Parnaso de Além-Túmulo - Autores EspÃritas Clássicos
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<strong>Parnaso</strong> <strong>de</strong><br />
ALÉM-TÚMULO<br />
Ditado por: ESPÍRITOS DIVERSOS<br />
Psicografado por:<br />
FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER
2 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Francisco Cândido Xavier<br />
Ditado por Espíritos diversos<br />
Primeira edição lançada em 1932<br />
Editora FEB – Fe<strong>de</strong>ração Espírita Brasileira<br />
www.febnet.org.br<br />
Digitalizada por:<br />
L. Neilmoris<br />
© 2009 – Brasil<br />
www.luzespirita.org.br
3 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
<strong>Parnaso</strong> <strong>de</strong><br />
ALÉM-TÚMULO<br />
Ditado por: ESPÍRITOS DIVERSOS<br />
Psicografado por:<br />
FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER
4 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Índice<br />
À guisa <strong>de</strong> prefácio — pag. 9<br />
Francisco Cândido Xavier — pag. 15<br />
Palavras minhas — pag. 16<br />
De pé, os mortos! — pag. 20<br />
1 – ABEL GOMES – Temos Jesus — pag. 22<br />
2 – A. G. Morte — pag. 23<br />
3 – ALBÉRICO LOBO Do meu porto — pag. 24<br />
4 – ALBERTO DE OLIVEIRA – Jesus Ajuda e passa Do último dia — pag. 25<br />
5 – ALFREDO NORA Carta ligeira — pag. 27<br />
6 – ALPHONSUS DE GUIMARÃENS Aos crentes – Redivivo Sinos Santa<br />
Virgo Vírginum — pag. 29<br />
7 – ALMA EROS O cálice – O irmão — pag. 32<br />
8 – ÁLVARO TEIXEIRA DE MACEDO Depois da festa — pag. 34<br />
9 – AMADEU () O mistério da morte — pag. 35<br />
10 – AMARAL ORNELLAS Ave Maria O Tempo — pag. 36<br />
11 – ANTERO DE QUENTAL Ciência ínfima Rainha do Céu – À morte <br />
Depois da morte – Soneto O Remorso – Soneto – Deus – Consolai – Crença Não<br />
choreis Mão divina Almas sofredoras Supremo engano – Incognoscível –<br />
Fatalida<strong>de</strong> Estranho concerto — pag. 38<br />
12 – ANTÔNIO NOBRE Quadras <strong>de</strong> um poeta morto Do Além – Soneto Ao<br />
mundo À Mocida<strong>de</strong> — pag. 48<br />
13 – ANTÔNIO TORRES Esquife do sonho Nada — pag. 54
5 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
14 – ARTUR AZEVEDO Miniaturas da Socieda<strong>de</strong> elegante — pag. 56<br />
15 – AUGUSTO DE LIMA O doce missionário O santo <strong>de</strong> Assis — pag. 58<br />
16 – AUGUSTO DOS ANJOS Voz do Infinito Vozes <strong>de</strong> uma sombra – Voz<br />
humana – Alma – Análise – Evolução – Homo Incógnita “Ego sum” Dentro da<br />
noite Homemcélula Na imensida<strong>de</strong> “Alter ego” – Aos fracos da vonta<strong>de</strong> Ao<br />
homem Matéria cósmica Raça adâmica – A subconsciência – Espírito Vida e<br />
morte Nos véus da carne Homem da Terra Nas sombras – Confissão Homemverme<br />
Gratidão a Leopoldina Civilização em ruínas A Lei A um observador<br />
materialista Ante o Calvário Atualida<strong>de</strong> — pag. 63<br />
17 – AUTA DE SOUZA Almas dilaceradas – Contrastes – Mágoa – Hora extrema<br />
Em paz Em êxtase – Mãe – Prece – A<strong>de</strong>us – Almas – Almas <strong>de</strong> virgens Carta<br />
íntima – Maria Mensagem fraterna Vin<strong>de</strong>! O Senhor vem — pag. 68<br />
18 – B. LOPES Miragens celestes – Cromos — pag. 97<br />
19 – BATISTA CEPELOS – Sonetos — pag. 100<br />
20 – BELMIRO BRAGA Rimas <strong>de</strong> Outro Mundo – Bilhetes Quadras — pag. 102<br />
21 – BITTENCOURT SAMPAIO À Virgem À Maria Às filhas da Terra À<br />
Virgem — pag. 107<br />
22 – CÁRMEN CINIRA Minha luz Aos Espíritos consoladores Cigarra morta <br />
Era uma vez. À Juventu<strong>de</strong> O viajor e a Fé O sinal Na noite <strong>de</strong> Natal — pag. 111<br />
23 – CASIMIRO CUNHA Na eterna luz – Anjinhos Ascensão – Quadras <br />
Supremacia da Carida<strong>de</strong> – Versos – Símbolo – Pensamentos espíritas Sombra e luz<br />
O beijo da morte O engano flores silvestres – Ao meu caro Quintão –<br />
Espiritismo Aos companheiros da Doutrina — pag. 120<br />
24 – CASIMIRO DE ABREU À minha terra A Terra – Lembranças –<br />
Recordando — pag. 134<br />
25 – CASTRO ALVES Marchemos! A Morte — pag. 141<br />
26 – CORNÉLIO BASTOS Não temas — pag. 147<br />
27 – CRUZ E SOUZA – Ansieda<strong>de</strong> – Heróis Aos torturados – A sepultura Anjos<br />
da Paz Alma livre “Gloria victis” Nossa mensagem Oração aos libertos – Céu<br />
Aos tristes Beleza da morte – Mensageiro – Se queres À dor Noutras eras –<br />
Sofre – Exaltação – Vozes – Soneto Glória da Dor Quanta vez I<strong>de</strong> e pregai –<br />
Carida<strong>de</strong> – Renúncia Tudo vaida<strong>de</strong> – Ouvime Felizes os que têm Deus Glória<br />
aos humil<strong>de</strong>s Aos trabalhadores do Evangelho — pag. 148
6 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
28 – EDMUNDO XAVIER DE BARROS – Vida Diante da Terra — pag. 164<br />
29 – EMÍLIO DE MENEZES Eu mesmo Aos meus amigos da Terra — pag. 166<br />
30 – FAGUNDES VARELA – Imortalida<strong>de</strong> — pag. 168<br />
31 – GUERRA JUNQUEIRO O padre João – Carida<strong>de</strong> – Romaria Eterna vitima <br />
A um padre “Um Quadro da Quaresma” — pag. 171<br />
32 – GUSTAVO TEIXEIRA A São Pedro <strong>de</strong> Piracicaba — pag. 189<br />
33 – HERMES FONTES – Soneto Minha vida Poema da amargura e da<br />
esperança — pag. 190<br />
34 – IGNÁCIO JOSÉ DE ALVARENGA PEIXOTO Redivivo — pag. 193<br />
35 – JESUS GONÇALVES Anjo <strong>de</strong> re<strong>de</strong>nção — pag. 195<br />
36 – JOÃO DE DEUS As lágrimas O Céu – Morrer O mau discípulo – Na<br />
estrada <strong>de</strong> Damasco <strong>Parnaso</strong> <strong>de</strong> AlémTúmulo – Angústia materna Lamentos do<br />
órfão O leproso – Bonda<strong>de</strong> – Oração A Fortuna – Oração – Além – Soneto A<br />
Prece – Fraternida<strong>de</strong> – Lembrai a chama – Eterna mensagem No Templo da<br />
Educação Na noite <strong>de</strong> Natal — pag. 196<br />
37 – JOSÉ DO PATROCÍNIO Nova Abolição — pag. 239<br />
38 – JOSÉ DURO Aos homens – Soneto — pag. 240<br />
39 – JOSÉ SILVÉRIO HORTA Oração — pag. 242<br />
40 – JÚLIO DINIZ O Esposo da Pobreza – Poesia Aves e anjos — pag. 246<br />
41 – JUVENAL GALENO – Pobres – Sextilhas De cá — pag. 248<br />
42 – LEÔNCIO CORREIA Sauda<strong>de</strong> — pag. 255<br />
43 – LUCINDO FILHO Sem sombras — pag. 256<br />
44 – LUIZ GUIMARÃES JÚNIOR – Soneto Voltando — pag. 257<br />
45 – LUIZ MURAT Além ainda — pag. 259<br />
46 – LUIZ PISTARINI No estranho portal — pag. 260<br />
47 – MARTA Nunca te isoles – Unida<strong>de</strong> No Templo da Morte – Jesus Lembrate<br />
do Céu Ao pé do altar Mãe das mães — pag. 261
7 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
48 – MÚCIO TEIXEIRA Honra ao trabalho — pag. 269<br />
49 – OLAVO BILAC Jesus ou Barrabás – Soneto No Horto – O beijo <strong>de</strong> Judas <br />
A crucificação Aos <strong>de</strong>screntes – I<strong>de</strong>al – Ressurreição – O Livro – Brasil — pag. 270<br />
50 – PEDRO DE ALCÂNTARA Meu Brasil No exílio – Rogativa – Soneto <br />
Página <strong>de</strong> gratidão Oração ao Cruzeiro Ban<strong>de</strong>ira do Brasil – Brasil do Bem <br />
Brasil — pag. 276<br />
51 – RAIMUNDO CORREIA Sonetos — pag. 281<br />
52 – RAUL DE LEONI – Luta Na Terra – Soneto – Nós “Post mortem” Soneto<br />
— pag. 283<br />
53 – RODRIGUES DE ABREU Vite, Senhor! No Castelo encantado — pag. 287<br />
54 – SOUZA CALDAS Ato <strong>de</strong> contrição Versão do Salmo 12 Versão do Salmo<br />
18 — pag. 291<br />
55 – UM DESCONHECIDO – Meditando O nobre castelão Nesga <strong>de</strong> Céu — pag.<br />
297<br />
56 – VALADO ROSAS Aos meus irmãos Na paz do Além — pag. 304
8 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
CONVITE:<br />
Convidamos você, que teve a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ler livremente esta obra, a<br />
participar da nossa campanha <strong>de</strong><br />
SEMEADURA DE LETRAS,<br />
que consiste em cada qual comprar um livro espírita,<br />
ler e <strong>de</strong>pois presenteálo a outrem,colaborando assim na<br />
divulgação do Espiritismo e incentivando as pessoas à boa leitura.<br />
Essa ação, certamente, ren<strong>de</strong>rá ótimos frutos.<br />
Abraço fraterno e muita LUZ para todos!<br />
www.luzespirita.org.br
9 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
À guisa <strong>de</strong> prefácio<br />
A teoria, tanto quanto a prática espírita, apresenta, aos leigos e inscientes,<br />
aspectos e modismos inéditos, imprevistos, bizarros, surpreen<strong>de</strong>ntes. Nos domínios<br />
da mediunida<strong>de</strong>, então, o reservatório <strong>de</strong> surpresas parece inesgotável e <strong>de</strong>sconcerta,<br />
e surpreen<strong>de</strong> até os observadores mais argutos e avisados.<br />
Se fôssemos minu<strong>de</strong>nciar, escarificar o assunto até às mais profundas<br />
raízes, po<strong>de</strong>ríamos concluir que o comércio <strong>de</strong> encarnados e <strong>de</strong>sencarnados, velho<br />
quanto o mundo, se indicia mais ou menos latente ou ostensivo, em todos os atos e<br />
feitos da Humanida<strong>de</strong>.<br />
Inspirações, i<strong>de</strong>ias súbitas ou pervicazes, sonhos, premonições e atos<br />
havidos por espontâneos e propriamente naturais, radicam muito e mais na<br />
influenciação dos Espíritos que nos cercam — por força e <strong>de</strong>rivativo da mesma lei<br />
<strong>de</strong> afinida<strong>de</strong> incoercível no plano físico, quanto no psíquico — do que a muitos<br />
po<strong>de</strong>ria parecer.<br />
E assim como se não <strong>de</strong>sloca nem se precipita, isoladamente, um Átomo no<br />
concerto si<strong>de</strong>ral dos mundos infinitos, assim também não há pensamento, i<strong>de</strong>ia,<br />
sentimento, isolados no conceito consciencial dos seres inteligentes, que atualizam e<br />
vivificam o pensamento divino, em ascese in<strong>de</strong>finida — semper ascen<strong>de</strong>ns...<br />
É o que fazia dizer a Luisa Michel: “um ser que morre, uma folha que cai,<br />
um mundo que <strong>de</strong>saparece, não são, nas harmonias eternas, mais que um silêncio<br />
necessário a um ritmo que não conhecemos ainda”.<br />
Mas, não há daí concluir que a criatura humana se reduza à condição <strong>de</strong><br />
autômato, sem vonta<strong>de</strong> e sem arbítrio, porque nada à revelia da Lei se verifica; e no<br />
jogo <strong>de</strong>ssa atuação constante, o ascen<strong>de</strong>nte dos <strong>de</strong>sencarnados não vai além das<br />
lin<strong>de</strong>s assinadas pela Providência; não ultrapassa, jamais, a capacida<strong>de</strong> receptiva do<br />
percipiente, seja para o bem, seja para o mal.<br />
* * *<br />
Não é, contudo, <strong>de</strong>sse mediunismo sutil, intrínseco, consubstancial à<br />
natureza humana, que importa tratar aqui. Nem remontaríamos aos filões da História<br />
para consi<strong>de</strong>rarlhe a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> aos tempos da Índia, do Egito, da Grécia, das Gálias<br />
e <strong>de</strong> Roma. em trânsito para a Ida<strong>de</strong> Média, na qual os médiuns eram imolados ao<br />
mais estúpido dos fanatismos — o religioso. Hoje, fogueira e potro foram<br />
substituídos pela difamação, pelo ridículo alvar, pago em boa espécie monetária, ou<br />
ainda pelo cerco caviloso e interditório <strong>de</strong> quaisquer vantagens sociais.<br />
A luta tornouse incruenta, mas, nem por isso, menos áspera e porfiosa.
10 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Assoalhase que a mediunida<strong>de</strong> é fonte <strong>de</strong> mercantilismo: entretanto,<br />
nenhum gran<strong>de</strong> médium, que o saibamos, chegou a acumular fortuna e rendimentos.<br />
Muitos, ao invés, quais Home, Sla<strong>de</strong>. Eusápia e d’Espérance, morreram paupérrimos<br />
e, o que mais é, tendo a panejarlhes a memória o labéu <strong>de</strong> charlatães.<br />
Mas houvesse <strong>de</strong> fato esse mercantilismo e nunca se justificaria, senão por<br />
abusivo e espúrio, <strong>de</strong> vez que a Doutrina o não autoriza, sequer por hipótese.<br />
Porque, na verda<strong>de</strong>, assim se escreve a História e o maior dos médiuns, o Médium<br />
<strong>de</strong> Deus, só escapou ao estigma da posterida<strong>de</strong> pela porta escusa do concílio <strong>de</strong><br />
Nicéia, numa divinização acomodaticia e rendosa ao formigamento parasitário e<br />
onímodo dos Constantinos, que, ainda hoje, lhe exploram os feitos e o nome<br />
augusto, com bulas políticas <strong>de</strong> vulpina retórica, factícios pruridos <strong>de</strong> grosseira<br />
mistificação, em bonsolatrias <strong>de</strong> cimento armado.<br />
Entretanto, como a confirmar a tradição — “os Santos Apóstolos foram, em<br />
sua maioria, humil<strong>de</strong>s pescadores” — e não só a tradição como a sentença <strong>de</strong> que os<br />
últimos seriam os primeiros —, não vêm hoje os vexilários da Verda<strong>de</strong> trazêla aos<br />
magnatas da Terra. aos príncipes dos sacerdotes, escribas e fariseus hodiernos,<br />
disputantes à compita da magnífica carapuça e eles talhada e ajustada. <strong>de</strong> vinte<br />
séculos, no capitulo 23 <strong>de</strong> Mateus.<br />
Ao contrário, esses esculcas do Além parece preterirem os operários<br />
mo<strong>de</strong>stos, mo<strong>de</strong>stos e rústicos, rústicos e bons, como tão sutilmente os <strong>de</strong>fine o Eça<br />
em magistral mensagem: “Tipos originais, mãos calosas que se entregam aos ru<strong>de</strong>s<br />
trabalhos braçais, a fazerem a literatura do alémtúmulo; homens a que Tartufo<br />
chama bruxos e Esculápio qualifica <strong>de</strong> basbaques, mistificadores, ou simples casos<br />
patológicos a estudar...”<br />
É verda<strong>de</strong> tudo isso; mas. Convenhamos, também o é para maior glória <strong>de</strong><br />
Deus.<br />
Não ignoramos que homens <strong>de</strong> alta cultura e renome científico têm versado<br />
o assunto, investigado, perquirido e proclamado a verda<strong>de</strong>, acima e além das<br />
conveniências e preconceitos políticos, científicos, religiosos. Nomeálos aqui, seria<br />
fastidioso quanto inútil.<br />
O vulgo que não lê, ou que lê pela cartilha do Sr. vigário nos conselhos<br />
privados da família beata, não <strong>de</strong>itaria os seráficos olhares a estas páginas e seguiria,<br />
clamoroso ou contente, <strong>de</strong> qualquer forma inconsciente, — infinitus stultorum<br />
numerus — a <strong>de</strong>rrota do seu calvário, no melhor dos mundos, à Pangloss.<br />
O outro, o vulgo que lê e compreen<strong>de</strong>, mas para o qual o magister dixit é a<br />
melhor fórmula <strong>de</strong> concessão e acomodação consigo mesmo, estômago e vísceras<br />
em função, sofra a quem sofrer, doa a quem doer — esse, basofiando ciência em<br />
gestos largos <strong>de</strong> animalida<strong>de</strong> superior, se estas linhas chegasse a ler, haveria <strong>de</strong><br />
esboçar aquele sorriso fino e bom que Bonnemére não sabia <strong>de</strong>finir se seria <strong>de</strong><br />
Voltaire, ou do mais refinado dos idiotas...<br />
* * *<br />
Adiante, pois, na tarefa nada espartana <strong>de</strong> apresentar esta prova opima das<br />
esmolas <strong>de</strong> luz que nos chegam em revoada <strong>de</strong> graças, a enchernos o coração <strong>de</strong><br />
alvissareiras esperanças.
11 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Quem quiser certezas maiores, explanações técnicas e eruditas do<br />
fenômeno em apreço, que as procure no livro Do País da Luz, obra similar, editada<br />
há uma vintena <strong>de</strong> anos. psicografada pelo médium português Fernando <strong>de</strong> Lacerda,<br />
e que fez, nas rodas profanas <strong>de</strong> Lisboa, o mais ruidoso sucesso. Nessa obra, o<br />
ilustre Dr. Sousa Couto, em magistral prefácio, esgotou o assunto ao encarálo sob<br />
todos os prismas <strong>de</strong> uma severa crítica, para concluir pela transcendência do<br />
fenômeno, rebel<strong>de</strong> a todos os métodos <strong>de</strong> classificação científica e, sem embargo.<br />
realíssimo em sua especificida<strong>de</strong>.<br />
Pois, a nosso ver, maior é o mérito, por mais opulenta a polpa mediúnica,<br />
<strong>de</strong>sta obra. É que lá em Do Pais da Luz, avulta a prosa, com raras exceções; ao passo<br />
que aqui <strong>de</strong>sborda o verso, mais original, mais difícil, mais precioso como índice <strong>de</strong><br />
autenticida<strong>de</strong> autoral.<br />
Lá, as mensagens características são exclusivas <strong>de</strong> escritores lusos, únicas<br />
que po<strong>de</strong>m, a rigor, i<strong>de</strong>ntificar pelo estilo os seus autores. As <strong>de</strong> Napoleão 1º, Teresa<br />
<strong>de</strong> Jesus, etc., são incontestavelmente belas no fundo e na forma, mas não<br />
características <strong>de</strong> tais entida<strong>de</strong>s. Aqui, pelo contrário, não só concorrem poetas<br />
brasileiros e portugueses, como retinem cristalinas e contrastantes as mais variadas<br />
formas literárias, como a facilitarem <strong>de</strong> conjunto a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> cada um.<br />
Romantismo. Condoreirismo, Parnasianismo, Simbolismo, aí se ostentam<br />
em louçanias <strong>de</strong> sons e <strong>de</strong> cores, para afirmar não mais subjetiva, mas<br />
objetivamente, a sobrevivência dos seus intérpretes. É ler Casimiro e reviver<br />
Primaveras; é recitar Castro Alves e sentir Espumas flutuantes; é <strong>de</strong>clamar<br />
Junqueiro e lembrar a Morte <strong>de</strong> Dom João; é frasear Augusto dos Anjos e evocar Eu.<br />
Senão, vejamos:<br />
Oh! que clarão <strong>de</strong>ntro d’alma.<br />
Constantemente cismando.<br />
O pensamento sonhando<br />
E o coração a cantar,<br />
Na <strong>de</strong>licada harmonia<br />
Que nascia da beleza,<br />
Do ver<strong>de</strong> da Natureza,<br />
Do ver<strong>de</strong> do lindo mar!<br />
É Casimiro...<br />
Há mistérios peregrinos<br />
No mistério dos <strong>de</strong>stinos<br />
Que nos mandam renascer;<br />
Da luz do Criador nascemos.<br />
Múltiplas vidas vivemos,<br />
Para à mesma luz volver.<br />
É Castro Alves...<br />
Pairava na amplidão estranho resplendor.<br />
A Natureza Inteira em lúcida poesia<br />
Repousava, feliz, nas preces da harmonia!...<br />
Era o festim do amor,
12 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
No firmamento em luz,<br />
Que celebrava<br />
A gran<strong>de</strong>za <strong>de</strong> uma alma que voltava<br />
Ao redil <strong>de</strong> Jesus.<br />
É Junqueiro...<br />
Descansa, agora vibrião das ruínas.<br />
Esquece o verme, as carnes, os estrumes.<br />
Retemperate em meio dos perfumes<br />
Cantando à luz das amplidões divinas.<br />
É Augusto dos Anjos.<br />
E todos, todos os mais, aí estão vivos, ar<strong>de</strong>ntes, inconfundíveis na<br />
modulação <strong>de</strong> suas liras encantadas e <strong>de</strong>cantadas.<br />
E na prosa — exceto a Fernando <strong>de</strong> Lacerda, cujo estilo não temos<br />
elementos para i<strong>de</strong>ntificar — o mesmo traço <strong>de</strong> originalida<strong>de</strong> personalíssima se<br />
impõe.<br />
Duvidamos que o mais solerte plumitivo, o mais Intelectual dos nossos<br />
literatos consiga imitar, sequer, ainda que premeditadamente, esta produção. E isto o<br />
dizemos porque o médium Xavier, um quase adolescente, sem lastro, portanto, <strong>de</strong><br />
gran<strong>de</strong> cultura e treino poético, recebea <strong>de</strong> jacto, e mais — quando <strong>de</strong> alguns<br />
autores não conhece uma estrofe!<br />
É extraordinário, será maravilhoso, mas é a verda<strong>de</strong> nua e crua; verda<strong>de</strong><br />
que, qual a Luz. não po<strong>de</strong> ficar <strong>de</strong>baixo do alqueire. Foi por assim pensarmos que<br />
conseguimos vencer a relutância do médium em sua natural modéstia para lançar ao<br />
público, em geral, e aos confra<strong>de</strong>s, em particular, esta obra mediúnica, que, certo<br />
estamos, ficará como baliza fulgurante, na história a tracejar do Espiritismo em<br />
nossa pátria.<br />
* * *<br />
Mas, perguntarão: — quem é Francisco Cândido Xavier Será um rapaz<br />
culto, um bacharel formado, um acadêmico, um rotulado <strong>de</strong>sses que por ai vão<br />
felicitando a Família, a Pátria e a Humanida<strong>de</strong><br />
Nada disso.<br />
O médium polígrafo Xavier é um rapaz <strong>de</strong> 21 anos, um quase adolescente,<br />
nascido ali assim em Pedro Leopoldo, pequeno rincão do Estado <strong>de</strong> Minas. Filho <strong>de</strong><br />
pais pobres, não pô<strong>de</strong> ir além do curso primário <strong>de</strong>ssa pedagogia incipiente e<br />
rotineira, que faz do mestreescola, em tese, um galopim eleitoral e não vai, também<br />
em tese, muito além das quatro operações e da leitura corrida, com borrifos <strong>de</strong><br />
catecismo católico, <strong>de</strong> contrapeso.<br />
Órfão <strong>de</strong> mãe aos 5 anos, o pai infenso a literatices e, ao <strong>de</strong>mais, pramido<br />
pelo ganhapão, é bem <strong>de</strong> verse que não teve, que não podia ter o estímulo<br />
ambiente, nem uma problemática hereditarieda<strong>de</strong>, nem um, nem <strong>de</strong>z cireneus que o<br />
conduzissem por tortuosos e torturantes labirintos <strong>de</strong> acesso aos altanados paços do<br />
Olimpo para o Idílico convívio <strong>de</strong> Caliope e Polímnia.
13 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Tudo isso é o próprio médium quem nolo diz, em linguagem eloquente,<br />
porque simples como a própria alma cedo esfolhada <strong>de</strong> sonhos e ilusões, para não<br />
preten<strong>de</strong>r colimar renomes literários. Ao lhe formularmos um questionário que nos<br />
habilitasse a pôr <strong>de</strong> plano estes <strong>de</strong>talhes essenciais — <strong>de</strong> vez que, em obra <strong>de</strong>ste<br />
quilate o que se impõe não é a apresentação dos operários, mas da ferramenta por<br />
eles utilizada, tanto quanto do seu manuseio; e não querendo, por outro lado,<br />
endossar um fenômeno cuja ascendência sobejamente conhecemos para não refusar,<br />
mas, cujo flagrante não presenciamos — ele, o médium, veio “candidamente” ao<br />
nosso encontro com Palavras minhas, nas quais estereotipa a sua figura moral, tanto<br />
quanto retrata as Impressões psicofísicas que lhe causa o fenômeno.<br />
Nós mesmo vimos, certa vez, em São Paulo, o médium Mirabelli cobrir<br />
<strong>de</strong>zoito laudas <strong>de</strong> papel almaço, no exíguo tempo <strong>de</strong> 13 minutos marcados a relógio,<br />
enquanto conosco discreteava em idioma diverso da mensagem escrita.<br />
É um fato. Do seu mecanismo intrínseco e extrínseco, porém, nada nos<br />
disse o médium.<br />
Agora, diznos este que também as produções são recebidas <strong>de</strong> jacto.<br />
Não há i<strong>de</strong>ação prévia, não há enca<strong>de</strong>amento <strong>de</strong> raciocínios, fixação <strong>de</strong><br />
imagens. É tudo inesperado, explosivo, torrencial!<br />
Do que escreve e sabe que está escrevendo, também sabe que não pensou e<br />
não seria capaz <strong>de</strong> escrever. Há vocábulos <strong>de</strong> étimo que <strong>de</strong>sconhece; há fatos e<br />
recursos <strong>de</strong> hermenêutica, figuras <strong>de</strong> retórica, que ignora; teorias científicas,<br />
doutrinas, concepções filosóficas das quais nunca ouviu falar, <strong>de</strong> autores também<br />
ignorados e jamais lidos!<br />
Como explicar, como <strong>de</strong>finir e transfixar a captação, a realização essencial<br />
do fenômeno<br />
Só o médium po<strong>de</strong>ria fazêlo, e Isso ele o faz a seguir, <strong>de</strong> maneira<br />
impressionante, e <strong>de</strong> modo a satisfazer aos familiares da Doutrina. Aos outros, aos<br />
cépticos, ficalhes a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> conjeturar, para melhor explicar, sem contudo<br />
negar, porque o fato aí está na plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua realida<strong>de</strong>, e um fato, por mais<br />
insólito que seja, vale sempre por mil e uma teorias, que nada explicam, antes<br />
complicam...<br />
* * *<br />
Como nota final aos argos da crítica, Catões e Zoilos <strong>de</strong> compasso e metro,<br />
faisqueiros <strong>de</strong> nugas e nicas, na volúpia <strong>de</strong> escandir quand même, diremos que,<br />
encarregado <strong>de</strong> apresentar esta obra, não nos dispusemos a escoimála <strong>de</strong> possíveis<br />
<strong>de</strong>feitos <strong>de</strong> técnica, não só por nos falecer autorida<strong>de</strong> e competência, como por<br />
julgar que tal ousio seria uma profanação.<br />
Tratase, precípuamente, <strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong> I<strong>de</strong>ntificação autoral, e <strong>de</strong><br />
entida<strong>de</strong>s hoje mais lúcidas e respeitáveis do que porventura o foram aqui na Terra.<br />
Tal como nolo <strong>de</strong>ram, esse trabalho melhor correspon<strong>de</strong> à sua finalida<strong>de</strong><br />
altíssima, e o que a legitima ética doutrinária aponta é que quaisquer lacunas, ou<br />
tallscas, <strong>de</strong>vem ser atribuídas ou irrogadas ao possivelmente precário aparelhamento<br />
<strong>de</strong> transmissão, ou a fatores outros, em suma, que mal po<strong>de</strong>mos imaginar e que, no<br />
entanto, racional e logicamente <strong>de</strong>vem existir, mais sutis e <strong>de</strong>licados do que esses
14 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
que, amiú<strong>de</strong>, ocorrem na telepatia, na radiofonia, em tudo, enfim, que participa do<br />
meio físico contingente.<br />
Que os arautos da Boa Nova aqui escalonados, por vindos <strong>de</strong> tão alto, nos<br />
perdoem a vacuida<strong>de</strong> e a insulsice <strong>de</strong>stas linhas, e que os leitores <strong>de</strong> boa vonta<strong>de</strong> as<br />
<strong>de</strong>sprezem como Inúteis, para só apreçarem a obra que ora lhes apresentamos, na<br />
pauta evangélica que diz: — A árvore se conhece pelo fruto.<br />
M. Quintão 1<br />
1 MANUEL Justiniano <strong>de</strong> Freitas QUINTÃO, nascido em 28 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1874, na Estação <strong>de</strong> Quirino,<br />
Marquês <strong>de</strong> Valença, RJ, e <strong>de</strong>sencarnado em 16 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1954, no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Foi guardalivros,<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> lutar com imensas dificulda<strong>de</strong>s, como jovem sem recursos financeiros, nas posições mais<br />
mo<strong>de</strong>stas do comércio. Chefe <strong>de</strong> família numerosíssima, Estudioso incansável, conseguiu, como<br />
autodidata, invejável cultura humanística. Foi jornalista. Ingressou na FEB em 1903, Integrandolhe o<br />
quadro social por 44 anos. Médium curador e espírita militante durante mais <strong>de</strong> meio século, exerceu<br />
cargos na Diretoria da Fe<strong>de</strong>ração Espírita Brasileira ao longo <strong>de</strong> vários <strong>de</strong>cênios, Inclusive a Presidência<br />
nos anos 1915, 1918. 1919 e 1929. Como membro do “Grupo Ismael” foi sempre dos mais assíduos e<br />
proficientes no estudo do Evangelho <strong>de</strong> Jesus. Traduziu diversos livros espíritas e publicou alguns <strong>de</strong> sua<br />
autoria, muito apreciados, <strong>de</strong>ntre eles “Cinzas do meu Cinzeiro” (coletânea <strong>de</strong> trabalhos publicados no<br />
“Reformador”) O Cristo <strong>de</strong> Deus. este último editado pela FEB. Em 1939, escreveu notas autobiográficas<br />
en<strong>de</strong>reçadas ao Reformador, para serem publicadas após a sua <strong>de</strong>sencarnação: estão estampadas na edição<br />
<strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1955. (Nota do Editor)
15 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Francisco Cândido Xavier<br />
Nasceu em Pedro Leopoldo, MG, em 2 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1910, on<strong>de</strong> residiu até<br />
<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1958. Transferiuse para Uberaba, MG, em janeiro <strong>de</strong> 1959. Filho <strong>de</strong><br />
João Cândido Xavier e <strong>de</strong> Maria João <strong>de</strong> Deus, <strong>de</strong>sencarnados em 1960 e 1915,<br />
respectivamente. Aposentouse como funcionário público fe<strong>de</strong>ral.<br />
Médium <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> ininterrupta há quase meio século, publicou, através<br />
da CasaMáter do Espiritismo — a Fe<strong>de</strong>ração Espírita Brasileira —, em julho <strong>de</strong><br />
1932, o PARNASO DE ALÉMTÚMULO, primeiro livro <strong>de</strong> suas faculda<strong>de</strong>s<br />
mediúnicas e já em 9ª edição. Seguiramselhe mais <strong>de</strong> 110 livros mediúnicos,<br />
diversos <strong>de</strong>les publicados em Esperanto, Castelhano, Japonês, Inglês e Francês. Os<br />
romances psicografados (entre eles Paulo e Estêvão, Há Dois Mil Anos... e<br />
Renúncia) são periodicamente radiofonizados e televisionados.<br />
Criatura simples, afável e operosa, jamais se beneficiou dos direitos<br />
autorais da sua vasta produção mediúnica. Respeitado e estimado em todo o Brasil,<br />
on<strong>de</strong> é popularíssimo, goza ele ainda <strong>de</strong> sincera admiração em outros países. Viajou<br />
para o exterior algumas vezes, sempre no exercício do seu mediunato.
16 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Palavras minhas<br />
Nasci em Pedro Leopoldo. Minas, em 1910. E até aqui, julgo que os meus<br />
atos perante a socieda<strong>de</strong> da minha terra são expressões do pensamento <strong>de</strong> uma alma<br />
sincera e leal, que acima <strong>de</strong> tudo ama a verda<strong>de</strong>; e creio mesmo que todo os que me<br />
conhecem po<strong>de</strong>m dar testemunho da minha vida repleta <strong>de</strong> árduas dificulda<strong>de</strong>s, e<br />
mesmo <strong>de</strong> sofrimentos.<br />
Filho <strong>de</strong> um lar muito pobre, órfão <strong>de</strong> mãe aos cinco anos, tenho<br />
experimentado toda a classe <strong>de</strong> aborrecimentos na vida e não venho ao campo da<br />
publicida<strong>de</strong> para fazer um nome, porque a dor há muito já me convenceu da<br />
inutilida<strong>de</strong> das bagatelas que são ainda tão estimadas neste mundo. E, se <strong>de</strong>cidi<br />
escrever estas mo<strong>de</strong>stas palavras no limiar <strong>de</strong>ste livro, é apenas com o intuito <strong>de</strong><br />
elucidar o leitor, quanto à sua formação.<br />
Começarei por dizerlhe que sempre tive o mais pronunciado pendor para a<br />
literatura; constantemente, a melhor boa vonta<strong>de</strong> animoume para o estudo.<br />
Mas, estudar como<br />
Matriculandome, quando contava oito anos, num grupo escolar, pu<strong>de</strong><br />
chegar até ao fim do curso primário, estudando apenas uma pequena parte do dia e<br />
trabalhando numa fábrica <strong>de</strong> tecidos, das quinze horas às duas da manhã; cheguei<br />
quase a adoecer com um regime tão rigoroso; porém, essa situação modificouse em<br />
1923, quando então consegui um emprego no comércio, com um salário diminuto,<br />
on<strong>de</strong> o serviço dura das sete às vinte horas, mas on<strong>de</strong> o trabalho é menos ru<strong>de</strong>,<br />
prolongandose esta minha situação até os dias da atualida<strong>de</strong>.<br />
Nunca pu<strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r senão alguns rudimentos <strong>de</strong> aritmética, história e<br />
vernáculo, como o são as lições das escolas primárias. É verda<strong>de</strong> que, em casa,<br />
sempre estu<strong>de</strong>i o que pu<strong>de</strong>, mas meu pai era completamente avesso à minha vocação<br />
para as letras, e muitas vezes tive o <strong>de</strong>sprazer <strong>de</strong> ver os meus livros e revistas<br />
queimados.<br />
Jamais tive autores prediletos; aprazemme todas as leituras e mesmo nunca<br />
pu<strong>de</strong> estudar estilos dos outros, por diferençar muito pouco essas questões. Também<br />
o meio em que tenho vivido foi sempre árido, para mim, neste ponto. Os meus<br />
familiares não estimulavam, como verda<strong>de</strong>iramente não po<strong>de</strong>m, os meus <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong><br />
estudar, sempre a braços, como eu. com uma vida <strong>de</strong> múltiplos trabalhos e<br />
obrigações e nunca se me ofereceu ocasião <strong>de</strong> conviver com os intelectuais da minha<br />
terra.<br />
O meu ambiente, pois, foi sempre alheio à literatura; ambiente <strong>de</strong> pobreza,<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>sconforto, <strong>de</strong> penosos <strong>de</strong>veres, sobrecarregado <strong>de</strong> trabalhos para angariar o pão<br />
cotidiano, on<strong>de</strong> se não po<strong>de</strong> pensar em letras.
17 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Assim têmse passado os dias sem que eu tenha podido, até hoje, realizar as<br />
minhas esperanças.<br />
Prosseguindo nas minhas explicações, <strong>de</strong>vo esclarecer que minha família<br />
era católica e eu não podia escapar aos sentimentos dos meus. Fui pois criado com<br />
as teorias da igreja, frequentandoa mesmo com amor, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos <strong>de</strong> criança;<br />
quando ia às aulas <strong>de</strong> catecismo era para mim um prazer.<br />
Até 1927, todos nós não admitíamos outras verda<strong>de</strong>s além das proclamadas<br />
pelo Catolicismo; mas, eis que uma das minhas irmãs, em maio do ano referido, foi<br />
acometida <strong>de</strong> terrível obsessão; a medicina foi impotente para conce<strong>de</strong>rlhe uma<br />
pequenina melhora, sequer. Vários dias consecutivos foram, para nossa casa, Pioras<br />
<strong>de</strong> amargos pa<strong>de</strong>cimentos morais. Foi quando <strong>de</strong>cidimos solicitar o auxílio <strong>de</strong> um<br />
distinto amigo, espírita convicto, o Sr. José Hermínio Perácio, que caridosamente se<br />
prontificou a ajudarnos com a sua boa vonta<strong>de</strong> e o seu esforço. Verda<strong>de</strong>iro<br />
discípulo do Evangelho, ofereceunos até a sua residência, bem distante da nossa,<br />
tanto à sua família, on<strong>de</strong> então, num ambiente totalmente modificado, po<strong>de</strong>ria ela<br />
estudar as bases da doutrina espírita, orientandose quanto aos seus <strong>de</strong>veres,<br />
<strong>de</strong>senvolvendo, simultaneamente, as suas faculda<strong>de</strong>s mediúnicas. Aí, sob os seus<br />
caridosos cuidados e da sua Excelentíssima esposa Dona Carmen Pena Perácio,<br />
médium dotada <strong>de</strong> raras faculda<strong>de</strong>s, minha irmã Háuria, para nosso benefício, os<br />
ensinamentos sublimes da formosa doutrina dos mensageiros divinos; foi nesse<br />
ambiente on<strong>de</strong> imperavam os sentimentos cristãos <strong>de</strong> dois corações profundamente<br />
generosos, como o são os daqueles confra<strong>de</strong>s a que me referi, que a minha mãe, que<br />
regressara ao Além em 1915, <strong>de</strong>ixandonos mergulhados em imorredoura sauda<strong>de</strong>,<br />
começou a ditarnos os seus conselhos salutares, por intermédio da esposa do nosso<br />
amigo, entrando em pormenores da nossa vida íntima, que essa senhora <strong>de</strong>sconhecia.<br />
Até a grafia era absolutamente igual à que a nossa genitora usava, quando na Terra.<br />
Sobre esses fatos e essas provas irrefutáveis solidificamos a nossa fé, que se<br />
tornou inabalável. Em breve minha irmã regressava ao nosso lar cheia <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e<br />
feliz, integrada no conhecimento da luz que <strong>de</strong>veria daí por diante nortear os nossos<br />
passos na vida.<br />
Resolvemos, então, com ingentes sacrifícios, reunir um núcleo <strong>de</strong> crentes<br />
para estudo e difusão da doutrina, e foi nessas reuniões que me <strong>de</strong>senvolvi como<br />
médium escrevente, semimecãnico, sentindome muito feliz por se me apresentar<br />
essa oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> progredir, datando daí o ingresso do meu humil<strong>de</strong> nome nos<br />
jornais espíritas, para on<strong>de</strong> comecei a escrever sob a Inspiração dos bondosos<br />
mentores espirituais que nos assistiam. 2<br />
Daí a pouco, a nossa alegria aumentava, pois o nosso confra<strong>de</strong> José<br />
Hermínio Perácio, em companhia <strong>de</strong> sua esposa, <strong>de</strong>liberou fixar residência junto a<br />
nós, e as nossas reuniões tiveram resultados melhores, controladas pela sua senhora,<br />
alma nobilíssima, ornada das mais superiores qualida<strong>de</strong>s morais e que, entre as suas<br />
mediunida<strong>de</strong>s, conta com mais <strong>de</strong>senvolvimento a clariaudiência. Nossas reuniões<br />
contavam, assim, gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> assistentes, porém, a moral profunda que era<br />
ensinada, baseada nas páginas esplendorosas do Evangelho <strong>de</strong> Jesus, parece que<br />
2 Só nos últimos dias <strong>de</strong> 1931, com a graça <strong>de</strong> Deus, <strong>de</strong>senvolveramse em mim, <strong>de</strong> maneira clara e mais<br />
intensamente, a vidência, a audição e outras faculda<strong>de</strong>s mediúnicas. — (Nota do médium para a 4ª edição,<br />
em 1944.)
18 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
pesava muito, como acontece na opinião <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> maioria <strong>de</strong> almas da nossa época,<br />
quase sempre inclinadas para as futilida<strong>de</strong>s mundanas, e, <strong>de</strong>corridos dois anos, os<br />
assistentes <strong>de</strong> nossas sessões <strong>de</strong> estudos escassearam, chegando ao número <strong>de</strong> quatro<br />
ou cinco pessoas, o que perdura até hoje.<br />
Não <strong>de</strong>sanimamos, contudo, prosseguindo em nossas reuniões, constituindo<br />
para nós uma fonte <strong>de</strong> consolações isolarmonos das coisas terrenas em nosso<br />
recanto <strong>de</strong> prece, para a comunhão com os nossos <strong>de</strong>svelados amigos do Além.<br />
Continuei recebendo as i<strong>de</strong>ias dos mesmos amigos <strong>de</strong> sempre, nas reuniões,<br />
psicografandoas, e que eram continuamente fragmentos <strong>de</strong> prosa sobre os<br />
Evangelhos. Somente duas vezes recebi comunicações em versos simples.<br />
Em agosto, porém, do corrente ano, apesar <strong>de</strong> muito a contragosto <strong>de</strong> minha<br />
parte, porque jamais nutri a pretensão <strong>de</strong> entrar em contacto com essas entida<strong>de</strong>s<br />
elevadas, por conhecer as minhas imperfeições, comecei a receber a série <strong>de</strong> poesias<br />
que aqui vão publicadas, assinadas por nomes respeitáveis.<br />
Serão das personalida<strong>de</strong>s que as assinam — é o que não posso afiançar, O<br />
que posso afirmar, categoricamente, é que, em consciência, não posso dizer que são<br />
minhas, porque não <strong>de</strong>spendi nenhum esforço intelectual ao grafálas no papel. A<br />
sensação que sempre senti, ao escrevêlas, era a <strong>de</strong> que vigorosa mão impulsionava a<br />
minha. Doutras vezes, pareciame ter em frente um volume imaterial, on<strong>de</strong> eu as lia<br />
e copiava; e, doutras, que alguém mas ditava aos ouvidos, experimentando sempre<br />
no braço, ao psicografálas, a sensação <strong>de</strong> fluidos elétricos que o envolvessem,<br />
acontecendo o mesmo com o cérebro, que se me afigurava invadido por incalculável<br />
número <strong>de</strong> vibrações in<strong>de</strong>finíveis.<br />
Certas vezes, esse estado atingia o auge, e o interessante é que pareciame<br />
haver ficado sem o corpo, não sentindo, por momentos, as menores impressões<br />
físicas, e o que experimento, fisicamente, quanto ao fenômeno que se produz<br />
frequentemente comigo.<br />
Julgo do meu <strong>de</strong>ver <strong>de</strong>clarar que nunca evoquei quem quer que fosse; essas<br />
produções chegaramme sempre espontaneamente, sem que eu ou meus<br />
companheiros <strong>de</strong> trabalhos as provocássemos e jamais se pronunciou, em particular,<br />
o nome <strong>de</strong> qualquer dos comunicantes, em nossas preces.<br />
Passavamse ás vezes mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z dias, sem que se produzisse escrito<br />
algum, e dia houve em que se receberam mais <strong>de</strong> três produções literárias <strong>de</strong> uma só<br />
vez. Gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>las foram escritas fora das reuniões e tenho tido ocasião <strong>de</strong><br />
observar que, quanto menor o número <strong>de</strong> assistentes, melhor o resultado obtido.<br />
Muitas vezes, ao recebermos uma <strong>de</strong>stas páginas, era necessário<br />
recorrermos a dicionários, para sabermos os respectivos sinônimos das palavras nela<br />
empregadas, porque tanto eu como os meus companheiros as <strong>de</strong>sconhecíamos em<br />
nossa Ignorância, julgando minha obrigação, frisar aqui também, que, apesar <strong>de</strong> todo<br />
o meu bom <strong>de</strong>sejo, jamais obtive outra coisa, na fenomenologia espírita, a não ser<br />
esses escritos. 3<br />
3<br />
Ao escrever estas palavras, o Autor não se lembrou <strong>de</strong> que as suas relações constantes com Espíritos<br />
<strong>de</strong>sencarnados, mantidas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os 5 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, pertencem igualmente à fenomenologia espírita.<br />
Pensou em tenomenologia somente como prática consciente da mediunida<strong>de</strong> nas sessões espíritas; mas<br />
todas as pessoas <strong>de</strong> sua intimida<strong>de</strong> sabem que ele, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a infância. confun<strong>de</strong> os habitantes dos dois<br />
mundos e muitas vezes pergunta ao amigo que esteja passeando com ele “Estás vendo ali um homem <strong>de</strong>
19 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Devo salientar o precioso concurso da bondosa médium Sra. Cármen P.<br />
Perácio, que através da sua maravilhosa clariaudiência me auxiliou muitíssimo,<br />
transmitindome as advertências e opiniões dos nossos caros mentores espirituais, e<br />
ainda o carinhoso interesse do distinto confra<strong>de</strong> Sr. M. Quintão, que tem sido <strong>de</strong><br />
uma boa vonta<strong>de</strong> admirável para comigo, não poupando esforços para que este<br />
<strong>de</strong>spretensioso volume viesse à luz da publicida<strong>de</strong>.<br />
E aqui termino.<br />
Terei feito compreen<strong>de</strong>r, a quem me lê, a verda<strong>de</strong> como <strong>de</strong> fato ela é Creio<br />
que não. Em alguns <strong>de</strong>spertarei sentimentos <strong>de</strong> pieda<strong>de</strong> e, noutros, rizinhos<br />
ridiculizadores. Há <strong>de</strong> haver, porém, alguém que encontre consolação nestas páginas<br />
humil<strong>de</strong>s. Um <strong>de</strong>sses que haja, entre mil dos primeiros, e doume por compensado<br />
do meu trabalho.<br />
A todos eles, todavia, os meus saudares, com os meus agra<strong>de</strong>cimentos<br />
intraduzíveis aos boníssimos mentores do Além, que Inspiraram esta obra, que<br />
generosamente se dignaram não reparar as minhas incontáveis imperfeições,<br />
transmitindo, por intermédio <strong>de</strong> Instrumento tão mesquinho, os seus salutares<br />
ensinamentos.<br />
Pedro Leopoldo, <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1931.<br />
Francisco Cândido Xavier<br />
barbas brancas, etc.” Pela resposta do companheiro é que ele fica sabendo se está, diante <strong>de</strong> um habitante<br />
do nosso mundo ou <strong>de</strong> habitante do mundo espiritual. Também isso são fenômenos espíritas. — A<br />
Editora.
20 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
De pé, os mortos!<br />
Pe<strong>de</strong>me você uma palavra para o intróito do “<strong>Parnaso</strong> <strong>de</strong> AlémTúmulo”,<br />
que aparecerá brevemente em nova edição. 4 A tarefa é difícil. Nas minhas atuais<br />
condições <strong>de</strong> vida, tenho <strong>de</strong> <strong>de</strong>stoar da opinião que já expendi nas contingências da<br />
carne.<br />
Os vivos do Além e os vivos da Terra não po<strong>de</strong>m enxergar as coisas através<br />
<strong>de</strong> prismas idênticos. Imagine se o aparelho visual do homem fosse acomodado,<br />
segundo a potencialida<strong>de</strong> dos raios X: as cida<strong>de</strong>s estariam povoadas <strong>de</strong> esqueletos,<br />
os campos se apresentariam como <strong>de</strong>sertos, o mundo constituiria um conjunto <strong>de</strong><br />
aspectos inverossímeis e inesperados. Cada esfera da vida está subordinada a certo<br />
<strong>de</strong>terminismo, no domínio do conhecimento e da sensação.<br />
Decerto, os que receberem novamente o “<strong>Parnaso</strong> <strong>de</strong> AlémTúmulo” dirão<br />
mais ou menos o que eu disse 5 . Hão <strong>de</strong> estranhar que os mortos prossigam com as<br />
mesmas tendências, tangendo os mesmos assuntos que aí constituíam a série <strong>de</strong> suas<br />
preocupações. Existem até os que reclamam contra a nossa liberda<strong>de</strong>. Desejariam<br />
que estivéssemos algemados nos tormentos do Inferno, em recompensa dos nossos<br />
<strong>de</strong>sequilíbrios no mundo, como se os nossos amargores, daí não bastassem para nos<br />
inclinar à verda<strong>de</strong> compassiva.<br />
Individualmente, é indubitável que possuímos no Além o reflexo das nossas<br />
virtu<strong>de</strong>s ou das nossas misérias. Mas é razoável que apareçamos no mundo, gritando<br />
como alucinados<br />
Os habitantes dos reinos da Morte ainda apreciam o <strong>de</strong>coro e a <strong>de</strong>cência, e<br />
o nosso presente é sempre a experiência do passado e a esperança no futuro.<br />
“<strong>Parnaso</strong> <strong>de</strong> AlémTúmulo” sairá <strong>de</strong> novo, como a mensagem harmoniosa<br />
dos poetas que amaram e sofreram. Cármen Cinira aí está com os seus sonhos<br />
<strong>de</strong>sfeitos, <strong>de</strong> mulher e <strong>de</strong> menina. Casimiro com a sua sensibilida<strong>de</strong> infantil,<br />
Junqueiro com a sua Ironia, Antero com a sua rima austera e dolorosa.<br />
Todos aí estão <strong>de</strong>ntro das suas características.<br />
Os mortos falam e a Humanida<strong>de</strong> está ansiosa, aguardando a sua palavra.<br />
Contase que na guerra russojaponesa, terminada a batalha <strong>de</strong> Tsushima, o gran<strong>de</strong><br />
Togo reuniu os seus soldados no cemitério <strong>de</strong> Oogama, e na tristeza majestosa do<br />
ambiente. em nome da nacionalida<strong>de</strong>, dirigiuse aos mortos em termos<br />
comovedores; concitouos a auxiliar as manobras militares, a visitar os cruzadores<br />
<strong>de</strong> guerra, levantando o ânimo dos companheiros que haviam ficado nas pelejas.<br />
4 Referese à 2ª edição, publicada em 1935. — (Nota da Editora)<br />
5 Alu<strong>de</strong> às crônicas que ele, quando encarnado, escrevera no Diário Carioca, em julho <strong>de</strong> 1932, ao surgir a<br />
1ª edição do <strong>Parnaso</strong>. — (Nota da Editora.)
21 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Uma clarida<strong>de</strong> nova cantou as energias espirituais do valente adversário da<br />
pátria <strong>de</strong> Stoessel e os filhos <strong>de</strong> Yoritomo venceram. Na atualida<strong>de</strong>, afigurasenos<br />
que os brados <strong>de</strong> todos ad sofredores e infelizes da Terra se concentram numa<br />
súplica grandiosa que inva<strong>de</strong> as vastidões como o grito do valoroso almirante.<br />
— De pé, os mortos!... — exclamase — porque os vivos da Terra se<br />
per<strong>de</strong>m nos abismos tenebrosos.<br />
Os Institutos da Civilização têm sido impotentes para resolver o problema<br />
do nosso ser e dos nossos <strong>de</strong>stinos. As filosofias e as religiões esten<strong>de</strong>ram sobre nós<br />
o manto carinhoso das suas concepções, mas esses mantos estão rotos!... Temos frio,<br />
temos fome, temos se<strong>de</strong>!<br />
E os consi<strong>de</strong>rados mortos falam ao mundo na sua linguagem <strong>de</strong> estranha<br />
purificação. A Ciência, zelosa <strong>de</strong> suas conquistas, ainda não ouviu a sua vibração<br />
misteriosa, mas os filhos do Infortúnio sentemse envolvidos na onda divina <strong>de</strong> um<br />
novo Glória in excelsis, e a Humanida<strong>de</strong> sofredora sentese no caminho consolador<br />
da sublime esperança.<br />
Humberto <strong>de</strong> Campos 6<br />
(Espírito)<br />
6 UMBERTO DE CAMPOS Veras, escritor brasileiro, membro da Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> Letras,<br />
nascido em Miritiba (hoje Humberto <strong>de</strong> Campos), MA, em 1886, e <strong>de</strong>sencarnado no Rio <strong>de</strong> Janeiro, em<br />
1934. Foi jornalista e <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral. Produção literária variada quão vultosa, Conheceu em vida física<br />
a 1ª edição do <strong>Parnaso</strong> <strong>de</strong> AlémTúmulo, manifestandose a respeito <strong>de</strong>la pelo “Diário Carioca”, edições<br />
<strong>de</strong> 10 e 12 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1932, com os artigos Intitulados “Poetas do outro mundo” e “Como cantam os<br />
mortos” (apud “A Psicografia ante os Tribunais”, <strong>de</strong> Miguel Timponi, páginas 60 a 64, 4ª ed. FEB).<br />
Liberto dos liames da carne, dois anos <strong>de</strong>pois passou ele a valerse, como Espírito, das faculda<strong>de</strong>s<br />
mediúnicas <strong>de</strong> Francisco Cândido Xavier para a transmissão <strong>de</strong> Importantes mensagens, como a que se<br />
inseriu nesta página, acoplada ao mesmo “<strong>Parnaso</strong>” que ele conhecera aqui na Terra e oriunda do mesmo<br />
“AlémTúmulo” por ele tenuemente vislumbrado, entre o assombro e a esperança, Ditounos 12 livros,<br />
sendo sob o pseudônimo <strong>de</strong> Irmão X, editados pela FEB. Vale <strong>de</strong>stacar “BRASIL, CORAÇÃO DO<br />
MUNDO, PÁTRIA DO EVANGELHO”, já em 9ª edição, o livro confirmador da missão espiritual do<br />
Brasil, que é a <strong>de</strong> levar as luzes do Evangelho do Cristo a todos os quadrantes do Mundo, visando à<br />
cristianização da Humanida<strong>de</strong>, sob a orientação do Anjo Ismael, o Legado do Governador Espiritual do<br />
Planeta em Terras <strong>de</strong> Santa Cruz. (Nota da Editora.)
22 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
1<br />
ABEL GOMES<br />
Temos Jesus<br />
ESCRITOR, poeta e professor, nascido em Minas Gerais a 30 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro<br />
<strong>de</strong> 1877 e falecido a 16 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1934. Espírito dinâmico, posto que fisicamente<br />
inválido, <strong>de</strong>ixou alguns livros inéditos, dos quais dois já editados pela Fe<strong>de</strong>ração,<br />
além <strong>de</strong> copiosa obra esparsa.<br />
TEMOS JESUS<br />
Desaba o Velho Mundo em treva <strong>de</strong>nsa<br />
E a guerra, como lobo carniceiro,<br />
Ameaça a verda<strong>de</strong> e humilha a crença,<br />
Nas torturas <strong>de</strong> um novo cativeiro.<br />
Mas vós, no turbilhão da sombra imensa,<br />
Ten<strong>de</strong>s convosco o Excelso Companheiro,<br />
Que ama o trabalho e esquece a recompensa<br />
No serviço do bem ao mundo inteiro.<br />
Eis que a Terra tem crimes e tiranos,<br />
Ambições, <strong>de</strong>svarios, <strong>de</strong>senganos,<br />
Asperezas dos homens da caverna;<br />
Mas vós ten<strong>de</strong>s Jesus em cada dia.<br />
Trabalhemos na dor ou na alegria,<br />
Na conquista <strong>de</strong> luz da Vida Eterna.
23 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
2<br />
A. G.<br />
Morte.<br />
MORTE<br />
Silenciosa madona da tristeza,<br />
A morte abriume as catedrais radiosas,<br />
On<strong>de</strong> pairam as formas vaporosas<br />
Do país ignorado da Beleza.<br />
Num dilúvio <strong>de</strong> lírios e <strong>de</strong> rosas,<br />
Filhos da luz <strong>de</strong> uma outra Natureza,<br />
Que entornavam no espaço a sutileza<br />
Dos incensos das naves harmoniosas!<br />
Monja <strong>de</strong> olhar piedoso, calmo e austero,<br />
Que traz à Terra um tênue reverbero<br />
Da mansão das estrelas erradias...<br />
Irmã da paz e da serenida<strong>de</strong>,<br />
Que abriu meus olhos na Imortalida<strong>de</strong>,<br />
À esperança <strong>de</strong> todos os meus dias!
24 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
3<br />
ALBÉRICO LOBO<br />
Do meu porto<br />
NASCIDO na cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro em 1865 e <strong>de</strong>sencarnado em<br />
fevereiro <strong>de</strong> 1942. Funcionário público, colaborou ativamente na imprensa e <strong>de</strong>ixou<br />
opulenta obra esparsa, em prosa e em verso.<br />
DO MEU PORTO<br />
Ao caro amigo M. Quintão<br />
Viajor vacilante e extenuado,<br />
Depois <strong>de</strong> atravessar a sombra imensa,<br />
Encontrei o país abençoado<br />
On<strong>de</strong> vive a celeste recompensa.<br />
A<strong>de</strong>us mágoas da noite estranha e <strong>de</strong>nsa,<br />
Das angústias e sonhos do passado,<br />
Não conservo senão o Amor e a Crença,<br />
Ante o novo caminho ilimitado.<br />
É doce <strong>de</strong>scansar após a lida,<br />
Banhar o coração na luz da vida,<br />
Rememorando as dores que passaram...<br />
E dos quadros risonhos do meu porto,<br />
Rogo a Jesus conceda reconforto<br />
Aos corações amados que ficaram!
25 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
4<br />
ALBERTO DE OLIVEIRA<br />
Jesus Ajuda e passa Do último dia<br />
FLUMINENSE, nascido em Palmital <strong>de</strong> Saquarema, em 1859, e falecido<br />
em Niterói, em 1937. Farmacêutico, <strong>de</strong>dicouse principalmente ao Magistério.<br />
Membro fundador da Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> Letras, parnasiano <strong>de</strong> escol, foi tido<br />
como Príncipe dos Poetas <strong>de</strong> sua geração.<br />
JESUS<br />
Quanta vez, neste mundo, em rumo escuro e incerto,<br />
O homem vive a tatear na treva em que se cria!<br />
Em torno, tudo é vão, sobre a estrada sombria,<br />
No pavor <strong>de</strong> esperar a angústia que vem perto!...<br />
Entre as vascas da morte, o peito exangue e aberto,<br />
Desgraçado viajor rebelado ao seu guia,<br />
Desespera, soluça, anseia e balbucia<br />
A suprema oração da dor do seu <strong>de</strong>serto.<br />
Nessa gran<strong>de</strong> amargura, a alma pobre, entre escombros,<br />
Sente o Mestre do Amor que lhe mostra nos ombros<br />
A gran<strong>de</strong>za da cruz que ilumina e socorre;<br />
Do mundo é a escuridão, que sepulta a quimera...<br />
E no escuro bulcão só Jesus persevera,<br />
Como a luz imortal do amor que nunca morre.
26 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
AJUDA E PASSA<br />
Esten<strong>de</strong> a mão fraterna ao que ri e ao que chora:<br />
O palácio e a choupana, o ninho e a sepultura,<br />
Tudo o que vibra espera a luz que resplendora,<br />
Na eterna lei <strong>de</strong> amor que consagra a criatura.<br />
Planta a bênção da paz, como raios <strong>de</strong> aurora,<br />
Nas trevas do ladrão, na dor da alma perjura;<br />
Irradia o perdão e aten<strong>de</strong>, mundo afora,<br />
On<strong>de</strong> clame a revolta e on<strong>de</strong> exista a amargura.<br />
Agora, hoje e amanhã, compreen<strong>de</strong>, ajuda e passa;<br />
Esclarece a alegria e consola a <strong>de</strong>sgraça,<br />
Guarda o anseio do bem que é lume peregrino...<br />
Não troques mal por mal, foge à sombra e à vingança,<br />
Não te aflija a miséria, arrimate à esperança.<br />
Seja a bênção <strong>de</strong> amor a luz do teu <strong>de</strong>stino.<br />
DO ÚLTIMO DIA<br />
O homem, no último dia, abatido em seu horto,<br />
Sente o extremo pavor que a morte lhe revela;<br />
Seu coração é um mar que se apruma e encapela,<br />
No pungente estertor do peito quase morto.<br />
Tudo o que era vaida<strong>de</strong>, agora é <strong>de</strong>sconforto.<br />
Toda a nau da ilusão se <strong>de</strong>stroça e esfacela<br />
Sob as ondas fatais da indômita procela,<br />
Do pobre coração, que é náufrago sem porto.<br />
Somente o que venceu nesse mundo mesquinho,<br />
Conservando Jesus por verda<strong>de</strong> e caminho,<br />
Rompe a treva do abismo enganoso e perverso!<br />
Aon<strong>de</strong> vais, homem vão Cala em ti todo alar<strong>de</strong>,<br />
Foge <strong>de</strong>ssa tormenta antes que seja tar<strong>de</strong>:<br />
Só Jesus tem nas mãos o farol do Universo.
27 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
5<br />
ALFREDO NORA<br />
Carta ligeira.<br />
ALFREDO José dos Santos Nora nasceu em 18 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1881, no<br />
município <strong>de</strong> Piraí, Estado do Rio, e <strong>de</strong>sencarnou em 13 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1948.<br />
Depois <strong>de</strong> estudar Engenharia até ao 4º ano do curso, tornouse funcionário da<br />
Central do Brasil, aposentandose como Agente <strong>de</strong> 1ª classe. Poeta e jornalista,<br />
colaborou em várias revistas e jornais.<br />
CARTA LIGEIRA<br />
Meu Lasneau, não é bilhete,<br />
Não é oficio, nem ata.<br />
É o coração que <strong>de</strong>sata<br />
Meus pesares num lembrete.<br />
1<br />
Lasneau amigo, esta choça,<br />
On<strong>de</strong> a carne, breve, passa,<br />
Cheia <strong>de</strong> lama e fumaça,<br />
É minúscula palhoça.<br />
A Terra, ante o sol da Graça,<br />
É feio talhão <strong>de</strong> roça,<br />
Detendo por balda nossa<br />
Descrença, guerra e cachaça.<br />
Agora é que entendo isso,<br />
Mas é triste a fé sem viço<br />
Que o sepulcro impõe à pressa...<br />
Espere sem alvoroço,<br />
Além da prisão <strong>de</strong> osso,<br />
A vida real começa.
