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Parnaso de Além-Túmulo - Autores Espíritas Clássicos

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<strong>Parnaso</strong> <strong>de</strong><br />

ALÉM-TÚMULO<br />

Ditado por: ESPÍRITOS DIVERSOS<br />

Psicografado por:<br />

FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER


2 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Francisco Cândido Xavier<br />

Ditado por Espíritos diversos<br />

Primeira edição lançada em 1932<br />

Editora FEB – Fe<strong>de</strong>ração Espírita Brasileira<br />

www.febnet.org.br<br />

Digitalizada por:<br />

L. Neilmoris<br />

© 2009 – Brasil<br />

www.luzespirita.org.br


3 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

<strong>Parnaso</strong> <strong>de</strong><br />

ALÉM-TÚMULO<br />

Ditado por: ESPÍRITOS DIVERSOS<br />

Psicografado por:<br />

FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER


4 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Índice<br />

À guisa <strong>de</strong> prefácio — pag. 9<br />

Francisco Cândido Xavier — pag. 15<br />

Palavras minhas — pag. 16<br />

De pé, os mortos! — pag. 20<br />

1 – ABEL GOMES – Temos Jesus — pag. 22<br />

2 – A. G. ­ Morte — pag. 23<br />

3 – ALBÉRICO LOBO ­ Do meu porto — pag. 24<br />

4 – ALBERTO DE OLIVEIRA – Jesus ­ Ajuda e passa ­ Do último dia — pag. 25<br />

5 – ALFREDO NORA ­ Carta ligeira — pag. 27<br />

6 – ALPHONSUS DE GUIMARÃENS ­ Aos crentes – Redivivo ­ Sinos ­ Santa<br />

Virgo Vírginum — pag. 29<br />

7 – ALMA EROS ­ O cálice – O irmão — pag. 32<br />

8 – ÁLVARO TEIXEIRA DE MACEDO ­ Depois da festa — pag. 34<br />

9 – AMADEU () ­ O mistério da morte — pag. 35<br />

10 – AMARAL ORNELLAS ­ Ave Maria ­ O Tempo — pag. 36<br />

11 – ANTERO DE QUENTAL ­ Ciência ínfima ­ Rainha do Céu – À morte ­<br />

Depois da morte – Soneto ­ O Remorso – Soneto – Deus – Consolai – Crença ­ Não<br />

choreis ­ Mão divina ­ Almas sofredoras ­ Supremo engano – Incognoscível –<br />

Fatalida<strong>de</strong> ­ Estranho concerto — pag. 38<br />

12 – ANTÔNIO NOBRE ­ Quadras <strong>de</strong> um poeta morto ­ Do Além – Soneto ­ Ao<br />

mundo ­ À Mocida<strong>de</strong> — pag. 48<br />

13 – ANTÔNIO TORRES ­ Esquife do sonho ­ Nada — pag. 54


5 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

14 – ARTUR AZEVEDO ­ Miniaturas da Socieda<strong>de</strong> elegante — pag. 56<br />

15 – AUGUSTO DE LIMA ­ O doce missionário ­ O santo <strong>de</strong> Assis — pag. 58<br />

16 – AUGUSTO DOS ANJOS ­ Voz do Infinito ­ Vozes <strong>de</strong> uma sombra – Voz<br />

humana – Alma – Análise – Evolução – Homo ­ Incógnita ­ “Ego sum” ­ Dentro da<br />

noite ­ Homem­célula ­ Na imensida<strong>de</strong> ­ “Alter ego” – Aos fracos da vonta<strong>de</strong> ­ Ao<br />

homem ­ Matéria cósmica ­ Raça adâmica – A subconsciência – Espírito ­ Vida e<br />

morte ­ Nos véus da carne ­ Homem da Terra ­ Nas sombras – Confissão ­ Homemverme<br />

­ Gratidão a Leopoldina ­ Civilização em ruínas ­ A Lei ­ A um observador<br />

materialista ­ Ante o Calvário ­ Atualida<strong>de</strong> — pag. 63<br />

17 – AUTA DE SOUZA ­ Almas dilaceradas – Contrastes – Mágoa – Hora extrema<br />

­ Em paz ­ Em êxtase – Mãe – Prece – A<strong>de</strong>us – Almas – Almas <strong>de</strong> virgens ­ Carta<br />

íntima – Maria ­ Mensagem fraterna ­ Vin<strong>de</strong>! ­ O Senhor vem — pag. 68<br />

18 – B. LOPES ­ Miragens celestes – Cromos — pag. 97<br />

19 – BATISTA CEPELOS – Sonetos — pag. 100<br />

20 – BELMIRO BRAGA ­ Rimas <strong>de</strong> Outro Mundo – Bilhetes ­ Quadras — pag. 102<br />

21 – BITTENCOURT SAMPAIO ­ À Virgem ­ À Maria ­ Às filhas da Terra ­ À<br />

Virgem — pag. 107<br />

22 – CÁRMEN CINIRA ­ Minha luz ­ Aos Espíritos consoladores ­ Cigarra morta ­<br />

Era uma vez. ­ À Juventu<strong>de</strong> ­ O viajor e a Fé ­ O sinal ­ Na noite <strong>de</strong> Natal — pag. 111<br />

23 – CASIMIRO CUNHA ­ Na eterna luz – Anjinhos ­ Ascensão – Quadras ­<br />

Supremacia da Carida<strong>de</strong> – Versos – Símbolo – Pensamentos espíritas ­ Sombra e luz<br />

­ O beijo da morte ­ O engano ­ flores silvestres – Ao meu caro Quintão –<br />

Espiritismo ­ Aos companheiros da Doutrina — pag. 120<br />

24 – CASIMIRO DE ABREU ­ À minha terra ­ A Terra – Lembranças –<br />

Recordando — pag. 134<br />

25 – CASTRO ALVES ­ Marchemos! ­ A Morte — pag. 141<br />

26 – CORNÉLIO BASTOS ­ Não temas — pag. 147<br />

27 – CRUZ E SOUZA – Ansieda<strong>de</strong> – Heróis ­ Aos torturados – A sepultura ­ Anjos<br />

da Paz ­ Alma livre ­ “Gloria victis” ­ Nossa mensagem ­ Oração aos libertos – Céu<br />

­ Aos tristes ­ Beleza da morte – Mensageiro – Se queres ­ À dor ­ Noutras eras –<br />

Sofre – Exaltação – Vozes – Soneto ­ Glória da Dor ­ Quanta vez ­ I<strong>de</strong> e pregai –<br />

Carida<strong>de</strong> – Renúncia ­ Tudo vaida<strong>de</strong> – Ouvi­me ­ Felizes os que têm Deus ­ Glória<br />

aos humil<strong>de</strong>s ­ Aos trabalhadores do Evangelho — pag. 148


6 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

28 – EDMUNDO XAVIER DE BARROS – Vida ­ Diante da Terra — pag. 164<br />

29 – EMÍLIO DE MENEZES ­ Eu mesmo ­ Aos meus amigos da Terra — pag. 166<br />

30 – FAGUNDES VARELA – Imortalida<strong>de</strong> — pag. 168<br />

31 – GUERRA JUNQUEIRO ­ O padre João – Carida<strong>de</strong> – Romaria ­ Eterna vitima ­<br />

A um padre ­ “Um Quadro da Quaresma” — pag. 171<br />

32 – GUSTAVO TEIXEIRA ­ A São Pedro <strong>de</strong> Piracicaba — pag. 189<br />

33 – HERMES FONTES – Soneto ­ Minha vida ­ Poema da amargura e da<br />

esperança — pag. 190<br />

34 – IGNÁCIO JOSÉ DE ALVARENGA PEIXOTO ­ Redivivo — pag. 193<br />

35 – JESUS GONÇALVES ­ Anjo <strong>de</strong> re<strong>de</strong>nção — pag. 195<br />

36 – JOÃO DE DEUS ­ As lágrimas ­ O Céu – Morrer ­ O mau discípulo – Na<br />

estrada <strong>de</strong> Damasco ­ <strong>Parnaso</strong> <strong>de</strong> Além­Túmulo – Angústia materna ­ Lamentos do<br />

órfão ­ O leproso – Bonda<strong>de</strong> – Oração ­ A Fortuna – Oração – Além – Soneto ­ A<br />

Prece – Fraternida<strong>de</strong> – Lembrai a chama – Eterna mensagem ­ No Templo da<br />

Educação ­ Na noite <strong>de</strong> Natal — pag. 196<br />

37 – JOSÉ DO PATROCÍNIO ­ Nova Abolição — pag. 239<br />

38 – JOSÉ DURO ­ Aos homens – Soneto — pag. 240<br />

39 – JOSÉ SILVÉRIO HORTA ­ Oração — pag. 242<br />

40 – JÚLIO DINIZ ­ O Esposo da Pobreza – Poesia ­ Aves e anjos — pag. 246<br />

41 – JUVENAL GALENO – Pobres – Sextilhas ­ De cá — pag. 248<br />

42 – LEÔNCIO CORREIA ­ Sauda<strong>de</strong> — pag. 255<br />

43 – LUCINDO FILHO ­ Sem sombras — pag. 256<br />

44 – LUIZ GUIMARÃES JÚNIOR – Soneto ­ Voltando — pag. 257<br />

45 – LUIZ MURAT ­ Além ainda — pag. 259<br />

46 – LUIZ PISTARINI ­ No estranho portal — pag. 260<br />

47 – MARTA ­ Nunca te isoles – Unida<strong>de</strong> ­ No Templo da Morte – Jesus ­ Lembrate<br />

do Céu ­ Ao pé do altar ­ Mãe das mães — pag. 261


7 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

48 – MÚCIO TEIXEIRA ­ Honra ao trabalho — pag. 269<br />

49 – OLAVO BILAC ­ Jesus ou Barrabás – Soneto ­ No Horto – O beijo <strong>de</strong> Judas ­<br />

A crucificação ­ Aos <strong>de</strong>screntes – I<strong>de</strong>al – Ressurreição – O Livro – Brasil — pag. 270<br />

50 – PEDRO DE ALCÂNTARA ­ Meu Brasil ­ No exílio – Rogativa – Soneto ­<br />

Página <strong>de</strong> gratidão ­ Oração ao Cruzeiro ­ Ban<strong>de</strong>ira do Brasil – Brasil do Bem ­<br />

Brasil — pag. 276<br />

51 – RAIMUNDO CORREIA ­ Sonetos — pag. 281<br />

52 – RAUL DE LEONI – Luta ­ Na Terra – Soneto – Nós ­ “Post mortem” ­ Soneto<br />

— pag. 283<br />

53 – RODRIGUES DE ABREU ­ Vi­te, Senhor! ­ No Castelo encantado — pag. 287<br />

54 – SOUZA CALDAS ­ Ato <strong>de</strong> contrição ­ Versão do Salmo 12 ­ Versão do Salmo<br />

18 — pag. 291<br />

55 – UM DESCONHECIDO – Meditando ­ O nobre castelão ­ Nesga <strong>de</strong> Céu — pag.<br />

297<br />

56 – VALADO ROSAS ­ Aos meus irmãos ­ Na paz do Além — pag. 304


8 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

CONVITE:<br />

Convidamos você, que teve a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ler livremente esta obra, a<br />

participar da nossa campanha <strong>de</strong><br />

SEMEADURA DE LETRAS,<br />

que consiste em cada qual comprar um livro espírita,<br />

ler e <strong>de</strong>pois presenteá­lo a outrem,colaborando assim na<br />

divulgação do Espiritismo e incentivando as pessoas à boa leitura.<br />

Essa ação, certamente, ren<strong>de</strong>rá ótimos frutos.<br />

Abraço fraterno e muita LUZ para todos!<br />

www.luzespirita.org.br


9 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

À guisa <strong>de</strong> prefácio<br />

A teoria, tanto quanto a prática espírita, apresenta, aos leigos e inscientes,<br />

aspectos e modismos inéditos, imprevistos, bizarros, surpreen<strong>de</strong>ntes. Nos domínios<br />

da mediunida<strong>de</strong>, então, o reservatório <strong>de</strong> surpresas parece inesgotável e <strong>de</strong>sconcerta,<br />

e surpreen<strong>de</strong> até os observadores mais argutos e avisados.<br />

Se fôssemos minu<strong>de</strong>nciar, escarificar o assunto até às mais profundas<br />

raízes, po<strong>de</strong>ríamos concluir que o comércio <strong>de</strong> encarnados e <strong>de</strong>sencarnados, velho<br />

quanto o mundo, se indicia mais ou menos latente ou ostensivo, em todos os atos e<br />

feitos da Humanida<strong>de</strong>.<br />

Inspirações, i<strong>de</strong>ias súbitas ou pervicazes, sonhos, premonições e atos<br />

havidos por espontâneos e propriamente naturais, radicam muito e mais na<br />

influenciação dos Espíritos que nos cercam — por força e <strong>de</strong>rivativo da mesma lei<br />

<strong>de</strong> afinida<strong>de</strong> incoercível no plano físico, quanto no psíquico — do que a muitos<br />

po<strong>de</strong>ria parecer.<br />

E assim como se não <strong>de</strong>sloca nem se precipita, isoladamente, um Átomo no<br />

concerto si<strong>de</strong>ral dos mundos infinitos, assim também não há pensamento, i<strong>de</strong>ia,<br />

sentimento, isolados no conceito consciencial dos seres inteligentes, que atualizam e<br />

vivificam o pensamento divino, em ascese in<strong>de</strong>finida — semper ascen<strong>de</strong>ns...<br />

É o que fazia dizer a Luisa Michel: “um ser que morre, uma folha que cai,<br />

um mundo que <strong>de</strong>saparece, não são, nas harmonias eternas, mais que um silêncio<br />

necessário a um ritmo que não conhecemos ainda”.<br />

Mas, não há daí concluir que a criatura humana se reduza à condição <strong>de</strong><br />

autômato, sem vonta<strong>de</strong> e sem arbítrio, porque nada à revelia da Lei se verifica; e no<br />

jogo <strong>de</strong>ssa atuação constante, o ascen<strong>de</strong>nte dos <strong>de</strong>sencarnados não vai além das<br />

lin<strong>de</strong>s assinadas pela Providência; não ultrapassa, jamais, a capacida<strong>de</strong> receptiva do<br />

percipiente, seja para o bem, seja para o mal.<br />

* * *<br />

Não é, contudo, <strong>de</strong>sse mediunismo sutil, intrínseco, consubstancial à<br />

natureza humana, que importa tratar aqui. Nem remontaríamos aos filões da História<br />

para consi<strong>de</strong>rar­lhe a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> aos tempos da Índia, do Egito, da Grécia, das Gálias<br />

e <strong>de</strong> Roma. em trânsito para a Ida<strong>de</strong> Média, na qual os médiuns eram imolados ao<br />

mais estúpido dos fanatismos — o religioso. Hoje, fogueira e potro foram<br />

substituídos pela difamação, pelo ridículo alvar, pago em boa espécie monetária, ou<br />

ainda pelo cerco caviloso e interditório <strong>de</strong> quaisquer vantagens sociais.<br />

A luta tornou­se incruenta, mas, nem por isso, menos áspera e porfiosa.


10 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Assoalha­se que a mediunida<strong>de</strong> é fonte <strong>de</strong> mercantilismo: entretanto,<br />

nenhum gran<strong>de</strong> médium, que o saibamos, chegou a acumular fortuna e rendimentos.<br />

Muitos, ao invés, quais Home, Sla<strong>de</strong>. Eusápia e d’Espérance, morreram paupérrimos<br />

e, o que mais é, tendo a panejar­lhes a memória o labéu <strong>de</strong> charlatães.<br />

Mas houvesse <strong>de</strong> fato esse mercantilismo e nunca se justificaria, senão por<br />

abusivo e espúrio, <strong>de</strong> vez que a Doutrina o não autoriza, sequer por hipótese.<br />

Porque, na verda<strong>de</strong>, assim se escreve a História e o maior dos médiuns, o Médium<br />

<strong>de</strong> Deus, só escapou ao estigma da posterida<strong>de</strong> pela porta escusa do concílio <strong>de</strong><br />

Nicéia, numa divinização acomodaticia e rendosa ao formigamento parasitário e<br />

onímodo dos Constantinos, que, ainda hoje, lhe exploram os feitos e o nome<br />

augusto, com bulas políticas <strong>de</strong> vulpina retórica, factícios pruridos <strong>de</strong> grosseira<br />

mistificação, em bonsolatrias <strong>de</strong> cimento armado.<br />

Entretanto, como a confirmar a tradição — “os Santos Apóstolos foram, em<br />

sua maioria, humil<strong>de</strong>s pescadores” — e não só a tradição como a sentença <strong>de</strong> que os<br />

últimos seriam os primeiros —, não vêm hoje os vexilários da Verda<strong>de</strong> trazê­la aos<br />

magnatas da Terra. aos príncipes dos sacerdotes, escribas e fariseus hodiernos,<br />

disputantes à compita da magnífica carapuça e eles talhada e ajustada. <strong>de</strong> vinte<br />

séculos, no capitulo 23 <strong>de</strong> Mateus.<br />

Ao contrário, esses esculcas do Além parece preterirem os operários<br />

mo<strong>de</strong>stos, mo<strong>de</strong>stos e rústicos, rústicos e bons, como tão sutilmente os <strong>de</strong>fine o Eça<br />

em magistral mensagem: “Tipos originais, mãos calosas que se entregam aos ru<strong>de</strong>s<br />

trabalhos braçais, a fazerem a literatura do além­túmulo; homens a que Tartufo<br />

chama bruxos e Esculápio qualifica <strong>de</strong> basbaques, mistificadores, ou simples casos<br />

patológicos a estudar...”<br />

É verda<strong>de</strong> tudo isso; mas. Convenhamos, também o é para maior glória <strong>de</strong><br />

Deus.<br />

Não ignoramos que homens <strong>de</strong> alta cultura e renome científico têm versado<br />

o assunto, investigado, perquirido e proclamado a verda<strong>de</strong>, acima e além das<br />

conveniências e preconceitos políticos, científicos, religiosos. Nomeá­los aqui, seria<br />

fastidioso quanto inútil.<br />

O vulgo que não lê, ou que lê pela cartilha do Sr. vigário nos conselhos<br />

privados da família beata, não <strong>de</strong>itaria os seráficos olhares a estas páginas e seguiria,<br />

clamoroso ou contente, <strong>de</strong> qualquer forma inconsciente, — infinitus stultorum<br />

numerus — a <strong>de</strong>rrota do seu calvário, no melhor dos mundos, à Pangloss.<br />

O outro, o vulgo que lê e compreen<strong>de</strong>, mas para o qual o magister dixit é a<br />

melhor fórmula <strong>de</strong> concessão e acomodação consigo mesmo, estômago e vísceras<br />

em função, sofra a quem sofrer, doa a quem doer — esse, basofiando ciência em<br />

gestos largos <strong>de</strong> animalida<strong>de</strong> superior, se estas linhas chegasse a ler, haveria <strong>de</strong><br />

esboçar aquele sorriso fino e bom que Bonnemére não sabia <strong>de</strong>finir se seria <strong>de</strong><br />

Voltaire, ou do mais refinado dos idiotas...<br />

* * *<br />

Adiante, pois, na tarefa nada espartana <strong>de</strong> apresentar esta prova opima das<br />

esmolas <strong>de</strong> luz que nos chegam em revoada <strong>de</strong> graças, a encher­nos o coração <strong>de</strong><br />

alvissareiras esperanças.


