mas ficou inseguro.<br />

Em 1979, houve acordo de paz entre Israel e Egito.<br />

Em 1982, a OLP foi expulsa do Líbano. Em 1987, teve<br />

início a primeira Intifada.<br />

A palavra intifada significa revolta.<br />

Foi um movimento popular com a participação<br />

maciça de jovens que protestavam contra a ocupação do<br />

exército de Israel no território palestino e queriam a volta<br />

da OLP, que havia se exilado na Tunísia. Paus e pedras por<br />

parte dos palestinos, represália militar por parte de Israel.<br />

A comunidade internacional intermediou esse<br />

conflito. Foi assinado um acordo na cidade de Oslo em<br />

1993. Terminou a primeira intifada que estabeleceu o<br />

reconhecimento do Estado de Israel e a volta da OLP à<br />

região palestina.<br />

Em 1994, um atentado judeu dentro de uma<br />

mesquita, retomou os conflitos.<br />

A criação da ANP, Autoridade Nacional Palestina,<br />

trouxe novas perspectivas de paz. Israel retirou parte de seu<br />

controle sobre a Faixa de Gaza e da cidade de Jericó<br />

Em 1995, o acordo de Taba assinado por Rabin e<br />

Arafat chegaria a implementar as eleições na Palestina.<br />

Rabin morto, assumiu Shimon Peres, com visão diferente<br />

de Rabin.<br />

De 1995 até o ano 2000, houve aumento de violência<br />

marcado por ataques suicidas.<br />

A segunda intifada foi de 2000 a 2006. Grupos<br />

palestinos como Hamas e Al-Aqsa incitaram ataques<br />

novamente.<br />

Hamas venceu as eleições de 2006 e negou o<br />

Estado judeu. O Hamas se deparou com muitos conflitos,<br />

principalmente contra o Fatah. Houva ataques constantes<br />

em Israel, que promoveu intervenção militar em Gaza entre<br />

2008 e 2009.<br />

A freqüência dos conflitos diminuiu, mas não<br />

acabou. A ocupação do exército e de assentamentos judeus<br />

continuaram.<br />

Houve também assentamentos de judeus que foram<br />

desfeitos, gerando insegurança e desabrigo.<br />

Em 17 de maio de 2010, lemos nos jornais que o<br />

intelectual judeu americano Noam Chomsky, crítico do<br />

tratamento da questão palestina por Israel, foi impedido<br />

pelo país de entrar no território ocupado da Cisjordânia<br />

onde daria palestra numa Universidade. Após ser barrado,<br />

ele teve de regressar a Amã, na Jordânia.<br />

Em 31 de maio de 2010, lemos que a Marinha de<br />

Israel atacou neste dia uma frota de seis embarcações com<br />

ativistas pró-palestinos que tentavam furar o bloqueio à<br />

faixa de Gaza e entregar suprimentos à região. Nove jovens<br />

morreram no confronto, entre eles um turco-americano.<br />

Os outros oito eram todos turcos, gerando assim mais<br />

um conflito com um país que já havia sedimentado boas<br />

56<br />

relações com Israel, a Turquia.<br />

O atual presidente da ANP – Autoridade Nacional<br />

Palestina, Mahmoud Abbas, decretou três dias de luto nos<br />

territórios palestinos devido ao ataque israelense à “Frota<br />

da Liberdade”, que se dirigia para a Faixa da Gaza. Em<br />

comunicado emitido da Cisjordânia, por meio da agência<br />

oficial palestina “Wafa”, Mahmud Abbas, chefe da ANP,<br />

não anunciou, no entanto, uma interrupção do diálogo<br />

indireto de paz com Israel.<br />

Os representantes da comunidade palestina,<br />

com cidadania israelense, estão se movimentando para<br />

manifestações, assim como outros diversos países.<br />

Um histórico informa que Israel decretou um<br />

bloqueio quase total à entrada de mercadorias na faixa de<br />

Gaza desde que o grupo islâmico Hamas tomou à força o<br />

controle da região, em junho de 2007.<br />

O Hamas é acusado pelos disparos de milhares de<br />

mísseis contra o território israelense na última década.<br />

Israel diz que permite a entrada de 15 mil toneladas de<br />

suprimentos de ajuda humanitária a Gaza a cada semana,<br />

mas a ONU diz que isso é menos de um quarto do<br />

necessário.<br />

No início do mês de junho, outro navio de<br />

estrangeiros, em missão humanitária, furou o bloqueio que<br />

Israel impunha à Faixa de Gaza (ressaltando que o Egito<br />

também impõe bloqueio na parte sul de Gaza).<br />

Não houve confrontos nem problemas, uma vez<br />

que a tripulação foi bem explícita e, com antecedência,<br />

preveniu a marinha israelense de que se tratava de ajuda<br />

humanitária. Portanto, assistimos a cenas em que o<br />

entendimento é possível de ambas as partes.<br />

No âmbito internacional, observamos grandes<br />

problemas com as estruturas políticas advindas de países<br />

que tomam decisões sobre a situação do conflito palestino<br />

israelense.<br />

Turquia de um lado, Egito do outro, Irã demonizando<br />

o Hamas, ainda mais, ameaçando enviar armas, Estados<br />

Unidos perdendo terreno. França e Inglaterra assistindo<br />

diplomaticamente os acontecimentos na região que já foi<br />

dominada por eles. Enfim, o conflito sempre teve decisões<br />

além fronteiras.<br />

Internamente ao conflito, sempre há os dois lados.<br />

Quanto mais radical cada lado, mais o conflito se acirra.<br />

Por mais paradoxal que possa parecer, para visitar o<br />

túmulo de Abraão, também há dois lados. O lado palestino<br />

e o lado israelense. Que ironia! Como já estávamos do<br />

lado palestino, fomos novamente revistados para entrar no<br />

lado israelenses.<br />

Mas o esforço de paz tem que continuar. O papel da<br />

ONU terá sempre que ser fundamental e não imprudente,<br />

efetuando decisões que possam irritar qualquer uma das<br />

partes.<br />

Para alguns observadores, Israel luta por uma terra<br />

que sempre foi deles. Os palestinos, por sua parte, defendem<br />

o “utis possidetis” - “como possuis, assim possuais” do<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


direito romano, reconhecido pelo direito internacional.<br />

O rabino Nilton Bonder, que fez e escreveu sobre o<br />

Caminho de Abraão e passou por diversas cidades árabes<br />

como Damasco e Alepo não teve problemas, uma vez que o<br />

seu passaporte é brasileiro. Ele que é um tradutor da cultura<br />

judaica milenar para o século XXI.<br />

Segundo Bonder, as estruturas políticas dificultam o<br />

término do conflito.<br />

Os radicalismos políticos de ambas as partes,<br />

israelenses ou palestinas são, claramente, os grandes<br />

obstáculos para a paz.<br />

Durante o nosso caminho, ouvimos narrativas de<br />

ex soldados israelenses que participam da ONG “Breaking<br />

the Silence” a respeito do sofrimento dos jovens soldados<br />

que, muitas vezes agem sem consciência do que estão<br />

fazendo e, simplesmente, atiram ou agridem porque vivem<br />

armados com metralhadoras de última geração e, dentro<br />

de um clima de poder e de imaturidade são envolvidos<br />

em situação de poder e domínio. Eles agem baseados em<br />

ordens superiores.<br />

Vistos de longe, esses jovens são franco atiradores.<br />

De perto, são tão vítimas quanto as suas próprias vítimas.<br />

De perto, e conversando com eles, é que se sente as<br />

conseqüências dentro daquelas almas.<br />

Ouvimos e vimos também esperança em muitos<br />

jovens carentes, que vivem em escolas tutoradas por<br />

pessoas voluntárias e observadores internacionais, como a<br />

ONG “Tomorrow´s Youth”<br />

Interessante notar que cidadãos europeus trabalham<br />

como voluntários em áreas de risco pelo simples prazer de<br />

dar apoio aos necessitados e dar sentido às suas vidas. São<br />

os ativistas da paz, os “peace makers”.<br />

Israelenses e palestinos, os cidadãos comuns,<br />

seriam bem felizes se conseguissem a paz. Foi notório o<br />

fato presenciado da convivência de israelenses e palestinos<br />

quando a situação não é de guerra.<br />

Há vida pulsante em alguns locais e falta de<br />

entusiasmo em outros.<br />

Muitos jovens revoltados obedecendo a ordens<br />

atrasadas e mal interpretadas de líderes que outrora não<br />

resolveram de maneira consensual a grande questão da<br />

divisão das terras palestinas.<br />

O conflito palestino-israelense também persiste<br />

com relação à água.<br />

Após a ocupação da Cisjordânia em 1967, Israel<br />

declarou que todas as reservas de água passariam para seu<br />

controle e instituiu um sistema de licenciamento seletivo<br />

para a construção de novos poços e sistemas hidráulicos.<br />

Desde 1982, o consumo de água por parte da população<br />

israelense aumentou, o que ocasionou a secagem dos<br />

poços palestinos (Smith). Esta situação ainda não está<br />

solucionada.<br />

Muitos israelenses desaprovam a maneira como as<br />

autoridades propriamente israelenses tratam a questão da<br />

água com os palestinos.<br />

Os palestinos são hoje o maior grupo de refugiados<br />

do mundo, tanto dentro de Israel quanto em outras regiões.<br />

O primeiro grande grupo chegou logo após a<br />

fundação de Israel, em 1948, com a ida de mais de 80%<br />

de palestinos. O segundo grande grupo chegou em 1967<br />

quando a Cisjordânia e Gaza foram conquistadas por Israel.<br />

A população de refugiados palestinos é de,<br />

aproximadamente, três milhões e oitocentos mil pessoas e<br />

está crescendo na proporção de 3% ao ano.<br />

O governo de Israel busca solucionar o problema<br />

transferindo os refugiados para os demais países árabes.<br />

A OLP insiste no direito absoluto de retorno a todos os<br />

refugiados palestinos que ali chegaram desde 1948 (Smith).<br />

Em 2005, Israel começou a tirar suas colônias<br />

em Gaza, controlando, todavia, o acesso a esse território<br />

palestino. Há em Gaza 5.451 palestinos por km2 e 48<br />

judeus por km2.<br />

Israel está terminando um muro de segurança,<br />

dividindo o território ocupado da Cisjordânia do território<br />

de Israel.<br />

Há palestinos refugiados na Argélia, na Líbia, no<br />

Egito e muitos concentrados em assentamentos na Jordânia<br />

e na Cisjordânia, desde a segunda guerra mundial<br />

Em 1948, Israel assumiu o controle do lado oeste<br />

de Jerusalém.<br />

Em 1967, Israel assumiu o lado leste de Jerusalém.<br />

Em 1980, Jerusalém foi declarada a capital de Israel.<br />

Destacam-se em Tel Aviv, Jerusalém e Haifa,<br />

grupos de pessoas, autoridades, pensadores, advogados,<br />

mediadores que estão ansiosos para solucionar o conflito.<br />

É um tipo de sentimento que move o dia a dia, mas que<br />

também depende das pessoas que detêm o poder e que<br />

tomam decisões, inclusive em outros países.<br />

Em uma região tão maravilhosa e tão significante<br />

para a humanidade, um desafio de paz é uma ação profunda<br />

de interesse humanitário.<br />

Algo tem que ser feito. Ainda que seja apenas<br />

carregar um pouquinho de terra ou um pouquinho de água.<br />

A ONG Caminho de Abraão preenche este intento<br />

de objetivo pacificador. Ao invés da imagem do terrorismo,<br />

ficarmos com a imagem do turismo, pelo menos é uma saída<br />

possível. Foi possível passar pela Jordânia, Cisjordânia e<br />

Israel de maneira acadêmica e pesquisadora, mas também<br />

de maneira turística, pois foi assim que muitos cidadãos,<br />

israelenses ou palestinos vinham ao encontro de nosso<br />

grupo perguntar de onde éramos com uma mistura de<br />

admiração e simpatia. Sempre com as portas e janelas<br />

abertas de sua casa. Como Abraão, para quem a principal<br />

virtude do ser humano é a receptividade e o acolhimento<br />

ao ser humano.<br />

Da próxima vez, gostaríamos que o mesmo túmulo<br />

pudesse ser visitado de todos os lados, tanto por palestinos<br />

quanto por israelenses.<br />

57


Abstract: A mission of student FAAP, based on a project<br />

that was incubated at Harvard University and is became in<br />

an NGO called “Abraham Path will make the observation<br />

that a path to peace is quite possible and that there are men<br />

and women of goodwill in both Israel and Palestine who<br />

are willing to find ways to better days. We know that the<br />

Palestinian-Israeli conflict has been going on for decades<br />

of violence, or for centuries, if we consider other earlier<br />

periods of history. Foreign interference as the American,<br />

English, French, Egyptian, Saudi Arabia, Syria, Iran, etc..<br />

Basically, this conflict boils down to the question of land,<br />

water, settlements, refugees and borders. The serious social<br />

58<br />

problems and land are even more acute, with rigid political<br />

positions of both sides. There are disagreements both among<br />

Israelis and among Palestinians when it comes to effective<br />

action to alleviate the situation. What is contemplated is a<br />

situation of mutual distrust and resentment. For experts in<br />

Law, can be stated that these issues are very complicated<br />

and confusing for Human Rights and International Law.<br />

Key words: conflict, peace, human rights, international<br />

law, borders, settlements, land and water.<br />

BON<strong>DE</strong>R, N. “Tirando os Sapatos” - 2008 - Ed. Rocco<br />

FLINT, G. “Miragem de Paz – Israel e Palestina: Processos e Retrocessos” - 2009. Ed. Civilização Brasileira.<br />

GILBERT, M. “História de Israel” - 2009 - Ed. 70 – Portugal<br />

SMITH, D. “Atlas dos Conflitos Mundiais” - 2007 - Cia Editora Nacional<br />

SMITH, D. “O Atlas do Oriente Médio” - 2008 - Cia Editora Nacional<br />

ABRAHAM´S PATH INITIATIVE<br />

HARVARD LAW SCHOOL<br />

POUND HALL 513<br />

1563 MASSACHUSETTS 02138<br />

Bibliografia<br />

Referência<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


Breves considerações sobre o artigo 467 da CLT<br />

THEREZA CHRISTINA NAHAS<br />

Mestre e doutora pela PUC/SP; Juíza Titular da 61.ª Vara do Trabalho de São Paulo; professora universitária no curso de<br />

Graduação da FAAP e no Mestrado da UNIVEM –Marília; doutoranda e pesquisadora pela Universidade Castilla de La<br />

Mancha – Espanha e especialista em direito do Trabalho pela Universidade de Lisboa (PT); autora de livros publicados<br />

pela editora Campus-Elsevier. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2361402097260893.<br />

Resumo: A alteração do art. 467 da CLT causa divergências na forma de sua aplicação e nas situações fáticas que opera.<br />

Há necessidade de adequar o instituto com normas processuais e de direito material para que a extensão de regras que<br />

impliquem em imposições de multas não sofra uma interpretação elástica não permitida pelos métodos de interpretação.<br />

Uma análise do tema nos dá conta dos desdobramentos que ele pode gerar.<br />

Palavras chaves: Direito do Trabalho; multa do art. 467 da CLT; Aplicações.<br />

A antiga redação do artigo 467 da CLT visava<br />

a garantia do pagamento dos salários stricto sensu,<br />

assegurando a todo aquele que comparecesse ao Tribunal do<br />

Trabalho o pagamento dos mesmos. Se fosse incontroversa<br />

a dívida, deveria o empregador pagar a verba em dobro. A<br />

intenção do legislador foi, sem sombra de dúvida, assegurar<br />

o pagamento do salário ao trabalhador que é despedido e se<br />

vê privado dessa verba relativa a contraprestação do seu<br />

trabalho. Observe-se que o legislador, quando se referiu a<br />

salário, o fez independente da forma de rescisão contratual,<br />

evidentemente por considerar tal verba a contraprestação<br />

mínima que deve ser paga ao empregado, sendo certo que o<br />

único fato gerador desta obrigação é a prestação do serviço.<br />

Diante disso Mozart Victor Russomano ensina<br />

que são três os requisitos indispensáveis à aplicação do<br />

artigo 467 da CLT na sua redação original: “I -Rescisão do<br />

contrato de trabalho. A lei exclui da hipótese de pagamento<br />

duplo dos salários os casos em que não haja rescisão do<br />

contrato…. II- Salário incontroverso. A porção salarial que<br />

deve ser paga de imediato em juízo é aquela sobre a qual<br />

não há a menor dúvida, sendo reconhecido pelo devedor…<br />

III – Retardamento no ato de pagar. O empregador pode<br />

pagar os salários incontroversos, sem maiores ônus, até o<br />

momento em que comparecer perante a Justiça. Só depois<br />

disso é que caberão os salários duplos” 1<br />

Posteriormente, este dispositivo sofreu algumas<br />

alterações inseridas por Medida Provisória, passando a ter<br />

a seguinte redação: “Parágrafo único. O disposto no caput<br />

não se aplica à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos<br />

Municípios e as suas autarquias e fundações públicas.”<br />

Foram as seguintes as medidas provisórias<br />

que se seguiram na regulamentação desse dispositivo:<br />

1 Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, p. 585-586.<br />

Originária:1.798. Edições: 1.798-1, 1.798-<br />

2, 1.798-3, 1.798-4, 1.798-5, 1.906-6, 1.906-7, 1.906-8,<br />

1.906-9, 1.906-10, 1.906-11, 1.984-12, 1.984-13, 1.984-14,<br />

1.984-15, 1.984-16, 1.984-17, 1.984-18, 1.984-19, 1.984-<br />

20, 1.984-21, 1.984-22, 1.984-23, 1.984-24, 1.984-25,<br />

2.102-26<br />

A última Medida Provisória que conservou a<br />

redação de tal dispositivo foi a de n. 2.180-35 de 24/08/2001.<br />

Depois da publicação da Emenda Constitucional número<br />

32, a referida Medida não teve mais republicação e<br />

tampouco foi convertida em lei, e, em face da redação da<br />

Emenda, dois entendimentos se formaram, quais sejam,<br />

o de revogação (ou perda da eficácia) das Medidas não<br />

votadas; o da conversão automática das Medidas não<br />

votadas em lei.<br />

Em 05.09.2001 , entrou em vigor a Lei 10.272<br />

que alterou a redação originária do art. 467 , passando este<br />

dispositivo a ter a seguinte redação: “Em caso de rescisão<br />

de contrato de trabalho, havendo controvérsia sobre o<br />

montante das verbas rescisórias, o empregador é obrigado<br />

a pagar ao trabalhador, à data do comparecimento à Justiça<br />

do Trabalho, a parte incontroversa dessas verbas, sob pena<br />

de pagá-las acrescidas de cinqüenta por cento.”<br />

A alteração veio em boa hora e certamente conteve<br />

os abusos que podem ser verificados em face da demora<br />

ou burocracia do andamento processual. Se o trabalhador<br />

vem a juízo reclamar verbas rescisórias e a parte contrária<br />

reconhece a dívida, mas não realiza o pagamento, outra<br />

não pode ser a solução que não a de aplicar uma multa ao<br />

devedor confesso e impontual. Mas, a redação, frente as<br />

diversas situações fáticas que podem ocorrer, nos levam<br />

a considerar alguns pontos que podem apresentar certa<br />

controvérsia.<br />

59


O primeiro deles concerne ao que se deve<br />

entender por verbas rescisórias. Duas posições certamente<br />

se formam. A primeira, que sustenta ser todas as verbas<br />

do contrato de trabalho, inclusive aquelas que não se<br />

referem necessariamente a verbas inerentes a uma rescisão<br />

contratual. A segunda posição que entende ser verbas pagas<br />

por decorrência da extinção do vínculo laboral.<br />

Filiamo-nos a esta segunda corrente.<br />

Na prática trabalhista, as verbas rescisórias<br />

sempre foram entendidas e discriminadas pelos patronos<br />

dos reclamantes nas ações trabalhistas como verbas<br />

inerentes a rescisão contratual, qualquer que fosse a sua<br />

modalidade. Se o legislador quisesse englobar todas as<br />

verbas contratuais, não necessariamente as rescisórias,<br />

não teria limitado a incidência da multa a tais verbas, as<br />

quais, gramaticalmente, indica verbas devidas por ocasião<br />

da rescisão contratual.<br />

Não temos dúvidas, enfim, de que a expressão<br />

“verbas rescisórias” se refere a verbas devidas por ocasião<br />

da rescisão contratual independentemente a que título for,<br />

isto é, término do contrato de trabalho onde há subordinação<br />

estrita, rompido com ou sem justo motivo por qualquer das<br />

partes.<br />

Sendo assim, tal dispositivo aplica-se a contratos<br />

regidos pela CLT, com exclusão de qualquer outra em que<br />

haja a relação de trabalho autônomo ou semi-dependente,<br />

o que implica dizer que não haverá incidência deste<br />

dispositivo nas reclamações, por exemplo, fundadas no<br />

término de prestação de serviços regida pelo Código Civil.<br />

Quanto aos requisitos legais para aplicação da<br />

nova redação do dispositivo supramencionado, é a mesma<br />

que, de forma muito feliz, Russomano catalogou e acima já<br />

transcrevemos, com a novidade de que, agora, refere-se a<br />

todas as verbas rescisórias e não somente ao saldo salarial,<br />

como dantes ocorria.<br />

No que concerne a ausência de defesa, mais<br />

especificamente, contestação, queremos traçar uma<br />

observação. Não contestar equivale a presunção de<br />

concordância com aquilo que foi alegado pela parte na<br />

afirmação inicial. Para se resolver a questão que possa vir<br />

a surgir, necessário atentar para a diferença entre confissão<br />

e revelia, expressões estas que, num primeiro momento,<br />

acabam por ser confundidas na redação do art. 844 da CLT.<br />

O artigo 844 da CLT traz a situação da<br />

confissão de fato ante a ausência da parte e, por<br />

conseqüência, da defesa. A redação é, historicamente,<br />

situada num momento em que a presença do Advogado<br />

nas reclamações trabalhistas era esporádica e que sequer<br />

se falava, ainda, em Justiça do Trabalho, órgão integrante<br />

do Poder Judiciário. Daí presumir o legislador que, se a<br />

parte não comparecesse, certamente não haveria defesa e,<br />

conseqüentemente, seria confessa em face da ausência de<br />

defesa.<br />

Mas, pode ocorrer de o réu não comparecer a<br />

sessão, mas comparecer seu patrono, munido de defesa. Se<br />

60<br />

a defesa é apresentada não se pode dizer que a parte é revel.<br />

Todavia, sua ausência poderá implicar em confissão, não<br />

decorrente da ausência de defesa, mas sim, conseqüência<br />

de seu não comparecimento (o art. 844 da CLT refere-se<br />

a revelia e confissão decorrentes da ausência da parte).<br />

Observe-se, contudo, que tal confissão é ficta e se a defesa,<br />

porventura apresentada, trouxer a controvérsia sobre a<br />

questão ou mesmo a prova documental do pagamento,<br />

pensamos que o Juiz não poderá ignorá-lo.<br />

Sendo assim, a Súmula 69 do C. TST não resolveu<br />

esta questão, pois tão somente repetiu a redação do art. 844<br />

da CLT e dispôs que se aplicará a multa de 50% ao réu revel<br />

e confesso. Portanto, os entendimentos divergentes quanto<br />

à melhor compreensão do art. 844 da CLT permanecem,<br />

persistindo os que recebem a defesa daquele que somente<br />

se encontra representado por Advogado; e aqueles que<br />

sequer determinam a sua juntada aos autos, por considerar<br />

que efetivamente a parte está ausente para os termos<br />

daquele dispositivo.<br />

A se considerar a ausência da parte contrária a<br />

primeira sessão, o que passamos a questionar é se a multa<br />

seria ou não devida.<br />

A Súmula 69 do C.TST parece ter resolvido a questão<br />

e assim dispõe: “SUM-69 RESCISÃO DO CONTRATO<br />

(nova redação) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003<br />

A partir da Lei nº 10.272, de 05.09.2001, havendo rescisão<br />

do contrato de trabalho e sendo revel e confesso quanto<br />

à matéria de fato, deve ser o empregador condenado ao<br />

pagamento das verbas rescisórias, não quitadas na primeira<br />

audiência, com acréscimo de 50% (cinqüenta por cento).”<br />

Como escrevemos, a Súmula trata da redação<br />

do art. 467 da CLT que dispõe que, havendo rescisão do<br />

contrato e não sendo as verbas rescisórias controvertidas<br />

, o empregador deverá pagá-las na primeira audiência e,<br />

se não o fizer, incidirá a multa de 50% sobre tais valores.<br />

Há que se admitir que a redação falaciosamente pode<br />

comportar os dois entendimentos quando se tratar de<br />

revelia. Todavia, pensamos que o fato de o legislador se<br />

referir a comparecimento à Justiça do Trabalho e a parte<br />

incontroversa, está se referindo ao reconhecimento do<br />

pedido pela parte contrária e não a uma omissão. Além<br />

do que o dispositivo impõe uma norma de natureza<br />

sancionatória, o que merece interpretação restritiva e não<br />

extensiva. Não obstante a cláusula penal tenha natureza<br />

jurídica de direito material, sua incidência depende de um<br />

procedimento (ou omissão) no procedimento processual.<br />

Daí entendermos que a multa somente poderia incidir<br />

quando preenchidos os requisitos legais, quais sejam, o (a)<br />

comparecimento e o (b) reconhecimento do pedido. Volta<br />

a norma jurídica a coagir a parte devedora a cumprir sua<br />

obrigação de forma espontânea, beneficiando-a se assim o<br />

fizer, ante a não incidência de um gravame maior.<br />

Por fim, a última dificuldade que o art. 467 da CLT<br />

traz é saber o que são as verbas rescisórias, pois se percebe<br />

que, na prática, tem-se pleiteado toda verba reclamada,<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


inclusive prestações contratuais como verbas rescisórias.<br />

A interpretação é restritiva. Verbas rescisórias são aquelas<br />

que se devem por ocasião do final do pacto contratual.<br />

É possível, que entre elas se inclua férias vencidas ou<br />

reflexos de horas extras e noturnas habitualmente prestadas<br />

sobre elas, mas isso não altera a natureza das horas extras,<br />

por exemplo, como se tal prestação fosse sempre verba<br />

rescisória. Verba rescisória é aquilo que o empregador deve<br />

pagar ao trabalhador pelo acertamento final do seu contrato<br />

de trabalho sem inclusão de nenhum outro valor. Inclui-se<br />

ai, a multa fundiária.<br />

Portanto, entendemos que não se poderá aplicar<br />

ao revel e confesso a referida multa. Com mais razão, não<br />

se aplicará quando se tratar de formação de litisconsorte<br />

passivo e um deles contestar a ação. Forçosa a aplicação<br />

do art. 320, I do CPC que dispõe que, havendo pluralidade<br />

de partes e uma delas contestar a ação, não se verificará o<br />

efeito da confissão, situação fática esta não prevista no bojo<br />

das normas processuais expostas na CLT.<br />

Por fim, duas situações mais devem ser tratadas.<br />

As relacionadas à Fazenda Pública e às empresas que já<br />

tiveram a quebra decretada.<br />

Há quem entenda que o parágrafo único do art. 467<br />

da CLT teria perdido a vigência em face da não reedição da<br />

medida e, principalmente pela entrada em vigor da Emenda<br />

Constitucional 32.<br />

Ocorre que o argumento de que tal parágrafo teria<br />

sido revogado, é falacioso. Vejamos a redação do artigo<br />

2.º da referida Emenda, que dispôs sobre as Medidas<br />

Provisórias em vigor na data de entrada em vigor da<br />

Emenda: “Art. 2.º. As medidas provisórias editadas em<br />

data anterior à da publicação desta emenda continuam<br />

em vigor até que medida provisória ulterior as revogue<br />

explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso<br />

Nacional.”<br />

Observe-se que, ao contrário da Medida Provisória<br />

que é editada por ato exclusivo do Executivo, a Emenda<br />

sofre um processo detalhado e restrito de aprovação pelo<br />

Congresso Nacional. Desta forma, o que quis o Congresso,<br />

analisando a redação da Emenda e mesmo o momento<br />

político que o País passou na data de sua discussão e<br />

aprovação foi, certamente, o de converter a provisoriedade<br />

das medidas provisórias em lei. Não nos parece que o artigo<br />

2.º acima descrito possa receber interpretações dúbias, pois<br />

é expresso no sentido de estender a vigência da norma<br />

provisória.<br />

Podemos sustentar que tal situação é incompatível<br />

com a natureza da medida provisória. Todavia, a norma que<br />

inseriu esta situação inusitada é Emenda Constitucional<br />

e não mera lei ordinária, de sorte que não podemos<br />

questionar sua validade em face do conteúdo em que se<br />

inseriu. Efetivamente é uma situação nova e assim deverá<br />

ser aplicada e interpretada dentro do nosso ordenamento<br />

jurídico.<br />

Portanto, o parágrafo único do artigo 467 está em<br />

vigor até que medida provisória ulterior o revogue ou até<br />

deliberação definitiva pelo Congresso Nacional.<br />

Isso quer dizer que se as pessoas Públicas, quais<br />

sejam, União, Estado, Distrito Federal, Municípios,<br />

Autarquias e Fundações Públicas não contestarem na peça<br />

de defesa a ação e a dívida quando as verbas rescisórias<br />

forem incontroversas, não deverão pagá-las com o<br />

acréscimo de 50%. Este mesmo efeito acontecerá se tratarse<br />

de revelia do órgão público, por disposição expressa<br />

subsidiária do que diz o artigo 320 do Código de Processo<br />

Civil que excepciona os efeitos da revelia para os entes<br />

públicos.<br />

Não se diga que se está protegendo o ente público<br />

com tal entendimento, causando uma discrepância<br />

na aplicação da Lei, pois tais pessoas não possuem<br />

disponibilidade patrimonial em face da natureza pública<br />

dos bens e interesses envolvidos.<br />

Nas situações em que o réu for massa falida ou<br />

empresa em liquidação extrajudicial, tal multa não será<br />

aplicada, justamente porque tais pessoais não possuem<br />

liberdade na administração do seu patrimônio, devendo<br />

sujeitar-se às regras legais sobre tais institutos.<br />

Observamos que o dispositivo não impede<br />

a aplicação da multa prevista no artigo 477 da CLT<br />

e, tampouco, a astreintes do artigo 461 do CPC. São<br />

situações diversas que podem ser aplicadas em conjunto,<br />

dependendo, evidentemente, da situação fática colocada<br />

em Juízo. Matéria esta diversa da que aqui se tratou.<br />

Por fim, quanto à aplicação da multa, não nos<br />

parece que necessariamente deva existir a provocação da<br />

parte interessado. O Juiz pode aplicá-la de ofício pois há<br />

uma ordem expressa no dispositivo legal no sentido de que,<br />

aquele que comparecer ao Tribunal, reconhecendo a dívida,<br />

não honrá-la, será obrigado a pagá-la em dobro. Assim, em<br />

todas as situações que o Juiz verificar a situação, deverá<br />

condenar ao pagamento acrescido de 50%, entendendo-se<br />

que a multa nada mais é do que um acessório que segue<br />

a condenação principa,l desde que verificada a situação<br />

fática trazida pelo legislador.<br />

Abstract: The amendment of art. 467 CLT cause<br />

differences in the way of its implementation and factual<br />

situations in which it operates. There is a need to adjust<br />

the institute with procedural and substantive law for the<br />

extension of rules that result in charges of fines does not<br />

suffer an elastic interpretation is not permitted by the<br />

methods of interpretation. An analysis of the subject gives<br />

an account of developments that it can generate.<br />

Key words: Labor Law; Fine art. 467 CLT; Applications.<br />

61


62<br />

Bibliografia<br />

RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 17a edição. Rio de Janeiro: Forense.<br />