28 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
2<br />
Oh! meu caro, se eu pu<strong>de</strong>sse<br />
Dizer tudo o que não disse,<br />
Sem a velha esquisitice<br />
Que inda agora me entontece!<br />
Entretanto, é clara a messe<br />
Da sementeira <strong>de</strong> asnice.<br />
Perdi tempo em maluquice<br />
E o tempo me <strong>de</strong>sconhece.<br />
É natural que pa<strong>de</strong>ça<br />
A minha pobre cabeça<br />
Perante a Luz, face a face.<br />
Não me olvi<strong>de</strong> em sua prece,<br />
Desejo que a luta cesse,<br />
Que a coisa melhore e... passe.
29 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
6<br />
ALPHONSUS DE GUIMARÃENS<br />
Aos crentes – Redivivo Sinos Santa Virgo Vírginum<br />
AFONSO Henrique da Costa Guimarães, poeta mineiro, natural <strong>de</strong> Ouro<br />
Preto. Nasceu aos 24 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1870 e <strong>de</strong>sencarnou em 15 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1921.<br />
Magistrado, jornalista e poeta, notabilizouse principalmente pela tonalida<strong>de</strong> mística<br />
do seu astro, qual se afirma em suas obras: Dona Mística, Septenário das Dores,<br />
Kiriale, Escada <strong>de</strong> Jacob, etc.<br />
AOS CRENTES<br />
Ó crentes <strong>de</strong> uma outra vida,<br />
Que andais no mundo exilados,<br />
Nos caminhos enevoados,<br />
Lendo o missal da amargura!<br />
Esperai a sepultura,<br />
Ó crentes <strong>de</strong> uma outra vida! ...<br />
Tangei harpas <strong>de</strong> esperança,<br />
Nas lutas <strong>de</strong> vossa esfera,<br />
Porque a Morte é a primavera<br />
Luminosa, eterna e imensa...<br />
Filhos da paz e da crença<br />
Tangei harpas <strong>de</strong> esperança!...
30 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
REDIVIVO<br />
Sou o cantor das místicas baladas<br />
Que, em volutas <strong>de</strong> flores e <strong>de</strong> incenso,<br />
Achou, no Espaço luminoso e imenso,<br />
O perfume das hóstias consagradas.<br />
Almas que andais gemendo nas estradas<br />
Da amargura e da dor, eu vos pertenço,<br />
Atravessai o nevoeiro <strong>de</strong>nso<br />
Em que viveis no mundo, amortalhadas.<br />
Almas tristes <strong>de</strong> freiras e sorores,<br />
Sobre quem a sauda<strong>de</strong> <strong>de</strong>spetala<br />
Os seus lírios <strong>de</strong> pálidos fulgores;<br />
Eu ressurjo nos místicos prazeres,<br />
De vos cantar, na sombra on<strong>de</strong> se exala<br />
Um perfume <strong>de</strong> altar e misereres...<br />
SINOS<br />
Escuto ainda a voz dos campanários<br />
Entre aromas <strong>de</strong> rosas e açucenas,<br />
Vozes <strong>de</strong> sinos pelos santuários,<br />
Enchendo as gran<strong>de</strong>s vastidões serenas...<br />
E seguindo outros seres solitários,<br />
Retomo velhos quadros, velhas cenas,<br />
Rezando as orações dos Septenários,<br />
Dos Ofícios, dos Terços, das Novenas...<br />
A morte que nos salva não nos priva<br />
De ir ao pé <strong>de</strong> um sacrário abandonado,<br />
Chorar, como inda faz a alma cativa!<br />
Ó sinos dolorosos e plangentes,<br />
Cantai, como cantáveis no passado,<br />
Dizendo a mesma Fé que salva os crentes!
31 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
SANTA VIRGO VÍRGINUM<br />
Sobe da Terra, em ondas luminosas,<br />
Um turbilhão <strong>de</strong> vozes e <strong>de</strong> lírios,<br />
Buscandovos nas Luzes Harmoniosas,<br />
Oh! Virgem da Pureza e dos Martírios!<br />
Imagens <strong>de</strong> turíbulos e rosas<br />
Aromatizam todos os empíreos...<br />
Há na Terra canções maravilhosas<br />
Entre as luzes e as lágrimas dos círios.<br />
Senhora, o mundo inteiro vos festeja,<br />
Em magnificência ampla e radiosa,<br />
Nos altares simbólicos da Igreja!<br />
Eis, porém, que vos vejo nos caminhos,<br />
On<strong>de</strong> a vossa virtu<strong>de</strong> carinhosa<br />
Consola e ampara os fracos pobrezinhos...
32 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
7<br />
ALMA EROS<br />
O cálice – O irmão<br />
O CÁLICE<br />
A chuva benéfica e abundante cai dos céus<br />
Mitigando a se<strong>de</strong> da terra.<br />
Assim também, o Amado faz chover sobre os homens<br />
Os po<strong>de</strong>res e as bênçãos.<br />
No entanto, choras e <strong>de</strong>sesperas...<br />
Por que não recolheste a tempo a tua parte<br />
— Nada vi — respon<strong>de</strong>rás...<br />
É porque teus olhos estavam nevoados na atmosfera do sonho.<br />
O Senhor passa todos os dias,<br />
Distribuindo os dons celestiais,<br />
Mas as ânforas do teu coração vivem transbordando <strong>de</strong> substâncias estranhas.<br />
Aqui, guardas o vinagre dos <strong>de</strong>senganos,<br />
Acolá, o envenenado licor dos caprichos.<br />
O Amado é incapaz <strong>de</strong> violentar a tua alma.<br />
Seu carinho aguarda a confiança espontânea,<br />
Seu coração freme <strong>de</strong> júbilo,<br />
Na expectativa <strong>de</strong> entregarte os tesouros eternos...<br />
Mas, até agora,<br />
Persegues a fantasia e alimentas curiosamente a ilusão.<br />
Todavia, o Amado espera.<br />
E dia virá,<br />
Na estrada longa do <strong>de</strong>stino,<br />
Em que esten<strong>de</strong>rás ao seu amor infinito<br />
O cálice do coração lavado e vazio.
33 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
O IRMÃO<br />
Por que ajuízas com ironia,<br />
Sobre as obscurida<strong>de</strong>s do irmão que sobe dificilmente a montanha<br />
Quando atravessava a floresta<br />
O pobrezinho julgou que o Amado lhe falava à mente pela voz do trovão<br />
E lhe erigiu altares<br />
Enfeitados <strong>de</strong> flechas.<br />
Depois,<br />
Quando penetrou noutros círculos,<br />
Acreditou que o Senhor pertencia somente ao seu grupo<br />
E que as outras comunida<strong>de</strong>s humanas eram con<strong>de</strong>nadas...<br />
Lutou, sofreu, feriuse em dolorosas experiências.<br />
O Amado, porém, jamais o <strong>de</strong>serdou por isso.<br />
Deulhe novas forças,<br />
Conce<strong>de</strong>ulhe oportunida<strong>de</strong>s diferentes.<br />
Por vezes,<br />
Buscouo no fundo dos abismos,<br />
Como pai carinhoso,<br />
Em busca da criancinha abandonada.<br />
De tempos a tempos,<br />
Fêlo dormir no regaço,<br />
Ao influxo do bendito esquecimento,<br />
Para que o sol do trabalho lhe sorrisse outra vez.<br />
Não observas em seu caminho áspero a tua própria história<br />
Não atormentes com palavras amargas o irmão que se eleva<br />
Laboriosamente,<br />
Dando ao mundo o que possui <strong>de</strong> melhor.<br />
Amao, fazelhe o bem que possas.<br />
Se já atingiste<br />
Algum topo <strong>de</strong> colina,<br />
Contempla as culminâncias que te aguardam<br />
Entre as nuvens,<br />
E esten<strong>de</strong> as mãos fraternas<br />
Aquele que ainda não po<strong>de</strong> ver o que já vês.
34 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
8<br />
ÁLVARO TEIXEIRA DE MACEDO<br />
Depois da festa<br />
ÁLVARO Teixeira <strong>de</strong> Macedo nasceu no Recife em 13 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1807<br />
e <strong>de</strong>sencarnou em 7 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1849, na Bélgica, on<strong>de</strong> era encarregado dos<br />
negócios do Governo Imperial do Brasil. Publicou, em livro, um poema heróicoburlesco<br />
— A Festa <strong>de</strong> Baldo.<br />
DEPOIS DA FESTA<br />
Não te entregues na Terra à vil mentira,<br />
Desfaze a teia da filáucia humana,<br />
Que a Morte, em breve, humilha e <strong>de</strong>sengana<br />
A <strong>de</strong>mência da carne que <strong>de</strong>lira...<br />
O gozo <strong>de</strong>sfalece à própria gana,<br />
Toda vaida<strong>de</strong> ao báratro se atira,<br />
Sob a ilusão mendaz chameja a pira<br />
Da verda<strong>de</strong>, celeste, soberana.<br />
Finda a festa <strong>de</strong> baldo riso infando,<br />
A alma transpõe o túmulo chorando,<br />
Qual folha solta ao furacão violento.<br />
E quem da luz não fez templo e guarida,<br />
Desce gemendo, <strong>de</strong> alma consumida,<br />
Ao turbilhão <strong>de</strong> cinza e esquecimento.
35 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
9<br />
AMADEU ()<br />
O mistério da morte<br />
O MISTÉRIO DA MORTE<br />
O mistério da morte é o mistério da vida,<br />
Que abandona a matéria exãnime e cansada;<br />
Que traz a treva em si e abre a porta dourada<br />
De um mundo que entre nós é a luz <strong>de</strong>sconhecida.<br />
Também tive a minhalma outrora perturbada,<br />
De dúvida, incerteza e angústias consumida,<br />
Mas a morte sanoume a última ferida<br />
Desfazendo as lições utópicas do Nada.<br />
A morte é simplesmente o lúcido processo<br />
Desassimilador das formas acessíveis<br />
A luz do vosso olhar, empobrecido e incerto.<br />
Venho testemunhar a luz <strong>de</strong> on<strong>de</strong> regresso,<br />
Incitando vossa alma aos planos invisíveis,<br />
On<strong>de</strong> vive e se expan<strong>de</strong> o Espírito liberto.
36 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
10<br />
AMARAL ORNELLAS<br />
Ave Maria O Tempo<br />
FUNCIONÁRIO público. Nasceu no Rio <strong>de</strong> Janeiro em 20 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong><br />
1885 e <strong>de</strong>sencarnou a 5 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1923. Talento brilhante, <strong>de</strong>ixou dois volumes<br />
<strong>de</strong> Poesia, consagrados pela crítica coeva, além <strong>de</strong> copiosa literatura teatral e<br />
doutrinária.<br />
AVE MARIA<br />
Ave Maria! Senhora<br />
Do Amor que ampara e redime,<br />
Ai do mundo se não fora<br />
A vossa missão sublime!<br />
Cheia <strong>de</strong> graça e bonda<strong>de</strong>,<br />
É por vós que conhecemos<br />
A eterna revelação<br />
Da vida em seus dons supremos.<br />
O Senhor sempre é convosco,<br />
Mensageira da ternura,<br />
Providência dos que choram<br />
Nas sombras da <strong>de</strong>sventura.<br />
Bendita sois vós, Rainha!<br />
Estrela da Humanida<strong>de</strong>,<br />
Rosa mística da fé,<br />
Lírio puro da humilda<strong>de</strong>!<br />
Entre as mulheres sois vós<br />
A Mãe das mães <strong>de</strong>svalidas,<br />
Nossa porta <strong>de</strong> esperança,<br />
E Anjo <strong>de</strong> nossas vidas!<br />
Bendito o fruto imortal<br />
Da vossa missão <strong>de</strong> luz,<br />
Des<strong>de</strong> a paz da Manjedoura,<br />
As dores, além da Cruz.
37 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Assim seja para sempre,<br />
Oh! Divina Soberana,<br />
Refúgio dos que pa<strong>de</strong>cem<br />
Nas dores da luta humana.<br />
Ave Maria! Senhora<br />
Do Amor que ampara e redime,<br />
Ai do mundo se não fora<br />
A vossa missão sublime!<br />
O TEMPO<br />
O tempo é o campo eterno em que a vida enxameia<br />
Sabedoria e amor na estrada meritória.<br />
Nele o bem cedo atinge a colheita da glória<br />
E o mal <strong>de</strong>sce ao paul <strong>de</strong> lama, cinza e areia.<br />
Esquece a mágoa hostil que te oprime e alanceia.<br />
Toda amargura é sombra enfermiça e ilusória...<br />
Trabalha, espera e crê... O serviço é vitória<br />
E cada coração recolhe o que semeia.<br />
Dor e luta na Terra — a Celeste Oficina —<br />
São portas aurorais para a Mansão Divina,<br />
Purificate e cresce, amando por vencêlas...<br />
Serve sem perguntar por “on<strong>de</strong>”, “como” e “quando”,<br />
E, nos braços do Tempo, ascen<strong>de</strong>rás cantando<br />
Aos Píncaros da Luz, no País das Estrelas!
38 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
11<br />
ANTERO DE QUENTAL<br />
Ciência ínfima Rainha do Céu À morte Depois da morte –<br />
Soneto – O Remorso – Soneto – Deus – Consolai – Crença Não<br />
choreis Mão divina Almas sofredoras Supremo engano –<br />
Incognoscível – Fatalida<strong>de</strong> – Estranho concerto<br />
NASCIDO na ilha <strong>de</strong> São Miguel, nos Açores, em 1842, e <strong>de</strong>sencarnado<br />
por suicídio, em 1891. É vulto eminente e <strong>de</strong>stacado nas letras portuguesas,<br />
caracterizandose pelo seu espírito filosófico.<br />
CIÊNCIA ÍNFIMA<br />
On<strong>de</strong> o gran<strong>de</strong> caminho soberano<br />
Da Ciência que abriu a nova era,<br />
Investigando a entranha da monera,<br />
A <strong>de</strong>svendarse no capricho insano<br />
Ciência que se elevou à estratosfera<br />
E <strong>de</strong>vassou os fundos do oceano,<br />
Fomentando o princípio <strong>de</strong>sumano<br />
Da ambição on<strong>de</strong> a força prolifera...<br />
Ciência <strong>de</strong> ostentação, arma <strong>de</strong> efeito,<br />
Longe da Luz, da Paz e do Direito,<br />
Num caminho infeliz, sombrio e inverso;<br />
Sob o alarme guerreiro, formidando,<br />
Eis que a Terra te acusa, soluçando,<br />
Como a Gran<strong>de</strong> Mendiga do Universo!...
39 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
RAINHA DO CÉU<br />
Excelsa e sereníssima Senhora,<br />
Que sois toda Bonda<strong>de</strong> e Complacência,<br />
Que espalhais os eflúvios da Clemência<br />
Em caminhos liriais feitos <strong>de</strong> aurora!...<br />
Amparai o que anseia, luta e chora,<br />
No labirinto amargo da existência.<br />
Se<strong>de</strong> a nossa divina providência<br />
E a nossa proteção <strong>de</strong> cada hora.<br />
Oh! Anjo Tutelar da Humanida<strong>de</strong>.<br />
Que espargis alegria e clarida<strong>de</strong><br />
Sobre o mundo <strong>de</strong> trevas e gemidos;<br />
Vosso amor, que enche os céus ilimitados,<br />
É a luz dos tristes e dos <strong>de</strong>sterrados,<br />
Esperança dos pobres <strong>de</strong>svalidos!...<br />
À MORTE<br />
Ó Morte, eu te adorei, como se foras<br />
O Fim da sinuosa e negra estrada,<br />
On<strong>de</strong> habitasse a eterna paz do Nada<br />
As agonias <strong>de</strong>sconsoladoras.<br />
Eras tu a visão idolatrada<br />
Que sorria na dor das minhas horas,<br />
Visão <strong>de</strong> tristes faces cismadoras,<br />
Nos crepes do Silêncio amortalhada.<br />
Busqueite, eu que trazia a alma já morta,<br />
Escorraçada no pa<strong>de</strong>cimento,<br />
Batendo alucinado à tua porta;<br />
E escancaraste a porta escura e fria,<br />
Por on<strong>de</strong> penetrei no Sofrimento,<br />
Numa senda mais triste e mais sombria.
40 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
DEPOIS DA MORTE<br />
1<br />
Apenas dor no mundo inteiro eu via,<br />
E tanto a vi, amarga e inconsolável,<br />
Que num véu <strong>de</strong> tristeza impenetrável<br />
Multiplicava as dores que eu sofria.<br />
Se vislumbrava o riso da alegria<br />
Fora <strong>de</strong>ssa amargura inalterável<br />
Esse prazer só era <strong>de</strong>cifrável<br />
Sob a ilusão da eterna fantasia.<br />
Ao meu olhar <strong>de</strong> triste e <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrente,<br />
Olhar <strong>de</strong> pensador amargurado,<br />
Só existia a dor, ela somente.<br />
O gozo era a mentira dum momento,<br />
Os prazeres, o engano imaginado<br />
Para aumentar a mágoa e o sofrimento.<br />
2<br />
Misantropo da ciência enganadora,<br />
Trazia em mim o anseio irresistível<br />
De conhecer o Deus in<strong>de</strong>finível,<br />
Que era na dor, visão consoladora.<br />
Não o via e, no entanto, em toda hora,<br />
Nesse anelo cruciante e intraduzível,<br />
Podia ver, sentindo o Incognoscível<br />
E a sua onisciência criadora.<br />
Mas a insídia do orgulho e da <strong>de</strong>scrença<br />
Guiavame a existência <strong>de</strong>solada,<br />
Recamada <strong>de</strong> dor profunda e intensa;<br />
Pela voz da vaida<strong>de</strong>, então, eu cria<br />
Achar na morte a escuridão do Nada,<br />
Nas vastidões da terra úmida e fria.
41 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
3<br />
Depois <strong>de</strong> extravagâncias <strong>de</strong> teoria,<br />
No seio <strong>de</strong>ssa ciência tão volúvel,<br />
Sobre o problema trágico, insolúvel,<br />
De ver o Deus <strong>de</strong> Amor, <strong>de</strong> quem <strong>de</strong>scria,<br />
Morri, reconhecendo, todavia,<br />
Que a morte era um enigma solúvel,<br />
Ela era o laço eterno e indissolúvel,<br />
Que liga o Céu à Terra tão sombria!<br />
E por estas regiões on<strong>de</strong> eu julgava<br />
Habitar a inconsciência e a mesma treva<br />
Que tanta vez os olhos me cegava,<br />
Vim, gemendo, encontrar as luzes puras<br />
Da verda<strong>de</strong> brilhante, que se eleva,<br />
Iluminando todas as alturas.<br />
SONETO<br />
Quisera crer, na Terra, que existisse<br />
Esta vida que agora estou vivendo,<br />
E nunca encontraria abismo horrendo,<br />
De amargoso penar que se me abrisse.<br />
An<strong>de</strong>i cego, porém, e sem que visse<br />
Meu próprio bem na dor que ia sofrendo;<br />
Desvairado, ao sepulcro fui <strong>de</strong>scendo,<br />
Sem que a Paz almejada conseguisse.<br />
Da morte a Paz busquei, como se fora<br />
Apossarme do eterno esquecimento,<br />
Ao viver da minhalma sofredora;<br />
E em vez <strong>de</strong> imperturbáveis quietitu<strong>de</strong>s,<br />
Encontrei os Remorsos e o Tormento,<br />
Recru<strong>de</strong>scendo as minhas dores ru<strong>de</strong>s.
42 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
O REMORSO<br />
Quando fugi da dor, fugindo ao mundo,<br />
Divisei aos meus pés, <strong>de</strong> mim diante,<br />
A medonha figura <strong>de</strong> gigante<br />
Do Remorso, <strong>de</strong> olhar grave e profundo.<br />
Era <strong>de</strong> ouvirlhe o grito gemebundo,<br />
Sua voz cavernosa e soluçante!...<br />
Aproximeime <strong>de</strong>le, suplicante,<br />
Dizendolhe, cansado e moribundo: —<br />
“Que fazes ao meu lado, corvo horrendo,<br />
Se enlouqueci no meu <strong>de</strong>gredo estranho,<br />
Acordandome em lágrimas, gemendo”<br />
Ele riuse e clamou para meus ais:<br />
“Companheiro na dor, eu te acompanho,<br />
Nunca mais te abandono! Nunca mais!”<br />
SONETO<br />
Mais se me afunda a chaga da amargura<br />
Quando reflexiono, quando penso<br />
No mar humano, encapelado e imenso,<br />
On<strong>de</strong> se per<strong>de</strong> a luz em noite escura...<br />
Nesse abismo <strong>de</strong> treva a bênção pura,<br />
Do espírito <strong>de</strong> amor ao mal imenso,<br />
Sente o assédio do mal. É o contrasenso<br />
Da luz unida à lama que a tortura.<br />
Mais se me aumenta a chaga dolorida,<br />
Escutando o soluço cavernoso<br />
Da pobre Humanida<strong>de</strong> escravizada;<br />
Sentindo o horror que nasce <strong>de</strong>ssa vida,<br />
Que se vive no abismo tenebroso,<br />
Cheio do pranto da alma encarcerada!
43 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
DEUS<br />
Quem, senão Deus, criou obra tamanha,<br />
O espaço e o tempo, as amplidões e as eras,<br />
On<strong>de</strong> se agitam turbilhões <strong>de</strong> esferas,<br />
Que a luz, a excelsa luz, aquece e banha<br />
Quem, senão ele fez a esfinge estranha<br />
No segredo inviolável das moneras,<br />
No coração dos homens e das feras,<br />
No coração do mar e da montanha!<br />
Deus!... somente o Eterno, o Impenetrável,<br />
Po<strong>de</strong>ria criar o imensurável<br />
E o Universo infinito criaria!...<br />
Suprema paz, intérmina pieda<strong>de</strong>,<br />
E que habita na eterna clarida<strong>de</strong><br />
Das torrentes da Luz e da Harmonia!<br />
CONSOLAI<br />
Se eu pu<strong>de</strong>sse, diria eternamente,<br />
Aos flagelados e <strong>de</strong>siludidos,<br />
Que sobre a Terra os gran<strong>de</strong>s bens perdidos<br />
São a posse da luz resplan<strong>de</strong>cente.<br />
A dor mais ru<strong>de</strong>, a mágoa mais pungente,<br />
Os soluços, os prantos, os gemidos,<br />
Entre as almas são louros repartidos<br />
Muito longe da Terra impenitente.<br />
Oh! se eu pu<strong>de</strong>sse, iria em altos brados<br />
Libertar corações escravizados<br />
Sob o guante <strong>de</strong> enigmas profundos!<br />
Mas, dizeilhes, ó vós que estais na<br />
Terra, Que a luz espiritual da dor encerra<br />
A ventura imortal dos outros mundos!
44 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
CRENÇA<br />
Minha vida <strong>de</strong> dor e <strong>de</strong> procela<br />
Que se extinguiu na tempesta<strong>de</strong> imensa,<br />
Despedaçouse à falta <strong>de</strong>ssa crença,<br />
Que as gran<strong>de</strong>s luzes místicas revela.<br />
E estraçalheime como alguém que sela<br />
Com o supremo infortúnio a dor intensa,<br />
Desvairado <strong>de</strong> angústia e <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrença,<br />
Dentro da vida sem compreendêla.<br />
Ah! Crer! bem que, na Terra, não possui,<br />
Quando entre conjeturas me perdi,<br />
De tão pequena dor fazendo alar<strong>de</strong>...<br />
Crença! Luminosíssima riqueza<br />
Que enche a vida <strong>de</strong> paz e <strong>de</strong> beleza,<br />
Mas que chega no mundo muito tar<strong>de</strong>.<br />
NÃO CHOREIS<br />
Não choreis os que vão em liberda<strong>de</strong><br />
Buscar no Espaço o luminoso leito<br />
Da paz, distante do caminho estreito<br />
Desse mundo <strong>de</strong> dor e <strong>de</strong> orfanda<strong>de</strong>.<br />
O pranto é a flor <strong>de</strong> aromas da sauda<strong>de</strong>,<br />
Que perfuma e crucia o vosso peito,<br />
Mas, transformaio em gozo alto e perfeito,<br />
Em santa e esperançosa clarida<strong>de</strong>.<br />
Chega um dia em que o Espírito <strong>de</strong>scansa<br />
Das aflições, angústias e cansaços,<br />
Dos aguilhões das dores absolutas:<br />
Feliz <strong>de</strong> quem, na Crença e na Esperança,<br />
Procura a luz sublime dos espaços,<br />
Buscando a paz <strong>de</strong>pois das gran<strong>de</strong>s lutas.
45 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
MÃO DIVINA<br />
A luz da mão divina sempre <strong>de</strong>sce,<br />
Misericordiosa e compassiva,<br />
Sobre as dores da pobre alma cativa,<br />
Que está nas sendas lúcidas da Prece.<br />
Se a amargura das lágrimas se aviva,<br />
Se o tormento da vida recru<strong>de</strong>sce,<br />
Aguardai a abundância da outra messe<br />
De venturas, que é da alma rediviva.<br />
Confiando, esperai a Providência<br />
Com os sentimentos puros, diamantinos,<br />
Lendo os artigos ríspidos da Lei!<br />
Os filhos da Pieda<strong>de</strong> e da Paciência<br />
Encontrarão nos páramos divinos<br />
A paz e as luzes que eu não alcancei.<br />
ALMAS SOFREDORAS<br />
Passam na Terra como as ventanias,<br />
Ou como agigantadas nebulosas<br />
Provindas <strong>de</strong> cavernas misteriosas,<br />
Essas compactas legiões sombrias;<br />
Turbas <strong>de</strong> almas escravas <strong>de</strong> agonias,<br />
Com que an<strong>de</strong>i entre queixas dolorosas,<br />
Ao palmilhar estradas escabrosas,<br />
Entre as noites mais lúgubres e frias!<br />
Oh! visões <strong>de</strong> martírios que apavoram,<br />
Miseráveis Espíritos que choram,<br />
Sob os grilhões <strong>de</strong> ru<strong>de</strong> sofrimento!<br />
Orai por eles, bons trabalhadores<br />
Que estais colhendo sobre a Terra as flores<br />
De um doce e temporário esquecimento.
46 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
SUPREMO ENGANO<br />
Vêse da Terra o Céu, em toda a vida,<br />
Como um vergel azul <strong>de</strong> lírios brancos,<br />
On<strong>de</strong> mora a ventura, e em cujos flancos<br />
Repousa a gran<strong>de</strong> mágoa adormecida.<br />
Céu! quanta vez minhalma entristecida<br />
Anteviu tua paz, sob os arrancos,<br />
Sob os golpes da dor, rijos e francos,<br />
Na escuridão espessa e in<strong>de</strong>finida!<br />
Não sonhei com teus <strong>de</strong>uses venturosos,<br />
Com teus gran<strong>de</strong>s olimpos majestosos,<br />
Cheios <strong>de</strong> vida e <strong>de</strong> infinitos bens...<br />
Antegozei, somente, em minhas dores,<br />
A paz livre <strong>de</strong> trevas é pavores,<br />
Do imperturbável nada que não tens!<br />
INCOGNOSCÍVEL<br />
Para o Infinito, Deus não representa<br />
A personalida<strong>de</strong> humanizada,<br />
Pelos seres terrenos inventada,<br />
Cheia, às vezes, <strong>de</strong> cólera violenta.<br />
Deus não castiga o ser e nem o isenta<br />
Da dor, que traz a alma lacerada<br />
Nos pelourinhos negros <strong>de</strong> uma estrada<br />
De provação, <strong>de</strong> angústia e <strong>de</strong> tormenta.<br />
Tudo fala <strong>de</strong> Deus nesse <strong>de</strong>sterro<br />
Da Terra, orbe da lágrima e do erro,<br />
Que entre anseios e angústias conheci!<br />
Mas, quanto o vão mortal inda se engana,<br />
Que em sua triste condição humana<br />
Fez a essência <strong>de</strong> Deus igual a si!
47 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
FATALIDADE<br />
Crêse na Morte o Nada, e, todavia,<br />
A Morte é a própria Vida ativa e intensa,<br />
Fim <strong>de</strong> toda a amargura da <strong>de</strong>scrença,<br />
On<strong>de</strong> a gran<strong>de</strong> certeza principia.<br />
O meu erro, no mundo da Agonia,<br />
Foi crer <strong>de</strong>mais na angústia e na doença<br />
Da alma que luta e sofre, chora e pensa,<br />
Nos labirintos da Filosofia...<br />
E no meio <strong>de</strong> todas as canseiras<br />
Cheguei, enfim, às dores <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iras<br />
Que as tormentas <strong>de</strong> lágrimas <strong>de</strong>satam!...<br />
Nunca, na Terra, a crença se realiza,<br />
Porque em tudo, no mundo, o homem divisa<br />
A figura das dúvidas que matam.<br />
ESTRANHO CONCERTO<br />
Clamou o Orgulho ao homem: — “Goza a vida!<br />
E fere, brasonado cavaleiro,<br />
Coroado <strong>de</strong> folhas <strong>de</strong> loureiro,<br />
Quem vai <strong>de</strong> alma gemente e consumida. .<br />
Veio a Vaida<strong>de</strong> e disse: — “A toda brida!<br />
Dominarás, além, no mundo inteiro,<br />
Cavalga o tempo e corre ao teu roteiro<br />
De soberana glória in<strong>de</strong>finida!...<br />
Mas a Verda<strong>de</strong>, sobre a humana furna,<br />
Gritoulhe, angustiada, em voz soturna:<br />
— “Insensato! aon<strong>de</strong> vais, sem Deus, sem norte”<br />
E impeliu, sem <strong>de</strong>tença e sem barulho,<br />
Cavaleiro e corcel, vaida<strong>de</strong> e orgulho,<br />
Aos tenebrosos pântanos da Morte.
48 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
12<br />
ANTÔNIO NOBRE<br />
Quadras <strong>de</strong> um poeta morto Do Além – Soneto Ao mundo À<br />
Mocida<strong>de</strong><br />
NASCEU na cida<strong>de</strong> do Porto e faleceu na Foz do Douro aos 33 anos <strong>de</strong><br />
ida<strong>de</strong>, em 18 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1900. Distinguiuse pela suavida<strong>de</strong> e melancolia do seu<br />
estro. Deixou um livro inconfundível e, ainda hoje, muito estimado — Só — e<br />
Despedidas, edição <strong>de</strong> 1902.<br />
QUADRAS DE UM POETA MORTO<br />
Coração, não vos canseis<br />
De bater... que importa lá<br />
Porque os amores fiéis,<br />
Nem a morte os vencerá.<br />
Ó figuras <strong>de</strong> velhinhos<br />
Que andais dormitando ao léu!<br />
Como são belos os Linhos<br />
Que vos esperam no Céu!<br />
Dizem que os mortos não voltam...<br />
Voltam sim. E por que não<br />
Os corpos daí nos soltam,<br />
Como às aves o alçapão.<br />
Nem gritos e nem cantigas<br />
Entre vós que à noite andais;<br />
As almas das raparigas<br />
Inda sonham nos choupais.<br />
Nas gran<strong>de</strong>s mansões da morte<br />
Inda há romance e noivados,<br />
Venturas da boa sorte,<br />
Corações <strong>de</strong>spedaçados.
49 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Quem riu ontem, quem ri hoje,<br />
Nem sempre po<strong>de</strong>rá rir...<br />
Um dia o riso lhe foge,<br />
Sem que o veja escapulir.<br />
Riquezas, que valem elas<br />
Se estão na sombra ou sem luz<br />
Tesouro são as estrelas<br />
Da bonda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Jesus.<br />
Po<strong>de</strong>se amar o veludo<br />
De uns olhos e os brilhos seus,<br />
Porém, acima <strong>de</strong> tudo<br />
Devemos amar a Deus.<br />
Vós que amais a luz da Lua,<br />
De vossa alma abri as portas<br />
Para os fantasmas da rua,<br />
Que choram nas horas mortas.<br />
Pensei que a morte era o fim<br />
Das ânsias do coração;<br />
Contudo, não é assim...<br />
Nem pó e nem solidão.<br />
As vezes achamse fojos<br />
On<strong>de</strong> há música e festins,<br />
E há muitos cardos e tojos<br />
Entre as flores dos jardins.<br />
Se eu pu<strong>de</strong>sse, esten<strong>de</strong>ria<br />
Minhas capas <strong>de</strong> luar,<br />
Sobre os filhos da agonia<br />
Que andam no mundo a penar.<br />
A morte só po<strong>de</strong> ser<br />
A vida risonha e pura,<br />
Para quem a pa<strong>de</strong>cer<br />
Vive aí na sepultura.<br />
Mal vais, se vais caminhando<br />
Na ambição <strong>de</strong> ouro e glória;<br />
Nesse mundo miserando<br />
Toda ventura é ilusória.
50 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Chorai! chorai orfãozinhos,<br />
Vossas dores amargosas:<br />
Achareis noutros caminhos<br />
As vossas mães extremosas.<br />
Deixa cantar, ó menina,<br />
Teu coração sonhador...<br />
No sepulcro não termina<br />
O novelário do amor.<br />
Um anjo cheio <strong>de</strong> encanto<br />
Vive sempre com quem chora,<br />
Guardando as gotas <strong>de</strong> pranto<br />
Numa urna cor da aurora.<br />
No Universo há céus profundos,<br />
Cheios <strong>de</strong> vida e esplendor,<br />
Um céu é um ninho <strong>de</strong> mundos,<br />
Um mundo é um ninho <strong>de</strong> amor.<br />
A carida<strong>de</strong> é a beleza<br />
De um divino plenilúnio,<br />
Luz que se esten<strong>de</strong> à pobreza,<br />
Na escuridão do infortúnio.<br />
Aos mendigos <strong>de</strong>sprezados<br />
Não ridicularizeis,<br />
São senhores <strong>de</strong>spojados<br />
Dos seus tesouros <strong>de</strong> reis.<br />
Aqui, a alma inda espera<br />
O alguém que na Terra amou,<br />
O raio <strong>de</strong> primavera<br />
Que aí jamais encontrou.<br />
Há quem faça aí mil contas,<br />
Que os interesses resuma,<br />
Mas morrem cabeças tontas,<br />
Sem fazer conta nenhuma.<br />
Tecei sonhos, fian<strong>de</strong>iras,<br />
Oh! almas enamoradas,<br />
Vivei aí nas clareiras<br />
De luzes alcandoradas.
51 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Ah! que sinto aqui sauda<strong>de</strong>s<br />
Das noites <strong>de</strong> São João,<br />
Sonho, estrelas, clarida<strong>de</strong>s,<br />
Cantigas do coração.<br />
Na minha vida <strong>de</strong> agora<br />
Não canto as festas louçãs,<br />
Naquelas toadas <strong>de</strong> outrora<br />
As moçoilas coimbrãs.<br />
Acompanhame a tristeza<br />
Das sauda<strong>de</strong>s, por meu mal;<br />
Minha terra portuguesa! ...<br />
Meu querido Portugal! ...<br />
DO ALÉM<br />
Pu<strong>de</strong>sse o nosso olhar, vagueando os ermos,<br />
Ver através da própria soleda<strong>de</strong><br />
A expressão luminosa da Verda<strong>de</strong>,<br />
E da luz da Verda<strong>de</strong> não <strong>de</strong>scrermos...<br />
Preocuparse aí, porém, quem há <strong>de</strong><br />
Com o problema <strong>de</strong> sermos ou não sermos,<br />
Pois que o ar<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> o sabermos<br />
É sempre o anelo falso da vaida<strong>de</strong><br />
Peregrinos da dor, na dor andamos<br />
Sem que a nossa miséria se <strong>de</strong>sfaça<br />
No escabroso caminho on<strong>de</strong> marchamos,<br />
Seguindo a alma nos sonhos iludida,<br />
Até que a dor unindose à <strong>de</strong>sgraça<br />
Descerre os véus que encobrem outra vida.
52 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
SONETO<br />
“Quando cobrirse o chão <strong>de</strong> folhas mortas<br />
Meu coração dizia em grave entono —<br />
Extinguindose a vida que comportas,<br />
Dormirás no meu seio o último sono...<br />
E murmurava a alma — “Findo o Outono,<br />
A Primavera vem por outras portas;<br />
Não existe no túmulo o abandono,<br />
Ou a dor amarga e ru<strong>de</strong> em que te cortas.”<br />
Escutava essas vozes comovido,<br />
Morto <strong>de</strong> angústia, morto <strong>de</strong> incerteza,<br />
Aguardando o solposto, entristecido;<br />
E além da amarga vida <strong>de</strong> segundos,<br />
Ressurgi da tortura e da tristeza,<br />
Sob os ares sadios <strong>de</strong> outros mundos!<br />
AO MUNDO<br />
A Terra é o vasto abismo on<strong>de</strong> a alma chora,<br />
O vale <strong>de</strong> amarguras do Salmista,<br />
Lodoso chavascal on<strong>de</strong> se avista<br />
A podridão dos vermes que apavora.<br />
Mas, para os gran<strong>de</strong>s bens, para que exista<br />
A perfeição da luz <strong>de</strong>slumbradora,<br />
Precisamos da carne que aprimora<br />
Com o camartelo mágico do artista.<br />
Terra, tranquilamente eu te abençôo...<br />
Porque da tua dor alcei meu vôo<br />
Para a mansão das luzes opulentas;<br />
Teu rigor nos redime e nos eleva;<br />
Mas és ainda o cárcere da treva,<br />
Triste mundo <strong>de</strong> chagas pustulentas!
53 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
À MOCIDADE<br />
Cantai! cantai, ó mocida<strong>de</strong>! Moira<br />
Encantada que ri nos prados ver<strong>de</strong>s,<br />
Cantai o amor que é luz que se entesoira,<br />
Vibrai na luz da vida em que viver<strong>de</strong>s.<br />
Glorificai, ditosa, o sol que doira<br />
O riso que espalhais sem compreen<strong>de</strong>r<strong>de</strong>s,<br />
Expandivos na primavera loira,<br />
Nos poemas <strong>de</strong> luar que conceber<strong>de</strong>s!<br />
I<strong>de</strong> cantando, mocida<strong>de</strong> ar<strong>de</strong>nte,<br />
Alvorada em abril, do solnascente,<br />
Clareando o porvir almo e risonho;<br />
Marchai sorrindo, doce juventu<strong>de</strong>,<br />
Na exaltação do amor e da saú<strong>de</strong>,<br />
Ébria <strong>de</strong> aroma e luz, ébria <strong>de</strong> sonho!...
54 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
13<br />
ANTÔNIO TORRES<br />
Esquife do sonho – Nada<br />
NASCEU em Diamantina (Minas Gerais) em 1885, falecendo, em 1934, na<br />
cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Hamburgo, como cônsul adjunto do Brasil. Or<strong>de</strong>nouse sacerdote,<br />
abandonando mais tar<strong>de</strong> a profissão eclesiástica. Poeta e escritor.<br />
ESQUIFE DO SONHO<br />
Tive um Sonho <strong>de</strong> Amor e <strong>de</strong> Inocência,<br />
Cheio <strong>de</strong> luz das coisas invulgares,<br />
Do qual perdi a luminosa essência<br />
Na cristalização dos meus pesares.<br />
Tar<strong>de</strong> reconheci minha falência,<br />
Terminados os múltiplos azares,<br />
De minha quase inútil existência,<br />
No silêncio das cinzas tumulares.<br />
E da Morte, no abismo in<strong>de</strong>finido,<br />
Tombei exausto, amargurado e cego,<br />
— Abismo tenebroso que eu transponho.<br />
Infeliz do meu ser irredimido,<br />
Pois triste e atordoado inda carrego<br />
O negro esquife do meu próprio sonho.
55 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
NADA...<br />
Nada! ... Filosofia ru<strong>de</strong> e amara,<br />
Na qual acreditei, com pena embora<br />
De abandonar a Crença que esposara,<br />
— A minha aspiração <strong>de</strong> cada hora.<br />
Crença é o perfume d’alma que se enflora<br />
Com a luz divina, resplen<strong>de</strong>nte e rara<br />
Da Fé, única Luz da única Aurora,<br />
Que as trevas mais compactas aclara.<br />
Revendo os dias tristes do Passado,<br />
Vi que troquei a Fé pela Ironia,<br />
Nos <strong>de</strong>svios e excessos da Razão;<br />
Antes, porém, não fosse tão ousado,<br />
Pois nem sempre a Razão profunda e fria<br />
Alivia ou consola o Coração.
56 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
14<br />
ARTUR AZEVEDO<br />
Miniaturas da Socieda<strong>de</strong> elegante<br />
NASCIDO em São Luis, no Maranhão, a 7 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1855 e falecido na<br />
cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro a 22 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1908. Diretor Geral <strong>de</strong> Contabilida<strong>de</strong> do<br />
Ministério da Viação. Poeta, comediógrafo, jornalista e crítico. Membro e fundador<br />
da Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> Letras, on<strong>de</strong> ocupou a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Martins Pena.<br />
MINIATURAS DA SOCIEDADE ELEGANTE<br />
1<br />
Adriano Gonçalves <strong>de</strong> Macedo,<br />
Homem <strong>de</strong> cabedais e alma sem siso,<br />
Penetrou no seu quarto com um sorriso<br />
As <strong>de</strong>z horas da noite, muito a medo.<br />
Uma carta <strong>de</strong> amante — era um segredo —<br />
Ia abrila, e, assim, era preciso<br />
Que a sua esposa, dama <strong>de</strong> juízo,<br />
Não na visse nem mesmo por brinquedo:<br />
Dona Corália Augusta Colavida<br />
Estaria nessa hora recolhida<br />
Levantou a cortina, <strong>de</strong>vagar...<br />
Mas, que tragédia após esse perigo...<br />
Viu que a esposa beijava um seu amigo,<br />
Sobre o divã, da sala <strong>de</strong> jantar.
57 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
2<br />
No belo palacete do Furtado,<br />
Palestrava a galante Mariquita<br />
Com um pelintra afetado, assaz catita,<br />
Bacharel <strong>de</strong>lambido e enamorado.<br />
De sobre a gran<strong>de</strong> cômoda bonita,<br />
Toma o moço um livrinho enca<strong>de</strong>rnado,<br />
Revirandoo nas mãos, interessado,<br />
Mas a jovem retomao, muito aflita:<br />
— “Esse livro, Antonico, é meu breviário!”<br />
Diz inquieta. E ele, cínico e falsário,<br />
Arrebatao às frágeis mãos trementes<br />
Abriuo. Mais o olhava e mais se ria...<br />
Era um compêndio <strong>de</strong> pornografia,<br />
Recamado <strong>de</strong> quadros in<strong>de</strong>centes.<br />
3<br />
Dom Castilho, notável latinista,<br />
Realizara alentada conferência,<br />
Sobre rígido assunto moralista,<br />
Protegido dos membros da regência.<br />
Foi um sucesso. E a esposa Ana Fulgência,<br />
Nele via uma gran<strong>de</strong> alma <strong>de</strong> artista,<br />
Louvandolhe a utilíssima existência<br />
De homem probo e notável publicista.<br />
Que primor <strong>de</strong> moral! e os companheiros<br />
Escritores, poetas, conselheiros,<br />
Foram levarlhe um abraço camarada.<br />
Numa corrida louca, esses senhores<br />
Foram achálo em seus trajes menores,<br />
No apartamento escuro da criada...
58 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
15<br />
AUGUSTO DE LIMA<br />
O doce missionário O santo <strong>de</strong> Assis<br />
POETA mineiro, nascido em Sabará, Minas, em 5 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1859 e<br />
<strong>de</strong>sencarnado no Rio <strong>de</strong> Janeiro em 22 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1934. Magistrado íntegro, orador<br />
e publicista, militou na Política e foi membro <strong>de</strong> realce da Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong><br />
Letras, tendo ocupado a presidência <strong>de</strong>ssa instituição.<br />
O DOCE MISSIONÁRIO<br />
Sertão hostil. Agreste serrania.<br />
Tendo por companhia<br />
A cruz do Nazareno, humil<strong>de</strong> e solitário,<br />
Ali vivia Anchieta, o doce missionário,<br />
Carinhoso pastor, espelho <strong>de</strong> bonda<strong>de</strong>,<br />
Abençoando o bem, perdoando a malda<strong>de</strong>,<br />
Servo amado <strong>de</strong> Deus, imitador <strong>de</strong> Assis,<br />
Que na humilda<strong>de</strong> achara a vida mais feliz.<br />
Naquele dia,<br />
Era intenso o calor.<br />
Ninguém! Nem uma sombra se movia,<br />
Tudo era langui<strong>de</strong>z, <strong>de</strong>sânimo e torpor.<br />
Além se divisava a solidão da estrada,<br />
Amarela <strong>de</strong> pó, tristonha e <strong>de</strong>solada.<br />
Na clareira, on<strong>de</strong> o Sol feria os vegetais,<br />
Viamse florescer bromélias e boninas,<br />
E, elevandose aos céus, esguios espinhais<br />
Implorando pieda<strong>de</strong> às amplidões divinas...<br />
Eis que o irmão <strong>de</strong> Jesus, o humil<strong>de</strong> pegureiro<br />
Avista um mensageiro.<br />
Dirigeselhe a casa,<br />
Pisando vagaroso o chão que o Sol abrasa.
59 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
— “Meu protetor — diz ele —, o bom pajé,<br />
Convertido por vós à luz da vossa fé,<br />
Que tem oferecido a Deus o seu amor,<br />
Agoniza na taba, ao longe, em aflição.<br />
Ele espera <strong>de</strong> vós a paz do coração<br />
E implora lhe leveis a bênção do Senhor.”<br />
— “Oh! doce filho meu, que vin<strong>de</strong>s <strong>de</strong> passagem,<br />
Que Jesus vos ampare, ao termo da viagem...”<br />
E isso dizendo, o pastor prestamente<br />
Toma da humil<strong>de</strong> cruz do Mártir do Calvário,<br />
Abandonando o ninho agreste e solitário,<br />
Para arrancar à dor o pobre penitente.<br />
Há solidão na estrada,<br />
Feremlhe os pés as pontas dos espinhos.<br />
Que penosa jornada,<br />
Em tão ru<strong>de</strong>s e aspérrimos caminhos! ...<br />
Pairam no ar excessos <strong>de</strong> calor,<br />
Nem árvores umbrosas e nem fontes,<br />
Somente o Sol ferino e <strong>de</strong>struidor,<br />
Que calcina, inflamando os horizontes.<br />
Eis que a se<strong>de</strong> o <strong>de</strong>vora;<br />
Entretanto, o pastor não se <strong>de</strong>plora;<br />
A terna e meiga efígie <strong>de</strong> Jesus<br />
Élhe paz e alimento, amparo e luz.<br />
Numa férvida prece,<br />
Ele ainda agra<strong>de</strong>ce:<br />
— “Sê bendito, Senhor, por tudo o que nos dás,<br />
Seja alegria ou dor, tudo é ventura e paz.<br />
Eu vejote no alvor das manhãs harmoniosas,<br />
No azulíneo do céu, no cálice das rosas,<br />
Na corola <strong>de</strong> luz <strong>de</strong> todas as florinhas,<br />
No canto, todo amor, das meigas avezinhas,<br />
Na estação outonal, na loura Primavera,<br />
No coração do bom, que te ama e te venera,<br />
Na vibração dos sons, na irradiação da luz,<br />
Na dor, no sofrimento, em nossa própria cruz...<br />
Tudo vive a mostrar tua pródiga bonda<strong>de</strong>,<br />
Eterno Pai <strong>de</strong> amor, <strong>de</strong> luz e carida<strong>de</strong>.<br />
Abençoados são o Inverno que traz frio<br />
E os calores do Sol nas estações do estio...”
60 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Terminando a sorrir a espontânea oração,<br />
Inspirada em tão santa <strong>de</strong>voção,<br />
Anchieta escuta em torno os mais sutis rumores.<br />
Eis que nos arredores<br />
Congregamse apressadas<br />
Todas as avezinhas,<br />
E, asas aconchegadas,<br />
Juntinhas,<br />
Numa i<strong>de</strong>al combinação<br />
Formam um pálio protetor,<br />
Cobrindo o doce irmão<br />
Que ia ofertar amor,<br />
Luz e consolação,<br />
Em nome do Senhor.<br />
Pelos caminhos,<br />
Foise aumentando<br />
O alado bando<br />
Dos bondosos e ternos passarinhos,<br />
Aureolando com amor o Discípulo Amado,<br />
Mo<strong>de</strong>sto, casto, humil<strong>de</strong> e isento <strong>de</strong> pecado,<br />
Que ia seguindo,<br />
Lábios sorrindo,<br />
Em meiga mansuetu<strong>de</strong>.<br />
O enviado do Bem e da Virtu<strong>de</strong><br />
Agra<strong>de</strong>cia ao Céu, o coração em luz,<br />
Evolandose puro ao seio <strong>de</strong> Jesus.<br />
Chegara ao seu <strong>de</strong>stino. Ia caindo o dia<br />
No poente <strong>de</strong> paz e <strong>de</strong> harmonia,<br />
Brilhava nova luz, feita <strong>de</strong> crença e amor:<br />
Era a bênção dos Céus, a bênção do Senhor.
61 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
O SANTO DE ASSIS<br />
No suave mistério dos espaços,<br />
Santa Maria dos Anjos inda existe,<br />
Com a mesma luz divina dos seus traços,<br />
Glorificando as dores da alma triste,<br />
Repartindo a Virtu<strong>de</strong>, a Graça e os Dons<br />
Que a palavra divina do Cor<strong>de</strong>iro<br />
Prometeu aos pacíficos e aos bons<br />
Do mundo inteiro...<br />
Uma nova Porciúncula, dourada<br />
Pelos astros <strong>de</strong> mística alvorada,<br />
Aí se rejubila,<br />
Sob a paz <strong>de</strong> Jesus, terna e tranquila,<br />
Derramando no Além ignorado<br />
Os sonhos <strong>de</strong> Virtu<strong>de</strong> e Perfeição,<br />
Daquela mesma Umbria do passado,<br />
Cheia <strong>de</strong> encantamento e <strong>de</strong> oração.<br />
A luz dos sóis da etérea Natureza,<br />
Numa doce e i<strong>de</strong>al Eucaristia,<br />
O Esposo da Pobreza<br />
No seu manto <strong>de</strong> amor e <strong>de</strong> alegria<br />
Inda abre os braços para os pecadores...<br />
“Irmão Sol, irmãos Anjos, irmãs Flores,<br />
Não nos cansemos <strong>de</strong> glorificar<br />
A carida<strong>de</strong> imensa do Senhor,<br />
Sua sabedoria e seu amor,<br />
Procurando salvar<br />
Os nossos irmãos Homens mergulhados<br />
Entre as noites sombrias dos Pecados!...<br />
E à voz suave e dúlcida do Santo,<br />
A Terra escura e triste se povoa<br />
De anjos <strong>de</strong> amor, que enxugam todo o pranto<br />
E que levam consigo<br />
Todo o consolo amigo<br />
Da Esperança no Céu, singela e boa...<br />
Das paragens etéreas<br />
Da sua i<strong>de</strong>al igreja,<br />
São Francisco <strong>de</strong> Assis abraça e beija<br />
O homem que sofre todas as misérias,<br />
Amparandolhe a alma combalida
62 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Nos <strong>de</strong>sertos <strong>de</strong> lágrimas da Vida...<br />
E o conduz<br />
Ao regaço divino <strong>de</strong> Jesus!...<br />
Santo <strong>de</strong> Assis, divino “poverello”,<br />
Nas amarguras do meu pesa<strong>de</strong>lo<br />
De vaida<strong>de</strong> do mundo, que <strong>de</strong>vasta<br />
Todo o bem, vi tua luz singela e casta<br />
Beijando as minhas lepras asquerosas...<br />
Uma chuva <strong>de</strong> lírios e <strong>de</strong> rosas<br />
Lavoume o coração <strong>de</strong> pecador<br />
E guar<strong>de</strong>i para sempre o teu amor.<br />
Santo <strong>de</strong> Assis, irmão da Carida<strong>de</strong>,<br />
Que me curaste as lepras e a cegueira,<br />
Depois da morte, à luz da imensida<strong>de</strong>,<br />
Quero ainda abençoarte a vida inteira...
63 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
16<br />
AUGUSTO DOS ANJOS<br />
Voz do Infinito – Vozes <strong>de</strong> uma sombra – Voz humana – Alma –<br />
Análise – Evolução – Homo – Incógnita – “Ego sum” – Dentro da<br />
noite – Homemcélula – Na imensida<strong>de</strong> – “Alter ego” – Aos fracos<br />
da vonta<strong>de</strong> Ao homem – Matéria cósmica – Raça adâmica – A<br />
subconsciência – Espírito – Vida e morte – Nos véus da carne –<br />
Homem da Terra – Nas sombras – Confissão – Homemverme –<br />
Gratidão a Leopoldina – Civilização em ruínas – A Lei – A um<br />
observador materialista – Ante o Calvário – Atualida<strong>de</strong><br />
PARAIBANO. Nasceu em 1884 e <strong>de</strong>sencarnou em 1914, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Leopoldina. Minas. Era professor no Colégio Pedro II, inconfundível pela bizarria<br />
da técnica bem como dos assuntos <strong>de</strong> sua predileção, <strong>de</strong>ixou um só livro — Eu —<br />
que foi, alias, suficiente para lhe dar personalida<strong>de</strong> original.<br />
VOZ DO INFINITO<br />
1<br />
No excêntrico labor das minhas normas<br />
Na Terra, muita vez me consumia<br />
Perquirindo nas leis da Biologia<br />
As expressões orgânicas das formas.<br />
O fenômeno apenas, porque o fundo<br />
Do númeno às eternas rutilâncias,<br />
Eram partes do Todo nas Substâncias<br />
Des<strong>de</strong> o estado prodrômico do mundo.<br />
Com o espírito absconso em paroxismos,<br />
No rubro incêndio <strong>de</strong> batalha acesa,<br />
Via Deus adstrito à Natureza,<br />
Deus era a lei <strong>de</strong> eternos transformismos.<br />
Concepção panteística, englobando<br />
As substâncias todas na Unida<strong>de</strong>,<br />
Perpetuandose em continuida<strong>de</strong>,<br />
A essência onicriadora reformando.
64 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
O corpo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o embrião inicial,<br />
Era um mero atavismo revivendo;<br />
A alma era a molécula, sofrendo,<br />
Afastada do Todo Universal;<br />
Dominavame todo o medo horrível,<br />
Do meu viver, que eu via transtornado:<br />
Eu era um átomo individuado<br />
Em cerebralida<strong>de</strong> putrescível.<br />
A luz <strong>de</strong>ssa dourada ignorância,<br />
E com certezas lógicas, numéricas,<br />
Notava as pestilências cadavéricas<br />
Iguais à carne Angélica da infância,<br />
A sutilez do arminho que se veste,<br />
A coroa aromática das flores,<br />
Irmanadas aos pútridos fedores<br />
De emanações pestíferas da peste!<br />
Extravagância e excesso jamais visto,<br />
De i<strong>de</strong>ia que esteriliza e <strong>de</strong>sensina,<br />
Loucura que igualava Messalina<br />
A pureza lirial da Mãe do Cristo.<br />
Assim vivi na presunção que via,<br />
Dos cumes da Ciência e do saber,<br />
Os princípios genéricos do ser,<br />
No pantanal da lama em que eu vivia.<br />
Vi, porém, a matéria apodrecer,<br />
E na individualida<strong>de</strong> indivisível<br />
Ouvi a voz esplêndida e terrível<br />
Da luz, na luz etérica a dizer:<br />
2<br />
“Louco, que emerges <strong>de</strong> apodrecimentos,<br />
Alma pobre, esquelético fantasma<br />
Que gastaste a energia do teu plasma<br />
Em combates estéreis, famulentos...<br />
Em teus dias inúteis, foste apenas<br />
Um corvo ou sanguessuga <strong>de</strong> <strong>de</strong>funtos,<br />
Vendo somente a cárie dos conjuntos,<br />
Entre as sombras das lágrimas terrenas.
65 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Vias os teus iguais, iguais aos odres<br />
On<strong>de</strong> se guarda o fragmento imundo.<br />
De todo o esterco que apavora o mundo<br />
E os tóxicos letais dos corpos podres.<br />
E tanto viste os corpos e as matérias<br />
No esterquilínio generalizados.<br />
E os instintos hidrófobos, danados,<br />
Em meio <strong>de</strong> excrescências e misérias<br />
Que corrompeste a íntima saú<strong>de</strong><br />
Da tua alma cegada <strong>de</strong> amargores,<br />
Que na Terra não viu os esplendores<br />
E as ignívomas luzes da virtu<strong>de</strong>.<br />
Olhos cegos às chamas da bonda<strong>de</strong><br />
De Deus e à divina misericórdia,<br />
Que espalha o bem e as auras da concórdia<br />
No coração <strong>de</strong> toda a Humanida<strong>de</strong>.<br />
Descansa, agora, vibrião das ruínas.<br />
Esquece o verme, as carnes, os estrumes.<br />
Retemperate em meio dos perfumes<br />
Cantando a luz das amplidões divinas.”<br />
3<br />
Calouse a voz. E sufocando gritos,<br />
Filhos do pranto que me espedaçava,<br />
Reconheci que a vida continuava<br />
Infinita, em eternos infinitos!<br />
VOZES DE UMA SOMBRA<br />
Don<strong>de</strong> venho Das eras remotíssimas,<br />
Das substâncias elementaríssimas,<br />
Emergindo das cósmicas matérias.<br />
Venho dos invisíveis protozoários,<br />
Da confusão dos seres embrionários,<br />
Das células primevas, das bactérias.<br />
Venho da fonte eterna das origens,<br />
No turbilhão <strong>de</strong> todas as vertigens,<br />
Em mil transmutações, fundas e enormes;<br />
Do silêncio da mônada invisível,<br />
Do tetro e fundo abismo, negro e horrível,<br />
Vitalizando corpos multiformes.
66 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Sei que evolvi e sei que sou oriundo<br />
Do trabalho telúrico do mundo,<br />
Da Terra no vultoso e imenso abdômen;<br />
Sofri, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as intensas torpitu<strong>de</strong>s<br />
Das larvas microscópicas e ru<strong>de</strong>s,<br />
A infinita <strong>de</strong>sgraça <strong>de</strong> ser homem.<br />
Na Terra, apenas fui terrível presa,<br />
Simbiose da dor e da tristeza,<br />
Durante penosíssimos minutos;<br />
A dor, essa tirânica incendiária,<br />
Abatiame a vida solitária<br />
Como se eu fora bruto entre os mais brutos.<br />
Depois, voltei <strong>de</strong>sse laboratório,<br />
On<strong>de</strong> me revolvi como infusório,<br />
Como animálculo medonho, obscuro,<br />
Té atingir a evolução dos seres<br />
Conscientes <strong>de</strong> todos os <strong>de</strong>veres,<br />
Descortinando as luzes do futuro.<br />
E vejo os meus incógnitos problemas<br />
Iguais a horrendos e fatais dilemas,<br />
Enigmas insolúveis e profundos;<br />
Sombra egressa <strong>de</strong> lousa dura e fria,<br />
Grito ao mundo o meu grito que se alia<br />
A todos os anseios gemebundos: —<br />
“Homem! por mais que gastes teus fosfatos<br />
Não saberás, analisando os fatos,<br />
Inda que <strong>de</strong>sintegres energias,<br />
A razão do completo e do incompleto,<br />
Como é que em homem se transforma o feto<br />
Entre os duzentos e setenta dias.<br />
A flor da laranjeira, a asa do inseto,<br />
Um estafermo e um Tales <strong>de</strong> Mileto,<br />
Como existiram, não perceberás;<br />
E nem compreen<strong>de</strong>rás como se opera<br />
A mutação do inverno em primavera,<br />
E a transubstanciação da guerra em paz;
67 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Como vivem o novo e o obsoleto,<br />
O ângulo obtuso e o ângulo reto<br />
Dentro das linhas da Geometria;<br />
A luz <strong>de</strong> Miguel Angelo nas artes,<br />
E o espírito profundo <strong>de</strong> Descartes<br />
No eterno estudo da Filosofia.<br />
Porque existem as crianças e os macróbios<br />
Nas coletivida<strong>de</strong>s dos micróbios<br />
Que fazem a vida enferma e a vida sã;<br />
Os antigos remédios alopatas<br />
E as mo<strong>de</strong>rnas dosagens homeopatas,<br />
Produto da experiência <strong>de</strong> Hahnemann.<br />
A psíquicoanálise freudiana<br />
Tentando aprofundar a alma humana<br />
Com a mais requintadíssima vaida<strong>de</strong>,<br />
E as teorias do Espiritualismo<br />
Enchendo os homens todos <strong>de</strong> otimismo,<br />
Mostrando as luzes da imortalida<strong>de</strong>.<br />
Como vive o canário junto ao corvo,<br />
O céu iluminado, o inferno torvo<br />
Nos absconsos refolhos da consciência;<br />
O laconismo e a prolixida<strong>de</strong>,<br />
A ativida<strong>de</strong> e a inativida<strong>de</strong>,<br />
A noite da ignorância e o sol da Ciência.<br />
As epi<strong>de</strong>rmes e as aponevroses,<br />
As gran<strong>de</strong>s atonias e as nevroses,<br />
As atrações e as gran<strong>de</strong>s repulsões,<br />
Que reunindo os átomos no solo<br />
Tecem a evolução <strong>de</strong> pólo a pólo,<br />
Em prodigiosas manifestações;<br />
Como os <strong>de</strong>generados blasto<strong>de</strong>rmas<br />
Criam a <strong>de</strong>scendência dos palermas<br />
No lupanar das pobres meretrizes,<br />
Junto dois palacetes higiênicos,<br />
On<strong>de</strong> entre gozos fúlgidos e edênicos<br />
Cresce a alegre progênie dos felizes.
68 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Os lombricói<strong>de</strong>s mínimos, os vermes,<br />
Em contraposição com os paqui<strong>de</strong>rmes,<br />
Assombrosas antíteses no mundo;<br />
É o gigante e o germe originário,<br />
Os milhões <strong>de</strong> corpúsculos do ovário,<br />
On<strong>de</strong> há somente um óvulo fecundo.<br />
A alma pura do Cristo e a <strong>de</strong> Tibério,<br />
Vaso <strong>de</strong> carne podre, o cemitério,<br />
E o jardim rescen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong> perfumes;<br />
O doloroso e tetro cataclismo<br />
Da beleza louçã do organismo,<br />
Repleto <strong>de</strong> <strong>de</strong>jetos e <strong>de</strong> estrumes.<br />
As coisas sustanciais e as coisas ocas,<br />
As i<strong>de</strong>ias conexas e as loucas,<br />
A teoria cristã e Augusto Comte;<br />
E o <strong>de</strong>sconhecido e o <strong>de</strong>vassado,<br />
E o que é ilimitado e o limitado<br />
Na óptica ilusória do horizonte.<br />
Os terrenos povoados e o <strong>de</strong>serto,<br />
Aquilo que está longe e o que está perto;<br />
O que não tem sinal e o que tem marca;<br />
A funda simpatia e a antipatia,<br />
As atrofias e a hipertrofia,<br />
Como as tuberculoses e a anasarca.<br />
Os fenômenos todos geológicos,<br />
Psíquicos, científicos, sociológicos,<br />
Que inspiram pavor e inspiram medo,<br />
Homem! por mais que a i<strong>de</strong>ia tua gastes,<br />
Na solução <strong>de</strong> todos os contrastes,<br />
Não saberás o cósmico segredo.<br />
E apesar da teoria mais abstrusa<br />
Dessa ciência inicial, confusa,<br />
A que se acolhem míseros ateus,<br />
Caminharás lutando além da cova,<br />
Para a Vida que eterna se renova,<br />
Buscando as perfeições do Amor em Deus.”