11 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Quem quiser certezas maiores, explanações técnicas e eruditas do<br />

fenômeno em apreço, que as procure no livro Do País da Luz, obra similar, editada<br />

há uma vintena <strong>de</strong> anos. psicografada pelo médium português Fernando <strong>de</strong> Lacerda,<br />

e que fez, nas rodas profanas <strong>de</strong> Lisboa, o mais ruidoso sucesso. Nessa obra, o<br />

ilustre Dr. Sousa Couto, em magistral prefácio, esgotou o assunto ao encará­lo sob<br />

todos os prismas <strong>de</strong> uma severa crítica, para concluir pela transcendência do<br />

fenômeno, rebel<strong>de</strong> a todos os métodos <strong>de</strong> classificação científica e, sem embargo.<br />

realíssimo em sua especificida<strong>de</strong>.<br />

Pois, a nosso ver, maior é o mérito, por mais opulenta a polpa mediúnica,<br />

<strong>de</strong>sta obra. É que lá em Do Pais da Luz, avulta a prosa, com raras exceções; ao passo<br />

que aqui <strong>de</strong>sborda o verso, mais original, mais difícil, mais precioso como índice <strong>de</strong><br />

autenticida<strong>de</strong> autoral.<br />

Lá, as mensagens características são exclusivas <strong>de</strong> escritores lusos, únicas<br />

que po<strong>de</strong>m, a rigor, i<strong>de</strong>ntificar pelo estilo os seus autores. As <strong>de</strong> Napoleão 1º, Teresa<br />

<strong>de</strong> Jesus, etc., são incontestavelmente belas no fundo e na forma, mas não<br />

características <strong>de</strong> tais entida<strong>de</strong>s. Aqui, pelo contrário, não só concorrem poetas<br />

brasileiros e portugueses, como retinem cristalinas e contrastantes as mais variadas<br />

formas literárias, como a facilitarem <strong>de</strong> conjunto a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> cada um.<br />

Romantismo. Condoreirismo, Parnasianismo, Simbolismo, aí se ostentam<br />

em louçanias <strong>de</strong> sons e <strong>de</strong> cores, para afirmar não mais subjetiva, mas<br />

objetivamente, a sobrevivência dos seus intérpretes. É ler Casimiro e reviver<br />

Primaveras; é recitar Castro Alves e sentir Espumas flutuantes; é <strong>de</strong>clamar<br />

Junqueiro e lembrar a Morte <strong>de</strong> Dom João; é frasear Augusto dos Anjos e evocar Eu.<br />

Senão, vejamos:<br />

Oh! que clarão <strong>de</strong>ntro d’alma.<br />

Constantemente cismando.<br />

O pensamento sonhando<br />

E o coração a cantar,<br />

Na <strong>de</strong>licada harmonia<br />

Que nascia da beleza,<br />

Do ver<strong>de</strong> da Natureza,<br />

Do ver<strong>de</strong> do lindo mar!<br />

É Casimiro...<br />

Há mistérios peregrinos<br />

No mistério dos <strong>de</strong>stinos<br />

Que nos mandam renascer;<br />

Da luz do Criador nascemos.<br />

Múltiplas vidas vivemos,<br />

Para à mesma luz volver.<br />

É Castro Alves...<br />

Pairava na amplidão estranho resplendor.<br />

A Natureza Inteira em lúcida poesia<br />

Repousava, feliz, nas preces da harmonia!...<br />

Era o festim do amor,


12 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

No firmamento em luz,<br />

Que celebrava<br />

A gran<strong>de</strong>za <strong>de</strong> uma alma que voltava<br />

Ao redil <strong>de</strong> Jesus.<br />

É Junqueiro...<br />

Descansa, agora vibrião das ruínas.<br />

Esquece o verme, as carnes, os estrumes.<br />

Retempera­te em meio dos perfumes<br />

Cantando à luz das amplidões divinas.<br />

É Augusto dos Anjos.<br />

E todos, todos os mais, aí estão vivos, ar<strong>de</strong>ntes, inconfundíveis na<br />

modulação <strong>de</strong> suas liras encantadas e <strong>de</strong>cantadas.<br />

E na prosa — exceto a Fernando <strong>de</strong> Lacerda, cujo estilo não temos<br />

elementos para i<strong>de</strong>ntificar — o mesmo traço <strong>de</strong> originalida<strong>de</strong> personalíssima se<br />

impõe.<br />

Duvidamos que o mais solerte plumitivo, o mais Intelectual dos nossos<br />

literatos consiga imitar, sequer, ainda que premeditadamente, esta produção. E isto o<br />

dizemos porque o médium Xavier, um quase adolescente, sem lastro, portanto, <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong> cultura e treino poético, recebe­a <strong>de</strong> jacto, e mais — quando <strong>de</strong> alguns<br />

autores não conhece uma estrofe!<br />

É extraordinário, será maravilhoso, mas é a verda<strong>de</strong> nua e crua; verda<strong>de</strong><br />

que, qual a Luz. não po<strong>de</strong> ficar <strong>de</strong>baixo do alqueire. Foi por assim pensarmos que<br />

conseguimos vencer a relutância do médium em sua natural modéstia para lançar ao<br />

público, em geral, e aos confra<strong>de</strong>s, em particular, esta obra mediúnica, que, certo<br />

estamos, ficará como baliza fulgurante, na história a tracejar do Espiritismo em<br />

nossa pátria.<br />

* * *<br />

Mas, perguntarão: — quem é Francisco Cândido Xavier Será um rapaz<br />

culto, um bacharel formado, um acadêmico, um rotulado <strong>de</strong>sses que por ai vão<br />

felicitando a Família, a Pátria e a Humanida<strong>de</strong><br />

Nada disso.<br />

O médium polígrafo Xavier é um rapaz <strong>de</strong> 21 anos, um quase adolescente,<br />

nascido ali assim em Pedro Leopoldo, pequeno rincão do Estado <strong>de</strong> Minas. Filho <strong>de</strong><br />

pais pobres, não pô<strong>de</strong> ir além do curso primário <strong>de</strong>ssa pedagogia incipiente e<br />

rotineira, que faz do mestre­escola, em tese, um galopim eleitoral e não vai, também<br />

em tese, muito além das quatro operações e da leitura corrida, com borrifos <strong>de</strong><br />

catecismo católico, <strong>de</strong> contrapeso.<br />

Órfão <strong>de</strong> mãe aos 5 anos, o pai infenso a literatices e, ao <strong>de</strong>mais, pramido<br />

pelo ganha­pão, é bem <strong>de</strong> ver­se que não teve, que não podia ter o estímulo<br />

ambiente, nem uma problemática hereditarieda<strong>de</strong>, nem um, nem <strong>de</strong>z cireneus que o<br />

conduzissem por tortuosos e torturantes labirintos <strong>de</strong> acesso aos altanados paços do<br />

Olimpo para o Idílico convívio <strong>de</strong> Caliope e Polímnia.


13 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Tudo isso é o próprio médium quem no­lo diz, em linguagem eloquente,<br />

porque simples como a própria alma cedo esfolhada <strong>de</strong> sonhos e ilusões, para não<br />

preten<strong>de</strong>r colimar renomes literários. Ao lhe formularmos um questionário que nos<br />

habilitasse a pôr <strong>de</strong> plano estes <strong>de</strong>talhes essenciais — <strong>de</strong> vez que, em obra <strong>de</strong>ste<br />

quilate o que se impõe não é a apresentação dos operários, mas da ferramenta por<br />

eles utilizada, tanto quanto do seu manuseio; e não querendo, por outro lado,<br />

endossar um fenômeno cuja ascendência sobejamente conhecemos para não refusar,<br />

mas, cujo flagrante não presenciamos — ele, o médium, veio “candidamente” ao<br />

nosso encontro com Palavras minhas, nas quais estereotipa a sua figura moral, tanto<br />

quanto retrata as Impressões psicofísicas que lhe causa o fenômeno.<br />

Nós mesmo vimos, certa vez, em São Paulo, o médium Mirabelli cobrir<br />

<strong>de</strong>zoito laudas <strong>de</strong> papel almaço, no exíguo tempo <strong>de</strong> 13 minutos marcados a relógio,<br />

enquanto conosco discreteava em idioma diverso da mensagem escrita.<br />

É um fato. Do seu mecanismo intrínseco e extrínseco, porém, nada nos<br />

disse o médium.<br />

Agora, diz­nos este que também as produções são recebidas <strong>de</strong> jacto.<br />

Não há i<strong>de</strong>ação prévia, não há enca<strong>de</strong>amento <strong>de</strong> raciocínios, fixação <strong>de</strong><br />

imagens. É tudo inesperado, explosivo, torrencial!<br />

Do que escreve e sabe que está escrevendo, também sabe que não pensou e<br />

não seria capaz <strong>de</strong> escrever. Há vocábulos <strong>de</strong> étimo que <strong>de</strong>sconhece; há fatos e<br />

recursos <strong>de</strong> hermenêutica, figuras <strong>de</strong> retórica, que ignora; teorias científicas,<br />

doutrinas, concepções filosóficas das quais nunca ouviu falar, <strong>de</strong> autores também<br />

ignorados e jamais lidos!<br />

Como explicar, como <strong>de</strong>finir e transfixar a captação, a realização essencial<br />

do fenômeno<br />

Só o médium po<strong>de</strong>ria fazê­lo, e Isso ele o faz a seguir, <strong>de</strong> maneira<br />

impressionante, e <strong>de</strong> modo a satisfazer aos familiares da Doutrina. Aos outros, aos<br />

cépticos, fica­lhes a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> conjeturar, para melhor explicar, sem contudo<br />

negar, porque o fato aí está na plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua realida<strong>de</strong>, e um fato, por mais<br />

insólito que seja, vale sempre por mil e uma teorias, que nada explicam, antes<br />

complicam...<br />

* * *<br />

Como nota final aos argos da crítica, Catões e Zoilos <strong>de</strong> compasso e metro,<br />

faisqueiros <strong>de</strong> nugas e nicas, na volúpia <strong>de</strong> escandir quand même, diremos que,<br />

encarregado <strong>de</strong> apresentar esta obra, não nos dispusemos a escoimá­la <strong>de</strong> possíveis<br />

<strong>de</strong>feitos <strong>de</strong> técnica, não só por nos falecer autorida<strong>de</strong> e competência, como por<br />

julgar que tal ousio seria uma profanação.<br />

Trata­se, precípuamente, <strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong> I<strong>de</strong>ntificação autoral, e <strong>de</strong><br />

entida<strong>de</strong>s hoje mais lúcidas e respeitáveis do que porventura o foram aqui na Terra.<br />

Tal como no­lo <strong>de</strong>ram, esse trabalho melhor correspon<strong>de</strong> à sua finalida<strong>de</strong><br />

altíssima, e o que a legitima ética doutrinária aponta é que quaisquer lacunas, ou<br />

tallscas, <strong>de</strong>vem ser atribuídas ou irrogadas ao possivelmente precário aparelhamento<br />

<strong>de</strong> transmissão, ou a fatores outros, em suma, que mal po<strong>de</strong>mos imaginar e que, no<br />

entanto, racional e logicamente <strong>de</strong>vem existir, mais sutis e <strong>de</strong>licados do que esses


14 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

que, amiú<strong>de</strong>, ocorrem na telepatia, na radiofonia, em tudo, enfim, que participa do<br />

meio físico contingente.<br />

Que os arautos da Boa Nova aqui escalonados, por vindos <strong>de</strong> tão alto, nos<br />

perdoem a vacuida<strong>de</strong> e a insulsice <strong>de</strong>stas linhas, e que os leitores <strong>de</strong> boa vonta<strong>de</strong> as<br />

<strong>de</strong>sprezem como Inúteis, para só apreçarem a obra que ora lhes apresentamos, na<br />

pauta evangélica que diz: — A árvore se conhece pelo fruto.<br />

M. Quintão 1<br />

1 MANUEL Justiniano <strong>de</strong> Freitas QUINTÃO, nascido em 28 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1874, na Estação <strong>de</strong> Quirino,<br />

Marquês <strong>de</strong> Valença, RJ, e <strong>de</strong>sencarnado em 16 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1954, no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Foi guardalivros,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> lutar com imensas dificulda<strong>de</strong>s, como jovem sem recursos financeiros, nas posições mais<br />

mo<strong>de</strong>stas do comércio. Chefe <strong>de</strong> família numerosíssima, Estudioso incansável, conseguiu, como<br />

autodidata, invejável cultura humanística. Foi jornalista. Ingressou na FEB em 1903, Integrando­lhe o<br />

quadro social por 44 anos. Médium curador e espírita militante durante mais <strong>de</strong> meio século, exerceu<br />

cargos na Diretoria da Fe<strong>de</strong>ração Espírita Brasileira ao longo <strong>de</strong> vários <strong>de</strong>cênios, Inclusive a Presidência<br />

nos anos 1915, 1918. 1919 e 1929. Como membro do “Grupo Ismael” foi sempre dos mais assíduos e<br />

proficientes no estudo do Evangelho <strong>de</strong> Jesus. Traduziu diversos livros espíritas e publicou alguns <strong>de</strong> sua<br />

autoria, muito apreciados, <strong>de</strong>ntre eles “Cinzas do meu Cinzeiro” (coletânea <strong>de</strong> trabalhos publicados no<br />

“Reformador”) O Cristo <strong>de</strong> Deus. este último editado pela FEB. Em 1939, escreveu notas autobiográficas<br />

en<strong>de</strong>reçadas ao Reformador, para serem publicadas após a sua <strong>de</strong>sencarnação: estão estampadas na edição<br />

<strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1955. (Nota do Editor)


15 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Francisco Cândido Xavier<br />

Nasceu em Pedro Leopoldo, MG, em 2 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1910, on<strong>de</strong> residiu até<br />

<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1958. Transferiu­se para Uberaba, MG, em janeiro <strong>de</strong> 1959. Filho <strong>de</strong><br />

João Cândido Xavier e <strong>de</strong> Maria João <strong>de</strong> Deus, <strong>de</strong>sencarnados em 1960 e 1915,<br />

respectivamente. Aposentou­se como funcionário público fe<strong>de</strong>ral.<br />

Médium <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> ininterrupta há quase meio século, publicou, através<br />

da Casa­Máter do Espiritismo — a Fe<strong>de</strong>ração Espírita Brasileira —, em julho <strong>de</strong><br />

1932, o PARNASO DE ALÉM­TÚMULO, primeiro livro <strong>de</strong> suas faculda<strong>de</strong>s<br />

mediúnicas e já em 9ª edição. Seguiram­se­lhe mais <strong>de</strong> 110 livros mediúnicos,<br />

diversos <strong>de</strong>les publicados em Esperanto, Castelhano, Japonês, Inglês e Francês. Os<br />

romances psicografados (entre eles Paulo e Estêvão, Há Dois Mil Anos... e<br />

Renúncia) são periodicamente radiofonizados e televisionados.<br />

Criatura simples, afável e operosa, jamais se beneficiou dos direitos<br />

autorais da sua vasta produção mediúnica. Respeitado e estimado em todo o Brasil,<br />

on<strong>de</strong> é popularíssimo, goza ele ainda <strong>de</strong> sincera admiração em outros países. Viajou<br />

para o exterior algumas vezes, sempre no exercício do seu mediunato.


16 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Palavras minhas<br />

Nasci em Pedro Leopoldo. Minas, em 1910. E até aqui, julgo que os meus<br />

atos perante a socieda<strong>de</strong> da minha terra são expressões do pensamento <strong>de</strong> uma alma<br />

sincera e leal, que acima <strong>de</strong> tudo ama a verda<strong>de</strong>; e creio mesmo que todo os que me<br />

conhecem po<strong>de</strong>m dar testemunho da minha vida repleta <strong>de</strong> árduas dificulda<strong>de</strong>s, e<br />

mesmo <strong>de</strong> sofrimentos.<br />

Filho <strong>de</strong> um lar muito pobre, órfão <strong>de</strong> mãe aos cinco anos, tenho<br />

experimentado toda a classe <strong>de</strong> aborrecimentos na vida e não venho ao campo da<br />

publicida<strong>de</strong> para fazer um nome, porque a dor há muito já me convenceu da<br />

inutilida<strong>de</strong> das bagatelas que são ainda tão estimadas neste mundo. E, se <strong>de</strong>cidi<br />

escrever estas mo<strong>de</strong>stas palavras no limiar <strong>de</strong>ste livro, é apenas com o intuito <strong>de</strong><br />

elucidar o leitor, quanto à sua formação.<br />

Começarei por dizer­lhe que sempre tive o mais pronunciado pendor para a<br />

literatura; constantemente, a melhor boa vonta<strong>de</strong> animou­me para o estudo.<br />

Mas, estudar como<br />

Matriculando­me, quando contava oito anos, num grupo escolar, pu<strong>de</strong><br />

chegar até ao fim do curso primário, estudando apenas uma pequena parte do dia e<br />

trabalhando numa fábrica <strong>de</strong> tecidos, das quinze horas às duas da manhã; cheguei<br />

quase a adoecer com um regime tão rigoroso; porém, essa situação modificou­se em<br />

1923, quando então consegui um emprego no comércio, com um salário diminuto,<br />

on<strong>de</strong> o serviço dura das sete às vinte horas, mas on<strong>de</strong> o trabalho é menos ru<strong>de</strong>,<br />

prolongando­se esta minha situação até os dias da atualida<strong>de</strong>.<br />

Nunca pu<strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r senão alguns rudimentos <strong>de</strong> aritmética, história e<br />

vernáculo, como o são as lições das escolas primárias. É verda<strong>de</strong> que, em casa,<br />

sempre estu<strong>de</strong>i o que pu<strong>de</strong>, mas meu pai era completamente avesso à minha vocação<br />

para as letras, e muitas vezes tive o <strong>de</strong>sprazer <strong>de</strong> ver os meus livros e revistas<br />

queimados.<br />

Jamais tive autores prediletos; aprazem­me todas as leituras e mesmo nunca<br />

pu<strong>de</strong> estudar estilos dos outros, por diferençar muito pouco essas questões. Também<br />

o meio em que tenho vivido foi sempre árido, para mim, neste ponto. Os meus<br />

familiares não estimulavam, como verda<strong>de</strong>iramente não po<strong>de</strong>m, os meus <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong><br />

estudar, sempre a braços, como eu. com uma vida <strong>de</strong> múltiplos trabalhos e<br />

obrigações e nunca se me ofereceu ocasião <strong>de</strong> conviver com os intelectuais da minha<br />

terra.<br />

O meu ambiente, pois, foi sempre alheio à literatura; ambiente <strong>de</strong> pobreza,<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>sconforto, <strong>de</strong> penosos <strong>de</strong>veres, sobrecarregado <strong>de</strong> trabalhos para angariar o pão<br />

cotidiano, on<strong>de</strong> se não po<strong>de</strong> pensar em letras.


17 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Assim têm­se passado os dias sem que eu tenha podido, até hoje, realizar as<br />

minhas esperanças.<br />

Prosseguindo nas minhas explicações, <strong>de</strong>vo esclarecer que minha família<br />

era católica e eu não podia escapar aos sentimentos dos meus. Fui pois criado com<br />

as teorias da igreja, frequentando­a mesmo com amor, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos <strong>de</strong> criança;<br />

quando ia às aulas <strong>de</strong> catecismo era para mim um prazer.<br />

Até 1927, todos nós não admitíamos outras verda<strong>de</strong>s além das proclamadas<br />

pelo Catolicismo; mas, eis que uma das minhas irmãs, em maio do ano referido, foi<br />

acometida <strong>de</strong> terrível obsessão; a medicina foi impotente para conce<strong>de</strong>r­lhe uma<br />

pequenina melhora, sequer. Vários dias consecutivos foram, para nossa casa, Pioras<br />

<strong>de</strong> amargos pa<strong>de</strong>cimentos morais. Foi quando <strong>de</strong>cidimos solicitar o auxílio <strong>de</strong> um<br />

distinto amigo, espírita convicto, o Sr. José Hermínio Perácio, que caridosamente se<br />

prontificou a ajudar­nos com a sua boa vonta<strong>de</strong> e o seu esforço. Verda<strong>de</strong>iro<br />

discípulo do Evangelho, ofereceu­nos até a sua residência, bem distante da nossa,<br />

tanto à sua família, on<strong>de</strong> então, num ambiente totalmente modificado, po<strong>de</strong>ria ela<br />

estudar as bases da doutrina espírita, orientando­se quanto aos seus <strong>de</strong>veres,<br />

<strong>de</strong>senvolvendo, simultaneamente, as suas faculda<strong>de</strong>s mediúnicas. Aí, sob os seus<br />

caridosos cuidados e da sua Excelentíssima esposa Dona Carmen Pena Perácio,<br />

médium dotada <strong>de</strong> raras faculda<strong>de</strong>s, minha irmã Háuria, para nosso benefício, os<br />

ensinamentos sublimes da formosa doutrina dos mensageiros divinos; foi nesse<br />

ambiente on<strong>de</strong> imperavam os sentimentos cristãos <strong>de</strong> dois corações profundamente<br />

generosos, como o são os daqueles confra<strong>de</strong>s a que me referi, que a minha mãe, que<br />

regressara ao Além em 1915, <strong>de</strong>ixando­nos mergulhados em imorredoura sauda<strong>de</strong>,<br />

começou a ditar­nos os seus conselhos salutares, por intermédio da esposa do nosso<br />

amigo, entrando em pormenores da nossa vida íntima, que essa senhora <strong>de</strong>sconhecia.<br />

Até a grafia era absolutamente igual à que a nossa genitora usava, quando na Terra.<br />

Sobre esses fatos e essas provas irrefutáveis solidificamos a nossa fé, que se<br />

tornou inabalável. Em breve minha irmã regressava ao nosso lar cheia <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e<br />

feliz, integrada no conhecimento da luz que <strong>de</strong>veria daí por diante nortear os nossos<br />

passos na vida.<br />

Resolvemos, então, com ingentes sacrifícios, reunir um núcleo <strong>de</strong> crentes<br />

para estudo e difusão da doutrina, e foi nessas reuniões que me <strong>de</strong>senvolvi como<br />

médium escrevente, semi­mecãnico, sentindo­me muito feliz por se me apresentar<br />

essa oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> progredir, datando daí o ingresso do meu humil<strong>de</strong> nome nos<br />

jornais espíritas, para on<strong>de</strong> comecei a escrever sob a Inspiração dos bondosos<br />

mentores espirituais que nos assistiam. 2<br />

Daí a pouco, a nossa alegria aumentava, pois o nosso confra<strong>de</strong> José<br />

Hermínio Perácio, em companhia <strong>de</strong> sua esposa, <strong>de</strong>liberou fixar residência junto a<br />

nós, e as nossas reuniões tiveram resultados melhores, controladas pela sua senhora,<br />

alma nobilíssima, ornada das mais superiores qualida<strong>de</strong>s morais e que, entre as suas<br />

mediunida<strong>de</strong>s, conta com mais <strong>de</strong>senvolvimento a clariaudiência. Nossas reuniões<br />

contavam, assim, gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> assistentes, porém, a moral profunda que era<br />

ensinada, baseada nas páginas esplendorosas do Evangelho <strong>de</strong> Jesus, parece que<br />

2 Só nos últimos dias <strong>de</strong> 1931, com a graça <strong>de</strong> Deus, <strong>de</strong>senvolveram­se em mim, <strong>de</strong> maneira clara e mais<br />

intensamente, a vidência, a audição e outras faculda<strong>de</strong>s mediúnicas. — (Nota do médium para a 4ª edição,<br />

em 1944.)