Pp. 585-586. 1997.<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


PO<strong>DE</strong>R JUDICIÁRIO<br />

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul<br />

8.º Câmara Cível<br />

Agravo de instrumento n.º 70034876383.<br />

Agravante: C.L.M<br />

Agravado: E.S.D.<br />

Ementa<br />

Fixação de alimentos gravídicos. Impossibilidade, no caso<br />

concreto. Lei n.º 11.804/08. Considerando a inexistência de<br />

indícios da paternidade do demandado, descabida a fixação<br />

de alimentos gravídicos. Negado provimento ao recurso.<br />

Decisão monocrática<br />

Vistos.<br />

01 – Cuida-se de Agravo de Instrumento interposto<br />

por C.L.M., inconformada com a decisão de fl. 37 (deste<br />

instrumento) que indeferiu seu pedido de alimentos<br />

gravídicos.<br />

Em suas razões, alega que há nos autos<br />

documentos comprovando que a agravante é pessoa<br />

pobre, está desempregada, e necessita suporte financeiro<br />

durante a gestação. Sustenta ainda, que admite-se a não<br />

demonstração do vínculo de paternidade. Caso o demando<br />

vier demonstrar o contrário, a decisão poderá ser revogada<br />

ou modificada nos termos do art. 237, § 4° do Código de<br />

Processo Civil. Requer o provimento do recurso.<br />

É o relatório.<br />

02- O recurso não merece provimento.<br />

Com efeito, a Lei 11.804/08, veio regulamentar a<br />

existência de alimentos gravídicos, quais sejam, aqueles<br />

percebidos pela gestante ao longo da gravidez.<br />

De acordo com a doutrina, “Vislumbra-se através<br />

da Lei de Alimentos Gravídicos a busca incessante pela<br />

dignidade da pessoa humana, pessoa esta considerada desde<br />

a sua concepção. Alcança a nova legislação alimentícia<br />

as características atinentes a repersonalização do Direito<br />

Civil, a conseqüente despatrimonialização do Direito de<br />

Família e a responsabilização efetiva da parentalidade.”<br />

(http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=467,<br />

Alimentos Gravídicos: Aspectos da Lei 11.804/0,<br />

19/11/2008 | Autor: Leandro Soares Lomeu)<br />

Antes mesmo da existência da referida lei, a<br />

jurisprudência desta corte entendia cabível a fixação de<br />

alimentos ao nascituro:<br />

ALIMENTOS EM FAVOR <strong>DE</strong><br />

NASCITURO. Havendo indícios da<br />

paternidade, não negando o agravante<br />

contatos sexuais à época da concepção,<br />

impositiva a manutenção dos alimentos à<br />

mãe no montante de meio salário mínimo<br />

para suprir suas necessidades e também<br />

as do infante que acaba de nascer. Não<br />

afasta tal direito o ingresso da ação de<br />

investigação de paternidade cumulada com<br />

alimentos. Agravo desprovido. (SEGREDO<br />

<strong>DE</strong> JUSTIÇA) (Agravo de Instrumento<br />

Nº 70018406652, Sétima Câmara Cível,<br />

Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria<br />

Berenice Dias, Julgado em 11/04/2007)<br />

AGRAVO <strong>DE</strong> INSTRUMENTO.<br />

ALIMENTOS PROVISÓRIOS.<br />

NASCITURO. CABIMENTO.<br />

PRELIMINAR. A decisão que fixa os<br />

alimentos provisórios em prol do nascituro,<br />

sem por fim a demanda, desafia agravo de<br />

instrumento e não apelação. O agravante não<br />

nega o relacionamento amoroso mantido<br />

com a representante do nascituro, tampouco<br />

que tenha mantido relação sexual com<br />

ela à época da concepção. Alegação de<br />

dúvida sobre a paternidade não infirma o<br />

disposto no art. 2º do CC quanto à proteção<br />

aos direitos do nascituro. Precedentes.<br />

Preliminar rejeitada. Recurso desprovido.<br />

(Agravo de Instrumento Nº 70021002514,<br />

Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do<br />

RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade,<br />

Julgado em 15/10/2007)<br />

A novel legislação trouxe à baila situação já<br />

contemplada por esta Corte, mas ainda não regulamentada.<br />

Diante da nova Lei, é forçoso concluir pela<br />

possibilidade de fixação de alimentos antes do nascimento<br />

da prole, a fim de que a genitora possa cobrir as despesas<br />

adicionais decorrentes do período de gravidez, desde que<br />

haja indícios da paternidade.<br />

Assim é o art. 6º da Lei 11.848/08: “Convencido<br />

da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará<br />

alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da<br />

criança, sopesando as necessidades da parte autora e as<br />

possibilidades da parte ré.”<br />

Na hipótese, entretanto não há nos autos indícios<br />

de que o agravado, que sequer foi citado, seja o genitor<br />

do nascituro, porquanto o único documento dos autos é<br />

a inscrição da recorrente como dependente no plano de<br />

saúde, prova que não se mostra suficiente.<br />

Não resta evidenciado, por ora, qualquer indicativo<br />

de que o recorrido seja o genitor do nascituro.<br />

63


64<br />

À similitude:<br />

AGRAVO <strong>DE</strong> INSTRUMENTO. AÇÃO<br />

<strong>DE</strong> ALIMENTOS GRAVÍDICOS. LEI Nº<br />

11.848/08. AUSÊNCIA <strong>DE</strong> INDÍCIOS<br />

DA PATERNIDA<strong>DE</strong>. O deferimento de<br />

alimentos gravídicos à gestante pressupõe<br />

a demonstração de indícios da paternidade<br />

atribuída ao agravado, não bastando a mera<br />

imputação da paternidade ( Lei 11.848/08).<br />

Ônus da agravante em demonstrar<br />

verossimilhança das alegações, diante da<br />

impossibilidade de se exigir prova negativa<br />

por parte do indigitado pai. Ausente<br />

comprovação mínima das alegações iniciais,<br />

resta inviabilizada, na fase, a concessão<br />

dos alimentos gravídicos, devendo o pleito<br />

de alimentos ser reexaminado no curso da<br />

ação de alimentos, a vista de provas trazidas<br />

aos autos. AGRAVO <strong>DE</strong> INSTRUMENTO<br />

<strong>DE</strong>SPROVIDO. (Agravo de Instrumento<br />

Nº 70033946393, Sétima Câmara Cível,<br />

Tribunal de Justiça do RS, Relator: André<br />

Luiz Planella Villarinho, Julgado em<br />

20/12/2009)<br />

AGRAVO <strong>DE</strong> INSTRUMENTO.<br />

FAMILIA. PRELIMINAR <strong>DE</strong><br />

IMPROPRIEDA<strong>DE</strong> DO RECURSO.<br />

AFASTAMENTO. POSSIBILIDA<strong>DE</strong><br />

<strong>DE</strong> INTERPOSIÇÃO <strong>DE</strong> AGRAVO <strong>DE</strong><br />

INSTRUMENTO CONTRA <strong>DE</strong>CISÃO<br />

INTERLOCUTÓRIA PROFERIDA EM<br />

AUDIÊNCIA, MORMENTE QUANDO<br />

PRESENTES A POSSIBILIDA<strong>DE</strong> DA<br />

OCORRÊNCIA <strong>DE</strong> LESÃO GRAVE E <strong>DE</strong><br />

DIFÍCIL REPARAÇÃO. ARTS. 522 E 527,<br />

II, DO CPC. ALIMENTOS GRAVÍDICOS.<br />

INDÍCIOS <strong>DE</strong> PATERNIDA<strong>DE</strong><br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.<br />

INSUFICIENTES. ART. 6º DA LEI<br />

11.804/08. AGRAVO PROVIDO. (Agravo<br />

de Instrumento Nº 70028848547, Sétima<br />

Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,<br />

Relator: José Conrado de Souza Júnior,<br />

Julgado em 27/05/2009)<br />

Desta forma, correta a decisão que deixou de fixar os<br />

alimentos gravídicos, porquanto ausente qualquer indício<br />

sobre a paternidade do nascituro.<br />

Do exposto, com fundamento no art. 557, “caput”, do<br />

CPC, nego seguimento ao presente recurso, mantendo<br />

a decisão agravada.<br />

Porto Alegre, 26 de março de 2010.<br />

Claudir Fidélis Faccenda<br />

Desembargador Relator.


PO<strong>DE</strong>R JUDICIÁRIO<br />

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo<br />

ACÓRDÃO<br />

Alimentos gravídicos – Indícios suficientes da paternidade – Arbitramento compatível com o disposto no art. 2º, da Lei<br />

11.804/2008 (15% dos vencimentos líquidos) – Não provimento.<br />

Vistos, relatados e discutidos estes autos de AGRAVO <strong>DE</strong> INSTRUMENTO nº 994.09.290371-9 (antigo nº 685.799-<br />

4/6), da Comarca de CAMPO LIMPO PAULISTA/JUNDIAÍ, sendo agravante________ e agravada______.<br />

ACORDAM, em Quarta Câmara de Direito Privado, do<br />

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação<br />

unânime, negar provimento ao recurso.<br />

Vistos.<br />

Anote-se que ao despachar o agravo determinei que o<br />

Juízo mandasse realizar, com urgência, o exame de DNA,<br />

para que se esclareça o vínculo, ainda que o recorrente<br />

não reconheça o filho ao nascer. Essa providência fica<br />

prejudicada diante da comunicação de ter o recorrente<br />

reconhecido o filho ao nascer, registrando-o.<br />

O caso é de alimentos gravídicos (art. 6º, da<br />

Lei 11.804/2008) e, no caso, são fortes os indícios da<br />

paternidade. O recorrente não nega ter mantido relações<br />

sexuais com a autora da ação, com que foi casado, admitindo<br />

que os ex-cônjuges, mesmo separados, mantinham<br />

encontros sexuais com regularidade. O recorrente coloca<br />

dúvida sobre a paternidade alegando que colheu indícios de<br />

relacionamento com outro em site de internet (orkut), sem,<br />

contudo, produzir prova alguma dessa situação exposta. Os<br />

alimentos foram fixados em 15% dos rendimentos líquidos<br />

do recorrente (fl. 33) e não convém modificar diante do<br />

disposto no art. 2º, da Lei 11.804/2008 e que enumera as<br />

diversas despesas da parturiente. Sobre esse item escrevi<br />

o seguinte (Ênio Santarelli Zuliani, “Alimentos”, in<br />

Revista Acadêmica – Escola de Magistrados da Justiça<br />

Federal da 3ª Região, n. 1, p. 38): “É preferível correr o<br />

risco de responsabilizar o sujeito que prova, no futuro, não<br />

ser o pai (ainda que com sacrifício de valores diante da<br />

irrepetibilidade), a manter o nascituro desprotegido por<br />

falhas probatórias verificadas na instrução do pedido”.<br />

Nega-se provimento.<br />

O julgamento teve a participação dos<br />

Desembargadores TEIXEIRA LEITE (Presidente) e<br />

FÁBIO QUADROS,<br />

São Paulo, 13 de janeiro de 2010.<br />

Ênio Santarelli Zuliani<br />

Relator<br />

65


PO<strong>DE</strong>R JUDICIÁRIO<br />

Superior Tribunal de Justiça<br />

REsp 555.771/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA,<br />

julgado em 05/05/2009, DJe 18/05/2009<br />

Pesquisa e apresentação do assunto:<br />

JOSÉ FERNANDO SIMÃO<br />

Professor Doutor do departamento de direito civil da Universidade de São Paulo – Largo de São Francisco. Doutor e<br />

Mestre em Direito Civil pela Universidade de São Paulo. Professor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Fundação<br />

Armando Álvares Penteado- FAAP e do Curso de Especialização da Escola Paulista de Direito. Membro do Instituto<br />

dos Advogados de São Paulo, do IDCLB – Instituto de Direito Comparado Luso-brasileiro, do BRASILCON – Instituto<br />

Brasileiro de Política e Defesa do Consumidor e do Conselho Editorial do jornal Carta Forense. Membro do IBDFAM<br />

– Instituto Brasileiro de Direito de Família e Diretor de Relações Institucionais do IBDFAM/SP. Professor de Cursos<br />

Preparatórios para Concurso Público e Exame de Ordem e de Especialização em várias Faculdades do Brasil. Advogado<br />

em São Paulo. Autor de obras jurídicas.<br />

Direito Civil. Família. Sucessão. Comunhão Universal de Bens. Inclusão da esposa de herdeiro, nos autos de<br />

inventário, na defesa de sua meação. Sucessão aberta quando havia separação de fato. Impossibilidade de comunicação<br />

dos bens adquiridos após a ruptura da vida conjugal. Recurso especial Provido.<br />

Em regra, o recurso especial originário de decisão interlocutória proferida em inventário não pode ficar retido nos<br />

autos, uma vez que o procedimento se encerra sem que haja, propriamente, decisão final de mérito, o que impossibilitaria<br />

a reiteração futura das razões recursais.<br />

Não faz jus à meação dos bens havidos pelo marido na qualidade de herdeiro do irmão, o cônjuge que se encontrava<br />

separado de fato quando transmitida a herança.<br />

Tal fato ocasionaria enriquecimento sem causa, porquanto o patrimônio foi adquirido individualmente, sem<br />

qualquer colaboração do cônjuge.<br />

A preservação do condomínio patrimonial entre cônjuge após a separação de fato é incompatível com orientação<br />

do novo Código Civil, que reconhece a união estável estabelecida nesse período, regulada pelo regime da comunhão<br />

parcial de bens (CC 1.725).<br />

Assim, em regime de comunhão universal, a comunicação de bens e dívidas deve cessar com a ruptura da vida<br />

comum, respeitado o direito de meação do patrimônio adquirido na constância da vida conjugal.<br />

Recurso especial provido.<br />

66<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


PO<strong>DE</strong>R JUDICIÁRIO<br />

Superior Tribunal de Justiça<br />

REsp 1117563/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,<br />

julgado em 17/12/2009, DJe. 06/04/2010<br />

Pesquisa e apresentação do assunto:<br />

JOSÉ FERNANDO SIMÃO<br />

Professor Doutor do departamento de direito civil da Universidade de São Paulo – Largo de São Francisco. Doutor e<br />

Mestre em Direito Civil pela Universidade de São Paulo. Professor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Fundação<br />

Armando Álvares Penteado- FAAP e do Curso de Especialização da Escola Paulista de Direito. Membro do Instituto<br />

dos Advogados de São Paulo, do IDCLB – Instituto de Direito Comparado Luso-brasileiro, do BRASILCON – Instituto<br />

Brasileiro de Política e Defesa do Consumidor e do Conselho Editorial do jornal Carta Forense. Membro do IBDFAM<br />

– Instituto Brasileiro de Direito de Família e Diretor de Relações Institucionais do IBDFAM/SP. Professor de Cursos<br />

Preparatórios para Concurso Público e Exame de Ordem e de Especialização em várias Faculdades do Brasil. Advogado<br />

em São Paulo. Autor de obras jurídicas.<br />

Direito das sucessões. Recurso especial. Inventário.<br />

De cujus que, após o falecimento de sua esposa, com quem<br />

tivera uma filha, vivia, em união estável, há mais de trinta<br />

anos, com sua companheira, sem contrair matrimônio.<br />

Incidência, quanto à vocação hereditária, da regra do art.<br />

1.790 do CC/02. Alegação, pela filha, de que a regra é mais<br />

favorável para a convivente que a norma do art. 1829, I,<br />

do CC/02, que incidiria caso o falecido e sua companheira<br />

tivessem se casado pelo regime da comunhão parcial.<br />

Afirmação de que a Lei não pode privilegiar a união<br />

estável, em detrimento do casamento.<br />

O art. 1.790 do CC/02, que regula a sucessão do<br />

“de cujus” que vivia em comunhão parcial com sua<br />

companheira, estabelece que esta concorre com os filhos<br />

daquele na herança, calculada sobre todo o patrimônio<br />

adquirido pelo falecido durante a convivência.<br />

A regra do art. 1890, I, do CC/02, que seria aplicável<br />

caso a companheira tivesse se casado com o “de cujus” pelo<br />

regime da comunhão parcial de bens, tem interpretação<br />

muito controvertida na doutrina, identificando-se três<br />

correntes de pensamento sobre a matéria: (i) a primeira,<br />

baseada no Enunciado 270 das Jornadas de Direito Civil,<br />

estabelece que a sucessão do cônjuge, pela comunhão<br />

parcial, somente se dá na hipótese em que o falecido tenha<br />

deixado bens particulares, incidindo apenas sobre esses<br />

bens; (ii) a segunda, capitaneada por parte da doutrina,<br />

defende que a sucessão na comunhão parcial também ocorre<br />

apenas se o “de cujus” tiver deixado bens particulares,<br />

mas incide sobre todo o patrimônio, sem distinção; (iii) a<br />

terceira defende que a sucessão do cônjuge, na comunhão<br />

parcial, só ocorre se o falecido não tiver deixado bens<br />

particulares.<br />

Não é possível dizer, aprioristicamente e com as<br />

vistas voltadas apenas para as regras de sucessão, que<br />

a união estável possa ser mais vantajosa em algumas<br />

hipóteses, porquanto o casamento comporta inúmeros<br />

outros benefícios cuja mensuração é difícil.<br />

É possível encontrar, paralelamente às três linhas<br />

de interpretação do art. 1.829, I, do CC/02 defendidas<br />

pela doutrina, uma quarta linha de interpretação, que toma<br />

em consideração a vontade manifestada no momento da<br />

celebração do casamento, como norte para a interpretação<br />

das regras sucessórias.<br />

Impositiva a análise do art. 1.829, I, do CC/02,<br />

dentro do contexto do sistema jurídico, interpretando o<br />

dispositivo em harmonia com os demais que enfeixam a<br />

temática, em atenta observância dos princípios e diretrizes<br />

teóricas que lhe dão forma, marcadamente, a dignidade<br />

da pessoa humana, que se espraia, no plano da livre<br />

manifestação da vontade humana, por meio da autonomia<br />

privada e da conseqüente auto-responsabilidade, bem como<br />

da confiança legítima, da qual brota a boa fé; a eticidade,<br />

por fim, vem complementar o sustentáculo principiológico<br />

que deve delinear os contornos da norma jurídica.<br />

Até o advento da Lei nº 6.515/77 (Lei do Divórcio),<br />

vigeu no Direito brasileiro, como regime legal de bens, o da<br />

comunhão universal, no qual o cônjuge sobrevivente não<br />

concorre à herança, por já lhe ser conferida a meação sobre<br />

a totalidade do patrimônio do casal; a partir da vigência<br />

da Lei do Divórcio, contudo, o regime legal de bens no<br />

casamento passou a ser o da comunhão parcial, o que foi<br />

referendado pelo art. 1.640 do CC/02.<br />

Preserva-se o regime da comunhão parcial de<br />

bens, de acordo com o postulado da autodeterminação, ao<br />

contemplar o cônjuge sobrevivente com o direito à meação,<br />

além da concorrência hereditária sobre os bens comuns,<br />

mesmo que haja bens particulares, os quais, em qualquer<br />

hipótese, são partilhados apenas entre os descendentes.<br />

Recurso especial improvido.<br />

67


O direito fundamental à educação na visão de Pontes de Miranda 1<br />

Este artigo/resenha, elaborado durante o ano de 2009, constitui extrato da monografia classificada<br />

em 2.º Lugar no XII Encontro de Iniciação Científica “Álvaro Villaça Azevedo e José Roberto Neves<br />

Amorim”, promovido pela Coordenadoria de Pesquisa da Faculdade de Direito da FAAP.<br />

68<br />

VICTOR MANFRINATO <strong>DE</strong> BRITO<br />

Aluno do 5.º semestre da Faculdade de Direito da Fundação Armando Álvares Penteado.<br />

Contato: britao_leadguitar@hotmail.com<br />

Apesar da “antigüidade” do trabalho, qualquer<br />

obra de Pontes de Miranda é perene e eternamente atual,<br />

e este pequeno volume em especial reflete o quanto “tudo<br />

mudou para continuar a mesma coisa”. Pouco menos de<br />

um século depois, as dúvidas do saudoso jus-sociólogo<br />

ainda podem ser levantadas, as críticas e as falhas de nosso<br />

país ainda podem ser observadas — porque, ainda que o<br />

Direito à Educação tenha se elevado a nível constitucional,<br />

todo o avanço feito através do Ensino Público e da Escola<br />

Única para todos é meramente formal. Materialmente,<br />

parafraseando o título de salutar obra de Anísio Teixeira, a<br />

Educação continua a ser privilégio da classe dominante —<br />

ainda que longe do ideal. Ao tempo de Pontes de Miranda,<br />

o Ensino Público era de ótima qualidade, porque estava<br />

voltado para a elite política, econômica e intelectual. Ao<br />

massificar-se o Ensino Público, sua qualidade foi esvaziada<br />

e acompanhou a migração das classes alta e média para a<br />

iniciativa privada. A qualidade das escolas públicas sofreu<br />

considerável déficit exatamente porque foram direcionadas<br />

às classes menos favorecidas, reconhecendo-se apenas<br />

formalmente o Direito à Educação, mas não materialmente.<br />

Isso foi realizado de modo a manter o statvs qvo, o controle<br />

social da elite educada sobre a massa ignorante. Ou seja,<br />

tudo mudou para continuar a mesma coisa.<br />

Esta é uma das idéias que pretendemos desenvolver<br />

neste trabalho, atualizando o pequeno grande livro de Pontes<br />

de Miranda para a realidade brasileira contemporânea.<br />

Os cinco novos direitos do homem<br />

A tese de Miranda é baseada no surgimento do que<br />

chama de “5 Novos Direitos do Homem” — nomeadamente,<br />

Direito à Subsistência, Direito ao Trabalho, Direito à<br />

Educação, Direito à Assistência e Direito ao Ideal. Pode<br />

ser vinculada à inclusão dos chamados Direitos Sociais<br />

no rol dos Direitos Humanos, a partir do começo do séc.<br />

XX. Vinculamos, portanto, sua concepção à ascensão da<br />

cidadania social. Destarte, é a concepção básica do Estado<br />

de fins precisos. 2<br />

Pode-se facilmente depreender da introdução<br />

do trabalho do eminente jurista que, em sua opinião, o<br />

Direito à Educação é corolário e pedra basilar do Estado<br />

Democrático de Direito e o mais importante do rol de<br />

“novos direitos” que enumera. É pressuposto de todos<br />

os outros, e se tal direito não for concedido e realizado<br />

materialmente, a realização de todos os outros será em vão,<br />

sendo solução apenas formal e não material.<br />

É o que inferimos das seguintes palavras:<br />

Sem ele [o Direito à Educação], nada feito.<br />

Sem ele, como sem qualquer dos outros. Tudo,<br />

que fora deles se prometer, é paliativo, engodo,<br />

para retardar a inevitável recomposição social<br />

dos povos dignos da Vida. Os outros povos,<br />

incapazes, serão absorvidos.<br />

Dêem tudo mais, e não dêem, com igualdade,<br />

a escola para todos, — e não deram nada. A<br />

ausência de direitos voltará. 3<br />

Por fim, afirma o saudoso mestre que sua obra se<br />

dedicará a expor que o modo mais eficaz de se concretizar<br />

o Direito à Educação é através da Escola Única e para<br />

todos, além de explicar seu conceito e sua teoria — sendo<br />

que é a escola que o povo deve exigir. 4<br />

1. A educação antes de ser Direito Público Subjetivo<br />

Apenas do título deste capítulo já se pode inferir<br />

que o autor considera a Educação como Direito Público<br />

Subjetivo. Analisaremos a seguir as razões de Miranda para<br />

tirar tal conclusão, manifestando nossa concordância.<br />

De fato, o Direito à Educação, tal como concebido<br />

por Hegel, é direito novo. Podemos considerar Hegel e<br />

Robespierre como os precursores de tal concepção, mas<br />

nada daquilo que foi feito desde a Revolução Francesa<br />

pode ser considerado efetivamente como o direito à escola.<br />

Justifica o auto, dizendo que há uma grande diferença entre<br />

dizer que haverá escolas públicas e que todos terão escola<br />

pública.<br />

1 Sendo a grafia da obra anterior a todas as reformas pelas quais a Língua Portuguesa passou, especialmente no dialeto pátrio, observamos que esta será atualizada tanto em citações diretas ou indiretas,<br />

como para efeitos de bibliografia.<br />

2 MIRANDA, [Francisco Cavalcante] Pontes de. Direito à Educação. Rio de Janeiro, Alba, 1933. [Coleção 5 Direitos do Homem — Ciência e Trabalho, vol. III], p. 5.<br />

3 Idem, ibidem.<br />

4 Idem, ibidem.<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


Em seguida, relata que as Declarações de Direitos<br />

permanecem eficientes apenas em sua parte negativa (“não<br />

haverá pena de morte”, etc.), ficando todas as disposições<br />

da parte positiva como normas programáticas, sem sanção.<br />

É por tal razão que o Constituinte de 1988 criou o instituto<br />

da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão,<br />

que a nosso ver, não é utilizado com a amplitude que<br />

deveria, fazendo o Supremo Tribunal Federal interpretação<br />

restritiva 5 que limita demasiado esse recurso e inibe seu<br />

florescimento e todo o potencial de eficácia que possui.<br />

Qual a conseqüência disso? Onde há a escola<br />

pública o aluno se matricula gratuitamente. Onde não há,<br />

ou onde a lotação já se completou, ficam sem escolas os<br />

indivíduos em idade escolar. 6<br />

Enumeram-se, a seguir, as hipóteses já levantadas<br />

para obrigar os governos a assegurar a difusão do ensino:<br />

1. a destinação de verbas especiais, em texto<br />

constitucional;<br />

2. a destinação de percentagem das rendas<br />

arrecadadas, como foi sugerido na Subcomissão da<br />

Constituição de 1934;<br />

3. o direito público subjetivo, no Estado sem fins<br />

precisos (Alemanha)<br />

4. o direito público subjetivo, no Estado de fins<br />

precisos, que é a proposição do autor estudado. 7<br />

Diz Pontes de Miranda que apenas se pode falar em<br />

Direito à Educação nas duas últimas proposições, sendo o<br />

princípio falho nas duas primeiras. Afinal, nada mais fácil<br />

do que desviar verbas, que a algum fim se destinam. Isto<br />

entra especificamente no tema da corrupção e da probidade<br />

administrativa, assunto que discutiremos em capítulo<br />

próprio de nossa obra.<br />

Eis as qualidades apresentadas pelo autor em sua<br />

teoria da Educação como direito público subjetivo num<br />

Estado de fins precisos: o ensino é da competência estatal<br />

e deve ser ministrado de forma gratuita (direito público<br />

subjetivo), havendo também a segurança auferida pela<br />

economia planificada (Estado de fins precisos).<br />

Ainda observa que não é apenas necessário que<br />

a escola seja gratuita, assim como o material escolar, o<br />

transporte escolar e o uniforme — quanto a estes requisitos,<br />

é mister reconhecer que os avanços neste campo foram<br />

consideráveis, gerando talvez até mesmo um excesso de<br />

assistencialismo — levando-se em conta, é claro, apenas<br />

os setores mais desenvolvidos do país.<br />

De fato, Pontes de Miranda revela estar propondo<br />

uma fusão de duas outras soluções que apresenta,<br />

nomeadamente a alemã — na República de Weimar,<br />

em período imediatamente anterior à ascensão de Hitler<br />

ao poder — e a russa — considerando a Revolução<br />

Comunista Soviética. É dito que esta última estabelece o<br />

fim único do Estado sem o concomitante direito subjetivo:<br />

a imperfeição dos dirigentes poderia não realizar o plano<br />

educacional. 8 A proposta alemã fez o contrário: instituiu o<br />

direito público subjetivo mas deixou-o sem rumo, sem o<br />

necessário planejamento.<br />

Não foi o resultado previsto em nenhuma das duas<br />

proposições: a atitude acabou por se exacerbar e cair<br />

no radicalismo e no nazifascismo: a Educação Pública<br />

foi utilizada ideologicamente de modo a se fazer uma<br />

“lavagem cerebral”, comprometendo o livre-pensamento<br />

e o livre-arbítrio, e a Instrução foi mais uma vez utilizada<br />

para a manutenção do statvs qvo — a permanência da elite<br />

no poder, quer fosse esta o Partido Nacional Socialista ou o<br />

Partido Comunista Soviético.<br />

Ressalte-se que o Direito à Educação não deve ser<br />

confundido com bolsas de estudo, mecanismo utilizado<br />

desde os imperadores romanos cristãos até Carlos Magno,<br />

e também pela Igreja. Estes acabam por constituir uma<br />

concessão, um favor patronal dos dominadores pelos<br />

dominados. Para Pontes de Miranda, mais do que direito<br />

público subjetivo, num Estado socialista e igualitário o<br />

Direito à Educação seria situação necessariamente criada<br />

pela estrutura mesma do Estado. 9<br />

Também nos parece que o que o saudoso jurista<br />

fala sobre as bolsas de estudo incide também sobre a<br />

questão atual das cotas nos vestibulares — para negros,<br />

pobres, estudantes da Rede Pública, etc. Numa perspectiva<br />

distinta, todavia, o referido sistema de cotas não constitui<br />

manifestação do Direito à Educação por ser “favor”<br />

emanado da classe dominante, mas por ser remédio aplicado<br />

ao sintoma, e não à doença. O problema não é cortado pela<br />

raiz, mas por seus galhos e folhas — que indubitavelmente<br />

voltarão a crescer, desta vez se manifestando na queda de<br />

qualidade do Ensino Superior. É ação afirmativa que, afinal,<br />

acaba por demonstrar ser baseada no mesmo princípio do<br />

sistema de ciclos e da não-reprovação: está “empurrando”<br />

para a frente quem não está preparado para a etapa seguinte<br />

de aprendizagem. É mecanismo utilizado, contudo, porque<br />

a verdadeira e eficaz solução — a melhoria da qualidade<br />

do Ensino Fundamental e Médio — apenas demonstra<br />

resultados a longo prazo, não é facilmente perceptível<br />

pelo eleitor ordinário e portanto não “dá” votos. Além<br />

do mais, fere o interesse dos poderosos, que necessitam<br />

de massa inculta e analfabeta que os sustente no poder<br />

exatamente por não tomar consciência de sua condição, ou<br />

por não saber utilizar e/ou não dispor dos meios efetivos<br />

de reivindicar o que lhe é de direito. Por fim, tais ações<br />

afirmativas como o sistema de cotas acabam por ter efeito<br />

similar ao da Lei do Ventre Livre e a proibição do tráfico<br />

negreiro até 1888 — são atitudes “para inglês ver”, para se<br />

dar a impressão de estar fazendo alguma coisa, quando na<br />

verdade não se faz coisa alguma.<br />

5 Qual seja, a ADIn por Omissão apenas cabe caso a norma constitucional estabeleça prazo definido para a realização de determinado ato por algum dos Três Poderes — e, obviamente, este prazo já<br />