69 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
VOZ HUMANA<br />
Uma voz. Duas vozes. Outras vozes.<br />
Milhões <strong>de</strong> vozes. Cosmopolitismos.<br />
Gritos <strong>de</strong> feras em paroxismos,<br />
Uivando subjugadas e ferozes.<br />
É a voz humana em intérminas nevroses,<br />
Seja nas concepções dos ateísmos,<br />
Ou mesmo vinculada a gnosticismos<br />
Nos singultos preagônicos, atrozes.<br />
É nessa eterna súplica angustiada<br />
Que eu vejo a dor em gozos, insaciada,<br />
Nutrirse <strong>de</strong> famélicos prazeres.<br />
A dor, que gargalhando em nossas dores,<br />
É a obreira que tece os esplendores<br />
Da evolução onímoda dos seres.<br />
ALMA<br />
Nos combates ciclópicos, titânicos,<br />
Que eu às vezes na Terra empreendia,<br />
Nos vastos campos da Psicologia,<br />
Buscava as almas, seres inorgânicos;<br />
Nas lágrimas, nos risos e nos pânicos,<br />
Nos distúrbios sutis da hipocondria,<br />
Nas <strong>de</strong>fectivida<strong>de</strong>s da estesia,<br />
Nos instintos soezes e tirânicos,<br />
Somente achava corpos na existência,<br />
E o sangue em continuada efervescência<br />
Com impulsos terríficos e tredos.<br />
Enceguecido e louco então que eu era,<br />
Que não via, dos astros à monera,<br />
As luzes dalma em trágicos segredos.
70 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
ANÁLISE<br />
Oh! que <strong>de</strong>sdita estranha a <strong>de</strong> nascermos<br />
Nas sombras melancólicas dos ermos,<br />
Nos recantos dos mundos inferiores,<br />
On<strong>de</strong> a luz é penumbra tênue e vaga,<br />
Que, sem vigor, fraquíssima, se apaga<br />
Ao furacão indômito das dores.<br />
Voracida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> a alma se mergulha,<br />
Apoucado Narciso que se orgulha<br />
Na profun<strong>de</strong>za ignota dos abismos<br />
Da carne, que, estrambótica, apodrece;<br />
Que atrofiada, hipertrófica, parece<br />
Cataclismo dos gran<strong>de</strong>s cataclismos.<br />
Pren<strong>de</strong>rmonos ao fogo dos instintos,<br />
Serpentes entre escrófulas e helmintos,<br />
Multiplicando as lágrimas e os trismos,<br />
Tendo a alma — centelha, luz e chama —<br />
Amalgamada em pântanos <strong>de</strong> lama,<br />
Em sexualida<strong>de</strong>s e histerismos.<br />
Misturarmos clarões <strong>de</strong> sentimentos<br />
Entre vísceras, nervos, tegumentos,<br />
Na agregação da carne e dos humores,<br />
Atrocida<strong>de</strong> das atrocida<strong>de</strong>s;<br />
Enegrecermos luminosida<strong>de</strong>s<br />
Na macabra esterqueira dos tumores.<br />
E nisto achar fantásticos prazeres,<br />
Ilusão hiperbólica dos seres<br />
Bestializados, materializados;<br />
Espíritos em ânsias retroativas,<br />
No transcorrer das vidas sucessivas,<br />
Nas ferezas do instinto, atassalhados.<br />
Mas a análise crua do que eu via,<br />
Hedionda lição <strong>de</strong> anatomia,<br />
É mais que uma atrevida aberração:<br />
Que se quebre o escalpelo <strong>de</strong> meus versos:<br />
Entreguemos a Deus seus universos<br />
Que elaboram a eterna evolução.
71 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
EVOLUÇÃO<br />
Se <strong>de</strong>vassássemos os labirintos<br />
Dos eternos princípios embrionários,<br />
A ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> impulsos e <strong>de</strong> instintos,<br />
Rudimentos dos seres planetários;<br />
Tudo o que a poeira cósmica elabora<br />
Em sua ativida<strong>de</strong> interminável,<br />
O anseio da vida, a onda sonora,<br />
Que percorrem o espaço imensurável;<br />
Veríamos o evolver dos elementos,<br />
Das origens às súbitas asceses,<br />
Transformandose em luz, em sentimentos,<br />
No assombroso prodígio das esteses;<br />
No profundo silêncio dos inermes,<br />
Inferiores e rudimentares,<br />
Nos rochedos, nas plantas e nos vermes,<br />
A mesma luz dos corpos estelares!<br />
É que, dos invisíveis microcosmos,<br />
Ao monólito enorme das ida<strong>de</strong>s,<br />
Tudo é clarão da evolução do cosmos,<br />
Imensida<strong>de</strong> nas imensida<strong>de</strong>s!<br />
Nós já fomos os germes doutras eras,<br />
Enjaulados no cárcere das lutas;<br />
Viemos do principio das moneras,<br />
Buscando as perfeições absolutas.
72 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
HOMO<br />
1<br />
Ao meu tétrico olhar abominável,<br />
O homem é fruto insólito da ânsia,<br />
Heterogeneida<strong>de</strong>s da Substância,<br />
Argamassando um Todo miserável.<br />
Psique dolorosa e inexpressável<br />
Na mais remota epíspase da infância,<br />
Des<strong>de</strong> a mais abscôndita reentrância<br />
Da sua embriogenia <strong>de</strong>testável.<br />
Do intravascular princípio informe,<br />
Larva repugnante e vermiforme,<br />
Nos íntimos recôncavos da placenta.<br />
A quietação dos túmulos inermes,<br />
Era um feixe <strong>de</strong> mônadas <strong>de</strong> vermes,<br />
Dissolvidos na terra famulenta.<br />
2<br />
Após a introspecção do Além da Morte,<br />
Vendo a terra que os próprios ossos come,<br />
Horrente a <strong>de</strong>vorar com se<strong>de</strong> e fome<br />
Minhas carnes em lúbrico transporte,<br />
Vi que o “ego” era o alento flãmeo e forte<br />
Da luz mental que a morte não consome.<br />
Não há luta mavórtica que o dome,<br />
Ou venenada lâmina que o corte.<br />
Depois da estercorária microbiana,<br />
De que o planeta triste se engalana<br />
Nas grilhetas do Infinitesimal,<br />
Volve o Espírito ao páramo celeste,<br />
On<strong>de</strong> a divina essência se reveste<br />
Da substância fluida, universal.
73 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
INCÓGNITA<br />
Por que misterioso incompreensível<br />
Vomito ainda em náuseas para o mundo<br />
Todo o fel, toda a bílis do iracundo,<br />
Se eu já não tenho a bílis putrescível<br />
Insondável arcano! por que inundo<br />
Meu exótico ser ultrasensível<br />
Em plena luz e atendo ao gosto horrivel<br />
De apostrofar o pobre corpo imundo<br />
Fluidos teledinâmicos me servem,<br />
Transmitindo as i<strong>de</strong>ias que me fervem<br />
No cérebro can<strong>de</strong>nte, igneo, em brasa...<br />
De que concavida<strong>de</strong> do Universo<br />
Vemme o açoite flamívomo do verso,<br />
Chama da mesma chama que me abrasa<br />
“EGO SUM”<br />
Eu sou quem sou. Extremamente injusto<br />
Seria, então, se não vos <strong>de</strong>clarasse,<br />
Se vos mentisse, se mistificasse<br />
No anonimato, sendo eu o Augusto.<br />
Sou eu que, com intelecto <strong>de</strong> arbusto,<br />
Jamais cri, e por mais que o procurasse,<br />
Quer com Darwin, com Haeckel, com Laplace,<br />
Levantarme do leito <strong>de</strong> Procusto.<br />
Sou eu, que a rota etérica transponho<br />
Com a rapi<strong>de</strong>z fantástica do sonho,<br />
Inexprimível nas termologias,<br />
O mesmo triste e estrábico produto,<br />
Atramente a gemer a mágoa e o luto,<br />
Nas mais contrárias idiossincrasias.
74 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
DENTRO DA NOITE<br />
É noite. A Terra volvo. E, lúcido, entro<br />
Em relação com o mundo on<strong>de</strong> concentro<br />
O espírito na queixa atordoadora<br />
Da prisioneira, da perpétua gra<strong>de</strong>,<br />
— A misérrima e pobre Humanida<strong>de</strong>,<br />
Aterradoramente sofredora!<br />
Ausculto a humana dor, que hórrida sinto,<br />
D’alma quebrando o cárcere do instinto,<br />
Buscando ávida a luz. Por mais que son<strong>de</strong>,<br />
Mais o enigma do mundo se lhe aviva,<br />
Em diferenciação <strong>de</strong>finitiva,<br />
Mais a luz <strong>de</strong>sejada se lhe escon<strong>de</strong>!<br />
É o quadro mesológico, tremendo,<br />
De tudo o que ficou no abismo horrendo<br />
Da tenebrosa noite dos gemidos;<br />
São uivos dos instintos jamais hartos,<br />
As dores espasmódicas dos partos,<br />
A <strong>de</strong>sgraça dos úteros falidos.<br />
É a ânsia afrodíslaca das bocas,<br />
Que nas bestialida<strong>de</strong>s se unem loucas,<br />
As bactérias mais vis ambas trocando;<br />
As dolorosas mágoas dos enfermos,<br />
Sentindose em seus leitos como em ermos,<br />
Deplorando o <strong>de</strong>stino miserando.<br />
São os ais dos leprosos <strong>de</strong>sprezados,<br />
Tendo os seus organismos <strong>de</strong>vastados<br />
Pela fome insaciável dos micróbios,<br />
Sentindo os próprios membros carcomidos,<br />
Verminados, cruéis, apodrecidos,<br />
Plantando a dor no chão dos seus cenóbios...
75 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
É o grito, o anseio, a lágrima do homem<br />
Agrilhoado aos prantos que o consomem,<br />
Preso às dores que se lhe agrilhoaram;<br />
É a imprecação <strong>de</strong> todos os lamentos<br />
Dentro do mundo <strong>de</strong> pa<strong>de</strong>cimentos,<br />
Dos <strong>de</strong>sejos que não se realizaram.<br />
Pábulo sou <strong>de</strong>ssa hórrida agonia<br />
E nos abismos <strong>de</strong> hiperestesia<br />
Experimento, além das catacumbas,<br />
Essa angústia indomável, atrocíssima,<br />
Junto da emanação requintadíssima<br />
Do ácido sulfídrico das tumbas,<br />
Trazendo <strong>de</strong>ntro d’alma, envoltos na ânsia,<br />
Asco e dó, pieda<strong>de</strong> e repugnância<br />
Pelo espírito e o corpo nauseabundo;<br />
E com os meus pensamentos <strong>de</strong>sconexos,<br />
Vejo a guerra pestífera dos sexos,<br />
Abominando as coisas <strong>de</strong>ste mundo.<br />
Terra!... e chegamme fortes cheiros acres,<br />
Como o cheiro <strong>de</strong> sangue dos massacres,<br />
Fétido, coagulado, <strong>de</strong>composto,<br />
Escorrendo num campo <strong>de</strong> batalhas<br />
On<strong>de</strong> as almas se vestem <strong>de</strong> mortalhas,<br />
Des<strong>de</strong> o solposto, ao próximo solposto.<br />
Apavorame o horror <strong>de</strong>ssa miséria<br />
E fujo da imundície da matéria,<br />
On<strong>de</strong> traguei meus gran<strong>de</strong>s amargores;<br />
Fujo... E ainda transpondo o Azul sereno,<br />
Sinto em minhalma o tóxico, o veneno<br />
E a <strong>de</strong>sdita dos seres sofredores.
76 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
HOMEMCÉLULA<br />
Homem! célula ainda escravizada<br />
Nos turbilhões das lutas cognitivas,<br />
Egressa do arsenal <strong>de</strong> forças vivas<br />
Que chamamos — estática do Nada.<br />
Sob transformações consecutivas,<br />
Vem <strong>de</strong>ssa Origem in<strong>de</strong>terminada,<br />
On<strong>de</strong> se oculta a luz in<strong>de</strong>cifrada<br />
Dos princípios das luzes coletivas.<br />
Vem através do Todo <strong>de</strong> elementos,<br />
Em sucessivos aperfeiçoamentos,<br />
Objetivando a Personalida<strong>de</strong>,<br />
Até achar a Perfeição profunda<br />
E indivisível, pura, e se confunda,<br />
No transcen<strong>de</strong>ntalismo da Unida<strong>de</strong>.<br />
NA IMENSIDADE<br />
Alma humana, alma humana, tu que dormes<br />
Entre os gran<strong>de</strong>s colossos <strong>de</strong>sconformes<br />
Da carne, essa voraz liberticida,<br />
Desse teu escafandro <strong>de</strong> albuminas,<br />
Em tua mesquinhez não imaginas<br />
A intensida<strong>de</strong> esplêndida da Vida!<br />
Inda não vês e eu vejo panoramas<br />
De luz em gigantescos amalgamas<br />
De sóis, nas regiões imensuráveis,<br />
Auscultando os espaços mais profundos<br />
Na sinfonia harmônica dos mundos,<br />
Singrando a luz <strong>de</strong> céus incomparáveis.<br />
Do teu laboratório <strong>de</strong> arterites,<br />
De gangliomas, úlceras, nevrites<br />
Ao lado <strong>de</strong> humaníssimas vaida<strong>de</strong>s,<br />
Não po<strong>de</strong>s perceber as ressonâncias,<br />
Quintaessências <strong>de</strong> todas as substâncias<br />
Na flui<strong>de</strong>z das eletricida<strong>de</strong>s.
77 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Aqui não há vertigens <strong>de</strong> nevróticos,<br />
Nem bisonhos aspectos <strong>de</strong> cloróticos<br />
Nas estradas <strong>de</strong> eternos otimismos!<br />
A vida imensa é coro <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>zas,<br />
Submersão nas fluídicas belezas,<br />
Envergando os etéreos organismos.<br />
Ante a minhalma fulgem i<strong>de</strong>ogramas,<br />
Pensamentos radiosos como chamas,<br />
Combinações no Mundo das Imagens;<br />
São vibrações das almas evolvidas<br />
E que, concretizadas e reunidas,<br />
Formam luminosíssimas paisagens...<br />
Em pleno espaço — Imensida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ânsias,<br />
Sem aritmologias das distâncias,<br />
Sem limites, sem número, sem fim.<br />
Deus e Pai, ó Artista Inimitável,<br />
Deixai meu ser esdrúxulo, execrável,<br />
No prolongado e edênico festim!<br />
“ALTER EGO”<br />
Da morte estranha que <strong>de</strong>vora as vidas,<br />
Eisme longe dos ru<strong>de</strong>s estertores,<br />
Sem guardar os micróbios homicidas<br />
De eternos atavismos <strong>de</strong>struidores.<br />
Tenho outro ser talhado pelas dores<br />
De minhas pobres células falidas,<br />
Que se putrefizeram consumidas<br />
Com os seus instintos atordoadores.<br />
Não sou o homúnculo da hominal espécie,<br />
Da terrigena raça que pa<strong>de</strong>ce<br />
Das mais pungentes heteromorfias.<br />
Mas contérmino à carne, que me aterra,<br />
Envolvome nos fluidos maus da Terra,<br />
E sou o espectro das anomalias.
78 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
AOS FRACOS DA VONTADE<br />
Homem, levanta o véu do teu futuro,<br />
Troca o prazer sensualista e obscuro<br />
Pelo conhecimento da Verda<strong>de</strong>.<br />
Foge do escuro ergástulo do mundo<br />
E abandona o <strong>de</strong>sejo moribundo<br />
Pelo po<strong>de</strong>r da tua divinda<strong>de</strong>.<br />
Teu corpo é todo um orbe gran<strong>de</strong> e vasto:<br />
Livrao do mal unífero, nefasto,<br />
Com a espada resplen<strong>de</strong>nte da virtu<strong>de</strong>;<br />
Que o sol da tua mente, eterno, esplenda,<br />
Dando a teu mundo a mágica oferenda<br />
Da alegria em divina plenitu<strong>de</strong>.<br />
Deixa o conjunto <strong>de</strong> ancestralida<strong>de</strong>s<br />
Da carne — o eterno símbolo do Ha<strong>de</strong>s —<br />
On<strong>de</strong> o espírito clama, sofre e chora;<br />
Deixa que as tuas glândulas do pranto<br />
Te salvem do cadinho sacrossanto<br />
Da lágrima pungente e re<strong>de</strong>ntora.<br />
Mas, sobretudo, observa o pensamento,<br />
Fonte da força e altíssimo elemento,<br />
Em que toda molécula se cria:<br />
Da existência ele faz sepulcro abjeto<br />
Ou jardim luminoso e predileto,<br />
De arcangélicas flores <strong>de</strong> Harmonia.<br />
Ouvete sempre a ronda do mistério,<br />
Mas faze <strong>de</strong> tua alma um gran<strong>de</strong> império<br />
De beleza, <strong>de</strong> paz e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>:<br />
Que as tuas agregações moleculares<br />
Vivam livres <strong>de</strong> todos os pesares,<br />
Com os tônicos sagrados da Virtu<strong>de</strong>.<br />
Tua vonta<strong>de</strong> esclarecida e forte<br />
Triunfará das angústias e da morte<br />
Além dos planos tristes da matéria,<br />
Mas a tua vonta<strong>de</strong> enfraquecida<br />
É a meretriz no báratro da vida,<br />
Amarrada no catre da miséria!
79 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
AO HOMEM<br />
Tu não és força nêurica somente,<br />
Movimentando células <strong>de</strong> argila,<br />
Lama <strong>de</strong> sangue e cal que se aniquila<br />
Nos abismos do Nada eternamente;<br />
És mais, és muito mais, és a cintila<br />
Do Céu, a alma da luz resplan<strong>de</strong>cente,<br />
Que um mistério implacável e inclemente<br />
Amortalhou na carne atra e intranquila.<br />
Apesar das verda<strong>de</strong>s fisiológicas,<br />
Reflexas das ações psicológicas,<br />
Nas células primevas da existência,<br />
És um ser imortal e responsável,<br />
Que tens a liberda<strong>de</strong> incontestável<br />
E as lições da verda<strong>de</strong> na consciência.<br />
MATÉRIA CÓSMICA<br />
Glória à matéria cósmica, a energia<br />
Potencial que dá vida aos elementos,<br />
Base <strong>de</strong> portentosos movimentos<br />
On<strong>de</strong> a Forma se acaba e principia.<br />
Sistematização dos argumentos<br />
Que elucidam a Teleologia:<br />
Dentro da força cósmica se cria<br />
A fontemáter dos conhecimentos.<br />
É do mundo o Od ignoto, o éter divino,<br />
On<strong>de</strong> Deus grava a história do <strong>de</strong>stino<br />
Dos seus feitos <strong>de</strong> Amor no Amor imersos.<br />
Livro on<strong>de</strong> o Criador Inimitável<br />
Grava, com o pensamento almo e insondável,<br />
Seus poemas <strong>de</strong> seres e universos.
80 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
RAÇA ADÂMICA<br />
A Civilização traz o gravame<br />
Da origem remotíssima dos Arias,<br />
Estirpe das escórias planetárias,<br />
Segregadas num mundo amargo e infame.<br />
Árvore genealógica <strong>de</strong> párias,<br />
Fazse mister que o cárcere a conclame,<br />
Para a reparação e para o exame<br />
Dos seus crimes nas quedas milenárias.<br />
Foi essa raça podre <strong>de</strong> miséria<br />
Que fez nascer na carne <strong>de</strong>letéria<br />
A esperança nos Céus inesquecidos;<br />
Glorificando o Instinto e a inteligência,<br />
Fez da Terra o brilhante gral da Ciência,<br />
Mas um mundo <strong>de</strong> <strong>de</strong>uses <strong>de</strong>caídos.<br />
A SUBCONSCIÊNCIA<br />
Há, sim, a inconsciência prodigiosa<br />
Que guarda pequeninas ocorrências<br />
De todas as vividas existências<br />
Do Espírito que sofre, luta e goza.<br />
Ela é a registradora misteriosa<br />
Do subjetivismo das essências,<br />
Consciência <strong>de</strong> todas as consciências,<br />
Fora <strong>de</strong> toda a sensação nervosa.<br />
Câmara da memória in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />
Arquiva tudo rigorosamente<br />
Sem massas cerebrais organizadas,<br />
Que o neurônio oblitera por momentos,<br />
Mas que é o conjunto dos conhecimentos<br />
Das nossas vidas estratificadas.
81 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
ESPÍRITO<br />
Busca a Ciência o Ser pelos ossuários,<br />
No órgão morto, impassível, atro e mudo;<br />
No labor anatômico, no estudo<br />
Do germe, em seus impulsos embrionários;<br />
Mas só encontra os vermesfuncionários<br />
No seu trabalho infame, horrendo e rudo,<br />
De consumir as podridões <strong>de</strong> tudo,<br />
Nos seus medonhos ágapes mortuários.<br />
No meio triste <strong>de</strong> cadaverinas<br />
Achase apenas ruína sobre ruínas,<br />
Como o bolor e o mofo sob as heras;<br />
A alma que é Vibração,<br />
Vida e Essência, Está nas luzes da sobrevivência,<br />
No transcen<strong>de</strong>ntalismo das esferas.<br />
VIDA E MORTE<br />
A morte é como um fato resultante<br />
Das ações <strong>de</strong> um fenômeno vulgar,<br />
Desorganização molecular,<br />
Fim das forças do plasma agonizante.<br />
Mas a vida a si mesma se garante<br />
Na sua eternida<strong>de</strong> singular,<br />
E em sua transcendência vai buscar<br />
A luz do espaço, fúlgida e distante!<br />
Vida e Morte — fenômenos divinos,<br />
Na ascendência <strong>de</strong> todos os <strong>de</strong>stinos,<br />
Do portentoso amor <strong>de</strong> Deus oriundos...<br />
Vida e Morte — Presente eterno da ânsia,<br />
Ou condição diversa da substância,<br />
Que manifesta o espírito nos mundos.
82 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
NOS VÉUS DA CARNE<br />
Na ilusão material da carne espúria,<br />
Sob o acervo das células taradas,<br />
Choram <strong>de</strong> dor as almas con<strong>de</strong>nadas<br />
Ao cárcere <strong>de</strong> lágrima e penúria.<br />
Entre as sombras das míseras estradas,<br />
Vêse a guerra da inveja e da luxúria,<br />
Esfacelando com medonha fúria<br />
O coração das almas bem formadas.<br />
É nesse turbilhão <strong>de</strong> dor e <strong>de</strong> ânsia<br />
Que o homem procura a eterna substância<br />
Da verda<strong>de</strong> suprema, alta, imortal.<br />
Deixando corpos pelos cemitérios,<br />
A alma <strong>de</strong>cifra o livro dos mistérios<br />
De luz e amor da vida universal.<br />
HOMEM DA TERRA<br />
Na sombra abjeta e espessa das estradas,<br />
Vive o homem da Terra adormecido,<br />
No horrendo pesa<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> um vencido<br />
Entre milhões <strong>de</strong> células cansadas.<br />
Prantos sinistros! Loucas gargalhadas,<br />
Pavorosos esgares <strong>de</strong> gemido,<br />
E lá vai o fantasma embrutecido<br />
Pelas sombras <strong>de</strong> lôbregas jornadas.<br />
Homem da Terra! trágico segredo<br />
De Miséria, <strong>de</strong> Horror, <strong>de</strong> ânsia e <strong>de</strong> Medo,<br />
Feito à noite <strong>de</strong> enigma profundo!...<br />
Anjo da Sombra, mísero e perverso,<br />
És o sentenciado do Universo<br />
Na gra<strong>de</strong> organogênica do mundo.
83 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
NAS SOMBRAS<br />
Bombar<strong>de</strong>ios. Canhões. Trevas. Muralhas.<br />
E rasteja o dragão horrendo e informe,<br />
Espalhando a miséria e o luto enorme<br />
Em miserabilíssimas batalhas.<br />
Visões apocalípticas do mal,<br />
Desenhadas por corvos vagabundos,<br />
Gritam a dor <strong>de</strong> povos moribundos<br />
Na sinistra hecatombe universal.<br />
A civilização do <strong>de</strong>sconforto,<br />
De mentira e veneno cerebrais,<br />
Vai carpindo nos tristes funerais<br />
Do seu fausto <strong>de</strong> sombra, amargo e morto.<br />
Quadros <strong>de</strong> sangue, lágrimas e horrores<br />
Avassalam <strong>de</strong> dor o mundo inteiro,<br />
É o triunfo terrível do coveiro,<br />
Ossuários tremendos sob as flores.<br />
Enquanto a <strong>de</strong>sventura chora inerme,<br />
O homem, filosófico ou sem nome,<br />
Morre <strong>de</strong> frio e fel, <strong>de</strong> se<strong>de</strong> e fome,<br />
Nas vitórias fantásticas do verme.<br />
Ai <strong>de</strong> vós nos abismos da aflição,<br />
Sem o raio <strong>de</strong> luz da crença amiga:<br />
Desventurado aquele que prossiga<br />
Sem o Cristo <strong>de</strong> Amor no coração.
84 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
CONFISSÃO<br />
Também eu, mísero espectro das dores<br />
No escafandro das células cativas,<br />
Não encontrei a luz das forças vivas,<br />
Apesar <strong>de</strong> ingentíssimos labores.<br />
Bem distante, das causas positivas,<br />
Na visão dos micróbios <strong>de</strong>struidores<br />
Senti somente angústias e estertores,<br />
No turbilhão das sombras negativas.<br />
Foi preciso “morrer” no campo inglório,<br />
Para encontrar esse laboratório<br />
De beleza, verda<strong>de</strong> e transformismo!<br />
A Ciência sincera é gran<strong>de</strong> e augusta,<br />
Mas só a Fé, na estrada eterna e justa,<br />
Tem a chave do Céu, vencendo o abismo!...<br />
HOMEMVERME<br />
Desolação, terror e morticínio.<br />
O homem sôfrego e bruto, <strong>de</strong> ânsia em ânsia,<br />
Sofre agora a sinistra ressonância<br />
De sua inclinação para o extermínio.<br />
É o doloroso e trágico domínio<br />
Do “homo homini lupus” da ignorância,<br />
Exaltando a vaida<strong>de</strong> sem substância,<br />
Ídolo podre sobre o esterquilínio.<br />
Por toda a parte, escorre o sangue horrível,<br />
Ao crepitar <strong>de</strong> rúbidos incêndios,<br />
Sobre a i<strong>de</strong>ia cristã medrando em germe.<br />
Em quase tudo, o pântano terrível,<br />
De lodo e lama, em sombra e vilipêndios,<br />
Atestando as vitórias do homemverme!
85 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
GRATIDÃO A LEOPOLDINA (*)<br />
Sem o vulcão <strong>de</strong> dor <strong>de</strong> hórridas lavas,<br />
Beija, Augusto, este solo generoso,<br />
Que te guardou no seio carinhoso<br />
O escafandro das células escravas.<br />
Aqui, buscaste o campo <strong>de</strong> repouso,<br />
Depois das vagas ríspidas e bravas<br />
No mundo áspero e vão, que <strong>de</strong>testavas,<br />
E on<strong>de</strong> sorveste o cálice amargoso.<br />
Volta, Augusto, do pó que envolve as tumbas,<br />
Proclama a vida além das catacumbas,<br />
Nas maravilhas <strong>de</strong> seus resplendores.<br />
Ajoelhate e lembra o último abrigo,<br />
Esquece o travo do tormento antigo<br />
E oscula a <strong>de</strong>stra <strong>de</strong> teus benfeitores.<br />
(*) Poesia recebida em 18 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1940, em Leopoldina, on<strong>de</strong> foi sepultado o poeta.<br />
CIVILIZAÇÃO EM RUÍNAS<br />
Todo o mundo mo<strong>de</strong>rno horrendo, em ruínas,<br />
Deixa agora escapar o horrendo fruto<br />
De miséria e <strong>de</strong> dor, <strong>de</strong> pranto e luto,<br />
Feito <strong>de</strong> sânie e <strong>de</strong> cadaverinas.<br />
Em vão, sobre o Calvário áspero e bruto,<br />
Sangrou Jesus em lágrimas divinas,<br />
Sob as ofensas torpes e tigrinas<br />
A tentaremlhe o espírito incorruto.<br />
Saturada <strong>de</strong> treva, angústia e pena,<br />
A Civilização que se con<strong>de</strong>na<br />
Suicidase num báratro profundo...<br />
Porque na luz dos círculos da Terra,<br />
Nos turbilhões fatídicos da guerra,<br />
Ainda é Caim que impera sobre o mundo.
86 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
A LEI<br />
Em reflexões misérrimas, absorto,<br />
Raciocinava: — “O último tormento<br />
É regressar à carne e ao sofrimento<br />
Sem o triste fenômeno do aborto! ...<br />
Toda a amargura d’alma é o <strong>de</strong>sconforto<br />
De retornar ao corpo famulento,<br />
E apagar toda a luz do pensamento<br />
Nas células <strong>de</strong> um mundo amargo e morto!...“<br />
Mas, uma voz da luz dos gran<strong>de</strong>s mundos,<br />
Em conceitos sublimes e profundos,<br />
Respon<strong>de</strong>ulhe em acentos colossais:<br />
— “Verme que volves dos esterquilínios,<br />
Cessa a miséria <strong>de</strong> teus raciocínios,<br />
Não insultes as leis universais.”<br />
A UM OBSERVADOR MATERIALISTA<br />
Busca o talão dos velhos calendários.<br />
Des<strong>de</strong> o instante infeliz <strong>de</strong> Adão e Eva,<br />
Encontrarás teus gritos solitários,<br />
Enfrentando o pavor da mesma treva.<br />
Sempre a dúvida estranha que se ceva<br />
De terríveis problemas multifários,<br />
O mistério da célula primeva,<br />
Os impulsos dos sonhos embrionários.<br />
Pára, amigo... Não sigas na consulta:<br />
O <strong>de</strong>talhe anatômico te insulta,<br />
A molécula morta <strong>de</strong>safia.<br />
Se não tens coração que aceite a crença,<br />
Espera a mão da morte excelsa, e pensa,<br />
Que a carne volve ao pó, exangue e fria.
87 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
ANTE O CALVÁRIO<br />
Da terra do Calvário ar<strong>de</strong>nte e adusta,<br />
Entre prantos pungentes, o Cor<strong>de</strong>iro<br />
Da Verda<strong>de</strong> e da Luz do mundo inteiro<br />
Vive o martírio <strong>de</strong> sua alma augusta.<br />
Sobre a cruz infamérrima se ajusta<br />
A cruelda<strong>de</strong> do espírito rasteiro<br />
Do homem, que é sempre o tigre carniceiro,<br />
Enquanto grita a turba ignara e injusta.<br />
Depois <strong>de</strong> vinte séculos ingratos,<br />
Multiplicando Hero<strong>de</strong>s e Pilatos,<br />
Correm <strong>de</strong> novo as lágrimas divinas;<br />
Pois, embora o Direito, o Livro e a Toga,<br />
A Humanida<strong>de</strong> triste inda se afoga<br />
No sangue escuro das carnificinas.<br />
ATUALIDADE<br />
Torna Caim ao fausto do proscênio.<br />
A Civilização regressa à taba.<br />
A força primitiva menoscaba<br />
A evolução onímoda do Gênio.<br />
Trevas. Canhões. Apagase o milênio.<br />
A construção dos séculos <strong>de</strong>saba.<br />
Ressurge o crânio do morubixaba<br />
Na cultura da bomba <strong>de</strong> hidrogênio.<br />
Mas, acima do império amargo e exangue<br />
Do homem perdido em pântanos <strong>de</strong> sangue,<br />
Novo sol banha o pélago profundo.<br />
É Jesus que, através da tempesta<strong>de</strong>,<br />
Traz ao berço da Nova Humanida<strong>de</strong><br />
A consciência cósmica do mundo.
88 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
17<br />
AUTA DE SOUZA<br />
Almas dilaceradas – Contrastes – Mágoa – Hora extrema Em<br />
paz Em êxtase – Mãe – Prece – A<strong>de</strong>us – Almas Almas <strong>de</strong><br />
virgens Carta íntima – Maria Mensagem fraterna Vin<strong>de</strong>! O<br />
Senhor vem<br />
NASCIDA em 12 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1876, em Macaíba, Rio Gran<strong>de</strong> do Norte,<br />
<strong>de</strong>sencarnou em 7 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1901, portanto, aos 24 anos, em Natal. Deixou um<br />
único livro, Horto, cuja primeira edição, prefaciada por Olavo Bilac, em outubro <strong>de</strong><br />
1899, apareceu em 1900 e se esgotou em três meses. A segunda edição, feita em<br />
Paris, em 1910, traz uma biografia da Autora por H. Castriano. Finalmente, teve<br />
uma terceira edição no Rio <strong>de</strong> Janeiro, em 1936, prefaciada por Alceu <strong>de</strong> Amoroso<br />
Lima. Espírito melancólico, sofredor, muito místico. Seu estilo simples e triste se<br />
reproduz perfeitamente nestes versos mediúnicos.<br />
ALMAS DILACERADAS<br />
Quando, em dores, na Terra inda, vivia<br />
Caminhando em aspérrimas estradas,<br />
Via presas do pranto e da agonia,<br />
Almas feridas e dilaceradas.<br />
Escutava a miséria que gemia<br />
Dentro da noite <strong>de</strong> ânsias torturadas,<br />
Treva espessa da senda tão sombria<br />
Das criaturas <strong>de</strong>sesperançadas.<br />
E eu, que era irmã dos gran<strong>de</strong>s sofredores,<br />
Sofria, crendo que tais amargores<br />
Encontrariam termos <strong>de</strong>sejados.<br />
E confiada na crença que tivera,<br />
Cheguei à luz da eterna primavera,<br />
On<strong>de</strong> há paz para os pobres <strong>de</strong>sgraçados.
89 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
CONTRASTES<br />
Existe tanta dor <strong>de</strong>sconhecida<br />
Ferindo as almas pelo mundo em fora,<br />
Tanto amargor <strong>de</strong> espírito que chora<br />
Em cansaços nas lutas pela vida;<br />
E há também os reflexos da aurora<br />
De ventura, que torna a alma florida,<br />
A alegria fulgente e estremecida,<br />
Aureolada <strong>de</strong> luz confortadora.<br />
Há, porém, tanta dor em <strong>de</strong>masia,<br />
Sobrepujando instantes <strong>de</strong> alegria,<br />
Tal <strong>de</strong>salento e tantas <strong>de</strong>sventuras,<br />
Que o coração dormente, a pleno gozo,<br />
Deve fugir das horas <strong>de</strong> repouso,<br />
Minorando as alheias amarguras.<br />
MÁGOA<br />
Muitas vezes sonhei na Terra ingrata<br />
O paraíso doce da ventura,<br />
Vendo somente o espinho da amargura<br />
Que as nossas tristes lágrimas <strong>de</strong>sata;<br />
Somente a dor intérmina que mata<br />
A alegria mais lúcida e mais pura,<br />
O veneno da acerba <strong>de</strong>sventura<br />
Que fere em nós a aspiração mais grata.<br />
Se apenas vi, porém, a mágoa intensa<br />
Que rouba a luz, o amor, a paz e a crença,<br />
É que a dor da minhalma em tudo eu via.<br />
E aumentava minha íntima tristeza<br />
Vendo em tudo, na própria Natureza,<br />
A mesma dor que eu tanto pa<strong>de</strong>cia.
90 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
HORA EXTREMA<br />
Quando exalei meus últimos alentos<br />
Nesse mundo <strong>de</strong> mágoas e <strong>de</strong> dores,<br />
Senti meu ser fugindo aos amargores<br />
Dos meus dias tristonhos, nevoentos.<br />
A tortura dos últimos momentos<br />
Era o fim dos meus sonhos promissores,<br />
Do meu viver sem luz, sem paz, sem flores,<br />
Que se extinguia em atros sofrimentos.<br />
Senti, porém, minhalma sofredora<br />
Mergulhada nas brisas <strong>de</strong> uma aurora,<br />
Sem as sombras da dor e da agonia...<br />
Então parti, serena e jubilosa,<br />
Em <strong>de</strong>manda da estrada esplendorosa<br />
Que nos conduz às plagas da harmonia!<br />
EM PAZ<br />
Tanto roguei a paz consoladora,<br />
Durante os meus amargos sofrimentos,<br />
Elevando a Jesus meus pensamentos,<br />
Que recebi a paz confortadora!<br />
Sentindome feliz, ditosa agora,<br />
Nessas paragens <strong>de</strong> <strong>de</strong>slumbramentos,<br />
On<strong>de</strong> terminam todos os tormentos<br />
Que inundam <strong>de</strong> amargor a alma que chora.<br />
Jesus! doce Jesus meigo e bondoso,<br />
Quanto agra<strong>de</strong>ço a paz que conce<strong>de</strong>stes<br />
Ao meu viver tristonho e doloroso!<br />
E <strong>de</strong>sse lindo oásis encantado,<br />
Canto <strong>de</strong> luz dos páramos celestes,<br />
Bendigo o vosso amor ilimitado!
91 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
EM ÊXTASE<br />
Aos teus pés, meu Jesus, a vida inteira,<br />
Abrasada <strong>de</strong> amor eu viveria,<br />
Sorvendo a luz no cálix da harmonia,<br />
Em paz serena, eterna e <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira!...<br />
Por teu amor, Jesus, inda quisera<br />
Volver ao pó da carne dos mortais,<br />
Para cantar a terna primavera<br />
Do teu amor nas lutas terrenais<br />
Depois da treva espessa da amargura:<br />
Para exaltar as luzes que me <strong>de</strong>ste<br />
Na cariciosa e doce paz celeste,<br />
Meu tesouro <strong>de</strong> fúlgida ventura;<br />
Para contar tua bonda<strong>de</strong> imensa<br />
Aos meus irmãos, os homens pecadores,<br />
Mergulhados na noite da <strong>de</strong>scrença,<br />
Nos abismos dos males e das dores;<br />
Para falar a todas as criaturas,<br />
Da tua alma esplen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> bonda<strong>de</strong>,<br />
Afastando as amargas <strong>de</strong>sventuras<br />
Do coração da pobre Humanida<strong>de</strong>!<br />
Aos teus pés, meu Jesus, a vida inteira,<br />
Abrasada <strong>de</strong> amor eu viveria,<br />
Sorvendo a luz no cálix da harmonia,<br />
Em paz serena, eterna e <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira!...<br />
MÃE<br />
Ó minha santa mãe! era. bem certo<br />
Que entre as preces maternas estendias<br />
As tuas mãos sobre os meus tristes dias,<br />
Quando na Terra — que era o meu <strong>de</strong>serto.<br />
Nos instantes <strong>de</strong> dor, bem que eu sentia<br />
As tuas asas <strong>de</strong> Anjo da Ternura,<br />
Pairando sobre a minha <strong>de</strong>sventura<br />
Feita <strong>de</strong> prantos e melancolia.
92 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Flor ressequida eu era, e tu o orvalho<br />
Que me nutria, pobre e empalecida;<br />
Era a tua alma a luz da minha vida,<br />
Meu tesouro, meu dúlcido agasalho!...<br />
Ai <strong>de</strong> mim sem a tua alma bondosa,<br />
Que me dava a promessa da esperança,<br />
Raio <strong>de</strong> luz, <strong>de</strong> amor e <strong>de</strong> bonança,<br />
Na, escuridão da vida dolorosa.<br />
E que felicida<strong>de</strong> doce e pura,<br />
A que senti após a treva e a morte,<br />
Findo o terror da minha negra sorte,<br />
Quando vi. teu sorriso <strong>de</strong> ventura!<br />
Então, senti que as Mães são mensageiras<br />
De Maria, Mãe <strong>de</strong> anjos e <strong>de</strong> flores,<br />
E Mãe das nossas Mães cheias <strong>de</strong> amores,<br />
Nossas meigas e eternas companheiras!...<br />
PRECE<br />
Esten<strong>de</strong>i vossa mão bondosa e pura,<br />
Mãe querida dos fracos pecadores,<br />
Aos corações dos pobres sofredores<br />
Mergulhados nos prantos da amargura.<br />
Derramai vossa luz, toda esplendores,<br />
Da imensida<strong>de</strong>, da radiosa altura,<br />
Da região ditosa da ventura,<br />
Sobre a sombra dos cárceres das dores!<br />
Ó Mãe! excelsa Mãe <strong>de</strong> anjos celestes,<br />
Mais amor, <strong>de</strong>sse amor que já nos <strong>de</strong>stes,<br />
Queremos nós em cada novo dia;<br />
Vós que mudais em flores os espinhos,<br />
Transformai toda a treva dos caminhos<br />
Em clarões refulgentes <strong>de</strong> alegria.
93 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
ADEUS<br />
O sino plange em terna suavida<strong>de</strong>,<br />
No ambiente balsâmico da igreja;<br />
Entre as naves, no altar, em tudo a<strong>de</strong>ja<br />
O perfume dos goivos da sauda<strong>de</strong>.<br />
Geme a viuvez, lamentase a orfanda<strong>de</strong>;<br />
E a alma que regressou do exílio beija<br />
A luz que resplan<strong>de</strong>ce, que viceja,<br />
Na catedral azul da imensida<strong>de</strong>.<br />
“A<strong>de</strong>us, Terra das minhas <strong>de</strong>sventuras...<br />
A<strong>de</strong>us, amados meus...” — diz nas alturas<br />
A alma liberta, o azul do céu singrando...<br />
— A<strong>de</strong>us... — choram as rosas <strong>de</strong>sfolhadas,<br />
— A<strong>de</strong>us... — clamam as vozes <strong>de</strong>soladas<br />
De quem ficou no exílio soluçando...<br />
ALMAS<br />
Ó solitário das estradas,<br />
Desventurado pensador,<br />
Há no caminho “almas penadas”<br />
Que vão clamando <strong>de</strong>soladas<br />
A dor e o pranto, o pranto e a dor!...<br />
Vós, que o silêncio amais no mundo,<br />
Em orações ao pé do altar,<br />
Sob as arcadas silenciosas,<br />
Almas feridas, <strong>de</strong>sditosas,<br />
Oram convosco a soluçar.<br />
Ao <strong>de</strong>scansar<strong>de</strong>s, meditando,<br />
A sombra <strong>de</strong> árvores em flor,<br />
Sabei que às vezes sois seguidos<br />
Pelas angústias dos gemidos,<br />
De almas chagadas no amargor.<br />
Clareie a luz do solnascente,<br />
Negreje a treva na amplidão,<br />
Gemem na Terra muitos seres<br />
Pelos amargos pa<strong>de</strong>ceres<br />
Depois da morte, na aflição.
94 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Dailhes dos vossos pensamentos<br />
Consolação que adoce a dor,<br />
Dai um conforto à <strong>de</strong>sventura,<br />
A prece cheia <strong>de</strong> ternura,<br />
Algo <strong>de</strong> afeto, algo <strong>de</strong> amor!...<br />
ALMAS DE VIRGENS<br />
Andam sombras errando abandonadas<br />
Ao pé das lousas e das covas frias,<br />
Almas <strong>de</strong> pobres freiras <strong>de</strong>samadas,<br />
Perambulando pelas sacristias.<br />
Almas das que não foram <strong>de</strong>sposadas,<br />
Como bandos <strong>de</strong> rolas erradias,<br />
Angélicas visões <strong>de</strong> bemamadas,<br />
Mortas na aurora rútila dos dias...<br />
Virgens mortas! Tristíssimas oblatas<br />
De um sacrário <strong>de</strong> luz piedoso e santo,<br />
Que sonhais entre os tálamos celestes,<br />
Entoai nos céus as tristes serenatas<br />
Com as vossas roxas túnicas <strong>de</strong> pranto,<br />
Cantando à luz do amor que não tivestes!<br />
CARTA ÍNTIMA<br />
Escuta, meu irmão! Pelo caminho<br />
Da miséria terrestre, há muitas dores;<br />
Muito fel, muita sombra, muito espinho,<br />
Entre falsos prazeres tentadores.<br />
Há feridas que sangram... Há pavores<br />
De órfãos sem lar, sem pão e sem carinho:<br />
Confortemos os pobres sofredores,<br />
Almas saudosas do Celeste Ninho!<br />
Jesus há <strong>de</strong> sorrir com o teu sorriso,<br />
Quando faças no mundo o bem preciso,<br />
Pelo que sofre em <strong>de</strong>sesperação.<br />
Todo o bem que plantares nessa vida,<br />
Há <strong>de</strong> esperar tua alma redimida<br />
Nos caminhos <strong>de</strong> luz e re<strong>de</strong>nção!
95 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
MARIA<br />
Toda a expressão <strong>de</strong> ternura<br />
Do mundo <strong>de</strong> provação,<br />
Nos Céus ditosos procura<br />
A sua excelsa afeição.<br />
Consolo das mães piedosas,<br />
Cheias <strong>de</strong> mágoa e <strong>de</strong> pranto,<br />
Sobre quem atira as rosas<br />
Do seu Amor sacrossanto.<br />
Ninguém diz, ninguém traduz<br />
Essa visão da Harmonia,<br />
Visão <strong>de</strong> paz e <strong>de</strong> luz,<br />
Paz dos Céus! AveMaria!<br />
MENSAGEM FRATERNA<br />
Meu irmão: Tuas preces mais singelas<br />
São ou vidas no espaço Ilimitado,<br />
Mas sei que às vezes choras, consternado,<br />
Ao silêncio da força que interpelas.<br />
Volve ao teu templo interno abandonado,<br />
A mais alta <strong>de</strong> todas as capelas —<br />
E as respostas mais lúcidas e belas<br />
Hão <strong>de</strong> trazerte alegre e <strong>de</strong>slumbrado.<br />
Ouve o teu coração em cada prece.<br />
Deus respon<strong>de</strong> em ti mesmo e te esclarece<br />
Com a força eterna da consolação;<br />
Compreen<strong>de</strong>rás a dor que te domina,<br />
Sob a linguagem pura e peregrina<br />
Da voz <strong>de</strong> Deus, em luz <strong>de</strong> re<strong>de</strong>nção.
96 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
VINDE!<br />
Todo anseio da crença acalma as dores,<br />
Toda prece é uma luz para quem chora,<br />
A oração é o caminho cor <strong>de</strong> aurora<br />
Para o sonho dos pobres pecadores!...<br />
Ó corações que a lágrima <strong>de</strong>vora!<br />
Vin<strong>de</strong>, através dos ru<strong>de</strong>s amargores,<br />
Cantar na luz dos gran<strong>de</strong>s esplendores<br />
Vossa iluminação <strong>de</strong> cada hora!...<br />
Vin<strong>de</strong> rememorar no espaço infindo,<br />
Neste Lar <strong>de</strong> Jesus, ditoso e lindo,<br />
As <strong>de</strong>sventuras para bendizêlas...<br />
Feliz o coração sereno e forte,<br />
Que triunfa da lágrima e da morte,<br />
Palpitando na esfera das estrelas!...<br />
O SENHOR VEM...<br />
E eis que Ele chega sempre <strong>de</strong> mansinho.<br />
Haja sol, faça frio ou tempesta<strong>de</strong>;<br />
Veste o manto do amor e da verda<strong>de</strong>,<br />
E percorre o silêncio do caminho.<br />
Vem ao nosso amargoso torvelinho,<br />
Traz às sombras da vida a clarida<strong>de</strong>,<br />
E os próprios sofrimentos da impieda<strong>de</strong><br />
São as bênçãos <strong>de</strong> luz do seu carinho,<br />
Como o Sol que dá vida sem alar<strong>de</strong>,<br />
Vem o Senhor que nunca chega tar<strong>de</strong>,<br />
E protege a miséria mais sombria.<br />
Ele chega. E o amor se perpetua...<br />
É por isso que o homem continua<br />
Ressurgindo da treva a cada dia.
97 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
18<br />
B. LOPES<br />
Miragens celestes – Cromos<br />
NASCEU Bernardino da Costa Lopes em Boa Esperança, município <strong>de</strong> Rio<br />
Bonito, no Estado do Rio, a 19 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1859, falecendo em 1916, no Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, quando funcionário do Correio Geral. Notabilizouse no gênero <strong>de</strong>scritivo,<br />
ficando célebre com o seu livro “Cromos” (1881).<br />
MIRAGENS CELESTES<br />
1<br />
Sublimes atmosferas,<br />
Luminosas, rarefeitas,<br />
Sem as medidas estreitas<br />
Das horas que marcam eras.<br />
E as almas puras, eleitas,<br />
Quais flores das primaveras,<br />
Buscando vão as esferas<br />
Das alegrias perfeitas.<br />
Vão todas, espaço em fora,<br />
Como lírios cor da aurora,<br />
Mo<strong>de</strong>ladas pela dor.<br />
E on<strong>de</strong> passam sorri<strong>de</strong>ntes<br />
Abremse rosas virentes,<br />
Rosas <strong>de</strong> paz e <strong>de</strong> amor.
98 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
2<br />
Uma campina <strong>de</strong> flores<br />
Em pleno espaço infinito,<br />
On<strong>de</strong> <strong>de</strong>sperta um precito<br />
De um pesa<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> dores.<br />
Envergara o sambenito<br />
Dos pedintes sofredores,<br />
Vivera entre os amargores<br />
De um sofrimento bendito.<br />
E nessa etérea campina<br />
Recebe a esmola divina,<br />
Nesse batismo <strong>de</strong> luz;<br />
Recebendo entre outros gozos,<br />
Dos lábios <strong>de</strong> anjos formosos,<br />
O ósculo <strong>de</strong> Jesus.<br />
CROMOS<br />
1<br />
Na alcova <strong>de</strong>sguarnecida,<br />
Sobre uma enxerga, a doente<br />
Soluça como quem sente<br />
O fim nevoento da vida.<br />
Beijalhe a filha inocente,<br />
Minúscula, embevecida,<br />
Mirandoa enternecida,<br />
Dizendolhe docemente: —<br />
“Não chores mais mamãezinha:<br />
Vou dar minha bonequinha<br />
À santa lá do altar;<br />
E com esta minha promessa,<br />
Ela há <strong>de</strong> vir bem <strong>de</strong>pressa<br />
Para a senhora sarar.”
99 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
2<br />
O mendigo <strong>de</strong>sprezado<br />
Olha as estrelas e chora,<br />
Pois sente que se enamora<br />
Do firmamento estrelado.<br />
Ao seu Jesus bemamado,<br />
Cheio <strong>de</strong> lágrimas, ora,<br />
E pe<strong>de</strong>, suplica, implora<br />
Perdão para o seu pecado.<br />
Vêemse raios formosos,<br />
Dimanando luminosos,<br />
Do clarão da sua fé;<br />
E lá dos céus abençoa<br />
Sua alma singela e boa,<br />
O Jesus que ele não vê.
100 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
19<br />
BATISTA CEPELOS<br />
Sonetos<br />
POETA paulista, <strong>de</strong>sencarnou no Rio <strong>de</strong> Janeiro, em 1915, atribuindose a<br />
suicídio o encontro do seu corpo entre pedras <strong>de</strong> uma rocha, na rua Pedro Américo.<br />
Esta versão parece confirmarse agora nestes sonetos. Olavo Bilac, ao prefaciarlhe<br />
Os Ban<strong>de</strong>irantes, exaltalhe o estro espontâneo, original e simples.<br />
SONETOS<br />
1<br />
Eu fui pedir à Natureza, um dia,<br />
Que me <strong>de</strong>sse um consolo a tantas dores;<br />
Desalentado e triste, pressentia<br />
Cansada e triste como os sofredores.<br />
Encaminheime à porta da Agonia,<br />
Corroído por chagas interiores,<br />
Buscando a morte que me aparecia<br />
Como o termo anelado aos dissabores,<br />
Desvendando esse trágico segredo<br />
Que a alma <strong>de</strong>cifra, pávida <strong>de</strong> medo,<br />
Com ansieda<strong>de</strong> e temores dos galés...<br />
Mas ah! que atroz remorso me persegue!<br />
Choro, soluço, clamo e ele me segue<br />
Nesse abismo que se abre ante os meus pés.
101 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
2<br />
Ninguém ouve na Terra esse lamento<br />
Da minha dor imensa, incompreendida,<br />
Nas pavorosas trevas <strong>de</strong>sta vida<br />
Em que eu julgava achar o Esquecimento.<br />
Tenebrosa, essa noite in<strong>de</strong>finida,<br />
Cheia <strong>de</strong> tempesta<strong>de</strong> e sofrimento,<br />
No país do Pavor e do Tormento<br />
On<strong>de</strong> chora a minhalma enceguecida.<br />
On<strong>de</strong> o nãoser, a paz calma e serena,<br />
Que me traria o bálsamo a esta pena<br />
Interminável, ru<strong>de</strong>, dolorosa<br />
Ninguém! Uma só voz não me respon<strong>de</strong>!<br />
Sinto somente a treva que me escon<strong>de</strong><br />
Na vastidão da noite tormentosa...<br />
3<br />
Sirvavos <strong>de</strong> escarmento a dor que trago<br />
Na minhalma infeliz e sofredora,<br />
Este pa<strong>de</strong>cimento com que pago<br />
O <strong>de</strong>svio da estrada salvadora.<br />
Aqui somente amparame esse vago<br />
Pressentimento <strong>de</strong> uma nova aurora,<br />
Quando terei os bens, o brando afago<br />
Da Luz, que está na dor <strong>de</strong>puradora.<br />
Agora, sim! <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tantos anos<br />
De tormentos, em meio aos <strong>de</strong>senganos,<br />
Espero o sol <strong>de</strong> novas alvoradas<br />
De existências <strong>de</strong> pranto e <strong>de</strong> miséria,<br />
Para beber no cálix da matéria<br />
As essências das dores renegadas!
102 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
20<br />
BELMIRO BRAGA<br />
Rimas <strong>de</strong> Outro Mundo – Bilhetes – Quadras<br />
NASCEU a 7 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1870, em Juiz <strong>de</strong> Fora, Minas, e aí <strong>de</strong>sencarnou<br />
em 1937. Iniciouse na vida comercial e foi, <strong>de</strong>pois, notário público. Poeta,<br />
comediógrafo e jornalista nato. Popularizouse, sobretudo, pela singeleza e<br />
espontaneida<strong>de</strong> da sua musa. Era membro <strong>de</strong> realce da Aca<strong>de</strong>mia Mineira <strong>de</strong> Letras,<br />
da qual foi um dos fundadores. Chamaramlhe — “Rouxinol Mineiro”.<br />
Rimas <strong>de</strong> Outro Mundo<br />
1<br />
Cheguei feliz ao meu porto,<br />
Estou mais moço e mais forte,<br />
Encontrei paz e conforto<br />
Na vida, <strong>de</strong>pois da morte.<br />
Eis as rimas <strong>de</strong> outro norte,<br />
Que escreve o poeta morto.<br />
2<br />
Com a ignorância proterva,<br />
Que a morte é o fim, o homem pensa,<br />
Julgando no talo <strong>de</strong> erva<br />
A paisagem linda e imensa.<br />
Ah! feliz o que conserva<br />
As luzes doces da crença.<br />
3<br />
Quanta gente corre, corre,<br />
Ansiosa atrás do prazer,<br />
Sonha e chora, luta e morre<br />
Sem jamais o conhecer.<br />
Não há ninguém que se forre,<br />
Sobre a Terra, ao pa<strong>de</strong>cer.
103 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
4<br />
Fecha a bolsa da ambição,<br />
Não corras atrás da sorte,<br />
Venera a mão que te exorte<br />
Nos dias <strong>de</strong> provação.<br />
Tem coragem, meu irmão,<br />
Ninguém se acaba com a morte.<br />
5<br />
No mundo vale quem tem<br />
Um cifrão <strong>de</strong> prata ou <strong>de</strong> ouro;<br />
Mas, da morte ao sorvedouro,<br />
Jamais escapa ninguém!<br />
No Céu só vale o tesouro<br />
Daquele que fez o bem.<br />
6<br />
Que tua alma em preces arda<br />
No fogo da <strong>de</strong>voção.<br />
Deus é Pai que nunca tarda<br />
No caminho da aflição.<br />
Nas mágoas do mundo, guarda<br />
A fé do teu coração.<br />
7<br />
Entre a fé e o fanatismo,<br />
Muito espírito se engana:<br />
A primeira ampara e irmana,<br />
O segundo é o dogmatismo,<br />
Goela aberta <strong>de</strong> um abismo<br />
Na estrada da vida humana.<br />
8<br />
A Terra, para quem sente,<br />
Inda é torre <strong>de</strong> Babel,<br />
On<strong>de</strong> a prática <strong>de</strong>smente<br />
As ilusões do papel:<br />
Muita boca sorri<strong>de</strong>nte,<br />
Corações <strong>de</strong> lodo e fel.<br />
9<br />
Suporta a dor que te cobre<br />
Na estrada espinhosa e má,<br />
Quem é rico, quem é nobre,<br />
A essa estrada voltará.<br />
É uma ventura ser pobre,<br />
Com a bênção que Deus nos dá.
104 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
10<br />
Na vida sempre supus,<br />
Sem muita filosofia,<br />
Que, em prol do Reino da Luz,<br />
Basta, na Terra sombria,<br />
Que o homem siga a Jesus,<br />
Que a mulher siga a Maria.<br />
BILHETES<br />
Se tens o leve agasalho<br />
Do santo calor da crença,<br />
Exemplifica o trabalho<br />
Sem cuidar da recompensa.<br />
Não peças aprovação<br />
Do mundo pobre e enganado,<br />
Recorda que o mundo vão<br />
É gran<strong>de</strong> necessitado.<br />
Vais procurar a ventura<br />
Toma cuidado: os caminhos<br />
São crivados <strong>de</strong> amargura,<br />
Atapetados <strong>de</strong> espinhos.<br />
Acalmate na aflição,<br />
Mo<strong>de</strong>rate na alegria,<br />
Não prendas o coração<br />
Nos laços da fantasia.<br />
No curso <strong>de</strong> aquisições,<br />
Não vivas correndo a esmo;<br />
Esquece as inquietações,<br />
Toma posse <strong>de</strong> ti mesmo.<br />
Recorda que tua vida<br />
É sempre uma gran<strong>de</strong> escola;<br />
Muita fronte encanecida<br />
É fronte <strong>de</strong> criançola.<br />
Não perguntes ao passado<br />
Pela sombra, pela dor,<br />
O caminho é ilimitado,<br />
Eterna a fonte do amor.
105 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Olha o monte luminoso,<br />
Que símbolo sacrossanto!...<br />
Quem <strong>de</strong>sce é riso enganoso,<br />
Quem sobe é suor e pranto.<br />
Não te aflijas. A bonança<br />
É flor <strong>de</strong> sabedoria,<br />
Não te esqueças que a esperança<br />
É a bênção <strong>de</strong> cada dia.<br />
No impulso que te conduz,<br />
Age sempre com bonda<strong>de</strong>,<br />
Todo esforço com Jesus<br />
É vida na eternida<strong>de</strong>.<br />
QUADRAS<br />
1<br />
Ai <strong>de</strong> quem busca o <strong>de</strong>serto<br />
De torturas da <strong>de</strong>scrença:<br />
Morrer é sentir <strong>de</strong> perto<br />
A vida profunda e imensa.<br />
2<br />
Depois da miséria humana<br />
Sobre a Terra transitória,<br />
Lastimo quanto se engana<br />
O ouro da falsa glória.<br />
3<br />
Dinheiro do mundo vão,<br />
Mentiras da vaida<strong>de</strong>,<br />
Não trazem ao coração<br />
A luz da felicida<strong>de</strong>.<br />
4<br />
Bem pobre é a cabeça tonta<br />
Dos perversos e usurários,<br />
Que morrem fazendo conta<br />
Nas cruzes <strong>de</strong> seus rosários.<br />
5<br />
É ditosa no caminho,<br />
Alegre como ninguém,<br />
A mão terna do carinho<br />
Que vive espalhando o bem.
106 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
6<br />
Angústias, <strong>de</strong>rrotas, danos,<br />
Tudo isso tenho visto.<br />
Só não vejo <strong>de</strong>senganos<br />
Na estrada <strong>de</strong> Jesus Cristo.
107 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
21<br />
BITTENCOURT SAMPAIO<br />
À Virgem À Maria Às filhas da Terra À Virgem<br />
SERGIPANO, nascido na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Laranjeiras, em 19 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong><br />
1834, <strong>de</strong>sencarnou no Rio <strong>de</strong> Janeiro em 10 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1895. Foi político ativo,<br />
<strong>de</strong>putado por sua província em duas legislaturas e Presi<strong>de</strong>nte do Espírito Santo.<br />
Diretor da Biblioteca Nacional e jornalista <strong>de</strong> mérito. A fonte <strong>de</strong> on<strong>de</strong> respigamos<br />
estes dados, aponta Poesias (1859) e Flores Silvestres (1860), mas omite a maior das<br />
suas obras, que é A Divina Epopéia, ou seja o Evangelho <strong>de</strong> João, em magníficos<br />
versos brancos, tais como estes. Mas... é que Bittencourt Sampaio foi, no último<br />
quartel da vida terrena, um dos mais brilhantes e <strong>de</strong>stemerosos paladinos da<br />
Revelação Espírita. E, como tal, ainda hoje se manifesta, por darnos obras como<br />
Jesus perante a Cristanda<strong>de</strong>, verda<strong>de</strong>iro poema em prosa. Reformador, <strong>de</strong> 1937<br />
(página 494), publicoulhe a biografia.<br />
À VIRGEM<br />
Vós sois no mundo a estrela da esperança,<br />
A salvação dos náufragos da vida;<br />
A custódia das almas sofredoras,<br />
Consolação e paz dos <strong>de</strong>sterrados<br />
Do venturoso aprisco das ovelhas<br />
De Jesus Cristo, o Filho muito amado!<br />
Fanal radioso aos pobres <strong>de</strong>gredados,<br />
Anjo guiador dos homens <strong>de</strong>sgarrados<br />
Do Evangelho <strong>de</strong> luz do Filho vosso.<br />
Virgem formosa e pura da bonda<strong>de</strong>,<br />
Providência dos fracos pecadores,<br />
Astro <strong>de</strong> amor na noite dos abismos,<br />
Clarão que sobre as trevas da cegueira<br />
Expulsa a escuridão das consciências!<br />
Virgem da pieda<strong>de</strong> e da pureza,<br />
Esten<strong>de</strong>i vossos braços tutelares<br />
À Humanida<strong>de</strong> inteira, que pa<strong>de</strong>ce,<br />
Espíritos na treva das angústias,<br />
No tenebroso báratro das dores,<br />
Mergulhados nas tredas tempesta<strong>de</strong>s<br />
Do mal, que lhes ensombra a mente e a vista;<br />
Cegos <strong>de</strong>sventurados, caminhando
108 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Em busca <strong>de</strong> outras noites mais escuras.<br />
Legião <strong>de</strong> penitentes voluntários,<br />
Afastados do amor e da verda<strong>de</strong>,<br />
Fugitivos da luz que os esclarece!<br />
Anjo da carida<strong>de</strong> e da virtu<strong>de</strong>,<br />
Esten<strong>de</strong>i vossas asas luminosas<br />
Sobre tanta miséria e tantos prantos.<br />
Dai fortaleza àqueles que fraquejam,<br />
Apiedaivos dos frágeis caminhantes,<br />
Iluminai os cérebros <strong>de</strong>screntes,<br />
Fortalecei a fé dos vacilantes,<br />
Clareai as sendas obscurecidas<br />
Dos que se vão nos pântanos dos vícios!...<br />
Existem almas míseras que choram<br />
Amarradas ao potro das torturas,<br />
E corações farpeados <strong>de</strong> amarguras...<br />
Enxugailhes as lágrimas penosas!<br />
Virgem imaculada <strong>de</strong> ternura,<br />
Abençoai os mansos e os humil<strong>de</strong>s<br />
Que acima <strong>de</strong> ouropéis enganadores<br />
Põem o amor <strong>de</strong> Jesus, eterno e puro!<br />
Dulcificai as mágoas que laceram<br />
Pobres almas aflitas na voragem<br />
Das provações mais ru<strong>de</strong>s e amargosas.<br />
Esten<strong>de</strong>i, Virgem pura, o vosso manto<br />
Constelado <strong>de</strong> todas as virtu<strong>de</strong>s,<br />
Sobre a nu<strong>de</strong>z <strong>de</strong> tantos sofrimentos<br />
Que <strong>de</strong>spedaçam almas exiladas<br />
No orbe da expiação que regenera...<br />
Ele será a luz resplan<strong>de</strong>cente<br />
Sobre a miséria dos pa<strong>de</strong>cimentos,<br />
Afastando amarguras, conce<strong>de</strong>ndo<br />
Clarida<strong>de</strong>s a estradas pedregosas...<br />
Conforto às almas tristes <strong>de</strong>ste mundo,<br />
Porto <strong>de</strong> segurança aos viajantes,<br />
Clarão <strong>de</strong> sol nas trevas mais espessas,<br />
Farol brilhante iluminando os trilhos<br />
De todos os viajores que caminham<br />
Pela mão <strong>de</strong> Jesus, doce e bondosa;<br />
O pão miraculoso, repartido<br />
Entre os esfomeados e os se<strong>de</strong>ntos<br />
De paz, que os acalente e os conforte!<br />
Virgem, Mãe <strong>de</strong> Jesus, anjo <strong>de</strong> amor,<br />
Vin<strong>de</strong> a nós que na luta fraquejamos,<br />
Ajudainos a fim <strong>de</strong> que a vençamos...<br />
Vin<strong>de</strong>, piedosa Virgem <strong>de</strong> bonda<strong>de</strong>,
109 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Cremos em vós, na vossa alma divina!<br />
Vin<strong>de</strong>! ... dainos mais força e mais coragem,<br />
Derramai sobre nós o eflúvio santo<br />
Do vosso amor, que ampara e que redime...<br />
Vin<strong>de</strong> a nós! nossas almas vos esperam,<br />
Almas <strong>de</strong> filhos míseros que sofrem,<br />
Aten<strong>de</strong>i nossas súplicas, Senhora,<br />
Providência da pobre Humanida<strong>de</strong>!...<br />
À MARIA<br />
Eisnos, Senhora, a pobre caravana<br />
Em fervorosas súplicas, reunida,<br />
Implorando a pieda<strong>de</strong>, a paz e a vida,<br />
De vossa carida<strong>de</strong> soberana.<br />
Fortaleceinos a alma dolorida<br />
Na re<strong>de</strong>nção da iniquida<strong>de</strong> humana,<br />
Com o bálsamo da crença que promana<br />
Das luzes da bonda<strong>de</strong> esclarecida.<br />
Providência <strong>de</strong> todos os aflitos,<br />
Ouvi dos Céus, ditosos e infinitos,<br />
Nossas sinceras preces ao Senhor...<br />
Que a nossa caravana da Verda<strong>de</strong><br />
Colabore no Bem da Humanida<strong>de</strong>,<br />
Neste banquete místico do amor.