18 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

pesava muito, como acontece na opinião <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> maioria <strong>de</strong> almas da nossa época,<br />

quase sempre inclinadas para as futilida<strong>de</strong>s mundanas, e, <strong>de</strong>corridos dois anos, os<br />

assistentes <strong>de</strong> nossas sessões <strong>de</strong> estudos escassearam, chegando ao número <strong>de</strong> quatro<br />

ou cinco pessoas, o que perdura até hoje.<br />

Não <strong>de</strong>sanimamos, contudo, prosseguindo em nossas reuniões, constituindo<br />

para nós uma fonte <strong>de</strong> consolações isolarmo­nos das coisas terrenas em nosso<br />

recanto <strong>de</strong> prece, para a comunhão com os nossos <strong>de</strong>svelados amigos do Além.<br />

Continuei recebendo as i<strong>de</strong>ias dos mesmos amigos <strong>de</strong> sempre, nas reuniões,<br />

psicografando­as, e que eram continuamente fragmentos <strong>de</strong> prosa sobre os<br />

Evangelhos. Somente duas vezes recebi comunicações em versos simples.<br />

Em agosto, porém, do corrente ano, apesar <strong>de</strong> muito a contragosto <strong>de</strong> minha<br />

parte, porque jamais nutri a pretensão <strong>de</strong> entrar em contacto com essas entida<strong>de</strong>s<br />

elevadas, por conhecer as minhas imperfeições, comecei a receber a série <strong>de</strong> poesias<br />

que aqui vão publicadas, assinadas por nomes respeitáveis.<br />

Serão das personalida<strong>de</strong>s que as assinam — é o que não posso afiançar, O<br />

que posso afirmar, categoricamente, é que, em consciência, não posso dizer que são<br />

minhas, porque não <strong>de</strong>spendi nenhum esforço intelectual ao grafá­las no papel. A<br />

sensação que sempre senti, ao escrevê­las, era a <strong>de</strong> que vigorosa mão impulsionava a<br />

minha. Doutras vezes, parecia­me ter em frente um volume imaterial, on<strong>de</strong> eu as lia<br />

e copiava; e, doutras, que alguém mas ditava aos ouvidos, experimentando sempre<br />

no braço, ao psicografá­las, a sensação <strong>de</strong> fluidos elétricos que o envolvessem,<br />

acontecendo o mesmo com o cérebro, que se me afigurava invadido por incalculável<br />

número <strong>de</strong> vibrações in<strong>de</strong>finíveis.<br />

Certas vezes, esse estado atingia o auge, e o interessante é que parecia­me<br />

haver ficado sem o corpo, não sentindo, por momentos, as menores impressões<br />

físicas, e o que experimento, fisicamente, quanto ao fenômeno que se produz<br />

frequentemente comigo.<br />

Julgo do meu <strong>de</strong>ver <strong>de</strong>clarar que nunca evoquei quem quer que fosse; essas<br />

produções chegaram­me sempre espontaneamente, sem que eu ou meus<br />

companheiros <strong>de</strong> trabalhos as provocássemos e jamais se pronunciou, em particular,<br />

o nome <strong>de</strong> qualquer dos comunicantes, em nossas preces.<br />

Passavam­se ás vezes mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z dias, sem que se produzisse escrito<br />

algum, e dia houve em que se receberam mais <strong>de</strong> três produções literárias <strong>de</strong> uma só<br />

vez. Gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>las foram escritas fora das reuniões e tenho tido ocasião <strong>de</strong><br />

observar que, quanto menor o número <strong>de</strong> assistentes, melhor o resultado obtido.<br />

Muitas vezes, ao recebermos uma <strong>de</strong>stas páginas, era necessário<br />

recorrermos a dicionários, para sabermos os respectivos sinônimos das palavras nela<br />

empregadas, porque tanto eu como os meus companheiros as <strong>de</strong>sconhecíamos em<br />

nossa Ignorância, julgando minha obrigação, frisar aqui também, que, apesar <strong>de</strong> todo<br />

o meu bom <strong>de</strong>sejo, jamais obtive outra coisa, na fenomenologia espírita, a não ser<br />

esses escritos. 3<br />

3<br />

Ao escrever estas palavras, o Autor não se lembrou <strong>de</strong> que as suas relações constantes com Espíritos<br />

<strong>de</strong>sencarnados, mantidas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os 5 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, pertencem igualmente à fenomenologia espírita.<br />

Pensou em tenomenologia somente como prática consciente da mediunida<strong>de</strong> nas sessões espíritas; mas<br />

todas as pessoas <strong>de</strong> sua intimida<strong>de</strong> sabem que ele, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a infância. confun<strong>de</strong> os habitantes dos dois<br />

mundos e muitas vezes pergunta ao amigo que esteja passeando com ele “Estás vendo ali um homem <strong>de</strong>


19 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Devo salientar o precioso concurso da bondosa médium Sra. Cármen P.<br />

Perácio, que através da sua maravilhosa clariaudiência me auxiliou muitíssimo,<br />

transmitindo­me as advertências e opiniões dos nossos caros mentores espirituais, e<br />

ainda o carinhoso interesse do distinto confra<strong>de</strong> Sr. M. Quintão, que tem sido <strong>de</strong><br />

uma boa vonta<strong>de</strong> admirável para comigo, não poupando esforços para que este<br />

<strong>de</strong>spretensioso volume viesse à luz da publicida<strong>de</strong>.<br />

E aqui termino.<br />

Terei feito compreen<strong>de</strong>r, a quem me lê, a verda<strong>de</strong> como <strong>de</strong> fato ela é Creio<br />

que não. Em alguns <strong>de</strong>spertarei sentimentos <strong>de</strong> pieda<strong>de</strong> e, noutros, rizinhos<br />

ridiculizadores. Há <strong>de</strong> haver, porém, alguém que encontre consolação nestas páginas<br />

humil<strong>de</strong>s. Um <strong>de</strong>sses que haja, entre mil dos primeiros, e dou­me por compensado<br />

do meu trabalho.<br />

A todos eles, todavia, os meus saudares, com os meus agra<strong>de</strong>cimentos<br />

intraduzíveis aos boníssimos mentores do Além, que Inspiraram esta obra, que<br />

generosamente se dignaram não reparar as minhas incontáveis imperfeições,<br />

transmitindo, por intermédio <strong>de</strong> Instrumento tão mesquinho, os seus salutares<br />

ensinamentos.<br />

Pedro Leopoldo, <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1931.<br />

Francisco Cândido Xavier<br />

barbas brancas, etc.” Pela resposta do companheiro é que ele fica sabendo se está, diante <strong>de</strong> um habitante<br />

do nosso mundo ou <strong>de</strong> habitante do mundo espiritual. Também isso são fenômenos espíritas. — A<br />

Editora.


20 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

De pé, os mortos!<br />

Pe<strong>de</strong>­me você uma palavra para o intróito do “<strong>Parnaso</strong> <strong>de</strong> Além­Túmulo”,<br />

que aparecerá brevemente em nova edição. 4 A tarefa é difícil. Nas minhas atuais<br />

condições <strong>de</strong> vida, tenho <strong>de</strong> <strong>de</strong>stoar da opinião que já expendi nas contingências da<br />

carne.<br />

Os vivos do Além e os vivos da Terra não po<strong>de</strong>m enxergar as coisas através<br />

<strong>de</strong> prismas idênticos. Imagine se o aparelho visual do homem fosse acomodado,<br />

segundo a potencialida<strong>de</strong> dos raios X: as cida<strong>de</strong>s estariam povoadas <strong>de</strong> esqueletos,<br />

os campos se apresentariam como <strong>de</strong>sertos, o mundo constituiria um conjunto <strong>de</strong><br />

aspectos inverossímeis e inesperados. Cada esfera da vida está subordinada a certo<br />

<strong>de</strong>terminismo, no domínio do conhecimento e da sensação.<br />

Decerto, os que receberem novamente o “<strong>Parnaso</strong> <strong>de</strong> Além­Túmulo” dirão<br />

mais ou menos o que eu disse 5 . Hão <strong>de</strong> estranhar que os mortos prossigam com as<br />

mesmas tendências, tangendo os mesmos assuntos que aí constituíam a série <strong>de</strong> suas<br />

preocupações. Existem até os que reclamam contra a nossa liberda<strong>de</strong>. Desejariam<br />

que estivéssemos algemados nos tormentos do Inferno, em recompensa dos nossos<br />

<strong>de</strong>sequilíbrios no mundo, como se os nossos amargores, daí não bastassem para nos<br />

inclinar à verda<strong>de</strong> compassiva.<br />

Individualmente, é indubitável que possuímos no Além o reflexo das nossas<br />

virtu<strong>de</strong>s ou das nossas misérias. Mas é razoável que apareçamos no mundo, gritando<br />

como alucinados<br />

Os habitantes dos reinos da Morte ainda apreciam o <strong>de</strong>coro e a <strong>de</strong>cência, e<br />

o nosso presente é sempre a experiência do passado e a esperança no futuro.<br />

“<strong>Parnaso</strong> <strong>de</strong> Além­Túmulo” sairá <strong>de</strong> novo, como a mensagem harmoniosa<br />

dos poetas que amaram e sofreram. Cármen Cinira aí está com os seus sonhos<br />

<strong>de</strong>sfeitos, <strong>de</strong> mulher e <strong>de</strong> menina. Casimiro com a sua sensibilida<strong>de</strong> infantil,<br />

Junqueiro com a sua Ironia, Antero com a sua rima austera e dolorosa.<br />

Todos aí estão <strong>de</strong>ntro das suas características.<br />

Os mortos falam e a Humanida<strong>de</strong> está ansiosa, aguardando a sua palavra.<br />

Conta­se que na guerra russo­japonesa, terminada a batalha <strong>de</strong> Tsushima, o gran<strong>de</strong><br />

Togo reuniu os seus soldados no cemitério <strong>de</strong> Oogama, e na tristeza majestosa do<br />

ambiente. em nome da nacionalida<strong>de</strong>, dirigiu­se aos mortos em termos<br />

comovedores; concitou­os a auxiliar as manobras militares, a visitar os cruzadores<br />

<strong>de</strong> guerra, levantando o ânimo dos companheiros que haviam ficado nas pelejas.<br />

4 Refere­se à 2ª edição, publicada em 1935. — (Nota da Editora)<br />

5 Alu<strong>de</strong> às crônicas que ele, quando encarnado, escrevera no Diário Carioca, em julho <strong>de</strong> 1932, ao surgir a<br />

1ª edição do <strong>Parnaso</strong>. — (Nota da Editora.)


21 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Uma clarida<strong>de</strong> nova cantou as energias espirituais do valente adversário da<br />

pátria <strong>de</strong> Stoessel e os filhos <strong>de</strong> Yoritomo venceram. Na atualida<strong>de</strong>, afigura­se­nos<br />

que os brados <strong>de</strong> todos ad sofredores e infelizes da Terra se concentram numa<br />

súplica grandiosa que inva<strong>de</strong> as vastidões como o grito do valoroso almirante.<br />

— De pé, os mortos!... — exclama­se — porque os vivos da Terra se<br />

per<strong>de</strong>m nos abismos tenebrosos.<br />

Os Institutos da Civilização têm sido impotentes para resolver o problema<br />

do nosso ser e dos nossos <strong>de</strong>stinos. As filosofias e as religiões esten<strong>de</strong>ram sobre nós<br />

o manto carinhoso das suas concepções, mas esses mantos estão rotos!... Temos frio,<br />

temos fome, temos se<strong>de</strong>!<br />

E os consi<strong>de</strong>rados mortos falam ao mundo na sua linguagem <strong>de</strong> estranha<br />

purificação. A Ciência, zelosa <strong>de</strong> suas conquistas, ainda não ouviu a sua vibração<br />

misteriosa, mas os filhos do Infortúnio sentem­se envolvidos na onda divina <strong>de</strong> um<br />

novo Glória in excelsis, e a Humanida<strong>de</strong> sofredora sente­se no caminho consolador<br />

da sublime esperança.<br />

Humberto <strong>de</strong> Campos 6<br />

(Espírito)<br />

6 UMBERTO DE CAMPOS Veras, escritor brasileiro, membro da Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> Letras,<br />

nascido em Miritiba (hoje Humberto <strong>de</strong> Campos), MA, em 1886, e <strong>de</strong>sencarnado no Rio <strong>de</strong> Janeiro, em<br />

1934. Foi jornalista e <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral. Produção literária variada quão vultosa, Conheceu em vida física<br />

a 1ª edição do <strong>Parnaso</strong> <strong>de</strong> Além­Túmulo, manifestando­se a respeito <strong>de</strong>la pelo “Diário Carioca”, edições<br />

<strong>de</strong> 10 e 12 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1932, com os artigos Intitulados “Poetas do outro mundo” e “Como cantam os<br />

mortos” (apud “A Psicografia ante os Tribunais”, <strong>de</strong> Miguel Timponi, páginas 60 a 64, 4ª ed. FEB).<br />

Liberto dos liames da carne, dois anos <strong>de</strong>pois passou ele a valer­se, como Espírito, das faculda<strong>de</strong>s<br />

mediúnicas <strong>de</strong> Francisco Cândido Xavier para a transmissão <strong>de</strong> Importantes mensagens, como a que se<br />

inseriu nesta página, acoplada ao mesmo “<strong>Parnaso</strong>” que ele conhecera aqui na Terra e oriunda do mesmo<br />

“Além­Túmulo” por ele tenuemente vislumbrado, entre o assombro e a esperança, Ditou­nos 12 livros,<br />

sendo sob o pseudônimo <strong>de</strong> Irmão X, editados pela FEB. Vale <strong>de</strong>stacar “BRASIL, CORAÇÃO DO<br />

MUNDO, PÁTRIA DO EVANGELHO”, já em 9ª edição, o livro confirmador da missão espiritual do<br />

Brasil, que é a <strong>de</strong> levar as luzes do Evangelho do Cristo a todos os quadrantes do Mundo, visando à<br />

cristianização da Humanida<strong>de</strong>, sob a orientação do Anjo Ismael, o Legado do Governador Espiritual do<br />

Planeta em Terras <strong>de</strong> Santa Cruz. (Nota da Editora.)


22 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

1<br />

ABEL GOMES<br />

Temos Jesus<br />

ESCRITOR, poeta e professor, nascido em Minas Gerais a 30 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro<br />

<strong>de</strong> 1877 e falecido a 16 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1934. Espírito dinâmico, posto que fisicamente<br />

inválido, <strong>de</strong>ixou alguns livros inéditos, dos quais dois já editados pela Fe<strong>de</strong>ração,<br />

além <strong>de</strong> copiosa obra esparsa.<br />

TEMOS JESUS<br />

Desaba o Velho Mundo em treva <strong>de</strong>nsa<br />

E a guerra, como lobo carniceiro,<br />

Ameaça a verda<strong>de</strong> e humilha a crença,<br />

Nas torturas <strong>de</strong> um novo cativeiro.<br />

Mas vós, no turbilhão da sombra imensa,<br />

Ten<strong>de</strong>s convosco o Excelso Companheiro,<br />

Que ama o trabalho e esquece a recompensa<br />

No serviço do bem ao mundo inteiro.<br />

Eis que a Terra tem crimes e tiranos,<br />

Ambições, <strong>de</strong>svarios, <strong>de</strong>senganos,<br />

Asperezas dos homens da caverna;<br />

Mas vós ten<strong>de</strong>s Jesus em cada dia.<br />

Trabalhemos na dor ou na alegria,<br />

Na conquista <strong>de</strong> luz da Vida Eterna.


23 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

2<br />

A. G.<br />

Morte.<br />

MORTE<br />

Silenciosa madona da tristeza,<br />

A morte abriu­me as catedrais radiosas,<br />

On<strong>de</strong> pairam as formas vaporosas<br />

Do país ignorado da Beleza.<br />

Num dilúvio <strong>de</strong> lírios e <strong>de</strong> rosas,<br />

Filhos da luz <strong>de</strong> uma outra Natureza,<br />

Que entornavam no espaço a sutileza<br />

Dos incensos das naves harmoniosas!<br />

Monja <strong>de</strong> olhar piedoso, calmo e austero,<br />

Que traz à Terra um tênue reverbero<br />

Da mansão das estrelas erradias...<br />

Irmã da paz e da serenida<strong>de</strong>,<br />

Que abriu meus olhos na Imortalida<strong>de</strong>,<br />

À esperança <strong>de</strong> todos os meus dias!


24 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

3<br />

ALBÉRICO LOBO<br />

Do meu porto<br />

NASCIDO na cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro em 1865 e <strong>de</strong>sencarnado em<br />

fevereiro <strong>de</strong> 1942. Funcionário público, colaborou ativamente na imprensa e <strong>de</strong>ixou<br />

opulenta obra esparsa, em prosa e em verso.<br />

DO MEU PORTO<br />

Ao caro amigo M. Quintão<br />

Viajor vacilante e extenuado,<br />

Depois <strong>de</strong> atravessar a sombra imensa,<br />

Encontrei o país abençoado<br />

On<strong>de</strong> vive a celeste recompensa.<br />

A<strong>de</strong>us mágoas da noite estranha e <strong>de</strong>nsa,<br />

Das angústias e sonhos do passado,<br />

Não conservo senão o Amor e a Crença,<br />

Ante o novo caminho ilimitado.<br />

É doce <strong>de</strong>scansar após a lida,<br />

Banhar o coração na luz da vida,<br />

Rememorando as dores que passaram...<br />

E dos quadros risonhos do meu porto,<br />

Rogo a Jesus conceda reconforto<br />

Aos corações amados que ficaram!


25 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

4<br />

ALBERTO DE OLIVEIRA<br />

Jesus ­ Ajuda e passa ­ Do último dia<br />

FLUMINENSE, nascido em Palmital <strong>de</strong> Saquarema, em 1859, e falecido<br />

em Niterói, em 1937. Farmacêutico, <strong>de</strong>dicou­se principalmente ao Magistério.<br />

Membro fundador da Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> Letras, parnasiano <strong>de</strong> escol, foi tido<br />

como Príncipe dos Poetas <strong>de</strong> sua geração.<br />

JESUS<br />

Quanta vez, neste mundo, em rumo escuro e incerto,<br />

O homem vive a tatear na treva em que se cria!<br />

Em torno, tudo é vão, sobre a estrada sombria,<br />

No pavor <strong>de</strong> esperar a angústia que vem perto!...<br />

Entre as vascas da morte, o peito exangue e aberto,<br />

Desgraçado viajor rebelado ao seu guia,<br />

Desespera, soluça, anseia e balbucia<br />

A suprema oração da dor do seu <strong>de</strong>serto.<br />

Nessa gran<strong>de</strong> amargura, a alma pobre, entre escombros,<br />

Sente o Mestre do Amor que lhe mostra nos ombros<br />

A gran<strong>de</strong>za da cruz que ilumina e socorre;<br />

Do mundo é a escuridão, que sepulta a quimera...<br />

E no escuro bulcão só Jesus persevera,<br />

Como a luz imortal do amor que nunca morre.


26 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

AJUDA E PASSA<br />

Esten<strong>de</strong> a mão fraterna ao que ri e ao que chora:<br />

O palácio e a choupana, o ninho e a sepultura,<br />

Tudo o que vibra espera a luz que resplendora,<br />

Na eterna lei <strong>de</strong> amor que consagra a criatura.<br />

Planta a bênção da paz, como raios <strong>de</strong> aurora,<br />

Nas trevas do ladrão, na dor da alma perjura;<br />

Irradia o perdão e aten<strong>de</strong>, mundo afora,<br />

On<strong>de</strong> clame a revolta e on<strong>de</strong> exista a amargura.<br />

Agora, hoje e amanhã, compreen<strong>de</strong>, ajuda e passa;<br />

Esclarece a alegria e consola a <strong>de</strong>sgraça,<br />

Guarda o anseio do bem que é lume peregrino...<br />

Não troques mal por mal, foge à sombra e à vingança,<br />

Não te aflija a miséria, arrima­te à esperança.<br />

Seja a bênção <strong>de</strong> amor a luz do teu <strong>de</strong>stino.<br />

DO ÚLTIMO DIA<br />

O homem, no último dia, abatido em seu horto,<br />

Sente o extremo pavor que a morte lhe revela;<br />

Seu coração é um mar que se apruma e encapela,<br />

No pungente estertor do peito quase morto.<br />

Tudo o que era vaida<strong>de</strong>, agora é <strong>de</strong>sconforto.<br />

Toda a nau da ilusão se <strong>de</strong>stroça e esfacela<br />

Sob as ondas fatais da indômita procela,<br />

Do pobre coração, que é náufrago sem porto.<br />

Somente o que venceu nesse mundo mesquinho,<br />

Conservando Jesus por verda<strong>de</strong> e caminho,<br />

Rompe a treva do abismo enganoso e perverso!<br />

Aon<strong>de</strong> vais, homem vão Cala em ti todo alar<strong>de</strong>,<br />

Foge <strong>de</strong>ssa tormenta antes que seja tar<strong>de</strong>:<br />

Só Jesus tem nas mãos o farol do Universo.


27 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

5<br />

ALFREDO NORA<br />

Carta ligeira.<br />

ALFREDO José dos Santos Nora nasceu em 18 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1881, no<br />

município <strong>de</strong> Piraí, Estado do Rio, e <strong>de</strong>sencarnou em 13 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1948.<br />

Depois <strong>de</strong> estudar Engenharia até ao 4º ano do curso, tornou­se funcionário da<br />

Central do Brasil, aposentando­se como Agente <strong>de</strong> 1ª classe. Poeta e jornalista,<br />

colaborou em várias revistas e jornais.<br />

CARTA LIGEIRA<br />

Meu Lasneau, não é bilhete,<br />

Não é oficio, nem ata.<br />

É o coração que <strong>de</strong>sata<br />

Meus pesares num lembrete.<br />

1<br />

Lasneau amigo, esta choça,<br />

On<strong>de</strong> a carne, breve, passa,<br />

Cheia <strong>de</strong> lama e fumaça,<br />

É minúscula palhoça.<br />

A Terra, ante o sol da Graça,<br />

É feio talhão <strong>de</strong> roça,<br />

Detendo por balda nossa<br />

Descrença, guerra e cachaça.<br />

Agora é que entendo isso,<br />

Mas é triste a fé sem viço<br />

Que o sepulcro impõe à pressa...<br />

Espere sem alvoroço,<br />

Além da prisão <strong>de</strong> osso,<br />

A vida real começa.