tenha decorrido.<br />

6 Op. cit., p. 8.<br />

7 Op. cit., p. 8-9.<br />

8 Idem, ibidem, p. 11.<br />

9 Op. cit., p. 12.<br />

69


Apesar de a própria estatização do ensino — como<br />

na Inglaterra, na França, nos Estados Unidos — consistir<br />

grau avançado de progresso, assim como a intervenção<br />

estatal nos assuntos educacionais, a mera existência de<br />

escolas públicas também não deve ser confundido com o<br />

Direito à Educação.<br />

Como já foi dito anteriormente, a concepção do<br />

que realmente podemos chamar de Direito à Educação<br />

surge com Hegel — Pontes de Miranda cita o § 174 de<br />

sua Filosofia do Direito — que estabelece o caráter dúbio<br />

— ou talvez seja melhor dizer a natureza de “via de mão<br />

dupla” — da relação jurídica: a todo direito corresponde<br />

uma obrigação, ou um dever, no sentido inverso. Assim,<br />

aplicando-se o princípio ao que nos interessa: se o cidadão<br />

tem o direito de exigir a prestação educacional do Estado,<br />

este, por sua vez, tem o dever, a obrigação de educar o<br />

cidadão.<br />

A seguir, Miranda delineia a evolução da<br />

conscientização da necessidade da gratuidade do ensino,<br />

especialmente na Europa, após a Primeira Guerra<br />

Mundial. Eis o que o autor observa no Brasil que lhe era<br />

contemporâneo:<br />

No Brasil, tivemos o ensino primário gratuito,<br />

mas sem qualquer generalização compulsória.<br />

Portanto, sem o direito público subjetivo. O<br />

federalismo distribuiu as organizações do ensino<br />

primário, criando diferenças assaz graves<br />

de valorização do mesmo homem brasileiro,<br />

revelados nos coeficientes de analfabetismo.<br />

Alguns Estados fechavam e fecham escolas,<br />

enquanto outros as abrem.<br />

Como foi dito anteriormente, tudo mudou para<br />

continuar a mesma coisa. O Brasil continua analfabeto,<br />

substituindo-se o analfabetismo total pelo analfabetismo<br />

funcional. A preocupação é justificável: de que adianta<br />

saber ler e escrever, se o cidadão não entende o que lê e o<br />

que escreve? Isto incide, mais uma vez, sobre a qualidade<br />

do Ensino Público. Ressalte-se: falamos em qualidade, não<br />

em quantidade. É igualmente em vão criar dúzias de escolas,<br />

transbordar as salas de aula de alunos, — e sim, também<br />

empurrá-los para dentro de faculdades e universidades<br />

— se o que é ensinado continua o mesmo. Além disso, é<br />

comprovado que o número excessivo de alunos em sala<br />

de aula é anti-produtivo. Mas nossos políticos não dão<br />

ouvidos à razão: limitam-se a apresentar números em<br />

escala malthusiana à UNESCO e baseado neles afirmar que<br />

o Brasil está erradicando o analfabetismo. Correção: esses<br />

números criam a ilusão de que o Brasil está avançando<br />

pedagogicamente.<br />

De fato, conseguiu-se a obrigatoriedade do Ensino<br />

Fundamental I e II. Mas o Ensino Médio ainda não é<br />

obrigatório, e devido a isso muitos jovens se afastam<br />

prematuramente dos bancos escolares para já começarem<br />

a contribuir com a renda familiar. As classes mais baixas<br />

10 Op. cit., p. 15-16.<br />

11 Op. cit., p. 17.<br />

70<br />

consideram seus filhos como mais pessoas para trazerem<br />

dinheiro para casa — por isso a taxa de natalidade deste<br />

setor social é muito maior do que das classes mais altas,<br />

que pensam o contrário: ter menos filhos para economizar<br />

com o que deve ser investido neles. Afinal, qual o maior<br />

índice de aprovação em instituições de Ensino Superior<br />

de renome? De escolas particulares, ou seja, daqueles que<br />

podem pagar pelo Direito à Educação. Ou seja, continua<br />

a inexistir o direito público subjetivo, permanecendo<br />

norma formal e programática de nossa Constituição. Além<br />

disso, o Direito à Educação continua a ser prerrogativa<br />

das classes privilegiadas, sendo que as desfavorecidas<br />

estão presas num ciclo vicioso que lhes impede a ascensão<br />

social: o jovem não deve cursar o Ensino Médio para poder<br />

já contribuir com a renda familiar. E aqueles que o cursam,<br />

estão limitados pela qualidade do que lhes é ministrado e<br />

são fatalmente deixados de fora quando chegam ao funil<br />

do vestibular. É apenas a obtenção do diploma de um curso<br />

superior de qualidade que pode possibilitar a essas famílias,<br />

a longo prazo, sua ascensão social, e ela lhes é vetada.<br />

Outrossim, Pontes de Miranda indubitavelmente<br />

nomeia os EUA como modelo de consolidação do Direito<br />

à Educação. Sua exposição é tão sucinta, clara e completa<br />

que devemos exibi-la ipsis literis:<br />

Os Estados Unidos da América do Norte, neste<br />

ponto mais avançados do que a Alemanha,<br />

possuem a escola pública somente laica<br />

(iniciada desde 1842) e simultânea para os<br />

dois sexos. Infelizmente, cada Estado tem a sua<br />

modalidade. Isso não significa que não haja um<br />

tipo americano. A gratuidade é quase a regra,<br />

inclusive nas High Schools. Algumas cidades dão<br />

os objetos e outras, até, vestes e alimentação às<br />

crianças pobres. Não raro, os Estados custeiam,<br />

noutros, que tenham escolas especiais ou<br />

superiores, a educação dos alunos pobres. Há<br />

imposto especial para as despesas escolares. O<br />

ensino da religião cabe a escolas dominicais. Os<br />

pedagogos alemães invejam os resultados obtidos<br />

pelos Estados Unidos da América do Norte, onde,<br />

ao contrário da Alemanha, se operou, em virtude<br />

da escola laica, certa fusão das almas, certa<br />

integração cultural, certa inteligência favorável<br />

ao bem-estar público (Otto Henkrodt). Todos<br />

estão satisfeitos. O laço colegial une os mestres<br />

e discípulos e a estes entre si, a despeito da<br />

diversidade inevitável de crenças. 10<br />

Todavia, considera Pontes de Miranda que o direito<br />

à educação exige mais. 11 Os EUA fizeram o máximo que<br />

poderia ser feito dentro de um Estado capitalista — ou de<br />

classes sociais, na dicção do saudoso autor —, e que apenas<br />

o Estado socialista poderia realizá-lo. Sua afirmação reside<br />

no fato de que a natureza própria do capitalismo atual —<br />

voraz e individualista — é incompatível com os princípios<br />

em que se baseiam o Direito à Educação, assim como os<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


que este almeja — os destinos mais altos, imensamente<br />

mais altos, do Homem. 12 Tanto que<br />

A falência do individualismo capitalista, ainda<br />

no povo mais técnico, já chegou ao ponto de<br />

se fecharem escolas nos Estados Unidos, com<br />

o que se indignam os grandes espíritos e os<br />

professores! 13<br />

Assim, conclui o saudoso jus-sociólogo que o<br />

capitalismo já deu tudo o que tinha que dar. Feitas as<br />

devidas ressalvas, ousamos discordar. Por mais que o<br />

sistema capitalismo se apresente defasado e incongruente<br />

com as necessidades superiores da raça humana — e sendo<br />

o fruto de talvez todas as nossas injustiças históricas — é<br />

ainda criação jovem do Homem. Observe-se o feudalismo:<br />

durou centenas de anos, e sua queda definitiva pode ser<br />

identificada na Revolução Francesa, ainda que os líderes<br />

do Antigo Regime tenham lutado agonizantemente durante<br />

o séc. XIX; e as primeiras críticas a esse sistema datam<br />

do Renascimento! Comparado com essa monstruosidade<br />

secular, o capitalismo ainda engatinha; e não importa<br />

o quanto seja criança demoníaca, é provável que ainda<br />

permaneça por séculos a fio. E, ao finalmente chegar o<br />

momento da queda do capitalismo, poderá ser ele suplantado<br />

pelo socialismo ou não, sendo a única certeza que temos<br />

que, em caso afirmativo, certamente não será inspirado no<br />

fatídico modelo stalinista da ex-União Soviética. 14<br />

Em seguida, Pontes de Miranda disserta sobre a<br />

sensatez do ensino laico, conquista já há muito sedimentada<br />

na cultura ocidental, mas que ainda falta ser alcançada em<br />

Estados teocráticos fundamentalistas atuais. Ressalte-se,<br />

também, que esse princípio da laicidade do Estado — e<br />

por extensão, da Educação — também é passível de má<br />

interpretação oriunda de radicalismo: caso famosíssimo<br />

é o conflito entre imigrantes muçulmanos na França e o<br />

sistema educacional público — que proíbe, por exemplo, o<br />

uso de véus, turbantes e afins na escola, numa equivocada<br />

tentativa de respeitar a laicidade estatal. Como comprovam<br />

as experiências soviéticas e nazifascistas, todo radicalismo<br />

é prejudicial. Além disso, não observam os intérpretes que<br />

se filiam a essa corrente que a laicidade é do Estado, mas<br />

nunca do indivíduo. Se uma instituição pública, incluindo<br />

uma escola, exibe em suas dependências a imagem de um<br />

crucifixo, ou de uma estrela de David, ou até mesmo um<br />

Buddha, está desrespeitada a laicidade do Estado. Mas isso<br />

definitivamente não impede que alunos da mesma instituição<br />

venham adornados com símbolos religiosos, quer seja um<br />

turbante, um véu, uma burkha, um quipá, um rosário. É-lhe<br />

de todo direito seguir os ritos de sua religião, ter a crença<br />

que quiser, e manifestar tal crença publicamente. Todavia,<br />

duvidamos que os mesmos intérpretes que proíbem o uso<br />

de véus na escola e a isenção das garotas muçulmanas das<br />

aulas de Educação Física apresentem qualquer objeção à<br />

presença de um judeu ortodoxo com quipá e suíças…<br />

O próximo tópico de discussão de Miranda<br />

é a dicotomia entre escolas públicas e particulares,<br />

defendendo a extinção desta última. Para ele, o ensino<br />

privado representa grande óbice à instituição da Escola<br />

Única. Para nós, deve-se levar em consideração o fato<br />

de a existência das duas modalidades, na realidade<br />

brasileira contemporânea, fomentar as diferenças sociais<br />

e a desigualdade. Atualmente, pode-se dizer que quem<br />

quer e pode, paga pela qualidade, enquanto quem não<br />

paga, recebe instrução indigna do nome. Além disso, nas<br />

escolas particulares em geral predomina o intuito lucrativo:<br />

a instituição de ensino se torna empresária capitalista,<br />

tratando seus alunos mais como clientes — obviamente<br />

algo não raro incompatível com o propósito educacional.<br />

Nesta situação, a manutenção dos “clientes” se torna mais<br />

importante do que a qualidade e efetividade do serviço que<br />

lhes é ministrado. Isso se reflete até mesmo em instituições<br />

de ensino superior; é célebre a anedota de que, ao se ligar<br />

para pedir informações (“Alô, é da Uni…?”) o atendente<br />

responde “O senhor já está matriculado.” Também vale<br />

salientar o evento igualmente notório de certa faculdade<br />

do Rio de Janeiro na qual um analfabeto prestou vestibular,<br />

“chutou” todas as questões-teste, deixou de fazer a redação<br />

e foi aprovado. É inegável que, havendo uma totalidade<br />

de escolas estatais, tais abusos seriam evitados devido a<br />

fiscalização muito mais eficiente.<br />

Ressalte-se, contudo, que levando-se em conta a<br />

proliferação de escolas particulares, a estatização de todas<br />

as instituições deverá ser feita de modo gradual e a longo<br />

prazo, para não haver choque e tampouco conflito social.<br />

Como já dissemos anteriormente, todo radicalismo é<br />

prejudicial.<br />

Por fim, cumpre lembrar que todos os serviços<br />

públicos necessitam de um custo, que geralmente é pago<br />

pelo dinheiro recolhido através da tributação. Sendo o<br />

tema extremamente vasto, cumpre apenas uma afirmação<br />

e depois lidaremos com o que está mais afim com nosso<br />

tema: quem paga os serviços educacionais e como. Seria<br />

muito mais em concordância com o Estado Democrático<br />

de Direito que todos os impostos fossem nomeados pela<br />

destinação da verba adquirida: Imposto dos Funcionários<br />

do Congresso Nacional, Imposto sobre a Iluminação<br />

Pública, Imposto do Ensino Fundamental, e assim por<br />

diante. Nossa afirmação se baseia no fato de que tal medida<br />

atenderia às exigências e às solicitações de eleitores atentos<br />

e conscientes, e seria forma razoavelmente efetiva de<br />

manifestar a transparência do governo — em oposição à<br />

nomenclatura levando em conta o que é tributado, e não<br />

para onde vai o dinheiro: Contribuição Provisória sobre<br />

Movimentações Financeiras, Imposto de Renda, Imposto<br />

Territorial Urbano, etc. Sendo, contudo, matéria de Direito<br />

Tributário, não nos aprofundaremos no tema.<br />

Tratemos, portanto, do que interessa ao nosso tema:<br />

12 Idem, ibidem.<br />

13 Idem, ibidem.<br />

14 Não podemos negar, contudo, que o surgimento de movimentos tais como a ascenção da cidadania social possibilitaram oposições dialéticas construtivas de modo a refrear a desumanidade capitalista.<br />

71


quem paga pelos serviços educacionais públicos e como.<br />

Ressaltemos as medidas aclamadas por Pontes de Miranda:<br />

isenção das famílias pobres e graduação do imposto de<br />

acordo com a renda. Em teoria, isso já ocorre. Na prática,<br />

contudo, resulta em solução injusta para a classe média no<br />

período atual: pagam os custos de um ensino público que<br />

não aproveitam e pagam ainda o caríssimo ensino particular.<br />

Para a classe alta não há problema: os ricos sonegam e na<br />

maior parte das vezes saem impunes. Ora, deve-se levar em<br />

consideração um dos fundamentos do Estado-Providência:<br />

pode-se até pagar impostos exorbitantes, desde que o<br />

Estado provenha eqüitativamente com o devido retorno.<br />

Ora, os brasileiros pagam impostos de Primeiro Mundo e<br />

lhes é retornada qualidade de Terceiro Mundo. Obviamente,<br />

essa causa e conseqüência aparentemente contra as leis da<br />

natureza possui um entreato nefasto: o buraco negro da<br />

corrupção. Desviam-se verbas e vê-se a baixa qualidade<br />

dos serviços públicos. O que é afirmado é ainda mais<br />

verdadeiro no que concerne à Saúde e à Educação, esta<br />

última objeto de nosso estudo.<br />

O ideal é todos pagarem e receberem o que lhe é<br />

devido, na estrita probidade administrativa. Como, porém,<br />

a realidade social brasileira o impede, até que a divisão<br />

social seja nivelada — ou mesmo extinta — os ricos devem<br />

pagar o seu e o dos pobres, ressaltando-se um retorno de<br />

acordo com o que é pago pelos contribuintes. Ou seja,<br />

a elite deve contribuir tanto com o ensino de seus filhos<br />

quanto o dos filhos do operário e do trabalhador rural,<br />

recebendo ambos o mesmo ensino.<br />

Podemos extrair, portanto, quatro condições<br />

básicas, na teoria de Pontes de Miranda, para a realização<br />

do Direito público subjetivo à Educação: a gratuidade (da<br />

creche ao ensino superior), a laicidade (já realizada no<br />

mundo ocidental), a obrigatoriedade (nos falta ao menos<br />

a obrigatoriedade do Ensino Médio, senão do Superior), a<br />

unicidade (que estamos longe de conseguir de fato).<br />

2. Para onde vai a política da Educação<br />

Neste capítulo, Miranda cuidou das tendências<br />

que lhe eram contemporâneas no tocante à política de<br />

ensino — excluindo-se, entretanto, o lado pedagógico,<br />

por não considerar que competia à sua monografia tratar<br />

do assunto; todavia, afirma que era igualmente necessário<br />

mudá-lo. Graças a sua defesa da Escola Única, podemos<br />

alinhar seu pensamento, especialmente no tocante ao<br />

aspecto pedagógico, à teoria de Jean Piaget, e, destarte, a<br />

obra do psicólogo francês pode servir de complemento ao<br />

texto que comentamos.<br />

Não se olvida, entretanto, o autor de afirmação que<br />

infelizmente, como já havíamos comentado anteriormente,<br />

15 Op. cit., p. 25.<br />

16 Op. cit., p. 26.<br />

17 Idem, ibidem.<br />

18 Op cit., p. 27.<br />

19 Op. cit., p. 29.<br />

20 ANSCHÜTZ, Gerhard. Die Verfassung des Deutschen Reichs. 13 Aufl. Berlim, 1930, p. 586. Apud op. cit., p. 29.<br />

21 No Brasil, o ensino leigo foi consagrado a partir da Constituição Republicana de 1891.<br />

22 Op. cit., p. 29.<br />

72<br />

ainda é atual: quer-se a continuação das injustiças sociais. 15<br />

Primeiramente, neste capítulo, defende Pontes de<br />

Miranda a insuficiência da gratuidade da escola pública<br />

primária. Como a alfabetização de todos surgiu sob égide<br />

das monarquias nórdicas e da América do Norte, acreditouse<br />

— na opinião do autor estudado, erroneamente —<br />

que o ensino geral estava vinculado ao fato de serem<br />

nações predominantemente protestantes. De fato, e no<br />

que concordamos, ainda que não haja um país católico<br />

totalmente alfabetizado, 16 é argumento de visão deveras<br />

simplista. O que mais influencia o aparecimento do ensino<br />

geral, certamente, é o caráter da civilização. 17<br />

Todavia, não interessa identificar o fator<br />

predominante; o que é de interesse identificar são os graus<br />

de evolução em direção ao pleno Direito à Educação:<br />

1. gratuidade sem obrigatoriedade;<br />

2. gratuidade aos que prefiram a escola pública e<br />

obrigatoriedade do ensino primário para todos;<br />

3. escola única (gratuidade, obrigatoriedade da<br />

escola pública para todos, promoção por seleção).<br />

Saliente-se que os povos retardados como o Brasil<br />

devem chegar ao terceiro grau graças à planificação estatal<br />

da Educação — pode se considerar que a Lei de Diretrizes<br />

e Bases visa satisfazer essa condição. Para Pontes de<br />

Miranda, tal planificação significaria educação intensiva<br />

mediante programa enérgico, eficaz, do Estado. 18<br />

Pode-se observar, durante todo este tempo, que<br />

o Brasil se encontra no segundo estágio — e dele não<br />

passa. E é em tais circunstâncias que agravam, ao invés de<br />

relativizar, as desigualdades sociais.<br />

Em seguida, Pontes de Miranda examina os graus<br />

de evolução na Alemanha de sua época (pré-nazista), na<br />

França (IV República, antes da dominação nazista) e na<br />

antiga União Soviética (sob a égide de Stalin).<br />

Na Alemanha, a expressão Einheitschule (Escola<br />

Única), era empregada em dois sentidos diferentes: a Escola<br />

Única como conjunto das escolas públicas concebidas e<br />

construídas como organismo, e apenas referente ao Ensino<br />

Fundamental — a escola popular, idêntica para todos. 19<br />

Para os teóricos da época, influenciados pela<br />

Constituição de Weimar, a escola única deve conceberse<br />

e construir-se organicamente, isto é, as escolas e as<br />

espécies de escolas serão partes de um todo. 20<br />

Repugna a Pontes de Miranda a diferença que<br />

se estabeleceu, fazendo-se tanto escolas leigas quanto<br />

religiosas. 21 Para o autor estudado, o ensino laico, adotado<br />

pela França, Holanda, EUA e Japão, é o único que, nos<br />

nossos dias, assegura a paz humana no lugar em que mais<br />

se precisa dela: na escola. 22<br />

Ressalte-se que o Nazismo tentava a unidade<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


nacional — e, ao contrário do que julgava Miranda, podese<br />

dizer que o conseguiu —; mas a unicidade do ensino,<br />

chave do problema constitucional do ensino alemão, não<br />

estava em seus planos.<br />

Em seguida, disserta-se sobre os avanços gauleses.<br />

Diz Pontes de Miranda algo deveras interessante: A França<br />

quer um novo 89, referindo-se à Revolução Francesa.<br />

De fato, a Liga do Ensino (Ligue de l’Enseignement) da<br />

época procurava implantar a Escola Única, fonte de<br />

inspiração da defesa veemente do saudoso autor.<br />

Quanto ao ensino soviético da época, comporta<br />

transcrever in integrvm as observações do jus-sociólogo,<br />

lembrando-se de que era o único Estado unipartidário e<br />

monodéico da época — afinal, o Nacional Socialismo<br />

alemão apenas alcançaria sua hegemonia a partir do mesmo<br />

ano da obra, 1933.<br />

Na Rússia, a escola única politécnica do trabalho<br />

enfeixa a ciência e o trabalho. O título bem o diz.<br />

Diferencia-se, assim, das escolas profissionais<br />

que preparam operários para os submeter às<br />

classes ricas. É única, porque apanha a todos os<br />

jovens de 8 a 12 anos. Há o primeiro grau (ler,<br />

escrever, calcular, etc.) o segundo (1º, processo<br />

e organização do trabalho, forças e leis da<br />

natureza e da vida social; 2º, especialização).<br />

Nas localidades rurais, à escola elementar<br />

sucede o especial dos campos. O ensino é<br />

leigo, como nos E. U. Da América do Norte,<br />

na França e no Brasil (Constituição de 1891).<br />

Há campanha anti-religiosa. (Não está certo;<br />

deve ser assegurada, pelo Estado, a liberdade<br />

religiosa e anti-religiosa: portanto, não pode,<br />

ele, intervir.) Não se castigam as crianças. (Está<br />

certo). Os alunos gozam de autonomia. (Também<br />

está certo). Há socorros imediatos às crianças<br />

necessitadas: postos de admissão, postos de<br />

observação e distribuição (pedagogos, médicos,<br />

psicólogos). Minuciosa vigilância dos menores e<br />

das suas condições materiais e culturais de vida,<br />

e luta intensa contra a vagabundagem infantil. A<br />

educação de todos e igual é princípio do Partido<br />

comunista. Depende, pois, da execução o direito:<br />

foi-se além do direito público subjetivo, quis-se a<br />

situação jurídica resultante do fato. Um plus, dirse-á;<br />

talvez um risco. Fica à mercè dos dirigentes<br />

o direito à educação. 23<br />

Pode-se dizer que o risco observado por Pontes de<br />

Miranda se concretizou, especialmente após o advento do<br />

stalinismo, sendo implantado um totalitarismo de tal forma<br />

que, ao invés de educar, fazia-se “lavagem cerebral” nos<br />

pupilos, da mesma maneira que no nazifascismo.<br />

Por fim, fazendo um estudo comparado das<br />

tendências de sua época, resume de tal sorte o estudado<br />

autor os exemplos a serem seguidos para a concretização<br />

do Direito à Educação:<br />

23 Op. cit., p. 33-35.<br />

24 Op. cit., p. 36.<br />

25 Op. cit., p. 40-46.<br />

26 Op. cit., p. 47.<br />

Como a Alemanha, — direito público subjetivo.<br />

Como a Rússia, — educação de plano. Diferente<br />

da Alemanha, — estatização. Diferente da Rússia,<br />

— direito do indivíduo à educação, Estado nem<br />

anti-religioso nem religioso. 24<br />

Conclui calorosamente Pontes de Miranda que<br />

apenas o Estado Socialista é capaz de efetivar o Direito à<br />

Educação da maneira que explana. Destarte, defende que<br />

a planificação pedagógica deve ser sindical, e os aspectos<br />

políticos deixados às correntes de opinião — tanto a direita<br />

quanto as de esquerda, incluindo socialistas, comunistas,<br />

anarco-sindicalistas, etc. Como se pode observar, o Estado<br />

Socialista preconizado pelo saudoso autor é deveras<br />

interessante, levando-se em consideração sua faceta<br />

altamente democrática.<br />

Por fim, além da estatização e centralização<br />

do ensino através do Estado Socialista, são também<br />

relevantes as proposições do autor de que o momento do<br />

início da Educação de todos também deve ser o mesmo,<br />

e a supressão do ensino particular — leia-se: pago, sendo<br />

que isso não deve ser confundido com a supressão da<br />

liberdade de pensamento e de expressão, pilares do Estado<br />

Democrático de Direito —, concomitante à gratuidade<br />

absoluta do ensino. Ou seja, o Direito à Educação não pode<br />

ser realizado sem a democracia plena, pressuposto, para<br />

Pontes de Miranda, do Estado Socialista. Por fim, deve<br />

haver ponderação entre o direito dos pais de educar seus<br />

filhos e o dever do Estado de intervir na mesma educação.<br />

Nem só o pai, nem só o filho, porque a delimitação dos<br />

poderes do pai deve ser de tal maneira que Vão até onde<br />

começa a organização objetiva do Estado e até onde<br />

encontram e ferem os interesses do educando. 25<br />

3. Pró e contra a escola única<br />

Para Pontes de Miranda, a oposição à Escola Única<br />

revelava nitidamente o preconceito e o egoísmo de classe<br />

por parte das camadas mais favorecidas. De fato, são elas<br />

as mais interessadas na manutenção do statvs qvo, qual<br />

seja, a sua hegemonia social e a manutenção de seu poder<br />

através da limitação do acesso do saber, do conhecimento<br />

e da cultura pelas massas. Eis a prova cabal de que a<br />

humanidade se divide em dois campos: o dos que pensam<br />

nos outros e o dos que pensam só em si. 26<br />

Além disso, relembra o autor estudado o hábito das<br />

elites apavoradas — e, indubitavelmente, preconceituosas<br />

— que insistiam em rotular todo e qualquer ser humano com<br />

alguma preocupação social de comunista. Infelizmente, —<br />

e paralelo à noção de que “comunistas comem criancinhas”<br />

— são tendências que se estenderam até pouco tempo<br />

atrás: o Brasil não se esquecerá tão facilmente de seu<br />

maior insulto neste século ao Estado Democrático de<br />

Direito. Falamos da tensão e incerteza política por ocasião<br />

73


da posse do presidente João Goulart, culminando no<br />

Golpe de 1964, executado pelas Forças Armadas ultraconservadoras.<br />

De fato, as classes alta e média taxavam o<br />

presidente constitucionalmente eleito de comunista por ser<br />

altamente preocupado com os problemas sociais. Ora essa,<br />

Goulart nunca poderia ser comunista: era estancieiro, ou<br />

seja, proprietário de terras! Apregoar uma Revolução tal<br />

qual a Russa, de 1917, seria um paradoxo para ele, sendo o<br />

equivalente a defender que cortassem sua própria cabeça.<br />

Assim, tal preconceito continuou após a<br />

“Revolução” de Primeiro de Abril, utilizando-se mais<br />

comumente a palavra mágica subversão. Nesta conjuntura,<br />

como ainda está vivo em nossa memória, qualquer defensor<br />

do Constitucionalismo, dos Direitos Humanos e do Estado<br />

Democrático de Direito era rotulado de subversivo e<br />

perseguido, por vezes torturado ou até mesmo morto pelo<br />

Governo.<br />

Para concluir este raciocínio, pode-se valer de<br />

poderosa frase do autor estudado: Criticaram a Inquisição<br />

religiosa e querem fazer a Inquisição econômica. 27<br />

Em seguida, Pontes de Miranda analisa e disseca<br />

os argumentos opostos à Escola Única, numerando-os em<br />

quatro:<br />

1. A melhor solução é a manutenção e expansão das<br />

bolsas de estudos a quem não pode pagar, custeando-as as<br />

classes privilegiadas. Ora, é o mesmo princípio das ações<br />

afirmativas de cotas nos vestibulares: cuidar do sintoma ao<br />

invés da doença.<br />

2. Que a Escola Única apenas favoreceria aos ricos,<br />

e não aos verdadeiramente necessitados, já que teriam de<br />

graça o que anteriormente pagavam. De fato, já foi verdade<br />

um dia no Brasil, quando o ensino público era privilégio das<br />

classes altas e os pobres não tinham a quem lhes ensinar.<br />

Aqui, contudo, Pontes de Miranda não entende porque<br />

reclamam — ou talvez o entenda bem demais: se preferem<br />

pagar a recebê-lo de graça, é porque pagando mantem-se o<br />

statvs qvo da desigualdade social.<br />

3. A Escola Única seria demasiado custosa para<br />

o Estado. (É argumento, aliás, que de um modo ou de<br />

outro predomina até nossos dias.) Contra-argumenta o<br />

jus-sociólogo que as vantagens são enormes junto ao<br />

argumento relativo, e que o serviço geral, racionalizado,<br />

é sempre menos caro que a multiplicidade anárquica dos<br />

serviços. 28<br />

4. Por fim, que seria vantajoso apenas no âmbito<br />

urbano, e não no rural, porque os agricultores são<br />

dispersos. De fato, até hoje, especialmente no Nordeste<br />

e na Amazônia, perdura o problema de vencer distâncias<br />

imensuráveis para se obter um pouco de estudo. Todavia, é<br />

problema cuja solução está implícita no Direito à Educação,<br />

e para isso, a contrariv sensv, Pontes de Miranda parece<br />

defender a criação de internatos públicos, que nos parece<br />

27 Op. cit., p. 48, apud.<br />

28 Op. cit., p. 49.<br />

29 Op. cit., p. 56 e 57.<br />

30 Op. cit., p. 61.<br />

74<br />

necessitar melhor reflexão que aqui não cabe.<br />

Em seguida, discute Pontes de Miranda o aspecto<br />

econômico da questão, analisando-o em dois aspectos<br />

distintos: o que encareceria e o que ficaria mais barato.<br />

A realização da escola única:<br />

I. Custa mais caro, devido: ao fechamento dos<br />

colégios particulares e à abertura de novos,<br />

públicos, que os substituam, ou à transformação<br />

da maioria daqueles nesses, o que é mais<br />

aconselhável; à uniformização dos métodos,<br />

à fiscalização; ao fornecimento de material<br />

escolar; ao aumento do número de internatos,<br />

subvenções a alunos pobres, para se alojarem<br />

e se alimentarem nos lugares em que se situe o<br />

estabelecimento especial que devam cursar.<br />

II. Custa mais barato, devido: à economia nas<br />

grandes tiragens de livros escolares (milhões<br />

de exemplares), — é o que se denomina<br />

“socialização do livro escolar”; à economia<br />

que resulta de toda organização racionalizada;<br />

à supressão do desperdício resultante da<br />

propaganda, concorrência e luta entre os<br />

capitalistas e parasitas que vivem da instrução;<br />

à economia nas construções de grandes centros<br />

escolares e no preparo de centenas de milhares<br />

de professores. 29<br />

Obviamente, a Escola Única também incorre na<br />

gratuidade do material escolar, do uniforme, do transporte<br />

escolar, princípios já consolidados no ensino público<br />

existente. Todavia, deve se atentar para a qualidade desses<br />

serviços — aliás, todo o nosso problema parece se resumir<br />

a qualidade. Não devemos olvidar, também, o abuso de<br />

poder da “lavagem cerebral” (que pode ser observado no<br />

nazifascismo e no comunismo soviético), de se utilizar da<br />

Escola Única para impôr determinada ideologia ou corrente<br />

de pensamento — algo que deve ser evitado, a todo custo.<br />

Cremos que a questão seguinte é a que mais interessa<br />

ao Brasil atual: não adianta fazer malfeita a Escola Única,<br />

ela deve ser plena e efetiva. Estamos nada menos do que<br />

no primarismo contra o qual Pontes de Miranda tanto nos<br />

alertou. Isso é resultante da aplicação defeituosa da Escola<br />

Única no Brasil — ora, fazê-la malfeita é o mesmo que<br />

não fazê-lo em absoluto. Transcrevemos suas palavras<br />

proféticas:<br />

A Escola única levará ao “primarismo”? Sim,<br />

se for fraudada ou incompleta; quer dizer, se<br />

efetivamente não conduzir ao curso secundário e<br />

ao superior os que podem subir, ou se somente for<br />

gratuita para o ensino primário. 30<br />

Obviamente, o caso brasileiro se refere à primeira<br />

hipóstese: se efetivamente não conduzir ao curso<br />

secundário e ao superior os que podem subir. Atualmente,<br />

apenas o ensino primário é obrigatório, e sua falência<br />

é tal que oferece melhor perspectiva para a maior parte<br />

dessas famílias se o adolescente interromper seus estudos<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