110 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
ÀS FILHAS DA TERRA<br />
Do Seu trono <strong>de</strong> luzes e <strong>de</strong> rosas,<br />
A Rainha dos Anjos, meiga e pura,<br />
Esten<strong>de</strong> os braços para a <strong>de</strong>sventura,<br />
Que campeia nas sendas espinhosas.<br />
Ela conhece as lágrimas penosas<br />
E recebe a oração da alma insegura,<br />
Inundando <strong>de</strong> amor e <strong>de</strong> ternura<br />
As feridas cruéis e dolorosas.<br />
Filhas da Terra, mães, irmãs, esposas,<br />
No turbilhão dos homens e das coisas,<br />
Imitaia na dor do vosso trilho!...<br />
Não conserveis do mundo o brilho e as palmas,<br />
E encontrareis, em vossas próprias almas,<br />
A alegria do reino <strong>de</strong> Seu Filho!<br />
À VIRGEM<br />
Do teu trono <strong>de</strong> róseas alvoradas,<br />
Esten<strong>de</strong>, mãe bendita, as mãos radiosas<br />
Sobre a angústia das sendas escabrosas<br />
On<strong>de</strong> choram as mães atormentadas.<br />
Mãe <strong>de</strong> todas as mães infortunadas,<br />
Com tua alma <strong>de</strong> unos e <strong>de</strong> rosas,<br />
Mitiga a dor das almas <strong>de</strong>sditosas<br />
Entre as sombras <strong>de</strong> míseras estradas.<br />
Anjo consolador dos <strong>de</strong>sterrados,<br />
Conforta os corações encarcerados<br />
Nas algemas do mundo amargo e aflito.<br />
Ao teu olhar, as lágrimas da guerra<br />
E os quadros <strong>de</strong> amargor, que andam na Terra,<br />
São caminhos <strong>de</strong> luz para o Infinito.
111 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
22<br />
CÁRMEN CINIRA<br />
Minha luz Aos Espíritos consoladores Cigarra morta Era uma<br />
vez. – À Juventu<strong>de</strong> O viajor e a Fé O sinal Na noite <strong>de</strong> Natal.<br />
NOME literário <strong>de</strong> Cinira do Carmo Bordini Cardoso: nasceu no Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, em 1902, e faleceu em 30 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1933. Sua espontaneida<strong>de</strong> poética<br />
era tão gran<strong>de</strong> que ela própria acreditava serem os seus versos <strong>de</strong> origem mediúnica.<br />
Glorificou o Amor, a Renúncia, o Sacrifício e a Humilda<strong>de</strong>, em obras como:<br />
Crisálida, Grinalda <strong>de</strong> Violetas, Sensibilida<strong>de</strong>.<br />
MINHA LUZ<br />
Eu era, Dor, a alma rubra e inquieta,<br />
A pomba predileta<br />
Do prazer, da ilusão e da alegria...<br />
Meu coração, alegre cotovia,<br />
Saudava alvoroçado<br />
O segredo da noite e a luz clara do dia,<br />
Quando chegaste <strong>de</strong> mansinho,<br />
Pisando sutilmente o meu caminho...<br />
E eu te enxerguei, <strong>de</strong>spreocupada,<br />
Em meu engano, em minha fantasia:<br />
Primeiramente,<br />
Foste, austera e inclemente,<br />
A um dos belos tesouros que eu possuía<br />
E mo roubaste para sempre...<br />
Em fúria iconoclasta,<br />
Como o simum que arrasta<br />
As cida<strong>de</strong>s repletas <strong>de</strong> tesouros<br />
Confundindoas no pó,<br />
Foste aos meus ídolos mais caros,<br />
Destruindoos sem dó.<br />
Prosseguiste, á divina estatuária,<br />
Na tua obra silente e solitária,<br />
E quebraste
112 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Minhas cítaras <strong>de</strong> ouro,<br />
Meus mármores <strong>de</strong> Paros,<br />
Meus cofres <strong>de</strong> alabastros,<br />
Minhas bonecas <strong>de</strong> biscuí,<br />
Minhas estatuetas singulares...<br />
E humilhaste<br />
Meus sonhos <strong>de</strong> mulher e <strong>de</strong> menina,<br />
Que eu pusera nos astros<br />
Em meio às melodias estelares!<br />
Mas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que chegaste,<br />
Foste a sombra divina<br />
Que acompanhou meus passos ao sepulcro...<br />
Tudo sofri,<br />
Ó Dor, por te querer,<br />
Porque <strong>de</strong>pois que vieste<br />
Qual pássaro celeste<br />
Para abrir rosas <strong>de</strong> sangue no meu peito,<br />
Encheste a minha vida<br />
De um estupendo prazer, quase perfeito!<br />
Aos poucos me ensinaste a abandonar<br />
Meus prazeres fictícios,<br />
Trocandoos pela luz dos sacrifícios!<br />
Por tudo eu te bendigo, á Dor <strong>de</strong>puradora,<br />
Porque representaste em meu <strong>de</strong>stino,<br />
De alma sofredora,<br />
O fanal peregrino<br />
Que me guiou constantemente<br />
Através das estradas espinhosas<br />
Para as manhãs radiosas<br />
Da Luz Resplan<strong>de</strong>cente...<br />
Sê, pois, bendita, á Dor linda e gloriosa,<br />
Pois da volúpia estranha dos teus braços,<br />
Vim pelas mãos da morte complacente<br />
Para a vida sublime dos Espaços!...
113 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
AOS ESPÍRITOS CONSOLADORES<br />
Don<strong>de</strong> éreis vós, a formas imprecisas<br />
De arcanjos tutelares,<br />
Cujas vozes suaves como brisas<br />
Trouxeramme nas dores,<br />
No auge do meu sofrer, nos meus penares,<br />
A irradiação <strong>de</strong> brando refrigério!...<br />
Frontes aureoladas <strong>de</strong> esplendores,<br />
Seres cheios <strong>de</strong> amor e <strong>de</strong> mistério,<br />
Cujas mãos compassivas<br />
Ungiram meu coração resignado<br />
Com o bálsamo do olvido do passado,<br />
E com os místicos olores<br />
Das meigas semprevivas<br />
Da fé mais luminosa e mais ar<strong>de</strong>nte...<br />
Seríeis o fantasma imaginário<br />
Da mórbida exaltação dalma do crente<br />
Não, porque sois os cireneus piedosos<br />
Dos que vão em <strong>de</strong>manda do Calvário<br />
Da Re<strong>de</strong>nção, nos sofrimentos ru<strong>de</strong>s;<br />
Vin<strong>de</strong>s das mais remotas altitu<strong>de</strong>s<br />
De sublimados mundos luminosos!...<br />
Seres do Amor, jamais traduziria<br />
O cântico <strong>de</strong> luz<br />
Que trouxestes ao leito da agonia<br />
Que eu transpus,<br />
Cheia <strong>de</strong> <strong>de</strong>senganos e gemidos!...<br />
Verto ainda os meus prantos comovidos<br />
Lembrandome do vosso Stradivarius,<br />
Repetindo as cadências dos hinários<br />
Dos orbes da Ventura e da Harmonia,<br />
On<strong>de</strong> habitais, glorificando o Amor<br />
Que d’alma faz um ninho <strong>de</strong> alegria<br />
E um foco <strong>de</strong> esplendor!<br />
Em que sol <strong>de</strong>slumbrante, em qual esfera<br />
Viveis a vossa eterna primavera<br />
Ó irmãos consoladores,<br />
Que vin<strong>de</strong>s confortar os pecadores<br />
Penitentes da vida transitória,<br />
Daime um pouco <strong>de</strong> luz da vossa glória,<br />
Esten<strong>de</strong>ime uma única migalha
114 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Da vossa paz, que nutre e que agasalha<br />
Os corações iguais ao meu!...<br />
Tenho se<strong>de</strong> do amor que enfeita o Céu!<br />
Espíritos da luz radiosa e infinda,<br />
Minhalma é fraca e pobre ainda;<br />
Todavia, imortal,<br />
Quero ter <strong>de</strong>ssa luz resplan<strong>de</strong>cente,<br />
E quero embriagarme inteiramente<br />
Com os vinhos da alegria celestial.<br />
CIGARRA MORTA<br />
Chamamme agora aí<br />
Cigarra morta,<br />
E não podia haver melhor <strong>de</strong>finição,<br />
Porque caí estonteada à porta<br />
Do castelo em ruínas,<br />
Do <strong>de</strong>sencanto e da <strong>de</strong>silusão!...<br />
Minhas futilida<strong>de</strong>s pequeninas...<br />
Meus gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senganos...<br />
Eu mesma inda não sei<br />
Se é ventura morrer na flor dos anos...<br />
Sei apenas que choro<br />
O tempo que perdi,<br />
Cantando em <strong>de</strong>masia a carne inutilmente;<br />
E vivo aqui, somente,<br />
De quanto i<strong>de</strong>alizei<br />
De belo, <strong>de</strong> perfeito, gran<strong>de</strong> e santo,<br />
Que inda hei <strong>de</strong> realizar<br />
Com a rima do meu verso e a gota do meu pranto.<br />
Dáme força, Senhor,<br />
Para concretizar meu anseio <strong>de</strong> amor:<br />
Evitame a sauda<strong>de</strong><br />
Da minha improdutiva mocida<strong>de</strong>!
115 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Eu não quero sentir,<br />
Como cigarra que era,<br />
A falta das canículas doiradas<br />
Sob a luz <strong>de</strong> ri<strong>de</strong>nte primavera.<br />
Já que tombei cansada <strong>de</strong> cantar,<br />
Calando amargamente,<br />
Perdoa, Deus <strong>de</strong> Amor, o meu pecado:<br />
Que eu olvi<strong>de</strong> a cigarra do passado,<br />
Para ser uma abelha previ<strong>de</strong>nte.<br />
ERA UMA VEZ...<br />
Era uma vez Cármen Cinira, Um coração<br />
Cheio <strong>de</strong> sonho e flor, que mal se abrira<br />
Nos jardins encantados da ilusão...<br />
Estraçalhouse para sempre<br />
Na voragem<br />
Das trevas, dos abrolhos!...<br />
Era uma vez Cármen Cinira...<br />
Uma suposta imagem<br />
Da perene alegria,<br />
Mas que trouxe em seus olhos,<br />
Eternamente,<br />
Essa amarga expressão <strong>de</strong> alma doente,<br />
Cheia <strong>de</strong> pranto e <strong>de</strong> melancolia!...<br />
Cármen Cinira! Cármen Cinira!<br />
Que é da minha cigarra canta<strong>de</strong>ira<br />
Embal<strong>de</strong> te procuro.<br />
Por que cantaste assim a vida inteira,<br />
Cigarra distraída do futuro<br />
Perturbada,<br />
Aturdida,<br />
Busco a mim mesma aqui nestoutra vida...<br />
On<strong>de</strong> estou, on<strong>de</strong> estou<br />
Minha vida terrena se acabou<br />
E sinto outra existência revelada!<br />
Não sei por que me sinto amargurada...<br />
Sinto que a luz me guia<br />
Para a paz, para um mundo <strong>de</strong> alegria.<br />
Mas, á imortalida<strong>de</strong><br />
Se na Terra eu te via
116 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Como a aurora divina da verda<strong>de</strong>,<br />
Não julguei que inda a morte me abriria<br />
Esse cenário <strong>de</strong>slumbrante<br />
De outros sóis e <strong>de</strong> outros seres,<br />
E vejo agora<br />
Que não amei bastante,<br />
E não cumpri à risca os meus <strong>de</strong>veres!<br />
A fagulha <strong>de</strong> crença<br />
Que eu possuía,<br />
Devia transformar numa fornalha imensa<br />
De fé consoladora,<br />
E incendiarme para ser luzeiro.<br />
Mas, ó Senhor da paz confortadora,<br />
Eu vi chegar o dia <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro<br />
Em minha dor, na máscara <strong>de</strong> festa,<br />
E a morte me apanhou<br />
Como se apanha uma ave na floresta.<br />
Experimento a gran<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>!<br />
Todavia, Senhor, amparame e protege<br />
Minha triste humilda<strong>de</strong>!<br />
Eu te agra<strong>de</strong>ço a paz que já me <strong>de</strong>ste,<br />
Mas eis que ainda te imploro comovida,<br />
Porque me sinto em fraca segurança;<br />
Deixa que eu guar<strong>de</strong> ainda nesta vida<br />
Meu escrínio <strong>de</strong> estrelas da Esperança.<br />
À JUVENTUDE<br />
Juventu<strong>de</strong> linda e ar<strong>de</strong>nte,<br />
Mocida<strong>de</strong> querida que eu exorto,<br />
Meu coração <strong>de</strong> carne, esse está morto,<br />
Mas minha alma que é eterna está presente.<br />
Zelai pelo plantio, ó juventu<strong>de</strong>,<br />
Das flores perfumadas da virtu<strong>de</strong>,<br />
Porque <strong>de</strong>pois dos sonhos terminados<br />
Em nossos ermos e últimos caminhos,<br />
Ai! como nos ferem os espinhos<br />
Das belas rosas rubras dos pecados!
117 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
O VIAJOR E A FÉ<br />
— “Don<strong>de</strong> vens, viajor triste e cansado”<br />
— “Venho da terra estéril da ilusão.”<br />
— “Que trazes”<br />
— “A miséria do pecado,<br />
De alma ferida e morto o coração.<br />
Ah! quem me <strong>de</strong>ra a bênção da esperança,<br />
Quem me <strong>de</strong>ra consolo à <strong>de</strong>sventura!”<br />
Mas a fé generosa, humil<strong>de</strong> e mansa,<br />
Deulhe o braço e faloulhe com doçura:<br />
— “Vem ao Mestre que ampara os pobrezinhos,<br />
Que esclarece e conforta os sofredores!...<br />
Pois com o mundo uma flor tem mil espinhos,<br />
Mas com Jesus um espinho tem mil flores!”<br />
O SINAL<br />
Quando chegamos do País do Gozo,<br />
Nossa alma sem repouso<br />
Traz o sinal das trevas do pecado.<br />
Nossa alegria é um riso envenenado.<br />
A palavra disfarça o coração<br />
E a nossa dor é <strong>de</strong>sesperação.<br />
Tudo é sombra. A verda<strong>de</strong> não tem voz.<br />
Muita vez, tudo é queda <strong>de</strong>ntro em nós.<br />
Mas os que vêm do Mundo dos Deveres<br />
Guardam a luz <strong>de</strong> místicos prazeres.<br />
Não têm palmas da Terra impemtente...<br />
Como tudo, porém, é diferente!...<br />
Sua alegria é um fruto adocicado,<br />
Sua palavra é um livro iluminado,<br />
Sua dor alivia as outras dores.<br />
Trazem o amor <strong>de</strong> todos os amores,<br />
Revelando na vida transitória<br />
O sinal do Calvário aberto em glória!
118 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
NA NOITE DE NATAL<br />
Noite <strong>de</strong> paz e amor! Repicam sinos,<br />
Doces, harmoniosos, cristalinos,<br />
Cantando a excelsitu<strong>de</strong> do Natal!...<br />
A estrela <strong>de</strong> Belém volta, <strong>de</strong> novo,<br />
A brilhar, ante os júbilos do povo,<br />
Sob a crença imortal.<br />
De cada lar ditoso se irradia<br />
A glória da amiza<strong>de</strong> e da harmonia,<br />
Em festiva oração;<br />
Unese o noivo à noiva bemamada,<br />
Beija o filho a mãezinha idolatrada,<br />
O irmão abraça o irmão.<br />
Dentro da noite, há corações ao lume<br />
E há sempre um bolo, em vagas <strong>de</strong> perfume,<br />
Sob claro dossel...<br />
Nascem canções e flores <strong>de</strong> mansinho,<br />
Em é<strong>de</strong>nes fechados <strong>de</strong> carinho,<br />
De esperança e <strong>de</strong> mel.<br />
Mas, lá fora, a tristeza continua...<br />
Há quem chora sozinho, em plena rua,<br />
Ao pé da multidão;<br />
Há quem clama pieda<strong>de</strong> e passa ao vento,<br />
Ralado <strong>de</strong> tortura e sofrimento,<br />
Sem a graça <strong>de</strong> um pão.<br />
Há quem contempla o céu maravilhoso,<br />
Rogando à morte a bênção do repouso<br />
Em terrível pesar!<br />
Ah! como é triste a imensa caravana,<br />
Que segue, aflita, sob a treva humana<br />
Sem consolo e sem lar...
119 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Tu, que aceitaste a luz renovadora.<br />
Do Rei que se humilhou na manjedoura<br />
Para amar e servir,<br />
Volve o olhar compassivo à senda escura,<br />
Vem amparar os filhos da amargura,<br />
Que não po<strong>de</strong>m sorrir.<br />
Desce do pe<strong>de</strong>stal que te levanta<br />
E esten<strong>de</strong> a mão miraculosa e santa<br />
Ao <strong>de</strong>salento atroz;<br />
Para unirnos no Amor, fraternalmente,<br />
Desceu Jesus do Céu Resplan<strong>de</strong>cente<br />
E imolouse por nós.<br />
Vem medicar quem geme na calçada!...<br />
Oferece à criança abandonada<br />
Um velho cobertor;<br />
Traze a quem sofre a lúcida fatia<br />
Do teu prato <strong>de</strong> sonho e <strong>de</strong> alegria,<br />
Temperado <strong>de</strong> amor.<br />
Visita as chagas negras da mansarda<br />
On<strong>de</strong> a miséria súplice te aguarda<br />
Em nome <strong>de</strong> Jesus.<br />
Há muita crença enferma, quase morta,<br />
Que só pe<strong>de</strong> um sorriso brando à porta,<br />
Para tornar à luz.<br />
Natal!... Prossegue o Mestre, <strong>de</strong> viagem,<br />
Em vão buscando um quarto <strong>de</strong> estalagem,<br />
Um ninho pobre, em vão!...<br />
E encontra sempre a cruz, ao fim da estrada,<br />
Por não achar socorro, nem pousada<br />
Em nosso coração.
120 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
23<br />
CASIMIRO CUNHA<br />
Na eterna luz – Anjinhos Ascensão – Quadras Supremacia da<br />
Carida<strong>de</strong> – Versos – Símbolo Pensamentos espíritas Sombra e<br />
luz O beijo da morte O engano flores silvestres Ao meu caro<br />
Quintão – Espiritismo – Aos companheiros da Doutrina<br />
POETA vassourense, nasceu aos 14 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1880 e <strong>de</strong>sencarnou em<br />
1914. Pobre, ao <strong>de</strong>mais espírita confesso, não teve maior projeção no cenáculo<br />
literário do seu tempo, mau grado à suavida<strong>de</strong> da sua musa e inatos talentos<br />
literários. Há, na sua existência terrena, uma triste particularida<strong>de</strong> a assinalar, qual a<br />
<strong>de</strong> haver perdido uma vista aos 14 anos, por aci<strong>de</strong>nte, para <strong>de</strong> todo cegar da outra<br />
aos 16. Órfão <strong>de</strong> pai aos 7 anos, apenas frequentou escolas primárias. Era um<br />
espírito jovial e forte no infortúnio, que ele sabia aproveitar no enobrecimento da<br />
sua fé. Se tivesse tido maior cultura, atingiria as maiores culminâncias do<br />
firmamento literário.<br />
NA ETERNA LUZ<br />
Quando parti <strong>de</strong>ste mundo<br />
Em busca da Imensida<strong>de</strong>,<br />
A alma ansiosa da Verda<strong>de</strong>,<br />
Do azul imenso dos céus,<br />
Fugi do pesar profundo,<br />
Lamentando os sofrimentos,<br />
As mágoas, os <strong>de</strong>salentos,<br />
Confiado no amor <strong>de</strong> Deus.<br />
Mal, porém, abrira os olhos<br />
Em meio <strong>de</strong> luzes puras,<br />
Nas radiantes alturas,<br />
Em célico resplendor,<br />
Compreendi que os abrolhos<br />
Que a, Terra me oferecera,<br />
Eram mesmo a primavera<br />
Do meu sonho todo em flor.
121 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Disseramme então: — “Ó crente<br />
Que chegais a estas plagas,<br />
Fugindo das gran<strong>de</strong>s vagas<br />
Do mar revolto das lutas,<br />
Aportai serenamente<br />
Nesta estância do Senhor,<br />
Pois aqui existe o amor<br />
Nestas almas impolutas!<br />
Aqui existe a pureza,<br />
A meiga flor da Bonda<strong>de</strong>,<br />
O aroma da Carida<strong>de</strong><br />
Perfumando os corações;<br />
Não se conhece a torpeza<br />
Da lâmina — hipocrisia,<br />
Que mata toda a alegria,<br />
Provocando maldições.<br />
Aqueles que já sofreram<br />
No <strong>de</strong>ver nobilitante,<br />
Cujo peito sempre amante<br />
Só conheceu dissabores;<br />
Aqueles que conheceram<br />
As feridas dolorosas,<br />
Dessas mágoas escabrosas<br />
De um triste mundo <strong>de</strong> dores,<br />
Encontram nestas moradas<br />
Tão formosas, resplen<strong>de</strong>ntes,<br />
Os clarões resplan<strong>de</strong>centes<br />
De afetos imorredouros!<br />
As almas imaculadas<br />
São flores das boasvindas,<br />
Luminosas, sempre lindas,<br />
Ofertandolhes tesouros:<br />
Os tesouros peregrinos,<br />
Formados <strong>de</strong> amor e luz<br />
Do Mestre Amado — Jesus,<br />
Arauto do Onipotente;<br />
Os reflexos divinos<br />
Quais lírios iluminados,<br />
Alvos, belos, <strong>de</strong>ificados,<br />
Penetrarão sua mente.
122 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Acordai, pois, ó vivente,<br />
Contemplaivos nesta vida,<br />
Que vossa alma ensan<strong>de</strong>cida<br />
Procure a luz que avigora.<br />
O Senhor sempre clemente,<br />
Conce<strong>de</strong>vos neste instante<br />
A bênção dulcificante<br />
Do seu amor — doce aurora.<br />
Sacudi o pó da estrada<br />
Que trilhastes na amargura,<br />
Pois agora na ventura<br />
Fruireis consolações;<br />
Nesta esfera iluminada,<br />
Que aportais neste momento,<br />
Não vereis o sofrimento<br />
Retalhando os corações.<br />
ANJINHOS<br />
Só vereis clarões <strong>de</strong> luz<br />
A <strong>de</strong>spontar nestas almas,<br />
Tornadas em belas palmas<br />
Das mansões do Criador!<br />
Bendizei, pois, a Jesus,<br />
O Mestre da Carida<strong>de</strong>,<br />
O Luzeiro da Bonda<strong>de</strong>,<br />
O gran<strong>de</strong> Mestre do Amor!<br />
Então, eu vi que na Terra<br />
Em meio da iniquida<strong>de</strong>,<br />
Na tremenda tempesta<strong>de</strong><br />
Das dores e expiações,<br />
A nossa alma que erra,<br />
Tão longe das gran<strong>de</strong>s luzes,<br />
Só aproveita das cruzes,<br />
Das amargas provações.<br />
Venturoso, abençoei<br />
A dor que amaldiçoara,<br />
Que renegar eu tentara<br />
Como os míseros ateus,<br />
E feliz então busquei<br />
As bênçãos, flores brilhantes,<br />
Alvoradas fulgurantes<br />
Do amor imenso <strong>de</strong> Deus.
123 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Ó mães que chorais na vida<br />
Os vossos ternos anjinhos,<br />
Que quais meigos passarinhos<br />
Cindiram o espaço azul,<br />
Deixandovos sem conforto,<br />
O peito dilacerado,<br />
O coração <strong>de</strong>solado,<br />
A alma tristonha e exul,<br />
Reconhecei que na Terra<br />
Só se conhecem as dores,<br />
Os prantos, os amargores,<br />
As frias noites sem luz;<br />
E os vossos filhinhos ternos,<br />
Quais centelhas luminosas,<br />
São as flores mais formosas<br />
Das moradas <strong>de</strong> Jesus.<br />
São mensageiros felizes<br />
Nas radiantes alturas,<br />
Em meio das luzes puras,<br />
De outras rútilas esferas,<br />
Resplan<strong>de</strong>cendo imortais<br />
Nos espaços <strong>de</strong>slumbrantes,<br />
Quais reflexos brilhantes<br />
Das celinas primaveras.<br />
Visitam os vossos lares<br />
Como gênios protetores,<br />
Ofertandovos as flores<br />
Do seu afeto eternal;<br />
Osculamvos ternamente,<br />
Insuflandovos coragem,<br />
Ao transpor<strong>de</strong>s a voragem<br />
Do abismo negro do mal;<br />
Alegraivos, pois, ao ver<strong>de</strong>s<br />
Quando partem sorri<strong>de</strong>ntes,<br />
Venturosos, inocentes,<br />
Como fúlgidos clarões;<br />
Eles farão <strong>de</strong>spertar<br />
As alvoradas formosas,<br />
De luzes esplendorosas<br />
Dentro em vossos corações.
124 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
ASCENSÃO<br />
Perguntai à flor virente,<br />
De pétalas multicores,<br />
Que com mágicos olores<br />
Perfumam vosso ambiente,<br />
O que fazem cá no mundo,<br />
Tão viçosas, perfumadas,<br />
Pelas sendas <strong>de</strong>soladas<br />
Deste abismo tão profundo.<br />
Como sorrisos dos Céus,<br />
Essas flores perfumosas<br />
Respon<strong>de</strong>riam formosas:<br />
— “Nós marchamos para Deus!”<br />
A ave que poetiza<br />
Com seus cânticos maviosos<br />
Vossos campos dadivosos<br />
Em beleza que harmoniza,<br />
Se perguntásseis também,<br />
Ela vos retrucaria:<br />
— “Caminhamos na alegria,<br />
Para a Luz e para o Bem.”<br />
Tudo pois, em ascensão,<br />
Marcha ao progresso incessante,<br />
A alvorada rutilante<br />
Da sublime perfeição.<br />
Segui pois, irmãos terrenos,<br />
Nessas trilhas luminosas,<br />
Caminhai sempre serenos,<br />
Entre lírios, entre rosas;<br />
Entre os lírios da Bonda<strong>de</strong>,<br />
Entre as rosas da Ternura,<br />
Espargindo a carida<strong>de</strong>,<br />
Consolando a <strong>de</strong>sventura.<br />
Só assim caminharemos<br />
Nessa eterna evolução,<br />
E no Bem conquistaremos<br />
A suprema perfeição.
125 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
QUADRAS<br />
Ser cego e nada ver<br />
Na triste noite escura,<br />
E ver <strong>de</strong>pois a luz<br />
Da aurora <strong>de</strong> ventura;<br />
Chorar na escuridão<br />
Em dores mergulhado,<br />
E após o sofrimento<br />
Ter gozo ilimitado;<br />
Sorver <strong>de</strong>ntro da treva<br />
O fel das amarguras,<br />
Depois, buscar o amor<br />
Nas lúcidas alturas;<br />
É possuir tesouros<br />
De paz, <strong>de</strong> vida e luz,<br />
No sacrossanto abrigo<br />
Do afeto <strong>de</strong> Jesus.<br />
SUPREMACIA DA CARIDADE<br />
A fé é a força potente<br />
Que <strong>de</strong>sponta na alma crente,<br />
Elevandoa aos altos Céus:<br />
Ela é chama abrasadora,<br />
Reluzente, re<strong>de</strong>ntora,<br />
Que nos eleva até Deus.<br />
A esperança é flor virente,<br />
Alva estrela resplen<strong>de</strong>nte,<br />
Que ilumina os corações,<br />
Que conduz as criaturas<br />
As almejadas venturas<br />
Entre célicos clarões.<br />
A carida<strong>de</strong> é o amor,<br />
É o sol que Nosso Senhor<br />
Fez raiar claro e fecundo;<br />
Alegrando nesta vida<br />
A existência dolorida<br />
Dos que sofrem neste mundo!
126 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
A fé é um clarão divino,<br />
Refulgente, peregrino,<br />
Que irrompe, trazendo a luz;<br />
A carida<strong>de</strong> é a expressão<br />
Da personificação<br />
Do Mestre Amado — Jesus!<br />
A esperança é qual lume,<br />
Ou capitoso perfume<br />
Que nos alenta na dor;<br />
A carida<strong>de</strong> é uma aurora<br />
Que resplen<strong>de</strong> a toda hora,<br />
Nada empana o seu fulgor.<br />
Seja, pois, abençoada<br />
Essa fúlgida alvorada<br />
A raiar eternamente!<br />
Carida<strong>de</strong> salvadora,<br />
Pura bênção re<strong>de</strong>ntora<br />
Do Senhor Onipotente.<br />
VERSOS<br />
Vivi na mansão das sombras,<br />
Desterrado;<br />
Na noite das trevas <strong>de</strong>nsas,<br />
Sepultado.<br />
Entrei no sepulcro escuro,<br />
Nascendo;<br />
E <strong>de</strong>le fugi feliz,<br />
Morrendo.<br />
É que a vida material<br />
É a prisão,<br />
On<strong>de</strong> a alma é encarcerada<br />
Na aflição;<br />
E a vida da alma é a nossa<br />
Liberda<strong>de</strong>,<br />
On<strong>de</strong> as luzes recebemos<br />
Da Verda<strong>de</strong>.
127 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
SÍMBOLO<br />
Sobre a lama <strong>de</strong> um monturo<br />
Um branco lírio sorria,<br />
Alvo, belo, <strong>de</strong>licado,<br />
Perfumando a luz do dia.<br />
Vendo essa flor cariciosa<br />
No pantanal sujo e imundo,<br />
Via o símbolo do Bem<br />
Entre os males <strong>de</strong>ste mundo.<br />
Pois entre as trevas e as dores<br />
Da vida <strong>de</strong> provações,<br />
Po<strong>de</strong> existir a bonda<strong>de</strong><br />
Irradiando clarões.<br />
E o coração que cultiva<br />
A carida<strong>de</strong> e o amor,<br />
É a flor cheia <strong>de</strong> aromas,<br />
Cheia <strong>de</strong> viço e frescor.<br />
Que mesmo <strong>de</strong>ntro da treva<br />
Do mundo ingrato, sem luz,<br />
É lírio resplan<strong>de</strong>cente<br />
Do puro amor <strong>de</strong> Jesus.<br />
PENSAMENTOS ESPÍRITAS<br />
Dobram sinos a finados,<br />
Com mágoa e <strong>de</strong>solação...<br />
Porque não sabem que a morte<br />
É a nossa libertação.<br />
Toda a esperança da fé,<br />
Que vive com a carida<strong>de</strong>,<br />
É realizada no mundo<br />
Da eterna felicida<strong>de</strong>.<br />
A palavra que reténs<br />
É tua serva querida,<br />
Mas aquela que te foge<br />
É dona da tua vida.
128 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Todo suicida presume<br />
Que a morte é o fim do amargor,<br />
Sem saber que o <strong>de</strong>sespero<br />
É porta para outra dor.<br />
Quem sofre resignado,<br />
Após a morte <strong>de</strong>scansa<br />
Quem luta, sem naufragar,<br />
Verá <strong>de</strong>certo a bonança.<br />
Quem tem a flor da humilda<strong>de</strong>,<br />
Medrando no coração,<br />
Tem o jardim das virtu<strong>de</strong>s<br />
Da suprema perfeição.<br />
Volve ao Céu todo piedoso,<br />
Coração que andas ferido!.<br />
Deus cura todas as chagas<br />
Do mal que tens pa<strong>de</strong>cido.<br />
SOMBRA E LUZ<br />
Vem a noite, volta o dia,<br />
Cresce o broto, nasce a flor,<br />
Vai a dor, surge a alegria<br />
Dourando a manhã do Amor.<br />
Assim, <strong>de</strong>pois da amargura<br />
Que a vida terrena traz,<br />
A alma encontra na Altura<br />
A luz, a ventura e a paz.<br />
O BEIJO DA MORTE<br />
Para quem viveu na Terra<br />
Em meio dos sofredores<br />
E somente frias dores<br />
No mundo ingrato colheu,<br />
O frio beijo da morte<br />
É o beijo da liberda<strong>de</strong>,<br />
É um raio <strong>de</strong> clarida<strong>de</strong><br />
Que vem da altura do Céu.
129 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
A vida terrena é a noite<br />
Que prece<strong>de</strong> as madrugadas<br />
Das regiões aureoladas<br />
De amor, <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> e luz:<br />
Sem paradoxo, portanto,<br />
O gozo é o próprio martírio,<br />
Que se fez excelso Lírio<br />
Na <strong>de</strong>voção <strong>de</strong> Jesus.<br />
A morte é a <strong>de</strong>usa celeste<br />
Da vida, da plenitu<strong>de</strong>,<br />
Que a alegria da Virtu<strong>de</strong><br />
Faz, linda, <strong>de</strong>sabrochar;<br />
Seu beijo é um raio <strong>de</strong> luz<br />
Do <strong>de</strong>albar das alturas,<br />
Que na noite <strong>de</strong> amarguras<br />
As almas vem <strong>de</strong>spertar.<br />
O ENGANO<br />
As vezes diz a Ciência<br />
Que a crença é engano profundo,<br />
Esperando uma outra vida<br />
Noutros planos, noutro mundo...<br />
E diz arrogante à Fé:<br />
— “Estás louca! A morte apenas<br />
É o sono eterno e tranquilo<br />
Depois das lutas terrenas.”<br />
Ao que ela replica, humil<strong>de</strong>:<br />
— “Mais tar<strong>de</strong>, Ciência amiga,<br />
Serás o sósia da Fé,<br />
Andarás ao Lado meu.<br />
Se for sono, dormiremos,<br />
Mas se não for, pois não é,<br />
De quem será esse engano<br />
Será meu ou será teu”
130 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
FLORES SILVESTRES<br />
Já viste, filho, a floresta<br />
Varrida pelas tormentas<br />
Partemse troncos anosos,<br />
Caem copas opulentas.<br />
Mil árvores grandiosas<br />
Esfacelam—se nos ares<br />
Tombam gigantes da selva,<br />
Venerandos, seculares.<br />
Mas as florinhas silvestres<br />
São apenas baloiçadas,<br />
Continuando graciosas<br />
A tapetar as estradas.<br />
Zune o vento geme a selva<br />
Não sabe a pequena flor,<br />
Que perfumando o caminho<br />
Compõe um hino <strong>de</strong> amor.<br />
Flores silvestres!... Imagem<br />
Dos bons e dos pequeninos,<br />
Que sobre o mundo <strong>de</strong>rramam<br />
As graças dos dons divinos.<br />
Na selva da vida humana<br />
Caem gran<strong>de</strong>s, po<strong>de</strong>rosos:<br />
Arcas repletas <strong>de</strong> ouro,<br />
E frontes ébrias <strong>de</strong> gozos.<br />
Mas, os humil<strong>de</strong>s da Terra,<br />
Dentro da fé que os conduz,<br />
Não caem... São refletores<br />
Da bonda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Jesus.<br />
Flores silvestres da vida,<br />
Não sabem se há tempesta<strong>de</strong><br />
De ambições e se há no mundo<br />
Leis <strong>de</strong> ódio e iniquida<strong>de</strong>.<br />
Nos dias mais tormentosos,<br />
Sê, filho, como esta flor:<br />
Chore o homem, grite o mundo,<br />
Palmilha a estrada do amor.
131 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
AO MEU CARO QUINTÃO 7<br />
Quintão, eu sei da sauda<strong>de</strong><br />
Que te aperta o coração,<br />
Dos nossos dias passados,<br />
Que tão distantes se vão.<br />
Vassouras!... belas paisagens<br />
Cheias <strong>de</strong> vida e <strong>de</strong> cor,<br />
Um céu azul e estrelado<br />
Cobrindo uns ninhos <strong>de</strong> amor.<br />
Árvores fartas e ver<strong>de</strong>s<br />
Pela alfombra dos caminhos,<br />
A ermida branca e suave<br />
De ternos, doces carinhos.<br />
O nosso amigo Moreira<br />
E a sua barbearia,<br />
On<strong>de</strong> uma vez me encontraste<br />
Na minha noite sombria.<br />
Detalhes cariciosos<br />
Da vida singela e calma,<br />
Vida <strong>de</strong> encantos divinos<br />
Que eu via com os olhos d’alma.<br />
Meus pobres versos — “Singelos”, “<br />
Aves implumes” da dor,<br />
Que traduziam no mundo<br />
O meu pungente amargor.<br />
A minha pobre Carlota,<br />
A companheira querida,<br />
O raio <strong>de</strong> clarida<strong>de</strong><br />
Da noite da minha vida.<br />
Os artigos do Bezerra<br />
De outros tempos, no “O Pais”,<br />
O mestre da Velha Guarda,<br />
Unida, forte e feliz.<br />
7 Esta poesia singela e, por assim dizer, intimamente pessoal, foi recebida em circunstâncias imprevistas e<br />
timbra episódios vemos <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 30 anos, que o médium não podia conhecer, atento mesmo a sua<br />
banalida<strong>de</strong>. Singelos e Aves Implumes são títulos <strong>de</strong> dois pequenos volumes <strong>de</strong> versos publicados em<br />
começos do século. Carlota é o nome da esposa do poeta cego, também cegada <strong>de</strong> uma vista, por<br />
aci<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> casada.
132 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
A tua doce amiza<strong>de</strong><br />
A luz do Consolador,<br />
Teu coração generoso<br />
De amigo, irmão e mentor.<br />
Ah! Quintão, hoje os meus olhos<br />
Embebedamse <strong>de</strong> luz,<br />
Pelas estradas sublimes<br />
Da santa paz <strong>de</strong> Jesus!<br />
Mas não sei on<strong>de</strong> a sauda<strong>de</strong><br />
É mais forte nos seus véus,<br />
Se pelas sombras da Terra,<br />
Se pelas luzes dos Céus.<br />
ESPIRITISMO<br />
Espiritismo é uma luz<br />
Gloriosa, divina e forte,<br />
Que clareia toda a vida<br />
E ilumina além da morte.<br />
É uma fonte generosa<br />
De compreensão compassiva,<br />
Derramando em toda parte<br />
O conforto d’Água Viva.<br />
É o templo da Carida<strong>de</strong><br />
Em que a Virtu<strong>de</strong> oficia,<br />
E on<strong>de</strong> a bênção da Bonda<strong>de</strong><br />
É flor <strong>de</strong> eterna alegria.<br />
É árvore ver<strong>de</strong> e farta<br />
Nos caminhos da esperança,<br />
Toda aberta em flor e fruto<br />
De verda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> bonança.<br />
É a clarida<strong>de</strong> bendita<br />
Do bem que aniquila o mal,<br />
O chamamento sublime<br />
Da Vida Espiritual.<br />
Se buscas o Espiritismo,<br />
Norteiate em sua luz:<br />
Espiritismo é uma escola,<br />
E o Mestre Amado é Jesus.
133 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
AOS COMPANHEIROS DA DOUTRINA<br />
Examinada <strong>de</strong> perto,<br />
A luz da nossa Doutrina<br />
É sempre a lição que ensina<br />
A paz do caminho certo.<br />
Necessário é discernir<br />
A mistura, a ganga, o véu;<br />
Muita vez a água do céu<br />
Tornase em lama, ao cair.<br />
O mal vem <strong>de</strong> ouvidos moucos<br />
Ou <strong>de</strong> olhos nevoados,<br />
Há sempre muitos chamados;<br />
Escolhidos muito poucos.<br />
Verda<strong>de</strong> é que o coração,<br />
Que abrace a nossa Doutrina,<br />
Penetra numa oficina<br />
De esforço, luta, e ação.<br />
Já não <strong>de</strong>ve andar a esmo<br />
Nas estradas da ilusão,<br />
Mas buscando a perfeição<br />
Na perfeição <strong>de</strong> si mesmo.<br />
Portanto, é nossa divisa<br />
Oração e Vigilância,<br />
No bem que é bem substância<br />
Da crença que diviniza.<br />
No Evangelho <strong>de</strong> Jesus,<br />
Feliz quem po<strong>de</strong> guardar<br />
A força <strong>de</strong> realizar<br />
Os gran<strong>de</strong>s feitos da Luz.<br />
Que no altar do coração<br />
Tenhamos o amor profundo<br />
Daquele que é a Luz do Mundo,<br />
— Eis meu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> irmão.
134 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
24<br />
CASIMIRO DE ABREU<br />
À minha terra A Terra – Lembranças – Recordando<br />
POETA fluminense, <strong>de</strong>sencarnou aos 18 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1860, na Fazenda <strong>de</strong><br />
Indaiaçu, no então município <strong>de</strong> Barra <strong>de</strong> São João, hoje <strong>de</strong>nominado Casimiro <strong>de</strong><br />
Abreu, com 21 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, acometido <strong>de</strong> tuberculose pulmonar. Figura literária<br />
das mais típicas do seu tempo, o autor malogrado <strong>de</strong> Primaveras ainda aqui se<br />
afirma no seu profundo quão suave nativismo lírico. Suas composições possuem<br />
“um saboroso estilo colorido, sensível e personalíssimo” — disse Ronald <strong>de</strong><br />
Carvalho.<br />
À MINHA TERRA<br />
Que terno sonho dourado<br />
Das minhas horas fagueiras,<br />
No recanto das palmeiras<br />
Do meu querido Brasil!<br />
A vida era um dia lindo<br />
Num vergel cheio <strong>de</strong> flores,<br />
Cheio <strong>de</strong> aroma e esplendores<br />
Sob um céu primaveril.<br />
A Infância, um lago tranquilo<br />
On<strong>de</strong> começa a existência,<br />
On<strong>de</strong> os cisnes da inocência<br />
Bebem o néctar do amor.<br />
A mocida<strong>de</strong> era um hino<br />
De melodias suaves,<br />
Formadas <strong>de</strong> trinos <strong>de</strong> aves<br />
E <strong>de</strong> perfumes <strong>de</strong> flor.<br />
O dia, manhã ri<strong>de</strong>nte,<br />
Numa canção <strong>de</strong> alvorada;<br />
A noite toda estrelada<br />
Após o doce arrebol;<br />
E na, paisagem querida,<br />
Os ramos das laranjeiras<br />
E das frondosas mangueiras<br />
Douradas à luz do Sol!
135 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Oh! que clarão <strong>de</strong>ntro d’alma,<br />
Constantemente cismando,<br />
O pensamento sonhando<br />
E o coração a cantar,<br />
Na <strong>de</strong>licada harmonia<br />
Que nascia da beleza,<br />
Do ver<strong>de</strong> da Natureza,<br />
Do ver<strong>de</strong> do lindo mar!<br />
Oh! que poema a existência<br />
De infância e <strong>de</strong> mocida<strong>de</strong>,<br />
De ternura e <strong>de</strong> sauda<strong>de</strong>,<br />
De tristeza e <strong>de</strong> prazer;<br />
Igual a um canto sublime,<br />
Como uma estrofe inspirada<br />
Na noite e na madrugada,<br />
Na tar<strong>de</strong> e no amanhecer.<br />
De tudo me lembro e quanto!<br />
A transparência dos lagos,<br />
As carícias, os afagos<br />
E os beijos <strong>de</strong> minha mãe!<br />
Dos trinos dos pintassilgos,<br />
Da melodia das fontes,<br />
As nuvens nos horizontes<br />
Perdidos no azul do além.<br />
Quando eu cruzava as campinas,<br />
Sem sombras <strong>de</strong> sofrimento,<br />
Descalço, com o peito ao vento,<br />
Num tempo doce e feliz!<br />
Os pessegueiros floridos,<br />
As fron<strong>de</strong>s cheias <strong>de</strong> amora,<br />
O manto <strong>de</strong> luz da aurora,<br />
Os pios das juritis!<br />
Se a morte aniquila o corpo,<br />
Não aniquila a lembrança:<br />
Jamais se extingue a esperança,<br />
Nunca se extingue o sonhar!<br />
E à minha terra querida,<br />
Recortada <strong>de</strong> palmeiras,<br />
Espero em horas fagueiras<br />
Um dia po<strong>de</strong>r voltar.
136 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
A TERRA<br />
(Aos pessimistas)<br />
Se há noite escura na Terra,<br />
On<strong>de</strong> rugem tempesta<strong>de</strong>s,<br />
Se há tristezas, se há sauda<strong>de</strong>s,<br />
Amargura e dissabor,<br />
Também há dias dourados<br />
De sol e <strong>de</strong> melodias,<br />
Esperanças e alegrias,<br />
Canções <strong>de</strong> eterno fulgor!<br />
A Terra é um mundo ditoso,<br />
Um paraíso <strong>de</strong> amores,<br />
Jardim <strong>de</strong> risos e flores<br />
Rolando no céu azul.<br />
Um hino <strong>de</strong> força e vida<br />
Palpita em suas entranhas,<br />
Retumba pelas montanhas,<br />
Ecoa <strong>de</strong> Norte a Sul.<br />
Os sonhos da mocida<strong>de</strong>,<br />
As galas da Natureza,<br />
Livro <strong>de</strong> excelsa beleza<br />
Com páginas <strong>de</strong> esplendor,<br />
On<strong>de</strong> as histórias são cantos<br />
De gárriilos passarinhos,<br />
On<strong>de</strong> as gravuras são ninhos<br />
Estampados no verdor;<br />
On<strong>de</strong> há reis que são poetas,<br />
E trovadores alados,<br />
Heróis ternos, namorados,<br />
Gargantas <strong>de</strong> ouro a cantar,<br />
Saudando a aurora que surge<br />
Como ninfa luminosa,<br />
A olharse toda orgulhosa<br />
No espelho do gran<strong>de</strong> mar!<br />
On<strong>de</strong> as princesas são flores,<br />
Que se beijam luzidias,<br />
Perfumando as pradarias<br />
Com seu hálito <strong>de</strong> amor;<br />
Desabrochando às centenas,<br />
Na estrada on<strong>de</strong> o homem passa,<br />
Oferecendolhe graça,<br />
Sorrindo, cheias <strong>de</strong> olor.
137 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
O dia todo é alvorada<br />
De doces encantamentos;<br />
A noite, <strong>de</strong>slumbramentos<br />
Da Lua, em seus brancos véus!<br />
A tar<strong>de</strong> Oscula as estrelas,<br />
Os astros o Solnascente,<br />
O Sol o prado ri<strong>de</strong>nte,<br />
O prado perfuma os céus!...<br />
Quem vive num é<strong>de</strong>n <strong>de</strong>sses,<br />
É sempre risonho e forte,<br />
Jamais almeja que a morte<br />
Na vida o venha tragar;<br />
Sabe encontrar a ventura<br />
Nesse jardim <strong>de</strong> pujanças,<br />
E enchese <strong>de</strong> esperanças<br />
Para sofrer e lutar.<br />
Se há noite escura na Terra,<br />
Abarrotada <strong>de</strong> dores,<br />
De lágrimas e amargores,<br />
De triste e ru<strong>de</strong> carpir,<br />
Também há dias dourados<br />
De juventu<strong>de</strong> e esplendores,<br />
De aromas, risos e flores,<br />
De áureos sonhos no porvir!...<br />
LEMBRANÇAS<br />
No sacrário das lembranças,<br />
Revejote, trigueirinha,<br />
De negras e longas tranças,<br />
Moreninha.<br />
Teus lindos pés <strong>de</strong>scalçados,<br />
Pisando <strong>de</strong> manhãzinha<br />
A ver<strong>de</strong> relva dos prados,<br />
Moreninha.<br />
Os primorosos cabelos<br />
Enfeitados, à tardinha,<br />
De miosótis singelos,<br />
Moreninha.
138 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
De olhar sedutor e insonte,<br />
Quando o teu passo ia e vinha<br />
Em busca da água da fonte,<br />
Moreninha.<br />
Teu vulto <strong>de</strong> camponesa<br />
Era o porte <strong>de</strong> rainha,<br />
Rainha da Natureza,<br />
Moreninha.<br />
Inda ouço os sons primeiros<br />
Da tua voz na modinha<br />
Modulada nos terreiros,<br />
Moreninha.<br />
Lavando a roupa às braçadas,<br />
Nos fios dágua fresquinha,<br />
Sob as mangueiras copadas,<br />
Moreninha.<br />
Os teus risos adorados,<br />
Desferidos à noitinha,<br />
Nos bandos <strong>de</strong> namorados,<br />
Moreninha.<br />
A tua oração ditosa,<br />
Nas missas da capelinha,<br />
Tão faceira! tão formosa!<br />
Moreninha.<br />
A placi<strong>de</strong>z do teu rosto<br />
Com teus modos <strong>de</strong> avezinha,<br />
Fitando a luz do solposto,<br />
Moreninha.<br />
O teu samburá <strong>de</strong> flores<br />
Que levavas à igrejinha,<br />
Enchendo a nave <strong>de</strong> odores,<br />
Moreninha.<br />
O vestidinho <strong>de</strong> chita,<br />
De rosas estampadinha,<br />
Fazendote mais bonita,<br />
Moreninha.
139 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
O nosso idílio encantado,<br />
Quando te achavas sozinha,<br />
Sob o luar prateado,<br />
Moreninha.<br />
Que terna recordação<br />
De minhalma se avizinha!<br />
De sauda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> paixão,<br />
Moreninha.<br />
Ai! Ai! meu Deus, quem me <strong>de</strong>ra<br />
Reverte, doce rainha,<br />
Rainha da Primavera,<br />
Moreninha.<br />
RECORDANDO<br />
Meu Deus, <strong>de</strong>ixai que eu me esqueça<br />
Da minha vida <strong>de</strong> agora,<br />
Que apenas o meu passado<br />
Eu possa alegre rever;<br />
Deixai que me i<strong>de</strong>ntifique<br />
Com os raios da luz <strong>de</strong> outrora,<br />
Daquela risonha aurora<br />
Do meu passado viver.<br />
Que eu sinta <strong>de</strong> novo a vida<br />
Na infância Linda e ditosa,<br />
Na alegria inalterável<br />
Do lugar on<strong>de</strong> nasci;<br />
Quero rever novamente<br />
A paisagem luminosa,<br />
Sentir a emoção grandiosa<br />
De tudo o que já senti!...<br />
Ah! que eu possa hoje olvidar<br />
Imensida<strong>de</strong>s, esferas,<br />
Concepções mais perfeitas<br />
No progresso que alcancei;<br />
Que das ruínas, dos escombros,<br />
Minhalma retire as heras,<br />
E contemple as primaveras<br />
Da vida que já <strong>de</strong>ixei.
140 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Quero aspirar os perfumes<br />
Dos cendais cheios <strong>de</strong> flores,<br />
Na fresca sombra dos vales,<br />
Sob a luz do céu <strong>de</strong> anil!<br />
Rever o sítio encantado<br />
Da minha estância <strong>de</strong> amores,<br />
Meus sonhos encantadores,<br />
Minha terra, meu Brasil!<br />
Escutar os sinos calmos<br />
Sob a alvura das capelas,<br />
Enchendo as longes <strong>de</strong>vesas,<br />
De convites à oração;<br />
Sentarme no prado agreste,<br />
Beijar as flores singelas,<br />
Mirar a luz das estrelas,<br />
Ouvir a voz da amplidão!<br />
Correr sob o solnascente<br />
Até que chegue o luar,<br />
Procurando os passarinhos<br />
E as borboletas tafuis;<br />
Que esperança, que ventura!<br />
Viver, sofrer, e amar<br />
A campina, o Sol, o mar,<br />
Campos ver<strong>de</strong>s, céus azuis<br />
Ser homem e ser criança,<br />
Toucarse a alma das galas<br />
Da poesia inexprimível,<br />
Da alvorada e do arrebol...<br />
Oh! Natureza da Terra,<br />
Que tesouros não exalas,<br />
Na, carícia <strong>de</strong>ssas falas<br />
Do passarinho e do Sol!<br />
Eu gozo <strong>de</strong> quando em quando,<br />
Revendo essa clarida<strong>de</strong>,<br />
Da existência transcorrida<br />
Guardada no coração;<br />
E dos cimos <strong>de</strong>sta vida,<br />
Na excelsa Imortalida<strong>de</strong>,<br />
Verto prantos <strong>de</strong> sauda<strong>de</strong><br />
A luz da recordação.
141 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
25<br />
CASTRO ALVES<br />
Marchemos! A Morte<br />
POETA baiano, <strong>de</strong>sencarnou a 6 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1871, com 24 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>.<br />
Mocida<strong>de</strong> radiosa, o autor consagrado <strong>de</strong> Espumas Flutuantes exerceu nas rodas<br />
literárias do seu tempo a mais justa e calorosa das projeções. Nesta poesia sentese o<br />
crepitar da lira que modulou — O Livro e a América.<br />
MARCHEMOS!<br />
Há mistérios peregrinos<br />
No mistério dos <strong>de</strong>stinos<br />
Que nos mandam renascer:<br />
Da luz do Criador nascemos,<br />
Múltiplas vidas vivemos,<br />
Para à mesma luz volver.<br />
Buscamos na Humanida<strong>de</strong><br />
As verda<strong>de</strong>s da Verda<strong>de</strong>,<br />
Se<strong>de</strong>ntos <strong>de</strong> paz e amor;<br />
E em meio dos mortosvivos<br />
Somos míseros cativos<br />
Da iniquida<strong>de</strong> e da dor.<br />
É a luta eterna e bendita,<br />
Em que o Espírito se agita<br />
Na trama da evolução;<br />
Oficina on<strong>de</strong> a alma presa<br />
Forja a luz, forja a gran<strong>de</strong>za<br />
Da sublime perfeição.<br />
É a gota dágua caindo<br />
No arbusto que vai subindo,<br />
Pleno <strong>de</strong> seiva e verdor;<br />
O fragmento do estrume,<br />
Que se transforma em perfume<br />
Na corola <strong>de</strong> uma flor.
142 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
A flor que, terna, expirando,<br />
Cai ao solo fecundando<br />
O chão duro que produz,<br />
Deixando um aroma leve<br />
Na aragem que passa breve,<br />
Nas madrugadas <strong>de</strong> luz.<br />
É a rija bigorna, o malho,<br />
Pelas fainas do trabalho,<br />
A enxada fazendo o pão;<br />
O escopro dos escultores<br />
Transformando a pedra em flores,<br />
Em Carraras <strong>de</strong> eleição.<br />
É a dor que através dos anos,<br />
Dos algozes, dos tiranos,<br />
Anjos puríssimos faz,<br />
Transmutando os Neros ru<strong>de</strong>s<br />
Em arautos <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong>s,<br />
Em mensageiros <strong>de</strong> paz.<br />
Tudo evolui, tudo sonha<br />
Na imortal ânsia risonha<br />
De mais subir, mais galgar;<br />
A vida é luz, esplendor,<br />
Deus somente é o seu amor,<br />
O Universo é o seu altar.<br />
Na Terra, às vezes se acen<strong>de</strong>m<br />
Radiosos faróis que esplen<strong>de</strong>m<br />
Dentro das trevas mortais;<br />
Suas rútilas passagens<br />
Deixam fulgores, imagens,<br />
Em reflexos perenais.<br />
É o sofrimento do Cristo,<br />
Portentoso, jamais visto,<br />
No sacrifício da cruz,<br />
Sintetizando a pieda<strong>de</strong>,<br />
E cujo amor à Verda<strong>de</strong><br />
Nenhuma pena traduz.<br />
É Sócrates e a cicuta,<br />
É César trazendo a luta,<br />
Tirânico e lutador;<br />
É Cellini com sua arte,<br />
Ou o sabre <strong>de</strong> Bonaparte,<br />
O gran<strong>de</strong> conquistador.
143 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
É Anchieta dominando,<br />
A ensinar catequizando<br />
O selvagem infeliz;<br />
É a lição da humilda<strong>de</strong>,<br />
De extremosa carida<strong>de</strong><br />
Do pobrezinho <strong>de</strong> Assis.<br />
Oh! bendito quem ensina,<br />
Quem luta, quem ilumina,<br />
Quem o bem e a luz semeia<br />
Nas fainas do evoluir:<br />
Terá a ventura que anseia.<br />
Nas sendas do progredir.<br />
Uma excelsa voz ressoa,<br />
No Universo inteiro ecoa:<br />
“Para a frente caminhai!<br />
“O amor é a luz que se alcança,<br />
“Ten<strong>de</strong> fé, ten<strong>de</strong> esperança,<br />
“Para o Infinito marchai!”<br />
A MORTE<br />
No extremo pólo da vida<br />
Diz a Morte: — “Humanida<strong>de</strong>,<br />
Sou a espada da Verda<strong>de</strong><br />
E a Têmis do mundo sou;<br />
Sou balança do <strong>de</strong>stino,<br />
O fiel <strong>de</strong>sconhecido,<br />
Lanço Cômodo no olvido<br />
E aureolo a fronte <strong>de</strong> Hugo!<br />
O cronômetro dos séculos<br />
Não me torna envelhecida;<br />
Sou morte — origem da vida,<br />
Prêmio ou gládio vingador.<br />
Sou anjo dos <strong>de</strong>sgraçados<br />
Que seguem na Terra errantes,<br />
Desnorteados viaj antes<br />
Dos Niágaras da dor!
144 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Também sou braço potente<br />
Dos déspotas e opressores,<br />
Que trazem os sofredores<br />
No jugo da escravidão;<br />
Aos bons, sou compensação,<br />
Consolo e alívio aos precitos,<br />
E nos maus aumento os gritos<br />
De dores e maldição.<br />
Sepultura do presente,<br />
Do porvir sou plenitu<strong>de</strong>,<br />
Da alegria sou saú<strong>de</strong><br />
E do remorso o amargor.<br />
Sou águia libertadora<br />
Que abre, sobre as <strong>de</strong>screnças,<br />
O manto das trevas <strong>de</strong>nsas,<br />
E sobre a crença o esplendor.<br />
Des<strong>de</strong> as eras mais remotas<br />
Coso láureas e mortalhas,<br />
E sobre a dor das batalhas<br />
Minha asa sempre pairou;<br />
Meu verbo é a lei da Justiça,<br />
Meu sonho é a evolução;<br />
Meu braço — a revolução,<br />
Austerlitz e Waterloo.<br />
Homem, ouveme; se às vezes<br />
Simbolizo a guilhotina,<br />
Minha mão abre a cortina<br />
Que torna o mistério em luz;<br />
E por trabalhar com Deus,<br />
Na absoluta equida<strong>de</strong>,<br />
Sou prisão ou liberda<strong>de</strong>,<br />
Nova aurora ou nova cruz.<br />
Se o cristal que imita o céu<br />
Da consciência tranquila<br />
É o luzeiro que cintila<br />
Na noite do teu viver,<br />
Oásis — doute o repouso,<br />
Estrela — estendote lume,<br />
Flor — ofertote perfume,<br />
Luz da vida — doute o ser!
145 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Mas, também se a tirania<br />
Arvorase em lei na Terra,<br />
Eu mando a noite da guerra<br />
Fazer o sol do porvir;<br />
Arremesso a minha espada,<br />
Ateio fogo aos canhões,<br />
Faço cair as nações<br />
Como fiz Roma cair.<br />
Foi assim que fiz um dia,<br />
Ao ver o trono imperfeito<br />
Estrangulando o Direito;<br />
Busquei Danton, Mirabeau...<br />
E junto ao vulto <strong>de</strong> Têmis<br />
Tomei o carro <strong>de</strong> Jove,<br />
E fiz o Oitenta e Nove<br />
Quando a França me ajudou.<br />
Então, implacavelmente,<br />
Fiz a Europa ensanguentada<br />
Ajoelharse humilhada,<br />
Diante <strong>de</strong> tanto horror.<br />
Das cida<strong>de</strong>s fiz ossuários,<br />
Dos campos Saaras ar<strong>de</strong>ntes,<br />
Truci<strong>de</strong>i réus inocentes,<br />
Apaguei a luz do amor,<br />
Até que um dia o Criador<br />
Sempre amoroso e clemente,<br />
Que jamais teve presente,<br />
Nem passado nem porvir,<br />
Bradou do cume dos céus<br />
Num grito piedoso e forte:<br />
“Não prossigas! Basta, Morte,<br />
Agora é reconstruir.”<br />
Portanto, homem, se tens<br />
Por bússola o Bem na vida,<br />
Olha o Sol <strong>de</strong> fronte erguida,<br />
Esperame com fervor.<br />
Abrirteei meus tesouros,<br />
Serei tua doce amante,<br />
Cujo seio palpitante<br />
Guardarteá — paz e amor.