28 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

2<br />

Oh! meu caro, se eu pu<strong>de</strong>sse<br />

Dizer tudo o que não disse,<br />

Sem a velha esquisitice<br />

Que inda agora me entontece!<br />

Entretanto, é clara a messe<br />

Da sementeira <strong>de</strong> asnice.<br />

Perdi tempo em maluquice<br />

E o tempo me <strong>de</strong>sconhece.<br />

É natural que pa<strong>de</strong>ça<br />

A minha pobre cabeça<br />

Perante a Luz, face a face.<br />

Não me olvi<strong>de</strong> em sua prece,<br />

Desejo que a luta cesse,<br />

Que a coisa melhore e... passe.


29 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

6<br />

ALPHONSUS DE GUIMARÃENS<br />

Aos crentes – Redivivo ­ Sinos ­ Santa Virgo Vírginum<br />

AFONSO Henrique da Costa Guimarães, poeta mineiro, natural <strong>de</strong> Ouro<br />

Preto. Nasceu aos 24 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1870 e <strong>de</strong>sencarnou em 15 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1921.<br />

Magistrado, jornalista e poeta, notabilizou­se principalmente pela tonalida<strong>de</strong> mística<br />

do seu astro, qual se afirma em suas obras: Dona Mística, Septenário das Dores,<br />

Kiriale, Escada <strong>de</strong> Jacob, etc.<br />

AOS CRENTES<br />

Ó crentes <strong>de</strong> uma outra vida,<br />

Que andais no mundo exilados,<br />

Nos caminhos enevoados,<br />

Lendo o missal da amargura!<br />

Esperai a sepultura,<br />

Ó crentes <strong>de</strong> uma outra vida! ...<br />

Tangei harpas <strong>de</strong> esperança,<br />

Nas lutas <strong>de</strong> vossa esfera,<br />

Porque a Morte é a primavera<br />

Luminosa, eterna e imensa...<br />

Filhos da paz e da crença<br />

Tangei harpas <strong>de</strong> esperança!...


30 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

REDIVIVO<br />

Sou o cantor das místicas baladas<br />

Que, em volutas <strong>de</strong> flores e <strong>de</strong> incenso,<br />

Achou, no Espaço luminoso e imenso,<br />

O perfume das hóstias consagradas.<br />

Almas que andais gemendo nas estradas<br />

Da amargura e da dor, eu vos pertenço,<br />

Atravessai o nevoeiro <strong>de</strong>nso<br />

Em que viveis no mundo, amortalhadas.<br />

Almas tristes <strong>de</strong> freiras e sorores,<br />

Sobre quem a sauda<strong>de</strong> <strong>de</strong>spetala<br />

Os seus lírios <strong>de</strong> pálidos fulgores;<br />

Eu ressurjo nos místicos prazeres,<br />

De vos cantar, na sombra on<strong>de</strong> se exala<br />

Um perfume <strong>de</strong> altar e misereres...<br />

SINOS<br />

Escuto ainda a voz dos campanários<br />

Entre aromas <strong>de</strong> rosas e açucenas,<br />

Vozes <strong>de</strong> sinos pelos santuários,<br />

Enchendo as gran<strong>de</strong>s vastidões serenas...<br />

E seguindo outros seres solitários,<br />

Retomo velhos quadros, velhas cenas,<br />

Rezando as orações dos Septenários,<br />

Dos Ofícios, dos Terços, das Novenas...<br />

A morte que nos salva não nos priva<br />

De ir ao pé <strong>de</strong> um sacrário abandonado,<br />

Chorar, como inda faz a alma cativa!<br />

Ó sinos dolorosos e plangentes,<br />

Cantai, como cantáveis no passado,<br />

Dizendo a mesma Fé que salva os crentes!


31 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

SANTA VIRGO VÍRGINUM<br />

Sobe da Terra, em ondas luminosas,<br />

Um turbilhão <strong>de</strong> vozes e <strong>de</strong> lírios,<br />

Buscando­vos nas Luzes Harmoniosas,<br />

Oh! Virgem da Pureza e dos Martírios!<br />

Imagens <strong>de</strong> turíbulos e rosas<br />

Aromatizam todos os empíreos...<br />

Há na Terra canções maravilhosas<br />

Entre as luzes e as lágrimas dos círios.<br />

Senhora, o mundo inteiro vos festeja,<br />

Em magnificência ampla e radiosa,<br />

Nos altares simbólicos da Igreja!<br />

Eis, porém, que vos vejo nos caminhos,<br />

On<strong>de</strong> a vossa virtu<strong>de</strong> carinhosa<br />

Consola e ampara os fracos pobrezinhos...


32 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

7<br />

ALMA EROS<br />

O cálice – O irmão<br />

O CÁLICE<br />

A chuva benéfica e abundante cai dos céus<br />

Mitigando a se<strong>de</strong> da terra.<br />

Assim também, o Amado faz chover sobre os homens<br />

Os po<strong>de</strong>res e as bênçãos.<br />

No entanto, choras e <strong>de</strong>sesperas...<br />

Por que não recolheste a tempo a tua parte<br />

— Nada vi — respon<strong>de</strong>rás...<br />

É porque teus olhos estavam nevoados na atmosfera do sonho.<br />

O Senhor passa todos os dias,<br />

Distribuindo os dons celestiais,<br />

Mas as ânforas do teu coração vivem transbordando <strong>de</strong> substâncias estranhas.<br />

Aqui, guardas o vinagre dos <strong>de</strong>senganos,<br />

Acolá, o envenenado licor dos caprichos.<br />

O Amado é incapaz <strong>de</strong> violentar a tua alma.<br />

Seu carinho aguarda a confiança espontânea,<br />

Seu coração freme <strong>de</strong> júbilo,<br />

Na expectativa <strong>de</strong> entregar­te os tesouros eternos...<br />

Mas, até agora,<br />

Persegues a fantasia e alimentas curiosamente a ilusão.<br />

Todavia, o Amado espera.<br />

E dia virá,<br />

Na estrada longa do <strong>de</strong>stino,<br />

Em que esten<strong>de</strong>rás ao seu amor infinito<br />

O cálice do coração lavado e vazio.


33 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

O IRMÃO<br />

Por que ajuízas com ironia,<br />

Sobre as obscurida<strong>de</strong>s do irmão que sobe dificilmente a montanha<br />

Quando atravessava a floresta<br />

O pobrezinho julgou que o Amado lhe falava à mente pela voz do trovão<br />

E lhe erigiu altares<br />

Enfeitados <strong>de</strong> flechas.<br />

Depois,<br />

Quando penetrou noutros círculos,<br />

Acreditou que o Senhor pertencia somente ao seu grupo<br />

E que as outras comunida<strong>de</strong>s humanas eram con<strong>de</strong>nadas...<br />

Lutou, sofreu, feriu­se em dolorosas experiências.<br />

O Amado, porém, jamais o <strong>de</strong>serdou por isso.<br />

Deu­lhe novas forças,<br />

Conce<strong>de</strong>u­lhe oportunida<strong>de</strong>s diferentes.<br />

Por vezes,<br />

Buscou­o no fundo dos abismos,<br />

Como pai carinhoso,<br />

Em busca da criancinha abandonada.<br />

De tempos a tempos,<br />

Fê­lo dormir no regaço,<br />

Ao influxo do bendito esquecimento,<br />

Para que o sol do trabalho lhe sorrisse outra vez.<br />

Não observas em seu caminho áspero a tua própria história<br />

Não atormentes com palavras amargas o irmão que se eleva<br />

Laboriosamente,<br />

Dando ao mundo o que possui <strong>de</strong> melhor.<br />

Ama­o, faze­lhe o bem que possas.<br />

Se já atingiste<br />

Algum topo <strong>de</strong> colina,<br />

Contempla as culminâncias que te aguardam<br />

Entre as nuvens,<br />

E esten<strong>de</strong> as mãos fraternas<br />

Aquele que ainda não po<strong>de</strong> ver o que já vês.


34 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

8<br />

ÁLVARO TEIXEIRA DE MACEDO<br />

Depois da festa<br />

ÁLVARO Teixeira <strong>de</strong> Macedo nasceu no Recife em 13 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1807<br />

e <strong>de</strong>sencarnou em 7 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1849, na Bélgica, on<strong>de</strong> era encarregado dos<br />

negócios do Governo Imperial do Brasil. Publicou, em livro, um poema heróicoburlesco<br />

— A Festa <strong>de</strong> Baldo.<br />

DEPOIS DA FESTA<br />

Não te entregues na Terra à vil mentira,<br />

Desfaze a teia da filáucia humana,<br />

Que a Morte, em breve, humilha e <strong>de</strong>sengana<br />

A <strong>de</strong>mência da carne que <strong>de</strong>lira...<br />

O gozo <strong>de</strong>sfalece à própria gana,<br />

Toda vaida<strong>de</strong> ao báratro se atira,<br />

Sob a ilusão mendaz chameja a pira<br />

Da verda<strong>de</strong>, celeste, soberana.<br />

Finda a festa <strong>de</strong> baldo riso infando,<br />

A alma transpõe o túmulo chorando,<br />

Qual folha solta ao furacão violento.<br />

E quem da luz não fez templo e guarida,<br />

Desce gemendo, <strong>de</strong> alma consumida,<br />

Ao turbilhão <strong>de</strong> cinza e esquecimento.


35 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

9<br />

AMADEU ()<br />

O mistério da morte<br />

O MISTÉRIO DA MORTE<br />

O mistério da morte é o mistério da vida,<br />

Que abandona a matéria exãnime e cansada;<br />

Que traz a treva em si e abre a porta dourada<br />

De um mundo que entre nós é a luz <strong>de</strong>sconhecida.<br />

Também tive a minhalma outrora perturbada,<br />

De dúvida, incerteza e angústias consumida,<br />

Mas a morte sanou­me a última ferida<br />

Desfazendo as lições utópicas do Nada.<br />

A morte é simplesmente o lúcido processo<br />

Desassimilador das formas acessíveis<br />

A luz do vosso olhar, empobrecido e incerto.<br />

Venho testemunhar a luz <strong>de</strong> on<strong>de</strong> regresso,<br />

Incitando vossa alma aos planos invisíveis,<br />

On<strong>de</strong> vive e se expan<strong>de</strong> o Espírito liberto.


36 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

10<br />

AMARAL ORNELLAS<br />

Ave Maria ­ O Tempo<br />

FUNCIONÁRIO público. Nasceu no Rio <strong>de</strong> Janeiro em 20 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong><br />

1885 e <strong>de</strong>sencarnou a 5 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1923. Talento brilhante, <strong>de</strong>ixou dois volumes<br />

<strong>de</strong> Poesia, consagrados pela crítica coeva, além <strong>de</strong> copiosa literatura teatral e<br />

doutrinária.<br />

AVE MARIA<br />

Ave Maria! Senhora<br />

Do Amor que ampara e redime,<br />

Ai do mundo se não fora<br />

A vossa missão sublime!<br />

Cheia <strong>de</strong> graça e bonda<strong>de</strong>,<br />

É por vós que conhecemos<br />

A eterna revelação<br />

Da vida em seus dons supremos.<br />

O Senhor sempre é convosco,<br />

Mensageira da ternura,<br />

Providência dos que choram<br />

Nas sombras da <strong>de</strong>sventura.<br />

Bendita sois vós, Rainha!<br />

Estrela da Humanida<strong>de</strong>,<br />

Rosa mística da fé,<br />

Lírio puro da humilda<strong>de</strong>!<br />

Entre as mulheres sois vós<br />

A Mãe das mães <strong>de</strong>svalidas,<br />

Nossa porta <strong>de</strong> esperança,<br />

E Anjo <strong>de</strong> nossas vidas!<br />

Bendito o fruto imortal<br />

Da vossa missão <strong>de</strong> luz,<br />

Des<strong>de</strong> a paz da Manjedoura,<br />

As dores, além da Cruz.


37 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Assim seja para sempre,<br />

Oh! Divina Soberana,<br />

Refúgio dos que pa<strong>de</strong>cem<br />

Nas dores da luta humana.<br />

Ave Maria! Senhora<br />

Do Amor que ampara e redime,<br />

Ai do mundo se não fora<br />

A vossa missão sublime!<br />

O TEMPO<br />

O tempo é o campo eterno em que a vida enxameia<br />

Sabedoria e amor na estrada meritória.<br />

Nele o bem cedo atinge a colheita da glória<br />

E o mal <strong>de</strong>sce ao paul <strong>de</strong> lama, cinza e areia.<br />

Esquece a mágoa hostil que te oprime e alanceia.<br />

Toda amargura é sombra enfermiça e ilusória...<br />

Trabalha, espera e crê... O serviço é vitória<br />

E cada coração recolhe o que semeia.<br />

Dor e luta na Terra — a Celeste Oficina —<br />

São portas aurorais para a Mansão Divina,<br />

Purifica­te e cresce, amando por vencê­las...<br />

Serve sem perguntar por “on<strong>de</strong>”, “como” e “quando”,<br />

E, nos braços do Tempo, ascen<strong>de</strong>rás cantando<br />

Aos Píncaros da Luz, no País das Estrelas!


38 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

11<br />

ANTERO DE QUENTAL<br />

Ciência ínfima ­ Rainha do Céu ­ À morte ­ Depois da morte –<br />

Soneto – O Remorso – Soneto – Deus – Consolai – Crença ­ Não<br />

choreis ­ Mão divina ­ Almas sofredoras ­ Supremo engano –<br />

Incognoscível – Fatalida<strong>de</strong> – Estranho concerto<br />

NASCIDO na ilha <strong>de</strong> São Miguel, nos Açores, em 1842, e <strong>de</strong>sencarnado<br />

por suicídio, em 1891. É vulto eminente e <strong>de</strong>stacado nas letras portuguesas,<br />

caracterizando­se pelo seu espírito filosófico.<br />

CIÊNCIA ÍNFIMA<br />

On<strong>de</strong> o gran<strong>de</strong> caminho soberano<br />

Da Ciência que abriu a nova era,<br />

Investigando a entranha da monera,<br />

A <strong>de</strong>svendar­se no capricho insano<br />

Ciência que se elevou à estratosfera<br />

E <strong>de</strong>vassou os fundos do oceano,<br />

Fomentando o princípio <strong>de</strong>sumano<br />

Da ambição on<strong>de</strong> a força prolifera...<br />

Ciência <strong>de</strong> ostentação, arma <strong>de</strong> efeito,<br />

Longe da Luz, da Paz e do Direito,<br />

Num caminho infeliz, sombrio e inverso;<br />

Sob o alarme guerreiro, formidando,<br />

Eis que a Terra te acusa, soluçando,<br />

Como a Gran<strong>de</strong> Mendiga do Universo!...


39 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

RAINHA DO CÉU<br />

Excelsa e sereníssima Senhora,<br />

Que sois toda Bonda<strong>de</strong> e Complacência,<br />

Que espalhais os eflúvios da Clemência<br />

Em caminhos liriais feitos <strong>de</strong> aurora!...<br />

Amparai o que anseia, luta e chora,<br />

No labirinto amargo da existência.<br />

Se<strong>de</strong> a nossa divina providência<br />

E a nossa proteção <strong>de</strong> cada hora.<br />

Oh! Anjo Tutelar da Humanida<strong>de</strong>.<br />

Que espargis alegria e clarida<strong>de</strong><br />

Sobre o mundo <strong>de</strong> trevas e gemidos;<br />

Vosso amor, que enche os céus ilimitados,<br />

É a luz dos tristes e dos <strong>de</strong>sterrados,<br />

Esperança dos pobres <strong>de</strong>svalidos!...<br />

À MORTE<br />

Ó Morte, eu te adorei, como se foras<br />

O Fim da sinuosa e negra estrada,<br />

On<strong>de</strong> habitasse a eterna paz do Nada<br />

As agonias <strong>de</strong>sconsoladoras.<br />

Eras tu a visão idolatrada<br />

Que sorria na dor das minhas horas,<br />

Visão <strong>de</strong> tristes faces cismadoras,<br />

Nos crepes do Silêncio amortalhada.<br />

Busquei­te, eu que trazia a alma já morta,<br />

Escorraçada no pa<strong>de</strong>cimento,<br />

Batendo alucinado à tua porta;<br />

E escancaraste a porta escura e fria,<br />

Por on<strong>de</strong> penetrei no Sofrimento,<br />

Numa senda mais triste e mais sombria.


40 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

DEPOIS DA MORTE<br />

1<br />

Apenas dor no mundo inteiro eu via,<br />

E tanto a vi, amarga e inconsolável,<br />

Que num véu <strong>de</strong> tristeza impenetrável<br />

Multiplicava as dores que eu sofria.<br />

Se vislumbrava o riso da alegria<br />

Fora <strong>de</strong>ssa amargura inalterável<br />

Esse prazer só era <strong>de</strong>cifrável<br />

Sob a ilusão da eterna fantasia.<br />

Ao meu olhar <strong>de</strong> triste e <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrente,<br />

Olhar <strong>de</strong> pensador amargurado,<br />

Só existia a dor, ela somente.<br />

O gozo era a mentira dum momento,<br />

Os prazeres, o engano imaginado<br />

Para aumentar a mágoa e o sofrimento.<br />

2<br />

Misantropo da ciência enganadora,<br />

Trazia em mim o anseio irresistível<br />

De conhecer o Deus in<strong>de</strong>finível,<br />

Que era na dor, visão consoladora.<br />

Não o via e, no entanto, em toda hora,<br />

Nesse anelo cruciante e intraduzível,<br />

Podia ver, sentindo o Incognoscível<br />

E a sua onisciência criadora.<br />

Mas a insídia do orgulho e da <strong>de</strong>scrença<br />

Guiava­me a existência <strong>de</strong>solada,<br />

Recamada <strong>de</strong> dor profunda e intensa;<br />

Pela voz da vaida<strong>de</strong>, então, eu cria<br />

Achar na morte a escuridão do Nada,<br />

Nas vastidões da terra úmida e fria.


41 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

3<br />

Depois <strong>de</strong> extravagâncias <strong>de</strong> teoria,<br />

No seio <strong>de</strong>ssa ciência tão volúvel,<br />

Sobre o problema trágico, insolúvel,<br />

De ver o Deus <strong>de</strong> Amor, <strong>de</strong> quem <strong>de</strong>scria,<br />

Morri, reconhecendo, todavia,<br />

Que a morte era um enigma solúvel,<br />

Ela era o laço eterno e indissolúvel,<br />

Que liga o Céu à Terra tão sombria!<br />

E por estas regiões on<strong>de</strong> eu julgava<br />

Habitar a inconsciência e a mesma treva<br />

Que tanta vez os olhos me cegava,<br />

Vim, gemendo, encontrar as luzes puras<br />

Da verda<strong>de</strong> brilhante, que se eleva,<br />

Iluminando todas as alturas.<br />

SONETO<br />

Quisera crer, na Terra, que existisse<br />

Esta vida que agora estou vivendo,<br />

E nunca encontraria abismo horrendo,<br />

De amargoso penar que se me abrisse.<br />

An<strong>de</strong>i cego, porém, e sem que visse<br />

Meu próprio bem na dor que ia sofrendo;<br />

Desvairado, ao sepulcro fui <strong>de</strong>scendo,<br />

Sem que a Paz almejada conseguisse.<br />

Da morte a Paz busquei, como se fora<br />

Apossar­me do eterno esquecimento,<br />

Ao viver da minhalma sofredora;<br />

E em vez <strong>de</strong> imperturbáveis quietitu<strong>de</strong>s,<br />

Encontrei os Remorsos e o Tormento,<br />

Recru<strong>de</strong>scendo as minhas dores ru<strong>de</strong>s.


42 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

O REMORSO<br />

Quando fugi da dor, fugindo ao mundo,<br />

Divisei aos meus pés, <strong>de</strong> mim diante,<br />

A medonha figura <strong>de</strong> gigante<br />

Do Remorso, <strong>de</strong> olhar grave e profundo.<br />

Era <strong>de</strong> ouvir­lhe o grito gemebundo,<br />

Sua voz cavernosa e soluçante!...<br />

Aproximei­me <strong>de</strong>le, suplicante,<br />

Dizendo­lhe, cansado e moribundo: —<br />

“Que fazes ao meu lado, corvo horrendo,<br />

Se enlouqueci no meu <strong>de</strong>gredo estranho,<br />

Acordando­me em lágrimas, gemendo”<br />

Ele riu­se e clamou para meus ais:<br />

“Companheiro na dor, eu te acompanho,<br />

Nunca mais te abandono! Nunca mais!”<br />

SONETO<br />

Mais se me afunda a chaga da amargura<br />

Quando reflexiono, quando penso<br />

No mar humano, encapelado e imenso,<br />

On<strong>de</strong> se per<strong>de</strong> a luz em noite escura...<br />

Nesse abismo <strong>de</strong> treva a bênção pura,<br />

Do espírito <strong>de</strong> amor ao mal imenso,<br />

Sente o assédio do mal. É o contra­senso<br />

Da luz unida à lama que a tortura.<br />

Mais se me aumenta a chaga dolorida,<br />

Escutando o soluço cavernoso<br />

Da pobre Humanida<strong>de</strong> escravizada;<br />

Sentindo o horror que nasce <strong>de</strong>ssa vida,<br />

Que se vive no abismo tenebroso,<br />

Cheio do pranto da alma encarcerada!