e já começar a trazer sua renda para casa. Além disso, é<br />

improvável que esse mesmo adolescente, se completar<br />

o Ensino Médio, alcance o Ensino Superior na forma de<br />

uma faculdade gratuita e de qualidade. Contudo, é inegável<br />

que a entrada no Ensino Superior deve ser por mérito —<br />

e se esse mérito não foi alcançado, o pupilo não poderá<br />

cursar a universidade. Mas é injusto — argumentam<br />

outros — que apenas um segmento mínimo da população<br />

alcance o nível superior, e desta forma possa ascender<br />

socialmente. E argumentam com toda a razão! Mas o que<br />

inevitavelmente irá ocorrer se esses jovens — que por<br />

mais valorosos que sejam, não estão preparados — forem<br />

empurrados para o Ensino Superior, como no caso das<br />

cotas? Ora, eles não acompanharão o nível e a dificuldade<br />

do conhecimento ministrado, e de duas uma: ou estes se<br />

afastam por não conseguirem acompanhar, ou o conteúdo<br />

é nivelado de acordo com a sua capacidade. Em ambos<br />

os casos, a solução é ineficaz e apenas produz a ilusão de<br />

que o problema foi sanado: é o “jeitinho” brasileiro de<br />

solucionar os problemas, dessa vez em forma legislativa e<br />

aparência respeitosa. Na primeira conseqüência, ocorre o<br />

que já repetimos exaustivamente: “mudou para continuar<br />

a mesma coisa”. A segunda conseqüência é pior, porque<br />

abaixa-se a qualidade do Ensino Superior, e a longo prazo<br />

um de nossos únicos méritos no Ensino Público estará<br />

reduzido à mesma ineficiência do Ensino Básico.<br />

A solução é dolorosa, difícil e a longo prazo, mas é<br />

única e necessária. É necessário melhorar a qualidade do<br />

Ensino Básico para que esta não ponha abaixo a qualidade<br />

do Ensino Superior! É necessário pensar na qualidade e não<br />

na quantidade, não no número de alunos em sala de aula,<br />

ou de quantos passam pelo funil odioso do vestibular, ou do<br />

número anual de graduandos, formandos, bacharelandos<br />

e licenciandos! Números são racionais, impessoais e<br />

abstratos! É necessário esquecer os números para cumprir<br />

efetivamente a função da Educação e da Instrução, que é a<br />

formação para a cidadania!<br />

É necessário investir na qualidade do Ensino Básico<br />

para realmente se instituir a Escola Única no Brasil. Sem<br />

paliativos ou painkillers, mas de efetiva e realmente curar<br />

a doença.<br />

Para Pontes de Miranda, o ensino não deve se<br />

resumir ao primário (Fundamental), secundário (Médio)<br />

e Superior (Faculdade). Deve haver uma classificação<br />

bipartida: geral e profissional. Contando que, atualmente,<br />

as Faculdades e os cursos técnicos (que podemos situar,<br />

atualmente, no nível Superior) são os únicos meios de<br />

realmente alcançar a ascensão social através do trabalho,<br />

podem ser considerados como o ensino dito profissional.<br />

Ao geral, portanto — lembrando que o autor estudado<br />

defende sua obrigatoriedade — pertencem o Fundamental<br />

e o Médio. A conclusão lógica é de que não apenas o<br />

31 Op. cit., p. 68.<br />

32 Op. cit., p. 69.<br />

33 Op. cit., p. 69-70.<br />

Fundamental, mas também o Ensino Médio deve ser<br />

também obrigatório. Sendo obrigatório E de qualidade,<br />

está assegurada a entrada destes estudantes no Ensino<br />

Superior, ou profissional. Cremos que já foi argumentado<br />

anteriormente que muitas dessas famílias não podem<br />

sustentar seus filhos até o fim do Ensino Superior, e de<br />

que, ainda mais, teriam necessidade de já contribuírem<br />

para a renda familiar. A primeira proposição é igualmente<br />

implícita no Direito à Educação, e não é preciso respondêla.<br />

A segunda já é questão de bom senso: o que é melhor,<br />

ganhar mensalmente R$200,00 a partir de agora ou esperar<br />

para ganhar mensalmente mais de R$1.000,00 por mês no<br />

futuro?<br />

4. A construção do direito à educação<br />

Para Pontes de Miranda, o Direito à Educação é<br />

condição e conseqüência — ou talvez mais do que ambos,<br />

corolário — de uma Nova Ordem Social que urge ser<br />

implantada, nos mesmos moldes do socialismo utópico.<br />

Entendemos, portanto, que não se trata de uma revolução<br />

de armas, mas de idéias, sendo atingida através da lei, da<br />

razão e do bom senso — afinal, Direito não é nada mais do<br />

que bom senso — e não da violência.<br />

É conclusão, afinal, corroborada pelo trecho<br />

seguinte do livro, no qual o autor estudado manifesta seu<br />

ojeriza aos regimes ditatoriais. São palavras tão marcantes<br />

que merecem ser citadas in verbis:<br />

Bem sabemos que alguns teóricos do estatismo<br />

despótico, fácil de implantar-se sob as múltiplas<br />

formas da violência, pretendem que as seleções,<br />

as distribuições e as ascensões se faça mediante<br />

pura eliminação mecânica ou escolhas<br />

irremediáveis. Seria a rigidez das duras redes<br />

administrativas, o “dogma” dos exames, dos<br />

concursos ou dos tests. Mataria a liberdade dos<br />

indivíduos. 31<br />

Ao contrário disso, prega a inclusão e não a<br />

exclusão de todos, sendo a primeira até mesmo dever do<br />

Estado. Nisso podemos identificar o próprio processo<br />

seletivo (vestibular) como instrumento de exclusão —<br />

dada a própria característica de “peneira” e afunilamento<br />

que identificamos anteriormente — e portanto de controle<br />

social. Além disso, essa inclusão deve ser realizada de<br />

modo que estejam o indivíduo a serviço da sociedade<br />

e a sociedade a serviço do indivíduo, 32 concomitante<br />

e eqüitativamente. Destarte, o objetivo final seria a<br />

equivalência entre todas as funções sociais, 33 sem se<br />

olvidar também de uma equiparação salarial progressiva.<br />

Em seguida, o autor detalha as características<br />

do ensino soviético, marcado pela estatização e pela<br />

educação de plano, e dominado pelo sindicato dos<br />

professores; e o modelo francês — caracterizado, todavia,<br />

mais pela socialização do que pela proletarização. São<br />

75


duas tendências de esquerda, seguindo vias e até mesmo<br />

chegando a resultados diferentes. Entretanto, reitera Pontes<br />

de Miranda que ambos os modelos são falhos e passíveis<br />

de críticas.<br />

Concordamos com o autor no que conclui que<br />

apenas o socialismo levará efetivamente ao Direito à<br />

Educação. Não o comunismo ortodoxo, como o chama,<br />

mas um socialismo ajustado às características da República<br />

brasileira — sem o rolo compressor da Revolução<br />

Bolchevique. 34 Nega, contudo, que tal socialismo seria<br />

similar à social-democracia; intitula-o socialismo<br />

reformista. 35 Além disso, cumpre salientar a observação do<br />

autor que a Escola Única é o pressuposto para a existência<br />

efetiva da fraternidade — fraternidade, sem escola igual e<br />

gratuita, é palavra oca. 36<br />

Por fim, também é mister sanar a dúvida de que a<br />

proposta — um tanto mais radical do que a aplicada no<br />

Brasil atualmente — não fere a liberdade de ensino e<br />

tampouco a liberdade de expressão. Por outro lado, a<br />

duplicidade de ensino é uma contrdição até mesmo com<br />

a expressão “escola única” — ou seja, deve-se afastar da<br />

meritosa arte de ensinar e instruir interesses econômicos<br />

e capitalistas, como acabam inevitavelmente prevalecendo<br />

na atualidade, com as escolas particulares, geridas como<br />

empresas. Tampouco é de efeito os fiscais dos institutos<br />

particulares, já que são corruptíveis e cúmplices.<br />

5. Conclusões<br />

Para o autor estudado, a Escola Única é conclusão<br />

em si mesma. Sua realização é imprescindível e necessária,<br />

já que significa dar a todos as mesmas possibilidades;<br />

prover os postos técnicos, e valorizar, cada vez mais,<br />

o homem. (…) Só o Estado Socialista pode resolver o<br />

problema educacional no Brasil. 37<br />

Não podemos nos olvidar do que o autor considera<br />

deveres do Estado para a Educação:<br />

1. Assegurar a alimentação suficiente e conveniente<br />

da criança, tendo refeitórios em todas as escolas se<br />

necessário; deve também ser analisada pelos “técnicos<br />

escolares”, como pediatras e psicólogos. Cremos que<br />

apenas a primeira parte tenha sido efetivamente realizada<br />

34 Op. cit., p. 81.<br />

35 Idem, ibidem.<br />

36 Op. cit., p. 87.<br />

37 Op. cit., p. 120.<br />

38 Op. cit., p. 116.<br />

76<br />

Bibliografia<br />

no Brasil — chegando talvez até a ser um problema o fato<br />

de a escola se desvirtuar em restaurante…<br />

2. Uniforme e material escolar gratuitos e iguais<br />

para todos — outra coisa também já, em sua maior parte,<br />

realizada. O que precisamos por em dúvida, porém, é a<br />

qualidade — para variar — das doações…<br />

3. Todos os professores devem ter formação igual<br />

e ao mesmo nível — algo que talvez só seja plenamente<br />

realizado com uma reforma do Ensino Superior — e<br />

voltamos ao problema da qualidade de ensino no Brasil…<br />

4. Todos devem ter a mesma escola e o mesmo<br />

material.<br />

Portanto, os três princípios do Direito à Educação<br />

— e estágios para se chegar à Escola Única — consistem<br />

em gratuidade, obrigatoriedade, unicidade.<br />

Todavia, tudo isso não é suficiente sem sólida base e<br />

segurança constitucional — perfeitamente consolidadas na<br />

Constituição de 1988.<br />

Reitera-se a abolição do ensino particular. Contudo,<br />

devemos citar a sugestão de Pontes de Miranda para<br />

que essa transição seja gradativa: todos os professores<br />

e funcionários das escolas particulares são declarados<br />

funcionários públicos. As instituições permanecem —<br />

apenas deixam de ser de âmbito privado. Certa tendência<br />

que cresce atualmente é a das tão-chamadas parcerias<br />

público-privadas, que também podem ser pensadas para<br />

este período de transição.<br />

Ao final, fazemos nossas as palavras rogatórias do<br />

autor, sendo que é prece ainda atual:<br />

Brasileiros! Preparemos todas as crianças<br />

em idade escolar, alinhêmo-las, todas, no<br />

mesmo ponto de partida! Só assim daremos<br />

a todos as mesmas possibilidades, só<br />

assim faremos obra de justiça social, de<br />

cooperação leal e de fraternidade.<br />

Pelo Direito à Educação, no Estado de fins<br />

precisos! Pela livre repartição da cultura<br />

entre todos os Homens!<br />

Educação ou Morte! É o segundo grito de<br />

Independência do Brasil. 38<br />

MIRANDA, Francisco Cavalcante. Pontes de. Direito à Educação. Rio de Janeiro, Alba, 1933. [Coleção 5 Direitos do<br />

Homem — Ciência e Trabalho, vol. III]<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


Pesquisa e apresentação do assunto:<br />

RUI CARVALHO PIVA<br />

Doutor em Direito. Coordenador de Pesquisa da Faculdade de Direito da Fundação Armando Alvares Penteado – FAAP.<br />

Professor de Direito Civil dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Direito da FAAP em São Paulo e<br />

São José dos Campos. Professor de Direito Ambiental do Curso de Pós-Graduação em Direito do Agronegócio da FAAP<br />

em Ribeirão Preto.<br />

O Projeto de Lei 1876/99, com as modificações<br />

sofridas em sua tramitação legislativa, estabeleceu um<br />

confronto entre ruralistas e ambientalistas.<br />

O projeto prevê normas gerais sobre a proteção da<br />

vegetação, estabelece limites para as áreas de Preservação<br />

Permanente e as áreas de Reserva Legal, define regras<br />

gerais sobre a exploração florestal, o suprimento de<br />

matéria-prima florestal, o controle da origem dos produtos<br />

florestais e o controle e prevenção dos incêndios florestais,<br />

e prevê instrumentos econômicos e financeiros para que<br />

esses objetivos sejam atingidos.<br />

As previsões estabelecidas no projeto fazem parte<br />

do propósito de flexibilização das atuais regras de proteção<br />

do meio ambiente estabelecidas desde os anos 60, regras<br />

essas que vêm sendo descumpridas pela maioria dos 5,2<br />

milhões de produtores rurais do País.<br />

Perceba algumas mudanças propostas na legislação<br />

florestal ambiental:<br />

ÁREAS <strong>DE</strong> PRESERVAÇÃO PERMANENTE.<br />

São áreas protegidas nos termos do Código Florestal<br />

vigente, cobertas ou não por vegetação nativa, com a função<br />

ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a<br />

estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de<br />

fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das<br />

populações humanas.<br />

Atualmente, estão protegidos, no mínimo, 30<br />

metros nas margens dos rios, áreas de encosta e topos de<br />

morros e as várzeas.<br />

De acordo com o projeto, já revisado pelo seu<br />

Relator, Deputado Aldo Rebelo, a proteção mínima<br />

ficará reduzida para 15 metros nas margens dos rios.<br />

As várzeas poderão ser desmatadas em decorrência de<br />

empreendimento, quando não houver alternativa técnica.<br />

Atenção: As áreas de proteção permanente poderão ser<br />

descontadas do cálculo da reserva legal.<br />

RESERVA LEGAL<br />

São áreas localizadas no interior de uma propriedade<br />

ou posse rural, excetuadas as de preservação permanente,<br />

necessárias ao uso sustentável dos recursos naturais, à<br />

conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à<br />

conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de<br />

fauna e flora nativas. Elas variam: 80% na Amazônia Legal,<br />

Questão Polêmica<br />

O Novo Código Florestal<br />

35% em áreas de savana ou campo, aí incluído o Cerrado,<br />

e 20% no bioma Mata Atlântica e demais regiões do País.<br />

Quem não preservou e registrou reserva legal e<br />

desmatou áreas de proteção permanente ficou sujeito a<br />

multas e embargo da produção.<br />

De acordo com o projeto, nas pequenas propriedades,<br />

com até 4 módulos rurais, haverá dispensa da reserva<br />

legal, quando a área já estiver desmatada. A dispensa de<br />

recomposição também será válida para propriedades<br />

maiores, porém restrita a uma área de até quatro módulos.<br />

No restante da propriedade, permanece a obrigatoriedade<br />

de recomposição. A justificativa para a dispensa da<br />

recomposição da reserva nos casos mencionados está no<br />

custo da recomposição, estimado em R$. 15.000,00 por<br />

hectare que é, segundo o Deputado, “um dinheiro que o<br />

pequeno produtor não tem”.<br />

Ainda de acordo com o projeto, novos<br />

desmatamentos ficam proibidos por um período de 5 anos.<br />

Em contrapartida, a cobrança de multas e o cumprimento<br />

dos embargos aplicados, bem como a aplicação de novas<br />

multas e embargos em decorrência dos desmatamentos<br />

também serão suspensos por 5 anos, prazo previsto para<br />

que ocorram as regularizações.. É o que se denominou<br />

“moratória”.<br />

Nesse sentido, as multas e demais sanções aplicadas<br />

até 22 de julho de 2008 ficarão suspensas nas áreas de<br />

preservação permanente, até que o Plano de Regularização<br />

Ambiental estabeleça como ocorrerá a regularização das<br />

propriedades. Segundo o projeto, se o produtor cumprir o<br />

plano, não pagará as multas.<br />

Será proposta pelo Deputado Rebelo a realização<br />

de um censo para apurar qual é a composição atual das<br />

reservas legais nas pequenas propriedades para que se<br />

possa efetivamente fiscalizar. Com relação às grandes<br />

propriedades, o parlamentar lembrou que esse controle já é<br />

feito por satélites.<br />

No dia 06 de julho de 2010, um dia antes do<br />

fechamento desta edição, os deputados federais aprovaram,<br />

em comissão especial, por 13 votos a 5, o texto-base da<br />

reforma do Código Florestal (Lei 4.771/65), do deputado<br />

Aldo Rebelo (PCdoB-SP). Alguns destaques que poderiam<br />

alterar o documento foram rejeitados. O resultado da<br />

77


votação foi recebido aos gritos de “retrocesso” por parte<br />

dos ambientalistas presentes na comissão e “Brasil”<br />

pelos ruralistas, que apóiam o relatório de Rebelo.<br />

Em seguida, a matéria seguirá para votação no plenário da<br />

Câmara dos Deputados e depois para o Senado. Caso haja<br />

mudança, ela volta a ser discutida e votada pelos deputados<br />

antes de ir à sanção presidencial. Como a pauta de votações<br />

do plenário está obstruída, a proposta só deve sair da Casa<br />

no próximo semestre.<br />

Fontes pesquisadas na internet: câmara.gov.br;<br />

estadão.com.br/planeta e uol.com.br<br />

78<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


Questão Polêmica<br />

O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.<br />

Pesquisa e apresentação do assunto:<br />

RUI CARVALHO PIVA<br />

Doutor em Direito. Coordenador de Pesquisa da Faculdade de Direito da Fundação Armando Alvares Penteado – FAAP.<br />

Professor de Direito Civil dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Direito da FAAP em São Paulo e<br />

São José dos Campos. Professor de Direito Ambiental do Curso de Pós-Graduação em Direito do Agronegócio da FAAP<br />

em Ribeirão Preto.<br />

O Instituto Brasileiro de Direito de Família –<br />

IBDFAM – foi criado em 1997, durante o I Congresso<br />

Brasileiro de Direito de Família, realizado em Belo<br />

Horizonte.<br />

É uma entidade de cunho técnico-científico sem fins<br />

lucrativos que tem o objetivo de desenvolver e divulgar o<br />

conhecimento sobre o Direito de Família e de atuar como<br />

força representativa nas questões pertinentes à família<br />

brasileira.<br />

Hoje, o IBDFAM conta com quase cinco mil<br />

associados no Brasil e exterior, dentre eles ministros,<br />

magistrados, pesquisadores, promotores, defensores<br />

públicos, advogados, psicólogos, psicanalistas e assistentes<br />

sociais.<br />

A partir de iniciativa do IBDFAM, os deputados<br />

federais Sérgio Carneiro e Antônio Carlos Biscaia<br />

apresentaram à Câmara dos Deputados, em 2007, uma<br />

Proposta de Emenda Constitucional, a fim de que o<br />

parágrafo 6.º do artigo 226 da Constituição passasse a<br />

vigorar com a seguinte redação: “O casamento civil pode<br />

ser dissolvido pelo divórcio.”<br />

Esta nova redação viria para substituir a atual, que<br />

é do seguinte teor: “O casamento civil pode ser dissolvido<br />

pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais<br />

de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada<br />

separação de fato por mais de dois anos.”<br />

Em 20 de maio e 2 de junho de 2009, respectivamente,<br />

a proposta idealizada pelo IBDFAM foi aprovada em<br />

primeiro e segundo turnos na Câmara dos Deputados.<br />

Após obter aprovação no Plenário da Câmara dos<br />

Deputados, a proposta foi enviada para a Comissão de<br />

Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, tendo sido<br />

aprovada por unanimidade em 24 de junho do mesmo ano.<br />

Em 2 de dezembro de 2009, a matéria foi aprovada<br />

em primeiro turno no Senado, com apenas 3 votos<br />

contrários.<br />

Na ocasião, a Agência Senado divulgou a decisão<br />

no site nos seguintes termos:<br />

“Os senadores aprovaram nesta quarta-feira (2),<br />

em primeiro turno, proposta de emenda à Constituição<br />

(PEC 28/09) que acaba com a exigência da separação<br />

judicial prévia por mais de um ano ou da comprovação de<br />

separação de fato por mais de dois anos para a obtenção<br />

do divórcio. A PEC recebeu voto favorável do relator na<br />

Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ),<br />

senador Demóstenes Torres (<strong>DE</strong>M-GO). A proposta, que<br />

ainda precisa passar pelo segundo turno de discussão e<br />

votação, altera o parágrafo 6º do artigo 226 da Constituição.<br />

O texto em análise no Senado é resultado de substitutivo<br />

da Câmara a duas propostas de emenda à Constituição<br />

- PEC 413/05, do deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-<br />

RJ), e PEC 33/07, do deputado Sérgio Barradas Carneiro<br />

(PT-BA). - Com essa PEC, o divórcio pode ser feito a<br />

qualquer tempo, como acontece em qualquer lugar do<br />

mundo - disse Demóstenes Torres, durante a discussão em<br />

Plenário. O líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR),<br />

disse que a proposta foi apelidada de “PEC do Amor”, já<br />

que permite, após uma separação, a realização imediata<br />

de um novo casamento reconhecido pela lei. O senador<br />

Marcelo Crivella (PRB-RJ), por sua vez, discordou. Em<br />

sua avaliação, o pré-requisito de um ano para reavaliação,<br />

pelas partes, da conveniência da dissolução do casamento<br />

tinha o objetivo de garantir ao casal a oportunidade de<br />

pensar melhor. Se pudermos dissolver o casamento de<br />

um dia para o outro, estaremos colocando as mulheres, a<br />

parte mais frágil da relação, numa situação de insegurança<br />

- disse. Já o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) elogiou<br />

a proposta, que, a seu ver, vem aperfeiçoar o Direito de<br />

Família. - A mudança será recebida com muita felicidade<br />

por pessoas que querem legitimar sua união - disse.”<br />

Em 11 de março de 2010, a Professora Carolina<br />

Ribeiro Garcia Montai de Lima, publicou em seu blog:<br />

“O IBDFAM tem sido questionado diariamente<br />

sobre a demora na aprovação da PEC do Divórcio (PEC<br />

28/2009) pelo Senado Federal. Associados, imprensa e<br />

cidadãos comuns querem saber quando a sociedade poderá<br />

usufruir dos benefícios trazidos pela proposta - Agilidade<br />

no processo de dissolução conjugal; economia de<br />

recursos públicos e privados antes destinados ao processo<br />

de separação; menor desgaste emocional das partes<br />

envolvidas, celeridade e racionalização do Judiciário -<br />

Estes são alguns dos desdobramentos que a aprovação do<br />

79


divórcio direto ensejará. Desde o final do ano passado, a<br />

proposta encontra-se na ordem do dia do Senado para a<br />

apreciação final da casa (votação em 2º turno), mas não<br />

chega as vias de fato. Consultados por nossa Instituição,<br />

alguns parlamentares justificam a demora da votação<br />

pela falta de quorum qualificado exigido para o exame de<br />

emendas constitucionais (3/5 da Casa). As assessorias de<br />

outros senadores atribuem à necessidade parlamentar de se<br />

priorizar a análise de medidas provisórias que costumam<br />

trancar a pauta. Outro fato que parece contribuir para a<br />

demora da votação são as discussões sobre as eleições<br />

de 2010.” E prosseguiu: “O que fazer? Os associados do<br />

IBDFAM são convocados a participar de uma manifestação<br />

eletrônica em prol da aprovação da PEC. Está mais do que<br />

comprovado que a PEC vai facilitar a vida de cerca de 800<br />

mil brasileiros. Essa certeza precisa apenas ser explicitada<br />

pelos representantes de nossa instituição.”<br />

No dia 07 de julho de 2010, data de fechamento<br />

desta edição, a Uol publicou:<br />

“Os senadores aprovaram nesta quarta-feira (7),<br />

em segundo turno, a Proposta de Emenda à Constituição<br />

(PEC) do Divórcio, que elimina a necessidade de separação<br />

judicial por mais de um ano ou de separação de fato por<br />

mais de dois anos para a efetivação do divórcio.”<br />

A Proposta de Emenda Constitucional que estabelece<br />

a possibilidade de dissolução do casamento pelo divórcio<br />

deverá ser publicada no Diário do Congresso Nacional<br />

do próximo dia 14 de julho de 2010, quando passará a ter<br />

validade.<br />

Fontes pesquisadas na internet: www.ibdfam.org.br/<br />

institucional, www.senado.gov.br,<br />

blogdaprofessoracarolina.blogspot.com. e uol.com.br.<br />

80<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


ORLANDO MALUF HADDAD<br />

Advogado, Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (2004/2006), Vice-Presidente da OAB/SP<br />

(2001/2003), Secretário-Geral Adjunto da OAB/SP (1998/2000) e membro do Instituto dos Advogados de São Paulo.<br />

Nessas duas petições iniciais que seguem transcritas<br />

abaixo, uma de ação cautelar e outra de ação principal,<br />

oficiei ao Poder Judiciário, no meu mister de advogado,<br />

em busca da efetivação de direitos desrespeitados em<br />

momentos de intensas divergências familiares.<br />

Acredito que a narrativa dos fatos e os fundamentos<br />

legais das pretensões submetidas à apreciação do Poder<br />

Judiciário possam ser objeto de interesse dos leitores da<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito da FAAP.<br />

Notadamente nesses momentos em que a sociedade<br />

ainda busca intensamente a adequada disciplina legal dos<br />

direitos pessoais e patrimoniais da família brasileira.<br />

PETIÇÃO INICIAL <strong>DE</strong> AÇÃO CAUTELAR<br />

EXCELENTISSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ <strong>DE</strong> <strong>DIREITO</strong><br />

DA VARA CIVEL DO FORO CENTRAL DA CAPITAL<br />

...................., brasileira, casada, empresária,<br />

R.G. nº ............., inscrita no C.P.F./M.F. sob o n.º<br />

.............., residente e domiciliada em São Paulo, na Rua<br />

............................, respeitosamente comparece perante<br />

Vossa Excelência para, com fundamento nos artigos 796<br />

a 804 do Código de Processo Civil, requerer MEDIDA<br />

CAUTELAR INOMINADA (com pleito de LIMINAR<br />

) PREVENTIVA contra ..................., brasileiro, casado,<br />

contabilista e empresário, R.G. n.º ................, inscrito<br />

no C.P.F./M.F. sob o n.º .................., domiciliado em<br />

São Paulo, na ........................................................, pelas<br />

seguintes razões de fato e de direito :<br />

1- A Requerente, casada com o Requerido pelo<br />

regime de comunhão parcial de bens desde 16/07/1983<br />

(doc. 2), é sócia na proporção de 5% (cinco por cento)<br />

da empresa ...................................................., inscrita<br />

no C.N.P.J. sob o n.º .................., com sede em .............<br />

............................................................................., da qual<br />

é sócia majoritária sua filha ........................., titular de<br />

95% ( noventa e cinco por cento) das quotas, possuindo<br />

respectivamente 34.750 quotas a requerente e 660.250<br />

quotas sua filha, como prova a Alteração Contratual e<br />

Consolidação de Contrato Social celebrados em 20 de<br />

setembro de 2005, cujo instrumento ora se anexa (doc. 3).<br />

Questão Polêmica<br />

Divergências Familiares<br />

2- Por força do que especifica o Parágrafo 1.º da<br />

Cláusula 4.ª do estatuto da empresa, a Requerente, além de<br />

sócia-quotista, possui USUFRUTO VITALÍCIO de 45%<br />

das quotas de sua filha, compreendendo este Usufruto o<br />

patrimônio, lucros, dividendos e quaisquer valores que tais<br />

quotas venham a produzir, inclusive juros sobre capital, ou<br />

qualquer outro rendimento recebido, de acordo com o que<br />

mandamenta o Parágrafo 2.º da mesma cláusula, e também<br />

as cláusulas 12.ª e 13.ª.<br />

3- A gestão e administração da sociedade devem ser<br />

também exercidas pela ora Requerente, conforme rezam as<br />

cláusulas 5.ª e parágrafos e 6.ª, e como co-usufrutuária<br />

tem esta os poderes expressos na cláusula 12.ª item VI<br />

do Contrato Social.<br />

4- Em suma, a Requerente é sócia, usufrutuária e<br />

administradora-gestora das quotas da sociedade, tendo<br />

sobre ela plenos direitos inerentes a tais condições.<br />

5- Essa empresa foi formada no escopo de sociedade<br />

familiar, para administração de inúmeros imóveis que<br />

compõe o patrimônio da Requerente e do Requerido, ao<br />

longo de longos anos de convivência uxória.<br />

Seu objetivo foi e é prover o sustento da família,<br />

com o pagamento de todas as suas despesas das mais<br />

diversas naturezas (alimentação, vestuário, transporte,<br />

lazer, funcionários etc. etc.).<br />

Demonstra-se, com vários e diferentes documentos,<br />

nesta oportunidade, o fato ora narrado (docs. 4 a 20).<br />

6- As relações entre sócias e os administradoresusufrutuários<br />

permaneceram harmoniosas até o mês<br />

de setembro de 2006, quando a Requerente tomou<br />

conhecimento da surpreendente e irreversível intenção<br />

do Requerido em abandonar o lar conjugal, para ir<br />

residir com sua amante, ...................., com quem o<br />

mesmo se relacionava desde 2005 (sem conhecimento da<br />

Requerente), e com quem teve um filho nascido em fins de<br />

2006, ...............................<br />

Anexa-se, a respeito, provas relativas a bens<br />

recentemente “adquiridos” pela referida amante, que antes<br />

não era pessoa de muitos recursos financeiros, que teria<br />

81


sido marcantemente beneficiada pela generosidade do<br />

Requerido com o “chapéu da empresa” (v. docs. 21 e 22 –<br />

cabeleireiro e auto “Hyundai Tucson).<br />

7- Ao destruir seu casamento e deteriorar por<br />

completo as relações com sua filha, o Requerido também<br />

quebrou a “affectio soccietatis” que imbuíra a criação<br />

e formação da empresa, destinada, repita-se a produzir<br />

recursos necessários à sobrevivência da família.<br />

8- Requerente e Requerido ajustaram que realizariam<br />

a gestão e administração da empresa e do patrimônio que<br />

representa, de forma conjunta, como exatamente prevê<br />

o Contrato Social. Na ocasião, havia total confiança da<br />

Requerente na pessoa do Requerido, que se assenhoreou do<br />

movimento financeiro da empresa e, não obstante jamais<br />

ter a Requerente prescindido de seus direitos claramente<br />

enunciados no Contrato Social, recebeu por anos o dinheiro<br />

correspondente aos pagamentos das despesas familiares e<br />

de sua parte líquida nos rendimentos mensais pertinentes<br />

ao usufruto das quotas. À Requerente cabia (por avença<br />

com o Requerido e com a nua-proprietária, sua filha)<br />

supervisionar todos os pagamentos dos débitos pessoais,<br />

das residências, automóveis, etc. e para tanto sempre<br />

Requerente e Requerido mantiveram contas-correntes<br />

conjuntas, nas quais se recebia o numerário diário, semanal<br />

e mensal da empresa para cumprir todos os pagamentos da<br />

família.<br />

9- Ao abandonar o lar conjugal, o Requerido no<br />

início manteve suas obrigações pecuniárias de entregar à<br />

sócia no Usufruto da empresa (sua mulher, a Requerente)<br />

as verbas que normalmente se aufere na receita desta<br />

empresa, bem como das demais que administra (cuja<br />

meação da Requerente em relação às quotas possuídas pelo<br />

Requerido é reivindicada em sede própria).<br />

10- o entanto, a partir de quando entendeu oportuno,<br />

o Requerido não somente deixou de pagar à Requerente a<br />

metade da receita da empresa que a ela pertencia e pertence,<br />

como iniciou um processo de conduta absolutamente<br />

incompatível com a lealdade que se deve ter para com a<br />

sócia e co-usufrutuária e administradora ( a Requerente),<br />

bem como com a nua-proprietária das quotas da empresa<br />

(95%) , sua filha.<br />

Além de não dar acesso à Requerente e à filha à<br />

documentação da empresa que mantém em seu poder,<br />

tomou o Requerido posse exclusiva de todos os documentos<br />

administrativos, financeiros, bancários etc., deixando<br />

de partilhar com a Requerente, co-usufrutuária e coadministradora<br />

dos bens da empresa, os negócios que, ao<br />

arrepio do Contrato Social, intenta realizar solitariamente,<br />

sem a participação obrigatória da Requerente<br />

82<br />

11- Não satisfeito, o Requerido começou a prejudicar<br />

ostensivamente o fluxo de verbas para a Requerente e<br />

família: cancelou contas-correntes e cartões de crédito<br />

que se destinavam aos pagamentos de todas as despesas,<br />

nada informa sobre a administração e gestão da empresa<br />

e, ostensivamente, vem praticando todos os atos possíveis<br />

para impedir, obstaculizar, obliterar o direito da Requerente<br />

de participar da empresa, de seus rendimentos e de sua<br />

administração, conforme é provado pela documentação ora<br />

acostada (cf. docs. 23 a 36).<br />

Em 29/01/2008 a Requerente, por fone grama<br />

cuja cópia segue inclusa (doc. 37), advertiu sem sucesso o<br />

Requerido de seus inaceitáveis abusos.<br />

12- A Requerente, para os necessários subsídios<br />

à presente Cautelar, não somente exibe prova de mera<br />

“fumaça do bom direito” ( “fumus boni juris”), pois<br />

somente o Contrato Social da empresa , por sua constituição,<br />

é documento suficiente para comprovar cabalmente a<br />

condição de usufrutuária e administradora da empresa.<br />

Anexa, também, vários documentos que indicam<br />

desvio de verbas da empresa para outra empresa, tais como<br />

movimentação financeira desta empresa, que certamente<br />

não por coincidência teve alterada sua composição<br />

acionária, com a “estratégica” saída do Requerido e<br />

concomitante ingresso de seu irmão” ( v. extrato da<br />

composição dos sócios – doc. 38), que refletem a brusca<br />

alteração de comportamento pessoal e societário do<br />

administrador e co-usufrutuário Requerido, que caminha,<br />

até aqui, impunemente, para o provável esvaziamento e<br />

empobrecimento das quotas da empresa, em detrimento da<br />

Requerente e de sua filha ( docs. 38A a 71).<br />

13- Referida documentação, acrescida da relevante<br />

e recente alteração contratual da outra empresa, acima<br />

referida, na qual sempre foi sócio majoritário o Requerido<br />

(e, via de conseqüência, a Requerente tem direito à meação<br />

de suas quotas, no caso de Separação), do desavisado<br />

encerramento de contas comuns entre Requerido e<br />

Requerente, da brusca atitude de não mais prestar contas<br />

e remeter à mulher e filha as verbas (que não são dele,<br />

repita-se) destinadas ao seu sustento, compõe quadro fático<br />

que indica claramente o “periculum in mora” embasador,<br />

também desta necessária Medida Cautelar que visa tentar<br />

preservar a integridade funcional, administrativa, societária<br />

e financeiro-econômica da empresa, cujo patrimônio<br />

vem sendo solapado intencionalmente pelo Requerido,<br />

a julgar por suas ações e omissões em detrimento do<br />

direito da Requerente e de sua filha, sócia majoritária<br />

da empresa.<br />

14- A Requerente, em inequívoca demonstração<br />

de seus lícitos propósitos, já propôs, no âmbito familiar,<br />

a competente Ação de Separação Litigiosa (com pleitonão<br />

atendido- de Tutela Parcial Antecipada), da qual o<br />

Requerido ainda não foi citado, em cuja inicial – cópia<br />

anexa) menciona, dentre outros bens a partilhar, as quotas<br />

da empresa, pertencentes aos cônjuges, ora Requerente e<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