146 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Se às vezes se te afigura<br />
Que sou a foice impiedosa,<br />
Horrenda, fria, orgulhosa,<br />
Que espedaça. os teus heróis,<br />
Verás que sou a mão terna<br />
Que rasga abismos profundos,<br />
E mostra biliões <strong>de</strong> mundos,<br />
E mostra biliões <strong>de</strong> sóis.<br />
Conduzo seres aos Céus,<br />
À luz da realida<strong>de</strong>;<br />
Sou ave da, Liberda<strong>de</strong><br />
Que ao lodo da escravidão<br />
Venho arrancar os espíritos,<br />
Elevandoos às alturas:<br />
Dou corpos às sepulturas,<br />
Dou almas para a amplidão!”<br />
A Morte é transformação,<br />
Tudo em seu seio revive:<br />
Esparta, Tebas, Nínive,<br />
Em queda <strong>de</strong>scomunal,<br />
Revivem na velha Europa;<br />
E como faz às cida<strong>de</strong>s,<br />
Remo<strong>de</strong>la humanida<strong>de</strong>s<br />
No progresso universal.
147 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
26<br />
CORNÉLIO BASTOS<br />
Não temas<br />
PROFESSOR, poeta e jornalista. Nascido na capital <strong>de</strong> São Paulo, a 26 <strong>de</strong><br />
setembro <strong>de</strong> 1844 e <strong>de</strong>sencarnado em Campos em 31 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1909. Foi gran<strong>de</strong><br />
abolicionista e espírita militante.<br />
NÃO TEMAS<br />
Somente com Jesus a alma cansada<br />
Volve à praia do amor no mar da vida,<br />
O viajor errante encontra a estrada,<br />
Que o reconduz à terra estremecida.<br />
A esperança, adiada e emurchecida,<br />
Refloresce ao clarão <strong>de</strong> outra alvorada;<br />
Todo o trabalho e dor da humana lida<br />
São luzes da vitória <strong>de</strong>sejada.<br />
Sem Jesus, cresce a treva entre os escombros;<br />
Ama a cruz que te pesa sobre os ombros,<br />
Vence o <strong>de</strong>serto áspero e inclemente.<br />
A aflição inda é gran<strong>de</strong> em cada dia<br />
Não <strong>de</strong>sprezes a Doce Companhia,<br />
Vai com Jesus! não temas! crê somente!
148 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
27<br />
CRUZ E SOUZA<br />
Ansieda<strong>de</strong> – Heróis Aos torturados A sepultura Anjos da Paz<br />
Alma livre “Gloria victis” Nossa mensagem Oração aos<br />
libertos – Céu Aos tristes Beleza da morte – Mensageiro Se<br />
queres À dor Noutras eras – Sofre – Exaltação – Vozes – Soneto<br />
Glória da Dor Quanta vez I<strong>de</strong> e pregai – Carida<strong>de</strong> – Renúncia<br />
Tudo vaida<strong>de</strong> Ouvime Felizes os que têm Deus Glória aos<br />
humil<strong>de</strong>s Aos trabalhadores do Evangelho<br />
CATARINENSE. Funcionário público, encarnou em 1861 e <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>use<br />
em 1898, no Estado <strong>de</strong> Minas. Poeta <strong>de</strong> emotivida<strong>de</strong> <strong>de</strong>licada, soube, mercê <strong>de</strong> um<br />
simbolismo inconfundível, marcar sua individualida<strong>de</strong> literária. Sua vida foi toda<br />
dores.<br />
ANSIEDADE<br />
Todo esse anseio que tortura o peito,<br />
Estrangulando a voz exausta e rouca,<br />
Que em cada canto estruge e em cada boca<br />
Faz o soluço do i<strong>de</strong>al <strong>de</strong>sfeito;<br />
Ansieda<strong>de</strong> fatal <strong>de</strong> que se touca<br />
A alma do homem mau e do perfeito,<br />
Sobe da Terra pelo espaço eleito,<br />
Numa imensa espiral, estranha e louca,<br />
Formando a re<strong>de</strong> eterna e incompreendida,<br />
Das ilusões, dos risos, das quimeras,<br />
Das dores e da lágrima incontida;<br />
Essa ansieda<strong>de</strong> é a mão <strong>de</strong> Deus nas eras,<br />
Sustentando o fulgor da luz da Vida,<br />
No turbilhão <strong>de</strong> todas as esferas!...
149 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
HERÓIS<br />
Esses seres que passam pelas dores,<br />
As geenas do pranto acorrentados,<br />
Aluviões <strong>de</strong> peitos sofredores,<br />
No turbilhão dos gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sgraçados;<br />
Corações a sangrar, ermos <strong>de</strong> amores,<br />
Revestidos <strong>de</strong> acúleos acerados,<br />
Nutrindo a luz dos sonhos superiores<br />
Nos i<strong>de</strong>ais maiores esfaimados;<br />
Esses pobres que o mundo consi<strong>de</strong>ra<br />
Os humanos farrapos dos vencidos,<br />
Prisioneiros da angústia e da quimera,<br />
São os heróis das lutas torturantes,<br />
Que são, sendo na Terra os esquecidos,<br />
Coroados nas Luzes Deslumbrantes!<br />
AOS TORTURADOS<br />
Torturados da vida, um passo adiante,<br />
Nos <strong>de</strong>sertos dos áridos caminhos,<br />
Abandonados, trêmulos, sozinhos,<br />
Infelizes na dor a cada instante!<br />
Sobre a luz que vos guia, bruxuleante,<br />
E além dos trilhos <strong>de</strong> ásperos espinhos,<br />
Fulgem no Além os <strong>de</strong>slumbrantes ninhos,<br />
Mundos <strong>de</strong> amor no claro azul distante...<br />
Chorai! que a imensida<strong>de</strong> inteira chora,<br />
Sonhando a mesma luz e a mesma aurora<br />
Que i<strong>de</strong>alizais chorando nas algemas!<br />
Vibrai no mesmo anseio em que palpita<br />
A alma universal, sonhando, aflita,<br />
As perfeições eternas e supremas!
150 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
A SEPULTURA<br />
Como a orquí<strong>de</strong>a <strong>de</strong> arminho quando nasce,<br />
Sobre a lama ascorosa refulgindo,<br />
A brancura das pétalas abrindo,<br />
Como se a neve alvíssima a orvalhasse;<br />
Qual essa flor fragrante, como a face<br />
Dum querubim angélico sorrindo,<br />
Do monturo pestífero emergindo,<br />
Luz que sobre negrumes se avistasse;<br />
Assim também do túmulo asqueroso,<br />
Evolase a essência luminosa<br />
Da alma que busca o céu maravilhoso;<br />
E como o lodo é o berço vil <strong>de</strong> flores,<br />
A sepultura fria e tenebrosa<br />
É o berço <strong>de</strong> almas — senda <strong>de</strong> esplendores.<br />
ANJOS DA PAZ<br />
Ó luminosas formas alvadias<br />
Que <strong>de</strong>sceis dos espaços constelados<br />
Para lenir a dor dos <strong>de</strong>sgraçados<br />
Que sofrem nas terrenas gemonias!<br />
Vin<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ignotas luzes erradias,<br />
De lindos firmamentos estrelados,<br />
Céus distantes que vemos, dominados<br />
De esperanças, anseios e alegrias.<br />
Anjos da Paz, radiosas formas claras,<br />
Doces visões <strong>de</strong> etéricos carraras<br />
De que o espaço fúlgido se estrela!<br />
Clarificai as noites mais escuras<br />
Que pesam sobre a terra <strong>de</strong> amarguras,<br />
Com a alvorada da Paz, ditosa e bela
151 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
ALMA LIVRE 8<br />
Um soluço divino <strong>de</strong> alegria<br />
Percorre a todo Espírito liberto<br />
Das pesadas ca<strong>de</strong>ias do <strong>de</strong>serto,<br />
Desse mundo <strong>de</strong> sombra e <strong>de</strong> agonia.<br />
A alma livre contempla o novo dia,<br />
Longe das dores do passado incerto,<br />
Mergulhada no esplêndido concerto<br />
De outros mundos, que a luz acaricia!<br />
Alma liberta, redimida e pura,<br />
Vê a aurora <strong>de</strong>pois da noite escura,<br />
Numa visão mirífica, superna...<br />
Penetra o mundo da imortalida<strong>de</strong>,<br />
Entre canções <strong>de</strong> luz e liberda<strong>de</strong>,<br />
Forçando as portas da Beleza Eterna.<br />
“GLORIA VICTIS”<br />
Glória a todas as almas obscuras<br />
Que caíram exãnimes na estrada,<br />
On<strong>de</strong> a pobre esperança abandonada<br />
Morre chorando sob as <strong>de</strong>sventuras.<br />
Glória à pobre criatura <strong>de</strong>sprezada,<br />
Glória aos milhões <strong>de</strong> todas as criaturas,<br />
Sob a noite das gran<strong>de</strong>s amarguras,<br />
Sem conhecer a luz <strong>de</strong> uma alvorada.<br />
Glória Victis! Hosana aos <strong>de</strong>sgraçados<br />
Que tombaram sem vida, aniquilados,<br />
Nos sofrimentos purificadores;<br />
Que o Céu é a pátria eterna dos vencidos,<br />
On<strong>de</strong> aportam ditosos, redimidos,<br />
Como heróis dos <strong>de</strong>veres e das dores!<br />
8 Este e outros sonetos <strong>de</strong> Cruz e Souza foram por ele mesmo traduzidos magistralmente em Esperanto, e<br />
as traduções ditadas ao médium Francisco Valdomiro Lorenz, que nolas remeteu. Por supormos fato<br />
inédito, <strong>de</strong>ixamolo aqui registrado. Essas traduções mediúnicas <strong>de</strong> versos em Esperanto foram<br />
publicadas em elegante volume, sob o título: Vodoj <strong>de</strong> poetoj ei la Spirita Mondo.
152 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
NOSSA MENSAGEM<br />
Essa mensagem <strong>de</strong> esperança e vida<br />
Que en<strong>de</strong>reçamos da imortalida<strong>de</strong>,<br />
É a lição luminosa da Verda<strong>de</strong><br />
Que a Humanida<strong>de</strong> espera comovida.<br />
Guardai a voz da Terra Prometida,<br />
Nos exílios do pranto e da sauda<strong>de</strong>;<br />
Conservai essa vaga clarida<strong>de</strong><br />
Da luz da eternida<strong>de</strong> in<strong>de</strong>finida.<br />
Todo o nosso trabalho objetiva<br />
Darvos a fé, a crença persuasiva<br />
Nos caminhos da prova dolorosa.<br />
Sabei vencer entre as vicissitu<strong>de</strong>s,<br />
Como arautos <strong>de</strong> todas as virtu<strong>de</strong>s,<br />
Sobre as ressurreições da alma gloriosa.<br />
ORAÇÃO AOS LIBERTOS<br />
Alma embriagada do imortal falerno,<br />
Segue cantando, no horizonte claro,<br />
O teu <strong>de</strong>stino esplendoroso e raro,<br />
Cheio das luzes do porvir eterno.<br />
Mas não te esqueças <strong>de</strong>sse mundo avaro,<br />
O escuro abismo, o tormentoso Averno,<br />
Sem as doces carícias do galerno<br />
Das esperanças — sacrossanto amparo.<br />
Volve os teus olhos ternos, compassivos,<br />
Para os pobres Espíritos cativos<br />
As grilhetas do corpo miserando!<br />
Abre os sacrários da Felicida<strong>de</strong>,<br />
Mas lembrate do orbe da impieda<strong>de</strong>,<br />
On<strong>de</strong> venceste a carne soluçando.
153 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
CÉU<br />
Há um céu para o Espírito que luta<br />
No oceano dos prantos salvadores,<br />
Céu repleto <strong>de</strong> vida e <strong>de</strong> fulgores,<br />
Que coroa <strong>de</strong> luz a alma impoluta.<br />
A canção da vitória ali se escuta,<br />
Da alma livre das penas e das dores,<br />
Que faz da vida a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> esplendores,<br />
Na paz quase integral e absoluta.<br />
Consi<strong>de</strong>rai, ó pobres caminheiros,<br />
Que na Terra viveis como estrangeiros,<br />
De alma ofegante e coração aflito:<br />
Consi<strong>de</strong>rai, fitando a imensa altura,<br />
Os <strong>de</strong>slumbrantes orbes da ventura<br />
Por entre os sóis suspensos no Infinito!<br />
AOS TRISTES<br />
Alma triste e infeliz que se tortura<br />
No tormento que punge e dilacera,<br />
Para quem nunca trouxe a Primavera<br />
Dos seus pomos dourados <strong>de</strong> ventura;<br />
Sou teu irmão, e intrépido quisera<br />
Trazerte a luz que esplen<strong>de</strong> pela Altura,<br />
Afastando essa dor que te amargura<br />
Nas ansieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma longa espera.<br />
Mas há quem guar<strong>de</strong> as gotas do teu pranto<br />
No tesouro sublime e sacrossanto<br />
Dos arcanos <strong>de</strong> luz da Divinda<strong>de</strong>!<br />
Há quem te faça ver as cores do íris<br />
Da fagueira. esperança, até partires<br />
Nas asas brancas da Felicida<strong>de</strong>.
154 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
BELEZA DA MORTE<br />
Há no estertor da morte uma beleza<br />
Transcen<strong>de</strong>nte, ignota, luminosa.<br />
Beleza sossegada e silenciosa,<br />
Da Luz branca da Paz, trêmula e acesa.<br />
É o augusto momento em que a alma, presa<br />
As ca<strong>de</strong>ias da carne tenebrosa,<br />
Abandona a prisão, dorida e ansiosa,<br />
Sentindo a vida <strong>de</strong> outra natureza.<br />
Um mistério divino há nesse instante,<br />
No qual o corpo morre e a alma vibrante<br />
Foge da noite das melancolias!<br />
No silêncio <strong>de</strong> cada moribundo,<br />
Há a promessa <strong>de</strong> vida em outro mundo,<br />
Na mais sagrada das hierarquias.<br />
MENSAGEIRO<br />
Abri minhalma para os sofredores<br />
Na vastidão serena dos Espaços,<br />
Eu que na Terra tive sempre os braços<br />
Presos à cruz tantálica das dores.<br />
Epopéias <strong>de</strong> Sons e <strong>de</strong> Esplendores,<br />
E os prazeres mais pobres, mais escassos,<br />
E o mistério dos célicos abraços,<br />
Dos Perfumes, das Preces e das Cores;<br />
Tudo isso não vejo e vejo apenas<br />
O turbilhão das lágrimas terrenas<br />
— Taça imensa <strong>de</strong> gotas amargosas!<br />
Da pieda<strong>de</strong> e do amor eu trago o círio,<br />
Para afastar as trevas do martírio<br />
Do silêncio das noites tenebrosas.
155 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
SE QUERES<br />
Se queres a ventura doce, etérea,<br />
De outro mundo <strong>de</strong> luz, in<strong>de</strong>finido,<br />
Serás na Terra o filho incompreendido<br />
Do Tormento casado com a Miséria.<br />
Viverás na mansão triste, funérea,<br />
Do Soluço, do Pranto, do Gemido;<br />
Dos prazeres mundanos esquecido,<br />
Outro Job pelas chagas da matéria.<br />
Serás em toda a Terra o feio aborto<br />
Das amarguras e do <strong>de</strong>sconforto,<br />
Encarcerado nas sinistras gra<strong>de</strong>s;<br />
Mas um dia abrirás as portas <strong>de</strong> ouro<br />
E encontrarás o fúlgido tesouro,<br />
De benditas e eternas clarida<strong>de</strong>s.<br />
À DOR<br />
Dor, és tu que resgatas, que redimes<br />
Os gran<strong>de</strong>s réus, os míseros culpados,<br />
Os calcetas dos erros, dos pecados,<br />
Que surgem do pretérito <strong>de</strong> crimes.<br />
Sob os teus pulsos, fortes e sublimes,<br />
Sofri na Terra junto aos con<strong>de</strong>nados,<br />
Seres escarnecidos, torturados,<br />
Entre as prisões da Lágrima que exprimes!<br />
Da perfeição és o sagrado Verbo,<br />
Ó portadora do tormento acerbo,<br />
Aferidora da Justiça Extrema...<br />
Bendita a hora em que me pus à espera<br />
De ser, em vez do réprobo que eu era,<br />
O missionário <strong>de</strong>ssa Dor suprema!
156 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
NOUTRAS ERAS<br />
Também marchei pelas estradas flóreas,<br />
Cheias <strong>de</strong> risos e <strong>de</strong> pedrarias;<br />
On<strong>de</strong> todas as horas dos meus dias<br />
Eram hinos <strong>de</strong> esplêndidas vitórias.<br />
Tive um passado fulgido <strong>de</strong> glórias,<br />
De maravilhas <strong>de</strong> ouro e <strong>de</strong> alegrias,<br />
Sem reparar, porém, noutras sombrias<br />
Sendas tristes, das dores meritórias.<br />
E abusei dos <strong>de</strong>veres soberanos<br />
Sucumbindo aos terríveis <strong>de</strong>senganos<br />
Do <strong>de</strong>stino cruel, fatal e avaro;<br />
Para encontrarme a sós no mesmo horto<br />
Que <strong>de</strong>ixara, sem luz e sem conforto,<br />
Sentindo as dores <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>samparo.<br />
SOFRE<br />
Toda a dor que na vida pa<strong>de</strong>ceres,<br />
Todo o fel que tragares, todo o pranto,<br />
Serteão como trevas, e, entretanto,<br />
Serás pobre <strong>de</strong> luz se não sofreres.<br />
É que dos sofrimentos nasce o canto<br />
De alegria dos mundos e dos seres,<br />
Pois que a dor é a saú<strong>de</strong> dos prazeres,<br />
O hino da luz, misterioso e santo.<br />
Doma o teu coração, e, no silêncio,<br />
Foge à revolta, humilhao, dobrao, venceo,<br />
Chorando a mesma dor que o mundo chora;<br />
Abre a tua consciência para as luzes<br />
E, no mundo que o mal encheu <strong>de</strong> cruzes,<br />
Do Bem encontrarás a eterna aurora.
157 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
EXALTAÇÃO<br />
Harmonias do Som, vibrai nos ares,<br />
Nos horizontes, nas atmosferas;<br />
Exaltai minhas dores <strong>de</strong> outras eras,<br />
Meus passados, recônditos pesares.<br />
Desdobraivos luzeiros estelares,<br />
Sobre o aroma das novas primaveras;<br />
Cantem no mundo todas as quimeras,<br />
Aves e flores, amplidões e mares!<br />
Vibrai comigo, multidões <strong>de</strong> seres,<br />
Na concretização <strong>de</strong>sses prazeres<br />
Do meu sonho <strong>de</strong> luzes e universos...<br />
Exaltaivos na vida <strong>de</strong> minhalma,<br />
E na gran<strong>de</strong>za infinda que se espalma<br />
Sobre a glória sublime dos meus versos!<br />
VOZES<br />
Há sobre os prantos, há sobre as humanas<br />
Vozes que se lamentam nas torturas,<br />
Outras vozes mais doces e mais puras,<br />
Como um coro dulcíssimo <strong>de</strong> hosanas.<br />
As primeiras são feitas <strong>de</strong> amarguras,<br />
As segundas, <strong>de</strong> bênçãos soberanas,<br />
Sobre as dores sagradas ou profanas<br />
Que pululam nas sendas mais escuras.<br />
Sobe da Terra a queixa soluçando,<br />
Silenciosa, muda, suplicando,<br />
Remontando aos Espaços constelados;<br />
Desce dos Céus a voz amiga e mansa,<br />
Fortificando a vida da Esperança<br />
— Patrimônio dos seres <strong>de</strong>sgraçados.
158 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
SONETO<br />
Nos labirintos <strong>de</strong>ssa eternida<strong>de</strong><br />
Que nós vivemos luminosa e pura,<br />
A alma vive na intérmina procura<br />
Do filão <strong>de</strong> ouro da felicida<strong>de</strong>.<br />
Quanto mais sofre, tanto mais se apura<br />
No pensamento excelso da Verda<strong>de</strong>,<br />
Vendo na auréola da Imortalida<strong>de</strong><br />
A alvorada risonha da ventura.<br />
E ao fim <strong>de</strong> cada noite tormentosa,<br />
Que é a existência na prova dolorosa,<br />
Canta e vibra num dia <strong>de</strong> bonança.<br />
Em torno da Verda<strong>de</strong> a alma gravita<br />
Buscando a Perfeição pura, infinita,<br />
Nessa jornada eterna da Esperança.<br />
GLÓRIA DA DOR<br />
Para aquém <strong>de</strong>ssas cruzes esquecidas<br />
Nas sepulturas ermas e <strong>de</strong>sertas,<br />
Há o turbilhão frenético das vidas<br />
Sobre as estradas ásperas, incertas...<br />
Inda há sânie das úlceras abertas<br />
No coração das almas combalidas,<br />
Gozadores <strong>de</strong> outrora entre as refertas<br />
Das ilusões que tombam fenecidas.<br />
Só uma glória mirífica perdura<br />
Concretizando os sonhos da criatura<br />
Cheia <strong>de</strong> crenças e <strong>de</strong> cicatrizes:<br />
É a vitória da Dor que aperfeiçoa,<br />
Luminosa e divina, humil<strong>de</strong> e boa,<br />
Glória da Dor, que é pão dos infelizes.
159 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
QUANTA VEZ<br />
Quanta vez eu fitei essas fronteiras,<br />
Horizontes, estrelas, firmamentos,<br />
Presa <strong>de</strong> sonhos e estremecimentos<br />
De esperança, nas horas <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iras!...<br />
Ah! meus longínquos arrebatamentos,<br />
Amarguras e dores e canseiras,<br />
Que vos fostes nas lágrimas ligeiras,<br />
Como folhas levadas pelos ventos...<br />
Quanta vez, abafando os meus soluços,<br />
Como o errado viajor que cai <strong>de</strong> bruços<br />
Sobre a íngreme estrada da agonia,<br />
Ensináveisme a ler a Bíblia santa<br />
Desta vida imortal que se levanta<br />
Numa alvorada eterna <strong>de</strong> alegria!<br />
IDE E PREGAI<br />
Vós que ten<strong>de</strong>s as rosas da bonança<br />
Enlaçadas na fé mais doce e pura,<br />
I<strong>de</strong> e pregai, na noite da amargura,<br />
O evangelho do amor e da esperança.<br />
Toda luz da verda<strong>de</strong> que se alcança<br />
É um reduto <strong>de</strong> paz firme e segura:<br />
Dai <strong>de</strong>ssa paz a toda criatura,<br />
Sobre a qual vossa vida já <strong>de</strong>scansa.<br />
Espalhai os clarões da vossa crença<br />
Na pedregosa estrada <strong>de</strong>ssa imensa<br />
Turba <strong>de</strong> irmãos famintos, torturados!<br />
Conduzi a mensagem luminosa<br />
Da carida<strong>de</strong>, lúcida e piedosa,<br />
Re<strong>de</strong>ntora <strong>de</strong> todos os pecados.
160 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
CARIDADE<br />
Carida<strong>de</strong> é a mão terna e compassiva<br />
Que ampara os bons e aos maus ama e perdoa,<br />
Misericórdia, a qual para ser boa,<br />
De bens paradisíacos se priva.<br />
Mão radiosa, que traz a ver<strong>de</strong> oliva<br />
Da paz, que acaricia e que abençoa,<br />
Voz da eterna verda<strong>de</strong> que ressoa<br />
Por toda a parte, promissora e ativa.<br />
A carida<strong>de</strong> é o símbolo da chave<br />
Que abre as portas do céu claro e suave,<br />
Das consciências libertas da impureza;<br />
É a vibração do espírito divino,<br />
Em seu labor fecundo e peregrino,<br />
Manifestando as glórias da Beleza!.<br />
RENÚNCIA<br />
Renuncia a ti mesmo! Renuncia<br />
A mundana e efêmera vaida<strong>de</strong>:<br />
Que em ti sintas a dúlcida pieda<strong>de</strong><br />
Que as <strong>de</strong>sgraças alheias alivia.<br />
Do homem, esquece a lúrida malda<strong>de</strong>,<br />
Prosseguindo na estrada luzidia.<br />
E <strong>de</strong>nodadamente engendra e cria<br />
Teu próprio mundo <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong>!<br />
Parte o teu coração em mil fragmentos,<br />
Ofertandoos ao mundo que te o<strong>de</strong>ia,<br />
Com a bonda<strong>de</strong> mais pródiga e mais pura.<br />
Não olvi<strong>de</strong>s em meio dos tormentos:<br />
— Renunciar em bem da dor alheia,<br />
É ter no Além castelos <strong>de</strong> ventura.
161 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
TUDO VAIDADE<br />
Na Terra a morte é o trágico resumo<br />
De vanglórias, <strong>de</strong> orgulhos e <strong>de</strong> raças;<br />
Tudo no mundo passa, como passas,<br />
Entre as aluviões <strong>de</strong> cinza e fumo.<br />
Todo o sonho carnal vaga sem rumo,<br />
Só o diamante do espírito sem jaças<br />
Fica in<strong>de</strong>ne <strong>de</strong> todas as <strong>de</strong>sgraças,<br />
De que a morte voraz faz seu consumo.<br />
Nesse mundo <strong>de</strong> lutas fratricidas,<br />
A vida se alimenta <strong>de</strong> outras vidas,<br />
Num contínuo combate pavoroso;<br />
Só a Morte abre a porta das mudanças<br />
E concretiza as puras esperanças<br />
Nos países seráficos do gozo!<br />
OUVIME<br />
Ó vós que i<strong>de</strong>s marchando, almas se<strong>de</strong>ntas<br />
De paz, <strong>de</strong> amor, <strong>de</strong> luz, sob as maiores<br />
Desventuras do mundo, sob as dores<br />
De misérias, batalhas e tormentas...<br />
Também senti as emoções violentas<br />
Que palpitam nos peitos sonhadores,<br />
E sustentei, varado <strong>de</strong> amargores,<br />
Surdas batalhas, ru<strong>de</strong>s e incruentas.<br />
Também vivi as lágrimas obscuras,<br />
Iguais às vossas, míseras criaturas,<br />
Que tombais nos caminhos sem dizêlas!<br />
Exultai, que uma vida eterna e gran<strong>de</strong>,<br />
Além da morte, esplêndida se expan<strong>de</strong><br />
No coração sublime das estrelas!...
162 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
FELIZES OS QUE TÊM DEUS<br />
Entre esse mundo <strong>de</strong> apodrecimento<br />
E a vida <strong>de</strong> alma livre, <strong>de</strong> alma pura,<br />
Ainda se encontra a imensida<strong>de</strong> escura<br />
Das fronteiras <strong>de</strong> cinza e esquecimento.<br />
Só o pensador que sofre e anda à procura<br />
Da verda<strong>de</strong> e da luz no sentimento,<br />
Po<strong>de</strong> guardar esse <strong>de</strong>slumbramento<br />
Da Fé — fonte <strong>de</strong> mística ventura.<br />
Feliz o que tem Deus nessa batalha<br />
Da miséria terrena, que estraçalha<br />
Todo o anseio <strong>de</strong> amor ou <strong>de</strong> bonança!...<br />
Venturoso o que vai por entre as dores<br />
Atravessando o oceano <strong>de</strong> amargores,<br />
No bergantim sagrado da Esperança.<br />
GLÓRIA AOS HUMILDES<br />
Ai da ambição do mundo, ai da vaida<strong>de</strong><br />
Que se mergulham sob a, noite escura,<br />
Noite <strong>de</strong> dor que além da sepultura<br />
Nos afasta da vida e da verda<strong>de</strong>.<br />
Só o caminho divino da humilda<strong>de</strong><br />
Po<strong>de</strong> ofertar a luz radiosa e pura,<br />
Que vem salvar a mísera criatura<br />
Confundida no abismo da impieda<strong>de</strong>.<br />
Pobres da Terra, seres infelizes,<br />
Cheios <strong>de</strong> prantos e <strong>de</strong> cicatrizes,<br />
Levantai vosso olhar sereno e forte.<br />
Não maldigais a ulceração da algema,<br />
E esperai a vitória alta e suprema,<br />
Que Jesus vos prepara além da morte.
163 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
AOS TRABALHADORES DO EVANGELHO<br />
Há uma falange <strong>de</strong> trabalhadores,<br />
Espalhada nas sendas do Infinito,<br />
Des<strong>de</strong> as sombras do mundo amargo e aflito<br />
Aos espaços <strong>de</strong> eternos resplendores.<br />
É a caravana <strong>de</strong> batalhadores<br />
Que, no esforço do amor puro e bendito,<br />
Rompe algemas <strong>de</strong> trevas e granito,<br />
Aliviando os seres sofredores.<br />
Vós que sois, sobre a Terra, os companheiros<br />
Dessa falange lúcida <strong>de</strong> obreiros,<br />
Guardailhe a sacrossanta clarida<strong>de</strong>;<br />
Não vos importe o espinho ingrato e acerbo,<br />
Na palavra e nos atos, se<strong>de</strong> o Verbo<br />
De afirmações da Luz e da Verda<strong>de</strong>.
164 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
28<br />
EDMUNDO XAVIER DE<br />
BARROS<br />
Vida Diante da Terra<br />
EDMUNDO Xavier <strong>de</strong> Barros, filho <strong>de</strong> Pacífico Antônio Xavier <strong>de</strong> Barros,<br />
nascido em 1861, no Estado <strong>de</strong> Goiás. Desencarnou no Distrito Fe<strong>de</strong>ral, como<br />
capitão da arma <strong>de</strong> Cavalaria, em 17 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1905. Foi poeta e <strong>de</strong>senhista<br />
notável.<br />
VIDA<br />
Nem a paz, nem o fim! A vida, a vida apenas<br />
É tudo que encontrei e é tudo que me espera!<br />
O ouro, a fama, o prazer e as ilusões terrenas<br />
São lodo, fumo e cinza ao fundo da cratera.<br />
Esvaiuse a vaida<strong>de</strong>!... Os júbilos e as penas,<br />
A alegria que exalta e a dor que regenera,<br />
Em cenário diverso aprimorando as cenas,<br />
Continuam, porém, vibrando noutra esfera.<br />
Morte, <strong>de</strong>svenda à Terra os planos que <strong>de</strong>scobres,<br />
Fala <strong>de</strong> tua luz aos mais vis e aos mais nobres,<br />
Renova o coração do mundo impenitente!<br />
Dize aos homens sem Deus, nos círculos escuros,<br />
Que além do gelo atroz que te reveste os muros,<br />
Há vida... sempre a vida.. a vida eternamente...
165 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
DIANTE DA TERRA<br />
Fugindo embora à paz <strong>de</strong> eternos dons divinos,<br />
Sem furtarse, porém, à luta que aprimora,<br />
O homem é o semeador dos seus próprios <strong>de</strong>stinos,<br />
Ave triste da noite, esquivandose à aurora...<br />
Em <strong>de</strong>rredor da Terra, estrelas cantam hinos,<br />
Glorificando a luz on<strong>de</strong> a Verda<strong>de</strong> mora,<br />
Mas no plano da carne os impulsos tigrinos<br />
Fazem a ostentação da miséria que chora!<br />
Necessário vencer nos vórtices medonhos,<br />
Santificar a dor, as lágrimas e os sonhos,<br />
Do inferno atravessar o abismo ígneo e fundo,<br />
Para ver a extensão da noite estranha e <strong>de</strong>nsa,<br />
Que os servos da malda<strong>de</strong> e os filhos da <strong>de</strong>scrença<br />
Esten<strong>de</strong>ram, sem Deus, sobre a fronte do mundo!...
166 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
29<br />
EMÍLIO DE MENEZES<br />
Eu mesmo Aos meus amigos da Terra<br />
POETA brasileiro, nascido em Curitiba, em 1866, e <strong>de</strong>sencarnado no Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro em 1918. Musa vivacíssima e fulgurante, sem <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser profunda, era<br />
sobretudo ativamente humorística. Legounos Poemas da Morte, 1901, e Poesias,<br />
1909, além <strong>de</strong> Mortalhas, versos satíricos postumamente colecionados. Distinguiuse<br />
pela altaneza dos temas, quanto pela opulência das rimas.<br />
EU MESMO<br />
Eu mesmo estou a ignorar se posso<br />
Chamarme ainda o Emilio <strong>de</strong> Menezes,<br />
Procurando tomar o tempo vosso,<br />
Recitando epigramas <strong>de</strong>scorteses.<br />
Como hei <strong>de</strong> versejar Rimas em osso<br />
São difíceis... contudo, <strong>de</strong> outras vezes,<br />
Eu sabia rezar o PadreNosso<br />
E unir meus versos como irmãos siameses.<br />
Como hei <strong>de</strong> aparecer O que é impossível<br />
É ser um santarrão inconcebível,<br />
Trazendo as luzes do Evangelho às gentes...<br />
Sou o Emilio, distante da garrafa,<br />
Mas que não se entristece e nem se abafa,<br />
Longe das anedotas in<strong>de</strong>centes.
167 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
AOS MEUS AMIGOS DA TERRA<br />
Amigos, tolerai o meu assunto,<br />
(Sempre vivi do sofrimento alheio)<br />
Relevai, que as promessas <strong>de</strong> um <strong>de</strong>funto<br />
São coisa inda invulgar no vosso meio.<br />
Apesar do meu cérebro bestunto,<br />
O elo que nos unia, conserveio,<br />
Como a quase sauda<strong>de</strong> do presunto,<br />
Que nutre um corpo empanturrado e feio.<br />
Esperovos aqui com as minhas festas,<br />
Nas quais, porém, o vinho não explo<strong>de</strong>,<br />
Nem há cheiro <strong>de</strong> carnes ou cebolas.<br />
Evitai as comidas indigestas,<br />
Pois na hora do “salvase quem po<strong>de</strong>”,<br />
Muita gente nem fica <strong>de</strong> ceroulas...
168 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
30<br />
FAGUNDES VARELA<br />
Imortalida<strong>de</strong><br />
ESTE é o sempre laureado cantor do Evangelho nas Selvas, a voz sonora e<br />
doce do Cântico do Calvário. Fluminense, <strong>de</strong>sencarnou com 34 anos, em 1875 —<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma existência tormentosa.<br />
IMORTALIDADE<br />
Senhor! Senhor! que os verbos luminosos<br />
Do amor, da perfeição, da liberda<strong>de</strong>,<br />
Inflamem minhas vozes neste instante!<br />
Que o meu grito bem alto se levante,<br />
Conduzindo a mensagem benfazeja<br />
Das esperanças para a Humanida<strong>de</strong>!<br />
Senhor! Senhor! que paire sobre o mundo<br />
A luz do teu po<strong>de</strong>r inigualável,<br />
Que os lírios te saú<strong>de</strong>m perfumando<br />
Os arrebóis, as noites, as auroras;<br />
Hinos <strong>de</strong> amor, que os pássaros te elevem<br />
Dos seus ninhos <strong>de</strong> plácida harmonia;<br />
Que as fontes no seu doce murmúrio<br />
Te bendigam com terna suavida<strong>de</strong>;<br />
Que todo o ser no inundo se <strong>de</strong>scubra<br />
Perante a tua excelsa majesta<strong>de</strong>,<br />
Saturado do amor onipotente<br />
Que promana abundante do teu seio!...<br />
Senhor! que a minha voz altissonante<br />
Se propague entre os homens; que a verda<strong>de</strong><br />
Resplan<strong>de</strong>ça na terra da amargura!<br />
Ó Pai! tu que removes o impossível,<br />
Que transmudas em rosas os espinhos,<br />
E que espancas a treva dos caminhos<br />
Com a luz que afirma a tua onipotência,<br />
Permite que minhalma seja ouvida<br />
Na vastidão do mundo do <strong>de</strong>sterro;<br />
Que os meus irmãos da Terra me recebam<br />
Como o ausente invisível, redivivo!...
169 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Irmãos, eisme <strong>de</strong> novo ao vosso lado!<br />
Venho <strong>de</strong> esferas lúcidas, radiosas,<br />
Atravessei estradas tenebrosas<br />
E sendas <strong>de</strong>slumbrantes e estelíferas,<br />
Empunhando o saltério da esperança.<br />
Pu<strong>de</strong> transpor abismos <strong>de</strong> ouro e rosas,<br />
Sendas <strong>de</strong> sonho e báratros escuros,<br />
Planetas como naus sem palinuros<br />
Nos oceanos do éter Infinito!<br />
Contemplei ViasLácteas assombrosas,<br />
Visões <strong>de</strong> sóis eternos, confundidas<br />
Entre estrelas igníferas, distantes;<br />
Vastros portentosos, <strong>de</strong>sferindo<br />
Harmonias <strong>de</strong> amor e clarida<strong>de</strong>s,<br />
E humanida<strong>de</strong>s entre humanida<strong>de</strong>s<br />
Povoando o Universo esplendoroso...<br />
Descansei sobre as ilhas <strong>de</strong> repouso,<br />
Em lindos arquipélagos distantes,<br />
Habitei os palácios encantados,<br />
Em retiros <strong>de</strong> amor calmo e sereno,<br />
On<strong>de</strong> o solo é formado <strong>de</strong> ouro e neve,<br />
On<strong>de</strong> a treva e on<strong>de</strong> a noite são apenas<br />
Recordações <strong>de</strong> mundos obscuros!<br />
On<strong>de</strong> as flores do afeto imperecível<br />
Não se emurchecem como sobre a Terra.<br />
Lá, nesses orbes lúcidos, divinos,<br />
O amor, somente o amor, nutre e dá vida.<br />
Somente o amor é a vibração <strong>de</strong> tudo!<br />
Vi céus por sobre céus inumeráveis,<br />
Mundos <strong>de</strong> dor e mundos <strong>de</strong> alegria,<br />
Em luminosida<strong>de</strong>s e harmonias<br />
Aos beijos arcangélicos da luz,<br />
Que é mensagem <strong>de</strong> Deus por toda a parte!<br />
E apenas conheci um pormenor,<br />
Um <strong>de</strong>talhe minúsculo, um fragmento<br />
Da Criação infinita e resplen<strong>de</strong>nte.<br />
Ah! Morte!... A Morte é o anjo luminoso<br />
Da liberda<strong>de</strong> franca, jubilosa,<br />
Quando a esperamos tristes e abatidos;<br />
Quando nos traz imácula e sublime<br />
A chama da esperança <strong>de</strong>ntro d’alma,<br />
Amandose da vida os bens mais nobres,
170 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Se o mundo abafa em nós toda a alegria,<br />
Roubandonos afetos e consolos,<br />
Martirizando o coração dorido<br />
Na cruz dos sofrimentos mais austeros.<br />
A morte corrobora as nossas crenças,<br />
As nossas esperanças mais profundas,<br />
Rompendo o véu que encobre à nossa vista<br />
O eterno panorama do Universo,<br />
E apontanos o céu, a imensida<strong>de</strong>,<br />
On<strong>de</strong> as almas ditosas se engran<strong>de</strong>cem,<br />
Outras almas guiando em labirintos<br />
Para a luz, para a vida e para o amor!<br />
Que representa a Terra, ante a gran<strong>de</strong>za<br />
De tantos sóis e orbes luminosos<br />
É somente uma estância pequenina<br />
On<strong>de</strong> a dor e on<strong>de</strong> a lágrima divina<br />
Mo<strong>de</strong>lam almas para a perfeição;<br />
É apenas um <strong>de</strong>grau na imensida<strong>de</strong>,<br />
On<strong>de</strong> se regenera no tormento<br />
Quem se afasta da Luz e da verda<strong>de</strong>;<br />
Ela é somente o exílio temporário,<br />
On<strong>de</strong> se sofre a angústia da distância<br />
Dos que amamos com alma e com fervor.<br />
Morte! que te abençoem sofredores,<br />
Que te bendiga o espírito abatido,<br />
Já que és a terna mão libertadora<br />
Dos escravos da carne, dos escravos<br />
Das aflições, das dores, da tortura!<br />
Bendigote por tudo o que me <strong>de</strong>ste:<br />
Pela beleza da imortalida<strong>de</strong>,<br />
Pela visão dos céus resplan<strong>de</strong>centes,<br />
Pelos beijos dos seres bemamados.<br />
Senhor! Senhor! que a minha voz se estenda,<br />
Como um canto sublime <strong>de</strong> esperança,<br />
Sobre a fronte <strong>de</strong> todos quantos sofrem,<br />
Ansiando mais luz, mais liberda<strong>de</strong><br />
No orbe da expiação e da impieda<strong>de</strong>!
171 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
31<br />
GUERRA JUNQUEIRO<br />
O padre João – Carida<strong>de</strong> – Romaria Eterna vítima A um padre<br />
“Um Quadro da Quaresma”<br />
ABILIO Guerra Junqueiro, poeta português, nascido em 1850 e<br />
<strong>de</strong>sencarnado em 1923, é assaz conhecido no Brasil como épico dos maiores da<br />
língua portuguesa e admirado por quantos não estimam na Poesia apenas o<br />
malabarismo das palavras, mas o fulgor das i<strong>de</strong>ias. Notável, sobretudo, pela sua veia<br />
combativa e satírica, vemos, por sua produção <strong>de</strong> agora, que os anos do alémtúmulo<br />
não lhe alteraram a sadia e lúcida mentalida<strong>de</strong>, nas mesmas diretrizes. E esta<br />
circunstância é tanto mais notável quando o Romantismo se ufana <strong>de</strong> uma irreal<br />
conversão ín extremis.<br />
O PADRE JOÃO<br />
Tombava o dia:<br />
A luz crepuscular<br />
Mansamente <strong>de</strong>scia<br />
Inundando <strong>de</strong> sombra o céu, a terra, o mar...<br />
O meigo padre João,<br />
Um puro coração,<br />
Qual lírio a vicejar em meio a um pantanal,<br />
Sonhava ao pé da igreja<br />
— um templo envelhecido Ao lado <strong>de</strong> um vergel, esplêndido e florido<br />
—Sentindo <strong>de</strong>ntro d’alma um frio sepulcral.<br />
O firmamento<br />
Tingiase <strong>de</strong> luz brilhante e harmoniosa,<br />
A noite era <strong>de</strong> sonho e névoa luminosa.<br />
Padre João meditava, orando ao Deus <strong>de</strong> amor:<br />
Revia em pensamento<br />
Uma luz singular nas dobras do passado;<br />
Era um vulto sublime, excelso, imaculado,<br />
Que fazia <strong>de</strong>scer o amor às multidões,<br />
Inflamado <strong>de</strong> fé, <strong>de</strong>satando os grilhões<br />
Que prendiam a alma à carne putrescível,<br />
Uma réstea <strong>de</strong> sol sobre a noite do Horrível,<br />
Iluminando o mundo, Iluminando a vida,
172 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Pensando docemente a pútrida ferida<br />
Da imperfeição que rói a torva Humanida<strong>de</strong>,<br />
Oferecendo amor em flores <strong>de</strong> bonda<strong>de</strong>,<br />
Aos pecadores dando amigas esperanças,<br />
E aumentando nos bons as bemaventuranças.<br />
Era o meigo Pastor Irradiando a luz,<br />
Era o Anjo do Bem, o imáculo Jesus.<br />
O sacerdote, então,<br />
Comparou, meditando, a fúlgida visão<br />
Com aquele Cristo nu, <strong>de</strong> pau, inerte e frio,<br />
Imóvel dominando o âmbito vazio;<br />
Notando a diferença enorme, extraordinária,<br />
Daquela igreja fria, a ermida solitária,<br />
Da igreja <strong>de</strong> Jesus,<br />
Feita <strong>de</strong> amor e luz,<br />
De paz e <strong>de</strong> perdão,<br />
O farol da verda<strong>de</strong> ao humano coração.<br />
E viu da sua igreja o erro tão profundo,<br />
Dourando os véus da carne e amortalhando o mundo<br />
Em trevas persistentes,<br />
Por anos inclementes<br />
Em séculos sem fim.<br />
Conhecendo no padre o gêmeo <strong>de</strong> Caim,<br />
Afastado da luz, fugindo aos irmãos seus,<br />
Fugindo <strong>de</strong>sse modo ao próprio amor <strong>de</strong> Deus,<br />
Padre João meditou nas lutas incessantes<br />
Sustentadas na Terra em prol da evolução,<br />
E viu no mundo inteiro as ânsias <strong>de</strong>lirantes<br />
De trabalho, <strong>de</strong> amor, <strong>de</strong> eterna perfeição.<br />
Sentiu seu coração em dores lacerado,<br />
E no sonho da luz fulgente do passado,<br />
Penetrou soluçando a ermida então <strong>de</strong>serta.<br />
Teve medo e receio, o espírito gelado,<br />
Sentiuse no seu templo um pobre emparedado...<br />
E fugindo a correr da porta semiaberta,<br />
Com o coração sangrando em úlceras <strong>de</strong> dor,<br />
Encaminhouse ao campo, à natureza em flor.<br />
Fitou extasiado a natureza em festa,<br />
As árvores, a flor, os mares, a floresta,<br />
E como se o animasse uma chama divina,<br />
Despiuse do negrume espesso da batina,<br />
E fitando, a chorar, o céu estrelejado,<br />
Encheu a solidão com as vozes do seu brado:
173 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
“Ó Igreja! não tens a i<strong>de</strong>ia que eu sonhava,<br />
A luz radiosa e bela, a luz eterna e rara<br />
Que nos vem <strong>de</strong> Jesus;<br />
Tua mão não conduz<br />
As plagas da verda<strong>de</strong><br />
Mantendo inutilmente a pobre Humanida<strong>de</strong><br />
No mal da ignorância, túrbida e falaz,<br />
Crestando a fé, roubando a luz, matando a paz.<br />
Torturas a verda<strong>de</strong>, en<strong>de</strong>usas a matéria,<br />
E transformas o padre em trapo <strong>de</strong> miséria,<br />
Num farrapo <strong>de</strong> sombra, exótica e execrável,<br />
Num fantasma ambulante em treva interminável!<br />
É um blasfemo quem crê que em teus nichos e altares<br />
Guardase a essência pura e imácula <strong>de</strong> Deus;<br />
Eu vejoo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a flor às luzes estelares,<br />
Na pieda<strong>de</strong>, no amor, na imensidão dos céus!<br />
Ó Igreja! o dogma frio é um calabouço escuro,<br />
E eu quero abandonar a noite da prisão;<br />
Prefiro a liberda<strong>de</strong> e a vida no futuro,<br />
Guiandome o farol da fúlgida Razão.<br />
Desprezote, ó torreão <strong>de</strong> séculos trevosos,<br />
Ruínas <strong>de</strong> malda<strong>de</strong> estúltica a cair,<br />
Eu quero palmilhar caminhos luminosos<br />
Que minhalma entrevê na aurora do porvir!”<br />
E o padre emu<strong>de</strong>ceu. Submergido em pranto,<br />
Achou mais belo o céu e o seu viver mais santo.<br />
Pairava na amplidão estranho resplendor.<br />
A Natureza inteira em lúcida poesia<br />
Repousava, feliz, nas preces da harmonia!...<br />
Era o festim do amor,<br />
No firmamento em luz,<br />
Que celebrava<br />
A gran<strong>de</strong>za <strong>de</strong> uma alma que voltava<br />
Ao redil <strong>de</strong> Jesus.
174 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
CARIDADE<br />
Caía a noite em paz. Crepúsculo. Horas quedas.<br />
Horas <strong>de</strong> solidão. Pelas planícies ledas,<br />
A asa ruflando inquieta, os meigos passarinhos<br />
Recolhiamse à pressa, em busca dos seus ninhos!<br />
Repousavam, tremendo, os colibris doirados;<br />
Pipilavam febris no beiral dos telhados,<br />
Reunidas no lar caridoso e terno,<br />
Andorinhas gentis, tardígradas do inverno.<br />
As árvores senhoris, <strong>de</strong>spidas dos seus galhos,<br />
Como braços em cruz, sangrentos nos trabalhos,<br />
Elevavamse ao céu silenciosas, mudas,<br />
Sentinelas da dor nas regiões <strong>de</strong>snudas;<br />
Chegavam aos ovis as ovelhinhas mansas;<br />
Os risos dos al<strong>de</strong>ões e as orações das crianças<br />
Casavamse formando, em rimas soberanas,<br />
Os poemas <strong>de</strong> luz, que nascem das choupanas,<br />
Canções <strong>de</strong> oiro e <strong>de</strong> sol das almas virginais,<br />
Exalando, a sorrir, o aroma dos trigais;<br />
Almas puras, em flor, relicários da essência<br />
Da verda<strong>de</strong> e do amor, do amor e da Inocência,<br />
Almas feitas <strong>de</strong> luar, <strong>de</strong> cândida frescura,<br />
Vivendo a vida doce, imaculada e pura,<br />
De quem ama a existência plácida da al<strong>de</strong>ia,<br />
Cujo sonho é candura e a vida uma epopéia<br />
De louvores à dor, <strong>de</strong> exaltações, <strong>de</strong> prantos!...<br />
Caía a noite em paz, por entre os negros mantos<br />
De espessa escuridão. Sinistramente, a Lua<br />
Rolava na amplidão como cabeça nua,<br />
Como poça <strong>de</strong> sangue, horrendamente informe...<br />
O silêncio pesava impressionante e enorme!<br />
Nevava quase e a treva espessa e fria,<br />
Era bem a visão da mágoa e da invernia;<br />
Enchiase o ar <strong>de</strong> gelo igual a açoite <strong>de</strong> aço,<br />
Que vibrasse, cortando, a imensidão do espaço.<br />
E eu pedia ao Criador da imensida<strong>de</strong> etérea,<br />
Que esten<strong>de</strong>sse o seu manto aos ombros da miséria,<br />
Que agasalhasse o pobre e que <strong>de</strong>sse ao mendigo<br />
Um frangalho <strong>de</strong> pão e um momento <strong>de</strong> abrigo;<br />
Que pusesse suas mãos benévolas e puras<br />
Sobre o abismo voraz <strong>de</strong> tantas amarguras;<br />
Que levasse o amor on<strong>de</strong> faltasse o lar,<br />
On<strong>de</strong> sobrasse a angústia, on<strong>de</strong> andasse o penar.
175 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Em mim, sentia a dor dos que não têm carinhos,<br />
Que se vão <strong>de</strong> longada ao longo dos caminhos,<br />
Sem temer a hedion<strong>de</strong>z das negras horas mortas,<br />
Pedindo a soluçar um caldo negro às portas!<br />
E sondava o amargor dos operários ru<strong>de</strong>s,<br />
Filhos da obediência, anhos <strong>de</strong> mansuetu<strong>de</strong>s,<br />
Que vão cedo ao trabalho, à li<strong>de</strong> que os consome,<br />
Deixando a casa entregue às penúrias da fome...<br />
Pesava toda a dor que o mundo inteiro cobre,<br />
O castelo real e a cabana do pobre,<br />
A dor que faz da Terra um ninho <strong>de</strong> infelizes,<br />
Que palpita nos reis, que anda nas meretrizes;<br />
A dor que dobra e vence as multidões ignaras,<br />
Que <strong>de</strong>rruba os casais e come o pão das searas,<br />
Quando vi resplen<strong>de</strong>r nas bandas do oci<strong>de</strong>nte<br />
Uma excelsa visão, que andava mansamente:<br />
Tinha nas mãos <strong>de</strong> luz ramalhetes <strong>de</strong> lírios<br />
E no olhar a expressão <strong>de</strong> todos os martírios:<br />
Digna como um juiz, fulgente como a luz<br />
Que dimana do amor divino <strong>de</strong> Jesus!<br />
Seu luminoso olhar, esplêndido e profundo,<br />
Era como a pieda<strong>de</strong> iluminando o mundo;<br />
Suas faces e a fronte, alvas como alabastros,<br />
Pareciam do alvor das estrias dos astros...<br />
Emitia esplendor sua túnica <strong>de</strong> arminhos,<br />
Dissolvendo os cendais das trevas dos caminhos!...<br />
Quem és tu — murmurei.<br />
— “Meu nome é Carida<strong>de</strong>,<br />
Emissária <strong>de</strong> Deus a toda a Humanida<strong>de</strong>:<br />
Pairo por sobre um ser resplan<strong>de</strong>cente e puro,<br />
Como pairo a sorrir por cima <strong>de</strong> um monturo;<br />
Desço das vastidões <strong>de</strong>ntro das horas mudas,<br />
Deixo Cristo na cruz para encontrar com Judas.<br />
Amo os bons e protejo as almas vis e hediondas,<br />
Ando por toda a terra, ando por sobre as ondas<br />
Do oceano a rugir sob meus pés <strong>de</strong> névoa,<br />
Para levar a luz, e com ansieda<strong>de</strong> levoa<br />
A quem, nas aflições, chamame em altos brados<br />
No turbilhão <strong>de</strong> horror <strong>de</strong> todos os pecados.<br />
Para mim, não existe a classe, a seita e as gentes;<br />
Abranjo em meu amor a alma dos continentes,<br />
Atravesso o oceano e atravesso os países,<br />
Vou on<strong>de</strong> haja a miséria e pranto <strong>de</strong> infelizes;<br />
Sou o farol da legião dos pobres sofredores,<br />
Levo sol, pão e luz, balsamizando as dores;
176 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Conduzo com avi<strong>de</strong>z o lúcido estandarte<br />
Do bem, que ampara a dor e vela os sonhos darte.<br />
Amo o labor da ciência e amo a existência honesta<br />
Do ingênuo lavrador, que, em vez do sono à sesta,<br />
Enche com o seu trabalho as lindas manhãs claras,<br />
E quando a tar<strong>de</strong> chega, engendra a paz das searas.<br />
Amo o trabalhador, como adoro as boninas<br />
Que se entreabrem na estrada, adornando as campinas;<br />
As rosas festivais das frescas alamedas,<br />
Que abarrotam <strong>de</strong> olor as primaveras ledas.<br />
Amo o goivo e o lilás, como amo o luto e a festa,<br />
Amo a fera bravia, e as aves da floresta;<br />
Guardo comigo a dor, as mágoas e esperanças,<br />
Idolatro os senis, como idolatro as crianças.<br />
Vivo fora do plano imundo da matéria,<br />
Confortando o amargor, consolando a miséria;<br />
É por isso, talvez, que, comovida, eu ouço<br />
Do palácio o carpir e os ais do calabouço;<br />
Visito os hospitais, creches e orfanatos,<br />
Sem toques <strong>de</strong> clarins e sem espalhafatos;<br />
Vou ao cárcere escuro, entro nos palacetes,<br />
Desço ao antro abismal e ascendo aos minaretes.<br />
Estou <strong>de</strong>ntro do templo e <strong>de</strong>ntro dos prostíbulos,<br />
Ao pé do altar da fé, no sopé dos patíbuLos;<br />
Oro em qualquer lugar, nas ermidas, nos montes,<br />
Subo da Terra ao Céu. Não conheço horizontes.<br />
Não conheço nações, corro do brejo aos sóis,<br />
Beijo um cadáver nu, como osculo os heróis.<br />
Nunca a lisonja fiz, nem recebo homenagens,<br />
Trato com o mesmo amor os cultos e os selvagens.<br />
Jamais pu<strong>de</strong> escolher entre Roma e Paris,<br />
Não me regem as leis que regem um país.<br />
Minha missão é amar. Amo o templo e amo a escola,<br />
Amo o bem que alivia, amo o bem que consola.”<br />
“Carida<strong>de</strong>! — tornei. — Por que volves ao mundo<br />
O mundo é o mesmo caos, o mesmo charco imundo.<br />
A Humanida<strong>de</strong> é a mesma, alma <strong>de</strong> fariseus,<br />
Que não te quer, nem quer o amor do próprio Deus!<br />
O homem não se mudou. E a tola socieda<strong>de</strong><br />
É o nojento paul da criminalida<strong>de</strong>,<br />
Lodo fenomenal <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrença e malícia.<br />
Vai! consulta as prisões e consulta a polícia.<br />
On<strong>de</strong> puseste a luz, on<strong>de</strong> fundaste a escola,<br />
O homem pôs o missal, as batinas e a estola.
177 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
On<strong>de</strong> foste ensinar cantigas às ceifeiras,<br />
O homem fez barregãs que se ven<strong>de</strong>m nas feiras!<br />
On<strong>de</strong> andaste a criar a cida<strong>de</strong> e os impérios,<br />
Ele fez podridões <strong>de</strong> imundos cemitérios;<br />
On<strong>de</strong> criaste o i<strong>de</strong>al e a inspiração divina,<br />
Fez a bomba explosiva, a forca e a guilhotina.<br />
A socieda<strong>de</strong> vil é quase a mesma Impéria,<br />
Rindo na podridão, transudando a miséria.<br />
Morre o bem, morre o amor, causa nojo a política,<br />
Ressumbra asco e pavor a velha sifilítica,<br />
Que brada sem cessar: — “Inda grita a canalha<br />
Abraselhe a prisão, jogueselhe a metralha.<br />
E se alguém reclamar, há canhões na Alemanha;<br />
Se o canhão não chegar, há mosteiros na Espanha,<br />
On<strong>de</strong> existe o grilhão <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> escuras celas,<br />
Celas que são prisões, cheias <strong>de</strong> sentinelas.<br />
E se o povo chorar, que se açoite esse povo!<br />
Alguém, que reclamar, pague um tributo novo.<br />
Matese a mocida<strong>de</strong>, asfixiese a infância,<br />
Propaguese impieda<strong>de</strong>, espalhese ignorância,<br />
De nada serve o livro a um povo sempre cego.<br />
E se a fome vier, ponhase a honra ao prego.<br />
Para que se não veja a ruína e os cemitérios,<br />
Se o estrangeiro chegar — Bailes nos ministérios!<br />
Músicas sobre a dor, flores sobre os lameiros,<br />
Girândolas ao ar, honras aos forasteiros!<br />
Cubram sedas a lepra, aromas os fedores,<br />
Fogo a quem mendigar! morte a quem tiver dores!..<br />
Ao raiar a manhã, toquese para a missa,<br />
Que esta plebe é <strong>de</strong> cães, que esta plebe é submssa.<br />
E esse povo infeliz dorme pelas calçadas,<br />
Almoça e ceia o luar, morre sob pauladas —<br />
E à podre socieda<strong>de</strong> é igual a religião,<br />
Que encarcera o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong>ntro da Inquisição!<br />
Principalmente Roma, a esta nada escapa,<br />
Demonstrando o conflito entre Jesus e o Papa:<br />
Jesus amava a luz, o Papa o oiro vil,<br />
Jesus amava o pobre, o Papa a Rotschild!<br />
Que queres, Carida<strong>de</strong> o mundo é sempre assim,<br />
Sacrifica um Abel para aceitar Caim!”<br />
— “Antes <strong>de</strong> tudo, amigo, eu não sei, não discuto;<br />
Eu só quero saber on<strong>de</strong> há miséria e luto.<br />
Raciocina, poeta!<br />
A alma da carida<strong>de</strong><br />
Abomina o rumor que alimenta a vaida<strong>de</strong>;
178 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Para o seu labutar, toma vestes singelas;<br />
Para fazer o bem, corre o fecho às janelas.<br />
Não lê Anacreonte e ignora Petrarcas;<br />
Não reconhece a lei que emana dos monarcas.<br />
Nunca soube notar, nem sabe discernir<br />
Qual <strong>de</strong>les foi maior, se Goethe ou Shakespeare;<br />
Se houve o pincel <strong>de</strong> Goya e o buril <strong>de</strong> Bordalo,<br />
Se Calígula quis en<strong>de</strong>usar um cavalo;<br />
Se o nome <strong>de</strong> Mafoma é o mesmo que Maomet,<br />
Se houve no tempo antigo uma arca <strong>de</strong> Noé;<br />
Se a Patti cantou bem pelas festas mundanas,<br />
Se viveram maus reis, entre más soberanas;<br />
Não enten<strong>de</strong> Voltaire, nem más literaturas,<br />
Somente lhe interessa a sorte das criaturas.<br />
Nunca soube enxergar se há Lutero e Jesuítas,<br />
Sabe somente ver as dores infinitas.<br />
Não vai a Roma ver o Papa que se cobre<br />
De fulgentes milhões para humilhar o pobre.<br />
Não vai à Terra Santa em peregrinações,<br />
Jamais toma lugar para fazer sermões.<br />
Passa no mundo a pé, jamais anda <strong>de</strong> sege,<br />
Nem sabe distinguir entre um pária e Carnegie.<br />
Nunca aos concílios foi dar suas opiniões,<br />
Nunca reza em latim, nunca fez procissões.<br />
Jamais focalizou questões eleitorais,<br />
E não vai <strong>de</strong>sfolhar misérias nos jornais.<br />
Entra no lupanar, não lhe estorva a política,<br />
Não lhe po<strong>de</strong> abalar a opinião da crítica.<br />
Nunca viu povoléus, nem divisa a ralé,<br />
Nem problemas sociais, nem dogmas <strong>de</strong> fé!<br />
Rejeita a excomunhão, jamais amaldiçoa,<br />
Sabe somente que ama e também que perdoa.<br />
Sabe apenas que há pranto ao longo dos caminhos,<br />
Que falta o amor e o pão, água e calor nos ninhos.<br />
Corre, sem se cansar, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o nascer da aurora,<br />
Para buscar a dor da orfanda<strong>de</strong> que chora.<br />
Reconhece na, treva a fonte dos pecados<br />
E abraça com carinho os gran<strong>de</strong>s torturados.<br />
Sabe on<strong>de</strong> falta sol, on<strong>de</strong> escassa é a saú<strong>de</strong>,<br />
On<strong>de</strong> se mete a flor excelsa da, virtu<strong>de</strong>.<br />
Olha sem se anojar, mágoas, misérias, dor,<br />
Não conhece opinião, segue a Nosso Senhor!<br />
Anda no Novo Mundo, corre por toda a Europa,<br />
Mendigando uma luz e um bocado <strong>de</strong> sopa,<br />
Luz para <strong>de</strong>sfazer a baixeza <strong>de</strong> instintos,<br />
Sopa para matar a fome dos famintos.
179 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Foge da discussão, não está nas pelejas,<br />
Nem no ambiente hostil e estreito das igrejas.<br />
Sabe amar e querer flores e passarinhos,<br />
Os mendigos e os reis, os palácios e os ninhos!<br />
Tem abnegação. Sabe rasgar o peito,<br />
E escrever com seu sangue a Justiça e o Direito!<br />
Sabe o amor. Sabe o bem. A alma da, carida<strong>de</strong><br />
Sabe en<strong>de</strong>usar a luz e adorar a verda<strong>de</strong>.<br />
Vai a todo lugar, recôndito e diverso.<br />
Não existe num mundo. Existe no Universo.<br />
Poeta amigo, a<strong>de</strong>us! Há muito que me espera<br />
A imensidão da dor. Procuro a pomba e a fera.<br />
Tenho muito a prestar às ovelhas transviadas,<br />
Que ouvem as tentações do beiral das estradas.<br />
É preciso que eu vá visitar os covis,<br />
Amparar o chacal, as aves e os reptis;<br />
Necessário é que eu siga em minhas romarias,<br />
Procurando os pardais, melros e cotovias.<br />
Vou subir a colinas e <strong>de</strong>scer aos valados,<br />
Caçando o pranto e a dor dos pobres <strong>de</strong>sgraçados.<br />
Chamame o sol redor, chamame a orfanda<strong>de</strong>,<br />
Necessário é lhes leve a vida e a liberda<strong>de</strong>.<br />
Se tua alma quiser inda encontrarme um dia,<br />
Desce ao antro sem paz, don<strong>de</strong> foge a alegria;<br />
Vai sem medo e receio à lôbrega mansarda,<br />
On<strong>de</strong> tarda a saú<strong>de</strong> e on<strong>de</strong> o conforto tarda.<br />
Vai às roças louçãs nas alvoradas claras...<br />
Estou com o lavrador na tarefa das searas,<br />
Como do seu farnel, tomo o arado e a charrua,<br />
Lá me ponho a lidar e <strong>de</strong> lá volto à rua,<br />
Para guiar os maus, para guiar felizes;<br />
Minha missão é amar os vermos e os países!...”<br />
Muito tempo passara e a noite inda era escura.<br />
Noite <strong>de</strong> neve atroz, noite <strong>de</strong> <strong>de</strong>sventura!<br />
Foise a linda visão, dissipando as neblinas,<br />
Repartindo o seu pão <strong>de</strong> carícias divinas.<br />
Tudo voltou à paz silenciosa e calma!...<br />
O inverno e o pesar; e aos olhos da minhalma,<br />
O mundo famulento, a Terra, parecia<br />
O planeta da sombra e a mansão da agonia!