43 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

DEUS<br />

Quem, senão Deus, criou obra tamanha,<br />

O espaço e o tempo, as amplidões e as eras,<br />

On<strong>de</strong> se agitam turbilhões <strong>de</strong> esferas,<br />

Que a luz, a excelsa luz, aquece e banha<br />

Quem, senão ele fez a esfinge estranha<br />

No segredo inviolável das moneras,<br />

No coração dos homens e das feras,<br />

No coração do mar e da montanha!<br />

Deus!... somente o Eterno, o Impenetrável,<br />

Po<strong>de</strong>ria criar o imensurável<br />

E o Universo infinito criaria!...<br />

Suprema paz, intérmina pieda<strong>de</strong>,<br />

E que habita na eterna clarida<strong>de</strong><br />

Das torrentes da Luz e da Harmonia!<br />

CONSOLAI<br />

Se eu pu<strong>de</strong>sse, diria eternamente,<br />

Aos flagelados e <strong>de</strong>siludidos,<br />

Que sobre a Terra os gran<strong>de</strong>s bens perdidos<br />

São a posse da luz resplan<strong>de</strong>cente.<br />

A dor mais ru<strong>de</strong>, a mágoa mais pungente,<br />

Os soluços, os prantos, os gemidos,<br />

Entre as almas são louros repartidos<br />

Muito longe da Terra impenitente.<br />

Oh! se eu pu<strong>de</strong>sse, iria em altos brados<br />

Libertar corações escravizados<br />

Sob o guante <strong>de</strong> enigmas profundos!<br />

Mas, dizei­lhes, ó vós que estais na<br />

Terra, Que a luz espiritual da dor encerra<br />

A ventura imortal dos outros mundos!


44 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

CRENÇA<br />

Minha vida <strong>de</strong> dor e <strong>de</strong> procela<br />

Que se extinguiu na tempesta<strong>de</strong> imensa,<br />

Despedaçou­se à falta <strong>de</strong>ssa crença,<br />

Que as gran<strong>de</strong>s luzes místicas revela.<br />

E estraçalhei­me como alguém que sela<br />

Com o supremo infortúnio a dor intensa,<br />

Desvairado <strong>de</strong> angústia e <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrença,<br />

Dentro da vida sem compreendê­la.<br />

Ah! Crer! bem que, na Terra, não possui,<br />

Quando entre conjeturas me perdi,<br />

De tão pequena dor fazendo alar<strong>de</strong>...<br />

Crença! Luminosíssima riqueza<br />

Que enche a vida <strong>de</strong> paz e <strong>de</strong> beleza,<br />

Mas que chega no mundo muito tar<strong>de</strong>.<br />

NÃO CHOREIS<br />

Não choreis os que vão em liberda<strong>de</strong><br />

Buscar no Espaço o luminoso leito<br />

Da paz, distante do caminho estreito<br />

Desse mundo <strong>de</strong> dor e <strong>de</strong> orfanda<strong>de</strong>.<br />

O pranto é a flor <strong>de</strong> aromas da sauda<strong>de</strong>,<br />

Que perfuma e crucia o vosso peito,<br />

Mas, transformai­o em gozo alto e perfeito,<br />

Em santa e esperançosa clarida<strong>de</strong>.<br />

Chega um dia em que o Espírito <strong>de</strong>scansa<br />

Das aflições, angústias e cansaços,<br />

Dos aguilhões das dores absolutas:<br />

Feliz <strong>de</strong> quem, na Crença e na Esperança,<br />

Procura a luz sublime dos espaços,<br />

Buscando a paz <strong>de</strong>pois das gran<strong>de</strong>s lutas.


45 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

MÃO DIVINA<br />

A luz da mão divina sempre <strong>de</strong>sce,<br />

Misericordiosa e compassiva,<br />

Sobre as dores da pobre alma cativa,<br />

Que está nas sendas lúcidas da Prece.<br />

Se a amargura das lágrimas se aviva,<br />

Se o tormento da vida recru<strong>de</strong>sce,<br />

Aguardai a abundância da outra messe<br />

De venturas, que é da alma rediviva.<br />

Confiando, esperai a Providência<br />

Com os sentimentos puros, diamantinos,<br />

Lendo os artigos ríspidos da Lei!<br />

Os filhos da Pieda<strong>de</strong> e da Paciência<br />

Encontrarão nos páramos divinos<br />

A paz e as luzes que eu não alcancei.<br />

ALMAS SOFREDORAS<br />

Passam na Terra como as ventanias,<br />

Ou como agigantadas nebulosas<br />

Provindas <strong>de</strong> cavernas misteriosas,<br />

Essas compactas legiões sombrias;<br />

Turbas <strong>de</strong> almas escravas <strong>de</strong> agonias,<br />

Com que an<strong>de</strong>i entre queixas dolorosas,<br />

Ao palmilhar estradas escabrosas,<br />

Entre as noites mais lúgubres e frias!<br />

Oh! visões <strong>de</strong> martírios que apavoram,<br />

Miseráveis Espíritos que choram,<br />

Sob os grilhões <strong>de</strong> ru<strong>de</strong> sofrimento!<br />

Orai por eles, bons trabalhadores<br />

Que estais colhendo sobre a Terra as flores<br />

De um doce e temporário esquecimento.


46 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

SUPREMO ENGANO<br />

Vê­se da Terra o Céu, em toda a vida,<br />

Como um vergel azul <strong>de</strong> lírios brancos,<br />

On<strong>de</strong> mora a ventura, e em cujos flancos<br />

Repousa a gran<strong>de</strong> mágoa adormecida.<br />

Céu! quanta vez minhalma entristecida<br />

Anteviu tua paz, sob os arrancos,<br />

Sob os golpes da dor, rijos e francos,<br />

Na escuridão espessa e in<strong>de</strong>finida!<br />

Não sonhei com teus <strong>de</strong>uses venturosos,<br />

Com teus gran<strong>de</strong>s olimpos majestosos,<br />

Cheios <strong>de</strong> vida e <strong>de</strong> infinitos bens...<br />

Antegozei, somente, em minhas dores,<br />

A paz livre <strong>de</strong> trevas é pavores,<br />

Do imperturbável nada que não tens!<br />

INCOGNOSCÍVEL<br />

Para o Infinito, Deus não representa<br />

A personalida<strong>de</strong> humanizada,<br />

Pelos seres terrenos inventada,<br />

Cheia, às vezes, <strong>de</strong> cólera violenta.<br />

Deus não castiga o ser e nem o isenta<br />

Da dor, que traz a alma lacerada<br />

Nos pelourinhos negros <strong>de</strong> uma estrada<br />

De provação, <strong>de</strong> angústia e <strong>de</strong> tormenta.<br />

Tudo fala <strong>de</strong> Deus nesse <strong>de</strong>sterro<br />

Da Terra, orbe da lágrima e do erro,<br />

Que entre anseios e angústias conheci!<br />

Mas, quanto o vão mortal inda se engana,<br />

Que em sua triste condição humana<br />

Fez a essência <strong>de</strong> Deus igual a si!


47 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

FATALIDADE<br />

Crê­se na Morte o Nada, e, todavia,<br />

A Morte é a própria Vida ativa e intensa,<br />

Fim <strong>de</strong> toda a amargura da <strong>de</strong>scrença,<br />

On<strong>de</strong> a gran<strong>de</strong> certeza principia.<br />

O meu erro, no mundo da Agonia,<br />

Foi crer <strong>de</strong>mais na angústia e na doença<br />

Da alma que luta e sofre, chora e pensa,<br />

Nos labirintos da Filosofia...<br />

E no meio <strong>de</strong> todas as canseiras<br />

Cheguei, enfim, às dores <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iras<br />

Que as tormentas <strong>de</strong> lágrimas <strong>de</strong>satam!...<br />

Nunca, na Terra, a crença se realiza,<br />

Porque em tudo, no mundo, o homem divisa<br />

A figura das dúvidas que matam.<br />

ESTRANHO CONCERTO<br />

Clamou o Orgulho ao homem: — “Goza a vida!<br />

E fere, brasonado cavaleiro,<br />

Coroado <strong>de</strong> folhas <strong>de</strong> loureiro,<br />

Quem vai <strong>de</strong> alma gemente e consumida. .<br />

Veio a Vaida<strong>de</strong> e disse: — “A toda brida!<br />

Dominarás, além, no mundo inteiro,<br />

Cavalga o tempo e corre ao teu roteiro<br />

De soberana glória in<strong>de</strong>finida!...<br />

Mas a Verda<strong>de</strong>, sobre a humana furna,<br />

Gritou­lhe, angustiada, em voz soturna:<br />

— “Insensato! aon<strong>de</strong> vais, sem Deus, sem norte”<br />

E impeliu, sem <strong>de</strong>tença e sem barulho,<br />

Cavaleiro e corcel, vaida<strong>de</strong> e orgulho,<br />

Aos tenebrosos pântanos da Morte.


48 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

12<br />

ANTÔNIO NOBRE<br />

Quadras <strong>de</strong> um poeta morto ­ Do Além – Soneto ­ Ao mundo ­ À<br />

Mocida<strong>de</strong><br />

NASCEU na cida<strong>de</strong> do Porto e faleceu na Foz do Douro aos 33 anos <strong>de</strong><br />

ida<strong>de</strong>, em 18 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1900. Distinguiu­se pela suavida<strong>de</strong> e melancolia do seu<br />

estro. Deixou um livro inconfundível e, ainda hoje, muito estimado — Só — e<br />

Despedidas, edição <strong>de</strong> 1902.<br />

QUADRAS DE UM POETA MORTO<br />

Coração, não vos canseis<br />

De bater... que importa lá<br />

Porque os amores fiéis,<br />

Nem a morte os vencerá.<br />

Ó figuras <strong>de</strong> velhinhos<br />

Que andais dormitando ao léu!<br />

Como são belos os Linhos<br />

Que vos esperam no Céu!<br />

Dizem que os mortos não voltam...<br />

Voltam sim. E por que não<br />

Os corpos daí nos soltam,<br />

Como às aves o alçapão.<br />

Nem gritos e nem cantigas<br />

Entre vós que à noite andais;<br />

As almas das raparigas<br />

Inda sonham nos choupais.<br />

Nas gran<strong>de</strong>s mansões da morte<br />

Inda há romance e noivados,<br />

Venturas da boa sorte,<br />

Corações <strong>de</strong>spedaçados.


49 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Quem riu ontem, quem ri hoje,<br />

Nem sempre po<strong>de</strong>rá rir...<br />

Um dia o riso lhe foge,<br />

Sem que o veja escapulir.<br />

Riquezas, que valem elas<br />

Se estão na sombra ou sem luz<br />

Tesouro são as estrelas<br />

Da bonda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Jesus.<br />

Po<strong>de</strong>­se amar o veludo<br />

De uns olhos e os brilhos seus,<br />

Porém, acima <strong>de</strong> tudo<br />

Devemos amar a Deus.<br />

Vós que amais a luz da Lua,<br />

De vossa alma abri as portas<br />

Para os fantasmas da rua,<br />

Que choram nas horas mortas.<br />

Pensei que a morte era o fim<br />

Das ânsias do coração;<br />

Contudo, não é assim...<br />

Nem pó e nem solidão.<br />

As vezes acham­se fojos<br />

On<strong>de</strong> há música e festins,<br />

E há muitos cardos e tojos<br />

Entre as flores dos jardins.<br />

Se eu pu<strong>de</strong>sse, esten<strong>de</strong>ria<br />

Minhas capas <strong>de</strong> luar,<br />

Sobre os filhos da agonia<br />

Que andam no mundo a penar.<br />

A morte só po<strong>de</strong> ser<br />

A vida risonha e pura,<br />

Para quem a pa<strong>de</strong>cer<br />

Vive aí na sepultura.<br />

Mal vais, se vais caminhando<br />

Na ambição <strong>de</strong> ouro e glória;<br />

Nesse mundo miserando<br />

Toda ventura é ilusória.


50 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Chorai! chorai orfãozinhos,<br />

Vossas dores amargosas:<br />

Achareis noutros caminhos<br />

As vossas mães extremosas.<br />

Deixa cantar, ó menina,<br />

Teu coração sonhador...<br />

No sepulcro não termina<br />

O novelário do amor.<br />

Um anjo cheio <strong>de</strong> encanto<br />

Vive sempre com quem chora,<br />

Guardando as gotas <strong>de</strong> pranto<br />

Numa urna cor da aurora.<br />

No Universo há céus profundos,<br />

Cheios <strong>de</strong> vida e esplendor,<br />

Um céu é um ninho <strong>de</strong> mundos,<br />

Um mundo é um ninho <strong>de</strong> amor.<br />

A carida<strong>de</strong> é a beleza<br />

De um divino plenilúnio,<br />

Luz que se esten<strong>de</strong> à pobreza,<br />

Na escuridão do infortúnio.<br />

Aos mendigos <strong>de</strong>sprezados<br />

Não ridicularizeis,<br />

São senhores <strong>de</strong>spojados<br />

Dos seus tesouros <strong>de</strong> reis.<br />

Aqui, a alma inda espera<br />

O alguém que na Terra amou,<br />

O raio <strong>de</strong> primavera<br />

Que aí jamais encontrou.<br />

Há quem faça aí mil contas,<br />

Que os interesses resuma,<br />

Mas morrem cabeças tontas,<br />

Sem fazer conta nenhuma.<br />

Tecei sonhos, fian<strong>de</strong>iras,<br />

Oh! almas enamoradas,<br />

Vivei aí nas clareiras<br />

De luzes alcandoradas.


51 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Ah! que sinto aqui sauda<strong>de</strong>s<br />

Das noites <strong>de</strong> São João,<br />

Sonho, estrelas, clarida<strong>de</strong>s,<br />

Cantigas do coração.<br />

Na minha vida <strong>de</strong> agora<br />

Não canto as festas louçãs,<br />

Naquelas toadas <strong>de</strong> outrora<br />

As moçoilas coimbrãs.<br />

Acompanha­me a tristeza<br />

Das sauda<strong>de</strong>s, por meu mal;<br />

Minha terra portuguesa! ...<br />

Meu querido Portugal! ...<br />

DO ALÉM<br />

Pu<strong>de</strong>sse o nosso olhar, vagueando os ermos,<br />

Ver através da própria soleda<strong>de</strong><br />

A expressão luminosa da Verda<strong>de</strong>,<br />

E da luz da Verda<strong>de</strong> não <strong>de</strong>scrermos...<br />

Preocupar­se aí, porém, quem há <strong>de</strong><br />

Com o problema <strong>de</strong> sermos ou não sermos,<br />

Pois que o ar<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> o sabermos<br />

É sempre o anelo falso da vaida<strong>de</strong><br />

Peregrinos da dor, na dor andamos<br />

Sem que a nossa miséria se <strong>de</strong>sfaça<br />

No escabroso caminho on<strong>de</strong> marchamos,<br />

Seguindo a alma nos sonhos iludida,<br />

Até que a dor unindo­se à <strong>de</strong>sgraça<br />

Descerre os véus que encobrem outra vida.


52 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

SONETO<br />

“Quando cobrir­se o chão <strong>de</strong> folhas mortas<br />

Meu coração dizia em grave entono —<br />

Extinguindo­se a vida que comportas,<br />

Dormirás no meu seio o último sono...<br />

E murmurava a alma — “Findo o Outono,<br />

A Primavera vem por outras portas;<br />

Não existe no túmulo o abandono,<br />

Ou a dor amarga e ru<strong>de</strong> em que te cortas.”<br />

Escutava essas vozes comovido,<br />

Morto <strong>de</strong> angústia, morto <strong>de</strong> incerteza,<br />

Aguardando o sol­posto, entristecido;<br />

E além da amarga vida <strong>de</strong> segundos,<br />

Ressurgi da tortura e da tristeza,<br />

Sob os ares sadios <strong>de</strong> outros mundos!<br />

AO MUNDO<br />

A Terra é o vasto abismo on<strong>de</strong> a alma chora,<br />

O vale <strong>de</strong> amarguras do Salmista,<br />

Lodoso chavascal on<strong>de</strong> se avista<br />

A podridão dos vermes que apavora.<br />

Mas, para os gran<strong>de</strong>s bens, para que exista<br />

A perfeição da luz <strong>de</strong>slumbradora,<br />

Precisamos da carne que aprimora<br />

Com o camartelo mágico do artista.<br />

Terra, tranquilamente eu te abençôo...<br />

Porque da tua dor alcei meu vôo<br />

Para a mansão das luzes opulentas;<br />

Teu rigor nos redime e nos eleva;<br />

Mas és ainda o cárcere da treva,<br />

Triste mundo <strong>de</strong> chagas pustulentas!


53 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

À MOCIDADE<br />

Cantai! cantai, ó mocida<strong>de</strong>! Moira<br />

Encantada que ri nos prados ver<strong>de</strong>s,<br />

Cantai o amor que é luz que se entesoira,<br />

Vibrai na luz da vida em que viver<strong>de</strong>s.<br />

Glorificai, ditosa, o sol que doira<br />

O riso que espalhais sem compreen<strong>de</strong>r<strong>de</strong>s,<br />

Expandi­vos na primavera loira,<br />

Nos poemas <strong>de</strong> luar que conceber<strong>de</strong>s!<br />

I<strong>de</strong> cantando, mocida<strong>de</strong> ar<strong>de</strong>nte,<br />

Alvorada em abril, do sol­nascente,<br />

Clareando o porvir almo e risonho;<br />

Marchai sorrindo, doce juventu<strong>de</strong>,<br />

Na exaltação do amor e da saú<strong>de</strong>,<br />

Ébria <strong>de</strong> aroma e luz, ébria <strong>de</strong> sonho!...


54 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

13<br />

ANTÔNIO TORRES<br />

Esquife do sonho – Nada<br />

NASCEU em Diamantina (Minas Gerais) em 1885, falecendo, em 1934, na<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Hamburgo, como cônsul adjunto do Brasil. Or<strong>de</strong>nou­se sacerdote,<br />

abandonando mais tar<strong>de</strong> a profissão eclesiástica. Poeta e escritor.<br />

ESQUIFE DO SONHO<br />

Tive um Sonho <strong>de</strong> Amor e <strong>de</strong> Inocência,<br />

Cheio <strong>de</strong> luz das coisas invulgares,<br />

Do qual perdi a luminosa essência<br />

Na cristalização dos meus pesares.<br />

Tar<strong>de</strong> reconheci minha falência,<br />

Terminados os múltiplos azares,<br />

De minha quase inútil existência,<br />

No silêncio das cinzas tumulares.<br />

E da Morte, no abismo in<strong>de</strong>finido,<br />

Tombei exausto, amargurado e cego,<br />

— Abismo tenebroso que eu transponho.<br />

Infeliz do meu ser irredimido,<br />

Pois triste e atordoado inda carrego<br />

O negro esquife do meu próprio sonho.


55 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

NADA...<br />

Nada! ... Filosofia ru<strong>de</strong> e amara,<br />

Na qual acreditei, com pena embora<br />

De abandonar a Crença que esposara,<br />

— A minha aspiração <strong>de</strong> cada hora.<br />

Crença é o perfume d’alma que se enflora<br />

Com a luz divina, resplen<strong>de</strong>nte e rara<br />

Da Fé, única Luz da única Aurora,<br />

Que as trevas mais compactas aclara.<br />

Revendo os dias tristes do Passado,<br />

Vi que troquei a Fé pela Ironia,<br />

Nos <strong>de</strong>svios e excessos da Razão;<br />

Antes, porém, não fosse tão ousado,<br />

Pois nem sempre a Razão profunda e fria<br />

Alivia ou consola o Coração.


56 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

14<br />

ARTUR AZEVEDO<br />

Miniaturas da Socieda<strong>de</strong> elegante<br />

NASCIDO em São Luis, no Maranhão, a 7 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1855 e falecido na<br />

cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro a 22 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1908. Diretor Geral <strong>de</strong> Contabilida<strong>de</strong> do<br />

Ministério da Viação. Poeta, comediógrafo, jornalista e crítico. Membro e fundador<br />

da Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> Letras, on<strong>de</strong> ocupou a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Martins Pena.<br />

MINIATURAS DA SOCIEDADE ELEGANTE<br />

1<br />

Adriano Gonçalves <strong>de</strong> Macedo,<br />

Homem <strong>de</strong> cabedais e alma sem siso,<br />

Penetrou no seu quarto com um sorriso<br />

As <strong>de</strong>z horas da noite, muito a medo.<br />

Uma carta <strong>de</strong> amante — era um segredo —<br />

Ia abri­la, e, assim, era preciso<br />

Que a sua esposa, dama <strong>de</strong> juízo,<br />

Não na visse nem mesmo por brinquedo:<br />

Dona Corália Augusta Colavida<br />

Estaria nessa hora recolhida<br />

Levantou a cortina, <strong>de</strong>vagar...<br />

Mas, que tragédia após esse perigo...<br />

Viu que a esposa beijava um seu amigo,<br />

Sobre o divã, da sala <strong>de</strong> jantar.