Requerido nesta vestibular (doc. 72).<br />

A propósito, referida liminar não foi concedida<br />

por entender o MM. Juízo da 6ª Vara da Família e Sucessões<br />

deste Foro Central que a questão pertine ao âmbito civilsocietário-empresarial.<br />

15- A permanecer o estado atual dos fatos que<br />

intrinsecamente atingem a sociedade, com o Requerido<br />

impondo ilegalmente, de forma inaceitavelmente despótica<br />

e obscura, os obstáculos ao acesso pleno à administração,<br />

bens e proventos da empresa, obstacularizando<br />

criminosamente os direitos da Requerente e, com grande<br />

probabilidade, desviando cada vez mais os recursos que<br />

deveriam se destinar à Requerente e à nua-proprietária,<br />

filha do casal, o lapso temporal característico da Ação de<br />

Procedimento Ordinário para a natural prestação adequada,<br />

em seu veio cognitivo, instrutório e decisório, demandará<br />

tempo tal que já não restará eficaz qualquer decisão<br />

jurisdicional, a menos que esta justa grande ameaça<br />

de perigo seja coibida com os efeitos da Cautelar, ora<br />

propugnados.<br />

16- Assim sendo, presentes a “fumus boni juris”<br />

e o “periculum in mora” no caso vertente, sustentáculos<br />

bastantes para o suporte desta Cautelar, é a presente para<br />

requerer, LIMINARMENTE E ‘INAUDITA ALTERA<br />

PARS’, sejam de imediato determinadas as seguintes<br />

providências cautelares:<br />

A- Ordem ao Requerido para que franqueie todo o<br />

acesso a todos os documentos da empresa à Requerente, no<br />

local onde estiverem documentos de quaisquer naturezas,<br />

especialmente os financeiros, contábeis, comerciais,<br />

tributários, etc.;<br />

B- Ordem para que a Requerente ingresse em<br />

todas as dependências da empresa e dos escritórios onde<br />

puderem estar guardados os diversos documentos relativos<br />

à mesma;<br />

C- Ordem para imediato acesso da Requerente a<br />

todas as contas e/ou aplicações bancárias e/ou de quaisquer<br />

instituições financeiras , relativas à empresa, determinandose<br />

ao Requerido que, em 24 horas, apresente a este MM.<br />

Juízo relação das operações financeiras que realizou nos<br />

últimos doze meses, sem nada omitir.;<br />

D- Suspensão imediata dos poderes de<br />

administração e gestão financeira do Requerido em relação<br />

à empresa, não mais podendo praticar quaisquer atos de<br />

quaisquer âmbitos na mesma, sem a necessária e expressa<br />

anuência da Requerente, nomeando-se esta para exercer<br />

provisoriamente (até final R. Decisão da Ação Principal)<br />

a administração e gestão financeira da empresa, mediante<br />

prestação de contas aos interessados, o que não faz o<br />

Requerido;<br />

E- Entrega imediata à Requerente e à nuaproprietária<br />

da maioria das quotas de todos os documentos<br />

que eventualmente não forem localizados nas diligências,<br />

que sejam do interesse da empresa.<br />

F- Considerando-se as dificuldades dolosamente<br />

criadas pelo Requerido e impostas à Requerente e à sua<br />

filha nua-proprietária, o emprego de Força Policial e uso<br />

de Arrombamento, a critério do (a) Sr.(a) oficial de Justiça<br />

responsável pelo cumprimento das diligências.<br />

FRISE-SE QUE TODOS<br />

OS <strong>DIREITO</strong>S DO REQUERIDO <strong>DE</strong>CORRENTES DO<br />

CONTRATO SOCIAL DA EMPRESA, AO CONTRÁRIO<br />

DO QUE ELE PRATICA ATÉ A PRESENTE, SERÃO<br />

RESPEITADOS PELA REQUERENTE.<br />

17- Uma vez que a presente vestibular é<br />

acompanhada de cópia de pedido inicial de Ação de<br />

Separação Judicial, nos termos dos artigos. 5.º inc. LX da<br />

Constituição Federal e 155 inc. I e II do C.P.C., requer-se<br />

“ab initio” a decretação de SEGREDO <strong>DE</strong> JUSTIÇA para<br />

esta Cautelar, bem como para a Principal a ser corretamente<br />

proposta no prazo legal.<br />

18- Em cumprimento ao que determina o art. 801<br />

inc. III do C.P.C., a Requerente informa que pretende propor<br />

Ação para Exclusão do Requerido da Administração das<br />

quotas da empresa, Alterações do Contrato Social e outros<br />

pleitos pertinentes.<br />

No que concerne ao foro competente, O<br />

ELEITO PARA SE DIRIMIR QUAISQUER DÚVIDAS<br />

RELATIVAS Á EMPRESA É O <strong>DE</strong>STA COMARCA <strong>DE</strong><br />

SÃO PAULO, por inequívoca disposição expressa na<br />

cláusula 15.ª do Contrato Social, bem como se observa,<br />

“ad cautelam”, que o efetivo local de trabalho diário do<br />

Requerido é o indicado no prólogo desta vestibular, situado<br />

nos limites da jurisdição deste Foro Central.<br />

19- Considerando-se o supra-enunciado, é a presente<br />

para requerer a Citação do Requerido, que também poderá<br />

ser localizado em seu atual endereço residencial, à Rua ..<br />

..................................... , para que esta integre e responda<br />

se e como lhe convier, acompanhando o feito até final<br />

julgamento de sua Procedência, postulada para o fim de<br />

se tornar definitivas todas as providências requeridas em<br />

Liminar, com sua condenação ao pagamento das custas<br />

processuais e honorários advocatícios à razão de 20% do<br />

valor da causa.<br />

20 - A legitimar ainda mais a presente pretensão<br />

cautelar, a sócia majoritária, .......................................<br />

expressa sua plena e incondicional anuência e solidariedade<br />

com a Requerente, em relação a todos os termos desta<br />

Ação.<br />

Requer, por derradeiro, a produção de todos os<br />

meios de provas em direito admitidos, especialmente<br />

juntada e exibição de documentos, oitiva de testemunhas e<br />

pericial, sem exclusão dos demais, os benefícios facultados<br />

pelo disposto no art. 172, parágrafo 2.º do CPC, para todas<br />

as diligências do processo, atribuindo à causa o valor de R$<br />

20.000,00 (vinte mil reais).<br />

Termos em que,<br />

Pede Deferimento.<br />

São Paulo, 11 de Março de 2.008.<br />

83


84<br />

PETIÇÃO INICIAL <strong>DE</strong> AÇÃO PRINCIPAL<br />

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR<br />

JUIZ <strong>DE</strong> <strong>DIREITO</strong> DA 1ª VARA CIVEL DO FORO<br />

CENTRAL <strong>DE</strong> SÃO PAULO<br />

DISTRIBUIÇÃO POR <strong>DE</strong>PENDÊNCIA<br />

Ref. - MEDIDA CAUTELAR INOMINADA<br />

Proc.- 583.00.2008.126822-3 Ordem nº<br />

478/2008<br />

Reqte. -<br />

Reqdo.-<br />

......................................................................,<br />

brasileira, casada (pendente julgamento de Apelação em<br />

Ação de Separação Contenciosa), do lar, RG n.º ............<br />

, inscrita no CPF/MF sob o n.º .............., residente e<br />

domiciliada em São Paulo, na Rua ...................................<br />

........., ..................................................................................<br />

................... , brasileira, casada, advogada, RG n.º ............,<br />

inscrita no CPF/MF sob o n.º ......................., residente e<br />

domiciliada em São Paulo, na Rua .................................<br />

..................., e .................................................................<br />

.............................., sociedade inscrita no CNPJ/MF sob<br />

o n.º ........................., com sede em ............, na ............<br />

......................................................., representada por sua<br />

sócia, ora Primeira Autora, por seus advogados que esta<br />

subscrevem (instrumentos de mandato – docs. 1 , 2 e 3),<br />

respeitosamente comparecem perante Vossa Excelência<br />

para, com fundamento nos artigos 145 e seguintes, 1.011<br />

parágrafo 2.º, 1.013 e seguintes, 657 e seguintes do<br />

Código Civil, c.c. artigos 796, 282 e seguintes do CPC,<br />

pelo PROCEDIMENTO ORDINÁRIO regulamentado<br />

por este último diploma, propor AÇÃO <strong>DE</strong><br />

PRECEITOS <strong>DE</strong>CLARATÓRIO, COMINATÓRIO<br />

E CON<strong>DE</strong>NATÓRIO ( COM PLEITO <strong>DE</strong> TUTELA<br />

ANTECIPADA PARCIAL) contra ............................<br />

.................., brasileiro, empresário, R. n.º ..................,<br />

inscrito no CPF/MF sob o n.º .................., domiciliado<br />

profissionalmente em São Paulo, na ............................<br />

................................................................................, sua<br />

companheira ....................................................................<br />

, brasileira, solteira, RG n.º ........................., inscrita no<br />

CPF/MF sob o n.º ......................., residente e domiciliada<br />

em ..................................., na ..........................................<br />

................. , ......................................................................<br />

................................., atual razão social de .....................<br />

............................................................, inscrita no CNPJ/<br />

MF sob n.º..................................., com sede em São<br />

Paulo, na Rua ............................................, e AFONSO<br />

ALMEIDA JÚNIOR, de exata qualificação ignorada,<br />

brasileiro, RG n.º ......................., inscrito no CPF/MF sob<br />

o n.º .................., domiciliado em São Paulo, na Rua .......<br />

..............................., residente na Rua ...............................<br />

.............................................., requerendo sua distribuição<br />

POR <strong>DE</strong>PENDÊNCIA à Medida Cautelar Inominada<br />

supra-epigrafada, pelas razões de fato e de direito a seguir<br />

articuladamente enunciadas:<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.<br />

I. DOS FATOS E ATOS<br />

1- As Primeira e Segunda Autoras são as únicas<br />

sócias da empresa denominada ....................... (Terceira<br />

Autora), sendo o Primeiro Réu (..............) usufrutuário de<br />

50% (cinqüenta por cento) das quotas da Segunda Autora,<br />

e a Primeira Autora usufrutuária de 45 (quarenta e cinco<br />

por cento) , além de sócia, tudo de acordo com a cláusula<br />

4.ª do Contrato Social, cuja alteração de 20/09/2005 é<br />

neste ato anexada (doc. 4).<br />

2- O contrato prevê que são administradores da<br />

referida empresa a Primeira Autora e o Primeiro Réu. No<br />

entanto, há mais de três anos ele vem administrando com<br />

total exclusividade a sociedade.<br />

3- A empresa foi constituída no único objetivo de,<br />

sendo por natureza empresa essencialmente familiar, zelar<br />

e administrar principalmente os bem imóveis pertencentes<br />

ao casal, Primeira Autora e Primeiro Réu, que têm uma<br />

única filha, a co-autora ................. .<br />

Assim, todas as despesas da família e de seus três<br />

componentes eram pagas com os rendimentos da Terceira<br />

Autora, empresa proprietária de vários bens, principalmente<br />

imóveis, alguns dos quais, ou por negociação de venda e<br />

compra, ou por locação, originavam as verbas financeiras<br />

da empresa, sua receita, empregada na satisfação de todas<br />

as obrigações contraídas pela família, suas despesas<br />

comuns e individuais, manutenção dos bens (móveis e<br />

imóveis) pertencentes ao casal etc. etc.<br />

Documenta-se profusamente o ora afirmado na<br />

Medida Cautelar desta dependente.<br />

4- A Primeira e Segunda Autoras, e o Primeiro<br />

Réu, conviveram pessoal e harmoniosamente até o mês<br />

de setembro de 2006, quando este, de inopino e de forma<br />

chocante, abandonou o lar conjugal e passou a residir<br />

com sua então amante ................ (ora Segunda Ré) , com<br />

quem, sem nenhum conhecimento de sua mulher e filha, se<br />

relacionava intimamente desde 2005, em união adúltera da<br />

qual nasceu o menino ......................... , em fins de 2006.<br />

Há quatro anos, portanto, já se delineava a planificação do<br />

Primeiro Réu de simplesmente destruir o que representava<br />

décadas de patrimônio construído juntamente com a<br />

Primeira Autora, desviando bens e numerário de alta<br />

densidade da empresa em favor de sua nova família e<br />

novos negócios.<br />

5- Aturdidas pela frieza do abandono em que<br />

marido e pai as deixavam, as Autoras, por alguns meses, se


iludiram com a possibilidade de retorno do Primeiro Réu<br />

ao lar conjugal.<br />

Cientes, no entanto, que ele já engendrara sua forma<br />

de agir de modo a passar a viver com a Segunda Ré e seu<br />

filho, as Autoras começaram a tentar composição amigável<br />

para a Separação do casal e divisão dos bens, incluindo a<br />

empresa e outros de diversas naturezas.<br />

6- Pertinentemente à empresa Terceira Autora, no<br />

transcorrer de 2007, o Primeiro Réu a administrava com<br />

exclusividade e, em face da necessidade de Separação,<br />

prometeu várias vezes à Primeira Autora prestação de<br />

contas de sua atuação, já que não permitia acesso à<br />

movimentação financeira da empresa, nunca cumprindo<br />

sua promessa.<br />

Mais: com o tempo, estancou dolosamente o Primeiro<br />

Réu o fluxo da receita que cabia às Autoras, para pagamento<br />

das despesas várias, deixando-as gradativamente quase à<br />

míngua, a ponto de ter a Primeira Autora ingressado com<br />

Ação de Separação Litigiosa pedindo Tutela Antecipada de<br />

algumas providências que, na ocasião (fim de 2007/início<br />

de 2008), não foi concedida em 1.º e 2.º graus de jurisdição<br />

por terem os Dignos Julgadores entendido não ser aquele<br />

momento, ainda, ideal para acolhimento do pleito (v. doc.<br />

5)<br />

7- À medida que se acentuava a condenável<br />

atitude do Primeiro Réu em negar à Primeira Autora sua<br />

parte da receita mensal da empresa terceira Autora, além<br />

da prestação de contas de sua administração, a situação<br />

mais se agravava com o absoluto cerceamento às Autoras<br />

de qualquer acesso às dependências dos escritórios da<br />

empresa, bem como de toda a documentação, de qualquer<br />

natureza, a ela pertencente.<br />

8- Até então (por volta de março de 2008), as<br />

Autoras não tinham noção do que estava acontecendo na<br />

empresa. A Primeira Autora, então, com a plena e expressa<br />

anuência da Segunda, propôs a Medida Cautelar Inominada<br />

(cópia anexa – doc. 6), em cujo bojo retrata a violência<br />

da subtração de seus direitos (itens 6 a 15), postulando<br />

Liminar somente concedida, em parte, pela Egrégia<br />

Segunda Instância, nos autos do Agravo de Instrumento<br />

nº 580.761-4/8-00 que, de forma definitiva, determinou a<br />

nomeação de administrador de confiança deste MM. Juízo<br />

Singular, reconhecendo portanto que o Primeiro Réu não<br />

agia com a necessária idoneidade e isonomia em relação<br />

à sociedade.<br />

9- Somente meses após a R. determinação<br />

acima exarada é que foi cumprido o ato de nomeação<br />

do administrador, que nos três últimos meses vem<br />

se limitando a trazer relatórios e planos, mas nunca<br />

interrompendo a administração do Primeiro Réu, que por<br />

todo o tempo, notadamente de Setembro de 2006 até os<br />

presentes dias, praticou e vem praticando atos da mais<br />

absurda e condenável gestão da empresa, tendo inclusive<br />

desviado grande volume financeiro de contas bancárias,<br />

sem nenhuma justificativa ou explicação às Autoras, sem<br />

nenhuma prestação de contas de o que tenha sido sua<br />

(péssima) “administração”.<br />

10- O PRIMEIRO RÉU EMITIU VÁRIOS<br />

CHEQUES <strong>DE</strong> VÁRIOS BANCOS, EM INÚMEROS<br />

VALORES QUE PERTENCEM À TERCEIRA<br />

AUTORA, E <strong>DE</strong>SVIOU COMPLETAMENTE DOS<br />

INTERESSES E DA FINALIDA<strong>DE</strong> DA SOCIEDA<strong>DE</strong><br />

TAL PATRIMÔNIO FINANCEIRO, ESGOTANDO-O<br />

PAULATINAMENTE DO PERÍODO QUE SE<br />

INICIA EM SETEMBRO <strong>DE</strong> 2006, CONSOANTE<br />

<strong>DE</strong>MONSTRAM OS DOCUMENTOS QUE ESTA<br />

ACOMPANHAM EM TODO ESTE PERÍODO<br />

JAMAIS PRESTOU CONTAS <strong>DE</strong> UM CENTAVO<br />

SEQUER ÀS SÓCIAS – AUTORAS.<br />

11- A empresa Terceira Autora era titular das<br />

seguintes contas bancárias: .............., ..............., .................<br />

.<br />

Tão logo o Primeiro Réu abandonou seu lar conjugal,<br />

de imediato passou a efetivamente desviar o dinheiro que<br />

pertence à empresa Terceira Autora, subtraindo-o também<br />

da Primeira Autora (também usufrutuária e sócia da<br />

empresa) na seguinte dimensão:<br />

A- Verba retirada pelo Primeiro Réu dos<br />

bancos supra descritos, diretamente dos caixas, é do<br />

importe conhecido de R$ 213.220,76 (duzentos e treze<br />

mil duzentos e vinte reais e setenta e seis centavos), de<br />

cujo total por ora se desconhece a finalidade da retirada,<br />

impondo-se tal esclarecimento pelo “administrador” (v.<br />

docs. 9 a 30).<br />

Exemplo e prova concreta de flagrante desvio se<br />

materializa no cheque n.º ............... , emitido pelo Primeiro<br />

Réu contra o Banco ................. (conta-corrente da empresa<br />

terceira Autora) em 20 de dezembro de 2006, no valor de<br />

R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais), depositado<br />

na conta do Banco ................, e posteriormente sacado em<br />

dinheiro, certamente sem nenhum registro nos livros da<br />

Terceira Autora (cf. doc. 31).<br />

Isto é somente uma pequena amostra do<br />

elevadíssimo número de cheques assinados pelo Primeiro<br />

Réu, todos relativos a patrimônio financeiro da Terceira<br />

Autora, com as mais estranhas e disparatadas finalidades,<br />

alcançando o inacreditável montante desviado de mais de<br />

R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais) cujos títulos estão<br />

85


sendo amealhados ordenadamente para apresentação a este<br />

MM. Juízo.<br />

A propósito, as Autoras esclarecem que, em<br />

postulação específica, anexarão toda a documentação<br />

comprobatória que não acompanha ainda a presente<br />

vestibular.<br />

Não obstante, em relação aos demais Réus,<br />

discrimina-se facilmente, a seguir, o já vultoso desvio do<br />

dinheiro da Terceira Autora:<br />

B- Dinheiro da FULL desviado para a Primeira Ré<br />

...................:<br />

Cheque nº Banco Data Valor<br />

000.010 ............. 16/10/06 R$ 2.700,00<br />

000.027 ............. 31/01/07 R$ 2.500.00<br />

000.031 ............. 16/02/07 R$ 2.000,00<br />

012.109 ............. 27/03/07 R$ 3.200,00<br />

000.056 ............. 19/07/07 R$ 2.200,00<br />

000.215 ............. 25/09/07 R$ 8.000,00<br />

000.283 ............. 29/10/07 R$ 6.785,00<br />

(doc.s 32 a 38)<br />

SUB-TOTAL.................................................R$ 25.185,00<br />

Além dos títulos supra, a Segunda Ré é<br />

beneficiária da compra de imóvel por parte do Primeiro<br />

Réu, junto aos senhores ....................... e sua mulher .....<br />

..............................................., originalmente o terreno<br />

designado como lote nº .. da quadra .. , de frente para a<br />

......................., do loteamento denominado ......................<br />

................, município de ........................, com área total<br />

de 513,06 metros, matrícula n.º .......... junto ao Cartório de<br />

Registro de Imóveis de ............. (v. doc. 39) , para cujos<br />

proprietários foi desviado, no mínimo, dinheiro da Terceira<br />

Autora representado pelos seguintes cheques emitidos<br />

pelo Primeiro Réu:<br />

Cheque nº Banco Data Valor<br />

017.357 ............... 25/05/07 R$ 10.000,00<br />

012.506 ............... 21/06/07 R$ 20.000,00<br />

012.585 ............... 06/07/07 R$ 25.000,00<br />

000.066 .............. 29/08/07 R$ 25.000,00<br />

000.339 .............. 26/11/07 R$ 24.517,00<br />

(docs. 40 a 44)<br />

SUB-TOTAL...............................................R$ 104.517,00<br />

Estes são cheques a que a Primeira Autora teve<br />

acesso, sendo possível que outros tenham sido emitidos<br />

pelo Primeiro Réu com a mesma finalidade de pagar o<br />

referido imóvel.<br />

86<br />

Nesse terreno, o Primeiro Réu construiu a casa<br />

onde hoje reside com a Segunda Ré, que recebeu o n.º ....<br />

da ......................., provavelmente também com recursos<br />

financeiros pertencentes à Terceira Autora (certidão anexa<br />

– doc. 45 ). A inclusa Certidão emitida pela Prefeitura do<br />

Município de .......................... atesta que foi edificada área<br />

de 400,81 metros quadrados, relativa ao imóvel cadastrado<br />

sob o n.º ..................................................<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.<br />

C- Dinheiro da FULL desviado para a Segunda Ré:<br />

Cheque nº Banco Data Valor<br />

011.863 ........... 30/01/07 R$ 20.000,00<br />

011.864 ........... 30/01/07 R$ 20.000,00<br />

012.196 ........... 12/04/07 R$ 6.800,00<br />

012.212 ........... 20/04/07 R$ 10.000,00<br />

000.050 ........... 18/05/07 R$ 15.000,00<br />

000.057 ........... 03/07/07 R$ 20.000,00<br />

000071 ........... 31/07/07 R$ 4.078.66<br />

000124 ........... 04/09/07 R$ 6.700,00<br />

000153 ........... 12/09/07 R$ 22.000,00<br />

000.171 ........... 18/09/07 R$ 38.000,00<br />

000.176 ........... 19/09/07 R$ 16.000,00<br />

000.203 ........... 20/09/07 R$ 57.000,00<br />

000.260 ........... 05/10/07 R$ 16.366,60<br />

000.337 ........... 14/11/07 R$ 11.700,00<br />

000.340 ........... 27/11/07 R$ 928,32<br />

000.450 ........... 07/11/08 R$ 5.485,50<br />

(docs. 46 a 61)<br />

SUB-TOTAL – R$ 258.359,08<br />

D- Dinheiro da Terceira Autora desviado para o<br />

Terceiro Réu ................................, sócio da ......................<br />

............, no total conhecido de R$ 276.990,52 ( duzentos<br />

e setenta e seis mil novecentos e noventa reais e cinqüenta<br />

e dois centavos), emitidos pelo Primeiro Réu, que são<br />

anexados a esta exordial (docs. 62 a 97).<br />

12- Todas as cópias dos cheques supra relacionados<br />

foram obtidas penosamente pelas Autoras junto aos<br />

respectivos bancos, o que significa não se exaurir ou limitar<br />

os desvios realizados pelo Primeiro Réu aos aludidos<br />

títulos, sendo perfeitamente possível a existência de mais<br />

numerário objeto do criminoso desvio, o que somente se<br />

aferirá com as provas ao final postuladas.<br />

13- Todos os cheques foram assinados e/ou sacados<br />

pelo Primeiro Réu, que certamente jamais registrou<br />

oficialmente, e na forma da lei, a movimentação retrodescrita.


14- Ao contrário do que acontecia até seu abandono<br />

de lar conjugal, o dinheiro destinado aos pagamentos de<br />

todas as despesas das Autoras, que provinha da Terceira<br />

Autora, foi totalmente sonegado e subtraído pelo Primeiro<br />

Réu, que de forma abjetamente ilegal favoreceu os demais<br />

Réus em detrimento humilhante aos sagrados direitos das<br />

Autoras.<br />

15- Certamente acreditando em forçar, pela penúria<br />

vexatória a que submete as Autoras, acordo indecente que<br />

possa lhe favorecer, o Primeiro Réu nunca mais depositou<br />

um tostão nas contas da Primeira Ré, da renda a que ela<br />

sempre teve direito, deixando de pagar todas as contas<br />

relativas à casa, despesas com os imóveis da terceira<br />

Autora e do casal, despesas com veículos, alimentação,<br />

vestuário etc.<br />

16- Comprovando seu indisfarçável interesse em<br />

prejudicar e praticamente tentar a quebra da Terceira Autora,<br />

o Primeiro Réu vem deixando de pagar todas as contas da<br />

empresa, limitando-se a alegar, de forma paupérrima, que<br />

a Terceira Autora tem grandioso débito fiscal, que somente<br />

“apareceu” após a separação de fato do casal.<br />

II – DO <strong>DIREITO</strong><br />

1- A ilegal e inaceitável subtração do patrimônio<br />

financeiro da Terceira Autora legitima suas duas sócias<br />

a buscarem guarida jurisdicional conjuntamente com a<br />

própria empresa.<br />

Destaque-se a natureza familiar da Terceira Autora,<br />

que vem sofrendo dilapidação escancarada por parte do<br />

Primeiro Réu, que dentre outros desfalques favorece os<br />

outros demandados com dinheiro cuja finalidade principal<br />

é a subsistência do que restou da família do Primeiro Réu.<br />

2- A presente Ação tem por escopo perquirir o que<br />

realmente praticou o Primeiro Réu, qual a real dimensão<br />

de seus desvios financeiros e cobrar dos injustamente<br />

favorecidos o montante por que ilegalmente foram<br />

respectivamente agraciados.<br />

3- Para tanto, não é mais possível que o Primeiro Réu<br />

continue à testa da administração da Terceira Autora, o que<br />

sem dúvida continua a acontecer, malgrado as providências<br />

exaradas na Cautelar, a um custo que atualmente as<br />

Primeira e Segunda Autoras não podem suportar (p. ex.,<br />

os honorários do ilustre Administrador Judicial que, por<br />

circunstâncias, não é o administrador de fato).<br />

4- Importante é enaltecer o fato de que, no longo<br />

período decorrido desde setembro de 2006 (separação<br />

de fato do casal) até os atuais dias, o Primeiro Réu vem<br />

sistematicamente dilapidando e destruindo o patrimônio da<br />

Terceira Autora e, via de conseqüência, o de suas sócias<br />

Co-Autoras neste feito.<br />

5- Esses desmandos, além de praticamente<br />

destruírem o conceito da família das Primeira e Segunda<br />

Autoras, levaram-nas a ser profundamente atingidas<br />

moralmente. Criminosamente privadas de usufruir dos<br />

rendimentos da empresa familiar (Terceira Autora),<br />

foram submetidas a angústias e humilhações perante seus<br />

familiares, seus amigos e colegas.<br />

Os danos morais emergem naturalmente da escassez<br />

de recursos a que foram desnecessariamente submetidas,<br />

aí intuindo a dificuldade de se pagar as contas mais<br />

elementares, a brusca e violenta queda de padrão de vida<br />

a que foram habituadas, queda essa causada unicamente<br />

pela usurpação de seus direitos por parte do Primeiro Réu,<br />

que deve indenizá-las na correta proporção que o direito<br />

pertinente (constitucional e infra-constitucional) autoriza.<br />

III- DA TUTELA ANTECIPADA PARCIAL<br />

1- Desde que “venia maxima concessa”, é de se<br />

considerar sobejamente comprovado, com a documentação<br />

que integra a inicial, os fatos de ser o Primeiro Réu o<br />

único administrador da Terceira Autora, o único a emitir<br />

todos os cheques cujas cópias seguem entranhadas, as<br />

destinações especificadas dos desvios que já se encontram<br />

abertamente demonstrados à simples leitura desta<br />

vestibular, e a dolosa dificuldade criada pelo Primeiro Réu<br />

em relação ao imprescindível pleno acesso das Sócias–<br />

Autoras à documentação que o próprio Administrador<br />

Judicial não logrou obter, especialmente todas as contas e<br />

movimentações financeiras de interesse da Terceira Autora,<br />

ao menos a verossimilhança do asseverado se evidencia no<br />

caso vertente.<br />

2- A tal realidade acresça-se o histórico da Cautelar<br />

desta Preventiva, que alcançou a sensibilidade dosDignos<br />

Desembargadores da Colenda Oitava Câmara de Direito<br />

Privado da Corte Estadual, que por muito maior escassez<br />

da documentação que na ocasião a Primeira Autora não<br />

conseguia obter, ainda assim vislumbrou com acerto a<br />

péssima índole administrativa do nocivo Primeiro-Réu.<br />

3- O “periculum in mora” encontra-se gritantemente<br />

provado e comprovado: as sangrias, os desvios, a afronta<br />

ao patrimônio das Autoras por parte do Primeiro Réu<br />

é essência não somente da narrativa como das provas<br />

indelevelmente corroboradoras do sustentado, já anexadas<br />

a esta vestibular.<br />

87


Se não houver eficiente mandamento jurisdicional que<br />

impeça maiores danos às Autoras, de nada adiantará se<br />

aguardar o regular processamento do rito legal, pois justiça<br />

não poderá ser feita.<br />

4- Assim sendo, é a presente para requerer, com fulcro<br />

no artigo 273 do CPC, em Tutela Antecipada Parcial, as<br />

seguintes providências, “inaudita altera pars”:<br />

Seja o Primeiro-Réu imediatamente removido da<br />

administração, e sem mais acesso a qualquer dependência<br />

ou documentação da Terceira Autora, consolidando-se e<br />

ampliando-se mandamento do segundo grau de jurisdição,<br />

ainda não suficientemente cumprido.<br />

Seja nomeada administradora provisória a Segunda Autora,<br />

legitimada indubitavelmente por sua condição de maior<br />

detentora das quotas da Terceira autora (95%), evitandose<br />

desta forma, também, a natural onerosidade acarretada<br />

pela manutenção de Administrador Judicial, onerosidade<br />

esta que, pelas próprias atitudes do Primeiro Réu, atinge<br />

significativamente as finanças das três Autoras.<br />

A expedição de ofícios ao Banco Central do Brasil, Banco<br />

Real (ex-Sudameris) e Banco Santander (ex-Banespa),<br />

para que informem todas as contas, aplicações ou<br />

movimentações financeiras existentes em nome da Terceira<br />

Autora e do Primeiro Réu.<br />

Em face do exaurimento doloso das finanças da<br />

Terceira Autora, que atinge diretamente as demais, seja<br />

imediatamente autorizada a venda de imóveis a serem<br />

indicados individualmente, para que o produto possa servir<br />

ao pagamento dos compromissos da empresa, assim como<br />

suporte provisório à receita da Primeira Autora, obliterada<br />

pelo mau administrador desde 2007.<br />

Seja o Primeiro Réu declarado único administrador da<br />

Terceira Autora e responsável na forma da lei por todos os<br />

atos praticados até seu efetivo afastamento.<br />

88<br />

IV – DO PEDIDO<br />

Considerando-se o exposto, é a presente para requerer:<br />

A citação dos Réus para que esta integrem e acompanhem<br />

até final julgamento da sua procedência, pretendida<br />

para tornar definitivas as providências eventual e<br />

provisoriamente concedidas em antecipação de tutela,<br />

declarando-se o Primeiro Réu único administrador<br />

que vem gerindo a Terceira Autora, e, portanto, único<br />

responsável solidário em relação aos atos praticados até sua<br />

destituição, afastando-o e excluindo-o da administração<br />

definitivamente, e condenando-se os Réus a, na proporção<br />

em que foram favorecidos, restituírem à Terceira Autora<br />

todos os valores nesta expressos, mais os que vierem a<br />

ser devidamente apurados no curso instrutório da lide,<br />

mais indenização por quaisquer eventuais danos materiais<br />

causados diretamente pelo desvio do numerário da Terceira<br />

Autora, a ser calculado de acordo com cada ocorrência<br />

concreta, devendo ainda o Primeiro Réu indenizar as<br />

Primeira e Segunda Autoras por danos morais a ela<br />

infringidos, na modesta proporção de R$ 100.000,00 (cem<br />

mil reais) para cada Autora<br />

A produção de todos os meios de provas em direito<br />

admitidos, especialmente depoimentos pessoais dos Réus,<br />

juntada e exibição de documentos, ofícios requisitórios a<br />

entidades públicas e/ou privadas, oitiva de testemunhas e<br />

pericial contábil e de engenharia, sem exclusão dos demais.<br />

Atribuem à causa o valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil<br />

reais).<br />

Com fundamento no artigo 5º inc. II da lei estadual n.º<br />

11.608, requerem o deferimento para recolhimento das<br />

taxas judiciárias para depois da satisfação da execução,<br />

porquanto pela própria causa que motiva a lide as Autoras<br />

se encontram completamente exauridas de recursos<br />

financeiros, não obstante possam futuramente, com a<br />

realização do que resta do patrimônio violado, cumprir o<br />

preceito de arcar com as custas iniciais e intermediárias do<br />

feito.<br />

Termos em que,<br />

Pedem Deferimento.<br />

São Paulo, 31 de julho de 2009<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