180 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
ROMARIA<br />
(Passeio matinal)<br />
(Fim da poesia inserta em Poesias Dispersas)<br />
Não sabeis, não sabeis, filhas que adoro tanto,<br />
Calcular a extensão <strong>de</strong> tantas amarguras,<br />
Existências em flor, fustigadas <strong>de</strong> pranto,<br />
Lírios no lamaçal das gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sventuras...<br />
Almas na escuridão da noite sem aurora,<br />
Corpos <strong>de</strong> podridão, urnas <strong>de</strong> lama e pus,<br />
Anjos açucenais que a miséria <strong>de</strong>vora,<br />
Pobrezitos sem pão, esquálidos e nus.<br />
No entanto, há aroma e luz na beira dos caminhos,<br />
Cantos <strong>de</strong> rouxinóis, árvores, fruto e flor,<br />
Harmonias sutis, que se evolam dos ninhos<br />
Dourados pelo sol dalvorada do amor!<br />
Mocida<strong>de</strong> no abril resplan<strong>de</strong>cente e loiro<br />
De noivado e canção das almas virginais;<br />
Entoando a sorrir mil ditirambos <strong>de</strong> oiro,<br />
Como as aves gracis em vôos nos trigais.<br />
A alegria taful das manhãs harmoniosas<br />
Em que maio <strong>de</strong>sfolha os cravos e os jasmins,<br />
Espargindo dos céus as glicínias formosas,<br />
Na esmeraldina cor do colo dos jardins!<br />
E Deus que fez o Sol e a candura das crianças,<br />
Fez também o soluço e a lágrima dorida,<br />
E se fez a bonda<strong>de</strong> envolta <strong>de</strong> esperanças,<br />
Criou a dor clareando a escuridão da vida.<br />
Há risos e esplendor e há prantos, filhas minhas,<br />
Porque o pranto é que lava as manchas e os negrumes<br />
De almas torvas e vis, misérrimas, mesquinhas,<br />
Transformandoas em luz e em vasos <strong>de</strong> perfumes!...<br />
A lágrima da dor é estrela que transluz,<br />
Um coração que sofre é chama que se eleva<br />
Da túrbida hedion<strong>de</strong>z dos pantanais da treva,<br />
As regiões da glória intérmina da luz.<br />
Sobre o escuro, porém, das lepras mal cheirosas,<br />
Paira o clarão do amor, edênico e sem par,<br />
Que liga o verme ao mar, que une a pomba às rosas,<br />
Que o grão <strong>de</strong> areia une ao roble secular.
181 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
O amor que fraterniza, o amor que dá saú<strong>de</strong>,<br />
Que irmana a fera e a rosa, as aves e os chacais,<br />
Que faz da Carida<strong>de</strong> a flama da Virtu<strong>de</strong>,<br />
Que sublime conduz aos planos celestiais.<br />
Filhas que Deus me <strong>de</strong>u, vin<strong>de</strong> alegres, comigo,<br />
Vin<strong>de</strong> comigo ver a dor dos <strong>de</strong>sgraçados<br />
Que chorando se vão, sem pátria e sem abrigo,<br />
Cheios <strong>de</strong> sânie e pus, com os corpos cancerados.<br />
Aproveitemos, pois, esta hora calma e mansa,<br />
Em que há músicas no ar e olores nas estradas,<br />
Hora em que a Terra acorda em haustos <strong>de</strong> esperança,<br />
Ébria <strong>de</strong> aroma e luz das flores orvalhadas.<br />
Saúdam o alvorecer as vozes das ovelhas,<br />
Perpassam colibris, chilreia a passarada,<br />
Zumbem sofregamente as trêfegas abelhas,<br />
Compondo o hino <strong>de</strong> sol <strong>de</strong> esplêndida alvorada!<br />
Partamos nós, também, por este mundo afora,<br />
Nutrindo o coração na fonte da esperança,<br />
Dando consolo à dor, à treva a luz da aurora,<br />
A paz à guerra e à luta os lírios da bonança.<br />
Conduzamos conosco a luz da Carida<strong>de</strong>,<br />
Oferecendo o Bem aos pobres pequeninos,<br />
Ofertando com amor a toda a Humanida<strong>de</strong><br />
Esse pão divinal que é dos trigais divinos.<br />
Espalhemos a Fé, a Carida<strong>de</strong> e a Crença,<br />
Tenhamos a nossalma em <strong>de</strong>lubros <strong>de</strong> luz,<br />
E acharemos no fim da romaria imensa,<br />
O sol primaveril da graça <strong>de</strong> Jesus!
182 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
ETERNA VÍTIMA<br />
Na silenciosa paz do cimo do Calvário<br />
Ainda se vê na cruz o Cristo solitário.<br />
Vinte séculos <strong>de</strong> dor, <strong>de</strong> pranto e <strong>de</strong> agonia,<br />
Represamse no olhar do Filho <strong>de</strong> Maria.<br />
Abandonado e só na ari<strong>de</strong>z da colina<br />
Sofre infindo martírio a vítima divina;<br />
Açoitado, traído e calmo, silencioso,<br />
Da Terra ao Céu espraia o seu olhar piedoso.<br />
Dois mil anos <strong>de</strong> dor, e os seus cruéis algozes<br />
Passaram sem cessar como chacais ferozes.<br />
Caravanas <strong>de</strong> reis nos tronos passageiros,<br />
Exaltados na voz das trompas dos guerreiros;<br />
Os lendários heróis no dorso dos corcéis,<br />
Inscrevendo com fogo as máximas das leis.<br />
Cavalheiros gentis, valentes brasonados,<br />
Nobres <strong>de</strong> sangue azul nos seus mantos dourados.<br />
Viramno seminu, na cruz, ensanguentado,<br />
E puseramse a rir do louco supliciado!<br />
O Cristo continuou, humil<strong>de</strong> e silencioso,<br />
Espraiando na Terra o seu olhar piedoso.<br />
Sábios do tempo antigo abrindo os livros santos<br />
Olharamno também, partindo como tantos.<br />
Artistas e histriões, poetas e trovadores,<br />
Castelãs juvenis, turbas <strong>de</strong> gozadores<br />
Inda vieram; <strong>de</strong>pois, aqueles que em seu nome<br />
Espalharam a treva, o pranto, a guerra e a fome.<br />
Desolação e horror, mataramse os irmãos,<br />
Lobos, tigres, chacais, na capa dos cristãos.<br />
Contemplaram Jesus no cume da colina,<br />
Multiplicando a guerra, as lutas e a chacina.
183 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
O Mestre prosseguiu, sublime e silencioso,<br />
Espraiando na Terra o seu olhar piedoso.<br />
E na época atual a caravana estranha<br />
Estaca no sopé da árida montanha;<br />
Mas os soberbos reis e césares antigos,<br />
Hoje mais nada são que míseros mendigos;<br />
Os nobres doutro tempo, agora transformados<br />
Nos párias do amargor, nos gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sgraçados,<br />
Agora vêem, sim, no topo do Calvário,<br />
O sacrifício e a dor do eterno visionário,<br />
Bradando com furor: — “Socorrenos Jesus!<br />
Que possamos vencer a dor em nossa cruz.<br />
Sorvendo o amaro fel nas dores da aflição,<br />
Temos fome <strong>de</strong> paz e se<strong>de</strong> <strong>de</strong> perdão!”<br />
E o Mestre da bonda<strong>de</strong>, o anjo da virtu<strong>de</strong>,<br />
Esten<strong>de</strong> o seu perdão cheio <strong>de</strong> mansuetu<strong>de</strong>.<br />
E do cimo da cruz, calmo e silencioso,<br />
Consola a multidão com o seu olhar piedoso.<br />
A UM PADRE<br />
(Versos a um agressor do Espiritismo)<br />
Ó padre lutador, procurai santamente<br />
Apregoar ao mundo herético e <strong>de</strong>scrente<br />
Os dogmas ancestrais da vossa velha Igreja!<br />
A árvore do progresso, esplêndida, viceja.<br />
A Ciência caminha a passos <strong>de</strong> gigante<br />
Para se unir à Fé, operosa e triunfante.<br />
É preciso instalar a Inquisição <strong>de</strong> novo,<br />
Contendo a aspiração indômita do povo,<br />
De saber a verda<strong>de</strong> acerca do Destino.<br />
Proclamai, proclamai o dogma divino!<br />
Fazei bulas, torcei as leis, trazei Loiolas,<br />
Ensinai catecismo em todas as escolas;<br />
Pon<strong>de</strong> sobre a esperança o inferno que flameja,
184 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Cheio <strong>de</strong> excomunhões e <strong>de</strong> mastins da Igreja!<br />
Ensinai que Deus é o bramânico satrapa<br />
Que enviou para o mundo os bergantins do papa,<br />
Afirmai que um sacrista é um ministro do Eterno.<br />
Comei Jesus no pão refogado em falerno;<br />
Formai sob a batina as gerações vindoiras,<br />
Tomai em vossas mãos das crísticas tesoiras,<br />
Cortai a asa <strong>de</strong> luz <strong>de</strong> toda liberda<strong>de</strong>,<br />
Afogai na <strong>de</strong>scrença a pobre Humanida<strong>de</strong>,<br />
Multiplicai no mundo as vossas benzeduras,<br />
Multiplicai na Igreja os ritos e as tonsuras!<br />
Teologicamente, anatematizai<br />
Todo aquele que em Deus sentir o amor <strong>de</strong> um Pai,<br />
Pon<strong>de</strong> em cada recanto um novo Torquemada,<br />
E um trapo <strong>de</strong> batina ao pé <strong>de</strong> cada estrada;<br />
Fazei autos<strong>de</strong>fé, pregai probabilismos<br />
Dentro das liações e dos anacronismos,<br />
En<strong>de</strong>usai sobre o trono a fortuna dos Cresos,<br />
Esquecei sobre a lama os pobres in<strong>de</strong>fesos.<br />
Transformai todo templo em balcão <strong>de</strong> bentinhos,<br />
Com representações em todos os caminhos;<br />
Interpretai Jesus no prisma do interesse,<br />
Traficai com o altar, ven<strong>de</strong>i o ensino e a prece,<br />
Anatematizai todas as heresias;<br />
Aprovai, aplaudi as gran<strong>de</strong>s simonias,<br />
Porque, em verda<strong>de</strong>, são como crimes sagrados<br />
E a. estola <strong>de</strong> um sacrista é isenta <strong>de</strong> pecados.<br />
Incensai Harpagões, absolvei magnatas,<br />
Entre encomendações, discursos, sermonatas;<br />
Lembrai a Inquisição e a história do papado,<br />
Reten<strong>de</strong> na memória os erros do passado.<br />
Le<strong>de</strong> com <strong>de</strong>sassombro o intrépido Barônio,<br />
Sem o medo pueril do inferno e do <strong>de</strong>mônio,<br />
E vin<strong>de</strong> proclamar ao mundo fariseu<br />
Que somente na Igreja há sendas para o Céu;<br />
Só a Igreja possui a santa autorida<strong>de</strong>,<br />
Dentro das presunções da infalibilida<strong>de</strong>.<br />
Sobre o luxo gritai no púlpito florido,<br />
Gritai que o mundo está perverso e corrompido.<br />
Escrevei com furor contra as guerras tigrinas,<br />
A abençoar fuzis, metralhas, carabinas,<br />
A discórdia infundi! Nutri regionalismos,<br />
Incentivai com ardor os rubros fanatismos.
185 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Se pu<strong>de</strong>r<strong>de</strong>s, irmão, arma! nova fogueira<br />
A quem asseverar que o Papado é uma feira<br />
On<strong>de</strong> Deus é um cifrão e on<strong>de</strong> se negocia<br />
A bênção <strong>de</strong> Jesus, e a bênção <strong>de</strong> Maria;<br />
On<strong>de</strong> a verda<strong>de</strong> está sob as cavilações<br />
Dos círculos hostis <strong>de</strong> torpes convenções!<br />
Praticai e afirmai ainda mais do que isto.<br />
Ten<strong>de</strong>s a autorida<strong>de</strong> e a mansidão do Cristo...<br />
Mas, ouvi minha voz impávida e serena!...<br />
Fazendovos ouvir, tomando a vossa pena,<br />
Jamais vos esqueçais <strong>de</strong> que a verda<strong>de</strong> é <strong>de</strong> ouro.<br />
Afastarmonos <strong>de</strong>la. é andar no sorvedouro<br />
Da calúnia que fere o coração mais ru<strong>de</strong>,<br />
Da mentira que, enfim, não alcança a virtu<strong>de</strong>,<br />
Que traz, porém, consigo o vírus que envenena!<br />
Quem perpetra a inverda<strong>de</strong> a si mesmo con<strong>de</strong>na.<br />
A luta da verda<strong>de</strong>, a luta das i<strong>de</strong>ias,<br />
É feita nos clarões das gran<strong>de</strong>s epopéias,<br />
Abrindo o coração ao nobre sacrifício;<br />
Cada gesto leal é sublime interstício<br />
Por on<strong>de</strong> a Luz penetra em jorros cristalinos,<br />
Clareando o porvir ignoto dos <strong>de</strong>stinos.<br />
Criar uma ficção e excomungar <strong>de</strong> oitiva,<br />
É próprio das paixões e próprio da inventiva.<br />
Nunca vos entregueis a tanto <strong>de</strong>spautério,<br />
Jamais enxovalheis o vosso ministério.<br />
Acostumaivos, pois, ao sol que tudo aclara;<br />
Deixai a insensatez dos clérigos, da tiara,<br />
Abandonai a treva e vin<strong>de</strong> para a luz!<br />
Apren<strong>de</strong>i muito mais do exemplo <strong>de</strong> Jesus.<br />
Olvidai convenções, congregações, papado,<br />
Que a Verda<strong>de</strong> jamais se ven<strong>de</strong> no mercado.
186 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
“UM QUADRO DA QUARESMA”<br />
Entre lamentações e estrídulas matracas,<br />
Num cenário infantil, feito <strong>de</strong> gesso e lacas,<br />
Representase a peça antiga da quaresma...<br />
O pobre SenhorMorto, um pálido abantesma,<br />
Talhado <strong>de</strong> encomenda, em tinta espessa e forte,<br />
Dorme grotescamente o sono <strong>de</strong>ssa morte<br />
De teatro burlesco, anual, que se repete,<br />
Como as gran<strong>de</strong>s funções do entrudo e do confete.<br />
Imóvel, sob a luz esdrúxula das tochas<br />
Que ilumina esse caos <strong>de</strong> tintas rubroroxas,<br />
É o ator da paixão, a vítima e comparsa<br />
Do Papa, o explorador santíssimo da farsa,<br />
Paródia <strong>de</strong> uma dor sublime e incomparável,<br />
Filha da estupi<strong>de</strong>z bisonha e con<strong>de</strong>nável,<br />
Que a Igreja representa, arrecadando esmolas,<br />
Com latim, cantochãos, ban<strong>de</strong>iras e sacolas.<br />
A função quaresmal prossegue. A multidão<br />
Espera com ansieda<strong>de</strong> o clássico sermão.<br />
Numa fantasmagoria esplêndida <strong>de</strong> aroma<br />
Dos Incensos do altar, sobre o púlpito assoma<br />
Uma figura heril <strong>de</strong> aba<strong>de</strong> gordo e enorme,<br />
Coquelin tonsurado, obeso, <strong>de</strong>sconforme,<br />
Que grita com estentor:<br />
“Caríssimos Irmãos!<br />
Nós somos sobre a Terra os únicos cristãos.<br />
Fora das concepções altíssimas da Igreja,<br />
Existe tãosomente o Inferno que <strong>de</strong>speja<br />
O mal e as tentações no espírito perdido;<br />
Rezai! que atualmente o mundo pervertido<br />
Preten<strong>de</strong> esfacelar os dogmas romanos,<br />
Sentinelas da fé, há quase dois mil anos!<br />
Não busqueis progredir nas coisas transcen<strong>de</strong>ntes,<br />
Porque o Papa é senhor <strong>de</strong> céus e continentes<br />
E o Sílabus proíbe a evolução <strong>de</strong> tudo!<br />
Eu só vos peço a fé, porquanto a fé é o escudo<br />
Que vos há <strong>de</strong> livrar dos gênios tentadores.<br />
Evitai conviver com os livres pensadores!<br />
A análise conduz à escuridão do Averno,<br />
Voltaire e Galileu são ministros do Inferno,
187 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Calvino, Comte, Wesley, seus embaixadores;<br />
Das chamas infernais, criaturas inferiores<br />
Dirigem, certamente, o espírito mo<strong>de</strong>rno.<br />
Precisais cultivar o nosso dogma eterno,<br />
De eterna submissão ao Papa que é infalível.<br />
Toda or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Roma é boa e indiscutível.<br />
É preciso antepor, a toda a Humanida<strong>de</strong>,<br />
Sentimentos <strong>de</strong> fé e catolicida<strong>de</strong>.<br />
Necessário se faz pren<strong>de</strong>r quem raciocine.<br />
Reformistas quaisquer... Satanás que os fulmine<br />
A falta <strong>de</strong> fervor tem feito heresiarcas,<br />
Tem até corrompido os padres e os monarcas.<br />
Obe<strong>de</strong>cei à Igreja em sua Santida<strong>de</strong>,<br />
Que é o traço <strong>de</strong> união do arcano da Trinda<strong>de</strong>.<br />
O dogma é uma lei benigna e sublime,<br />
Sofismálo, enformálo, é cometer um crime.<br />
A Humanida<strong>de</strong> está sob o império do <strong>de</strong>mo;<br />
Oremos pelo mundo em <strong>de</strong>sconforto extremo.<br />
Vivei, caros irmãos, em santa penitência;<br />
As mortificações recebem da indulgência<br />
Os prêmios celestiais na Eterna Beatitu<strong>de</strong>.<br />
Se<strong>de</strong> firmes na fé, contentes na virtu<strong>de</strong>,<br />
Amando a carida<strong>de</strong>, a humil<strong>de</strong> singeleza,<br />
Como Jesus amou a glória da pobreza!”<br />
Con<strong>de</strong>nando a Ciência, a Luz, a Liberda<strong>de</strong>,<br />
E abominando o Cristo, o Senhor que ele esquece,<br />
Terminou a oração, rogando que se <strong>de</strong>sse<br />
Uma estola ao Progresso e um véu à Humanida<strong>de</strong>.<br />
Com um aceno abençoou, segundo o gesto em uso,<br />
Resmungando um latim exótico e confuso;<br />
E <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> exercer seu santo ministério,<br />
Procurou lestamente o calmo presbitério.<br />
Aguardavao o jantar <strong>de</strong> finas iguarias:<br />
Pratos <strong>de</strong> ostentação, recheios, ambrosias,<br />
Licores, moscatéis, confeitos, doces raros,<br />
Opíparo jantar regado a vinhos caros.
188 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
E após se abastecer pantagruelicamente,<br />
Em paz sacramental, seu cérebro indolente<br />
Desejou meditar nas cenas do Calvário...<br />
Mas o sono rouboulhe as preces e o breviário.<br />
Terminada que foi a sacra pantomima,<br />
Esquecido Jesus, olvidoulhe a doutrina.<br />
Sereno, adormeceu sem pensar que pusera<br />
Em cada coração um coração <strong>de</strong> fera,<br />
Com o seu rubro sermão, cavando um negro abismo,<br />
Propagando a cegueira, a guerra e o fanatismo.<br />
Olvidou o que Jesus obrara com o exemplo,<br />
Dos atos a lição, da carida<strong>de</strong> o templo,<br />
Sem artigos <strong>de</strong> fé, sem bispo e vaticano.<br />
Não se lembrou que houvera o bom samaritano,<br />
Porque a verda<strong>de</strong> pura, o lídimo Evangelho,<br />
Era um livro escurril, ina<strong>de</strong>quado e velho.<br />
Da doutrina cristã, a sacrossanta essência<br />
Ficou em pregação <strong>de</strong> mágica eloquência.<br />
Jesus apenas fora a máscara piedosa,<br />
Para tanta extorsão impune e criminosa.<br />
Por isso, ó meus irmãos do altar e da batina,<br />
A Igreja que foi pura e que já foi divina,<br />
Morre sem remissão <strong>de</strong> horrível carcinoma,<br />
Nos pântanos letais e lúgubres <strong>de</strong> Roma,<br />
Lá on<strong>de</strong> a cupi<strong>de</strong>z fatídica se entrapa<br />
E morre às próprias mãos sacrílegas do Papa!
189 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
32<br />
GUSTAVO TEIXEIRA<br />
A São Pedro <strong>de</strong> Piracicaba<br />
PAULISTA, nascido na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Pedro, em março <strong>de</strong> 1881. Escreveu<br />
Ementário, Poemas Líricos, Último Evangelho e outras obras assaz estimadas,<br />
falecendo em 1937.<br />
A SÃO PEDRO DE PIRACICABA<br />
Último instante, <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira imagem<br />
Nas procissões da sombra em longas filas...<br />
Era a morte, cerrandome as pupilas<br />
No doloroso termo da romagem.<br />
Graças a Deus, a crença era meu pajem<br />
E buscandolhe, ansioso, as mãos tranquilas,<br />
Chorei <strong>de</strong> gratidão ao pressentilas,<br />
Conduzindome à luz doutra paisagem.<br />
Ó terra <strong>de</strong> São Pedro, que amo tanto,<br />
Com que angústias te vi, banhado em pranto,<br />
Nos supremos e tristes estertores!...<br />
Trabalha e espera sob os céus risonhos,<br />
Que a morte é vida para os nossos sonhos,<br />
E paraíso para as nossas dores.
190 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
33<br />
HERMES FONTES<br />
Soneto Minha vida Poema da amargura e da esperança<br />
SERGIPANO, nasceu na Vila <strong>de</strong> Boquim, em 1888, e suicidouse no Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro aos 26 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1930. Poeta <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> relevo emocional, <strong>de</strong>ixou<br />
firmada sua personalida<strong>de</strong> literária, tendo publicado Apoteoses, Gênese, Lâmpada<br />
Velada e Fonte da Mata, seu último livro.<br />
SONETO<br />
Sou, o lavrador que fez, ru<strong>de</strong> e bisonho,<br />
A sementeira luminosa e rara<br />
Do trigo louro e rútilo do sonho...<br />
— Sonho lindo que a nada se compara.<br />
Não reparou o labor triste e enfadonho,<br />
Regou, chorando, a terra que lavrara;<br />
E <strong>de</strong> alma ingênua e coração risonho,<br />
Esperou confiante o sol da seara.<br />
Passados os trabalhos e os tormentos,<br />
Quando aguardava a messe, jubiloso,<br />
Numa gran<strong>de</strong> esperança insatisfeita,<br />
Eis que aparecem os arrasamentos,<br />
E o pobre, <strong>de</strong>sgraçado e <strong>de</strong>sditoso,<br />
Per<strong>de</strong>u tudo no instante da colheita.
191 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
MINHA VIDA<br />
Não pu<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r o meu <strong>de</strong>stino<br />
Na amargura invencível do passado,<br />
Que amortalhou meu sonho peregrino<br />
Nas trevas <strong>de</strong> um martírio irrevelado.<br />
Do sofrimento fiz o apostolado,<br />
Como fizera <strong>de</strong> minha arte um hino,<br />
Procurando o país in<strong>de</strong>vassado<br />
Do i<strong>de</strong>al luminoso <strong>de</strong> Aladino.<br />
E fui <strong>de</strong> vale em vale, serra em serra,<br />
Buscando a imagem fúlgida, incorpórea,<br />
Do que chamamos — a felicida<strong>de</strong>.<br />
Mas só colhi os frutos maus da Terra,<br />
As promessas pueris da falsa glória,<br />
E o triste engano da celebrida<strong>de</strong>.<br />
POEMA DA AMARGURA E DA ESPERANÇA<br />
Falarvos <strong>de</strong> martírios e tormentos,<br />
É perpetrar amargas redundâncias,<br />
Redizer minhas mágoas, minhas ânsias,<br />
Renovar minhas síncopes <strong>de</strong> dor...<br />
Não sorvo mais os tóxicos violentos<br />
Do <strong>de</strong>sespero e da melancolia,<br />
Após a <strong>de</strong>rrocada<br />
Das construções <strong>de</strong> um sonho superior.<br />
Tudo outrora, Senhor,<br />
Na minha pobre vida abandonada,<br />
Era o tédio cruel que me impedia<br />
De vislumbrar a clarida<strong>de</strong> intensa<br />
Da luz do sol puríssimo da crença,<br />
Tudo em volta <strong>de</strong> mim era a cegueira.<br />
Que torturou a minha vida inteira,<br />
Que me seguiu o espírito ambicioso!
192 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
A carne é pobre e é cheia <strong>de</strong> fraqueza,<br />
Simbolizando o ciclo tenebroso<br />
Das sínteses <strong>de</strong> dor da Natureza.<br />
E a carne subjugoume inteiramente,<br />
Fezme fraco e <strong>de</strong>scrente,<br />
E transformou a minha mocida<strong>de</strong><br />
Num montéo <strong>de</strong> ambições, <strong>de</strong> fama e glória,<br />
Adormeceume aos cantos da vaida<strong>de</strong><br />
E me afastou da estrada meritória<br />
Da crença e da bonda<strong>de</strong>...<br />
Misericordiosíssimo Senhor!<br />
De tortura em tortura amargurado,<br />
O meu frágil espírito inferior<br />
Viuse presa <strong>de</strong> trevas, no passado,<br />
E a <strong>de</strong>sgraça suprema o amortalhou.<br />
Tudo sofri, <strong>de</strong> dor e <strong>de</strong> miséria,<br />
Mas a tua bonda<strong>de</strong> me levou<br />
A esquecer a influência <strong>de</strong>letéria<br />
Da carne passageira...<br />
Rompeste a minha venda <strong>de</strong> cegueira<br />
E divisei o excelso panorama<br />
Do Universo infinito, que Te aclama<br />
Como a fonte do amor ilimitado!<br />
Relevaste, meu Deus, o meu pecado<br />
E pu<strong>de</strong> ouvir as harmonias puras<br />
Que equilibram os mundos nas alturas!...<br />
Cheio <strong>de</strong> amaridúlcida ansieda<strong>de</strong>,<br />
A esperança o espírito me inva<strong>de</strong><br />
Aguardando das lágrimas futuras<br />
A minha re<strong>de</strong>nção...<br />
Que a confiança, pois, em Ti me anime,<br />
Que no porvir a dor bela e sublime<br />
Jorre em minhalma a luz da perfeição.
193 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
34<br />
IGNÁCIO JOSÉ DE ALVARENGA<br />
PEIXOTO<br />
Redivivo<br />
IGNÁCIO José <strong>de</strong> Alvarenga Peixoto, um dos malogrados poetas da<br />
Conjuração Mineira”, ao qual foi imposta a pena <strong>de</strong> <strong>de</strong>gredo perpétuo na África,<br />
on<strong>de</strong> veio a falecer em 1793, “minado pela nostalgia”.<br />
REDIVIVO<br />
Divina lira,<br />
Musa que inspira<br />
Meu coração<br />
A relembrar...<br />
Celebra, amena,<br />
A vida plena,<br />
A paz sublime,<br />
A luz sem par.<br />
Volta, <strong>de</strong> novo<br />
Ao gran<strong>de</strong> povo<br />
Que não me canso<br />
De estremecer;<br />
Revela, ainda,<br />
A Pátria linda<br />
Que faz vibrar<br />
Todo o meu ser.<br />
Exalça agora<br />
A nova aurora<br />
Que brilha cheia<br />
De amor cristão.<br />
O mundo em prova<br />
Que se renova<br />
Espera o dia<br />
De re<strong>de</strong>nção.
194 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Unete ao canto<br />
Formoso e santo<br />
Que flui soberbo,<br />
Sepulcro além...<br />
Lira divina,<br />
Louva a doutrina<br />
Da liberda<strong>de</strong><br />
No eterno bem.<br />
Dize a gran<strong>de</strong>za<br />
Da glória acesa<br />
Na vida excelsa<br />
Que a dor produz,<br />
Proclama à Terra<br />
Que além da guerra<br />
E além da noite<br />
Floresce a luz.<br />
Não mais procures,<br />
Chorando alhures,<br />
Enfraquecerte<br />
Nas lutas mil.<br />
Canta somente,<br />
Ditosa e crente,<br />
A nova era<br />
Do meu Brasil.
195 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
35<br />
JESUS GONÇALVES<br />
Anjo <strong>de</strong> re<strong>de</strong>nção<br />
JESUS Gonçalves nasceu em 12 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1902, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Borebi,<br />
Estado <strong>de</strong> São Paulo. Surgindolhe os sintomas do Mal <strong>de</strong> Hansen, em 1930,<br />
internouse num hospital, dai se transferindo para o Asilo Colônia <strong>de</strong> Pirapitingui,<br />
on<strong>de</strong> <strong>de</strong>sencarnou, em 16 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1947, e on<strong>de</strong> dirigia um Centro Espírita.<br />
ANJO DE REDENÇÃO<br />
Do Céu <strong>de</strong>sceste resplen<strong>de</strong>nte e puro<br />
E no santo mistério em que te apagas<br />
Vestisteme o burel <strong>de</strong> sânie e chagas<br />
E algemasteme a lenho estranho e duro.<br />
Nume solar pairando no monturo,<br />
Terno, escon<strong>de</strong>ndo as flores com que afagas,<br />
Ouvisteme, em silêncio, o choro e as pragas,<br />
Doce e invisível no caminho escuro!...<br />
Mas, da cruz <strong>de</strong> feridas que me <strong>de</strong>ste,<br />
Libertaste meu ser à Luz Celeste,<br />
On<strong>de</strong>, sublime e fúlgido, flamejas!<br />
E agora brado, enfim, <strong>de</strong> alma robusta:<br />
— Deus te abençoe, ó Dor piedosa e justa,<br />
Anjo da re<strong>de</strong>nção! bendito sejas!...
196 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
36<br />
JOÃO DE DEUS<br />
As lágrimas O Céu – Morrer O mau discípulo – Na estrada <strong>de</strong><br />
Damasco <strong>Parnaso</strong> <strong>de</strong> AlémTúmulo Angústia materna <br />
Lamentos do órfão O leproso – Bonda<strong>de</strong> – Oração A Fortuna –<br />
Oração – Além – Soneto A Prece – Fraternida<strong>de</strong> – Lembrai a<br />
chama Eterna mensagem No Templo da Educação Na noite <strong>de</strong><br />
Natal<br />
NASCIDO em São Bartolomeu <strong>de</strong> Messines, Portugal, em 1830, e<br />
<strong>de</strong>sencarnado em 1896, afirmouse um dos maiores líricos da língua portuguesa. É<br />
tão bem conhecido no Brasil quanto em seu belo país. Nestas poesias palpita, <strong>de</strong><br />
modo inconfundível, a suavida<strong>de</strong> e o ritmo da sua lira.<br />
AS LÁGRIMAS<br />
Desci um dia<br />
Ao sorvedouro<br />
Da atra agonia<br />
Da Humanida<strong>de</strong>,<br />
A procurar,<br />
A perscrutar<br />
Qual a verda<strong>de</strong>,<br />
Qual o tesouro<br />
O mais profundo,<br />
Que neste mundo<br />
O homem pren<strong>de</strong>sse<br />
E o retivesse.<br />
E vi, então,<br />
No coração<br />
Da criatura,<br />
Só a ilusão<br />
Duma ventura.<br />
E vi senhores<br />
Que dominavam<br />
E se orgulhavam<br />
Do seu po<strong>de</strong>r,
197 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Sempre a abater<br />
Os <strong>de</strong>sgraçados.<br />
Os potentados<br />
Com seus valores<br />
Bem se julgavam<br />
Onipotentes,<br />
Heróis valentes<br />
Cá nesta vida...<br />
Depois, porém,<br />
Reconheceram<br />
E viram bem<br />
Nesta existência<br />
Toda a impotência<br />
Do <strong>de</strong>usmilhão,<br />
Perante a mão<br />
Da fria dor,<br />
Que lhes domava<br />
E lhes dobrava<br />
O torpe egoísmo.<br />
Busquei os lares,<br />
Ricos solares<br />
Dos protegidos,<br />
On<strong>de</strong> o conforto<br />
Para a matéria<br />
Anda em contraste<br />
Com atroz miséria<br />
Dos <strong>de</strong>svalidos.<br />
E ainda aí<br />
Não pu<strong>de</strong> achar<br />
O que eu ali<br />
Fui procurar.<br />
Eu vi mulheres<br />
Nos seus prazeres,<br />
Jovens e belas,<br />
Alvas estrelas<br />
De formosura,<br />
Rindo e cantando<br />
Dentro da noite<br />
Da <strong>de</strong>sventura.<br />
Pobres donzelas,<br />
Fanadas flores...<br />
Luz sem fulgores,
198 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Que, miseráveis<br />
Párias da vida,<br />
Deixam o teto<br />
Do seu afeto<br />
Maior, supremo,<br />
Insuperável.<br />
Somente encontram<br />
Dores que afrontam,<br />
Mágoa insanável,<br />
Incompreendida!<br />
E penetrei<br />
Pelos castelos<br />
Dourados, belos,<br />
Das diversões,<br />
On<strong>de</strong> se aninha<br />
E se amesquinha<br />
A multidão<br />
Que busca rir,<br />
Gozar, sorrir,<br />
A ver se esquece<br />
O que pa<strong>de</strong>ce,<br />
Julgando crer<br />
Que está a ver<br />
O paraíso.<br />
Mas este riso,<br />
Ao som da festa,<br />
À meia luz,<br />
É o que produz<br />
Todo o amargor,<br />
A maior dor,<br />
Pois eu ali<br />
Tristonho vi<br />
O que em verda<strong>de</strong><br />
É a socieda<strong>de</strong>;<br />
Só pensamentos<br />
Das impurezas,<br />
Só sentimentos<br />
Que trazem presas,<br />
Aniquiladas,<br />
E esmagadas,<br />
Ensan<strong>de</strong>cidas<br />
As criaturas<br />
Outrora puras,
199 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Belas outrora,<br />
No entanto agora<br />
Flores perdidas,<br />
Almas impuras,<br />
Desiludidas!<br />
Nesse recinto<br />
Eu vi, então,<br />
A traição,<br />
A iniquida<strong>de</strong>,<br />
A grosseria,<br />
Toda a malda<strong>de</strong><br />
Da hipocrisia;<br />
E tudo, enfim,<br />
Tristonho assim,<br />
Dissimulado,<br />
Falsificado<br />
No fingimento<br />
Que aparecia<br />
No barulhento<br />
Rumor <strong>de</strong> vozes,<br />
Notas atrozes,<br />
De uma alegria<br />
Jamais sentida,<br />
Desconhecida<br />
Naquele meio.<br />
Eu contempleio<br />
Cheio <strong>de</strong> horror<br />
E vi que as flores,<br />
As pedrarias<br />
Tão luminosas,<br />
Eram sombrias,<br />
Eram trevosas,<br />
Pois só cobriam<br />
Míseros trapos,<br />
Pobres farrapos<br />
De almas perjuras<br />
Ao seu Criador,<br />
Fracas criaturas<br />
Baldas <strong>de</strong> amor.<br />
E, condoído,<br />
Desiludido,<br />
Desanimado,<br />
Num forte brado<br />
Disse ao Senhor:
200 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
“Onipotente<br />
Pai <strong>de</strong> Bonda<strong>de</strong>,<br />
Oh tem pieda<strong>de</strong><br />
Dos filhos teus<br />
Que choram, gemem,<br />
Pálidos tremem<br />
Ó Senhor Deus!<br />
Faze que a luz<br />
Do bom Jesus<br />
Penetre a alma<br />
Na Terra aflita,<br />
Dandolhe a calma<br />
Que necessita.<br />
Só conheci<br />
E encontrei,<br />
Só contemplei<br />
O mal que vi.”<br />
Mas uma vos<br />
Do azul do Céu,<br />
Pronta e veloz,<br />
Me respon<strong>de</strong>u:<br />
“Filho bendito<br />
Do meu amor,<br />
Sou teu Senhor,<br />
E no Infinito<br />
Tudo o que fiz,<br />
Nada se per<strong>de</strong>,<br />
Assim tornando<br />
O ser feliz.<br />
Contempla, ainda,<br />
A Terra linda<br />
E então verás,<br />
Don<strong>de</strong> provém<br />
A gran<strong>de</strong> paz,<br />
O sumo bem.<br />
O grão tesouro,<br />
Mais fino ouro<br />
Dos filhos meus,<br />
Está na luta,<br />
Nos prantos seus,<br />
Que lhes transforma<br />
A alma poluta<br />
Num ser radioso,<br />
Astro formoso<br />
De pura luz!”
201 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Eu ajoelhei<br />
E Contemplei<br />
As multidões<br />
Atropeladas,<br />
Desenganadas<br />
Nas perdições.<br />
Vi transformadas<br />
Todas as cenas;<br />
Em todos os seres,<br />
Homens, mulheres,<br />
Jovens, crianças,<br />
Nas gran<strong>de</strong>s penas,<br />
Nas esperanças,<br />
Por entre a luz,<br />
Por entre flores,<br />
Brotar a flux<br />
No coração<br />
De cada ser,<br />
Em profusão,<br />
Gotas pequenas<br />
Como as brilhantes<br />
Luzes serenas<br />
Das madrugadas<br />
Primaveris.<br />
Reconheci<br />
Que por aí<br />
Na escura Terra<br />
On<strong>de</strong> eu amei,<br />
Sorri, chorei,<br />
On<strong>de</strong> sofri<br />
E on<strong>de</strong> eu vi<br />
A dura guerra,<br />
A amarga dor,<br />
Lágrimas belas,<br />
Gotas singelas,<br />
Meigas, serenas,<br />
Eram açucenas<br />
De fino olor<br />
Do espaço azul!<br />
Depois, eu vi<br />
Que os que as vertiam<br />
Por este mundo,<br />
Vale profundo
202 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
De mágoa e dor,<br />
Quando voltavam<br />
Do seu exílio,<br />
Eram saudados<br />
Por mensageiros<br />
De amor e luz<br />
Do bom Jesus,<br />
Que os coroavam<br />
Com gemas finas,<br />
Jóias divinas<br />
Do escrínio santo,<br />
Primor <strong>de</strong> encanto<br />
Do amor <strong>de</strong> Deus.<br />
Fui então vendo,<br />
Reconhecendo<br />
Que aqui nos Céus,<br />
Lágrimas lindas<br />
São transformadas,<br />
Remo<strong>de</strong>ladas<br />
Para formarem<br />
Belo dia<strong>de</strong>ma<br />
E aureolarem<br />
Os que as verteram<br />
Aí na Terra.<br />
E vi, então,<br />
Em profusão,<br />
Gemas brilhantes,<br />
Alvinitentes,<br />
Ricas, fulgentes<br />
E <strong>de</strong>slumbrantes,<br />
Que nem Ofir<br />
Pô<strong>de</strong> possuir.<br />
Sejam benditas,<br />
As pequenitas<br />
Gotas <strong>de</strong> pranto,<br />
Orvalho santo<br />
Do amor divino<br />
Que dá ventura,<br />
Tranquilida<strong>de</strong>,<br />
Felicida<strong>de</strong><br />
Ao peregrino.<br />
Bendito o Pai,<br />
O Nosso Deus
203 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Que abranda o ai<br />
Dos filhos seus;<br />
Que a alegria<br />
E a paz envia<br />
À Humanida<strong>de</strong><br />
Tão sofredora,<br />
Com a lágrima bela,<br />
Luzente estrela<br />
Consoladora!<br />
O CÉU<br />
Pátria ditosa e linda, e on<strong>de</strong> o mal<br />
Desaparece ao meigo olhar do Amor,<br />
Que entre os seres do Além é sempre igual,<br />
No mesmo anseio santo e superior!<br />
Lá não se vê traição e cada qual<br />
Ur<strong>de</strong> ali sua auréola <strong>de</strong> esplendor,<br />
Doce Mansão <strong>de</strong> Paz, imaterial,<br />
On<strong>de</strong> impera a bonda<strong>de</strong> do Senhor!<br />
Porto <strong>de</strong> Salvação para quem crê<br />
Nessa Praia do Azul, que se antevê,<br />
Pelo po<strong>de</strong>r da Fé, na provação;<br />
País dos Céus, aon<strong>de</strong> o pecador,<br />
Depois <strong>de</strong> bem sofrer aí a dor,<br />
Vai ali encontrar Consolação.
204 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
MORRER<br />
Não mais a dor intensa e <strong>de</strong>smedida<br />
No momento angustioso <strong>de</strong> morrer,<br />
Nem o pranto pungente por se ver<br />
Um ser amado em horas da partida!...<br />
A morte é um sono doce; basta crer<br />
Na Paz do Céu, na Terra apetecida,<br />
Para. se achar o Amor, a. Luz e a Vida,<br />
On<strong>de</strong> há trégua à tristeza e ao pa<strong>de</strong>cer.<br />
Venturosa região do espaço<br />
Além, On<strong>de</strong> brilha a Verda<strong>de</strong> e on<strong>de</strong> o Bem<br />
É o fanal reluzente que conduz;<br />
Mansão <strong>de</strong> clarida<strong>de</strong> e pulcritu<strong>de</strong><br />
On<strong>de</strong> os bons, que adoraram a Virtu<strong>de</strong>,<br />
Gozam do afeto extremo <strong>de</strong> Jesus.<br />
O MAU DISCÍPULO<br />
Era uma alma<br />
Formosa e bela:<br />
Fúlgida estrela<br />
De puro alvor,<br />
Que habitava<br />
Qual uma flor<br />
O espaço infindo,<br />
Imenso e lindo,<br />
Nessas regiões<br />
On<strong>de</strong> há mansões<br />
Purificadas,<br />
Iluminadas<br />
Do Criador.<br />
Porém, um dia,<br />
Disse Jesus<br />
A quem vivia<br />
Em meio à luz:<br />
“Filho querido,<br />
Estremecido,<br />
Dos meus afetos!<br />
Tu necessitas
205 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Buscar a Vida<br />
Em meio às vagas<br />
Das provações!<br />
Dentro das lutas,<br />
Tredas disputas<br />
Do Bem, do Mal,<br />
É que verei<br />
Se o que ensinei<br />
Ao teu valor,<br />
Aproveitaste<br />
E assimilaste<br />
Em benefício<br />
Da lei do amor,<br />
Do sacrifício!...<br />
Tens a fraqueza<br />
Da imperfeição<br />
Aqui, porém,<br />
Já te mostrei<br />
A lei do amor,<br />
Luz do Senhor —<br />
O sumo bem.<br />
Tu lutarás,<br />
Mas vencerás<br />
Se bem souberes<br />
Te conduzir<br />
Nesses caminhos<br />
Entre prazeres,<br />
Risos e flores,<br />
Por entre espinhos,<br />
Mágoas e dores...<br />
E se apren<strong>de</strong>res<br />
Saber viver,<br />
Sorrir, sofrer,<br />
Conquistarás<br />
A gran<strong>de</strong> paz,<br />
A gran<strong>de</strong> luz<br />
Que eu, teu Jesus,<br />
Reservarei<br />
E hei <strong>de</strong> guardar<br />
Para a tua alma,<br />
Ao regressar.
206 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
A dor, somente<br />
A luta amara<br />
Lá nos prepara<br />
Para vivermos,<br />
Tranquilamente,<br />
Nessas moradas<br />
Iluminadas<br />
Do nosso Pai!<br />
Luta e trabalha<br />
Singelamente<br />
Nessa batalha<br />
Que te ofereço,<br />
Pra conquistares<br />
A luz, o amor<br />
Do teu Senhor.<br />
Tu viverás<br />
Entre os brasões<br />
Das ilusões<br />
Da Terra impura;<br />
Conhecerás<br />
Lindas riquezas<br />
Iluminando<br />
E te ensinando<br />
O bom caminho,<br />
A boa estrada<br />
E com carinho<br />
Sempre a mostrarte<br />
A carida<strong>de</strong><br />
Com toda a luz<br />
Que ministrei<br />
Ao teu pensar,<br />
E ora conduz<br />
Teus sentimentos,<br />
Teus pensamentos,<br />
A perfeição<br />
Do coração.<br />
Caminha avante,<br />
Na <strong>de</strong>slumbrante<br />
Rota do amor!<br />
Espalha o olor<br />
Que já plantei<br />
E fiz brotar,<br />
Que cultivei
207 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Dentro em teu ser.<br />
Sê sempre amigo<br />
Dos sofredores,<br />
Dos que pa<strong>de</strong>cem<br />
Sem conhecer<br />
Sequer abrigo<br />
On<strong>de</strong> isolarse,<br />
On<strong>de</strong> guardarse<br />
Das fortes dores<br />
Que acometem<br />
Os sofredores.<br />
Sê a Bonda<strong>de</strong><br />
Entre a malda<strong>de</strong><br />
Dos homens feros,<br />
Ambiciosos,<br />
Frios, austeros,<br />
Pecaminosos.<br />
Se assim fizeres<br />
E proce<strong>de</strong>res,<br />
Sempre cumprindo<br />
Os teus <strong>de</strong>veres,<br />
Tornarteás<br />
Em verda<strong>de</strong>iro<br />
Anjo da paz,<br />
Em mensageiro<br />
Do Deus <strong>de</strong> amor.<br />
Assim darás<br />
A Humanida<strong>de</strong><br />
O testemunho<br />
Da carida<strong>de</strong><br />
Do teu Senhor!”<br />
A alma formosa<br />
Então <strong>de</strong>sceu<br />
Para lutar,<br />
A conquistar<br />
Maior ventura,<br />
Rútila e pura<br />
Aqui no Céu.
208 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Então, nasceu<br />
Num lar ditoso,<br />
Régio, faustoso,<br />
Dos venturosos,<br />
On<strong>de</strong> a alegria<br />
Reinava, e ria<br />
Constantemente,<br />
Proporcionando<br />
A rica gente<br />
Que o habitava<br />
Os belos gozos,<br />
Lindos, formosos,<br />
Mas irreais,<br />
Desses palácios<br />
Materiais.<br />
Ainda criança,<br />
Era adorado,<br />
Felicitado<br />
Nessa abastança;<br />
Naquele lar,<br />
Rico alcaçar<br />
Dos abastados,<br />
Ele então era<br />
A primavera<br />
Dos áureos sonhos<br />
Dos pais amados!<br />
Assim cresceu,<br />
Belo esplen<strong>de</strong>u,<br />
Na mocida<strong>de</strong>.<br />
Ganhou saber<br />
Nobilitante,<br />
A luz brilhante<br />
Dessa ciência<br />
Que, na existência,<br />
Por planetária,<br />
Faz com que a alma<br />
Se torne egoísta<br />
E refratária<br />
A lei <strong>de</strong> Deus.<br />
Tornouse esquivo,<br />
Cruel e altivo<br />
A Humanida<strong>de</strong><br />
Não praticando<br />
Mas renegando<br />
A carida<strong>de</strong>.
209 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
O que apren<strong>de</strong>ra<br />
No Infinito<br />
E prometera<br />
Ao bom Jesus,<br />
Tudo esquecera<br />
Em <strong>de</strong>trimento<br />
Do sentimento<br />
Que então trouxera,<br />
Cheio <strong>de</strong> luz.<br />
Refugiouse<br />
Na vã Ciência,<br />
Despreocupouse<br />
Com a consciência.<br />
Na Aca<strong>de</strong>mia<br />
Dos homens sábios,<br />
Ele esplen<strong>de</strong>u<br />
No vão saber;<br />
O infeliz ser<br />
Viveu dos lábios,<br />
Seu coração<br />
Jamais viveu!<br />
Foi uma flor,<br />
Mas sem olor;<br />
Fulgiu, brilhou,<br />
Mas renegou<br />
A lei do amor.<br />
E da existência<br />
Da própria alma<br />
Por fim <strong>de</strong>screu,<br />
A relegar,<br />
Como um ateu,<br />
Filho do Mal,<br />
A imensa luz<br />
Espiritual.<br />
Foi refratário<br />
Ao próprio afeto<br />
Dos pais que o amavam<br />
E idolatravam<br />
Com mór ternura,<br />
Dele esperando<br />
Sua ventura.<br />
Os próprios filhos,<br />
Suaves brilhos<br />
Da nossa vida,<br />
Nossa esperança
210 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Encantadora,<br />
Os <strong>de</strong>sprezou,<br />
Somente amando<br />
Sua ciência<br />
Enganadora.<br />
Só procurou<br />
Brilhar, fulgir;<br />
Nunca buscou,<br />
Assim, cumprir<br />
Sua missão.<br />
Sempre espalhou,<br />
Em profusão,<br />
Suas i<strong>de</strong>ias<br />
Tristonhas, feias,<br />
Do ateísmo<br />
Desventurado.<br />
Nunca estancou<br />
Uma só lágrima;<br />
Nunca pensou<br />
Uma ferida,<br />
Que brota n’alma<br />
Desiludida;<br />
Não consolou<br />
O que sofria,<br />
De quem fugia<br />
Sem compaixão!<br />
Enfim, viveu<br />
Só na Ciência,<br />
Nessa existência<br />
Que passa breve!.<br />
O ingrato teve<br />
Mil ocasiões<br />
De praticar<br />
Boas ações<br />
E espalhar<br />
O amor e a luz<br />
Que o bom Jesus<br />
Lhe conce<strong>de</strong>ra:<br />
Mas, infeliz,<br />
Jamais o quis.<br />
Porém, um dia,<br />
A Parca fria,<br />
A morte amara,<br />
Cruel, avara<br />
E dolorosa,
211 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
O arrebatara<br />
Nessa escabrosa<br />
Escura via,<br />
E o conduziu<br />
Para o Infinito,<br />
On<strong>de</strong>, num grito,<br />
Ele acordou<br />
Do seu letargo,<br />
Do sono amargo<br />
Em que viveu.<br />
Ao <strong>de</strong>scerrar<br />
O negro véu<br />
Do esquecimento,<br />
Sentiu seus olhos<br />
Enevoados,<br />
Tristes abrolhos<br />
No pensamento!<br />
Olhou o abismo<br />
Do pessimismo<br />
Em que vivera,<br />
Por on<strong>de</strong> sempre<br />
Se comprazera.<br />
Sentiuse, então,<br />
Abandonado,<br />
Amargurado<br />
Na aflição!<br />
Somente, assim,<br />
Dentro da dor,<br />
Lembrou <strong>de</strong> Deus,<br />
Do seu amor,<br />
A implorar<br />
Da luz dos Céus<br />
Consolação!<br />
Das profun<strong>de</strong>zas<br />
Do coração,<br />
Íntima voz<br />
Disselhe então:<br />
“Ó mau discípulo,<br />
Em quem eu pus<br />
Todo o esplendor<br />
Da minha luz,<br />
Do meu amor!
212 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Tu te per<strong>de</strong>ste<br />
Por teu querer,<br />
Pelo viver<br />
Que <strong>de</strong>mandaste.<br />
Jamais soubeste<br />
Te conduzir,<br />
E assim cumprir<br />
O teu <strong>de</strong>ver.<br />
Por isso, agora,<br />
Minhalma chora<br />
Ao ver que és<br />
Mísero ser.<br />
Tu renegaste<br />
E <strong>de</strong>sprezaste<br />
A inspiração<br />
Do Deus <strong>de</strong> Amor!<br />
Tua missão<br />
Que era amar<br />
E assim curar<br />
A alheia dor,<br />
Em luz perdida,<br />
Foi convertida<br />
Em fero braço<br />
Esmagador.<br />
O gran<strong>de</strong> amor<br />
— Fraternida<strong>de</strong>,<br />
Que então <strong>de</strong>vias,<br />
Entre alegrias,<br />
Oferecer<br />
À Humanida<strong>de</strong>,<br />
O abafaste<br />
Como se fosse<br />
Assaz mesquinho,<br />
Quando só ele<br />
É o caminho<br />
Que nos conduz<br />
À salvação,<br />
À perfeição,<br />
À região<br />
Da pura luz!<br />
Sempre esqueceste<br />
Os teus <strong>de</strong>veres.<br />
Dos próprios seres<br />
Que te adoravam,
213 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Que mais te amavam,<br />
Foste inimigo,<br />
E até negaste<br />
A existência<br />
Da própria alma,<br />
A consciência!<br />
Constantemente,<br />
Continuamente,<br />
Foste um ingrato<br />
E eu te julgara<br />
Um lutador<br />
Intimorato...”<br />
Calouse a voz.<br />
E o pranto atroz<br />
Jorrou, então,<br />
Do coração<br />
Do miserável,<br />
Ser execrável<br />
Que não soubera<br />
E nem quisera<br />
Compreen<strong>de</strong>r<br />
O seu <strong>de</strong>ver.<br />
Entre lamentos<br />
E dissabores,<br />
Pa<strong>de</strong>cimentos,<br />
Frios horrores,<br />
Ele chorou<br />
E lamentou,<br />
Por muitos anos,<br />
Seus <strong>de</strong>senganos<br />
Na senda triste,<br />
Fatal, amara,<br />
Que assim trilhara<br />
Na perdição.<br />
Envergonhado,<br />
Espezinhado<br />
Na sua queda,<br />
Correu sozinho<br />
O mundo inteiro,<br />
Qual caminheiro<br />
A quem negassem<br />
Um só carinho.<br />
Perambulou<br />
Qual Aasvero,<br />
Sofreu, clamou,
214 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Supliciado;<br />
E, muitas vezes,<br />
O seu olhar,<br />
Amargurado,<br />
Triste pousou<br />
Sobre o lugar<br />
On<strong>de</strong> pecou.<br />
A pobre mão<br />
Sempre esten<strong>de</strong>u<br />
Pedindo o pão,<br />
Pedindo luz,<br />
A lamentar<br />
A sua cruz!<br />
Jamais alguém<br />
Quis escutálo;<br />
O mesmo bem<br />
Que ele fizera,<br />
Assim lhe era<br />
Retribuido...<br />
E o pobre Espírito<br />
Desiludido,<br />
Desanimado,<br />
Desamparado,<br />
Só encontrava<br />
Consolação<br />
Nas lágrimas tristes<br />
Que <strong>de</strong>rramava<br />
Em profusão.<br />
Até que um dia<br />
Em que sofria,<br />
Mais pa<strong>de</strong>cia<br />
A dor feroz,<br />
Cruel e atroz,<br />
A alma triste<br />
E solitária,<br />
Experimentada,<br />
Extenuada<br />
No atro sofrer,<br />
Cheia <strong>de</strong> unção<br />
Por entre prantos,<br />
Formosos, santos,<br />
Disse ao Senhor<br />
Numa oração:
215 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
“Ó Mestre Amado,<br />
Sei que hei pecado<br />
E transgredido<br />
As tuas leis,<br />
Tendo comigo<br />
A tua luz,<br />
Ó bom Jesus!<br />
E mesmo assim,<br />
Eu me perdi<br />
Por meu querer,<br />
Pois não cumpri<br />
O meu <strong>de</strong>ver!...<br />
Fui a grilheta<br />
Da impieda<strong>de</strong>,<br />
Pobre calceta<br />
Da iniquida<strong>de</strong>.<br />
Mas tu que és bom,<br />
Tão justo e santo,<br />
Sabes do pranto<br />
Das minhas dores,<br />
No meu viver<br />
Sem luz, sem flores,<br />
E hás <strong>de</strong> acolher<br />
Minha oração<br />
Cheia <strong>de</strong> fé!...<br />
Dáme o acúleo<br />
Da expiação,<br />
Para que seja<br />
Exterminado<br />
O meu orgulho.<br />
Oh! dáme agora<br />
A nova aurora<br />
De uma existência<br />
De provação.<br />
Quero sofrer<br />
Dura pobreza,<br />
Sempre viver<br />
Na singeleza.<br />
O meu <strong>de</strong>sejo<br />
É só voltar<br />
À Terra impura<br />
On<strong>de</strong> eu pequei,<br />
Para ofertar<br />
À criatura<br />
O gran<strong>de</strong> amor
216 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Que lhe neguei.<br />
Não quero ter<br />
Nem um só dia<br />
Dessa alegria<br />
Que <strong>de</strong>sfrutei,<br />
Mas só trazer<br />
No coração<br />
Todo o amargor<br />
Da privação.<br />
Não quero ver<br />
O <strong>de</strong>albar<br />
De uma esperança;<br />
O próprio lar,<br />
On<strong>de</strong> se encontra<br />
Maior ventura,<br />
Não quero ter;<br />
Nunca, jamais,<br />
Hei conhecer<br />
O que é sorrir!<br />
Quero existir<br />
Desconhecido,<br />
Incompreendido<br />
Em minha dor;<br />
Então serei<br />
Ramo perdido,<br />
Árido e seco<br />
Pelo vergel<br />
Enflorescido.<br />
Conhecerei<br />
A dor cruel<br />
Que nos retalha<br />
O coração.<br />
Nessa batalha<br />
Que empreen<strong>de</strong>rei,<br />
Quero ganhar<br />
E conquistar<br />
A luz, o pão,<br />
O agasalho,<br />
Com meu trabalho.<br />
Eu só almejo<br />
Compreensão<br />
Para mostrar<br />
O teu perdão,<br />
Claro e sublime<br />
Para o meu crime,
217 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Ó bom Jesus,<br />
Ó Mestre Amado!<br />
Eu lutarei<br />
E chorarei<br />
Nas rijas dores<br />
Mais inclementes,<br />
Nos turbilhões<br />
Incan<strong>de</strong>scentes<br />
Das amarguras,<br />
Cruéis e duras<br />
Das aflições.<br />
Agora eu vejo<br />
Que na existência<br />
A grã ciência<br />
Só é grandiosa,<br />
Só é formosa,<br />
Quando aliada<br />
Da carida<strong>de</strong>,<br />
O puro amor.<br />
Quero com ardor<br />
Bem conquistar<br />
A perfeição!<br />
Serei, portanto,<br />
Neste planeta,<br />
Como a violeta<br />
Sob a folhagem...<br />
Viver somente<br />
Pela voxagem<br />
Das <strong>de</strong>sventuras.<br />
Quero sofrer<br />
Com humilda<strong>de</strong>,<br />
E sempre ter<br />
Em mim bonda<strong>de</strong>,<br />
Feliz dulçor<br />
Da carida<strong>de</strong>!...”<br />
E o Mestre Amado,<br />
Compa<strong>de</strong>cido<br />
Do pobre Espírito<br />
Dilacerado,<br />
Enfim, perdido,<br />
Deulhe o perdão,<br />
A permissão<br />
Para voltar<br />
A antiga arena —Luta terrena,<br />
Oferecendolhe
218 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Ocasião<br />
Para tornarse<br />
Mais venturoso<br />
E sempre digno<br />
Do seu perdão.<br />
Seja bendito,<br />
Pelo infinito<br />
Desenrolar<br />
E perpassar<br />
De toda a ida<strong>de</strong>,<br />
O bom Jesus,<br />
Que, com sua luz<br />
E terno amor,<br />
Escuta a prece<br />
De quem pa<strong>de</strong>ce,<br />
Fazendo assim<br />
Desabrochar<br />
O <strong>de</strong>albar<br />
Das alvoradas<br />
Iluminadas<br />
De muitas vidas,<br />
Belas, queridas,<br />
Para lutarmos<br />
E nos tornarmos<br />
Dignos do Amor<br />
Inigualável,<br />
Incomparável,<br />
Do Criador!<br />
NA ESTRADA DE DAMASCO<br />
Num certo dia<br />
A Ambição,<br />
De parceria<br />
Com o Orgulho,<br />
Chamou o homem<br />
Jatancioso,<br />
Ru<strong>de</strong> e cioso<br />
Do seu po<strong>de</strong>r<br />
E vão saber,<br />
E assim lhe disse:
219 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
“Homem, tu és<br />
Senhor potente,<br />
Gran<strong>de</strong> e valente<br />
Aqui no mundo;<br />
E se quiseres<br />
Tornarte um rei<br />
Da imensa grei<br />
Da Criação,<br />
É só viveres<br />
A procurar<br />
Mais dominar<br />
Os elementos<br />
A transudar<br />
Nos sentimentos.<br />
Maior coragem<br />
Para ganhares<br />
Sempre vantagem<br />
No teu viver,<br />
E conquistares<br />
Sempre o po<strong>de</strong>r<br />
Dos triunfantes.<br />
Aos semelhantes<br />
Em vez <strong>de</strong> amálos<br />
Tais como irmãos,<br />
Fazeos vassalos<br />
No teu reinado,<br />
Glorificado<br />
De grãosenhor!”<br />
E o pecador,<br />
Ser imperfeito<br />
Se achasse embora,<br />
A seu agrado,<br />
Bem satisfeito,<br />
Foi sem <strong>de</strong>mora<br />
Então chamado<br />
Por um juiz<br />
De retidão,<br />
Que é a Consciência,<br />
Nesta existência<br />
De provação,<br />
Que então lhe diz:<br />
“Mas, e o bom Deus<br />
Que está nos Céus,<br />
Que tudo vê,<br />
Sabendo assim
220 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Quanto a tua alma<br />
Dele <strong>de</strong>scrê<br />
Ele é o teu Pai,<br />
O Criador,<br />
O Deus <strong>de</strong> amor.<br />
E o bom Jesus,<br />
Nosso Senhor,<br />
Mestre da luz,<br />
O Filho amado<br />
Que à Terra veio,<br />
A este mundo<br />
Ingrato e feio<br />
A redimir,<br />
E assim banir<br />
O teu pecado<br />
Ele te amou<br />
E te ensinou<br />
Que ao teu irmão<br />
Tu <strong>de</strong>ves dar,<br />
Nunca negar<br />
A tua mão;<br />
E espalhar<br />
Somente amor,<br />
A relegar<br />
Toda a malda<strong>de</strong>,<br />
Para que um dia<br />
Te fosse dado<br />
Reconhecer,<br />
Com alegria,<br />
O solo amado<br />
Do eldorado<br />
Dos belos sonhos,<br />
Lindos, risonhos,<br />
Do teu viver.<br />
Assim, procura<br />
Melhor ventura<br />
Em só buscar,<br />
Acompanhar,<br />
Seguir Jesus<br />
Em sua dor,<br />
Em seu amor,<br />
Em sua cruz!”