57 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

2<br />

No belo palacete do Furtado,<br />

Palestrava a galante Mariquita<br />

Com um pelintra afetado, assaz catita,<br />

Bacharel <strong>de</strong>lambido e enamorado.<br />

De sobre a gran<strong>de</strong> cômoda bonita,<br />

Toma o moço um livrinho enca<strong>de</strong>rnado,<br />

Revirando­o nas mãos, interessado,<br />

Mas a jovem retoma­o, muito aflita:<br />

— “Esse livro, Antonico, é meu breviário!”<br />

Diz inquieta. E ele, cínico e falsário,<br />

Arrebata­o às frágeis mãos trementes<br />

Abriu­o. Mais o olhava e mais se ria...<br />

Era um compêndio <strong>de</strong> pornografia,<br />

Recamado <strong>de</strong> quadros in<strong>de</strong>centes.<br />

3<br />

Dom Castilho, notável latinista,<br />

Realizara alentada conferência,<br />

Sobre rígido assunto moralista,<br />

Protegido dos membros da regência.<br />

Foi um sucesso. E a esposa Ana Fulgência,<br />

Nele via uma gran<strong>de</strong> alma <strong>de</strong> artista,<br />

Louvando­lhe a utilíssima existência<br />

De homem probo e notável publicista.<br />

Que primor <strong>de</strong> moral! e os companheiros<br />

Escritores, poetas, conselheiros,<br />

Foram levar­lhe um abraço camarada.<br />

Numa corrida louca, esses senhores<br />

Foram achá­lo em seus trajes menores,<br />

No apartamento escuro da criada...


58 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

15<br />

AUGUSTO DE LIMA<br />

O doce missionário ­ O santo <strong>de</strong> Assis<br />

POETA mineiro, nascido em Sabará, Minas, em 5 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1859 e<br />

<strong>de</strong>sencarnado no Rio <strong>de</strong> Janeiro em 22 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1934. Magistrado íntegro, orador<br />

e publicista, militou na Política e foi membro <strong>de</strong> realce da Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong><br />

Letras, tendo ocupado a presidência <strong>de</strong>ssa instituição.<br />

O DOCE MISSIONÁRIO<br />

Sertão hostil. Agreste serrania.<br />

Tendo por companhia<br />

A cruz do Nazareno, humil<strong>de</strong> e solitário,<br />

Ali vivia Anchieta, o doce missionário,<br />

Carinhoso pastor, espelho <strong>de</strong> bonda<strong>de</strong>,<br />

Abençoando o bem, perdoando a malda<strong>de</strong>,<br />

Servo amado <strong>de</strong> Deus, imitador <strong>de</strong> Assis,<br />

Que na humilda<strong>de</strong> achara a vida mais feliz.<br />

Naquele dia,<br />

Era intenso o calor.<br />

Ninguém! Nem uma sombra se movia,<br />

Tudo era langui<strong>de</strong>z, <strong>de</strong>sânimo e torpor.<br />

Além se divisava a solidão da estrada,<br />

Amarela <strong>de</strong> pó, tristonha e <strong>de</strong>solada.<br />

Na clareira, on<strong>de</strong> o Sol feria os vegetais,<br />

Viam­se florescer bromélias e boninas,<br />

E, elevando­se aos céus, esguios espinhais<br />

Implorando pieda<strong>de</strong> às amplidões divinas...<br />

Eis que o irmão <strong>de</strong> Jesus, o humil<strong>de</strong> pegureiro<br />

Avista um mensageiro.<br />

Dirige­se­lhe a casa,<br />

Pisando vagaroso o chão que o Sol abrasa.


59 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

— “Meu protetor — diz ele —, o bom pajé,<br />

Convertido por vós à luz da vossa fé,<br />

Que tem oferecido a Deus o seu amor,<br />

Agoniza na taba, ao longe, em aflição.<br />

Ele espera <strong>de</strong> vós a paz do coração<br />

E implora lhe leveis a bênção do Senhor.”<br />

— “Oh! doce filho meu, que vin<strong>de</strong>s <strong>de</strong> passagem,<br />

Que Jesus vos ampare, ao termo da viagem...”<br />

E isso dizendo, o pastor prestamente<br />

Toma da humil<strong>de</strong> cruz do Mártir do Calvário,<br />

Abandonando o ninho agreste e solitário,<br />

Para arrancar à dor o pobre penitente.<br />

Há solidão na estrada,<br />

Ferem­lhe os pés as pontas dos espinhos.<br />

Que penosa jornada,<br />

Em tão ru<strong>de</strong>s e aspérrimos caminhos! ...<br />

Pairam no ar excessos <strong>de</strong> calor,<br />

Nem árvores umbrosas e nem fontes,<br />

Somente o Sol ferino e <strong>de</strong>struidor,<br />

Que calcina, inflamando os horizontes.<br />

Eis que a se<strong>de</strong> o <strong>de</strong>vora;<br />

Entretanto, o pastor não se <strong>de</strong>plora;<br />

A terna e meiga efígie <strong>de</strong> Jesus<br />

É­lhe paz e alimento, amparo e luz.<br />

Numa férvida prece,<br />

Ele ainda agra<strong>de</strong>ce:<br />

— “Sê bendito, Senhor, por tudo o que nos dás,<br />

Seja alegria ou dor, tudo é ventura e paz.<br />

Eu vejo­te no alvor das manhãs harmoniosas,<br />

No azulíneo do céu, no cálice das rosas,<br />

Na corola <strong>de</strong> luz <strong>de</strong> todas as florinhas,<br />

No canto, todo amor, das meigas avezinhas,<br />

Na estação outonal, na loura Primavera,<br />

No coração do bom, que te ama e te venera,<br />

Na vibração dos sons, na irradiação da luz,<br />

Na dor, no sofrimento, em nossa própria cruz...<br />

Tudo vive a mostrar tua pródiga bonda<strong>de</strong>,<br />

Eterno Pai <strong>de</strong> amor, <strong>de</strong> luz e carida<strong>de</strong>.<br />

Abençoados são o Inverno que traz frio<br />

E os calores do Sol nas estações do estio...”


60 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Terminando a sorrir a espontânea oração,<br />

Inspirada em tão santa <strong>de</strong>voção,<br />

Anchieta escuta em torno os mais sutis rumores.<br />

Eis que nos arredores<br />

Congregam­se apressadas<br />

Todas as avezinhas,<br />

E, asas aconchegadas,<br />

Juntinhas,<br />

Numa i<strong>de</strong>al combinação<br />

Formam um pálio protetor,<br />

Cobrindo o doce irmão<br />

Que ia ofertar amor,<br />

Luz e consolação,<br />

Em nome do Senhor.<br />

Pelos caminhos,<br />

Foi­se aumentando<br />

O alado bando<br />

Dos bondosos e ternos passarinhos,<br />

Aureolando com amor o Discípulo Amado,<br />

Mo<strong>de</strong>sto, casto, humil<strong>de</strong> e isento <strong>de</strong> pecado,<br />

Que ia seguindo,<br />

Lábios sorrindo,<br />

Em meiga mansuetu<strong>de</strong>.<br />

O enviado do Bem e da Virtu<strong>de</strong><br />

Agra<strong>de</strong>cia ao Céu, o coração em luz,<br />

Evolando­se puro ao seio <strong>de</strong> Jesus.<br />

Chegara ao seu <strong>de</strong>stino. Ia caindo o dia<br />

No poente <strong>de</strong> paz e <strong>de</strong> harmonia,<br />

Brilhava nova luz, feita <strong>de</strong> crença e amor:<br />

Era a bênção dos Céus, a bênção do Senhor.


61 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

O SANTO DE ASSIS<br />

No suave mistério dos espaços,<br />

Santa Maria dos Anjos inda existe,<br />

Com a mesma luz divina dos seus traços,<br />

Glorificando as dores da alma triste,<br />

Repartindo a Virtu<strong>de</strong>, a Graça e os Dons<br />

Que a palavra divina do Cor<strong>de</strong>iro<br />

Prometeu aos pacíficos e aos bons<br />

Do mundo inteiro...<br />

Uma nova Porciúncula, dourada<br />

Pelos astros <strong>de</strong> mística alvorada,<br />

Aí se rejubila,<br />

Sob a paz <strong>de</strong> Jesus, terna e tranquila,<br />

Derramando no Além ignorado<br />

Os sonhos <strong>de</strong> Virtu<strong>de</strong> e Perfeição,<br />

Daquela mesma Umbria do passado,<br />

Cheia <strong>de</strong> encantamento e <strong>de</strong> oração.<br />

A luz dos sóis da etérea Natureza,<br />

Numa doce e i<strong>de</strong>al Eucaristia,<br />

O Esposo da Pobreza<br />

No seu manto <strong>de</strong> amor e <strong>de</strong> alegria<br />

Inda abre os braços para os pecadores...<br />

“Irmão Sol, irmãos Anjos, irmãs Flores,<br />

Não nos cansemos <strong>de</strong> glorificar<br />

A carida<strong>de</strong> imensa do Senhor,<br />

Sua sabedoria e seu amor,<br />

Procurando salvar<br />

Os nossos irmãos Homens mergulhados<br />

Entre as noites sombrias dos Pecados!...<br />

E à voz suave e dúlcida do Santo,<br />

A Terra escura e triste se povoa<br />

De anjos <strong>de</strong> amor, que enxugam todo o pranto<br />

E que levam consigo<br />

Todo o consolo amigo<br />

Da Esperança no Céu, singela e boa...<br />

Das paragens etéreas<br />

Da sua i<strong>de</strong>al igreja,<br />

São Francisco <strong>de</strong> Assis abraça e beija<br />

O homem que sofre todas as misérias,<br />

Amparando­lhe a alma combalida


62 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Nos <strong>de</strong>sertos <strong>de</strong> lágrimas da Vida...<br />

E o conduz<br />

Ao regaço divino <strong>de</strong> Jesus!...<br />

Santo <strong>de</strong> Assis, divino “poverello”,<br />

Nas amarguras do meu pesa<strong>de</strong>lo<br />

De vaida<strong>de</strong> do mundo, que <strong>de</strong>vasta<br />

Todo o bem, vi tua luz singela e casta<br />

Beijando as minhas lepras asquerosas...<br />

Uma chuva <strong>de</strong> lírios e <strong>de</strong> rosas<br />

Lavou­me o coração <strong>de</strong> pecador<br />

E guar<strong>de</strong>i para sempre o teu amor.<br />

Santo <strong>de</strong> Assis, irmão da Carida<strong>de</strong>,<br />

Que me curaste as lepras e a cegueira,<br />

Depois da morte, à luz da imensida<strong>de</strong>,<br />

Quero ainda abençoar­te a vida inteira...


63 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

16<br />

AUGUSTO DOS ANJOS<br />

Voz do Infinito – Vozes <strong>de</strong> uma sombra – Voz humana – Alma –<br />

Análise – Evolução – Homo – Incógnita – “Ego sum” – Dentro da<br />

noite – Homem­célula – Na imensida<strong>de</strong> – “Alter ego” – Aos fracos<br />

da vonta<strong>de</strong> ­ Ao homem – Matéria cósmica – Raça adâmica – A<br />

subconsciência – Espírito – Vida e morte – Nos véus da carne –<br />

Homem da Terra – Nas sombras – Confissão – Homem­verme –<br />

Gratidão a Leopoldina – Civilização em ruínas – A Lei – A um<br />

observador materialista – Ante o Calvário – Atualida<strong>de</strong><br />

PARAIBANO. Nasceu em 1884 e <strong>de</strong>sencarnou em 1914, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Leopoldina. Minas. Era professor no Colégio Pedro II, inconfundível pela bizarria<br />

da técnica bem como dos assuntos <strong>de</strong> sua predileção, <strong>de</strong>ixou um só livro — Eu —<br />

que foi, alias, suficiente para lhe dar personalida<strong>de</strong> original.<br />

VOZ DO INFINITO<br />

1<br />

No excêntrico labor das minhas normas<br />

Na Terra, muita vez me consumia<br />

Perquirindo nas leis da Biologia<br />

As expressões orgânicas das formas.<br />

O fenômeno apenas, porque o fundo<br />

Do númeno às eternas rutilâncias,<br />

Eram partes do Todo nas Substâncias<br />

Des<strong>de</strong> o estado prodrômico do mundo.<br />

Com o espírito absconso em paroxismos,<br />

No rubro incêndio <strong>de</strong> batalha acesa,<br />

Via Deus adstrito à Natureza,<br />

Deus era a lei <strong>de</strong> eternos transformismos.<br />

Concepção panteística, englobando<br />

As substâncias todas na Unida<strong>de</strong>,<br />

Perpetuando­se em continuida<strong>de</strong>,<br />

A essência onicriadora reformando.


64 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

O corpo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o embrião inicial,<br />

Era um mero atavismo revivendo;<br />

A alma era a molécula, sofrendo,<br />

Afastada do Todo Universal;<br />

Dominava­me todo o medo horrível,<br />

Do meu viver, que eu via transtornado:<br />

Eu era um átomo individuado<br />

Em cerebralida<strong>de</strong> putrescível.<br />

A luz <strong>de</strong>ssa dourada ignorância,<br />

E com certezas lógicas, numéricas,<br />

Notava as pestilências cadavéricas<br />

Iguais à carne Angélica da infância,<br />

A sutilez do arminho que se veste,<br />

A coroa aromática das flores,<br />

Irmanadas aos pútridos fedores<br />

De emanações pestíferas da peste!<br />

Extravagância e excesso jamais visto,<br />

De i<strong>de</strong>ia que esteriliza e <strong>de</strong>sensina,<br />

Loucura que igualava Messalina<br />

A pureza lirial da Mãe do Cristo.<br />

Assim vivi na presunção que via,<br />

Dos cumes da Ciência e do saber,<br />

Os princípios genéricos do ser,<br />

No pantanal da lama em que eu vivia.<br />

Vi, porém, a matéria apodrecer,<br />

E na individualida<strong>de</strong> indivisível<br />

Ouvi a voz esplêndida e terrível<br />

Da luz, na luz etérica a dizer:<br />

2<br />

“Louco, que emerges <strong>de</strong> apodrecimentos,<br />

Alma pobre, esquelético fantasma<br />

Que gastaste a energia do teu plasma<br />

Em combates estéreis, famulentos...<br />

Em teus dias inúteis, foste apenas<br />

Um corvo ou sanguessuga <strong>de</strong> <strong>de</strong>funtos,<br />

Vendo somente a cárie dos conjuntos,<br />

Entre as sombras das lágrimas terrenas.


65 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Vias os teus iguais, iguais aos odres<br />

On<strong>de</strong> se guarda o fragmento imundo.<br />

De todo o esterco que apavora o mundo<br />

E os tóxicos letais dos corpos podres.<br />

E tanto viste os corpos e as matérias<br />

No esterquilínio generalizados.<br />

E os instintos hidrófobos, danados,<br />

Em meio <strong>de</strong> excrescências e misérias<br />

Que corrompeste a íntima saú<strong>de</strong><br />

Da tua alma cegada <strong>de</strong> amargores,<br />

Que na Terra não viu os esplendores<br />

E as ignívomas luzes da virtu<strong>de</strong>.<br />

Olhos cegos às chamas da bonda<strong>de</strong><br />

De Deus e à divina misericórdia,<br />

Que espalha o bem e as auras da concórdia<br />

No coração <strong>de</strong> toda a Humanida<strong>de</strong>.<br />

Descansa, agora, vibrião das ruínas.<br />

Esquece o verme, as carnes, os estrumes.<br />

Retempera­te em meio dos perfumes<br />

Cantando a luz das amplidões divinas.”<br />

3<br />

Calou­se a voz. E sufocando gritos,<br />

Filhos do pranto que me espedaçava,<br />

Reconheci que a vida continuava<br />

Infinita, em eternos infinitos!<br />

VOZES DE UMA SOMBRA<br />

Don<strong>de</strong> venho Das eras remotíssimas,<br />

Das substâncias elementaríssimas,<br />

Emergindo das cósmicas matérias.<br />

Venho dos invisíveis protozoários,<br />

Da confusão dos seres embrionários,<br />

Das células primevas, das bactérias.<br />

Venho da fonte eterna das origens,<br />

No turbilhão <strong>de</strong> todas as vertigens,<br />

Em mil transmutações, fundas e enormes;<br />

Do silêncio da mônada invisível,<br />

Do tetro e fundo abismo, negro e horrível,<br />

Vitalizando corpos multiformes.


66 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Sei que evolvi e sei que sou oriundo<br />

Do trabalho telúrico do mundo,<br />

Da Terra no vultoso e imenso abdômen;<br />

Sofri, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as intensas torpitu<strong>de</strong>s<br />

Das larvas microscópicas e ru<strong>de</strong>s,<br />

A infinita <strong>de</strong>sgraça <strong>de</strong> ser homem.<br />

Na Terra, apenas fui terrível presa,<br />

Simbiose da dor e da tristeza,<br />

Durante penosíssimos minutos;<br />

A dor, essa tirânica incendiária,<br />

Abatia­me a vida solitária<br />

Como se eu fora bruto entre os mais brutos.<br />

Depois, voltei <strong>de</strong>sse laboratório,<br />

On<strong>de</strong> me revolvi como infusório,<br />

Como animálculo medonho, obscuro,<br />

Té atingir a evolução dos seres<br />

Conscientes <strong>de</strong> todos os <strong>de</strong>veres,<br />

Descortinando as luzes do futuro.<br />

E vejo os meus incógnitos problemas<br />

Iguais a horrendos e fatais dilemas,<br />

Enigmas insolúveis e profundos;<br />

Sombra egressa <strong>de</strong> lousa dura e fria,<br />

Grito ao mundo o meu grito que se alia<br />

A todos os anseios gemebundos: —<br />

“Homem! por mais que gastes teus fosfatos<br />

Não saberás, analisando os fatos,<br />

Inda que <strong>de</strong>sintegres energias,<br />

A razão do completo e do incompleto,<br />

Como é que em homem se transforma o feto<br />

Entre os duzentos e setenta dias.<br />

A flor da laranjeira, a asa do inseto,<br />

Um estafermo e um Tales <strong>de</strong> Mileto,<br />

Como existiram, não perceberás;<br />

E nem compreen<strong>de</strong>rás como se opera<br />

A mutação do inverno em primavera,<br />

E a transubstanciação da guerra em paz;


67 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Como vivem o novo e o obsoleto,<br />

O ângulo obtuso e o ângulo reto<br />

Dentro das linhas da Geometria;<br />

A luz <strong>de</strong> Miguel Angelo nas artes,<br />

E o espírito profundo <strong>de</strong> Descartes<br />

No eterno estudo da Filosofia.<br />

Porque existem as crianças e os macróbios<br />

Nas coletivida<strong>de</strong>s dos micróbios<br />

Que fazem a vida enferma e a vida sã;<br />

Os antigos remédios alopatas<br />

E as mo<strong>de</strong>rnas dosagens homeopatas,<br />

Produto da experiência <strong>de</strong> Hahnemann.<br />

A psíquico­análise freudiana<br />

Tentando aprofundar a alma humana<br />

Com a mais requintadíssima vaida<strong>de</strong>,<br />

E as teorias do Espiritualismo<br />

Enchendo os homens todos <strong>de</strong> otimismo,<br />

Mostrando as luzes da imortalida<strong>de</strong>.<br />

Como vive o canário junto ao corvo,<br />

O céu iluminado, o inferno torvo<br />

Nos absconsos refolhos da consciência;<br />

O laconismo e a prolixida<strong>de</strong>,<br />

A ativida<strong>de</strong> e a inativida<strong>de</strong>,<br />

A noite da ignorância e o sol da Ciência.<br />

As epi<strong>de</strong>rmes e as aponevroses,<br />

As gran<strong>de</strong>s atonias e as nevroses,<br />

As atrações e as gran<strong>de</strong>s repulsões,<br />

Que reunindo os átomos no solo<br />

Tecem a evolução <strong>de</strong> pólo a pólo,<br />

Em prodigiosas manifestações;<br />

Como os <strong>de</strong>generados blasto<strong>de</strong>rmas<br />

Criam a <strong>de</strong>scendência dos palermas<br />

No lupanar das pobres meretrizes,<br />

Junto dois palacetes higiênicos,<br />

On<strong>de</strong> entre gozos fúlgidos e edênicos<br />

Cresce a alegre progênie dos felizes.


68 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Os lombricói<strong>de</strong>s mínimos, os vermes,<br />

Em contraposição com os paqui<strong>de</strong>rmes,<br />

Assombrosas antíteses no mundo;<br />

É o gigante e o germe originário,<br />

Os milhões <strong>de</strong> corpúsculos do ovário,<br />

On<strong>de</strong> há somente um óvulo fecundo.<br />

A alma pura do Cristo e a <strong>de</strong> Tibério,<br />

Vaso <strong>de</strong> carne podre, o cemitério,<br />

E o jardim rescen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong> perfumes;<br />

O doloroso e tetro cataclismo<br />

Da beleza louçã do organismo,<br />

Repleto <strong>de</strong> <strong>de</strong>jetos e <strong>de</strong> estrumes.<br />

As coisas sustanciais e as coisas ocas,<br />

As i<strong>de</strong>ias conexas e as loucas,<br />

A teoria cristã e Augusto Comte;<br />

E o <strong>de</strong>sconhecido e o <strong>de</strong>vassado,<br />

E o que é ilimitado e o limitado<br />

Na óptica ilusória do horizonte.<br />

Os terrenos povoados e o <strong>de</strong>serto,<br />

Aquilo que está longe e o que está perto;<br />

O que não tem sinal e o que tem marca;<br />

A funda simpatia e a antipatia,<br />

As atrofias e a hipertrofia,<br />

Como as tuberculoses e a anasarca.<br />

Os fenômenos todos geológicos,<br />

Psíquicos, científicos, sociológicos,<br />

Que inspiram pavor e inspiram medo,<br />

Homem! por mais que a i<strong>de</strong>ia tua gastes,<br />

Na solução <strong>de</strong> todos os contrastes,<br />

Não saberás o cósmico segredo.<br />

E apesar da teoria mais abstrusa<br />

Dessa ciência inicial, confusa,<br />

A que se acolhem míseros ateus,<br />

Caminharás lutando além da cova,<br />

Para a Vida que eterna se renova,<br />

Buscando as perfeições do Amor em Deus.”