Direitos Humanos e a vontade de potência em Nietzsche<br />

MARCELLO MILANEZI<br />

Aluno do curso de Direito da Fundação Armando Álvares Penteado/FAAP<br />

Resumo: o presente artigo é uma adaptação da homônima pesquisa de iniciação científica orientada pelo professor<br />

Marcos Renato Schahin. Trata-se de uma exposição das idéias do filósofo alemão Friedrich Wilhelm Nietzsche e a busca<br />

de um nexo entre sua filosofia e o estado dos direitos humanos no pós-guerras, perante o atual avanço da globalização e<br />

a possibilidade de usar as leis fundamentais como instrumento de dominação. Ainda, observa-se brevemente a derrocada<br />

dos direitos fundamentais frente à ascensão dos regimes totalitaristas.<br />

Palavras chaves: Filosofia do direito. Vontade de Potência. Direitos Humanos. Ruptura. Totalitarismo. Direito Natural.<br />

Direito Positivo.<br />

Introdução<br />

O ser humano se destaca do meio ambiente devido<br />

ao seu poder de raciocinar que lhe promove a habilidade<br />

de ordenar pensamentos, constituir valores e conceitos,<br />

realizar obras, construir sociedade, criar diversas formas<br />

de direito.<br />

Há que se destacar o direito natural: aquele que<br />

emanava diretamente do entendimento coletivo da<br />

civilização ou tribo em relação aos conceitos e valores que<br />

carregavam junto a si. Trata-se de direito que prescinde de<br />

qualquer explicação racional, muitas vezes vem de uma<br />

figura divina, por exemplo, Deus. A diferença cultural<br />

explica como certas atitudes podiam ser encorajadas em<br />

certos povos, e em outros serem objetos até mesmo de<br />

punições.<br />

A chegada do Iluminismo, positivando o direito,<br />

e eventos como a Revolução Francesa e a Guerra da<br />

Independência dos Estados Unidos da América foram<br />

marcos que selaram os direitos fundamentais do homem,<br />

desde o direito a liberdade até o direito à livre iniciativa,<br />

marcante na Corrida do Ouro.<br />

A Revolução Industrial marcaria a chegada de uma<br />

nova classe de direitos humanos, visto o surgimento da<br />

classe social do “operariado” e da “burguesia industrial” e a<br />

relação desequilibrada que causaria um hiato na sociedade.<br />

O advento dos governos Totalitaristas durante<br />

a Segunda Guerra Mundial, por sua vez, marcaram o<br />

mundo com uma cicatriz, ao usarem o direito positivo para<br />

cometerem atos que ultrapassam por muito o mais absoluto<br />

desrespeito pelo ser humano.<br />

Os tratados que vieram após a guerra, mais<br />

especificamente a Declaração Universal dos Direitos<br />

Humanos, positivaram os direitos fundamentais e lhes<br />

deram natureza de direito internacional.<br />

Com a globalização, os direitos humanos foram<br />

reforçados, haja vista a maior consciência do homem<br />

comum em relação à sociedade mundial. Novas classes<br />

de direitos humanos surgiram, ampliando o escopo da<br />

proteção que procuram garantir. A globalização, porém,<br />

tende a ignorar certas diferenças que são responsáveis pela<br />

riqueza cultural das diversas nações.<br />

Surge, então, uma nova face do tema: como os<br />

direitos humanos podem ser utilizados como instrumento<br />

de Estados para impor os seus valores sobre aqueles que<br />

não consagram aceitam tais valores.<br />

Fazendo uso da filosofia de Friedrich Wilhelm<br />

Nietzsche, o segundo capítulo foca nos direitos humanos,<br />

assim como o direito em geral, como instrumento de<br />

usurpação da vontade de potência.<br />

O homem atribui valores e conceitos a coisas e<br />

fatos, possibilitando o entendimento e a própria existência<br />

da sociedade, questiona-se, porém, que os valores podem<br />

ser distorcidos pelos líderes do Estado, que visam quebrar<br />

seus súditos para que esses nunca fiquem fortes e sábios o<br />

suficiente para questionar suas ordens.<br />

Os direitos humanos, portanto, pode ser utilizados<br />

em escala internacional como instrumento de dominação:<br />

sob a pretensão de levar o direito fundamental, a liberdade,<br />

a dignidade, entre outros direitos, é possível justificar uma<br />

invasão que, na verdade possui outros fundamentos, por<br />

exemplo, econômicos, triturando valores daquela outra<br />

cultura.<br />

1. História<br />

Direitos humanos são, antes de tudo, valorações<br />

sobre o ser humano, é a tutela daqueles elementos essenciais<br />

a todos os indivíduos. São garantias de que o homem não<br />

será reduzido a condições degradantes.<br />

Tais garantias encontraram-se derrubadas, de<br />

maneira horrenda, com o totalitarismo, como será visto no<br />

decorrer do presente capítulo. O totalitarismo é, de acordo<br />

com Celso Lafer ao estudar Hanna Arendt, a ruptura dos<br />

direitos humanos: “(...) Crise dos direitos humanos, que<br />

permitiu o “estado totalitário de natureza”. Este “estado<br />

89


de natureza” não é um fenômeno externo, mas interno à<br />

nossa civilização, geradora de selvageria, que tornou<br />

homens sem lugar no mundo.” 1<br />

Ora, os direitos humanos são, ou deveriam ser,<br />

aqueles direitos que transcendem a superficialidade<br />

do direito material. São, portanto, o produto de uma<br />

“consciência coletiva”, assim como era o direito natural,<br />

desvinculado de eventuais interesses do Estado, as razões<br />

por trás das normas fundamentais são próprias da natureza<br />

humana.<br />

1.1 - Dos Direitos Humanos de Primeira Geração<br />

A valorização do ser humano, traço essencial<br />

dos direitos humanos, encontra suas raízes em tempos<br />

distantes. Já na Bíblia Sagrada, em Gênesis 1, 26, temos<br />

que “E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem,<br />

conforme a nossa semelhança; domine ele sobre os peixes<br />

do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos,<br />

e sobre toda a terra, e sobre todo réptil que se arrasta<br />

sobre a terra”. Ainda, em 3, 22, “Então disse o Senhor<br />

Deus: Eis que o homem se tem tornado como um de nós,<br />

conhecendo o bem e o mal. Ora, não suceda que estenda a<br />

sua mão, e tome também da árvore da vida, e coma e viva<br />

eternamente”. 2<br />

Subentende-se que o homem é, portanto, a criação<br />

suprema de Deus e, ainda, que sua queda ocorre ao ganhar<br />

o conhecimento da valoração entre o bem e o mal 3 . A partir<br />

de tal momento há pecado porque então o homem ganha a<br />

habilidade de criar conceitos que definam que atitudes são<br />

corretas e quais são reprováveis. O homem então deixa de<br />

ser animal, pois se torna racional, equiparando-se, ainda<br />

mais, à figura divina de Deus, visto que “o homem tem se<br />

tornado como um de nós”.<br />

O cristianismo é, portanto, marco da inauguração<br />

dos direitos fundamentais do homem: ao atribuir o nível de<br />

importância que é dado ao espírito do homem, derrubando<br />

a importância que era dada à polis. O advento do Estado,<br />

porém, retornou a importância ao Estado, haja vista que<br />

nos tempos atuais se percebe pouco espiritualismo e grande<br />

sistematização e racionalidade, mas nem por isso os direitos<br />

humanos perderam força.<br />

Consiste o individualismo em confirmar a<br />

autodeterminação do homem, é a base do direito subjetivo,<br />

ou seja, o direito aplicado a cada indivíduo. Nesse sentido:<br />

O ser humano, através do direito, possui e<br />

defende sua existência moral – sem direito, ele<br />

se rebaixaria até os animais, como já faziam<br />

os romanos, que, do ponto de vista do direito<br />

abstrato, nivelam os escravos aos irracionais.<br />

Defender o direito é, pois, dever moral de<br />

90<br />

autopreservação, tarefa completa, embora hoje em dia<br />

impossível. Outrora, era verdadeiro suicídio moral. 4<br />

Tal valoração aos direitos é reflexo do modo de<br />

vida do indivíduo. Ihering aponta o camponês e o militar<br />

e a importância que dão, respectivamente, à propriedade<br />

e à honra. Vale dizer, que o detentor do direito defende a<br />

si próprio quando defende o direito: “ao defender o que<br />

é seu, o agredido acaba por defender a si mesmo, a sua<br />

personalidade”. 5<br />

O direito subjetivo é o sangue que pulsa do coração<br />

que é o direito objetivo. O direito objetivo prescinde de<br />

valoração pessoal, ele simplesmente é.<br />

Mas o direito subjetivo apenas existe se existir<br />

o direito objetivo: “(...) o direito objetivo é condição ou<br />

pressuposto do direito subjetivo”. 6 No mesmo sentido:<br />

É o conjunto em si, das normas jurídicas escritas e<br />

não escritas, independentemente do momento do<br />

seu exercício e aplicação concreta.<br />

(...)<br />

O direito objetivo corresponde à norma jurídica<br />

em si, enquanto comando que pretende um<br />

comportamento (...). É aquele objetivado<br />

independentemente do momento de uso e<br />

exercício. 7<br />

Há, porém, certos direitos subjetivos que<br />

independem da vontade do indivíduo, visto serem inerentes<br />

ao ser humano, como por exemplo, o direito à vida, o qual<br />

é direito fundamental de primeira geração:<br />

É o caso dos direitos subjetivos inerentes à pessoa,<br />

tais como o direito à vida, à honra, à imagem<br />

etc. São eles subjetivos, independentemente de<br />

exercício de prerrogativa. São direitos subjetivos<br />

plenos, de fato, bastando para tanto a existência<br />

da pessoa de direito. 8<br />

Importante se faz ressaltar, ainda, a Reforma<br />

Protestante aplicando o individualismo em confronto<br />

com as normas do Clero vigentes. Diferente da natureza<br />

conformista que a Igreja Católica defendia, em que a<br />

cada um deveria se importar meramente com sua alma,<br />

se conformando com sua situação, pois haveria de ser<br />

recompensada na pós-morte, a Reforma defendia que o<br />

homem, ao batalhar pelo sucesso no mundo atingia salvação<br />

espiritual. Tal afirmação rompeu o sistema corrupto da<br />

Igreja Católica que, em aliança como a nobreza, mantinha<br />

as classes baixas em xeque com a promessa da vida eterna.<br />

É de suma importância tal avanço religioso para a<br />

Revolução Norte-Americana, outro marco importante para<br />

a afirmação dos direitos humanos. Trata-se do “legado<br />

puritano”, resultado do processo de colonização inglesa,<br />

esta, ainda, trouxe à tona a liberdade de opção religiosa. Ora,<br />

é conhecida a importância que tem a expressão “liberdade”<br />

1 LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos; Um Diálogo com o Pensamento de Hanna Arendt. 7ª Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 118.<br />

2 BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Baseado na tradução de João Ferreira de Almeida. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica Brasileira. 1980.<br />

3 LAFER, Celso. Op. Cit. p. 119<br />

4 IHERING, Rudolf Von. A Luta pelo Direito. Tradução de Cretella Jr. E Agnes Cretella. 5ª ed. rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.51<br />

5 Ibidem, p. 52<br />

6 Ibidem, p.75.<br />

7 NUNES, Rizzatto. Manual de introdução ao Estudo do Direito. 7ª ed. Editora Saraiva: São Paulo, 2007, p. 134<br />

8 Ibidem, p. 136.<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


nos seus mais variados sentidos nas Declarações de<br />

Direitos dos Estados Americanos, inspiradoras da própria<br />

Declaração Francesa, outro marco dos direitos humanos. 9<br />

Insta ressaltar a teoria contratualista, resultando<br />

na constitucionalização, isto é na defesa do povo contra<br />

o soberano, contra o poder do todo contra o individual.<br />

A figura da constituição nada mais é que um contrato<br />

elaborado pela própria nação. Visando proteger os direitos<br />

fundamentais de cada indivíduo assim como os direitos<br />

da sociedade como um todo. Ao invés de Deus, o homem<br />

passa a ser a fonte do direito, a declaração dos direitos dos<br />

homens é resultado deste entendimento. 10<br />

Ocorre que, os homens não são iguais uns aos<br />

outros, a igualdade do homem é uma mentira que sustenta<br />

o Estado na tentativa de manter um equilíbrio na sociedade,<br />

de colocar todos os desiguais em nível ficto de semelhança,<br />

tornando, em tese, sustentável a vida em sociedade. Prova<br />

disso são as diversas facetas dos direitos humanos, visando<br />

proteger cada novo interesse que for entendido como<br />

fundamental ao ser humano.<br />

Os direitos humanos merecem destaque no século<br />

XIX e no pós I Guerra Mundial, isso porque se tornam os<br />

direitos dos menos favorecidos, o “ponto de apoio para<br />

as reivindicações dos desprivilegiados”. 11 Trata-se da<br />

segunda geração de direitos humanos com surgimento de<br />

premissas socialistas, protetoras da classe assalariada que,<br />

por sua vez, surgira com a revolução Industrial e, desde<br />

então, se tornara objeto de abuso pela burguesia industrial.<br />

Temos como Direitos de primeira geração aqueles<br />

que resultaram da Declaração de Virgínia e da Declaração<br />

Francesa de 1789: são direitos tidos como “naturais”, e<br />

carregam um aspecto individualista. O sujeito passivo é<br />

a coletividade, ou seja, o indivíduo tem o direito frente à<br />

coletividade, tendo como limite o seu reconhecimento de<br />

que o resto dos indivíduos possui os mesmo direitos que<br />

aqueles que ele exerce, ou seja, imaginando um diagrama<br />

(este representa o direito) em volta de cada pessoa, podese<br />

exercer seu direito desde que não penetre no diagrama<br />

de outrem. O modo de exercício do direito é fazê-lo<br />

individualmente.<br />

Fala-se, ainda, em direitos individuais exercidos<br />

coletivamente, quais sejam, a liberdade de associação, seja<br />

de partido político ou sindicato. É característica típica da<br />

democracia que marca a primeira geração dos direitos do<br />

homem. 12<br />

1.2 - Dos Direitos Humanos de Segunda Geração<br />

O advento da Revolução Industrial trouxe uma<br />

nova faceta ao liberalismo, agora o horizonte do homem<br />

contemplava a possibilidade de lucros intermináveis<br />

através do processo de industrialização.<br />

9 LAFER, Celso. Op. Cit., p. 121.<br />

10 Ibidem, p. 121 - 123.<br />

11 Ibidem, p. 126<br />

12 Ibidem, p 126 - 127.<br />

13 MELLO, Leonel Itaussu A., COSTA Luís César Amad. História Moderna e Contemporânea. 5. ed. São Paulo: Editora Scipione. 1999, p. 200.<br />

Os bens de consumo até então eram realizados<br />

por artesãos, estes detinham os meios de produção para<br />

realizar suas atividades, passando para seus aprendizes<br />

seu conhecimento, e assim prosseguia a produção de bens<br />

durante o mercantilismo.<br />

O surgimento de máquinas, por óbvio, alterou<br />

toda a equação supra mencionada, uma única máquina<br />

podia fazer muito mais que um grupo inteiro de artesãos<br />

em tempo mais curto e a custos menores, visto que os<br />

aparelhos necessitavam de poucos indivíduos para operálos,<br />

indivíduos estes que não precisavam, necessariamente,<br />

conhecer o procedimento artesanal que se tornava defasado.<br />

Logo surgiu uma nova classe social: o proletariado.<br />

O artesanato fora obliterado pela industrialização, se<br />

criou um contingente de indivíduos que não tinham como<br />

competir com a burguesia industrialista, visto que os<br />

últimos tinham custos baixíssimos e, conseqüentemente,<br />

vendiam seus bens a preços maios baixos, monopolizando<br />

o mercado. Acima de tudo, era uma minoria que possuía<br />

todos os meios de produção, além do capital e da terra; ao<br />

proletariado só sobrou oferecer sua própria “força braçal”<br />

pela recompensa de salário.<br />

Com o liberalismo pregando a autonomia das<br />

vontades, os industrialistas encontravam respaldo cultural,<br />

senão até legal, para pagarem ao proletariado o quanto<br />

quisessem e nos termos que quisessem. As empresas, no<br />

geral, tinham todos os empregados que necessitavam,<br />

com medo de perder sua vaga, pois por pior que fosse sua<br />

situação, tinham a perspectiva de sobreviver até o próximo<br />

salário, principalmente quando colocavam suas mulheres<br />

e filhos, na linha de produção. Além dos fatos históricos<br />

apresentados, a fila de indivíduos desesperados por um<br />

emprego, por pior que fosse, só crescia com o passar dos<br />

dias:<br />

(...) Destituída da posse dos instrumentos<br />

de trabalho (ferramentas e utensílios) e da<br />

propriedade dos meios de produção (fábricas e<br />

máquinas), essa classe foi submetida, no início<br />

da industrialização, a extenuantes condições de<br />

vida e de trabalho. A jornada de trabalho tinha<br />

a duração de 14 a 16 horas diárias. Os baixos<br />

salários, em conseqüência da abundância de<br />

mão-de-obra e da utilização das máquinas,<br />

reduziam o preço da força de trabalho a níveis<br />

de mera subsistência. O desemprego levou à<br />

formação do “exército industrial de reserva” –<br />

imenso contingente de operários sem emprego<br />

que constituíam mão-de-obra disponível – e à<br />

utilização do trabalho de mulheres e crianças na<br />

produção industrial. 13<br />

91


A situação de trabalho era péssima, com<br />

absoluto descaso para o bem estar dos empregados,<br />

desmoronamentos em minas, membros perdidos em<br />

máquinas mal ajustadas ou até mesmo por descuidos de<br />

segurança, são pouquíssimos dos muitos exemplos da<br />

realidade da época. Na esfera ambiental, os Estados não<br />

passavam de versões obscuras do seu original,<br />

a poluição, a fumaça que saía das máquinas<br />

anunciava uma nova era para a própria raça humana.<br />

Karl Marx, filósofo e economista alemão,<br />

apresentou a idéia da mais-valia como principal fonte<br />

de renda do capitalismo que surgira com a Revolução<br />

Industrial e inevitavelmente, ao chegar aos ouvidos do<br />

proletariado, trouxe uma ideologia anti-burguesa para os<br />

últimos; principalmente na Rússia onde suas idéias seriam<br />

utilizadas para derrubar a família real e a burguesia.<br />

Mais-valia, segundo Karl Marx, é o valor agregado<br />

ao bem que é vendido, é o lucro do empresário, que não é<br />

repassado ao empregado. Por exemplo:<br />

Imagine a worker who is hired for an hour and<br />

paid $10. Once in the capitalist’s employ, the<br />

capitalist can have him operate a boot-making<br />

machine using which the worker produces $10<br />

worth of work every fifteen minutes. Every hour,<br />

the capitalist receives $40 worth of work and only<br />

pays the worker $10, capturing the remaining<br />

$30 which, after deduction of costs (the leather,<br />

depreciation of the machine, etc.) leaves a<br />

residual, i.e. surplus value or profit.<br />

The worker cannot capture this benefit directly<br />

because he has no claim to the means of<br />

production (e.g. the boot-making machine) or<br />

to its products, and his capacity to bargain<br />

over wages is restricted by laws and the supply/<br />

demand for wage labour. 14<br />

Tal pensamento incitou à ira do proletariado e o<br />

surgimento dos movimentos comunistas e socialistas. O<br />

que se seguiu foi uma série de reivindicações por parte<br />

dos empregados, greves, exigências por maior segurança e<br />

melhores condições de trabalho.<br />

Surgia a segunda geração dos direitos humanos,<br />

os direitos sociais. O liberalismo da primeira geração<br />

deve, portanto, conviver com os direitos sociais. Ou seja,<br />

liberdades devem ser mantidas, mas deve ser respeitado<br />

o bem estar da sociedade, não se deve prejudicar o todo<br />

através da proteção da liberdade ao particular.<br />

É por essa razão que os assim chamados direitos<br />

de segunda geração, previstos pelo welfare state,<br />

são direitos de crédito do indivíduo em relação<br />

à coletividade. Tais direitos – como o direito ao<br />

92<br />

trabalho, à saúde, à educação – têm como sujeito<br />

passivo o Estado porque, na interação entre<br />

governantes e governados, foi a coletividade que<br />

assumiu a responsabilidade de atendê-los. 15<br />

Porém, a própria natureza do capitalismo liberal de<br />

Adam Smith, aliado com a aceleração que a industrialização<br />

deu à economia criou uma era de pseudo-colonização,<br />

de modo a criar novos mercados com os quais eram<br />

comercializados o excesso de oferta. Países que começaram<br />

a corrida industrial com certo atraso foram prejudicados,<br />

não tendo condições de competir com os outros Estados<br />

industrializados.<br />

Não atendidas as reivindicações dos Estados que<br />

entravam atrasados na corrida industrial, somado ao<br />

assassinato do Arquiduque Franz Ferdinando, eclodiu a<br />

inevitável Primeira Guerra Mundial, conhecida como “a<br />

guerra que terminaria todas as guerras”.<br />

O fim da primeira grande guerra afundou,<br />

especificamente, a Alemanha em uma crise econômica<br />

de proporções exageradas. O grande problema é que a<br />

crise não foi resultado unicamente das conseqüências de<br />

ter entrado em guerra, mas, principalmente, dos abusivos<br />

termos do Tratado de Versalhes impostos sobre o Estado<br />

germânico. Basicamente, o tratado impunha toda a culpa<br />

da guerra sobre a Alemanha e a obrigava a reparar todos<br />

os danos causados durante a guerra: “(...) Pouco depois,<br />

o humilhante tratado de Versalhes impunha àquele país<br />

cláusulas que reduziram sua área territorial e arrasaram sua<br />

economia.” 16<br />

Como fora previsto pelos EUA 17 18 , o ressentimento<br />

criado na Alemanha deu forças a movimentos nacionalistas,<br />

criando oportunidade perfeita para que Adolf Hitler, líder<br />

do partido nazi-fascista, alcançasse poder com a simpatia<br />

do povo e, mais tarde desse início ao chamado “terceiro<br />

império”, com a estabilização do regime totalitário na<br />

Alemanha.<br />

O advento do campo de concentração como uma<br />

“indústria da morte” veio a derrubar a crença absoluta<br />

nos direitos positivos, mas não foi suficiente para chamar<br />

a atenção dos Estados europeus, que simplesmente<br />

ignoraram as atrocidades dos campos de concentração. A<br />

Alemanha de Adolf Hitler só se tornou um risco quando os<br />

ideais imperialistas passaram a ultrapassar fronteiras para<br />

a dominação de novos territórios. Surgia a Segunda Guerra<br />

Mundial, marcada pela batalha entre a Tríplice Entente<br />

formada pela Alemanha, Itália e Japão contra os Aliados,<br />

quais sejam, Inglaterra, França e União Soviética (além de<br />

outros Estados que mais tarde se juntariam aos Aliados).<br />

14 SURPLUS Value. Net, sine loco, s.d. Wikipedia The Free Encyclopedia. Disponível em: . Acesso em: 05 out. 2009.<br />

15 LAFER, Celso. Op. Cit., p. 127.<br />

16 MELLO, Leonel Itaussu A., COSTA Luís César Amad. Op. Cit., p. 321.<br />

17 Os Estados Unidos da América recusaram-se a assinar o Tratado de Versalhes, não se aliando, portanto à Liga das Nações. Entre outros motivos, alegou que dentre outra geração haveria nova guerra<br />

mundial, haja vista os métodos utilizados para por fim ao conflito. Os EUA haviam criado os “Programa dos 14 Pontos”, isto é, 14 cláusulas a serem impostas sobre a Alemanha. A base do Tratado de<br />

Versalhes foram os “Programa dos 14 Pontos”, mas devido aos interesses dos outros aliados, a essência conciliatória dos “14 pontos” se perdeu, razão pela qual os EUA se recusou a ser signatário do<br />

Tratado de Versalhes. Referências: VERSAILLES Treaty of. Net, sine loco, s.d. Wikipedia The Free Encyclopedia. Disponível em: < http://en.wikipedia.org/wiki/Treaty_of_Versailles>. Acesso em:<br />

25 out. 2009. POINTS Fourteen. , sine loco, s.d. WIikipedia The Free Encyclopedia. Disponível em: < http://en.wikipedia.org/wiki/Fourteen_Points>. Acesso em: 25 out. 2009.<br />

18 “Em janeiro de 1918, o presidente Woodrow Wilson, levava essas idéias ao Congresso no chamado Programa dos 14 Pontos. Cópias do programa foram jogadas por aviões para os soldados e o povo<br />

da Alemanha. (...). Apesar das discordâncias de Wilson, o Tratado de Versalhes colocou de lado o Programa dos 14 Pontos e estabeleceu a Paz dos vencedores (...)”MELLO, Leonel Itaussu A., COSTA<br />

Luís César Amad, op. cit., p. 288-289.<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