221 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Mas, o tal homem<br />
Tão orgulhoso,<br />
Que já se achava<br />
Bem po<strong>de</strong>roso,<br />
Achou estranho<br />
Esse conselho:<br />
Rigor tamanho<br />
Não po<strong>de</strong>ria;<br />
Isso seria<br />
Obe<strong>de</strong>cer<br />
E se humilhar;<br />
E ele havia<br />
Aqui nascido<br />
Só para ser<br />
Obe<strong>de</strong>cido,<br />
Tendo o po<strong>de</strong>r<br />
Pra dominar.<br />
Assim, buscou<br />
E perguntou<br />
Aos companheiros<br />
Eles, então,<br />
Lhe respon<strong>de</strong>ram<br />
No mais profundo<br />
Do coração:<br />
— “Esse conselho<br />
É muito velho!<br />
Deus é irrisão.<br />
E o tal Jesus,<br />
Com sua cruz<br />
E seu calvário<br />
Somente foi<br />
Um visionário.<br />
Enquanto ele<br />
Só te oferece<br />
Amargas dores.<br />
Desolações,<br />
Tristes agruras,<br />
Cruéis espinhos,<br />
Nós conce<strong>de</strong>mos<br />
Ao teu valor<br />
De grãosenhor<br />
Sublimes flores,<br />
Lindos brasões,<br />
Gran<strong>de</strong>s venturas<br />
Nesses caminhos
222 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Quem mais souber<br />
Gozar e rir,<br />
Mais saberá<br />
O que é existir.<br />
A vida aqui<br />
Só é formosa<br />
Para quem goza;<br />
E pois, assim,<br />
Vale o gozar<br />
Constantemente,<br />
Pois vindo a Parca<br />
Bem <strong>de</strong> repente,<br />
Há <strong>de</strong> levar<br />
Esse teu sonho<br />
De amar, sofrer,<br />
Ao caos medonho<br />
Do mais nãoser;<br />
Porque a morte<br />
Tão renegada,<br />
Essa é apenas<br />
O frio nada.<br />
O louco amor<br />
Do teu Jesus,<br />
Exprime a dor<br />
E não a luz.”<br />
E assim, quando<br />
O homem fraco<br />
E miserando<br />
Mais se exaltou<br />
E se jatou,<br />
Onipotente,<br />
Chegou a Dor<br />
Humil<strong>de</strong>mente,<br />
A lapidária,<br />
A eterna obreira,<br />
A mensageira<br />
Da perfeição,<br />
Nessa oficina<br />
Gran<strong>de</strong> e divina<br />
Da Criação;
223 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Fêlo abatido<br />
E <strong>de</strong>solado,<br />
Até enojado<br />
Do corpo seu:<br />
Apodreceu<br />
O seu tesouro.<br />
E o homemrei<br />
Reconheceu<br />
Que o paraíso<br />
Dos sãos prazeres<br />
Vive nas luzes<br />
Só da virtu<strong>de</strong>,<br />
No cumprimento<br />
Dos seus <strong>de</strong>veres,<br />
Na humilda<strong>de</strong>,<br />
Na carida<strong>de</strong>,<br />
Na mansuetu<strong>de</strong>,<br />
Na submissão<br />
Do coração<br />
Ao sofrimento,<br />
Quando aprouver<br />
Ao Deus <strong>de</strong> Amor<br />
Oferecer<br />
Ru<strong>de</strong> amargor<br />
Ao nosso ser.<br />
Depois, então,<br />
De mui sofrer<br />
E pa<strong>de</strong>cer<br />
Na expiação,<br />
Reconheceu<br />
A nulida<strong>de</strong>,<br />
A fatuida<strong>de</strong><br />
Da vil matéria!<br />
Na atroz miséria<br />
Dessa agonia,<br />
Só procurou<br />
Buscar se via<br />
Os seus mentores<br />
Enganadores,<br />
Altivos filhos<br />
Da veleida<strong>de</strong>.
224 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Só encontrou<br />
O juiz reto,<br />
O Magistrado<br />
Incorrutível<br />
Da consciência,<br />
E que, num brado<br />
In<strong>de</strong>scritível,<br />
Em consequência,<br />
Lhe fez com ardor<br />
Ao coração<br />
Ermo <strong>de</strong> afeto,<br />
Ermo <strong>de</strong> amor,<br />
A mais tremenda<br />
Acusação!<br />
É o que acontece<br />
Em toda a ida<strong>de</strong>,<br />
Com a maioria<br />
Da Humanida<strong>de</strong>;<br />
Pois sempre esquece<br />
Os seus <strong>de</strong>veres<br />
E se submerge<br />
Nos vãos prazeres.<br />
Para a alegria<br />
Fatal converge<br />
O seu viver,<br />
Para o enganoso,<br />
Efêmero gozo<br />
Do material,<br />
A esquecer<br />
Tudo o que seja<br />
Espiritual.<br />
Feliz <strong>de</strong> quem<br />
Aí procura<br />
Maior ventura<br />
No sumo bem;<br />
Porque verá,<br />
Contemplará<br />
Todo o esplendor.<br />
A eterna luz,<br />
Do eterno amor<br />
Do bom Jesus.
225 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Além do túmulo o Espírito inda canta<br />
Seus i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> paz, <strong>de</strong> amor e luz,<br />
No ditoso país on<strong>de</strong> Jesus<br />
Impera com bonda<strong>de</strong> sacrossanta.<br />
Nessas mansões, a lira se levanta<br />
Glorificando o Amor que em Deus transluz,<br />
Para o Bem exalçar, que nos conduz<br />
A divina alegria, pura. e santa.<br />
Dessa Castélia eterna da Harmonia<br />
Transborda a luz excelsa da Poesia,<br />
Que a Terra toda inunda <strong>de</strong> esplendor.<br />
Hinos das esperanças espargidos<br />
Sobre os homens, tornandoos mais unidos,<br />
Na ascensão para o Belo e para o Amor.<br />
ANGÚSTIA MATERNA<br />
“Ó Lua branca, suave e triste,<br />
A Mãe pedia, fitando o céu —<br />
Dizeme, Lua, se acaso viste<br />
Nos firmamentos o filho meu.<br />
A Morte ingrata, fria e impiedosa,<br />
Deixou vazio meu doce lar,<br />
Deixou minhalma triste e chorosa,<br />
Rouboume o sonho — <strong>de</strong>ume o penar.<br />
Se tu soubesses, Lua serena,<br />
Como era grácil, que encantador<br />
Meu anjo belo como a açucena,<br />
Cheio <strong>de</strong> vida, cheio <strong>de</strong> amor!...”<br />
Disselhe a Lua — “Eu sei do encanto,<br />
Dum filho amado que a gente tem;<br />
E das ausências conheço o pranto,<br />
Oh! se o conheço, conheçoo bem!...<br />
— “Então, respon<strong>de</strong>me sem <strong>de</strong>mora,<br />
Continuava, sempre a chorar:<br />
Em qual estrela cheia <strong>de</strong> aurora<br />
Foi o meu anjo se agasalhar.. .“
226 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
— “Mas não o avistas — respon<strong>de</strong>lhe ela —<br />
Naquela estrela que tremeluz<br />
Abre teus olhos... É bem aquela<br />
Que anda cantando no céu <strong>de</strong> luz.”<br />
E a Mãe aflita, martirizada,<br />
Fitou a estrela que lhe sorriu,<br />
Sentiulhe os raios, extasiada,<br />
E dos seus cantos, feliz, ouviu:<br />
— “Ilha pacífica, da esperança,<br />
Sou eu no mar do éter infindo;<br />
Do sofrimento mato a lembrança<br />
E abro o futuro, ditoso e lindo.<br />
Do Senhor tenho doce trabalho,<br />
Missão que é toda só <strong>de</strong> alegrias:<br />
Flores reparto cheias <strong>de</strong> orvalho,<br />
Flores que afastam as agonias.”<br />
— “Quase te o<strong>de</strong>io, luz <strong>de</strong> alvorada,<br />
Ó linda estrela que adorna o céu,<br />
Gritoulhe a pobre <strong>de</strong>sconsolada,<br />
Porque tu guardas o filho meu.”<br />
— “Se tu me o<strong>de</strong>ias, se me <strong>de</strong>testas,<br />
Contudo eu te amo e pergunto: quem<br />
Não tem sauda<strong>de</strong>s das minhas festas<br />
O teu anjinho teveas também.<br />
Em mim a noite não tem guarida,<br />
Aqui terminam os dissabores;<br />
Aqui em tudo floresce a vida,<br />
Vida risonha, cheia <strong>de</strong> flores!...”<br />
A mãe saudosa, banhada em pranto,<br />
Notou <strong>de</strong> logo seu filho lindo,<br />
Todo vestido dum brilho santo,<br />
Num belo raio <strong>de</strong> luz, sorrindo...<br />
Disselhe o filho — “Tive <strong>de</strong>veras<br />
Muita sauda<strong>de</strong>, mãezinha amada,<br />
Senti a falta das primaveras,<br />
Senti a falta <strong>de</strong>sta alvorada!...
227 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Não resisti... Tanta era a sauda<strong>de</strong>!<br />
Voltei do exílio, fugi da dor,<br />
Aqui é tudo felicida<strong>de</strong>,<br />
Paz e ventura, carícia e amor!<br />
Ó mãe, perdoa, se mais não pu<strong>de</strong><br />
Ficar contigo na escuridão,<br />
A Terra amarga, tristonha e ru<strong>de</strong>,<br />
Envenenava meu coração.<br />
Aqui, na estrela, também há fontes,<br />
Jardins e luzes e fantasias,<br />
Sóis rebrilhando nos horizontes,<br />
Sonhos, castelos e melodias.<br />
Daqui te vejo, daqui eu velo<br />
Pelo sossego dos dias teus;<br />
Façote um ninho ditoso e belo,<br />
Muito pertinho do amor <strong>de</strong> Deus!...“<br />
Aí os olhos da <strong>de</strong>sditosa<br />
Nada mais viram do Eterno Lar.<br />
Viuse mais calma, menos saudosa,<br />
E, estranhamente, pôsse a chorar...<br />
LAMENTOS DO ÓRFÃO<br />
Minha mãezinha, alguém me disse,<br />
Que tu te foste, triste sem mim;<br />
Já não me embala tua meiguice,<br />
E não podias partir assim.<br />
Eu acredito que tenhas ido<br />
Pedir a Deus, que possui a luz,<br />
Que <strong>de</strong> mim faça, do teu querido,<br />
Um dos seus anjos, outro Jesus.<br />
Mas tanto tempo faz que partiste,<br />
Que me fugiste sem me levar,<br />
Que sofro e choro, saudoso e triste,<br />
Sem esperanças <strong>de</strong> te encontrar.<br />
Há quantos dias que te procuro,<br />
Que te procuro chamando em vão!...<br />
Tudo é silêncio tristonho e escuro,<br />
Tudo é sauda<strong>de</strong> no coração.
228 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Outros meninos alegres vejo,<br />
Numa alegria terna e louçã,<br />
Que exclamam rindo <strong>de</strong>ntro dum beijo:<br />
“Como eu te adoro, minha mamã!”<br />
Sinto um anseio sublime e santo,<br />
De nos meus braços, mãe, te beijar;<br />
E abraço o espaço, beijo o meu pranto,<br />
Somente a mágoa vemme afagar.<br />
Inquiro o vento: — “Quando verei<br />
Minha mãezinha boa e querida”<br />
E o vento triste dizme: — “Não sei! ...<br />
Só noutra vida, só noutra vida!...”<br />
Pergunto à fonte, pergunto à ave,<br />
Quando regressas dos Céus supremos,<br />
E me respon<strong>de</strong>m em voz suave:<br />
“Nós não sabemos! nós não sabemos!...”<br />
Pergunto à flor que engalana a aurora,<br />
Quando é que voltas <strong>de</strong>sse país,<br />
E ela retruca, consoladora:<br />
“Depois da morte serás feliz.”<br />
E digo ao sino na tar<strong>de</strong> calma:<br />
“On<strong>de</strong> está ela, meu doce bem”<br />
Ele respon<strong>de</strong>, grave, à minhalma:<br />
“Além na luz! Na luz do Além!.. .“<br />
O mar e a noite me crucificam,<br />
Multiplicando meus pobres ais,<br />
Cheios <strong>de</strong> angústias, ambos replicam:<br />
“Tua mãezinha não volta mais.”<br />
Somente a nuvem, quando eu imploro,<br />
Dizme que vens e diz que te vê;<br />
E me conforta, do céu, se eu choro:<br />
“Eu vou chamála para você.”<br />
Sempre te espero, mas, ai! não voltas,<br />
Nem para darme consolação;<br />
Ó mãe querida, que mágoas soltas<br />
Andam cortando meu coração.
229 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Tanta sauda<strong>de</strong>, e, no entretanto,<br />
Vejote linda nos sonhos meus;<br />
Ajoelhada, banhada em pranto,<br />
E <strong>de</strong> mãos postas aos pés <strong>de</strong> Deus.<br />
Sempre a meus olhos, estás bonita<br />
Qual uma rosa, como um jasmim!<br />
Porém conheço que estás aflita,<br />
Com o pensamento junto <strong>de</strong> mim.<br />
Então, entregome ao meu <strong>de</strong>sejo,<br />
Tremo <strong>de</strong> anseio, calo, sorrio,<br />
Sentindo o anélito do teu beijo...<br />
Mas abro os olhos no ar vazio!<br />
Vaiseme o sonho... Quanta amargura,<br />
Que sinto esparsa pelo caminho!<br />
Que mágoa eterna! que <strong>de</strong>sventura,<br />
Para quem segue triste e sozinho.<br />
Volta <strong>de</strong>pressa! guardote flores,<br />
Porque só vivo pensando em ti:<br />
Celebraremos nossos amores,<br />
Junto da fonte que canta e ri.<br />
Já não suporto tantos cansaços!...<br />
Se não voltares, pe<strong>de</strong> a Jesus<br />
Que te conceda pôrme em teus braços,<br />
Foge comigo para outra luz!...<br />
O LEPROSO<br />
Dizia o pobre leproso:<br />
Senhor! Não tenho mais vida.<br />
Sou uma pútrida ferida<br />
Sobre o mundo <strong>de</strong>sditoso!<br />
Mas o anjo da esperança<br />
Respon<strong>de</strong>lhe com brandura:<br />
— Meu filho, espera a ventura<br />
Com fé, com perseverança.<br />
Se teu corpo é lama e pus<br />
Em meio dos sofrimentos,<br />
Tua alma é réstea <strong>de</strong> luz<br />
Dos eternos firmamentos.
230 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
BONDADE<br />
Vêse a miséria <strong>de</strong>sditosa<br />
Perambulando numa praça;<br />
Sob o seu manto <strong>de</strong> <strong>de</strong>sgraça<br />
Clama o infortúnio abrasador.<br />
Eis que a Fortuna se lhe escon<strong>de</strong>;<br />
E passa o gozo, muito ao largo;<br />
E ela chora, ao gosto amargo,<br />
O seu <strong>de</strong>stino, a sua dor.<br />
Mas eis que alguém a reconforta:<br />
É a bonda<strong>de</strong>. Abrelhe a porta;<br />
E a fada, à luz <strong>de</strong>ssa manhã,<br />
Dizlhe, a sorrir: — Tens frio e fome<br />
Pouco te importe qual meu nome,<br />
Chegate a mim: sou tua irmã.<br />
ORAÇÃO<br />
A Ti, Senhor,<br />
Meu coração<br />
Imerso em dor<br />
Aflito vem,<br />
Pedindo a luz,<br />
Pedindo o bem<br />
E a salvação.<br />
Pedir a quem,<br />
Senão a Ti,<br />
Cuja bonda<strong>de</strong><br />
Me sorri<br />
E me conduz<br />
A imensida<strong>de</strong><br />
Da perfeição<br />
És a pieda<strong>de</strong><br />
Divina e pura<br />
Que à criatura<br />
Dá luz e pão.<br />
Sou eu, somente,<br />
O impenitente<br />
Na expiação.
231 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Em Ti, portanto,<br />
Confio e espero,<br />
De Ti eu quero<br />
Me aproximar!<br />
Consolo santo,<br />
Para o meu pranto<br />
Venho implorar.<br />
Bem sei, Senhor,<br />
Se sofro e choro,<br />
Se me <strong>de</strong>moro<br />
No pa<strong>de</strong>cer,<br />
É porque an<strong>de</strong>i<br />
Longe do Amor,<br />
No meu viver.<br />
O Amor é a lei,<br />
Que me ensinaste<br />
E que <strong>de</strong>ixaste<br />
Aos irmãos teus!<br />
Pra que eu pu<strong>de</strong>sse,<br />
Ditosamente,<br />
Buscar os Céus.<br />
Assim, contente,<br />
Cheio <strong>de</strong> unção,<br />
Elevo a prece<br />
Do coração,<br />
A Ti, Senhor,<br />
Rogando amor,<br />
Paz e perdão!
232 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
A FORTUNA<br />
Anda a Fortuna por uma praça,<br />
Fala à Ventura com riso irmão,<br />
E mais adiante topa a Desgraça,<br />
E altiva e ru<strong>de</strong> lhe escon<strong>de</strong> a mão.<br />
Vaidosa e bela, dá preferência<br />
Ao torpe egoísmo acomodatício,<br />
E entre as virtu<strong>de</strong>s, na existência,<br />
Escolhe sempre flores do vício.<br />
E assim prossegue na <strong>de</strong>smarcada<br />
Carreira louca do vão prazer,<br />
Como perdida, e já sepultada,<br />
No esquecimento do próprio ser.<br />
Depois, cansada e já comovida,<br />
Quando só pe<strong>de</strong> luz e amor,<br />
Acorre a Morte por darlhe a Vida,<br />
E vem a Vida por darlhe a Dor.<br />
ORAÇÃO<br />
Vós que sois a mãe bondosa<br />
De todos os <strong>de</strong>svalidos<br />
Deste vale <strong>de</strong> gemidos.<br />
Mãe piedosa!...<br />
Sublime estrela que brilha<br />
No céu da paz, da bonança,<br />
Do céu <strong>de</strong> toda a esperança —<br />
Maravilha!<br />
Maria! — consolação<br />
Dos pobres, dos <strong>de</strong>sgraçados,<br />
Dos corações <strong>de</strong>solados<br />
Na aflição,<br />
Compa<strong>de</strong>ceivos, Senhora,<br />
De tão gran<strong>de</strong>s sofrimentos,<br />
Deste mundo <strong>de</strong> tormentos,<br />
Que apavora.
233 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Livrainos do abismo tredo<br />
Dos males, dos amargores,<br />
Protegei os pecadores<br />
No <strong>de</strong>gredo.<br />
Esten<strong>de</strong>i o vosso manto<br />
De bonda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> ternura,<br />
Sobre tanta <strong>de</strong>sventura,<br />
Tanto pranto!<br />
Conce<strong>de</strong>inos vosso amor,<br />
A vossa misericórdia,<br />
Dai paz a toda discórdia,<br />
Trégua à dor!...<br />
Vós que sois Mãe carinhosa<br />
Dos fracos, dos oprimidos<br />
Deste vale <strong>de</strong> gemidos,<br />
Mãe bondosa!<br />
Oração:<br />
Pai <strong>de</strong> Amor e Carida<strong>de</strong>,<br />
Que sois a terna <strong>de</strong>mência<br />
E <strong>de</strong> todas as criaturas<br />
Carinhosa Providência!<br />
Que os homens todos vos amem,<br />
Que vos possam compreen<strong>de</strong>r,<br />
Pois tendo ouvidos não ouvem,<br />
E vendo não querem ver.
234 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
ALÉM<br />
Além da sepultura, a nova aurora<br />
Luminosa e divina se levanta;<br />
Lá palpita a beleza on<strong>de</strong> a alma canta,<br />
A luz do amor que vibra e revigora.<br />
Ó corações que a lágrima <strong>de</strong>vora,<br />
Prisioneiros da dor que fere e espanta,<br />
Ten<strong>de</strong> na vossa fé a bíblia santa,<br />
E em vossa luta o bem <strong>de</strong> cada hora.<br />
Além da morte, a vida tumultua,<br />
O trabalho divino continua...<br />
Vida e morte — exultai ao bendizêlas!<br />
Esperai nos tormentos mais profundos,<br />
Que a este mundo suce<strong>de</strong>mse outros mundos,<br />
E às estrelas suce<strong>de</strong>mse as estrelas!<br />
SONETO<br />
Como outrora, entre ovelhas <strong>de</strong>sgarradas,<br />
O coração tocado <strong>de</strong> agonias,<br />
O Mestre chora como Jeremias,<br />
Vendo o mundo nas lutas con<strong>de</strong>nadas.<br />
Sempre a miséria e a dor nos vossos dias!<br />
Sempre a treva nas míseras estradas...<br />
Preces infindas e <strong>de</strong>sesperadas,<br />
Do caminho <strong>de</strong> lágrimas sombrias...<br />
Dois milênios contando o gran<strong>de</strong> ensino<br />
Do Amor, o luminoso bem divino,<br />
Sobre as <strong>de</strong>solações do mundo velho...<br />
Mas, em todos os tempos é a vaida<strong>de</strong><br />
No egoísmo da triste Humanida<strong>de</strong>,<br />
Demorando as vitórias do Evangelho.
235 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
A PRECE<br />
O Senhor da Verda<strong>de</strong> e da Clemência<br />
Conce<strong>de</strong>unos a fonte cristalina<br />
Da prece, água do amor, pura e divina,<br />
Que suaviza os rigores da existência.<br />
Toda oração é a doce quintaessência<br />
Da esperança ditosa e peregrina,<br />
Filha da crença que nos ilumina<br />
Os mais tristes refolhos da consciência.<br />
Feliz o coração que espera e ora,<br />
Sabendo contemplar a eterna aurora<br />
Do Além, pela oração profunda e imensa.<br />
Enquanto o mundo anseia, estranho e aflito,<br />
A prece alcança as bênçãos do Infinito,<br />
Nos caminhos translúcidos da Crença.<br />
FRATERNIDADE<br />
Fraternida<strong>de</strong> é árvore bendita,<br />
Cujas flores e ramos <strong>de</strong> esperança<br />
Buscam a luz eterna que se agita,<br />
Rumo ao país ditoso da bonança.<br />
É a fonte cristalina em que <strong>de</strong>scansa<br />
A alma humana fraca, errante e aflita;<br />
É a luminosa bemaventurança<br />
Da mensagem <strong>de</strong> Deus, pura e infinita!...<br />
Vós que chorais ao coro das procelas,<br />
Vin<strong>de</strong>, irmãos! Desdobrai as vossas velas!...<br />
Não vos sufoque o horror da tempesta<strong>de</strong><br />
Fraternida<strong>de</strong> é o <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro porto,<br />
A terra da união e do conforto,<br />
Que habitaremos na Imortalida<strong>de</strong>.
236 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
LEMBRAI A CHAMA<br />
Vós que buscais além da sepultura<br />
A resposta <strong>de</strong> luz da Eternida<strong>de</strong>,<br />
Nunca olvi<strong>de</strong>is a Excelsa Clarida<strong>de</strong>,<br />
Que resi<strong>de</strong> convosco em noite escura.<br />
Somos todos a Gran<strong>de</strong> Humanida<strong>de</strong>,<br />
Em direção à Fonte Eterna e Pura,<br />
Somos em toda parte a criatura<br />
Buscando os dons supremos da Verda<strong>de</strong>.<br />
Ten<strong>de</strong>s convosco a Chama Adormecida...<br />
Rogamos acendais a Luz da Vida,<br />
Já que buscais mais crença junto a nós!<br />
Se quiser<strong>de</strong>s brilhar nos Outros Planos,<br />
Ó torturados corações humanos,<br />
Deixai que o Cristo nasça <strong>de</strong>ntro em vós.<br />
ETERNA MENSAGEM<br />
Ainda e sempre o Evangelho do Senhor<br />
É a mensagem eterna da Verda<strong>de</strong>,<br />
Senda <strong>de</strong> paz e <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong>,<br />
Na luz das luzes do Consolador.<br />
Nos caminhos da lágrima e da dor,<br />
Ante os <strong>de</strong>sfila<strong>de</strong>iros da impieda<strong>de</strong>,<br />
Não sabe o coração da Humanida<strong>de</strong><br />
Beber <strong>de</strong>ssa água límpida do Amor.<br />
Mas os túmulos falam pela estrada,<br />
Em toda parte fulge uma alvorada<br />
Que ao roteiro dos Céus nos reconduz;<br />
O Evangelho, na luz do Espiritismo,<br />
É a escada <strong>de</strong> Jacob vencendo o abismo,<br />
Trazendo ao mundo o verbo <strong>de</strong> Jesus.
237 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
NO TEMPLO DA EDUCAÇÃO<br />
Distribuía o Mestre os dons divinos<br />
Da luz do seu Espírito sem jaça,<br />
E exclama, enquanto a turba observa e passa;<br />
— “Deixai virem a mim os pequeninos!...”<br />
É que na alma sincera dos meninos<br />
Há uma luz <strong>de</strong> ternura, amor e graça,<br />
De que o Senhor da Paz quer que se faça<br />
O sol da nova estrada dos <strong>de</strong>stinos.<br />
Vós, que ten<strong>de</strong>s a fé que ama e consola,<br />
Fazei do vosso lar a gran<strong>de</strong> escola<br />
De justiça, <strong>de</strong> amor e <strong>de</strong> humilda<strong>de</strong>!<br />
As conquistas morais são toda a glória<br />
Que a alma busca na vida transitória,<br />
Pelos caminhos da imortalida<strong>de</strong>.<br />
NA NOITE DE NATAL<br />
— “Minha mãe, por que Jesus,<br />
Cheio <strong>de</strong> amor e gran<strong>de</strong>za,<br />
Preferiu nascer no mundo<br />
Nos caminhos da pobreza<br />
Por que não veio até nós,<br />
Entre flores e alegrias,<br />
Num berço todo enfeitado<br />
De sedas e pedrarias”<br />
— “Acredito, meu filhinho,<br />
Que o Mestre da Carida<strong>de</strong><br />
Mostrou, em tudo e por tudo,<br />
A luminosa humilda<strong>de</strong>!...<br />
As vezes, penso também<br />
Nos trabalhos <strong>de</strong>ste mundo,<br />
Que a Manjedoura revela<br />
Ensino bem mais profundo!”<br />
E a pobre mãe <strong>de</strong> olhos fixos<br />
Na luz do céu que sorria,<br />
Concluiu com sentimento,<br />
Em terna melancolia:
238 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
— “Por certo, Jesus ficou<br />
Nas palhas, sem proteção,<br />
Por não lhe abrirmos na Terra<br />
As portas do coração.”
239 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
37<br />
JOSÉ DO PATROCÍNIO<br />
Nova Abolição<br />
JOSÉ do Patrocínio nasceu em Campos, Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, aos 9 <strong>de</strong><br />
outubro <strong>de</strong> 1853. E <strong>de</strong>sencarnou a 29 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1905. Farmacêutico, jornalista,<br />
romancista, poeta, impetuoso político e gran<strong>de</strong> orador, membro fundador da<br />
Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> Letras. Foi uma das figuras máximas na campanha<br />
abolicionista, e todo o seu pensamento convergia para o bem da Humanida<strong>de</strong>.<br />
NOVA ABOLIÇÃO<br />
Prossegue a escravidão implacável e crua...<br />
Não mais senzala hostil, escura e <strong>de</strong>sumana.<br />
A incompreensão do amor, no entanto, continua<br />
Em domínio cruel <strong>de</strong> que a treva se ufana.<br />
Mas a luz do Senhor não teme, nem recua,<br />
Na ansieda<strong>de</strong> e na dor, sublime, se engalana,<br />
E, das graças do templo aos sarcasmos da rua,<br />
Erige a liberda<strong>de</strong> augusta e soberana...<br />
Irmãos do meu Brasil, encantado e divino,<br />
Do Amazonas ao Prata erguese a Deus um hino<br />
Que exalça no Evangelho a gran<strong>de</strong>za <strong>de</strong> um povo!<br />
Fustiguemos o mal, combatendo a <strong>de</strong>scrença,<br />
Descortinando, além da noite que se a<strong>de</strong>nsa,<br />
A alvorada feliz <strong>de</strong> um mundo livre e novo.
240 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
38<br />
JOSÉ DURO<br />
Aos homens – Soneto<br />
POETA português, nasceu em 1875 e <strong>de</strong>sencarnou em 1899. Musa<br />
amargurada, <strong>de</strong>ixou um livro — Fel — que apareceu poucos dias antes da sua morte<br />
e foi prefaciado por Forjaz <strong>de</strong> Sampaio. Henrique Perdigão classificao como o<br />
“Cantor da Tristeza”.<br />
AOS HOMENS<br />
Volta ao pó dos mortais, homem que vens, <strong>de</strong>pressa,<br />
A chave procurar do enigma que encerra<br />
A paragem da morte, o mais além da Terra,<br />
On<strong>de</strong> o sonho termina e a vida recomeça.<br />
Volve ao sono cruel da tua carne obscura,<br />
Amassa com o teu pranto o pão <strong>de</strong> cada dia,<br />
Vai com o teu pa<strong>de</strong>cer sobre a estrada sombria,<br />
Para <strong>de</strong>pois ouvir a voz da sepultura.<br />
Tomé, coloca as mãos na tua própria chaga,<br />
Perambula na dor da tua noite aziaga,<br />
Porque a treva e o sofrer sempre hão <strong>de</strong> acompanharte!<br />
Reconhece o quanto és ignorante ainda.<br />
A vida é vibração ilimitada, infinda,<br />
E o seu gran<strong>de</strong> mistério existe em toda parte...
241 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
SONETO<br />
Pouco tempo sofri na Terra ingrata e dura<br />
On<strong>de</strong> o mal prolifera, on<strong>de</strong> perece o amor,<br />
Entre a sufocação <strong>de</strong> um sonho superior<br />
E a esperança na morte, a triste senda escura.<br />
Até que um dia a morte amiga e benfazeja<br />
Apodreceu meu corpo em sua mão gelada,<br />
E minhalma elevouse à rutilante estrada<br />
On<strong>de</strong> o Espírito encontra a paz que tanto almeja.<br />
Algum tempo eu sofri, ao pé do corpo imundo,<br />
Escravizado ao pranto, agrilhoado ao mundo,<br />
Prisioneiro da mágoa, amortalhado em dor!<br />
Mas <strong>de</strong>pois a oração libertoume da pena,<br />
E pu<strong>de</strong>, então, voar para a mansão serena,<br />
On<strong>de</strong> fulgura o sol do verda<strong>de</strong>iro amor.
242 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
39<br />
JOSÉ SILVÉRIO HORTA<br />
Oração<br />
ORAÇÃO<br />
Pai Nosso, que estás nos Céus,<br />
Na luz dos sóis infinitos,<br />
Pai <strong>de</strong> todos os aflitos<br />
Deste mundo <strong>de</strong> escarcéus.<br />
Santificado, Senhor,<br />
Seja o teu nome sublime,<br />
Que em todo o Universo exprime<br />
Concórdia, ternura e amor.<br />
Venha ao nosso coração<br />
O teu reino <strong>de</strong> bonda<strong>de</strong>,<br />
De paz e <strong>de</strong> clarida<strong>de</strong><br />
Na estrada da re<strong>de</strong>nção.<br />
Cumprase o teu mandamento<br />
Que não vacila e nem erra,<br />
Nos Céus, como em toda a Terra<br />
De luta e <strong>de</strong> sofrimento.<br />
Evitanos todo o mal,<br />
Dános o pão no caminho,<br />
Feito na luz, no carinho<br />
Do pão espiritual.<br />
Perdoanos, meu Senhor,<br />
Os débitos tenebrosos,<br />
De passados escabrosos,<br />
De iniquida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> dor.<br />
Auxilianos, também,<br />
Nos sentimentos cristãos,<br />
A amar nossos irmãos<br />
Que vivem longe do bem.
243 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Com a proteção <strong>de</strong> Jesus,<br />
Livra a nossa alma. do erro,<br />
Sobre o mundo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sterro,<br />
Distante da vossa luz.<br />
Que a nossa i<strong>de</strong>al igreja<br />
Seja o altar da Carida<strong>de</strong>,<br />
On<strong>de</strong> se faça a vonta<strong>de</strong><br />
Do vosso amor... Assim seja.
244 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
40<br />
JÚLIO DINIZ<br />
O Esposo da Pobreza – Poesia Aves e anjos<br />
POETA português, nascido em 1839 e <strong>de</strong>sencarnado na cida<strong>de</strong> do Porto,<br />
em 1871. Com este pseudônimo, pois que o seu nome é Joaquim Guilherme Gomes<br />
Coelho, notabilizouse mais como romancista, principalmente com As Pupilas do<br />
Senhor Reitor. A edição póstuma <strong>de</strong> Poesias exaltou, dilo um comentador, as suas<br />
qualida<strong>de</strong>s primaciais <strong>de</strong> prosador, sem embargo <strong>de</strong> possuírem os seus versos um<br />
certo encanto melancólico.<br />
O ESPOSO DA POBREZA<br />
Francisco <strong>de</strong> Assis, um dia,<br />
Assim que <strong>de</strong>ixara a orgia<br />
No castelo,<br />
Entregouse à Natureza,<br />
A uma vida <strong>de</strong> aspereza<br />
Num canto doce e singelo.<br />
Abandonara a vaida<strong>de</strong>,<br />
Buscando a paz da humilda<strong>de</strong>,<br />
A santa luz da harmonia;<br />
E nas horas <strong>de</strong> repouso,<br />
Francisco em estranho gozo<br />
A voz <strong>de</strong> Jesus ouvia:<br />
— “Filho meu, fazete esposo<br />
Da pobreza <strong>de</strong>svalida,<br />
Emprega toda a tua vida<br />
Na doce faina do bem.<br />
Francisco, ouve, ninguém<br />
Vai aos Céus sem a bonda<strong>de</strong>,<br />
Que é a gran<strong>de</strong> felicida<strong>de</strong><br />
De todos os corações.<br />
Esquece as imperfeições! ...<br />
Vai, conforta os <strong>de</strong>sgraçados,<br />
Se<strong>de</strong>ntos e esfomeados,<br />
Flagelados pela dor.<br />
Quem alivia e consola,<br />
Recebe também a esmola<br />
Das luzes do meu amor!”
245 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Francisco chorava e ria,<br />
E em divinal alegria<br />
Via os lírios e os jasmins,<br />
Que não fiam, que não tecem,<br />
Com roupagens que parecem<br />
Vestidos <strong>de</strong> Serafins;<br />
As aves que não trabalham<br />
E no entanto se agasalham,<br />
Nos celeiros da fartura,<br />
Saltando <strong>de</strong> galho em galho,<br />
Buscando a graça do orvalho,<br />
Bênção do Céu, doce e pura.<br />
Via a terra enver<strong>de</strong>cida<br />
Exaltando a força e a vida,<br />
A seiva misteriosa<br />
No seio dos vegetais,<br />
E a ânsia cariciosa<br />
Das almas dos animais.<br />
E sobretudo, inda via,<br />
A sacrossanta harmonia<br />
Do coração sofredor,<br />
Que não tendo amor nem luz,<br />
Tem tesouros <strong>de</strong> esplendor<br />
No terno amor <strong>de</strong> Jesus.<br />
Francisco <strong>de</strong> Assis, então,<br />
Submerso o coração<br />
Em sublimes alegrias,<br />
Entregouse às harmonias<br />
Vibrantes da Natureza,<br />
Tornouse o amparo da dor<br />
E guiado pelo amor<br />
Fezse o Esposo da Pobreza...
246 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
POESIA<br />
Poesia da Natureza<br />
Embalsamada <strong>de</strong> olores,<br />
Ornamentada <strong>de</strong> flores<br />
Que os meus encantos resume;<br />
Poema <strong>de</strong> singeleza<br />
Esplen<strong>de</strong>nte e <strong>de</strong>licada,<br />
Como raios <strong>de</strong> alvorada<br />
Cheia <strong>de</strong> luz e perfume!<br />
Suavida<strong>de</strong> e doçura<br />
Das rosas, das margaridas,<br />
Das lindas sebes floridas<br />
Nos dias primaveris:<br />
Radiosida<strong>de</strong> e frescura,<br />
Fragrâncias, amenida<strong>de</strong>,<br />
Aromas, alacrida<strong>de</strong><br />
Dos cenários pastoris!<br />
As cotovias cantando,<br />
As ovelhinhas balindo,<br />
As criancinhas sorrindo<br />
Na alegria das manhãs;<br />
Jovens felizes amando<br />
Entre arroubos <strong>de</strong> ternura,<br />
Caridosa ventura<br />
No abril das almas irmãs.<br />
Belezas <strong>de</strong> canto agreste<br />
Nas urzes da Terra escura,<br />
Tão cheia <strong>de</strong> <strong>de</strong>sventura;<br />
Entretanto, imaginai<br />
A Natureza celeste<br />
Longe da Terra sombria,<br />
Na glória do Eterno Dia<br />
Do reino <strong>de</strong> Nosso Pai.<br />
Ó Terra, quanto eu quisera<br />
Unirte toda à poesia,<br />
À mesma santa harmonia<br />
Que te pren<strong>de</strong> à luz dos Céus,<br />
Nessa mesma primavera<br />
Dos rutilantes espaços,<br />
Em que me sinto nos braços<br />
Do amor sagrado <strong>de</strong> Deus.
247 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
AVES E ANJOS<br />
Passarinhos... passarinhos...<br />
Aconchegados nos ninhos,<br />
Lares <strong>de</strong> amor doce e brando,<br />
Pequeninos trovadores<br />
Entre as árvores e as flores,<br />
Cantando...<br />
Cantando...<br />
Crianças, anjos suaves,<br />
Mimosas quais bandos <strong>de</strong> aves<br />
Cortando um céu claro e lindo,<br />
Açucenas perfumadas,<br />
Com as pétalas orvalhadas,<br />
Sorrindo....<br />
Sorrindo...<br />
Hino terno <strong>de</strong> esperanças<br />
Das aves e das crianças,<br />
Vaise com a luz misturando,<br />
Tecendo as horas serenas<br />
Das alegrias terrenas,<br />
Sorrindo...<br />
Cantando...
248 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
41<br />
JUVENAL GALENO<br />
Pobres – Sextilhas De cá<br />
NASCIDO em Fortaleza e <strong>de</strong>sencarnado na mesma cida<strong>de</strong>, em 1931, com<br />
95 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. É um vulto literário inconfundível no cenáculo do seu tempo,<br />
impondose justamente pela naturalida<strong>de</strong> e espontaneida<strong>de</strong> do seu estro. Chamaramlhe<br />
— “Béranger brasileiro”. Sua musa foi elogiada por Castilho, José <strong>de</strong> Alencar,<br />
Machado <strong>de</strong> Assis, Silvio Romero, etc.<br />
POBRES<br />
Mal clareia o Sol a serra,<br />
Toca a vida a <strong>de</strong>spertar:<br />
O pobre se pôs há muito,<br />
Sem <strong>de</strong>scanso, a labutar.<br />
Ao levantarse da cama,<br />
Inda é espessa a escuridão,<br />
A fome lhe bate à porta,<br />
Perseguelhe a precisão.<br />
Ao acordar, ele escuta<br />
O coração a gritar:<br />
“Quem não trabuca não come,<br />
Já chega <strong>de</strong> repousar!”<br />
Busca, então, o seu trabalho,<br />
Tudo ajeita, tudo faz,<br />
Rasga a terra, corta os matos,<br />
Luta e sua, não tem paz.<br />
Planta o milho, planta a cana,<br />
Batatas, couves, feijão;<br />
Três quartas partes <strong>de</strong> tudo<br />
Pertencem ao seu patrão.<br />
Quando a semente germina<br />
E os ramos querem crescer,<br />
Vem a seca sem pieda<strong>de</strong><br />
E o pobre espera chover.<br />
Não vem a chuva, porém;<br />
Nada existe no paiol,<br />
As plantas já se amarelam,<br />
Ar<strong>de</strong> a terra, queima o Sol.
249 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Quando o pobre vai à mesa,<br />
O estômago pe<strong>de</strong> mais,<br />
Mas se quer repetições,<br />
Que cui<strong>de</strong> dos mandiocais.<br />
Redobra o pobre os serviços,<br />
Espalha o pé nos gerais,<br />
Ah! que a água já está pouca<br />
Nos rios, nos seringais.<br />
Contudo, ele espera sempre<br />
Do Deus que o ama, que o vê,<br />
E sempre resignado,<br />
O pobre nunca <strong>de</strong>scrê.<br />
O certo é que ao fim do tempo<br />
De constante batalhar,<br />
Aguarda a minguada espiga<br />
Que <strong>de</strong>certo há <strong>de</strong> ficar.<br />
Plenamente contentado<br />
Com o pouco do seu suor,<br />
Deus lhe dará no outro ano<br />
Uma colheita melhor.<br />
Se geme, se sofre dor,<br />
Não possui um só real<br />
Pra consultar um doutor.<br />
Então, resolve pedir<br />
Ao patrão que sempre o tem,<br />
Mas o patrão avarento<br />
Não adianta vintém.<br />
Arrastase e vai ao médico<br />
E lhe expõe o seu sofrer:<br />
“Não tem recomendações<br />
Então não posso aten<strong>de</strong>r.”<br />
O pobre, humil<strong>de</strong> e paciente,<br />
Regressa para o seu lar,<br />
E pensa nos outros meios<br />
Da saú<strong>de</strong> lhe voltar.<br />
E põe em prática os meios:<br />
As beberagens, o chá,<br />
As promessas aos seus santos,<br />
Os vinhos <strong>de</strong> jatobá.<br />
Ai! que sorte ru<strong>de</strong> e amarga<br />
Do pobre sempre a sofrer:<br />
Se vive para o trabalho,<br />
Trabalha para comer.<br />
Se a morte vem ao seu ninho<br />
E lhe rouba o filho, os pais,<br />
Não lhes po<strong>de</strong> dar a missa,
250 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Que o padre cobra <strong>de</strong>mais.<br />
Dálhes porém seu tesouro,<br />
Sublime estrela que brilha<br />
Da mais rica <strong>de</strong>voção —<br />
A prece que nasce dalma,<br />
Que fulge no coração.<br />
Mesmo assim, quanta tortura,<br />
Que amargosa a sua dor!<br />
A todo o instante da vida<br />
Luta o pobre sofredor.<br />
Se tem pão não tem saú<strong>de</strong>,<br />
Se tem saú<strong>de</strong>, não tem<br />
Quem o ampare, quem o aju<strong>de</strong>,<br />
O braço amigo <strong>de</strong> alguém.<br />
Se outrem lhe ofen<strong>de</strong> e ele pe<strong>de</strong><br />
Da Justiça a punição,<br />
A Justiça o encarcera<br />
Com a sua reprovação.<br />
Não tem casas <strong>de</strong> morada,<br />
Nem terrenos, nem ovil;<br />
Se lhe falta o pão do dia<br />
Falta azeite no candil.<br />
Se bate à porta do rico,<br />
Mormente dum rico mau,<br />
Os cães o tocam da porta,<br />
E em vez <strong>de</strong> pão, ganha pau.<br />
O pobre só tem na vida<br />
A doce mão <strong>de</strong> Jesus,<br />
Que o cura na enfermida<strong>de</strong>,<br />
Que na treva lhe dá luz.<br />
Mal do pobre se não fora.<br />
O carinho <strong>de</strong>ssa mão,<br />
Que o conforta na <strong>de</strong>sgraça<br />
E ampara na provação.<br />
Mal <strong>de</strong>le se não houvesse<br />
A vida <strong>de</strong>pois da dor,<br />
Após a morte, on<strong>de</strong> existem<br />
Justiça, ventura, amor.
SEXTILHAS<br />
251 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Quando a morte chega em casa,<br />
A casa faz alarido,<br />
Parece até que se arrasa<br />
Sob as chamas <strong>de</strong> um incêndio;<br />
O povo está reunido<br />
Quando a morte chega em casa.<br />
Ela vem buscar alguém,<br />
De quem precisa por certo;<br />
Não se importa com ninguém<br />
Que chore ou que se lastime,<br />
Esteja distante ou perto,<br />
Ela vem buscar alguém.<br />
A morte não quer saber<br />
Se é preto como urubu,<br />
Se aquele que vai morrer<br />
É branco qual uma garça,<br />
Se tem pratas no baú,<br />
A morte não quer saber.<br />
Não lhe pergunta qual é<br />
A sua religião,<br />
Se Sancho, Pedro ou José<br />
É o seu nome <strong>de</strong> batismo,<br />
Nem a sua profissão<br />
Não lhe pergunta qual é.<br />
Não quer saber se ele tem<br />
Uma can<strong>de</strong>ia com luz,<br />
Se pratica o mal ou o bem,<br />
Se tem mais fé com o <strong>de</strong>mônio<br />
Do que mesmo com Jesus,<br />
Não quer saber se ele tem.<br />
Nem procura examinar<br />
Se tem filhos ou mulher;<br />
Se esse alguém vaise casar,<br />
Se tem pai e se tem mãe,<br />
Nada disso a morte quer,<br />
Nem procura examinar.
252 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Para a morte não existe<br />
Anéis <strong>de</strong> grau <strong>de</strong> doutor,<br />
Nem homem alegre ou triste,<br />
Nem mulher bonita ou feia,<br />
Saú<strong>de</strong>, beleza e dor,<br />
Para a morte não existe.<br />
Para o pobre, para o rico<br />
Nunca tem contemplação;<br />
Como o corvo bate o bico<br />
Por cima <strong>de</strong> um peixe podre,<br />
Ela vem <strong>de</strong> supetão<br />
Para o pobre, para o rico...<br />
O cristão ou o pecador<br />
Ela conduz sem ruído,<br />
Não per<strong>de</strong> tempo em clamor,<br />
Em atenções e conversas,<br />
Leva sem tempo perdido<br />
O cristão ou o pecador.<br />
O que segue vai com unção,<br />
Rogando com fervor terno<br />
Ao santo da <strong>de</strong>voção<br />
Que o afaste do diabo<br />
E dos horrores do inferno,<br />
O que segue vai com unção.<br />
Mas ele mesmo é quem faz<br />
Os prantos ou gozos seus;<br />
Na tempesta<strong>de</strong> ou na paz,<br />
Essa questão <strong>de</strong> ficar<br />
Com Satanás ou com Deus,<br />
É ele mesmo quem faz.
253 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
DE CÁ<br />
Que amargo era o meu <strong>de</strong>stino!...<br />
Tristezas no coração,<br />
Tateando dificilmente<br />
No meio da escuridão...<br />
Viver na Terra e somente<br />
Remando contra a maré,<br />
Com receio <strong>de</strong> ir ao fundo...<br />
Nem tão boa coisa é.<br />
Esta vida <strong>de</strong> sofrer<br />
Trinta dias cada mês,<br />
Entremeados <strong>de</strong> prantos,<br />
Há quem estime Talvez...<br />
Mas para mim que só fui,<br />
Galeno sem nó, galé,<br />
Tantas dores em conjunto,<br />
Nem tão boa coisa é.<br />
Sentir as disparida<strong>de</strong>s<br />
Das vidas cheias <strong>de</strong> dor,<br />
O mal sufocando o mundo,<br />
Marchando com <strong>de</strong>stemor:<br />
Ver o rico andar <strong>de</strong> coche<br />
E o pobre correndo a pé,<br />
Tantas misérias sentir...<br />
Nem tão boa coisa é.<br />
O pranto ferve na Terra,<br />
Salta aqui, salta acolá,<br />
Nas guerras <strong>de</strong> toda parte,<br />
Nas secas do Ceará;<br />
Meus irmãos <strong>de</strong> Fortaleza,<br />
Do Crato, do Canindé,<br />
Ver uns rindo e outros chorando,<br />
Nem tão boa coisa é.<br />
Ah! morrer e ainda sentir<br />
Sauda<strong>de</strong>s da escravidão,<br />
Da carne, do <strong>de</strong>sconforto,<br />
Da treva, da ingratidão...
254 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Não é possível porque,<br />
Pobre filho da ralé,<br />
Casarse com a <strong>de</strong>sventura<br />
Nem tão boa coisa é.<br />
Mas falar <strong>de</strong>mais agora,<br />
Já não é próprio <strong>de</strong> mim,<br />
Não vou gastar minha cera<br />
Com tanto <strong>de</strong>funto ruim;<br />
Patetice é ensinar<br />
Verda<strong>de</strong> aos homens sem fé.<br />
Jogar pérolas a tolos,<br />
Nem tão boa coisa é.
255 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
42<br />
LEÔNCIO CORREIA<br />
Sauda<strong>de</strong><br />
LEÔNCIO Correia nasceu em 1865, no Estado do Paraná, e <strong>de</strong>sencarnou no<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro, em junho <strong>de</strong> 1950. Professor e poeta, <strong>de</strong>ixou inúmeras obras.<br />
SAUDADE<br />
Ante o brilho da vida renascente<br />
Depois da névoa estranha, <strong>de</strong>nsa e fria,<br />
Surgem constelações do Novo Dia<br />
Muito longe da Terra <strong>de</strong>scontente.<br />
Mundos celestes, reinos <strong>de</strong> alegria<br />
E impérios da beleza resplen<strong>de</strong>nte<br />
Cantam no Espaço, jubilosamente,<br />
Ao compasso do Amor e da Harmonia...<br />
Mas, ai! pobre <strong>de</strong> mim!... Ante a gran<strong>de</strong>za<br />
Da glória excelsa eternamente acesa<br />
Volvo à sombra letal do abismo fundo!<br />
E, esmagado <strong>de</strong> angústia e <strong>de</strong> carinho,<br />
Choro <strong>de</strong> amor, revendo o velho ninho<br />
E as aves ternas que <strong>de</strong>ixei no mundo!...
256 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
43<br />
LUCINDO FILHO<br />
Sem sombras<br />
NASCIDO em Minas Gerais a 16 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1847 e falecido em<br />
Vassouras a 10 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1896. Médico, jornalista, compositor musicista e<br />
tradutor renomado. Latinista <strong>de</strong> prol, conta em sua bibliografia Poemetos,<br />
Virgilianas, Flores Exóticas, etc.<br />
SEM SOMBRAS 9<br />
Junto ao sepulcro on<strong>de</strong> a sauda<strong>de</strong> chora<br />
E on<strong>de</strong> o sonho das lágrimas termina,<br />
Abrese a porta da mansão divina<br />
Entalhada em reflexos <strong>de</strong> aurora.<br />
Não mais a noite; vive em tudo, agora,<br />
A beleza profunda e peregrina,<br />
Envolvida na luz esmeraldina<br />
Da esperança que vibra e resplendora.<br />
Sem as sombras das lutas <strong>de</strong>sumanas,<br />
A alma vitoriosa entoa hosanas,<br />
Ébria <strong>de</strong> paz e <strong>de</strong> imortalida<strong>de</strong>.<br />
Não lamenteis quem parta ao fim do dia,<br />
Que a sepultura em cinza escura e fria<br />
É a nova porta para a eternida<strong>de</strong>.<br />
9 Esta produção surgiu <strong>de</strong> improviso no curso <strong>de</strong> uma reunião familiar em que se não cogitava <strong>de</strong> assuntos<br />
espíritas. O poeta <strong>de</strong>sencarnou no século passado e o médium é <strong>de</strong>ste século; e conquanto fosse<br />
intelectual <strong>de</strong> prol, a seu tempo, é hoje um nome esquecido, fora dos meios culturais. Ninguém ali o<br />
conhecera nem <strong>de</strong>le se lembraria, exceto uma senhora que, em menina, lhe assistira aos funerais, em<br />
Vassouras, on<strong>de</strong> ele tem precioso jazigo, oferecido pela população local.
257 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
44<br />
LUIZ GUIMARÃES JÚNIOR<br />
Soneto – Voltando<br />
POETA brasileiro, nascido no Rio <strong>de</strong> Janeiro, em 17 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1845,<br />
e <strong>de</strong>sencarnado em Lisboa com 53 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Foi jornalista, comediógrafo e<br />
diplomata. Entre suas obras, Carimbos, Noturnos, Lírica, etc., sobressai Sonetos e<br />
Rimas, que ainda hoje se lê com encanto. Foi membro da Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong><br />
Letras.<br />
SONETO<br />
Na escuridão dos anos procelosos,<br />
Da velhice nos dias mal vividos,<br />
Eu quisera voltar aos tempos idos<br />
Da juventu<strong>de</strong>, aos tempos bonançosos.<br />
Mal podia julgar que inda outros gozos<br />
Mais sublimes que aqueles já fruídos,<br />
Nas esteiras <strong>de</strong> prantos esquecidos,<br />
Acharia nos céus maravilhosos.<br />
Pairar no Além!... volver ao lar primeiro,<br />
Ressurgido em perene mocida<strong>de</strong>,<br />
Clarão <strong>de</strong> paz ao pobre caminheiro!<br />
No limiar das amplidões da Altura<br />
Penetrei, vislumbrando a Imensida<strong>de</strong>,<br />
Soluçando empolgado <strong>de</strong> ventura.
258 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
VOLTANDO<br />
Após a longa e frígida nortada<br />
Da existência no mundo <strong>de</strong> invernia,<br />
Busquei contente a paz que me sorria<br />
No fim da áspera senda palmilhada.<br />
Voltei. Nova era a vida, nova a estrada<br />
Que minhalma extasiada percorria;<br />
Divinal era a luz que resplendia,<br />
Em revérberos lindos <strong>de</strong> alvorada.<br />
De volta, e os mesmos seres que me haviam<br />
Ofertado na Terra amores santos,<br />
Envoltos em ternuras e em carinhos,<br />
Novamente no Além me ofereciam<br />
Lenitivo às agruras dos meus prantos,<br />
Nas carícias risonhas dos caminhos.
259 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
45<br />
LUIZ MURAT<br />
Além ainda<br />
FLUMINENSE, nascido a 4 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1861 e <strong>de</strong>sencarnado na cida<strong>de</strong> do<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro, em 1929. Bacharel em Direito, membro da Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong><br />
Letras. Poeta <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> e viva inspiração, conta em seu acervo bibliográfico Ondas<br />
(3 volumes), Sara (poema), e vasta colaboração na Imprensa.<br />
ALÉM AINDA...<br />
Caminheiro que vais ao fim do dia<br />
Demandando o crepúsculo das dores,<br />
Não te percas na lágrima sombria<br />
Da tormenta <strong>de</strong> anseios e amargores!<br />
Além da sepultura principia<br />
O caminho dos sonhos re<strong>de</strong>ntores,<br />
Na alvorada perene da harmonia,<br />
Aureolada <strong>de</strong> eternos resplendores.<br />
Desolado viajor, ergue teus olhos!<br />
Não te prendas somente ao chão tristonho,<br />
Guarda a esperança carinhosa e linda!<br />
Vence a longa jornada dos abrolhos,<br />
Que o país luminoso do teu sonho<br />
Fica ao alto... distante... além ainda...
260 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
46<br />
LUIZ PISTARINI<br />
No estranho portal<br />
LUIZ Pistarini nasceu em Resen<strong>de</strong>, Estado do Rio, à rua dos Voluntários, e<br />
faleceu, aos 41 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, naquela mesma cida<strong>de</strong>, no começo do ano <strong>de</strong> 1918.<br />
Publicou dois livros, <strong>de</strong> poesias: Bandolim e Sombrinhas e Postais, <strong>de</strong>ixando,<br />
inédito, um terceiro: Agonias e Ressurreição. Fundou e dirigiu a revista A Crisálida<br />
e o jornal O Domingo. Residiu durante algum tempo na Capital Fe<strong>de</strong>ral, on<strong>de</strong><br />
colaborou em vários jornais. Foi um atormentado pelas enfermida<strong>de</strong>s.<br />
NO ESTRANHO PORTAL<br />
No último instante, a lágrima dorida<br />
Resume as ânsias da existência inteira,<br />
E a sauda<strong>de</strong> é a tristonha mensageira<br />
Que engrinalda <strong>de</strong> angústia a <strong>de</strong>spedida.<br />
A antevisão do fim <strong>de</strong> toda a vida<br />
Obscurece a tela <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira<br />
E a noite escura se disten<strong>de</strong> à beira<br />
Da suprema esperança <strong>de</strong>svalida.<br />
Um golpe... Um sonho... e excelsa clarinada<br />
Anuncia outra vida renovada,<br />
Brilhando além da lápi<strong>de</strong> sombria.<br />
Apagouse a can<strong>de</strong>ia transitória<br />
E a verda<strong>de</strong> refulge envolta em gloria,<br />
Aos clarões imortais do Novo Dia.
261 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
47<br />
MARTA<br />
Nunca te isoles – Unida<strong>de</strong> No Templo da Morte – Jesus <br />
Lembrate do Céu Ao pé do altar Mãe das mães<br />
ESTE Espírito não pô<strong>de</strong> ou não quis i<strong>de</strong>ntificarse. Aqui o incluímos,<br />
porém, <strong>de</strong> justiça, atenta a magnitu<strong>de</strong> do seu estro.<br />
NUNCA TE ISOLES<br />
Nunca te isoles entre os mananciais da vida;<br />
A vida é o eterno bem que nos foi dado,<br />
Para que o multiplicássemos in<strong>de</strong>finidamente...<br />
E a alma que se abandona,<br />
Ao sofrimento ou ao bemestar,<br />
É um <strong>de</strong>serto sem oásis,<br />
On<strong>de</strong> outras almas sentem fome e se<strong>de</strong>.<br />
Multiplicar a vida<br />
É amar sem restrições<br />
A flor, a ave, os corações,<br />
Tudo o que nos ro<strong>de</strong>ia.<br />
Atenuar a dor alheia,<br />
Sorrir aos infelizes,<br />
Bendizer o caminho que nos leva<br />
Da treva para luz;<br />
Agra<strong>de</strong>cer a Deus, que é Pai bondoso,<br />
O firmamento, o luar, as alvoradas,<br />
Ler a sua epopéia feita <strong>de</strong> astros,<br />
Ter a bonda<strong>de</strong> ingênua das crianças,<br />
Tecer o fio eterno da esperança<br />
Por on<strong>de</strong> se sobe ao Céu;<br />
Dar sorrisos, dar luzes, dar carícias,<br />
Dar tudo quanto temos,<br />
Tudo isto é amar multiplicando a vida,<br />
Que se esten<strong>de</strong> infinita no Infinito.
262 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Dar a lição <strong>de</strong> paciência se sofremos,<br />
Dar um pouco <strong>de</strong> gozo se gozamos,<br />
É guardarmos a semente<br />
Da Vida<br />
Em leivas ver<strong>de</strong>jantes,<br />
E a qual há <strong>de</strong> nos dar<br />
Sombras amigas para <strong>de</strong>scansarmos,<br />
Indumentos <strong>de</strong> flores perfumosas<br />
E frutos aos milhares,<br />
Para nutrir as nossas alegrias<br />
Nos jardins estelares...<br />
UNIDADE<br />
Todos nós somos irmãos,<br />
Porque os nossos espíritos<br />
São unos na essência...<br />
Todos nós somos fragmentos<br />
Da mesma luz gloriosa e eterna<br />
Da sabedoria inescrutável<br />
Do Criador,<br />
Cujas mãos magnânimas e misericordiosas<br />
Espalharam com abundância<br />
Nas vastidões imensuráveis do éter,<br />
Infinitas e esplendorosas,<br />
Terras e almas,<br />
As quais no divino equilíbrio do Amor<br />
Buscam a perfeição in<strong>de</strong>finida.<br />
Todos nós somos irmãos,<br />
Porque nutrimos indistintamente<br />
A mesma aspiração do Belo e do Perfeito,<br />
O mesmo sonho,<br />
A mesma dor na luta<br />
A prol da re<strong>de</strong>nção.<br />
Espiritualmente,<br />
Somos filhos <strong>de</strong> um só Pai,<br />
Somos as fron<strong>de</strong>s que se interpenetram<br />
De uma só árvore genealógica,<br />
Cuja raiz insondável<br />
Está no coração augusto <strong>de</strong> Deus,<br />
O qual, por uma disposição inexplicável,
263 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Encerra em si<br />
Todos os mundos,<br />
Todas as almas<br />
Todos os seres da Criação!<br />
Fazei, pois, da Terra<br />
O caminho comum da vossa salvação,<br />
Porquanto, mais além<br />
Das fronteiras planetárias,<br />
Vivereis <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sagrados coletivismos,<br />
Sem egoísmos,<br />
Na suprema unida<strong>de</strong><br />
De aspiração para a felicida<strong>de</strong>.<br />
NO TEMPLO DA MORTE<br />
O templo da morte tem portas incontáveis,<br />
Como incontáveis são as almas humanas,<br />
E infinitos seus estados <strong>de</strong> consciência.<br />
Pela porta escura do remorso,<br />
Um dia penetrou os seus umbrais<br />
Uma alma que regressava da Terra.<br />
Lá <strong>de</strong>ntro,<br />
Em nome do Senhor <strong>de</strong> todos os latifúndios do Universo,<br />
Pontificava o Anjo da Justiça.<br />
“Anjo Bom! — disselhe a alma súplice —<br />
Eu tenho a minhalma coberta <strong>de</strong> feridas cancerosas!<br />
Curame as chagas purulentas do remorso...<br />
Tenho os meus olhos vendados<br />
E uma treva incomensurável na consciência!<br />
Apaga os meus atrozes pa<strong>de</strong>ceres!.. .“<br />
“Filha — respon<strong>de</strong>u compassivo —,<br />
Para sanar tão estranhas feridas,<br />
Tão amargos pesares,<br />
Só há um recurso:<br />
Volta à Terra!<br />
Lá existe o Regato das Lágrimas,<br />
Banhate nas suas águas cristalinas;<br />
Elas serão o teu bálsamo consolador<br />
E curarão a tua cegueira...<br />
Estás na escuridão absoluta<br />
Pela ausência da luz, do bem na tua alma!
264 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Mas o Anjo da Dor irá contigo;<br />
Ele há <strong>de</strong> te guiar através das sirtes do mar encapelado dos sofrimentos,<br />
E te conduzirá ao lugar bendito on<strong>de</strong> existem as lágrimas salvadoras!...”<br />
E a pobre regressou...<br />
Conduzida pela Dor,<br />
Banhouse na água lustral dos tormentos,<br />
Submergiuse no regato encantado, <strong>de</strong> cuja fonte límpida promana a Salvação.<br />
E <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> haver percorrido<br />
Tão tortuosos caminhos,<br />
Inçados <strong>de</strong> perigos<br />
E <strong>de</strong> dores amargas,<br />
Reconheceu o luminoso Anjo da Dor...<br />
E nos seus braços magnânimos e compassivos,<br />
Penetrou no templo misterioso da morte<br />
Pela porta maravilhosa da Re<strong>de</strong>nção.<br />
JESUS<br />
Jesus foi na Terra<br />
A mais perfeita encarnação do Amor Divino.<br />
E ainda hoje,<br />
Nos dias amargurados que transcorrem,<br />
É para a Humanida<strong>de</strong><br />
A promessa da Paz,<br />
O manto protetor<br />
Que abriga os aflitos e os infelizes,<br />
O pão que sacia os esfomeados das verda<strong>de</strong>s eternas,<br />
A fonte que <strong>de</strong>saltera todos os sofredores.<br />
Apegaivos a Ele, cheios <strong>de</strong> confiança!<br />
Ele é a misericórdia personificada,<br />
O Jardineiro Bendito<br />
Que jorra no coração<br />
Dos transviados do caminho do Bem,<br />
As sementes do arrependimento<br />
Que hão <strong>de</strong> florir na Regeneração<br />
E frutificar na perfeita felicida<strong>de</strong> espiritual.<br />
Ouvi a sua voz<br />
No silêncio da consciência que vos fala<br />
Do cumprimento austero<br />
De todos os <strong>de</strong>veres cristãos!<br />
E um dia<br />
Descansareis reunidos,<br />
Ligados pelos liames inquebrantáveis
265 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Da fraternida<strong>de</strong> além da morte,<br />
A sombra da árvore luminosa<br />
Das boas ações que praticastes,<br />
Longe das lágrimas<br />
Do orbe obscuro,<br />
Dos prantos e das provações remissoras!...<br />
LEMBRATE DO CÉU<br />
És uma estrela caída<br />
Sobre os pauis da Terra...<br />
Acima <strong>de</strong> todas as coisas transitórias,<br />
Que se <strong>de</strong>sfazem como as neblinas aos beijos leves do Sol,<br />
És alma em ascensão para Deus.<br />
A tua inteligência e o teu sentimento<br />
São fulcros <strong>de</strong> luz imperecível,<br />
Que constituem os atributos maravilhosos da tua imortalida<strong>de</strong>.<br />
Por que te abates e <strong>de</strong>sanimas sob os aguilhões da carne perecível<br />
Contempla o Alto,<br />
Se a fraqueza te envolve em seus tentáculos.<br />
E sentirás uma carícia branda,<br />
Misteriosa, doce, suave,<br />
Que promana<br />
Do empíreo constelado<br />
Para todas as almas que oram,<br />
Que sonham e choram,<br />
Buscando Deus,<br />
— A bússola das suas mais caras esperanças!<br />
Quando sofreres,<br />
Busca aspirar esse aroma divino<br />
E tua alma sofredora<br />
Sentirseá envolta na beleza,<br />
No eflúvio peregrino<br />
Que mana fartamente<br />
Dos espaços imensos!...<br />
Na amargura e na dor,<br />
Lembra esse dia que te espera<br />
Na in<strong>de</strong>finível primavera<br />
Gloriosa <strong>de</strong> amor.