69 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

VOZ HUMANA<br />

Uma voz. Duas vozes. Outras vozes.<br />

Milhões <strong>de</strong> vozes. Cosmopolitismos.<br />

Gritos <strong>de</strong> feras em paroxismos,<br />

Uivando subjugadas e ferozes.<br />

É a voz humana em intérminas nevroses,<br />

Seja nas concepções dos ateísmos,<br />

Ou mesmo vinculada a gnosticismos<br />

Nos singultos preagônicos, atrozes.<br />

É nessa eterna súplica angustiada<br />

Que eu vejo a dor em gozos, insaciada,<br />

Nutrir­se <strong>de</strong> famélicos prazeres.<br />

A dor, que gargalhando em nossas dores,<br />

É a obreira que tece os esplendores<br />

Da evolução onímoda dos seres.<br />

ALMA<br />

Nos combates ciclópicos, titânicos,<br />

Que eu às vezes na Terra empreendia,<br />

Nos vastos campos da Psicologia,<br />

Buscava as almas, seres inorgânicos;<br />

Nas lágrimas, nos risos e nos pânicos,<br />

Nos distúrbios sutis da hipocondria,<br />

Nas <strong>de</strong>fectivida<strong>de</strong>s da estesia,<br />

Nos instintos soezes e tirânicos,<br />

Somente achava corpos na existência,<br />

E o sangue em continuada efervescência<br />

Com impulsos terríficos e tredos.<br />

Enceguecido e louco então que eu era,<br />

Que não via, dos astros à monera,<br />

As luzes dalma em trágicos segredos.


70 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

ANÁLISE<br />

Oh! que <strong>de</strong>sdita estranha a <strong>de</strong> nascermos<br />

Nas sombras melancólicas dos ermos,<br />

Nos recantos dos mundos inferiores,<br />

On<strong>de</strong> a luz é penumbra tênue e vaga,<br />

Que, sem vigor, fraquíssima, se apaga<br />

Ao furacão indômito das dores.<br />

Voracida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> a alma se mergulha,<br />

Apoucado Narciso que se orgulha<br />

Na profun<strong>de</strong>za ignota dos abismos<br />

Da carne, que, estrambótica, apodrece;<br />

Que atrofiada, hipertrófica, parece<br />

Cataclismo dos gran<strong>de</strong>s cataclismos.<br />

Pren<strong>de</strong>rmo­nos ao fogo dos instintos,<br />

Serpentes entre escrófulas e helmintos,<br />

Multiplicando as lágrimas e os trismos,<br />

Tendo a alma — centelha, luz e chama —<br />

Amalgamada em pântanos <strong>de</strong> lama,<br />

Em sexualida<strong>de</strong>s e histerismos.<br />

Misturarmos clarões <strong>de</strong> sentimentos<br />

Entre vísceras, nervos, tegumentos,<br />

Na agregação da carne e dos humores,<br />

Atrocida<strong>de</strong> das atrocida<strong>de</strong>s;<br />

Enegrecermos luminosida<strong>de</strong>s<br />

Na macabra esterqueira dos tumores.<br />

E nisto achar fantásticos prazeres,<br />

Ilusão hiperbólica dos seres<br />

Bestializados, materializados;<br />

Espíritos em ânsias retroativas,<br />

No transcorrer das vidas sucessivas,<br />

Nas ferezas do instinto, atassalhados.<br />

Mas a análise crua do que eu via,<br />

Hedionda lição <strong>de</strong> anatomia,<br />

É mais que uma atrevida aberração:<br />

Que se quebre o escalpelo <strong>de</strong> meus versos:<br />

Entreguemos a Deus seus universos<br />

Que elaboram a eterna evolução.


71 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

EVOLUÇÃO<br />

Se <strong>de</strong>vassássemos os labirintos<br />

Dos eternos princípios embrionários,<br />

A ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> impulsos e <strong>de</strong> instintos,<br />

Rudimentos dos seres planetários;<br />

Tudo o que a poeira cósmica elabora<br />

Em sua ativida<strong>de</strong> interminável,<br />

O anseio da vida, a onda sonora,<br />

Que percorrem o espaço imensurável;<br />

Veríamos o evolver dos elementos,<br />

Das origens às súbitas asceses,<br />

Transformando­se em luz, em sentimentos,<br />

No assombroso prodígio das esteses;<br />

No profundo silêncio dos inermes,<br />

Inferiores e rudimentares,<br />

Nos rochedos, nas plantas e nos vermes,<br />

A mesma luz dos corpos estelares!<br />

É que, dos invisíveis microcosmos,<br />

Ao monólito enorme das ida<strong>de</strong>s,<br />

Tudo é clarão da evolução do cosmos,<br />

Imensida<strong>de</strong> nas imensida<strong>de</strong>s!<br />

Nós já fomos os germes doutras eras,<br />

Enjaulados no cárcere das lutas;<br />

Viemos do principio das moneras,<br />

Buscando as perfeições absolutas.


72 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

HOMO<br />

1<br />

Ao meu tétrico olhar abominável,<br />

O homem é fruto insólito da ânsia,<br />

Heterogeneida<strong>de</strong>s da Substância,<br />

Argamassando um Todo miserável.<br />

Psique dolorosa e inexpressável<br />

Na mais remota epíspase da infância,<br />

Des<strong>de</strong> a mais abscôndita reentrância<br />

Da sua embriogenia <strong>de</strong>testável.<br />

Do intravascular princípio informe,<br />

Larva repugnante e vermiforme,<br />

Nos íntimos recôncavos da placenta.<br />

A quietação dos túmulos inermes,<br />

Era um feixe <strong>de</strong> mônadas <strong>de</strong> vermes,<br />

Dissolvidos na terra famulenta.<br />

2<br />

Após a introspecção do Além da Morte,<br />

Vendo a terra que os próprios ossos come,<br />

Horrente a <strong>de</strong>vorar com se<strong>de</strong> e fome<br />

Minhas carnes em lúbrico transporte,<br />

Vi que o “ego” era o alento flãmeo e forte<br />

Da luz mental que a morte não consome.<br />

Não há luta mavórtica que o dome,<br />

Ou venenada lâmina que o corte.<br />

Depois da estercorária microbiana,<br />

De que o planeta triste se engalana<br />

Nas grilhetas do Infinitesimal,<br />

Volve o Espírito ao páramo celeste,<br />

On<strong>de</strong> a divina essência se reveste<br />

Da substância fluida, universal.


73 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

INCÓGNITA<br />

Por que misterioso incompreensível<br />

Vomito ainda em náuseas para o mundo<br />

Todo o fel, toda a bílis do iracundo,<br />

Se eu já não tenho a bílis putrescível<br />

Insondável arcano! por que inundo<br />

Meu exótico ser ultra­sensível<br />

Em plena luz e atendo ao gosto horrivel<br />

De apostrofar o pobre corpo imundo<br />

Fluidos teledinâmicos me servem,<br />

Transmitindo as i<strong>de</strong>ias que me fervem<br />

No cérebro can<strong>de</strong>nte, igneo, em brasa...<br />

De que concavida<strong>de</strong> do Universo<br />

Vem­me o açoite flamívomo do verso,<br />

Chama da mesma chama que me abrasa<br />

“EGO SUM”<br />

Eu sou quem sou. Extremamente injusto<br />

Seria, então, se não vos <strong>de</strong>clarasse,<br />

Se vos mentisse, se mistificasse<br />

No anonimato, sendo eu o Augusto.<br />

Sou eu que, com intelecto <strong>de</strong> arbusto,<br />

Jamais cri, e por mais que o procurasse,<br />

Quer com Darwin, com Haeckel, com Laplace,<br />

Levantar­me do leito <strong>de</strong> Procusto.<br />

Sou eu, que a rota etérica transponho<br />

Com a rapi<strong>de</strong>z fantástica do sonho,<br />

Inexprimível nas termologias,<br />

O mesmo triste e estrábico produto,<br />

Atramente a gemer a mágoa e o luto,<br />

Nas mais contrárias idiossincrasias.


74 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

DENTRO DA NOITE<br />

É noite. A Terra volvo. E, lúcido, entro<br />

Em relação com o mundo on<strong>de</strong> concentro<br />

O espírito na queixa atordoadora<br />

Da prisioneira, da perpétua gra<strong>de</strong>,<br />

— A misérrima e pobre Humanida<strong>de</strong>,<br />

Aterradoramente sofredora!<br />

Ausculto a humana dor, que hórrida sinto,<br />

D’alma quebrando o cárcere do instinto,<br />

Buscando ávida a luz. Por mais que son<strong>de</strong>,<br />

Mais o enigma do mundo se lhe aviva,<br />

Em diferenciação <strong>de</strong>finitiva,<br />

Mais a luz <strong>de</strong>sejada se lhe escon<strong>de</strong>!<br />

É o quadro mesológico, tremendo,<br />

De tudo o que ficou no abismo horrendo<br />

Da tenebrosa noite dos gemidos;<br />

São uivos dos instintos jamais hartos,<br />

As dores espasmódicas dos partos,<br />

A <strong>de</strong>sgraça dos úteros falidos.<br />

É a ânsia afrodíslaca das bocas,<br />

Que nas bestialida<strong>de</strong>s se unem loucas,<br />

As bactérias mais vis ambas trocando;<br />

As dolorosas mágoas dos enfermos,<br />

Sentindo­se em seus leitos como em ermos,<br />

Deplorando o <strong>de</strong>stino miserando.<br />

São os ais dos leprosos <strong>de</strong>sprezados,<br />

Tendo os seus organismos <strong>de</strong>vastados<br />

Pela fome insaciável dos micróbios,<br />

Sentindo os próprios membros carcomidos,<br />

Verminados, cruéis, apodrecidos,<br />

Plantando a dor no chão dos seus cenóbios...


75 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

É o grito, o anseio, a lágrima do homem<br />

Agrilhoado aos prantos que o consomem,<br />

Preso às dores que se lhe agrilhoaram;<br />

É a imprecação <strong>de</strong> todos os lamentos<br />

Dentro do mundo <strong>de</strong> pa<strong>de</strong>cimentos,<br />

Dos <strong>de</strong>sejos que não se realizaram.<br />

Pábulo sou <strong>de</strong>ssa hórrida agonia<br />

E nos abismos <strong>de</strong> hiperestesia<br />

Experimento, além das catacumbas,<br />

Essa angústia indomável, atrocíssima,<br />

Junto da emanação requintadíssima<br />

Do ácido sulfídrico das tumbas,<br />

Trazendo <strong>de</strong>ntro d’alma, envoltos na ânsia,<br />

Asco e dó, pieda<strong>de</strong> e repugnância<br />

Pelo espírito e o corpo nauseabundo;<br />

E com os meus pensamentos <strong>de</strong>sconexos,<br />

Vejo a guerra pestífera dos sexos,<br />

Abominando as coisas <strong>de</strong>ste mundo.<br />

Terra!... e chegam­me fortes cheiros acres,<br />

Como o cheiro <strong>de</strong> sangue dos massacres,<br />

Fétido, coagulado, <strong>de</strong>composto,<br />

Escorrendo num campo <strong>de</strong> batalhas<br />

On<strong>de</strong> as almas se vestem <strong>de</strong> mortalhas,<br />

Des<strong>de</strong> o sol­posto, ao próximo sol­posto.<br />

Apavora­me o horror <strong>de</strong>ssa miséria<br />

E fujo da imundície da matéria,<br />

On<strong>de</strong> traguei meus gran<strong>de</strong>s amargores;<br />

Fujo... E ainda transpondo o Azul sereno,<br />

Sinto em minhalma o tóxico, o veneno<br />

E a <strong>de</strong>sdita dos seres sofredores.


76 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

HOMEM­CÉLULA<br />

Homem! célula ainda escravizada<br />

Nos turbilhões das lutas cognitivas,<br />

Egressa do arsenal <strong>de</strong> forças vivas<br />

Que chamamos — estática do Nada.<br />

Sob transformações consecutivas,<br />

Vem <strong>de</strong>ssa Origem in<strong>de</strong>terminada,<br />

On<strong>de</strong> se oculta a luz in<strong>de</strong>cifrada<br />

Dos princípios das luzes coletivas.<br />

Vem através do Todo <strong>de</strong> elementos,<br />

Em sucessivos aperfeiçoamentos,<br />

Objetivando a Personalida<strong>de</strong>,<br />

Até achar a Perfeição profunda<br />

E indivisível, pura, e se confunda,<br />

No transcen<strong>de</strong>ntalismo da Unida<strong>de</strong>.<br />

NA IMENSIDADE<br />

Alma humana, alma humana, tu que dormes<br />

Entre os gran<strong>de</strong>s colossos <strong>de</strong>sconformes<br />

Da carne, essa voraz liberticida,<br />

Desse teu escafandro <strong>de</strong> albuminas,<br />

Em tua mesquinhez não imaginas<br />

A intensida<strong>de</strong> esplêndida da Vida!<br />

Inda não vês e eu vejo panoramas<br />

De luz em gigantescos amalgamas<br />

De sóis, nas regiões imensuráveis,<br />

Auscultando os espaços mais profundos<br />

Na sinfonia harmônica dos mundos,<br />

Singrando a luz <strong>de</strong> céus incomparáveis.<br />

Do teu laboratório <strong>de</strong> arterites,<br />

De gangliomas, úlceras, nevrites<br />

Ao lado <strong>de</strong> humaníssimas vaida<strong>de</strong>s,<br />

Não po<strong>de</strong>s perceber as ressonâncias,<br />

Quinta­essências <strong>de</strong> todas as substâncias<br />

Na flui<strong>de</strong>z das eletricida<strong>de</strong>s.


77 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Aqui não há vertigens <strong>de</strong> nevróticos,<br />

Nem bisonhos aspectos <strong>de</strong> cloróticos<br />

Nas estradas <strong>de</strong> eternos otimismos!<br />

A vida imensa é coro <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>zas,<br />

Submersão nas fluídicas belezas,<br />

Envergando os etéreos organismos.<br />

Ante a minhalma fulgem i<strong>de</strong>ogramas,<br />

Pensamentos radiosos como chamas,<br />

Combinações no Mundo das Imagens;<br />

São vibrações das almas evolvidas<br />

E que, concretizadas e reunidas,<br />

Formam luminosíssimas paisagens...<br />

Em pleno espaço — Imensida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ânsias,<br />

Sem aritmologias das distâncias,<br />

Sem limites, sem número, sem fim.<br />

Deus e Pai, ó Artista Inimitável,<br />

Deixai meu ser esdrúxulo, execrável,<br />

No prolongado e edênico festim!<br />

“ALTER EGO”<br />

Da morte estranha que <strong>de</strong>vora as vidas,<br />

Eis­me longe dos ru<strong>de</strong>s estertores,<br />

Sem guardar os micróbios homicidas<br />

De eternos atavismos <strong>de</strong>struidores.<br />

Tenho outro ser talhado pelas dores<br />

De minhas pobres células falidas,<br />

Que se putrefizeram consumidas<br />

Com os seus instintos atordoadores.<br />

Não sou o homúnculo da hominal espécie,<br />

Da terrigena raça que pa<strong>de</strong>ce<br />

Das mais pungentes heteromorfias.<br />

Mas contérmino à carne, que me aterra,<br />

Envolvo­me nos fluidos maus da Terra,<br />

E sou o espectro das anomalias.


78 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

AOS FRACOS DA VONTADE<br />

Homem, levanta o véu do teu futuro,<br />

Troca o prazer sensualista e obscuro<br />

Pelo conhecimento da Verda<strong>de</strong>.<br />

Foge do escuro ergástulo do mundo<br />

E abandona o <strong>de</strong>sejo moribundo<br />

Pelo po<strong>de</strong>r da tua divinda<strong>de</strong>.<br />

Teu corpo é todo um orbe gran<strong>de</strong> e vasto:<br />

Livra­o do mal unífero, nefasto,<br />

Com a espada resplen<strong>de</strong>nte da virtu<strong>de</strong>;<br />

Que o sol da tua mente, eterno, esplenda,<br />

Dando a teu mundo a mágica oferenda<br />

Da alegria em divina plenitu<strong>de</strong>.<br />

Deixa o conjunto <strong>de</strong> ancestralida<strong>de</strong>s<br />

Da carne — o eterno símbolo do Ha<strong>de</strong>s —<br />

On<strong>de</strong> o espírito clama, sofre e chora;<br />

Deixa que as tuas glândulas do pranto<br />

Te salvem do cadinho sacrossanto<br />

Da lágrima pungente e re<strong>de</strong>ntora.<br />

Mas, sobretudo, observa o pensamento,<br />

Fonte da força e altíssimo elemento,<br />

Em que toda molécula se cria:<br />

Da existência ele faz sepulcro abjeto<br />

Ou jardim luminoso e predileto,<br />

De arcangélicas flores <strong>de</strong> Harmonia.<br />

Ouve­te sempre a ronda do mistério,<br />

Mas faze <strong>de</strong> tua alma um gran<strong>de</strong> império<br />

De beleza, <strong>de</strong> paz e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>:<br />

Que as tuas agregações moleculares<br />

Vivam livres <strong>de</strong> todos os pesares,<br />

Com os tônicos sagrados da Virtu<strong>de</strong>.<br />

Tua vonta<strong>de</strong> esclarecida e forte<br />

Triunfará das angústias e da morte<br />

Além dos planos tristes da matéria,<br />

Mas a tua vonta<strong>de</strong> enfraquecida<br />

É a meretriz no báratro da vida,<br />

Amarrada no catre da miséria!


79 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

AO HOMEM<br />

Tu não és força nêurica somente,<br />

Movimentando células <strong>de</strong> argila,<br />

Lama <strong>de</strong> sangue e cal que se aniquila<br />

Nos abismos do Nada eternamente;<br />

És mais, és muito mais, és a cintila<br />

Do Céu, a alma da luz resplan<strong>de</strong>cente,<br />

Que um mistério implacável e inclemente<br />

Amortalhou na carne atra e intranquila.<br />

Apesar das verda<strong>de</strong>s fisiológicas,<br />

Reflexas das ações psicológicas,<br />

Nas células primevas da existência,<br />

És um ser imortal e responsável,<br />

Que tens a liberda<strong>de</strong> incontestável<br />

E as lições da verda<strong>de</strong> na consciência.<br />

MATÉRIA CÓSMICA<br />

Glória à matéria cósmica, a energia<br />

Potencial que dá vida aos elementos,<br />

Base <strong>de</strong> portentosos movimentos<br />

On<strong>de</strong> a Forma se acaba e principia.<br />

Sistematização dos argumentos<br />

Que elucidam a Teleologia:<br />

Dentro da força cósmica se cria<br />

A fonte­máter dos conhecimentos.<br />

É do mundo o Od ignoto, o éter divino,<br />

On<strong>de</strong> Deus grava a história do <strong>de</strong>stino<br />

Dos seus feitos <strong>de</strong> Amor no Amor imersos.<br />

Livro on<strong>de</strong> o Criador Inimitável<br />

Grava, com o pensamento almo e insondável,<br />

Seus poemas <strong>de</strong> seres e universos.


80 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

RAÇA ADÂMICA<br />

A Civilização traz o gravame<br />

Da origem remotíssima dos Arias,<br />

Estirpe das escórias planetárias,<br />

Segregadas num mundo amargo e infame.<br />

Árvore genealógica <strong>de</strong> párias,<br />

Faz­se mister que o cárcere a conclame,<br />

Para a reparação e para o exame<br />

Dos seus crimes nas quedas milenárias.<br />

Foi essa raça podre <strong>de</strong> miséria<br />

Que fez nascer na carne <strong>de</strong>letéria<br />

A esperança nos Céus inesquecidos;<br />

Glorificando o Instinto e a inteligência,<br />

Fez da Terra o brilhante gral da Ciência,<br />

Mas um mundo <strong>de</strong> <strong>de</strong>uses <strong>de</strong>caídos.<br />

A SUBCONSCIÊNCIA<br />

Há, sim, a inconsciência prodigiosa<br />

Que guarda pequeninas ocorrências<br />

De todas as vividas existências<br />

Do Espírito que sofre, luta e goza.<br />

Ela é a registradora misteriosa<br />

Do subjetivismo das essências,<br />

Consciência <strong>de</strong> todas as consciências,<br />

Fora <strong>de</strong> toda a sensação nervosa.<br />

Câmara da memória in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

Arquiva tudo rigorosamente<br />

Sem massas cerebrais organizadas,<br />

Que o neurônio oblitera por momentos,<br />

Mas que é o conjunto dos conhecimentos<br />

Das nossas vidas estratificadas.