Finda a Segunda Guerra Mundial, o ano de 1946<br />

viu os questionáveis tribunais de Nuremberg e Tribunal de<br />

Tókio. Em 1948 a Assembléia Geral das Nações Unidas<br />

apresentou a Declaração Universal dos Direitos Humanos,<br />

a qual, com o tempo, tomou força de lei internacional.<br />

1.3 - Sobre os Direitos Humanos de Terceira Geração<br />

Insta ressaltar, ainda, a chamada terceira geração<br />

dos direitos humanos, com vistas para a proteção de grupos<br />

de pessoas indeterminadas, resultado da urbanização<br />

e da sociedade em massa. São direitos que trespassam<br />

o indivíduo, como ocorria na segunda geração, mas,<br />

diferentemente dos direitos sociais, não visa à proteção do<br />

bem estar social per se, mas dos diversos grupos de pessoas<br />

que o Estado Moderno agrupa, garantindo o respeito e a<br />

interação entre tais grupos.<br />

Por fim, o modo como o homem evoluiu o deixou<br />

obcecado em caminhar para o futuro com passos rápidos e<br />

despreocupados. Essa falta de atenção causou, com o longo<br />

do tempo, diversos prejuízos ao meio-ambiente. As fontes<br />

de energia não-renováveis levaram a diversos conflitos, por<br />

óbvio, quem toma controle destas riquezas toma controle<br />

de grande parcela do poder mundial.<br />

A terceira geração é a “garantia à continuidade da<br />

raça humana através da proteção ao meio ambiente de que<br />

é dependente”, ou seja, visa parar o homem antes que ele<br />

se destrua por ter destruído o próprio planeta em que vive.<br />

1.4 – A Ruptura<br />

O homem pós-iluminismo buscou positivar tudo<br />

que antes lhe era naturalmente conhecido. Trata-se da<br />

posição do próprio ser humano como centro do mundo, ao<br />

invés de Deus; isso porque Deus não tem explicação para<br />

ser, portanto não pode ser atingido por meios científicos.<br />

O direito positivo pode ser resumido a um direito<br />

“racional”, ou seja, científico. Esta linha encontra-se acima<br />

de qualquer contestação desde que esteja em ordem com a<br />

norma superior, qual seja a Constituição a que diz respeito:<br />

O jusnaturalismo moderno afastou-se da<br />

prudência do razoável ao tentar transformar<br />

o Direito numa ciência lógico-demonstrativa<br />

e, portanto, racional. A crença na ciência, que<br />

levou ao esforço de construir uma jurisprudência<br />

científica, também procurou, através do bom<br />

método, inserir o Direito no campo do racional. 19<br />

Essa ideologia, porém, abriu espaço para o<br />

totalitarismo, o ápice do direito positivo.<br />

Certos povos nunca foram desejados pela<br />

comunidade majoritária. É o que ocorre com os judeus e os<br />

ciganos, tal fato é sempre escondido por trás de uma cortina<br />

hipócrita que pretende fingir que as palavras supracitadas<br />

são mentira.<br />

19 LAFER, Celso. Op. Cit., p. 75.<br />

20 Ibidem, p. 22-23.<br />

21 Ibidem, p. 103.<br />

Mas os fatos são: no período entre guerras tal<br />

situação piorou; os judeus, por exemplo, aos poucos foram<br />

colocados para fora dos países em que se encontravam,<br />

tornando-se um povo sem nação e, portanto, sem direitos,<br />

haja vista não terem um Estado que lhes acolhesse. Os<br />

ciganos, por outro lado, carregavam a fama de ladrões<br />

e prostitutas, a característica quase nômade do povo<br />

tornou fácil a expulsão deles de qualquer Estado onde se<br />

encontravam. Ainda, se devem somar aos indesejados os<br />

homossexuais, os negros, mestiços, entre outros.<br />

(...) O ser humano, privado de seu estatuto<br />

político, na medida em que é apenas um ser<br />

humano, perde as suas qualidades substanciais,<br />

ou seja, a possibilidade de ser tratado pelos<br />

Outros como um semelhante, num mundo<br />

compartilhado.<br />

(...)<br />

O problema dos seres humanos supérfluos e como<br />

tais encarados, posto pela experiência totalitária<br />

e juridicamente ensejado pela privação da<br />

cidadania, criou as condições para o genocídio,<br />

na medida em que foram levados, por falta de um<br />

lugar no mundo, aos campos de concentração. 20<br />

Esses indivíduos formaram um contingente de<br />

pessoas sem direitos, nesta situação foram encaminhados<br />

aos campos de concentração do Império Nazista de Adolf<br />

Hitler.<br />

O campo de concentração da Alemanha Nazista,<br />

através de um processo de desumanização, tomava o<br />

cuidado de receber os indesejados em uma situação que<br />

deixavam de serem pessoas não queridas pelo mundo, mas<br />

coisas a serem meramente exterminadas.<br />

Num regime totalitário, que almeja o domínio<br />

total dos indivíduos, os campos de concentração,<br />

observa Hanna Arendt, são a verdadeira<br />

instituição, constitutiva do cerne do poder<br />

organizacional do regime. De fato, na análise<br />

arendtiana os campos de concentração têm<br />

este papel central, pois são: (I) o laboratório<br />

que demonstra a convicção totalitária de<br />

que tudo é possível; (II) o locus que permite<br />

não apenas o extermínio físico das pessoas<br />

mas também a eliminação da espontaneidade<br />

como dimensão e expressão da conduta<br />

humana e, conseqüentemente, o ambiente que<br />

verdadeiramente permite a transformação da<br />

personalidade humana numa simples coisa; e<br />

(III) a instituição essencial para a preservação<br />

do poder do regime pelo medo indefinido que os<br />

campos de concentração inspiram na sociedade<br />

e pelo treinamento muito definido que oferecem<br />

em matéria de dominação total, que em nenhuma<br />

parte, a não ser no isolamento dos campos,<br />

pode ser testado em todas as suas radicais<br />

possibilidades. 21<br />

93


Aquilo que se encontrava no campo de concentração<br />

já não era mais humano, era mera coisa indesejada, sem<br />

nome, nada mais que um número. Não tinha sequer o<br />

direito de morrer, ao entrar nos banhos nunca sabia quando<br />

alguém ativaria o gás. Lá dentro não havia religião, não<br />

havia esperança, se pode dizer que o descaso era tamanho<br />

que nem mesmo havia desespero. Os fins não justificam os<br />

meios, porque não havia sequer uma finalidade.<br />

Ao ser humano parece não haver nada mais<br />

importante que a memória que deixa ao morrer, é uma<br />

espécie de imortalidade que se passa de geração em geração,<br />

o túmulo carregando o nome do indivíduo, um eventual<br />

diário com sua vida posta em palavras, as lembranças dos<br />

amigos, e parentes; esta é a memória que cabe a cada ser<br />

humano e, provavelmente, a coisa mais importante que é<br />

deixada para trás quando o indivíduo morre.<br />

Havia precisão cirúrgica em garantir que nada fosse<br />

passado para a posterioridade nos campos de concentração<br />

totalitários. Neste sentido:<br />

Um assassino destrói uma vida, mas não a<br />

memória de uma vida e a dor dos que amaram a<br />

vítima. Os campos de concentração buscam fazer<br />

desaparecer a memória das vítimas. O extermínio<br />

nos campos de concentração é uma gestão<br />

administrativa impessoal que cria uma atmosfera<br />

de morte permanente, na qual tanto a vida quanto<br />

a morte vêem-se efetivamente obstruídas. 22<br />

Claro se faz que o horror dos campos de concentração<br />

passa as barreiras do compreensível, é verdadeira visão<br />

espectral do inferno. Porém, foi tudo feito sob a estampa<br />

do direito positivo.<br />

(...) Conhecer as normas sem pensar sobre elas<br />

pode ser uma atitude de bom senso no ensino e<br />

na prática do Direito, mas pode igualmente gerar<br />

perigosas conseqüências. (...) Isto aconteceu,<br />

aponta Hannah Arendt, na Alemanha nazista e<br />

na Rússia stalinista, regimes que eficazmente<br />

inverteram os mandamentos básicos da moral<br />

ocidental. 23<br />

Muito se apresentou sobre o nazismo na presente<br />

obra, mas ressalte-se que o stalinismo agiu do mesmo<br />

modo e, sob certo ponto de vista, com maior malignidade.<br />

No stalinismo, se jogava com a idéia de igualdade, própria<br />

do socialismo buscado, mas na prática atrocidades eram<br />

cometidas também sem nenhuma verdadeira finalidade, o<br />

horror aqui era somado ao fato de que se pregava uma idéia<br />

benéfica, mas agia-se em sentido oposto.<br />

Os horrores do stalinismo são não só<br />

surpreendentes mas também incongruentes<br />

com o marxismo, cuja lógica é a proposta de<br />

liberação do ser humano, que se insere, ao<br />

contrário do nazismo, na grande tradição da<br />

cultura ocidental, mas cujos desenvolvimentos –<br />

espúrios ou não-espúrios – levaram a Stalin. Daí,<br />

22 Ibidem, p. 105-106.<br />

23 Ibidem, p.88.<br />

24 Ibidem, p.77.<br />

25 Ibidem, p. 112.<br />

94<br />

para um juízo retrospectivo, o caráter ainda mais<br />

desconcertante da redução a Stalin. 24<br />

A ruptura é exatamente o exposto, é o momento<br />

em que o próprio direito, agora criado cientificamente<br />

para proteger o humano, brilha tão ardentemente e<br />

paradoxalmente, age ao inverso de proteger o ser<br />

humano. Brilha por sua exatidão, por estar sendo seguido<br />

perfeitamente, mas ao mesmo tempo, sua luz queima<br />

aqueles que devia proteger. Vale dizer que se rompe a razão,<br />

que direito algum, enquanto friamente posto como ciência,<br />

pode falhar em servir a verdadeira função de proteger o<br />

homem, pois, no seu coração, jaz um objetivo obscuro que<br />

desconsidera a figura do protegido, tornando-se arma ao<br />

invés de escudo.<br />

Insta ressaltar que Adolf Hitler e Josef Stalin<br />

caíram com seus respectivos regimes em circunstâncias<br />

que não devem apaziguar o homem moderno. O direito<br />

positivo continua sendo fundamento das leis modernas, e<br />

os regimes totalitários nunca foram bem explicados. Ora,<br />

a compreensão do passado é essencial para a existência do<br />

futuro. A maneira como os regimes totalitários caíram não<br />

foi um fim a uma ideologia, foi mera queda, e as chances<br />

de regimes totalitários voltarem são imensas.<br />

(...) o que fazer diante dessa ruptura? A derrocada<br />

dos nazistas e a morte de Stalin não representam,<br />

evidentemente, uma resposta a essa questão, pois<br />

apesar de ter sido o totalitarismo um “milagre<br />

negro”, como o qualificou George Kateb – na sua<br />

análise da obra de Hanna Arendt – que ocorreu<br />

desafiando a lei das probabilidades, o fato e as<br />

circunstãncias de sua irrupção são de molde a<br />

colocar a hipótese de uma repetição. 25<br />

O mundo de hoje mantém a perspectiva do mundo<br />

de ontem: a idéia de que existem indivíduos supérfluos.<br />

São os desempregados, refugiados, imigrantes, entre outros<br />

grupos que são equiparados, muitas vezes, aos criminosos.<br />

Tal concepção é típica do totalitarismo, ou seja, o caminho<br />

para novos regimes de tal sorte continua aberto, só falta<br />

uma nova figura perigosamente carismática para trilhá-lo.<br />

2. Nietzsche<br />

Em suas muitas obras Friedrich Wilhelm Nietzsche,<br />

filósofo alemão nascido em 1844 e tendo morrido em 1900,<br />

procura desvendar o mistério da verdadeira essência do ser<br />

humano, da complexidade do viver.<br />

Nietzsche compreendia muito das motivações e<br />

medos dos homens, entendia também o século em que<br />

vivia e para ele parece que até o futuro não trazia muitas<br />

surpresas; não são poucas vezes em que critica duramente<br />

o crescente nacionalismo através da Europa, que resultaria<br />

no totalitarismo, o crescimento do socialismo defendendo<br />

uma igualdade que, de acordo com Nietzsche não só<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


inexiste como vai contra a própria natureza do homem.<br />

A época de Nietzsche é berço de uma idade obscura<br />

da Europa, que duraria ainda até as primeiras décadas do<br />

século XX, é a época em que se vê também a positivação<br />

do Direito atingindo seu ápice, além do surgimento dos<br />

Direitos Humanos como tal, uma tentativa de garantir o<br />

respeito aos direitos comuns a todo e qualquer ser humano.<br />

2.1 – A Racionalidade de Sócrates<br />

De acordo com Nietzsche existe uma espécie de<br />

ruptura na Grécia Antiga através dos ensinamentos de<br />

Sócrates os quais teriam corrompido o homem natural,<br />

instintivo, o tornando em homem excessivamente racional.<br />

A partir deste momento, o ser humano busca sistematizar<br />

tudo ao seu redor, destruída a própria beleza da vida, aquela<br />

casualidade do instinto.<br />

Não há que se falar em Sócrates estando vinculado<br />

diretamente ao Direito Positivo, mas é inegável a<br />

influência do racionalismo e do método de pensamento<br />

socrático como inaugurador de uma série de eventos que<br />

encaminharam o homem, no Iluminismo a criar o Direito<br />

Positivo, dentre outras ciências que marcam a ruptura do<br />

homem com a Idade das Trevas. O que se discute aqui é<br />

o caráter excessivamente questionador que as idéias de<br />

Sócrates introduziram no homem.<br />

Esse sistema em que se pauta a sociedade é também<br />

um caminho de destruição, o Estado cria um senso de<br />

otimismo ao ser humano, que se sente protegido por suas<br />

leis, sente-se igual ao seu próximo, enfim, uma série de<br />

mentiras que levam ao otimismo, certificando-se que todos<br />

estejam satisfeitos e, portanto pacíficos, matando a vontade<br />

de potência que caracteriza o ser humano.<br />

Criou-se uma casta de escravos, aos quais se<br />

dão migalhas para que não se levantem, aborrecidos e<br />

conscientes, contra seus mestres. Esses homens carregam,<br />

porém, pérolas dos Direitos Humanos, por exemplo, a<br />

“dignidade do homem”, o “direito a vida”, a “dignidade<br />

do trabalho”, entre outros. São, porém, mentiras, pois<br />

não há, muitas vezes vida de fato dentre destes “homensmáquinas”<br />

que a sociedade conserva.<br />

O que é a vida se não possuem a escolha real de<br />

como aproveitá-la? Esse sistema cruel faz de tudo para<br />

que essa casta não possa jamais progredir, muito menos<br />

levantar suas mãos em protesto, e assim marca, também,<br />

o destino de suas gerações. Com a vontade de potência<br />

arrancada, não há “dignidade do homem”. 26<br />

Por vontade de potência, Nietzsche aponta a mais<br />

importante característica do ser humano, é a força motriz<br />

que impulsiona o indivíduo a estabelecer objetivos e<br />

perseguir os mesmos, superar obstáculos, questionar a<br />

ordem e o sistema quando este tenta lhe diminuir frente<br />

outrem, elevando-o à posição de “dominante”. 27<br />

Ora, “dignidade do trabalho” é assegurar condições<br />

decentes para a segurança do trabalhador e, principalmente,<br />

evitar abusos ao empregado; mas não é isso que ocorre<br />

na prática, garante-se o trabalho, mas não o tratamento,<br />

não há abuso, talvez, na relação de emprego em si, mas<br />

há na relação que o resto da sociedade tem com aquele<br />

trabalhador, só dizem que o trabalho deles é decente porque<br />

é essencial ao funcionamento da vida em sociedade e/ou<br />

por temerem que se levantem em fúria contra sua condição.<br />

O “direito à vida” nesta perspectiva parece mais<br />

uma garantia generalizada. Através dela todos podem<br />

viver sem ter medo de serem mortos por seus inimigos.<br />

Continuando o exemplo supra mencionado, aquela casta<br />

de mestres tem garantia de que não podem ser mortos pela<br />

casta de escravos que, por sua vez, tem no “direito à vida”<br />

expressão equívoca, pois por vezes não vivem de fato.<br />

Viver é termo abstrato: mais que o mero funcionamento<br />

devido de todos os sentidos, funções, órgãos, é a trajetória<br />

rumo à morte, deixando sua marca e aproveitando os<br />

momentos até o “fim do caminho” (ou recomeço, de acordo<br />

com o eterno retorno 28 ), subjetivamente falando. Uma casta<br />

de escravos, que tem a visão turbada pelas mentiras que o<br />

Estado lhe alimenta, pode estar realmente satisfeita? Pode<br />

estar, na sua ignorância, aproveitando sua vida? Seguindo a<br />

linha de raciocínio de Nietzsche, não, apesar da ignorância<br />

(que é difícil, pois sabem como vivem os “senhores”), a<br />

vontade de potência lhes foi negada, vale dizer, sofreram<br />

uma lavagem cerebral de otimismo falso e acreditam que<br />

são realmente valorizados pela sociedade, que são bem<br />

cuidados pelo Estado que mantém, portanto não irá, com o<br />

uso de sua potência, lutar para reverter a sua posição.<br />

Insta ressaltar sobre esse Estado pós-socrático que,<br />

aquela classe de pseudo-senhores são tão escravos quanto<br />

os escravos. São escravos diretos do Estado, que também<br />

lhes mente sobre possibilidades e perspectivas. Desleixada<br />

a “neo-nobreza”, sente-se aconchegada com o Direito,<br />

com as garantias do Estado, protegida dos indivíduos que<br />

deveriam ser de fato os “dominantes”, os quais em um<br />

estado natural, a derrubaria (a “neo-nobreza”), tomando o<br />

poder para si.<br />

Atualmente vive-se dentro de um mundo que busca<br />

a globalização, ou seja, a total e absoluta interação entre<br />

todos os povos do mundo. Óbvio se faz a importância dos<br />

Direitos Humanos para atingir tais objetivos. A globalização<br />

26 NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Obras Incompletas. 2ª Edição. Seleção de textos de Gérard Lebrun. Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho. Abril Cultural: São Paulo, 1978, p. 247: “No fundo<br />

o que mais querem é simplesmente isto: que ninguém lhes faça mal. Assim, antecipam-se aos outros e lhes fazem bem.<br />

Isso, porém, é covardia:embora se chama “virtude”.<br />

(...)<br />

Virtude, para eles, é aquilo que torna modesto e manso: por isso fizeram do lobo o cão e do próprio homem o melhor animal doméstico do homem.<br />

“Pomos nossa cadeira no meio” – diz-me seu sorriso satisfeito – “e a igual distância de gladiadores moribundos e de porcos contentes.”<br />

Isso, porém, é – mediocridade: embora se chame comedimento.”<br />

27 Ibidem, p. 384. Sobre o Niilismo. 2ª Ed. Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Abril Cultural, 1978: “Foi a moral, portanto, que ensinou mais profundamente a odiar desprezar aquilo<br />

que é o traço característico dos dominantes: sua vontade de potência.”<br />

28 Ibidem, p. 389: ”Não houve primeiro um caos e depois gradativamente um movimento mais harmonioso e enfim um firme movimento circular de todas as forças: em vez disso, tudo é eterno, nada veio<br />

a ser: se houve um caos das forças, também o caos era eterno e retorna em cada anel.”<br />

95


deveria ser evento natural, como era o Direito Natural, ora,<br />

os avanços do homem exigem, naturalmente, que os povos<br />

interajam entre si; aos poucos as pessoas conviveriam em<br />

maior paz, rumo à globalização. O que vemos é a economia<br />

das grandes potências tentando a qualquer modo, acelerar<br />

a globalização com vista a engrandecer seu poder; assim,<br />

sob a bela bandeira de levar “direitos humanos” aos países<br />

que “desrespeitam” tais direitos fundamentais, existe na<br />

verdade o soterramento de culturas, a pasteurização da<br />

diversidade cultural, enquanto os Estados, ao invés de<br />

tornarem-se uma espécie de união, tornam-se uma massa<br />

uniforme e sem alma.<br />

O homem moderno é o covarde que prefere aceitar<br />

a escravidão que lhe dá uma falsa discrição de conforto,<br />

trabalho realizado com maestria pelo Estado, do que ter<br />

que se olhar e ver a verdade: que a vida é dura, que os<br />

Direitos Humanos nada são na prática senão convenções<br />

criadas para auxiliar aos governantes não só no controle<br />

da sociedade, mas na eventual imposição de sua vontade<br />

sobre outro Estado.<br />

2.2 – Convenções e Valores<br />

Convenção é o significado aplicado por um<br />

determinado grupo de pessoas sobre certo objeto, conceito,<br />

etc. Tem-se como a mais importante das convenções<br />

as diversas línguas faladas através do mundo, exemplo<br />

perfeito de quão relativas são convenções, um brasileiro<br />

não tem como compreender um alemão e vice-versa,<br />

pois a convenção-linguagem do brasileiro e do alemão é<br />

diversa, ou seja, os significados empregados divergem.<br />

Os significados criam uma imagem (forma) na mente do<br />

indivíduo, se o significado não alcança reconhecimento<br />

pelo sujeito que o escuta, não temos a convenção. Sem a<br />

convenção da linguagem, as nações seriam impossíveis, a<br />

própria convivência seria impossível.<br />

Existem, portanto, formas, que são iguais para<br />

todos que as vêm, mas só através de palavras passam a<br />

ter sentido a diversas pessoas que não vêem a forma de<br />

modo imediato. Em alguns casos até, o indivíduo vê uma<br />

forma, mas só a identifica de fato quando alguém dá voz ao<br />

signo, que se torna fato com a vocalização. Tal é o poder<br />

29 30<br />

de convenções.<br />

Mas então se subentende que os Direitos Humanos,<br />

por sua natureza absoluta, deveria ser uma convenção<br />

aceita por todo homem que vive. É “direito”, isto é, uma<br />

série de leis que estabelecem direitos e deveres para<br />

os destinatários; é “humano”, ou seja, o destinatário é a<br />

humanidade.<br />

Ocorre que a humanidade não tem os Direitos<br />

Humanos como convenção, enquanto diversos povos<br />

96<br />

podem concordar em certos pontos, discordam em outros.<br />

É falso afirmar que os Direitos Humanos fazem parte de<br />

uma convenção mundial, mas não o sendo falha em seu<br />

objetivo fundamental, pois não tem legitimidade frente aos<br />

destinatários.<br />

O excesso de confiança do homem no Direito<br />

Positivo levou a sua transfiguração na forma do totalitarismo<br />

entre outros regimes que atacam a essência do ser humano,<br />

devemos atentar para não confiar demasiadamente nos<br />

Direitos Humanos. Convenções são relativas, e podem<br />

facilmente ser modificadas.<br />

Como convenção, os Direitos Humanos são a<br />

criação de um grupo de indivíduos. Isso implica novo<br />

problema, visto que não cabe a um grupo de indivíduos<br />

decidirem quais são esses direitos compartilhados por<br />

todos os indivíduos de todos os povos.<br />

Quando o povo de determinado Estado<br />

evidentemente reclama de sua situação frente a atos<br />

do governante, e clama pelos Direitos Humanos, então<br />

aceitam esses direitos, e cabe invasão, mesmo que seja<br />

à força (guerra), de outros Estados para derrubarem a<br />

opressão e levarem os Direitos Humanos ao povo que<br />

busca ser resgatado. No caso, a convenção é aceita, mas<br />

não está sendo respeitada pelo aparelho estatal, que oprime<br />

o povo, cabe a outros Estados restabelecer essa convenção.<br />

Friedrich Wilhelm Nietzsche apresenta este conceito<br />

sobre convenções ao tratar sobre “verdade e mentira”, que<br />

também não passam de convenções, o mesmo se aplica a<br />

valores e à moral, etc. 31<br />

O Dr. Paul Joseph Goebbels, ministro da propaganda<br />

de Adolf Hitler, fez uso de uma tática muito interessante para<br />

difundir o idealismo nazista: a repetição. Certos dados, que<br />

não correspondiam aos fatos, foram repetidos e reforçados<br />

tantas vezes ao público alemão que, após certo tempo,<br />

passaram a ser aceitos como se fossem verdade, abrindo<br />

caminho à aceitação de muitas das tragédias ocorridas no<br />

III Reich. Isso só é possível porque não existe “verdade”<br />

per se, apenas a convenção que determinada “forma” é<br />

verdade, qualquer falha na identificação do significado<br />

com a forma resulta no conceito de “mentira”. O poder de<br />

moldar quando o que vai ser aceito como verdade e quando<br />

vai ser encarado como mentira é um poderoso instrumento<br />

de dominação.<br />

Moral é mera convenção, e como tal é relativa<br />

e não possui verdadeiro significado, vale dizer que não<br />

existe moral, assim temos o nazismo, o stalinismo entre<br />

outros. São tão morais quantos quaisquer outros regimes<br />

para todos que viveram sob tais regimes, pois lhes foi feito<br />

acreditar naquela mentira, e coletivamente essa “mentira”<br />

virou “moral”, assim como outras “falsidades” tornaram-se<br />

29 Ibidem, p. 46. “Agora, com efeito, é fixado aquilo que doravante deve ser “verdade”, isto é, é descoberta uma designação uniforme válida e obrigatória das coisas, e a legislação da linguagem dá também<br />

as primeiras leis da verdade, pois surge aqui pela primeira vez o contraste entre verdade e mentira.”<br />

30 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 20ª Ed. Rev. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 266. “(...) Todos os fatos são construções de linguagem (...). Seguem a gramaticalidade própria<br />

do universo lingüístico a que pertencem (...).”<br />

31 NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Op. Cit.. P. 43-52.<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


“verdade” e assim por diante. 32<br />

O Direito, portanto, é frágil e falso. É muleta onde<br />

os homens se apóiam, aterrorizados com a perspectiva<br />

de se verem como nada mais que animais selvagens que<br />

possuem a habilidade de proferir mentiras e concordarem<br />

sobre elas.<br />

O Direito e outras convenções de natureza ordenada<br />

existem porque o homem não só pode ser enganado, como<br />

ele prefere ser enganado. Prefere viver escoltado por leis,<br />

sem nunca ter que desbravar o mundo. Deseja a proteção<br />

nas mentiras obscuras do Estado.<br />

A idéia dos Direitos Humanos como porta-bandeira<br />

da civilização, como instrumento de uma globalização<br />

“coercitiva” é pavorosa. São normas criadas pelo<br />

entendimento de uma determinada cultura como se tal<br />

convenção fosse absoluta. A idéia de levar a civilização<br />

a Estados/povos não-civilizados é absurda visto que, na<br />

maioria dos casos, não se trata de falta de civilização, mas<br />

apenas mera incompatibilidade de conceitos.<br />

2.3 – O Niilismo e a Vontade de Potência<br />

Mesmo que, à primeira vista, um indivíduo tenha<br />

determinada atitude para manter-se no poder, não há<br />

verdadeiro objetivo, pois: para que poder? Como um dia<br />

todos estão fadados a morrer, vivemos em uma situação<br />

desnecessariamente complexa enquanto nos afogamos em<br />

uma série de normas entre outras atividades complexas do<br />

ser humano.<br />

Se existe algo além da vida, um paraíso, por<br />

exemplo, será que teremos consciência da nossa antiga<br />

“vida terrena”? Se não tivermos então vivemos e criamos<br />

nossas obras e legados em vão. Nietzsche nega o mundo<br />

metafísico, portanto cai em semelhante estado de falta<br />

de metas, ora se ao morrer a consciência do homem é<br />

completamente apagada, não restando sequer nenhum<br />

traço para um plano metafísico ou uma nova vida, então de<br />

nada valeu a experiência humana enquanto seres racionais,<br />

qual é o gosto em deixar um legado se o indivíduo não<br />

pode ver o resultado deste legado? Nenhum.<br />

Diante desta mórbida perspectiva as pessoas, no<br />

geral, escolhem pelo lado covarde de se deixar enganar por<br />

falsos objetivos pré-estabelecidos por outros indivíduos,<br />

pelo Estado, enfim, por uma terceira parte qualquer. Outros,<br />

porém, seguindo sua vontade de potência, enfrentam as<br />

conclusões supra expostas e criam suas próprias metas,<br />

mesmo que sejam em vão. Àquele primeiro tipo de<br />

indivíduo não deve ser dado o direito de exclamar que a<br />

vida lhe foi injusta, é injusta e sem-sentido a todos, não<br />

tem quem culpar senão a si mesmo por deixar-se enganar.<br />

O homem teme tomar decisões por si mesmo.<br />

Costuma buscar um grupo e se esconder confortavelmente<br />

nas decisões deste grupo que, em grande parte dos Estados<br />

modernos é a sociedade. “A sociedade é mais importante<br />

que o indivíduo”, assim se traduz na Constituição Brasileira<br />

o princípio da “função social da propriedade” entre tantos<br />

outros de cunho socialista e que fazem parte da essência<br />

da Administração Pública nacional. A época de Nietzsche<br />

viu o começo da febre pelo “social”, que logo se tornaria a<br />

segunda geração de Direitos Humanos. É a positivação da<br />

covardia humana, pois um indivíduo teme falhar, mas não<br />

teme falhar quando a sociedade (ou seu grupo) falha junto<br />

com ele; logo também não procura progredir senão quando<br />

todos procuram progredir. Matematicamente, o risco é<br />

menor quando dividido entre diversos indivíduos.<br />

A comunidade global está se tornando uma série<br />

de “zeros”. São todos iguais marchando lado a lado para<br />

suas rotinas diárias sem nunca contestar o sistema que<br />

lhes é imposto, pois é mais fácil aceitar do que entender e,<br />

eventualmente, enfrentar.<br />

A globalização que a humanidade encara, e os<br />

Direitos Humanos como a mais importante faceta desta<br />

globalização em termos legais é exemplo do comportamento<br />

em rebanho. A globalização imposta resulta em genocídio/<br />

morticínio, pois aqueles culturalmente diferentes,<br />

colocados lado a lado quando não estão preparados<br />

passam a se detestar, a se desprezar, e o ódio leva ao<br />

extermínio; erradicando a cultura um do outro. É irônico<br />

que os Direitos Humanos visem proteger a liberdade do<br />

indivíduo, a liberdade de culto do indivíduo, entre outros<br />

direitos sem dúvidas essenciais e, ao mesmo tempo, estar<br />

sendo utilizado pela globalização para quebrar exatamente<br />

os mesmos direitos.<br />

Por fim, Nietzsche menciona a realidade metafísica<br />

criada pela mente do homem. Seria esta realidade um nível<br />

superior que exige sacrifícios na Terra, por exemplo, o<br />

Paraíso do Catolicismo. O filósofo, porém, descrente de<br />

tais conceitos como comumente compreendidos, diz que<br />

as “realidades metafísicas” são apenas invenções da mente<br />

humana para dar sentido aos seus esforços em vida.<br />

Se o indivíduo toma ciência da total ausência de<br />

objetivos em viver (como vivemos), de que a sociedade<br />

é mero reflexo de sua covardia, e que qualquer realidade<br />

metafísica não passa de escapismo, cai ele no “niilismo”. 33<br />

Tal ideologia nega esses três pilares de maneira tão absoluta<br />

que, ironicamente, se nega. Ora, se ele depende de negar<br />

valores então deve pressupor que os valores existem para<br />

poder serem negados.<br />

Fala-se em moral como aquele conceito que espelha<br />

a consciência do indivíduo, todos têm moral, quando a<br />

moral não encontra respaldo na ética da sociedade temos<br />

um indivíduo que, popularmente é chamado de imoral. A<br />

moral dos dias de Nietzsche e dos dias de hoje confundese<br />

com a ética da sociedade, pois, como já foi exposto, o<br />

homem procura se mesclar à sociedade. Nietzsche encontra<br />

32 LAFER, Celso. Op. Cit., p. 88: “Essa dogmatizarão leva as pessoas a se habituarem não com o conteúdo das normas, cujo exame detido as deixaria perplexas mas sim com a posse de normas que<br />

permitem, com relativa facilidade e regularidade, a elas subsumir casos e situações particulares. Isto aconteceu, aponta Hannah Arendt, na Alemanha nazista na Rússia stalinista, regimes que eficazmente<br />

inverteram os mandamentos básicos da moral ocidental.”<br />

33 NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Op. Cit., p. 379. “Tudo não tem sentido (a inexeqüibilidade de uma única interpretação do mundo, a que foi dedicada uma força descomunal – leva a desconfiar se<br />

todas as interpretações do mundo não são falsas -).”<br />

97


na moral, então, mais um chacal contra a vontade de<br />

potência do homem, visto que lhe rouba o espírito livre ao<br />

incutir valores que façam com que seja aceito pela ética da<br />

sociedade.<br />

A predominância da moral, segundo o filósofo<br />

alemão, é traço característico daqueles indivíduos que são<br />

sempre o “degrau mais baixo” da sociedade, são usados<br />

tanto pelos dominadores quanto pelos dominados que<br />

visam, através da vontade de potência, tomar o lugar de<br />

seus senhores. Vale mencionar a Revolução Francesa: a<br />

burguesia comandou os camponeses e juntos derrubaram a<br />

monarquia, mas a burguesia sozinha foi que tomou o poder<br />

que antes era dos monarcas, os camponeses não sofreram<br />

qualquer elevação substancial no seu “status social”.<br />

A superação da moral é o avanço da civilização<br />

espiritual, haja vista não passar de mentira imbuída nos<br />

enjeitados para que não percebam que os homens não são<br />

iguais, que o Direito, portanto não pode ser igual, que o<br />

Estado mente ao defender a igualdade. Esconde<br />

também a fragilidade dos valores que leva ao<br />

niilismo, e assim, retira a vontade de potência do homem,<br />

pois o homem que nada tem a temer é o mais poderoso.<br />

O niilista que não se acovarda com a percepção<br />

de falta de sentido na vida, tornar-se-á detentor da maior<br />

característica humana: a vontade de potência. Estes são<br />

um perigo para o sistema estabelecido, nada temem então<br />

levam às últimas conseqüências todos os seus atos.<br />

A idéia supra exposta pode parecer extremista<br />

à primeira vista, mas encontra certo nível de aplicação<br />

à realidade. A democracia subentende que é o povo que<br />

escolhe seus governantes, e de fato, é o povo que vai ás<br />

urnas e seleciona seus candidatos. O problema é que os<br />

candidatos “mais fortes”, ou seja, aqueles com recursos<br />

e formação para convencer o publico, na maior parte das<br />

vezes, possuem conexões com outros representantes antes<br />

eleitos entre outras pessoas de poder. Em outras palavras, dáse<br />

a impressão de que mudou o governante (por exemplo),<br />

mas na prática nada mudou: existe um emaranhado de<br />

poder que impede a renovação de fato, criando estagnação<br />

que, por fim, atinge o público e impede que concorrentes<br />

exerçam sua vontade de potência com algum êxito. Tratase<br />

do sistema de favoritismo que corrompe a democracia,<br />

que fere os princípios fundamentais.<br />

Os Direitos Humanos, ao procurarem estabelecer<br />

aqueles direitos que são comuns a todo ser humano,<br />

apresentam uma interessante evolução histórica que se<br />

confunde com os interesses de determinada classe na<br />

época, o melhor exemplo são as características liberais<br />

do direito de propriedade e, mais tarde, o surgimento<br />

de características sociais. É a vontade de potência de<br />

determinadas classes imprimindo sua marca na História.<br />

Ora, a resistência aos Direitos Humanos (ou ao<br />

menos alguns dos Direitos Humanos) pode ser vista<br />

como malévola sempre que ocorre? Pedindo intervenções<br />

34 Ibidem, p.397.<br />

98<br />

militares, econômicas entre outras para forçar sua aceitação?<br />

Não é natural que aqueles que não aceitam tal imposição<br />

exerçam sua vontade de potência e, eventualmente, até<br />

terem certos aspectos de sua luta incorporada aos Direitos<br />

Humanos, assim como os direitos relativos ao bem-estar<br />

do trabalhador, entre outros, foram incorporados décadas<br />

atrás.<br />

“Esse mundo é a vontade de potência – e nada além<br />

disso! E também vós próprios sois essa vontade de potência<br />

– e nada além disso!” 34<br />

2.4 – O Ser Humano<br />

O homem é objeto de relações as mais diversas,<br />

paixões irracionais que o impulsionam, medos irracionais<br />

que o detém e racionalismos exagerados que o largam no<br />

dilema sobre a “razão da vida” ao mesmo tempo em que<br />

cria complexos sistemas que garantem o funcionamento da<br />

sociedade.<br />

Mas apesar da beleza exposta, o homem não é<br />

puro, conhece o conceito de bem e mal, e isso o coloca na<br />

posição única de poder julgar, e de poder cometer crimes<br />

dos mais diversos. Direitos humanos são o conjunto que<br />

agrega direitos que cabem aos homens, são os direitos<br />

fundamentais, aqueles sem os quais a vida torna-se<br />

degradante e até mesmo impossível.<br />

Deve se atentar sempre, porém, àquelas segundas<br />

intenções típicas do ser humano. Não há nada que a raça<br />

humana faça melhor do que satisfazer seus desejos sobre<br />

o pretexto de buscar um “bem maior a todos”. Nietzsche<br />

menciona como o socialismo se identifica com os<br />

déspotas que tanto odeiam ambos tratam de grande poder<br />

concentrado na mão de poucos, que fazem de tudo para se<br />

manter no poder e desprezam a democracia. No socialismo<br />

todos são iguais apenas para difundir a ideologia, de iguais<br />

só os proletariados que continuaram na pobreza, enquanto<br />

novos líderes festejavam em particular vitórias que de nada<br />

faziam os indivíduos mais iguais.<br />

Quanto à propriedade privada, defendida pelos<br />

Direitos do Homem e atacada pelo socialismo, vale dizer<br />

que os Direitos humanos tratam do assunto com frieza,<br />

basicamente diz que existe o direito à propriedade privada.<br />

Ocorre muito, porém, que tal propriedade é adquirida<br />

de modo “injusto”, é o que acaba por causar revolta no resto<br />

da população. O justo é o direito de propriedade daquele<br />

que lutou pelo que possui, deste nada há que se reclamar.<br />

O socialismo, não só destrói este direito como,<br />

ainda, aniquila a vontade do indivíduo em trabalhar, pois<br />

nada recebe em troca, no fim do dia trabalhou e ainda não<br />

possui nada.<br />

O homem tende a classificar o mundo por extremos,<br />

oposições, preto e branco, existe vilão e existe herói,<br />

errado e correto. Porém, a “verdade” é que não há verdade<br />

e mentira, vivemos em níveis, em graus. O homem se nega<br />

a aceitar que entre o certo e o errado existem tantos degraus<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