266 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
AO PÉ DO ALTAR<br />
Eu vivia no Claustro,<br />
Na sombra silenciosa dos mosteiros.<br />
Mas um dia,<br />
Quando as penitências mortificavam<br />
O meu corpo alquebrado e dolorido<br />
E a oração<br />
Era o conforto do meu coração,<br />
Disseme alguém:<br />
“Minha filha,<br />
Juraste fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> só a Deus,<br />
Mas se entrevês os Céus<br />
E as suas maravilhas,<br />
Se tens a Fé mais pura,<br />
A Esperança mais linda,<br />
Não te esqueças que a Carida<strong>de</strong>,<br />
O anjo que nos abre as portas da Ventura,<br />
Não permanece<br />
No recanto das sombras, do repouso;<br />
Se ama a prece e a pureza,<br />
Não faz longas e inúteis orações:<br />
Ela é a serva <strong>de</strong> Deus<br />
E as suas preces fervorosas<br />
São feitas com as suas mãos carinhosas,<br />
Que pensam no coração da Humanida<strong>de</strong><br />
Todas as chagas abertas<br />
Pelo egoísmo...<br />
Está sempre em meio às tentações<br />
Para vencêlas,<br />
Esmagálas com o Bem,<br />
Destruílas com Amor.<br />
A solidão da cela é um crime;<br />
Não te retires, pois, do mundo.<br />
Darás a Deus, sem reserva, a tua alma<br />
Amando o próximo,<br />
Que contigo é seu filho dileto.<br />
Será um hino constante subindo aos Céus;<br />
Sê a mãe <strong>de</strong>svelada,<br />
A irmã consoladora,<br />
A companheira terna<br />
De todos aqueles que te ro<strong>de</strong>iam<br />
Na estrada longa dos <strong>de</strong>stinos comuns;<br />
Sê a abnegação e a bonda<strong>de</strong> serena,
267 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
E a tua Fé<br />
Será um hino constante subindo aos Céus;<br />
A tua esperança em Deus<br />
Será dilatada,<br />
Para que vislumbres as felicida<strong>de</strong>s celestes<br />
Que esperam os justos na Mansão da Alegria...<br />
Meu corpo não resistiu<br />
Aos cilícios que o martirizavam<br />
E minhalma tomada <strong>de</strong> emoção<br />
Abandonouo, brandamente,<br />
Atraída pela Verda<strong>de</strong>,<br />
Desprezando o repouso e a soleda<strong>de</strong>,<br />
Sonhando com a luz do trabalho<br />
Em outras vidas benfazejas;<br />
Porque a verda<strong>de</strong>ira paz <strong>de</strong> espírito<br />
É conquistada<br />
No seio das lutas mais acerbas,<br />
Dos mais ru<strong>de</strong>s pesares.<br />
E só a dor que nos crucia<br />
Ou a dor que consolamos,<br />
— Somente a Dor em sua essência pura<br />
Nos <strong>de</strong>svia da amarga <strong>de</strong>sventura,<br />
Purificando os nossos corações<br />
Na conquista das altas perfeições.<br />
MÃE DAS MÃES<br />
Maria<br />
É a Mãe piedosa<br />
De todas as mães resignadas e sofredoras.<br />
É a consolação<br />
Que se <strong>de</strong>rrama puríssima<br />
Sobre os prantos maternos,<br />
Vertidos na corola imensa das dores;<br />
É o manto resplan<strong>de</strong>cente<br />
Que agasalha os corações das mães piedosas,<br />
Amarguradas e infelizes,<br />
Que orvalham com lágrimas benditas<br />
As flores do seu amor <strong>de</strong>svelado,<br />
Espezinhadas pelo sofrimento,<br />
Fustigadas pelo furacão da <strong>de</strong>sgraça, atropeladas pelo mal,<br />
Perseguidas pelo infortúnio<br />
No sombrio orbe das lágrimas e das provações.
268 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Todas as preces maternas<br />
Ascen<strong>de</strong>m aos Espaços<br />
Como um doloroso brado <strong>de</strong> angústia a Maria;<br />
E a rosa sublime <strong>de</strong> Nazaré<br />
Escutaas piedosamente,<br />
Esten<strong>de</strong>ndo os seus braços tutelares<br />
As mães carinhosas e <strong>de</strong>sprotegidas;<br />
E bastam os eflúvios do seu amor sacrossanto<br />
Para que as consolações se <strong>de</strong>rramem<br />
Cicatrizando as feridas,<br />
Balsamizando os pesares,<br />
Lenindo os pa<strong>de</strong>ceres<br />
Das mães <strong>de</strong>soladas, que encontram nela<br />
O símbolo maravilhoso <strong>de</strong> todas as virtu<strong>de</strong>s!...<br />
Ao seu olhar compassivo,<br />
Pulverizamse os rochedos do mal<br />
Do oceano da vida <strong>de</strong> <strong>de</strong>sterro e <strong>de</strong> exílio,<br />
Para que o Brigue da Esperança,<br />
Com as suas velas alvas e pandas,<br />
Veleje tranquilamente,<br />
Buscando o porto esperado com ânsia,<br />
Da salvação das almas que sofreram<br />
Nos torvelinhos do mundo,<br />
Como náufragos <strong>de</strong> uma tormenta gigantesca,<br />
Que não se per<strong>de</strong>ram no abismo das águas tenebrosas<br />
Do mar da iniquida<strong>de</strong>,<br />
Porque se apegaram<br />
A âncora da Fé.<br />
Maria é o anjo, pois,<br />
Que nos ampara e guia em nossa cruz;<br />
Levandonos ao Céu, cheia <strong>de</strong> pieda<strong>de</strong> e<br />
Pelas nossas fraquezas.<br />
Ela é a personificação do amor divino<br />
No vale das sombras e das amarguras,<br />
E sendo o arrimo <strong>de</strong> todas as criaturas,<br />
É, sobretudo,<br />
A Virgem da Pureza<br />
— Mãe das mães.
269 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
48<br />
MÚCIO TEIXEIRA<br />
Honra ao trabalho<br />
MÚCIO Teixeira nasceu em 1858, no Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, e<br />
<strong>de</strong>sencarnou em 1926. Autor <strong>de</strong> inúmeras obras literárias.<br />
HONRA AO TRABALHO<br />
Trabalha e encontrarás o fio diamantino<br />
Que te liga ao Senhor que nos guarda e governa,<br />
Ante cuja gran<strong>de</strong>za o mundo se prosterna,<br />
Buscando a solução da dor e do <strong>de</strong>stino.<br />
Des<strong>de</strong> o fulcro solar ao fundo da caverna,<br />
Da beleza do herói ao verme pequenino,<br />
Tudo se agita e vibra, em cântico divino<br />
Do trabalho imortal, brunindo a vida eterna!...<br />
Tudo na imensidão é serviço opulento,<br />
Júbilo <strong>de</strong> ajudar, luta e contentamento,<br />
Des<strong>de</strong> a flor da montanha às trevas do granito.<br />
Trabalha e serve sempre, alheio à recompensa,<br />
Que o trabalho, por si, é a glória que con<strong>de</strong>nsa<br />
O salário da Terra e a bênção do Infinito.
270 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
49<br />
OLAVO BILAC<br />
Jesus ou Barrabás – Soneto No Horto O beijo <strong>de</strong> Judas A<br />
crucificação Aos <strong>de</strong>screntes – I<strong>de</strong>al – Ressurreição O Livro –<br />
Brasil<br />
NATURAL do Rio <strong>de</strong> Janeiro, nasceu em 16 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1865 e aí<br />
faleceu em 1918. Consi<strong>de</strong>rado, ao seu tempo, o Príncipe dos Poetas Brasileiros.<br />
Sócio fundador da Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> Letras.<br />
JESUS OU BARRABÁS<br />
Sobre a fronte da turba há um sussurro abafado.<br />
A multidão inteira, ansiosa se congrega,<br />
Surda à lição do amor, implacável e cega,<br />
Para a consumação dos festins do pecado.<br />
“Crucificaio!” — exclama... Um lamento lhe chega<br />
Da Terra que soluça e do Céu <strong>de</strong>sprezado.<br />
“Jesus ou Barrabás” — pergunta, inquire o brado<br />
Da justiça sem Deus, que trêmula se entrega.<br />
Jesus! Jesus!... Jesus!... — e a resposta perpassa<br />
Como um sopro cruel do Aquilão da <strong>de</strong>sgraça,<br />
Sem que o Anjo da Paz amaldiçoe ou gema...<br />
E <strong>de</strong>baixo do apodo e ensanguentada a face,<br />
Toma da cruz da dor para que a dor ficasse<br />
Como a glória da vida e a vitória suprema.
271 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
SONETO<br />
Por tanto tempo an<strong>de</strong>i faminto e errante,<br />
Que os prazeres da vida convertios<br />
Em poemas das formas, em sombrios<br />
Pesa<strong>de</strong>los da carne palpitante.<br />
No <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro sono, instante a instante,<br />
Vi fanaremse anseios como fios<br />
De ilusão transformada em sopros frios,<br />
Sobre o meu peito em febre, vacilante.<br />
Morte, no teu portal a alma tateia,<br />
Espia, inquire, sonda e chora, cheia<br />
De incerteza na esfinge que tu plasmas!<br />
Impassível, <strong>de</strong>scerras aos aflitos<br />
Uma visão <strong>de</strong> mundos infinitos<br />
E uma ronda infinita <strong>de</strong> fantasmas.<br />
NO HORTO<br />
Tristemente, Jesus fitando os céus, em prece,<br />
Vê <strong>de</strong>scer da amplidão o Arcanjo da Agonia,<br />
Cuja mão luminosa e terna lhe trazia<br />
O cálix do amargor, duríssimo e refece.<br />
— “Se pu<strong>de</strong>r<strong>de</strong>s, meu Pai, afastaio!...” — dizia,<br />
Mas eis que todo o Azul celígeno estremece;<br />
E do céu se <strong>de</strong>spren<strong>de</strong> uma doirada messe<br />
De bênçãos aurorais, <strong>de</strong> Paz e <strong>de</strong> Alegria.<br />
Paira em todo o recanto a vibração sonora<br />
Do Amor e o Mestre já na se<strong>de</strong> que o <strong>de</strong>vora,<br />
De imolarse por fim nas aras <strong>de</strong>sse Amor,<br />
Sente a Mão Paternal que o guia na amargura,<br />
E sublime na fé mais vivida, murmura:<br />
— “Que se cumpra no mundo o arbítrio do Senhor!...”
272 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
O BEIJO DE JUDAS<br />
Ouvese a voz do Mestre ungida <strong>de</strong> ternura:<br />
— “Amados, eu vos dou meus últimos ensinos;<br />
Na doce mansidão dos seres pequeninos,<br />
Trazei a vossa vida imaculada e pura!<br />
O Amor há <strong>de</strong> vos dar todos os dons divinos;<br />
Eterna irradiação que atinge a mais escura<br />
Estrada <strong>de</strong> aflição, <strong>de</strong> dor e <strong>de</strong>sventura,<br />
— Raio <strong>de</strong> eterno sol na senda dos <strong>de</strong>stinos.<br />
Derramai com pieda<strong>de</strong> a lágrima terrestre!”<br />
Mas eis que Judas chega e lhe diz: — “Salve, Mestre!”<br />
E tomalhe das mãos, osculandolhe a fronte...<br />
E Jesus abençoando aquelas almas cegas,<br />
Respon<strong>de</strong> humil<strong>de</strong>mente: — “É assim que tu me entregas”<br />
Vendo as coortes do Céu nas fímbrias do horizonte...<br />
A CRUCIFICAÇÃO<br />
Fita o Mestre, da cruz, a multidão fremente,<br />
A negra multidão <strong>de</strong> seres que ainda ama.<br />
Sobre tudo se esten<strong>de</strong> o raio <strong>de</strong>ssa chama,<br />
Que lhe mana da luz do olhar cLarivi<strong>de</strong>nte.<br />
Gritos e altercações! Jesus, amargamente,<br />
Contempla a vastidão celeste que o reclama;<br />
Sob os gládios da dor aspérrima, <strong>de</strong>rrama<br />
As lágrimas <strong>de</strong> fel do pranto mais ar<strong>de</strong>nte.<br />
Soluça no silêncio. Alma doce e submissa,<br />
E em vez <strong>de</strong> suplicar a Deus para a injustiça<br />
O fogo <strong>de</strong>struidor em tormentos que arrasem,<br />
Lança os marcos da luz na noite primitiva,<br />
E clama para os Céus em prece compassiva:<br />
“— Perdoailhes, meu Pai, não sabem o que fazem!..”
273 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
AOS DESCRENTES<br />
Vós, que seguis a turba <strong>de</strong>svairada,<br />
As hostes dos <strong>de</strong>screntes e dos loucos,<br />
Que <strong>de</strong> olhos cegos e <strong>de</strong> ouvidos moucos<br />
Estão longe da senda iluminada,<br />
Retroce<strong>de</strong>i dos vossos mundos ocos,<br />
Começai outra vida em nova estrada,<br />
Sem a i<strong>de</strong>ia falas do gran<strong>de</strong> Nada,<br />
Que entorpece, envenena e mata aos poucos.<br />
Ó ateus como eu fui — na sombra imensa<br />
Erguei <strong>de</strong> novo o eterno altar da crença,<br />
Da fé viva, sem cárcere mesquinho!<br />
Banhaivos na divina clarida<strong>de</strong><br />
Que promana das luzes da Verda<strong>de</strong>,<br />
Sol eterno na glória do caminho!<br />
IDEAL<br />
Na Terra um sonho eterno <strong>de</strong> beleza<br />
Palpita em todo o espírito que, ansioso,<br />
Espera a luz esplêndida do gozo<br />
Das sínteses <strong>de</strong> amor da Natureza;<br />
É ansieda<strong>de</strong> perpetuamente acesa<br />
No turbilhão medonho e tenebroso<br />
Da carne, on<strong>de</strong> a esperança sem repouso<br />
Luta, sofre e soluça, e sonha presa.<br />
Aspirações do mundo miserando,<br />
Guardadas com ternura, com <strong>de</strong>svelos,<br />
Nas lágrimas <strong>de</strong> dor do peito aflito!...<br />
Mas que o homem realiza apenas, quando,<br />
Rotas as carnes, brancos os cabelos,<br />
Sente o beijo <strong>de</strong> glória do Infinito!...
274 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
RESSURREIÇÃO<br />
Extingase o calor do foco aurifulgente<br />
Do Sol que vivifica o Mundo e a Natureza;<br />
Apaguese o fulgor <strong>de</strong> tudo o que alma presa<br />
As grilhetas do corpo, adora, anela e sente;<br />
Tombe no caos do nada, em túrgida surpresa,<br />
O que o homem pensou num sonho <strong>de</strong> <strong>de</strong>mente,<br />
Os mistérios da fé, fulcro <strong>de</strong> luz potente,<br />
O templo, o lar, a lei, os tronos e a realeza;<br />
Estertore e soluce exausto e moribundo,<br />
Debilmente pulsando, o coração do mundo,<br />
Morto à míngua <strong>de</strong> luz, ambicionando a glória;<br />
O Espírito imortal, <strong>de</strong>pois das <strong>de</strong>rrocadas,<br />
Numa ressurreição <strong>de</strong> eternas alvoradas,<br />
Subirá para Deus num canto <strong>de</strong> vitória.<br />
O LIVRO<br />
Eilo! Facho <strong>de</strong> amor que, redivivo, assoma<br />
Des<strong>de</strong> a taba feroz em folhas <strong>de</strong> granito,<br />
Da Índia misteriosa e dos louros do Egito<br />
Ao fausto senhoril <strong>de</strong> Cartago e <strong>de</strong> Roma!<br />
Vaso revelador retendo o excelso aroma<br />
Do pensamento a erguerse esplêndido e bendito,<br />
O Livro é o coração do tempo no Infinito,<br />
Em que a i<strong>de</strong>ia imortal se renova e retoma.<br />
Companheiro fiel da virtu<strong>de</strong> e da História,<br />
Guia das gerações na vida transitória,<br />
É o nume apostolar que governa o <strong>de</strong>stino;<br />
Com Hermes e Moisés, com Zoroastro e Buda,<br />
Pensa, corrige, ensina, experimenta, estuda,<br />
E brilha com Jesus no Evangelho Divino.
275 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
BRASIL<br />
Des<strong>de</strong> o Nilo famoso, aberto ao sol da graça,<br />
Da virtu<strong>de</strong> ateniense à gran<strong>de</strong>za espartana,<br />
O anjo triste da paz chora e se <strong>de</strong>sengana,<br />
Em vão plantando o amor que o ódio <strong>de</strong>spedaça,<br />
Tribos, tronos, nações... tudo se esfuma e passa.<br />
Mas o torvo dragão da guerra soberana<br />
Ruge, fere, <strong>de</strong>strói e se alteia e se ufana,<br />
Disputando o po<strong>de</strong>r e <strong>de</strong>negrindo a raça.<br />
Eis, porém, que o Senhor, na América nascente,<br />
Acen<strong>de</strong> nova luz em novo continente<br />
Para a restauração do homem exausto e velho.<br />
E aparece o Brasil que, valoroso, avança,<br />
Encerrando consigo, em láureas <strong>de</strong> esperança,<br />
O Coração do Mundo e a Pátria do Evangelho.
276 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
50<br />
PEDRO DE ALCÂNTARA<br />
Meu Brasil No exílio – Rogativa – Soneto Página <strong>de</strong> gratidão <br />
Oração ao Cruzeiro Ban<strong>de</strong>ira do Brasil Brasil do Bem – Brasil<br />
O ÚLTIMO imperador <strong>de</strong>ixou alguns sonetos, que, bem o sabemos, há<br />
quem diga não serem da sua lavra. Ignoramos por que Dom Pedro II, alma<br />
boníssima, vibrátil, e espírito culto, não pu<strong>de</strong>sse fazer o que fizeram e fazem tantos<br />
outros patrícios nossos, a ponto <strong>de</strong> ser correntio o conceito <strong>de</strong> que todo brasileiro é<br />
poeta aos 20 anos. De qualquer forma, entretanto, o que se não po<strong>de</strong>rá negar é a<br />
estreita afinida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes sonetos com os que, <strong>de</strong> Dom Pedro, conhecemos.<br />
MEU BRASIL<br />
Longe do meu Brasil, triste e saudoso,<br />
Bastas vezes sentia, mal <strong>de</strong>sperto,<br />
Com o coração pulsando, estar já perto<br />
Do pátrio lar risonho e bonançoso.<br />
E <strong>de</strong>plorava o rumo escuro e incerto,<br />
Do meu <strong>de</strong>sterro amargo e <strong>de</strong>sditoso,<br />
Desalentado e fraco, sem repouso,<br />
O coração em úlceras aberto.<br />
Enviava, a chorar, na aura fagueira,<br />
Minhas recordações em terna prece<br />
Ao torrão que adorara a vida inteira;<br />
Até que a acerba dor, enfim, pu<strong>de</strong>sse<br />
Arrebatarme à vida verda<strong>de</strong>ira.<br />
On<strong>de</strong> a luz da verda<strong>de</strong> resplan<strong>de</strong>ce.
277 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
NO EXÍLIO<br />
Po<strong>de</strong> o céu do <strong>de</strong>sterro ser tão belo,<br />
Quanto o céu do país em que nascemos;<br />
Nada faz com que o nosso <strong>de</strong>sprezemos,<br />
Acalentando o sonho <strong>de</strong> revêlo.<br />
Todo o nosso i<strong>de</strong>al pomos no anelo<br />
De regressar, e voando sobre extremos,<br />
Com o pensamento ansioso percorremos<br />
Nosso amado rincão, lindo ou singelo.<br />
Jaz no <strong>de</strong>sterro a plaga da amargura,<br />
De acerba pena ao pobre penitente,<br />
De amaro pranto da alma torturada;<br />
A alegria no exílio é <strong>de</strong>sventura,<br />
É a sauda<strong>de</strong> na ânsia mais pungente<br />
De retornar à pátria idolatrada.<br />
ROGATIVA<br />
Magnânimo Senhor que os orbes cria,<br />
Povoando o Universo ilimitado,<br />
Que dá pão ao faminto e ao <strong>de</strong>sgraçado,<br />
E ao sofredor os raios da alegria,<br />
Se, <strong>de</strong> novo, no mundo, <strong>de</strong>sterrado,<br />
Necessitar viver inda algum dia,<br />
Que regresse ditoso ao solo amado<br />
Da generosa pátria que eu queria;<br />
Se é mister retornar a um novo exílio,<br />
Seja o Brasil, lá on<strong>de</strong> eu <strong>de</strong>sejara<br />
Ter vertido o meu pranto <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro...<br />
Que, novamente viva sob o brilho,<br />
Da mesma luz gloriosa que eu amara,<br />
Na alcandorada terra do Cruzeiro.
278 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
SONETO<br />
No exílio é que a alma vive da lembrança,<br />
Numa doce sauda<strong>de</strong> enternecida,<br />
Tendo chorosa a vista que se cansa<br />
De procurar a pátria estremecida;<br />
Com dolorosas lágrimas avança,<br />
Do sonho que teceu e amou na vida,<br />
Para a morte, on<strong>de</strong> tem sua esperança,<br />
Na celeste ventura prometida.<br />
E Deus, que os orbes cria, generoso,<br />
Na vastidão dos céus iluminados,<br />
Conce<strong>de</strong> a paz ao triste e ao <strong>de</strong>sditoso<br />
Na clara luz dos mundos elevados,<br />
On<strong>de</strong>, do amor, reserva o eterno gozo<br />
Para as almas dos pobres <strong>de</strong>sterrados.<br />
PÁGINA DE GRATIDÃO<br />
Tangendo as cordas da harpa da sauda<strong>de</strong>,<br />
Venho ao Brasil buscar a essência pura<br />
Do amor da pátria minha, da doçura<br />
Da flor cheia do aroma da amiza<strong>de</strong>.<br />
Pren<strong>de</strong>me o coração a suavida<strong>de</strong><br />
Desse arroubo <strong>de</strong> afeto e <strong>de</strong> ternura<br />
D’alma do povo meu, que <strong>de</strong> ventura<br />
E <strong>de</strong> alegria o espírito me inva<strong>de</strong>.<br />
Do misterioso aquém da morte, eu vejo,<br />
Sentindo, essa onda intensa e luminosa<br />
Da afeição, que i<strong>de</strong>aliza o meu <strong>de</strong>sejo:<br />
E tendo a gratidão por companheira,<br />
Volvo ao pátrio torrão <strong>de</strong> alma saudosa,<br />
Amando mais a Terra Brasileira.
279 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
ORAÇÃO AO CRUZEIRO<br />
(No cinquentenário da Abolição)<br />
Luminosas estrelas do Cruzeiro,<br />
Iluminai a terra da Esperança,<br />
Na doce proteção <strong>de</strong> um povo inteiro<br />
On<strong>de</strong> a mão <strong>de</strong> Jesus <strong>de</strong>sce e <strong>de</strong>scansa.<br />
Símbolo sacrossanto <strong>de</strong> aliança<br />
De paz e amor do Eterno Pegureiro,<br />
Guardai as clarida<strong>de</strong>s da Bonança<br />
Na vastidão do solo brasileiro.<br />
Constelação da Cruz, cheia <strong>de</strong> graças,<br />
Transfundi numa só todas as raças,<br />
No país da esperança e da bonda<strong>de</strong>.<br />
Que o Brasil, sob a luz da tua glória,<br />
Possa escrever, no mundo, a gran<strong>de</strong> história<br />
Das epopéias da Fraternida<strong>de</strong>.<br />
BANDEIRA DO BRASIL<br />
Ban<strong>de</strong>ira do Brasil, símbolo da bonança,<br />
Enquanto a guerra estruje indômita e sombria,<br />
Sê nos planos <strong>de</strong> luta o sinal <strong>de</strong> harmonia,<br />
Espalhando no mundo as bênçãos da Esperança.<br />
Assinalas, na Terra, o país da Alegria,<br />
On<strong>de</strong> toda a existência é um hino <strong>de</strong> abastança,<br />
Guardas contigo a luz da bemaventurança,<br />
És o florão da paz, marcando um novo dia.<br />
Nasceste sob a luz <strong>de</strong> um bem, alto e fecundo,<br />
Nunca te conspurcaste aos embates do mundo,<br />
Buscando iluminar as lutas, ao vivêlas...<br />
É por isso que Deus, que te ampara e equilibra,<br />
Deute um corpo auriver<strong>de</strong> on<strong>de</strong> a paz canta e vibra,<br />
E um coração azul, esmaltado <strong>de</strong> estrelas.
280 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
BRASIL DO BEM<br />
Eis que o campo <strong>de</strong> sombra se esfacela<br />
No doloroso e amargo cativeiro<br />
Da guerra que ameaça o mundo inteiro,<br />
Qual furacão no auge da procela.<br />
Mas na amplidão do solo brasileiro<br />
Outra expressão <strong>de</strong> vida se revela<br />
N’alma caridosa, heróica e bela,<br />
Que se engran<strong>de</strong>ce ao brilho do Cruzeiro.<br />
Gran<strong>de</strong> Brasil do Bem e da Abastança,<br />
Deus te guar<strong>de</strong> os tesouros da esperança,<br />
Des<strong>de</strong> as luzes dos céus à luz dos ninhos!<br />
Segue à frente do mundo aflito e errante<br />
E alça o pendão pacífico e triunfante,<br />
Como a doce promessa nos caminhos!...<br />
BRASIL<br />
Sopra o vento do Ódio e da Vingança,<br />
Aniquilando a Paz do mundo inteiro,<br />
Embora o Amor Divino do Cor<strong>de</strong>iro<br />
Seja a fonte da Bemaventurança.<br />
Mas a terra ditosa da Esperança<br />
Vive nas clarida<strong>de</strong>s do Cruzeiro,<br />
On<strong>de</strong> o Evangelho é o Doce Mensageiro<br />
Das bênçãos da Verda<strong>de</strong> e da Bonança.<br />
Meu Brasil, guarda a luz <strong>de</strong>ssa vitória,<br />
Que é o mais belo florão <strong>de</strong> tua glória<br />
Nos caminhos da espiritualida<strong>de</strong>.<br />
Ama a Deus. Faze o bem. Todo o problema<br />
Está na compreensão clara e suprema<br />
Do Trabalho, do Amor e da Verda<strong>de</strong>.
281 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
51<br />
RAIMUNDO CORREIA<br />
Sonetos<br />
NASCIDO a 13 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1859, a bordo do vapor São Luiz, na baía <strong>de</strong><br />
Mangunça, litoral do Maranhão, e <strong>de</strong>sencarnado em Paris a 13 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1911.<br />
Magistrado, membro da Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> Letras; além <strong>de</strong> justo e bom, po<strong>de</strong><br />
sem favor consi<strong>de</strong>rarse um dos maiores poetas da sua geração.<br />
SONETOS<br />
1<br />
Tudo passa no mundo, O homem passa<br />
Atrás dos anos sem compreendêlos;<br />
O tempo e a dor alvejamlhe os cabelos,<br />
À frouxa luz <strong>de</strong> uma ventura escassa.<br />
Sob o infortúnio, sob os atropelos<br />
Da dor que lhe envenena o sonho e a graça,<br />
Rasgase a fantasia que o enlaça,<br />
E vê morrer seus i<strong>de</strong>ais mais belos!...<br />
Longe, porém, das ilusões <strong>de</strong>sfeitas,<br />
Mostralhe a morte vidas mais perfeitas,<br />
Depois do pesa<strong>de</strong>lo das mãos frias...<br />
E como o anjinho débil que renasce,<br />
Chora, chora e sorri, qual se encontrasse<br />
A luz primeira dos primeiros dias.
282 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
2<br />
Ah!... se a Terra tivesse o amor, se cada<br />
Homem pensasse no tormento alheio,<br />
Se tudo fosse amor, se cada seio<br />
De mãe nutrisse os órfãos... Se na estrada<br />
Do contraste e da dor houvesse o anseio<br />
Do bem, que ampara a vida torturada,<br />
Que jamais viu um raio <strong>de</strong> alvorada<br />
Dentro da noite eterna que lhe veio<br />
Do sofrimento que ninguém conhece...<br />
Ah! se os homens se amassem nessa estância<br />
A dor então <strong>de</strong>sapareceria...<br />
A existência seria a ar<strong>de</strong>nte prece<br />
Erguida a Deus do seio da abundância,<br />
Entre os hinos da paz e da alegria.
283 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
52<br />
RAUL DE LEONI<br />
Luta Na Terra – Soneto – Nós “Post mortem” – Soneto<br />
FLUMINENSE, nascido em Petrópolis em 1895 e <strong>de</strong>sencarnado em<br />
Itaipava, com apenas 31 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Bacharel em Direito, foi <strong>de</strong>putado estadual e<br />
posteriormente Secretário <strong>de</strong> Legação. Entre os talentos da chamada nova geração, a<br />
sua afirmativa nos domínios da Arte Poética po<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rarse das mais<br />
fulgurantes. Além <strong>de</strong> O<strong>de</strong> a um Poeta Morto, <strong>de</strong>dicada a Olavo Bilac, <strong>de</strong> quem foi<br />
amigo dileto, <strong>de</strong>ixou Luz Mediterrânea, consi<strong>de</strong>rada como seu livro <strong>de</strong> ouro.<br />
LUTA<br />
Aí na Terra, as bemaventuranças<br />
São o sonho que o Espírito agasalha,<br />
Mas, mesmo após a morte, a alma trabalha<br />
Buscando o céu das suas esperanças.<br />
Muita vez, quando pensas que <strong>de</strong>scansas,<br />
Além te espera indômita batalha,<br />
On<strong>de</strong> o suposto gozo se estraçalha<br />
Sob o guante acerado das provanças.<br />
Para cá do sepulcro a dor antiga,<br />
Que nos traz o <strong>de</strong>sânimo, a fadiga,<br />
Sob a luz da verda<strong>de</strong> se atenua;<br />
A febre das paixões <strong>de</strong>saparece,<br />
O Espírito a si mesmo reconhece,<br />
Mas a luta infinita continua.
284 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
NA TERRA<br />
Renascendo no mundo da Quimera,<br />
Ao colhermos a flor da juventu<strong>de</strong>,<br />
É quando o nosso Espírito se ilu<strong>de</strong>,<br />
Julgandose na eterna primavera.<br />
Mas o tempo na sua mansuetu<strong>de</strong>,<br />
Pelas sendas da vida nos espera,<br />
Junto à dor que esclarece e regenera,<br />
Dentro da expiação estranha e ru<strong>de</strong>.<br />
E ao tombarmos no ocaso da existência,<br />
Nós revemos do livro da consciência<br />
Os caracteres gran<strong>de</strong>s, luminosos!<br />
Se vivemos no mal, quanta agonia!<br />
Mas se o bem praticamos todo o dia,<br />
Como somos felizes, venturosos!...<br />
SONETO<br />
Não te entregues na Terra à indiferença.<br />
Cheio <strong>de</strong> amor e fé, trabalha e espera;<br />
Nos domínios do mal, nada há que vença<br />
A alma boa, a alma pura, a alma sincera.<br />
No pensamento nobre persevera<br />
De servir, sempre alheio à recompensa;<br />
O <strong>de</strong>sejo do Bem dilata a esfera<br />
Das luzes sacratíssimas da Crença.<br />
Vive nas rutilantes almenaras<br />
Dos castelos do Amor <strong>de</strong> essências raras,<br />
Aspirando os olores da Pureza!...<br />
Terás na Terra, então, a vida calma...<br />
E a morte não será, para a tua alma,<br />
Jamais medonha e trágica surpresa.
285 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
NÓS...<br />
Nós todos vamos pela vida em fora<br />
Deixando no caminho os mesmos traços,<br />
Em Deus buscando a Perfeição que mora<br />
No cume inatingível dos Espaços!...<br />
Cada instante <strong>de</strong> dor nos aprimora,<br />
Desatando os grilhões, rompendo os laços<br />
Dessa animalida<strong>de</strong> atrasadora,<br />
Que procura tolher os nossos passos.<br />
Heróis <strong>de</strong> novas lendas carlovíngias,<br />
O Sonho imanta as nossas almas, cingeas,<br />
Na Luz I<strong>de</strong>al — o nosso excelso escudo;<br />
Buscando o In<strong>de</strong>finível, o Insondado,<br />
Deus, que é o Amor eterno e ilimitado<br />
E a gloriosa síntese <strong>de</strong> tudo.<br />
“POST MORTEM”<br />
Depois da morte, tudo aqui subsiste,<br />
Neste Além que sonhamos, que entrevemos,<br />
Quando a nossa alma chora nos extremos<br />
Dessa dor que no mundo nos assiste.<br />
Doce consolação, porém, existe<br />
Aos amargosos prantos que vertemos,<br />
Do conforto celeste os bens supremos<br />
Ao coração <strong>de</strong>salentado e triste.<br />
Também existe aqui a austera pena<br />
A consciência infeliz que se con<strong>de</strong>na,<br />
Por qualquer erro ou falta cometida;<br />
E a Morte continua eliminando<br />
A influência do mal, torvo e nefando,<br />
Para que brilhe a Perfeição da Vida.
286 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
SONETO<br />
Se todos nós soubéssemos na vida<br />
A Verda<strong>de</strong> grandiosa e soberana,<br />
Não faltaria o gozo que promana<br />
Dos sentimentos da missão cumprida.<br />
Mas na Terra a nossa alma empobrecida,<br />
Presa <strong>de</strong>ssa vaida<strong>de</strong> toda humana,<br />
De <strong>de</strong>sgraças e <strong>de</strong> erros se engalana<br />
Numa incerteza amarga, irreprimida...<br />
Vamos passando assim a vida inteira,<br />
Sem esposar a crença imorredoura,<br />
A fé <strong>de</strong>molidora <strong>de</strong> montanhas,<br />
Quase imersos na treva da cegueira,<br />
Sem vislumbrar a luz orientadora,<br />
Nessa noite <strong>de</strong> dúvidas estranhas!...
287 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
53<br />
RODRIGUES DE ABREU<br />
Vite, Senhor! No Castelo encantado<br />
POETA nascido em Capivari, São Paulo, a 17 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1899, e<br />
<strong>de</strong>sencarnado, tuberculoso, em Campos do Jordão, aos 24 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1927.<br />
Publicou Casa Destelhada, Noturnos e Sala dos Passos Perdidos, além <strong>de</strong> inúmeros<br />
trabalhos esparsos na imprensa do seu Estado. Foi cognominado — “o poeta triste<br />
dás rimas róseas”.<br />
VITE, SENHOR!<br />
Eu não pu<strong>de</strong> verTe, meu Senhor,<br />
Nos bemaventurados do mundo,<br />
Como aquele homem humil<strong>de</strong> e crente do conto <strong>de</strong> Tolstoi.<br />
Nunca pu<strong>de</strong> enxergar<br />
As Tuas mãos suaves e misericordiosas,<br />
On<strong>de</strong> gemiam as dores e as misérias da Terra;<br />
E a verda<strong>de</strong>, Senhor,<br />
É que Te achavas, como ainda Te encontras,<br />
Nos caminhos mais ru<strong>de</strong>s e espinhosos,<br />
Consolando os aflitos e os <strong>de</strong>sesperados...<br />
Estás no templo <strong>de</strong> todas as religiões,<br />
On<strong>de</strong> busquem Teus carinhos<br />
As almas sofredoras,<br />
Confundindo os que lançam o veneno do ódio em Teu nome,<br />
Trazendo a visão doce do Céu<br />
Para o olhar angustioso <strong>de</strong> todas as esperanças.<br />
Estás na direção dos homens,<br />
Em todos os caminhos <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s terrestres,<br />
Sem que eles se apercebam<br />
De Tua palavra silenciosa, e renovadora,<br />
De Tua assistência invisível e po<strong>de</strong>rosa,<br />
Cheia <strong>de</strong> pieda<strong>de</strong> para com as suas fraquezas.<br />
Entretanto,<br />
Eu era também cego no meio dos vermes vibráteis que são os homens,<br />
E não Te encontrava pelos caminhos ásperos...
288 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Mocida<strong>de</strong>, alegria, sonho e amor,<br />
Inquietação ambiciosa <strong>de</strong> vencer,<br />
E minha vida rolava no <strong>de</strong>clive <strong>de</strong> todas as ânsias...<br />
Chamasteme, porém,<br />
Com a mansidão <strong>de</strong> Tua misericórdia infinita.<br />
Não disseste o meu nome para não me ofen<strong>de</strong>r;<br />
Chamasteme sem exclamações lamentosas,<br />
Com o verbo silencioso do Teu amor,<br />
E antes que a morte coroasse a Tua magnanimida<strong>de</strong> para comigo,<br />
Vi que chegavas <strong>de</strong>vagarinho,<br />
Iluminando o santuário do meu pensamento<br />
Com a Tua luz <strong>de</strong> todos os séculos!<br />
Falasteme com a Tua linguagem do Sermão da Montanha,<br />
Multiplicaste o pão das minhas alegrias<br />
E abristeme o Céu, que a Terra fechara <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> minhalma...<br />
E entendiTe, Senhor,<br />
Nas Tuas maravilhas <strong>de</strong> beleza,<br />
Quando Te vi na paz da Natureza,<br />
Curandome com a Dor.<br />
NO CASTELO ENCANTADO<br />
Eu ainda não era um homem,<br />
Quando subi aos elevados promontórios da esperança,<br />
Divisando os países da beleza.<br />
Meu coração pulou com um ritmo <strong>de</strong>scompassado<br />
E <strong>de</strong>sejei a luz das cida<strong>de</strong>s distantes,<br />
O perfume das florestas prodigiosas<br />
On<strong>de</strong> cantavam as aves da mocida<strong>de</strong> e da glória.<br />
Tudo sonhei contemplando o horizonte!...<br />
Na embriaguez da ansieda<strong>de</strong> e do <strong>de</strong>sejo,<br />
Não vi o cântaro <strong>de</strong> mel<br />
Que minha mãe <strong>de</strong>ixara com o seu beijo<br />
Na prateleira humil<strong>de</strong> <strong>de</strong> minhalma.<br />
Gotas <strong>de</strong> mel, palavras <strong>de</strong> oração —<br />
“Pai Nosso que estais no Céu...”<br />
“Ave Maria, cheia <strong>de</strong> graças...”<br />
Gotas do mel <strong>de</strong> amor, do coração.
289 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Tudo esqueci, por infelicida<strong>de</strong>,<br />
E an<strong>de</strong>i como um fauno louco pelos mares remotos e pelas ilhas<br />
<strong>de</strong>sconhecidas...<br />
Eu era dono do mundo inteiro<br />
Porque era senhor dos sonhos absolutos,<br />
Adormecendo à sombra enganadora<br />
Da árvore da ilusão, on<strong>de</strong> quase todos os frutos apodrecem.<br />
E quando quebrava os últimos altares,<br />
Na inquietação da carne e do <strong>de</strong>sejo,<br />
Chegou ao país <strong>de</strong> minhalma um romeiro triste dos Céus,<br />
Falando como Jeremias sobre a Jerusalém <strong>de</strong> minhas ânsias:<br />
“A sombra da ilusão envenenate a vida....<br />
“Eu corrijo as paisagens interiores,<br />
Tragote o pão dos gran<strong>de</strong>s amargores,<br />
“Sou a Dor, ficarei sempre contigo.<br />
“Guarda as minhas verda<strong>de</strong>s, meu amigo,<br />
“Manda o Senhor que eu seja a companheira<br />
“De tua vida inteira...<br />
“Irás comigo a mundos ignorados,<br />
“Darteei maravilhas<br />
“Ao sol dos meus castelos encantados...”<br />
Eu não sei explicar o mistério<br />
Daquela personagem enigmática<br />
Que se intrometia, afoitamente,<br />
Na minha estrada <strong>de</strong> alegria.<br />
Seu olhar parecia<br />
A clarida<strong>de</strong> estranha <strong>de</strong> toda a resignação e <strong>de</strong> todo o pa<strong>de</strong>cimento.<br />
E, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> esse momento,<br />
Casouse comigo a Dor, <strong>de</strong> tal maneira,<br />
Que a senti junto a mim, a vida inteira:<br />
Rouboume todas as glórias da Terra,<br />
Fez fugirseme a noiva idolatrada,<br />
Deixoume só na lôbrega jornada,<br />
Afastoume a alegria da saú<strong>de</strong>,<br />
Apodreceu meu coração em sua mão,<br />
Deume as sombras dos Campos do Jordão,<br />
Fez <strong>de</strong> meu sonho a casa <strong>de</strong>stelhada,<br />
On<strong>de</strong> as chuvas <strong>de</strong> todas as misérias<br />
Caíram sem cessar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> esse dia;<br />
Crestoume a flor ditosa da alegria,<br />
Tudo levoume a dor incontentada...
290 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Mas oh! suave milagre <strong>de</strong> ventura,<br />
Ela <strong>de</strong>ume os palácios encantados<br />
On<strong>de</strong> brilham as luzes dAquele que se sacrificou na cruz por todos os<br />
homens!...<br />
Pela sua porta estreita,<br />
Encaminhoume à sensação perfeita<br />
De Tua inefável presença, ó Senhor <strong>de</strong> Bonda<strong>de</strong>.<br />
Nas gran<strong>de</strong>zas <strong>de</strong> Tua clarida<strong>de</strong>,<br />
Calase o meu verso humil<strong>de</strong>,<br />
Porque com a Dor<br />
Sinto que Te compreendo, meu Senhor,<br />
E abençôo contente<br />
As mágoas que me <strong>de</strong>ste antigamente...<br />
Pois agora é que eu sei<br />
Banharme todo nessa fonte imensa<br />
Da paz, doce e balsâmica da crença,<br />
Enxergando na tamareira da esperança,<br />
A cuja sombra o espírito <strong>de</strong>scansa,<br />
Pelos <strong>de</strong>sertos áridos do mundo,<br />
O único fruto eterno, bom e fecundo...<br />
Fruto que é o Teu amor<br />
E a Tua carida<strong>de</strong>, meu Senhor,<br />
Sustentando a infeliz Humanida<strong>de</strong>,<br />
Des<strong>de</strong> as pedras da Terra<br />
Aos jardins <strong>de</strong> esplendor da Eternida<strong>de</strong>!
291 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
54<br />
SOUZA CALDAS<br />
Ato <strong>de</strong> contrição Versão do Salmo 12 Versão do Salmo 18<br />
NASCIDO na cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro, em 1762, e aí <strong>de</strong>sencarnado em<br />
1814. Formado em Direito pela Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra, abraçou mais tar<strong>de</strong> a<br />
carreira eclesiástica, or<strong>de</strong>nandose em Roma. Dizem que as suas melhores<br />
composições, as que o levaram a ser preso pelo Santo Ofício, per<strong>de</strong>ramse.<br />
Acreditamos que o médium ignorava a circunstância <strong>de</strong> ser a tradução dos Salmos<br />
<strong>de</strong> David, justamente, <strong>de</strong> suas obras poéticas, a mais apreciada.<br />
ATO DE CONTRIÇÃO<br />
A vós<br />
Senhor,<br />
Meu Deus<br />
De Amor,<br />
Minhalma<br />
Implora<br />
A salvação!<br />
Meu Pai,<br />
Bem sei<br />
Que mal<br />
An<strong>de</strong>i,<br />
Buscando<br />
O erro<br />
E a imperfeição;<br />
Assim<br />
Pequei,<br />
Na treva<br />
Errei,<br />
E jus<br />
Eu fiz<br />
A expiação.
292 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Vós sois,<br />
Porém,<br />
Farol<br />
Do Bem!<br />
Ouvi<br />
Dos Céus<br />
Minha oração.<br />
Sois vós<br />
A luz,<br />
E junto<br />
A cruz<br />
254<br />
Do meu<br />
Sofrer,<br />
Quero o perdão;<br />
Perdão<br />
Que traz<br />
Sossego<br />
E paz<br />
Ao meu<br />
Viver<br />
Na provação.<br />
Suplicoo<br />
A vós,<br />
Na dor<br />
Atroz,<br />
Amara<br />
E ru<strong>de</strong><br />
Da contrição!<br />
Dai ao<br />
Meu ser,<br />
Aflito<br />
Ao ver<br />
O seu<br />
Pecado,<br />
A re<strong>de</strong>nção;
293 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
E hei <strong>de</strong><br />
Po<strong>de</strong>r<br />
Feliz<br />
Vencer<br />
Do mal<br />
Cruel<br />
O atroz dragão!<br />
VERSÃO DO SALMO 12<br />
Senhor dos Mundos, na Terra inteira,<br />
Os maus somente é que dominam,<br />
Ru<strong>de</strong>s tiranos e os impiedosos<br />
De coração.<br />
Ganham favores, buscam louvores,<br />
Espezinhando seus semelhantes,<br />
Tripudiando nas vossas leis,<br />
Ímpios que são.<br />
Causam a ruína da vossa casa,<br />
Lançam injúrias ao vosso nome,<br />
Adoradores da iniquida<strong>de</strong>,<br />
Da imperfeição.<br />
Vossas ovelhas são confundidas,<br />
E sufocadas pelo amargor,<br />
Fracas e pobres andam saudosas,<br />
Do vosso amor.<br />
São elas todas, pobres e humil<strong>de</strong>s,<br />
Glorificaias, meu Criador!<br />
Alevantaias do abismo escuro<br />
Com a vossa luz!<br />
Vossa bonda<strong>de</strong>, imensa e eterna,<br />
É a esperança dos pecadores;<br />
Pai amoroso, salvai os homens,<br />
Confio em vós!
294 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
VERSÃO DO SALMO 18<br />
Por toda a parte<br />
Veja a criatura,<br />
Na noite escura<br />
Da sua dor,<br />
A eterna força<br />
De um Deus clemente,<br />
Onipotente,<br />
Cheio <strong>de</strong> amor.<br />
Astros e mundos<br />
No céu girando,<br />
Aves cantando,<br />
O mar e a flor,<br />
Todos os seres<br />
Hinos entoem,<br />
Cantos ressoem<br />
Ao Criador!<br />
Eterno Artífice<br />
Que os sóis mo<strong>de</strong>la,<br />
Lustres da auréola<br />
Da Criação,<br />
Sois a bonda<strong>de</strong><br />
A mais perfeita,<br />
A Luz Eleita,<br />
A salvação.<br />
Doce refúgio<br />
Dos <strong>de</strong>sgraçados,<br />
Aos meus pecados,<br />
Muitos que são,<br />
Imploro e clamo,<br />
Com o meu espírito<br />
Turbado e aflito,<br />
Vosso perdão.<br />
Que <strong>de</strong>sprezei<br />
O ouro brilhante,<br />
Lindo e faiscante,<br />
Bem sei, Senhor!<br />
Como fugi<br />
Da hora fugace<br />
Que me afastasse<br />
Do vosso amor!<br />
Mas bem sabeis<br />
Que a carne impura<br />
Leva a criatura
295 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
A mais pecar;<br />
Fazendo assim<br />
Pra meu tormento,<br />
Meu pensamento<br />
Prevaricar.<br />
Porém, o vosso<br />
Amor profundo<br />
Redime o mundo<br />
Do pa<strong>de</strong>cer;<br />
Dandolhe o tempo<br />
E áspera lida<br />
Para na vida<br />
Tudo vencer.<br />
Vós que acen<strong>de</strong>stes<br />
Faróis brilhantes,<br />
Sóis rutilantes<br />
Dalmo esplendor,<br />
Cantando a vida,<br />
A onipotência<br />
E a pura essência<br />
Do vosso amor!<br />
Que sois o sol<br />
Dos universos,<br />
Mundos dispersos<br />
Na imensidão.<br />
Além da força<br />
Vós sois, também,<br />
O sumo bem<br />
E a perfeição<br />
Que vence o mal,<br />
O orgulho e a dor,<br />
Que o pecador<br />
No coração<br />
Guarda com zelo,<br />
Cruéis inimigos,<br />
Que são amigos<br />
Da perdição.<br />
Misericórdia,<br />
Assim espero,<br />
Almejo e quero<br />
Para que eu<br />
E os meus irmãos<br />
O mal <strong>de</strong>ixemos<br />
E abandonemos<br />
Buscando o Céu.
296 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Por vossa causa<br />
O maior gozo,<br />
Esplendoroso,<br />
Desprezarei,<br />
Para que eu viva<br />
Na luz fulgente,<br />
Eternamente,<br />
Da vossa lei.<br />
Assim, Senhor,<br />
Minhalma aguarda<br />
A luz que tarda<br />
Ao mundo vão,<br />
Que há <strong>de</strong> esplen<strong>de</strong>r<br />
Nos homens todos,<br />
Limpando os lodos<br />
Da imperfeição.<br />
Dominareis<br />
Toda a impieda<strong>de</strong><br />
Pela verda<strong>de</strong><br />
Que em vós transluz!<br />
E, servo, aguardo<br />
Do vosso amor<br />
Consolo à dor,<br />
Amparo e luz!
297 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
55<br />
UM DESCONHECIDO<br />
Meditando O nobre castelão Nesga <strong>de</strong> Céu<br />
MEDITANDO<br />
Eu fui daquelas almas que viveram<br />
Sem conhecer da Terra os paraísos,<br />
Que somente a amargura dos sorrisos<br />
Pela noite das dores conheceram.<br />
Não que eu fosse infeliz e <strong>de</strong>sditoso,<br />
Pois fui também humano entre os humanos,<br />
E através dos meus dias, dos meus anos,<br />
Se eu quisesse gozar, teria o gozo.<br />
É que ao sentir no âmago do peito<br />
A atitu<strong>de</strong> do homem nossa vida,<br />
Coração enganado, alma iludida,<br />
Afastado do Puro e do Perfeito,<br />
O meu ser que sonhara a Humanida<strong>de</strong><br />
Qual um ramo <strong>de</strong> flores perfumosas,<br />
Viu as almas tremerem, <strong>de</strong>sditosas,<br />
Sob o peso da própria iniquida<strong>de</strong>.<br />
E isolado nos gran<strong>de</strong>s sofrimentos<br />
De ser só, na aspereza dos caminhos,<br />
Encontrei o prazer pelos espinhos,<br />
Ao trilhar os carreiros dos tormentos.<br />
Pois no mundo pequeno da minhalma,<br />
Quando em dor me envolvia a <strong>de</strong>sventura,<br />
Eu vislumbrava a luz brilhante e pura<br />
Que me trazia a paz, bonança e calma:<br />
— Era a luz que me vinha da visão<br />
De ver o CristoAmor, entre cansaços,<br />
E tinha então prazer <strong>de</strong> ver meus braços<br />
Enlaçados na cruz da provação.
298 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
O NOBRE CASTELÃO<br />
No interior<br />
Do esplêndido alcançar,<br />
Agonizava o senhor<br />
Dos domínios extensos.<br />
O dono do solar<br />
Nos espasmos intensos<br />
Da agonia,<br />
Em torno dirigia<br />
Um último olhar,<br />
E viu então<br />
O seu brasão<br />
Invicto e glorioso,<br />
Insculpido nas fúlgidas realezas<br />
Do castelo formoso,<br />
Transbordante <strong>de</strong> glórias e riquezas!<br />
Mais alongando a vista,<br />
Viulhe o feito da esplêndida conquista<br />
Nas grandiosas searas.<br />
Que em suas mãos avaras<br />
Foram armas cruéis, <strong>de</strong>struidoras,<br />
Martirizando as almas sofredoras.<br />
Contemplou seus tesouros passageiros,<br />
E em espasmos convulsos, <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iros,<br />
Opresso o coração,<br />
Mergulhado no pranto mais profundo,<br />
Expirou para o mundo<br />
O nobre castelão.<br />
A sua alma <strong>de</strong>spida das gran<strong>de</strong>zas,<br />
Das terrenas, efêmeras realezas,<br />
Bem após o transcurso <strong>de</strong> alguns anos<br />
De triste letargia,<br />
Foi um dia<br />
Despertada em amargos <strong>de</strong>senganos:<br />
Conturbado por agros dissabores,<br />
Contemplou seu solar<br />
Ocupado por outros moradores...<br />
A exclamar,<br />
Estranhou revoltado,<br />
Que ninguém acudisse ao seu chamado.<br />
E em atitu<strong>de</strong> austera,<br />
Tomado <strong>de</strong> energia,
299 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
De cólera severa<br />
Já que ele era o senhor,<br />
Reclamou os seus servos com calor<br />
E, entretanto, nenhum lhe obe<strong>de</strong>cia.<br />
Imerso em turvação,<br />
Somente, às vezes,<br />
Escutava nos ditos mais soezes<br />
Terrível maldição<br />
Das vítimas <strong>de</strong> antanho!<br />
E o sofrimento era, tamanho<br />
Em ser incompreendido,<br />
Que se julgou perdido<br />
Irremissivelmente<br />
Assim, constantemente,<br />
Durante o transcorrer <strong>de</strong> muitos dias,<br />
Conservouse naquelas cercanias<br />
Como presa feroz<br />
Do sofrimento atroz,<br />
De contínuos pesares e agonias...<br />
Todavia,<br />
O pobre sofredor,<br />
No auge do amargor,<br />
Recordouse que havia<br />
Um Pai Onipotente,<br />
E cheio <strong>de</strong> fervor,<br />
Humil<strong>de</strong> penitente,<br />
Implorou seu amor<br />
Numa súplica em lágrimas <strong>de</strong> pena.<br />
Sua alma sofredora<br />
Sentiuse então mais calma e mais serena,<br />
Penetrada <strong>de</strong> doce clarida<strong>de</strong>,<br />
De luz confortadora,<br />
Que provinha <strong>de</strong> alguém<br />
Que lhe fazia<br />
Meditar na gran<strong>de</strong>za da Verda<strong>de</strong><br />
E lhe dizia<br />
Da beleza do Amor, da Luz do Bem: —<br />
“O que sofres, amigo, é a consequência<br />
Da equívoca existência<br />
Que levaste,<br />
Já que sem pieda<strong>de</strong> aniquilaste<br />
Muitas almas e muitos corações,<br />
Que hoje te envolvem os lúridos momentos<br />
Em ru<strong>de</strong>s sofrimentos<br />
E estranhas maldições.
300 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Por que ocultaste as flores formosas<br />
Que na Terra colheste,<br />
Flores lindas que nunca ofereceste<br />
As almas <strong>de</strong>sditosas<br />
Por que não conce<strong>de</strong>ste um só bocado<br />
Do teu pão abundante<br />
Ao pobre esfomeado<br />
Ocupandote em gozo, a todo o instante,<br />
Jamais vestiste os nus, nem consolaste<br />
Aquele que sofria;<br />
Desprezavas o fraco e nunca amaste<br />
Quem <strong>de</strong> ti carecia!<br />
A carida<strong>de</strong>,<br />
O sentimentoluz, a flortesouro,<br />
Não tiveste em teus dias <strong>de</strong> malda<strong>de</strong><br />
No gran<strong>de</strong> sorvedouro!<br />
Porém, o Deus <strong>de</strong> Amor<br />
É sempre o magnânimo Senhor,<br />
E permite que voltes aos humanos,<br />
Para que se dissipem teus enganos<br />
No amargor;<br />
Voltarás,<br />
Porém, já não terás<br />
Efêmeras venturas,<br />
Serás agora escravo e não senhor...<br />
Conhecerás<br />
As dores e amarguras,<br />
As mágoas escabrosas.<br />
Pelas estradas ru<strong>de</strong>s e espinhosas!<br />
Abençoa o Senhor<br />
Que te conce<strong>de</strong> a dor,<br />
Para assim compreen<strong>de</strong>res<br />
Que os reais e legítimos prazeres<br />
Que da vida nos vêm,<br />
Não resi<strong>de</strong>m no Mal e sim no Bem.”
301 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
NESGA DE CÉU<br />
A alma extasiada<br />
Sobe... sobe...<br />
Há toda. uma amplidão Iluminada<br />
A sua vida...<br />
A estrada<br />
É uma etérea alfombra<br />
Sem resquícios <strong>de</strong> sombra!<br />
É o domínio da luz que ela conquista!<br />
Vibra no ar<br />
Dulcíssima harmonia,<br />
Como se fora feita<br />
De luar,<br />
De alegria...<br />
De alegria perfeita.<br />
Parece um hino <strong>de</strong> amor<br />
Dos Paganinis si<strong>de</strong>rais,<br />
A ventura, o fulgor,<br />
Transformados em notas musicais.<br />
Além, fulguram sóis;<br />
Em tudo há um misto<br />
Nunca visto<br />
De manhãs e arrebóis.<br />
Aos clarões <strong>de</strong>ssa aurora,<br />
A alma chora<br />
Em êxtase profundo.<br />
E lembrase que sofreu,<br />
Que amou, que pa<strong>de</strong>ceu.<br />
Ao longe, muito ao longe,<br />
O mundo<br />
É um ponto negro que gira...<br />
Ainda além, mais além,<br />
A ViaLáctea transluz,<br />
Como um é<strong>de</strong>n <strong>de</strong> luz<br />
E <strong>de</strong> amor.
302 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
Nesgas do céu, imagens <strong>de</strong> esplendor,<br />
Cenários majestosos,<br />
Soberbas harmonias<br />
Nos mundos luminosos!<br />
Seres que passam rápidos, flutuantes,<br />
Sorri<strong>de</strong>ntes, radiantes,<br />
Nos espaços sem termos, on<strong>de</strong> a vida<br />
É a imortalida<strong>de</strong><br />
Anelada, querida,<br />
De pureza, <strong>de</strong> beleza,<br />
De perfeição e <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong>!<br />
Em baixo as vastidões,<br />
Em cima, as emoções<br />
Do ilimitado.<br />
Atrás a noite e as mágoas <strong>de</strong> agonia<br />
Do passado;<br />
E, em frente,<br />
Um futuro esplen<strong>de</strong>nte<br />
Pintalgado <strong>de</strong> rosas,<br />
Da mais pura alegria.<br />
Feito <strong>de</strong> éter, <strong>de</strong> sonho,<br />
O caminho é risonho,<br />
Recamado <strong>de</strong> flores perfumosas.<br />
Melodia, luz, aroma!...<br />
De repente<br />
Numa nesga <strong>de</strong> céu resplan<strong>de</strong>cente<br />
Assoma<br />
Uma rutila esfera,<br />
Como um país <strong>de</strong> doce primavera,<br />
Intérmina <strong>de</strong> gozos!...<br />
A alma se extasia<br />
Na luz do Eterno Dia.<br />
Com os pensamentos puros e radiosos,<br />
Ora a Deus:<br />
Recorda em prece os sofrimentos seus,<br />
Evoca as lágrimas vertidas!<br />
Contempla panoramas <strong>de</strong> outras vidas,<br />
Vidas <strong>de</strong> estranha dor...
303 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
Mas cada gota amarga dos seus prantos<br />
Agora<br />
É um raio <strong>de</strong> aurora,<br />
Que um a um<br />
Vão formando uma auréola<br />
De brilhos santos,<br />
Que a engrinalda <strong>de</strong> luz.<br />
Em suavíssima unção,<br />
A pobre alma orando,<br />
Chorando,<br />
Nessa prece<br />
Reconhece<br />
A alvorada <strong>de</strong> sua re<strong>de</strong>nção!
304 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
56<br />
VALADO ROSAS<br />
Aos meus irmãos Na paz do Além<br />
NASCEU em Viana do Castelo, Portugal, em 1871. Veio para o Brasil com<br />
14 anos e aqui viveu, poetou e <strong>de</strong>sencarnou, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Caratinga, aos 19 <strong>de</strong><br />
janeiro <strong>de</strong> 1930. Seu nome é Lázaro Fernan<strong>de</strong>s Leite do Val. Mo<strong>de</strong>sto quão<br />
talentoso, foi também um polemista e doutrinador espírita vigoroso, que ilustrou o<br />
pseudônimo na imprensa profana e doutrinária do Brasil e <strong>de</strong> sua pátria.<br />
AOS MEUS IRMÃOS<br />
Sob as estrelas da minha crença,<br />
Cansado e triste cerrei meus olhos<br />
Dentro da noite que é para muitos<br />
Um mar bravio, cheio <strong>de</strong> escolhos.<br />
Quando no mundo <strong>de</strong> exílio e sombra,<br />
Habitueime com as invernias<br />
E com os reveses da minha sorte,<br />
Na luta intensa que encheu meus dias,<br />
É que o Evangelho do Cristo amado,<br />
— O mensageiro da Perfeição,<br />
Nas horas tristes e amarguradas,<br />
Esclarecia meu coração:<br />
Não sou, no entanto, quem vá mostrar<br />
As maravilhas que ele fornece,<br />
Quando escutamos as vozes claras<br />
Da consciência, na luz da prece.<br />
E, então, eu pu<strong>de</strong> adormecer<br />
Na paz serena, doce e cristã,<br />
Abrindo os olhos tranquilamente<br />
Numa alvorada linda e louçã.<br />
Vós, que ficastes no mundo ingrato,<br />
De quem me lembro na luz do Além,<br />
Le<strong>de</strong> o roteiro dos Evangelhos...<br />
E a paz na marte tereis também.
305 – PARNASO DE ALÉMTÚMULO<br />
NA PAZ DO ALÉM<br />
Dentro da noite grandiosa e calma,<br />
Deixo a minhalma falar aqui,<br />
Aos companheiros <strong>de</strong> luta e crença,<br />
Da graça imensa que recebi.<br />
Graça divina <strong>de</strong> haver sofrido,<br />
De ser vencido no mundo vão,<br />
Graça <strong>de</strong> haver sorvido tanto<br />
O amargo pranto da ingratidão.<br />
Na vida obscura e transitória<br />
A nossa glória vive na dor,<br />
Dor <strong>de</strong> quem sofre sonhando e espera,<br />
Com fé sincera, no Pai <strong>de</strong> Amor.<br />
Subi o Gólgota dos meus pesares,<br />
Que os avatares da re<strong>de</strong>nção<br />
São todos feitos nas amarguras,<br />
Nas <strong>de</strong>sventuras da provação.<br />
Perdi na Terra doces afetos,<br />
Sonhos diletos <strong>de</strong> sofredor,<br />
Mas recebendo na gran<strong>de</strong> escola<br />
A gran<strong>de</strong> esmola do meu Senhor.<br />
E a Morte trouxeme a liberda<strong>de</strong>,<br />
A pieda<strong>de</strong>, o amparo e a luz!<br />
Feliz quem po<strong>de</strong> na dor terrestre<br />
Seguir o Mestre com sua cruz.<br />
– Fim –
306 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />
CONVITE:<br />
Convidamos você, que teve a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ler livremente esta obra, a<br />
participar da nossa campanha <strong>de</strong><br />
SEMEADURA DE LETRAS,<br />
que consiste em cada qual comprar um livro espírita,<br />
ler e <strong>de</strong>pois presenteálo a outrem,colaborando assim na<br />
divulgação do Espiritismo e incentivando as pessoas à boa leitura.<br />
Essa ação, certamente, ren<strong>de</strong>rá ótimos frutos.<br />
Abraço fraterno e muita LUZ para todos!<br />
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