a galgar que o próprio “certo e errado” some (talvez fosse<br />

melhor falar em anéis, como o “eterno retorno”, onde os<br />

“extremos” se confundem); vivemos entre transições, não<br />

oposições.<br />

Outra característica do homem é o fanatismo que faz<br />

com que feche seus olhos para o óbvio em muitas ocasiões,<br />

apenas porque insiste em abster-se de mudar sua ideologia,<br />

ou até mesmo coisas muito menores.<br />

Tais comprometimentos criam conflitos como os<br />

criados por células terroristas, típicas de carregarem suas<br />

ideologias acima de qualquer valor. O fanatismo passa<br />

por cima dos direitos fundamentais e qualquer outro<br />

ordenamento jurídico. Ignora até mesmo a vontade de<br />

potência, visto que aliena o “grupo ideológico” do mundo<br />

ao seu redor de modo que nada lhes importa além de sua<br />

ideologia.<br />

O homem tem que ter a força de vontade para se<br />

afastar de tempos em tempos de seus valores, conceitos,<br />

entre outras características, e ver o todo. Assim, não perde<br />

contato com o ponto de vista de outros indivíduos e abre<br />

espaço para modificar/adaptar suas ideologias, ou até<br />

mesmo extingui-las; pode-se dizer que assim o homem<br />

cresce, pois está sempre absorvendo conhecimento.<br />

Tal característica pode ser encontrada nos Direitos<br />

Humanos, por exemplo, a confluência de princípios de<br />

natureza liberal com os de natureza social. Vale dizer que<br />

os Direitos Humanos em si sofreram mutações ao longo do<br />

tempo, agregando novos regulamentos essenciais ao bem<br />

estar da humanidade.<br />

Ocorre que, como dantes narrado na presente obra,<br />

tais regulamentos são por vezes forçados sobre nações/<br />

culturas que não os desejam ou, sequer, acreditam neles,<br />

demonstrando então falta de comprometimento com a<br />

essência pacífica dos Direitos Humanos, por parte daquele<br />

que visa impor sua cultura sobre outrem, ou seja, usa os<br />

Direitos Humanos como instrumento de dominação.<br />

CAPÍTULO 3 (Identificação de valores contidos em<br />

normas mencionadas no presente trabalho)<br />

3.1 Ética<br />

Para que uma sociedade efetivamente se forme há<br />

que existir uma série de valores com os quais os membros<br />

daquele grupo se identifiquem. São conceitos naturais que<br />

iluminam o caminho de dado grupo.<br />

A moralidade, por sua vez, não deve ser confundida<br />

com o conceito de que bom é “não ser egoísta”, ora,<br />

moralidade é ser indivíduo que anda com retidão, isto é, de<br />

acordo com a ética da sua sociedade:<br />

(...) ações não egoístas, louvadas, e denominadas<br />

boas por parte daqueles a quem foram<br />

demonstradas, portanto a quem foram úteis; mais<br />

tarde, temos essa origem do louvor esquecida,<br />

e as ações não egoístas, simplesmente porque<br />

habitualmente eram louvadas como boas, sentidas<br />

também como boas – como se fossem em si algo<br />

de bom. 35<br />

Diz ainda:<br />

O direito dos senhores, de dar nomes, vai tão<br />

longe que se poderia permitir-se captar a origem<br />

da linguagem mesma como exteriorização de<br />

potência dos dominantes: eles dizem, “isto é isto<br />

e isto”, eles selam cada coisa e acontecimento<br />

com um som e, com isso, como que tomam posse<br />

dele. 36<br />

Ora, a ética é, portanto, um instituto frágil.<br />

Construído inicialmente pelo interesse de certos indivíduos<br />

e eventualmente fincando-se como alicerce da sociedade.<br />

A fragilidade resta no fato de que, por vezes, a ética de um<br />

grupo específico, de dentro de uma mesma sociedade, não<br />

ser o mesmo de outro grupo.<br />

(...) Tomemos, por exemplo, o campo da ética<br />

médica e mais em geral da bioética, no qual há anos<br />

ferve um debate particularmente vigoroso entre<br />

os filósofos morais: a discussão é animadíssima<br />

quanto à licitude ou ilicitude de certos atos, mas<br />

ninguém cogita de negar o problema mesmo, isto<br />

é, que no exercício da atividade médica surgem<br />

problemas que todos os que com eles lidam estão<br />

acostumados a considerar morais, e ao assim<br />

considerá-los entendem-se perfeitamente entre<br />

si, ainda que não se entendam quanto a quais são<br />

os princípios ou as regras a serem observados e<br />

aplicados. 37<br />

Na política podem-se questionar as atitudes do<br />

governante que, devido a sua posição, invariavelmente<br />

comete injustiças em relação a alguns para garantir o bem<br />

estar da nação. Esta é a finalidade do político. A ética na<br />

política é talvez a mais complexa, um governante imoral<br />

quebra a credibilidade de um sistema inteiro ao ruir a ética<br />

do instituto. A grande charada, porém, é saber distinguir<br />

o inevitável sacrifício pelo bem da nação, da hipocrisia e<br />

imoralidade:<br />

(...) um ato ilícito em moral pode ser considerado<br />

e apreciado como lícito em política, (...) a<br />

política obedece a um código de regras, ou<br />

sistema normativo, que não se coaduna e em<br />

parte é incompatível com o código de regras, ou<br />

sistema normativo, da conduta moral. (...) quem<br />

desenvolve uma atividade política não pode<br />

deixar de sujar as mãos (...). 38<br />

Por vezes, o que se vê, é a desconsideração da ética,<br />

isto é, a imoralidade, de maneira pública, por parte de<br />

governantes que usam os instrumentos à sua disposição e<br />

sacrificam muitos, não pelo bem do Estado, mas por sua<br />

própria vaidade.<br />

Tal comportamento é deplorável frente a um Estado<br />

de Direito que carrega em si uma Constituição. Isto porque,<br />

regra geral, a Constituição tem como objetivo ser a pedra de<br />

35 Ibidem, p. 299.<br />

36 Ibidem. P. 300.<br />

37 BOBBIO, Noberto. Elogio da Serenidade e outros escritos morais. Tradução de Marcos Aurélio Nogueira. Editora UNESP: São Paulo, 2002, p. 51.<br />

38 Ibidem. P. 50.<br />

99


toque de todas as outras leis de dado Estado (democrata),<br />

nela, se espera encontrar os direitos fundamentais que darão<br />

ao povo proteção contra arbitrariedades do governante. “Os<br />

direitos fundamentais são os direitos naturais da pessoa<br />

elevados a nível constitucional, ou seja, positivados pelo<br />

legislador constituinte.” 39<br />

Os direitos fundamentais poder-se-ia dizer, são<br />

a suprema representação da ética. Protegem valores<br />

intrinsecamente ligados a cultura em que se originaram.<br />

De certa forma são a materialização da ética no universo<br />

do direito. Logo, encontram-se positivados em todas as<br />

Constituições do mundo, levando-se em conta que, “(...) o<br />

texto positivo de uma sociedade, que não agasalhe um rol<br />

de direitos da pessoa, não é uma constituição (...)”. 40<br />

Com os sentimentos que nascem com a formação<br />

de um Estado, há que se considerar que, eventualmente, a<br />

característica natural da ética se perde para a influência de<br />

tais sentimentos, inclusive dos próprios governantes.<br />

Assim, o sentimento nacionalista dos Estados<br />

totalitários distorce a ética até então existente e a substitui<br />

por outra, e esta outra só pode ser considerada maligna se<br />

comparada com a ética de outros Estados. 41<br />

Novamente se faz presente o risco do positivismo:<br />

apenas através dele é possível aceitar que é ético o exercício<br />

do extermínio arbitrário de seres humanos, simplesmente<br />

porque as regras daquele Estado estão formalmente e<br />

materialmente em ordem com sua “constituição”.<br />

Se houvesse consideração pelo direito natural, por<br />

tudo aquilo que parece naturalmente correto ou errado<br />

ao homem, então a mudança da ética, eventualmente do<br />

direito, ocorreria naturalmente, como evolução. Nunca<br />

ocorreriam as atrocidades do Totalitarismo: trata-se de<br />

regime anti-natural, nascido de uma febre pela ciência<br />

onde nada pode contestar aquilo que foi positivado, nem<br />

mesmo a consciência do indivíduo.<br />

Conclusão<br />

Nietzsche apresenta suas teorias de modo agressivo,<br />

atacando o leitor e forçando-o a encarar a realidade por<br />

sua perspectiva. De passo a passo o indivíduo chega aos<br />

entendimentos proferidos pelo filósofo.<br />

O leitor é como que atirado pelo filósofo em um poço<br />

imundo e obscuro. Esquecido por todos, não há esperança<br />

de resgate, a parede é muito lisa para ser escalada, o chão é<br />

constituído por navalhas.<br />

Mas pior que tudo isso é que a vítima-leitor sabe<br />

que, se conseguir, por algum milagre, sair deste poço<br />

desesperador, o mundo que encontrará mudou. Todo sorriso<br />

agora carrega dentes de tubarão, toda amizade carrega<br />

interesses egoístas. A promessa de um mundo melhor após<br />

a morte foi extinta pelo fato de outros mundos serem mera<br />

mentira que justificam, mais que qualquer outra coisa, a<br />

falta de propósito da vida humana.<br />

39 LEMBO, Cláudio. A Pessoa: seus direitos. 1ª Edição. Editora Manole: São Paulo, 2007, p. 7.<br />

40 Ibidem, p. 7.<br />

41 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. Abril Cultural: São Paulo 1979, P. 121.<br />

100<br />

Ainda, o medo de que tudo vai acontecer novamente<br />

em um ciclo infinito de acontecimentos rende o indivíduo<br />

à impossibilidade de ser algum dia recompensado por suas<br />

obras.<br />

O niilismo passa a se manifestar como uma doença,<br />

negando todos os valores e crenças que um dia já pairaram<br />

sobre a consciência humana, e ao fazê-lo, o niilismo se<br />

destrói, visto que logo não tem mais o que negar.<br />

Mas é na figura do Estado (Moderno) que Nietzsche<br />

enxerga seu maior inimigo. Um monstro que furta o<br />

espírito humano de competição ao forçosamente criar um<br />

sentimento de nacionalidade, de patriotismo. O indivíduo<br />

passa a ser apenas “mais um” de um grande grupo, os<br />

próprios líderes não passam de joguetes que apenas<br />

garantem a continuidade e estabilidade do Estado. É quase<br />

como se o próprio Estado possuísse vida.<br />

Neste cenário conclui-se que o direito, instituto<br />

criado para garantir a manutenção e proteção tanto do<br />

indivíduo quanto do grupo em que este se encontra, pode<br />

facilmente ter-se tornado instrumento de domínio.<br />

Nietzsche já previra isso na época em que viveu, por<br />

diversas vezes alertou sobre o perigo do nacionalismo na<br />

Europa, falava que o Estado estava deixando seus cidadãos<br />

burros ao tentar separá-los do convívio com outras culturas.<br />

Mais tarde, o direito virava protetor unicamente da ordem,<br />

permitindo o extermínio de milhares, na própria Alemanha<br />

e na União Soviética, países totalitaristas durante a Segunda<br />

Guerra Mundial.<br />

Como indica Hanna Arendt, fim dos regimes<br />

totalitários não exterminou por completo a razão por trás<br />

deles, o descaso aleatório sobre determinados grupos de<br />

pessoas, aliado ao pensamento que Nietzsche prevenira,<br />

qual seja, o de que o Estado estava assumindo importância<br />

maior que o próprio povo, que estava destruindo a<br />

individualidade e reforçando o comportamento grupal.<br />

O totalitarismo carregou em si a semente da<br />

discórdia, semeado pela sede de ciência. O próprio direito<br />

suportou os sistemas genocidas implantados por Hitler e<br />

Stalin.<br />

Em outras palavras, o próprio direito virou<br />

instrumento, não para proteger o homem, mas para manter<br />

o Estado funcionando, por mais sanguinário que esse<br />

sistema fosse.<br />

O ponto de vista do homem da época, é outro<br />

daquele que aprende por meio dos livros de história. A<br />

Revolução Francesa se falhasse e nada de bom sobrasse<br />

para a posteridade, provavelmente seria considerada como<br />

um ato terrorista contra os monarcas da época.<br />

Hoje em dia, regra geral, toda Constituição carrega<br />

os direitos humanos, como proteção do cidadão contra<br />

arbitrariedades do Estado. Óbvio se faz a importância de<br />

tais regulamentos.<br />

Por vezes, porém, os próprios direitos humanos são<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


utilizados como instrumento de domínio, não contra seu<br />

próprio povo, mas contra outras culturas. Ora, como foi<br />

explicado os direitos fundamentais não passam de uma<br />

série de valores, e valores mudam de região para, inegável,<br />

porém, que o ocidente possui, nos dias de hoje, uma<br />

semelhança nos valores, que permita que todos se pautem<br />

nos mesmos direitos fundamentais.<br />

Isso se dá porque as Américas foram dominadas e<br />

colonizadas pela Europa. A colonização em si, porém, não<br />

foi pacífica, foi feita através da imposição violenta de uma<br />

cultura sobre a outra. Os “ideais cristãos” foram impostos<br />

através da espada, os padres que questionavam os métodos<br />

eram calados. Isso porque os ideais supra citados não<br />

eram valores aplicáveis à outra cultura, daí o confronto.<br />

E a recusa em se satisfazer com uma mera convivência e<br />

aprendizado intercultural - que, provavelmente, resultaria<br />

em um nível de harmonia, eventualmente, até uma nova<br />

cultura, mais forte – se deu porque não havia interesse em<br />

realmente difundir o ideal, mas apenas estabelecer colônias<br />

para fortalecer o mercantilismo.<br />

Hoje, temos a imposição dos direitos humanos sobre<br />

outras culturas. A brutalidade com a qual se tenta impor os<br />

valores que sustentam os direitos humanos é contraditória<br />

aos mesmos valores. Fala-se em sacrifício para que estas<br />

culturas, na maioria do Oriente Médio, venham a apreciar a<br />

liberdade e a segurança concedida pelos direitos humanos,<br />

mas a liberdade vista pelo Ocidente não é necessariamente<br />

a mesma do Oriente.<br />

Não se trata de apologia ao terrorismo, de justificação<br />

do assassinato de civis para manter-se livre da malignidade<br />

ocidental. Tais atos não passam de uma inversão dos pólos,<br />

uma tentativa de impor valores, através da violência, a um<br />

povo que não corresponde aos mesmos valores.<br />

Por vezes pode um Estado tentar subjugar seu povo,<br />

este revoltado, mas fraco, encontra-se preso ao dominador.<br />

Bibliografia<br />

Nessas ocasiões, é provável que seja válida e verdadeira<br />

uma invasão por parte de outro Estado, visto que o povo<br />

deseja os valores que lhe estão sendo negados.<br />

O risco nestas ocasiões resta no vácuo que se faz no<br />

poder quando derrubado o tirano, haja vista a possibilidade<br />

de aquele Estado que prestou auxílio tentar tomar o poder<br />

para si, ou o novo governo local agir semelhantemente ao<br />

anterior.<br />

O abandono do Estado pode, ainda, causar<br />

verdadeira ruptura a qualquer estabilidade que restara,<br />

resultando em uma guerra civil pelo poder, é o caso de<br />

muitos países africanos: promete-se libertação e valores<br />

dignos do ser humano, mas na realidade o que se busca é<br />

apenas posição.<br />

Infelizmente, tem-se hoje uma colonização<br />

mascarada, através da qual Estados buscam o domínio<br />

de outros por motivos econômicos, sob a pretensão de<br />

carregar a justiça, a democracia, os direitos fundamentais<br />

ao outro Estado.<br />

Abstract: The present article is an adaptation of the<br />

homonymous scientific initiation research oriented by<br />

Professor Marcos Renato Schahin. It displays an insight<br />

on the ideas of the German philosopher Friedrich Wilhelm<br />

Nietzsche and the search for a connection between his<br />

philosophy and the state of human rights in the post-war,<br />

before the current stage of globalization and the possibility<br />

of using fundamental laws as instruments of domination.<br />

Also, it briefly observes the downfall of human rights<br />

during the rise of totalitarianism.<br />

Key-words: Jusnaturalism. Will to Power. Human Rights.<br />

Rupture. Totalitarianism. Natural Law. Positive Law.<br />

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. São Paulo: Abril Cultural.1979.<br />

BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Baseado na tradução de João Ferreira de Almeida. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Imprensa<br />

Bíblica Brasileira. 1980.<br />

BOBBIO, Norberto. Elogio da Serenidade: e outros escritos morais. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. Editora<br />

UNESP: São Paulo, 2002.<br />

FERRAZ, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo de Direito. 4ª edição. Editora Atlas: São Paulo, 2003.<br />

IHERING, Rudolf Von. A Luta pelo Direito. Tradução de Cretella Jr. E Agnes Cretella. 5ª ed. rev. São Paulo: Editora<br />

Revista dos Tribunais, 2008.<br />

LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos; Um Diálogo com o Pensamento de Hanna Arendt. 7ª Ed.<br />

São Paulo: Companhia das Letras, 2009.<br />

LEMBO, Cláudio. A Pessoa: seus direitos. 1ª Edição. Editora Manole: São Paulo, 2007.<br />

MELLO, Leonel Itaussu A., COSTA Luís César Amad. História Moderna e Contemporânea. 5. ed. São Paulo: Editora<br />

Scipione. 1999.<br />

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 20ª edição. Editora Atlas: São Paulo, 2006.<br />

101


NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Obras Incompletas. Seleção de textos de Gérard Lebrun. Sobre Verdade e Mentira. 2ª<br />

Ed. Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Abril Cultural, 1978.<br />

NUNES, Rizzatto. Manual de introdução ao Estudo do Direito. 7ª ed. Editora Saraiva: São Paulo, 2007.<br />

SURPLUS Value. Net, sine loco, s.d. Wikipedia The Free Encyclopedia. Disponível em: . Acesso em: 05 out. 2009.<br />

102<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


Direito ao nome da pessoa física<br />

JOSÉ ROBERTO NEVES AMORIM E VANDA LÚCIA CINTRA AMORIM<br />

A pessoa física e seu nome constituem uma unidade processada no cérebro e simbolizada na mente como identidade<br />

própria. O nome proporciona identidade e a identidade é o berço da auto-estima.<br />

Nesta obra, o Desembargador Neves Amorim e a Vanda, sua esposa, que é advogada e companheira de letras<br />

jurídicas, percorrem uma trajetória de didática impecável na apresentação do tema.<br />

Partindo de uma abordagem histórica, os autores escrevem, já no segundo capítulo, sobre aspectos gerais do nome,<br />

que incluem o conceito e a natureza jurídica, os seus elementos mais conhecidos, como nome e sobrenome, e as curiosas<br />

particularidades denominadas agnome, apelido, pseudônimo, heterônomo e outras.<br />

Depois de breve estudo do nome nas legislações portuguesa, espanhola e italiana, os autores oferecerem valiosas<br />

informações sobre caracteres jurídicos do nome, aí incluídas sua obrigatoriedade, inalienabilidade e intransmissibilidade.<br />

Iniciando o capítulo 4, os autores dizem: “Neste capítulo, abordaremos as possibilidades de alteração do nome em<br />

face do direito de família, analisando sua hipótese de cabimento no casamento, na separação consensual ou judicial, no<br />

divórcio, na viuvez, na união estável, a inclusão do nome da mãe e dos avós e, finalmente, o reconhecimento de filiação<br />

não matrimonial.”<br />

No capítulo 5, os autores abordaram interessantes casos em que é possível alterar o nome, como os decorrentes<br />

de prenome ridículo, de equívocos ocorridos no registro do nome, de constatação da existência de pessoas com o mesmo<br />

nome (homônimos). Não faltou o registro de casos mais polêmicos de alteração, como nas hipóteses de transexualismo,<br />

adoção e proteção de vítimas e testemunhas.<br />

É imprescindível, ainda, mencionar a correta abordagem de crimes que atingem indiretamente o direito ao nome.<br />

No final, os comentários sobre a denominada Lei Clodovil, que permite aos filhos adotarem o nome dos padrastos e<br />

madrastas. Vale a pena ler. Direito ao nome da pessoa física foi lançado pela Elsevier. São 122 páginas.<br />

103


104<br />

O Universo do Luxo<br />

SILVIO PASSARELLI<br />

Consta da apresentação do livro: “O luxo é um segmento de negócios que no Brasil ganhou, nos últimos 10 anos,<br />

destaque e importância. Esse pequeno setor, eminentemente fechado, marcado até então por uma postura xenófoba,<br />

passou a apresentar taxas de crescimento significativamente superiores às da economia como um todo. Sustenta, ao longo<br />

da última década, um crescimento médio de aproximadamente 9% ao ano, bastante superior aos 3,5% registrados pelo<br />

PIB.”<br />

Não somente pelo motivo exposto acima, por si só de interesse no universo do management, mas também pela<br />

clareza de apresentação dos fatos do luxo, todos muito atraentes, essa é uma leitura super recomendada. Vale a pena.<br />

O Universo do Luxo de Sílvio Passarelli foi apresentado em nove capítulos didaticamente distribuídos e os<br />

assuntos foram sendo expostos numa sequência crescente de interesse e atratividade.<br />

Diz o autor: “Assim, podemos identificar ocorrências de luxo nos seguintes setores: moda e acessórios, jóias,<br />

cosméticos e perfumaria, artes aplicadas e objetos decorativos (incluindo o mobiliário), mobilidade (motocicletas,<br />

automóveis, barcos, aviões e helicópteros), imobiliário, alimentos e bebidas, serviços pessoais, hospitalidade e estilo de<br />

vida.”<br />

Lembre-se dessas marcas, mencionadas no livro, além de muitas outras: Hermès, Cartier, Veuve Clicquot, Louis<br />

Vuitton, Christian Dior, Gucci, Vacheron Constantin, Montblanc.<br />

Agora, conheça antecipadamente essas afirmativas do autor, breves e ricas de conteúdo: “Os desejos organizam o<br />

conjunto de bens e serviços ligados à ‘diferenciação da vida em sociedade’. ... A chamada economia do luxo é o império<br />

dos desejos. ... Quando pensamos em economia do luxo, não podemos deixar de destacar a questão da imaterialidade. ...<br />

Por imaterialidade, entendemos o conjunto de valores intangíveis agregados ao produto”.<br />

Passarelli nasceu em São Paulo, graduou-se em Administração e Economia, concluiu pós-graduação em Marketing,<br />

Economia Urbana e Regional e Criatividade Aplicada. Atuou em grandes empresas nacionais e estrangeiras. Foi Diretor<br />

da Faculdade de Economia da FAAP e é o Diretor da Faculdade de Artes Plásticas. Ainda na FAAP, concebeu e dirige o<br />

famoso MBA em Gestão do Luxo.<br />

O autor despejou sua experiência de vida e afinidade com o tema do luxo nesta atraente, singular e luxuosa edição<br />

de O Universo do Luxo, lançada pela Editora Manole. São 144 páginas.<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


Fenômenos sociais nos negócios<br />

Groundswell – Vença em um mundo transformado pelas redes sociais<br />

CHARLENE LI E JOSH BERNOFF<br />

“Este livro foi estruturado em três partes. A primeira explica o que é groundswell e apresenta as ferramentas<br />

básicas que você precisa para compreendê-lo. A segunda conta o que fazer com ele. E a terceira o ajuda a usá-lo para ter<br />

sucesso em sua empresa.”<br />

“O que você lerá é produto de centenas de interações com clientes e milhares de horas de colaboração e análise,<br />

todas com um único objetivo: preparar profissionais e executivos para obterem sucesso no mundo das tecnologias, em<br />

constante mudança.”<br />

“Baseado em dados reais sobre consumidores e em experiências com dezenas de empresas, Fenômenos sociais nos<br />

negócios traz conselhos práticos sobre se manter ágil e flexível em um mundo digital sempre em movimento. Ele mostra<br />

como os profissionais de marketing da Procter & Gamble provaram que o marketing sutil em uma comunidade foi quatro<br />

vezes mais eficaz do que a televisão, como a Best Buy aproveita a inteligência de seus mais de mil funcionários dentro<br />

das redes sociais, como a Dell se transformou quando incluiu a inteligência de seus consumidores em quase todos os seus<br />

departamentos e como a vinícola sul-africana multiplicou suas vendas por 10 quando explorou o poder de blogueiros,<br />

You Tube, Facebook e todas as outras ferramentas do arsenal da tecnologia social. Amazon, Procter & Gamble, Facebook,<br />

Google e Dell estão lucrando nessa onda.”<br />

“HÁ UM NOVO FENÔMENO SURGINDO. VOCÊ ESTÁ PRONTO? Neste momento, seus consumidores estão<br />

escrevendo sobre seus produtos em blogs e editando seus comerciais no You Tube. Estão escrevendo definições sobre<br />

sua empresa na Wikipédia e falando sobre você em sites como o Facebook. Todas essas atividades fazem parte de um<br />

fenômeno social – o groundswell – que criou uma mudança permanente na maneira como o mundo funciona. A maioria<br />

as empresas o percebe como uma ameaça. VOCÊ PO<strong>DE</strong> VÊ-LO COMO UMA OPORTUNIDA<strong>DE</strong>.”<br />

Charlene Li é uma das experts em tecnologias emergentes mais citada pela mídia. Já foi convidada pelos<br />

programas 60 minutes, ABC News, e pelas redes CNN e CNBC. Também é frequentemente citada pelo The Wall<br />

Street Journal, The New York Times e USA Today. Foi matéria de capa da revista HSM Management,Novembro/<br />

Dezembro de 2009. É fundadora do Altimer Group, empresa de consultoria que ajuda as empresas a ficarem à frente das<br />

tecnologias emergentes e a criarem e implementarem estratégias digitais robustas que complementem e fortaleçam os<br />

objetivos corporativos. Foi vice-presidente da Forrester Research e consultora do Monitor Group em Boston e Amsterdã.<br />

Formou-se com honras pela Harvard University e possui um MBA pela Harvard Business School.<br />

Josh Bernoff, vice-presidente e analista-líder da Forrester Research, foi o pioneiro das pesquisas tecnográficas na<br />

Forrester. Sua pesquisa busca um entendimento mais profundo sobre como as pessoas usam a tecnologia.<br />

Groundswell foi lançado no Brasil pela Elsevier. São 292 páginas.<br />

105


106<br />

ESCLARECIMENTOS AOS SENHORES PROFESSORES SOBRE ELABORAÇÃO DOS ARTIGOS<br />

PARA PUBLICAÇÃO NA REVISTA JURIS DA <strong>FACULDA<strong>DE</strong></strong> <strong>DE</strong> <strong>DIREITO</strong> DA FAAP<br />

• O Conselho Editorial utilizará, para publicação na Revista Juris da Faculdade de Direito, entrevistas, artigos<br />

científicos, material jurisprudencial, questões polêmicas, resenhas e sugestões de leituras.<br />

• Para os artigos científicos, vigoram as seguintes regras de padronização:<br />

1. Letra Times New Roman, tamanho 14 para títulos, 12 para textos e 10 para notas de rodapé;<br />

2. Espaço entre linhas: 1,5;<br />

3. Alinhamento: justificado;<br />

4. Recuo de 2 cm. na primeira linha de cada parágrafo;<br />

5. Margens direita e inferior: 2 cm.;<br />

6. Margens esquerda e superior: 3 cm.;<br />

7. Título na língua original, acompanhado de breve currículo qualificativo na área do conhecimento abordada<br />

pelo artigo;<br />

8. Em seguida, deverá constar um resumo, contendo entre 100 e 250 palavras, cuja função é sintetizar os<br />

objetivos pretendidos, a metodologia usada, os resultados e as conclusões alcançadas no artigo. Referido resumo<br />

deverá ser composto por uma sequência correta de frases concisas e não por uma enumeração em tópicos;<br />

9. Após o resumo, deverá constar uma relação de palavras chaves, que são termos indicativos do conteúdo do<br />

artigo, escolhidos em vocabulário adequado;<br />

10. Em seguida, o texto do artigo;<br />

11. Após o texto do artigo, uma tradução do resumo para a língua inglesa, denominada Abstract, e uma tradução<br />

das palavras chaves para a língua inglesa, denominada Key-words;<br />

12. Os artigos deverão ser divididos em títulos e subtítulos, apresentando conclusão e bibliografia (incluindo<br />

todos os autores citados em notas de rodapé);<br />

13. No texto, não deverá ser utilizado negrito, nem sublinhado, destacando-se termos somente com itálico;<br />

14. As citações de notas de rodapé deverão ser grafadas seguindo o modelo: sobrenome do autor, título da obra<br />

(em negrito), data de publicação, página da citação;<br />

15. As resenhas deverão conter, na abertura, a título de introdução, um breve relato da obra resenhada;<br />

16. Os artigos serão submetidos a revisão antes da sua publicação e, a título de sugestão, deverão conter o<br />

mínimo de 10 folhas e o máximo de 15;<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.


17. As referências bibliográficas deverão constar no final de cada artigo, organizadas segundo a ordem alfabética<br />

dos nomes dos autores mencionados e respeitar padrões da ABNT 2009, como segue no exemplo: SANTOS,<br />

Boaventura de Souza. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de<br />

Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. ;<br />

18. Os autores cedem os direitos autorais para a Faculdade de Direito da FAAP, que fica autorizada a publicá-los<br />

na Revista Juris.<br />

107


108<br />

Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.3, jan/junho. 2010.

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