81 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

ESPÍRITO<br />

Busca a Ciência o Ser pelos ossuários,<br />

No órgão morto, impassível, atro e mudo;<br />

No labor anatômico, no estudo<br />

Do germe, em seus impulsos embrionários;<br />

Mas só encontra os vermes­funcionários<br />

No seu trabalho infame, horrendo e rudo,<br />

De consumir as podridões <strong>de</strong> tudo,<br />

Nos seus medonhos ágapes mortuários.<br />

No meio triste <strong>de</strong> cadaverinas<br />

Acha­se apenas ruína sobre ruínas,<br />

Como o bolor e o mofo sob as heras;<br />

A alma que é Vibração,<br />

Vida e Essência, Está nas luzes da sobrevivência,<br />

No transcen<strong>de</strong>ntalismo das esferas.<br />

VIDA E MORTE<br />

A morte é como um fato resultante<br />

Das ações <strong>de</strong> um fenômeno vulgar,<br />

Desorganização molecular,<br />

Fim das forças do plasma agonizante.<br />

Mas a vida a si mesma se garante<br />

Na sua eternida<strong>de</strong> singular,<br />

E em sua transcendência vai buscar<br />

A luz do espaço, fúlgida e distante!<br />

Vida e Morte — fenômenos divinos,<br />

Na ascendência <strong>de</strong> todos os <strong>de</strong>stinos,<br />

Do portentoso amor <strong>de</strong> Deus oriundos...<br />

Vida e Morte — Presente eterno da ânsia,<br />

Ou condição diversa da substância,<br />

Que manifesta o espírito nos mundos.


82 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

NOS VÉUS DA CARNE<br />

Na ilusão material da carne espúria,<br />

Sob o acervo das células taradas,<br />

Choram <strong>de</strong> dor as almas con<strong>de</strong>nadas<br />

Ao cárcere <strong>de</strong> lágrima e penúria.<br />

Entre as sombras das míseras estradas,<br />

Vê­se a guerra da inveja e da luxúria,<br />

Esfacelando com medonha fúria<br />

O coração das almas bem formadas.<br />

É nesse turbilhão <strong>de</strong> dor e <strong>de</strong> ânsia<br />

Que o homem procura a eterna substância<br />

Da verda<strong>de</strong> suprema, alta, imortal.<br />

Deixando corpos pelos cemitérios,<br />

A alma <strong>de</strong>cifra o livro dos mistérios<br />

De luz e amor da vida universal.<br />

HOMEM DA TERRA<br />

Na sombra abjeta e espessa das estradas,<br />

Vive o homem da Terra adormecido,<br />

No horrendo pesa<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> um vencido<br />

Entre milhões <strong>de</strong> células cansadas.<br />

Prantos sinistros! Loucas gargalhadas,<br />

Pavorosos esgares <strong>de</strong> gemido,<br />

E lá vai o fantasma embrutecido<br />

Pelas sombras <strong>de</strong> lôbregas jornadas.<br />

Homem da Terra! trágico segredo<br />

De Miséria, <strong>de</strong> Horror, <strong>de</strong> ânsia e <strong>de</strong> Medo,<br />

Feito à noite <strong>de</strong> enigma profundo!...<br />

Anjo da Sombra, mísero e perverso,<br />

És o sentenciado do Universo<br />

Na gra<strong>de</strong> organogênica do mundo.


83 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

NAS SOMBRAS<br />

Bombar<strong>de</strong>ios. Canhões. Trevas. Muralhas.<br />

E rasteja o dragão horrendo e informe,<br />

Espalhando a miséria e o luto enorme<br />

Em miserabilíssimas batalhas.<br />

Visões apocalípticas do mal,<br />

Desenhadas por corvos vagabundos,<br />

Gritam a dor <strong>de</strong> povos moribundos<br />

Na sinistra hecatombe universal.<br />

A civilização do <strong>de</strong>sconforto,<br />

De mentira e veneno cerebrais,<br />

Vai carpindo nos tristes funerais<br />

Do seu fausto <strong>de</strong> sombra, amargo e morto.<br />

Quadros <strong>de</strong> sangue, lágrimas e horrores<br />

Avassalam <strong>de</strong> dor o mundo inteiro,<br />

É o triunfo terrível do coveiro,<br />

Ossuários tremendos sob as flores.<br />

Enquanto a <strong>de</strong>sventura chora inerme,<br />

O homem, filosófico ou sem nome,<br />

Morre <strong>de</strong> frio e fel, <strong>de</strong> se<strong>de</strong> e fome,<br />

Nas vitórias fantásticas do verme.<br />

Ai <strong>de</strong> vós nos abismos da aflição,<br />

Sem o raio <strong>de</strong> luz da crença amiga:<br />

Desventurado aquele que prossiga<br />

Sem o Cristo <strong>de</strong> Amor no coração.


84 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

CONFISSÃO<br />

Também eu, mísero espectro das dores<br />

No escafandro das células cativas,<br />

Não encontrei a luz das forças vivas,<br />

Apesar <strong>de</strong> ingentíssimos labores.<br />

Bem distante, das causas positivas,<br />

Na visão dos micróbios <strong>de</strong>struidores<br />

Senti somente angústias e estertores,<br />

No turbilhão das sombras negativas.<br />

Foi preciso “morrer” no campo inglório,<br />

Para encontrar esse laboratório<br />

De beleza, verda<strong>de</strong> e transformismo!<br />

A Ciência sincera é gran<strong>de</strong> e augusta,<br />

Mas só a Fé, na estrada eterna e justa,<br />

Tem a chave do Céu, vencendo o abismo!...<br />

HOMEM­VERME<br />

Desolação, terror e morticínio.<br />

O homem sôfrego e bruto, <strong>de</strong> ânsia em ânsia,<br />

Sofre agora a sinistra ressonância<br />

De sua inclinação para o extermínio.<br />

É o doloroso e trágico domínio<br />

Do “homo homini lupus” da ignorância,<br />

Exaltando a vaida<strong>de</strong> sem substância,<br />

Ídolo podre sobre o esterquilínio.<br />

Por toda a parte, escorre o sangue horrível,<br />

Ao crepitar <strong>de</strong> rúbidos incêndios,<br />

Sobre a i<strong>de</strong>ia cristã medrando em germe.<br />

Em quase tudo, o pântano terrível,<br />

De lodo e lama, em sombra e vilipêndios,<br />

Atestando as vitórias do homem­verme!


85 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

GRATIDÃO A LEOPOLDINA (*)<br />

Sem o vulcão <strong>de</strong> dor <strong>de</strong> hórridas lavas,<br />

Beija, Augusto, este solo generoso,<br />

Que te guardou no seio carinhoso<br />

O escafandro das células escravas.<br />

Aqui, buscaste o campo <strong>de</strong> repouso,<br />

Depois das vagas ríspidas e bravas<br />

No mundo áspero e vão, que <strong>de</strong>testavas,<br />

E on<strong>de</strong> sorveste o cálice amargoso.<br />

Volta, Augusto, do pó que envolve as tumbas,<br />

Proclama a vida além das catacumbas,<br />

Nas maravilhas <strong>de</strong> seus resplendores.<br />

Ajoelha­te e lembra o último abrigo,<br />

Esquece o travo do tormento antigo<br />

E oscula a <strong>de</strong>stra <strong>de</strong> teus benfeitores.<br />

(*) Poesia recebida em 18 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1940, em Leopoldina, on<strong>de</strong> foi sepultado o poeta.<br />

CIVILIZAÇÃO EM RUÍNAS<br />

Todo o mundo mo<strong>de</strong>rno horrendo, em ruínas,<br />

Deixa agora escapar o horrendo fruto<br />

De miséria e <strong>de</strong> dor, <strong>de</strong> pranto e luto,<br />

Feito <strong>de</strong> sânie e <strong>de</strong> cadaverinas.<br />

Em vão, sobre o Calvário áspero e bruto,<br />

Sangrou Jesus em lágrimas divinas,<br />

Sob as ofensas torpes e tigrinas<br />

A tentarem­lhe o espírito incorruto.<br />

Saturada <strong>de</strong> treva, angústia e pena,<br />

A Civilização que se con<strong>de</strong>na<br />

Suicida­se num báratro profundo...<br />

Porque na luz dos círculos da Terra,<br />

Nos turbilhões fatídicos da guerra,<br />

Ainda é Caim que impera sobre o mundo.


86 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

A LEI<br />

Em reflexões misérrimas, absorto,<br />

Raciocinava: — “O último tormento<br />

É regressar à carne e ao sofrimento<br />

Sem o triste fenômeno do aborto! ...<br />

Toda a amargura d’alma é o <strong>de</strong>sconforto<br />

De retornar ao corpo famulento,<br />

E apagar toda a luz do pensamento<br />

Nas células <strong>de</strong> um mundo amargo e morto!...“<br />

Mas, uma voz da luz dos gran<strong>de</strong>s mundos,<br />

Em conceitos sublimes e profundos,<br />

Respon<strong>de</strong>u­lhe em acentos colossais:<br />

— “Verme que volves dos esterquilínios,<br />

Cessa a miséria <strong>de</strong> teus raciocínios,<br />

Não insultes as leis universais.”<br />

A UM OBSERVADOR MATERIALISTA<br />

Busca o talão dos velhos calendários.<br />

Des<strong>de</strong> o instante infeliz <strong>de</strong> Adão e Eva,<br />

Encontrarás teus gritos solitários,<br />

Enfrentando o pavor da mesma treva.<br />

Sempre a dúvida estranha que se ceva<br />

De terríveis problemas multifários,<br />

O mistério da célula primeva,<br />

Os impulsos dos sonhos embrionários.<br />

Pára, amigo... Não sigas na consulta:<br />

O <strong>de</strong>talhe anatômico te insulta,<br />

A molécula morta <strong>de</strong>safia.<br />

Se não tens coração que aceite a crença,<br />

Espera a mão da morte excelsa, e pensa,<br />

Que a carne volve ao pó, exangue e fria.


87 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

ANTE O CALVÁRIO<br />

Da terra do Calvário ar<strong>de</strong>nte e adusta,<br />

Entre prantos pungentes, o Cor<strong>de</strong>iro<br />

Da Verda<strong>de</strong> e da Luz do mundo inteiro<br />

Vive o martírio <strong>de</strong> sua alma augusta.<br />

Sobre a cruz infamérrima se ajusta<br />

A cruelda<strong>de</strong> do espírito rasteiro<br />

Do homem, que é sempre o tigre carniceiro,<br />

Enquanto grita a turba ignara e injusta.<br />

Depois <strong>de</strong> vinte séculos ingratos,<br />

Multiplicando Hero<strong>de</strong>s e Pilatos,<br />

Correm <strong>de</strong> novo as lágrimas divinas;<br />

Pois, embora o Direito, o Livro e a Toga,<br />

A Humanida<strong>de</strong> triste inda se afoga<br />

No sangue escuro das carnificinas.<br />

ATUALIDADE<br />

Torna Caim ao fausto do proscênio.<br />

A Civilização regressa à taba.<br />

A força primitiva menoscaba<br />

A evolução onímoda do Gênio.<br />

Trevas. Canhões. Apaga­se o milênio.<br />

A construção dos séculos <strong>de</strong>saba.<br />

Ressurge o crânio do morubixaba<br />

Na cultura da bomba <strong>de</strong> hidrogênio.<br />

Mas, acima do império amargo e exangue<br />

Do homem perdido em pântanos <strong>de</strong> sangue,<br />

Novo sol banha o pélago profundo.<br />

É Jesus que, através da tempesta<strong>de</strong>,<br />

Traz ao berço da Nova Humanida<strong>de</strong><br />

A consciência cósmica do mundo.


88 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

17<br />

AUTA DE SOUZA<br />

Almas dilaceradas – Contrastes – Mágoa – Hora extrema ­ Em<br />

paz ­ Em êxtase – Mãe – Prece – A<strong>de</strong>us – Almas ­ Almas <strong>de</strong><br />

virgens ­ Carta íntima – Maria ­ Mensagem fraterna ­ Vin<strong>de</strong>! ­ O<br />

Senhor vem<br />

NASCIDA em 12 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1876, em Macaíba, Rio Gran<strong>de</strong> do Norte,<br />

<strong>de</strong>sencarnou em 7 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1901, portanto, aos 24 anos, em Natal. Deixou um<br />

único livro, Horto, cuja primeira edição, prefaciada por Olavo Bilac, em outubro <strong>de</strong><br />

1899, apareceu em 1900 e se esgotou em três meses. A segunda edição, feita em<br />

Paris, em 1910, traz uma biografia da Autora por H. Castriano. Finalmente, teve<br />

uma terceira edição no Rio <strong>de</strong> Janeiro, em 1936, prefaciada por Alceu <strong>de</strong> Amoroso<br />

Lima. Espírito melancólico, sofredor, muito místico. Seu estilo simples e triste se<br />

reproduz perfeitamente nestes versos mediúnicos.<br />

ALMAS DILACERADAS<br />

Quando, em dores, na Terra inda, vivia<br />

Caminhando em aspérrimas estradas,<br />

Via presas do pranto e da agonia,<br />

Almas feridas e dilaceradas.<br />

Escutava a miséria que gemia<br />

Dentro da noite <strong>de</strong> ânsias torturadas,<br />

Treva espessa da senda tão sombria<br />

Das criaturas <strong>de</strong>sesperançadas.<br />

E eu, que era irmã dos gran<strong>de</strong>s sofredores,<br />

Sofria, crendo que tais amargores<br />

Encontrariam termos <strong>de</strong>sejados.<br />

E confiada na crença que tivera,<br />

Cheguei à luz da eterna primavera,<br />

On<strong>de</strong> há paz para os pobres <strong>de</strong>sgraçados.


89 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

CONTRASTES<br />

Existe tanta dor <strong>de</strong>sconhecida<br />

Ferindo as almas pelo mundo em fora,<br />

Tanto amargor <strong>de</strong> espírito que chora<br />

Em cansaços nas lutas pela vida;<br />

E há também os reflexos da aurora<br />

De ventura, que torna a alma florida,<br />

A alegria fulgente e estremecida,<br />

Aureolada <strong>de</strong> luz confortadora.<br />

Há, porém, tanta dor em <strong>de</strong>masia,<br />

Sobrepujando instantes <strong>de</strong> alegria,<br />

Tal <strong>de</strong>salento e tantas <strong>de</strong>sventuras,<br />

Que o coração dormente, a pleno gozo,<br />

Deve fugir das horas <strong>de</strong> repouso,<br />

Minorando as alheias amarguras.<br />

MÁGOA<br />

Muitas vezes sonhei na Terra ingrata<br />

O paraíso doce da ventura,<br />

Vendo somente o espinho da amargura<br />

Que as nossas tristes lágrimas <strong>de</strong>sata;<br />

Somente a dor intérmina que mata<br />

A alegria mais lúcida e mais pura,<br />

O veneno da acerba <strong>de</strong>sventura<br />

Que fere em nós a aspiração mais grata.<br />

Se apenas vi, porém, a mágoa intensa<br />

Que rouba a luz, o amor, a paz e a crença,<br />

É que a dor da minhalma em tudo eu via.<br />

E aumentava minha íntima tristeza<br />

Vendo em tudo, na própria Natureza,<br />

A mesma dor que eu tanto pa<strong>de</strong>cia.


90 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

HORA EXTREMA<br />

Quando exalei meus últimos alentos<br />

Nesse mundo <strong>de</strong> mágoas e <strong>de</strong> dores,<br />

Senti meu ser fugindo aos amargores<br />

Dos meus dias tristonhos, nevoentos.<br />

A tortura dos últimos momentos<br />

Era o fim dos meus sonhos promissores,<br />

Do meu viver sem luz, sem paz, sem flores,<br />

Que se extinguia em atros sofrimentos.<br />

Senti, porém, minhalma sofredora<br />

Mergulhada nas brisas <strong>de</strong> uma aurora,<br />

Sem as sombras da dor e da agonia...<br />

Então parti, serena e jubilosa,<br />

Em <strong>de</strong>manda da estrada esplendorosa<br />

Que nos conduz às plagas da harmonia!<br />

EM PAZ<br />

Tanto roguei a paz consoladora,<br />

Durante os meus amargos sofrimentos,<br />

Elevando a Jesus meus pensamentos,<br />

Que recebi a paz confortadora!<br />

Sentindo­me feliz, ditosa agora,<br />

Nessas paragens <strong>de</strong> <strong>de</strong>slumbramentos,<br />

On<strong>de</strong> terminam todos os tormentos<br />

Que inundam <strong>de</strong> amargor a alma que chora.<br />

Jesus! doce Jesus meigo e bondoso,<br />

Quanto agra<strong>de</strong>ço a paz que conce<strong>de</strong>stes<br />

Ao meu viver tristonho e doloroso!<br />

E <strong>de</strong>sse lindo oásis encantado,<br />

Canto <strong>de</strong> luz dos páramos celestes,<br />

Bendigo o vosso amor ilimitado!


91 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

EM ÊXTASE<br />

Aos teus pés, meu Jesus, a vida inteira,<br />

Abrasada <strong>de</strong> amor eu viveria,<br />

Sorvendo a luz no cálix da harmonia,<br />

Em paz serena, eterna e <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira!...<br />

Por teu amor, Jesus, inda quisera<br />

Volver ao pó da carne dos mortais,<br />

Para cantar a terna primavera<br />

Do teu amor nas lutas terrenais<br />

Depois da treva espessa da amargura:<br />

Para exaltar as luzes que me <strong>de</strong>ste<br />

Na cariciosa e doce paz celeste,<br />

Meu tesouro <strong>de</strong> fúlgida ventura;<br />

Para contar tua bonda<strong>de</strong> imensa<br />

Aos meus irmãos, os homens pecadores,<br />

Mergulhados na noite da <strong>de</strong>scrença,<br />

Nos abismos dos males e das dores;<br />

Para falar a todas as criaturas,<br />

Da tua alma esplen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> bonda<strong>de</strong>,<br />

Afastando as amargas <strong>de</strong>sventuras<br />

Do coração da pobre Humanida<strong>de</strong>!<br />

Aos teus pés, meu Jesus, a vida inteira,<br />

Abrasada <strong>de</strong> amor eu viveria,<br />

Sorvendo a luz no cálix da harmonia,<br />

Em paz serena, eterna e <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira!...<br />

MÃE<br />

Ó minha santa mãe! era. bem certo<br />

Que entre as preces maternas estendias<br />

As tuas mãos sobre os meus tristes dias,<br />

Quando na Terra — que era o meu <strong>de</strong>serto.<br />

Nos instantes <strong>de</strong> dor, bem que eu sentia<br />

As tuas asas <strong>de</strong> Anjo da Ternura,<br />

Pairando sobre a minha <strong>de</strong>sventura<br />

Feita <strong>de</strong> prantos e melancolia.


92 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Flor ressequida eu era, e tu o orvalho<br />

Que me nutria, pobre e empalecida;<br />

Era a tua alma a luz da minha vida,<br />

Meu tesouro, meu dúlcido agasalho!...<br />

Ai <strong>de</strong> mim sem a tua alma bondosa,<br />

Que me dava a promessa da esperança,<br />

Raio <strong>de</strong> luz, <strong>de</strong> amor e <strong>de</strong> bonança,<br />

Na, escuridão da vida dolorosa.<br />

E que felicida<strong>de</strong> doce e pura,<br />

A que senti após a treva e a morte,<br />

Findo o terror da minha negra sorte,<br />

Quando vi. teu sorriso <strong>de</strong> ventura!<br />

Então, senti que as Mães são mensageiras<br />

De Maria, Mãe <strong>de</strong> anjos e <strong>de</strong> flores,<br />

E Mãe das nossas Mães cheias <strong>de</strong> amores,<br />

Nossas meigas e eternas companheiras!...<br />

PRECE<br />

Esten<strong>de</strong>i vossa mão bondosa e pura,<br />

Mãe querida dos fracos pecadores,<br />

Aos corações dos pobres sofredores<br />

Mergulhados nos prantos da amargura.<br />

Derramai vossa luz, toda esplendores,<br />

Da imensida<strong>de</strong>, da radiosa altura,<br />

Da região ditosa da ventura,<br />

Sobre a sombra dos cárceres das dores!<br />

Ó Mãe! excelsa Mãe <strong>de</strong> anjos celestes,<br />

Mais amor, <strong>de</strong>sse amor que já nos <strong>de</strong>stes,<br />

Queremos nós em cada novo dia;<br />

Vós que mudais em flores os espinhos,<br />

Transformai toda a treva dos caminhos<br />

Em clarões refulgentes <strong>de</strong> alegria.


93 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

ADEUS<br />

O sino plange em terna suavida<strong>de</strong>,<br />

No ambiente balsâmico da igreja;<br />

Entre as naves, no altar, em tudo a<strong>de</strong>ja<br />

O perfume dos goivos da sauda<strong>de</strong>.<br />

Geme a viuvez, lamenta­se a orfanda<strong>de</strong>;<br />

E a alma que regressou do exílio beija<br />

A luz que resplan<strong>de</strong>ce, que viceja,<br />

Na catedral azul da imensida<strong>de</strong>.<br />

“A<strong>de</strong>us, Terra das minhas <strong>de</strong>sventuras...<br />

A<strong>de</strong>us, amados meus...” — diz nas alturas<br />

A alma liberta, o azul do céu singrando...<br />

— A<strong>de</strong>us... — choram as rosas <strong>de</strong>sfolhadas,<br />

— A<strong>de</strong>us... — clamam as vozes <strong>de</strong>soladas<br />

De quem ficou no exílio soluçando...<br />

ALMAS<br />

Ó solitário das estradas,<br />

Desventurado pensador,<br />

Há no caminho “almas penadas”<br />

Que vão clamando <strong>de</strong>soladas<br />

A dor e o pranto, o pranto e a dor!...<br />

Vós, que o silêncio amais no mundo,<br />

Em orações ao pé do altar,<br />

Sob as arcadas silenciosas,<br />

Almas feridas, <strong>de</strong>sditosas,<br />

Oram convosco a soluçar.<br />

Ao <strong>de</strong>scansar<strong>de</strong>s, meditando,<br />

A sombra <strong>de</strong> árvores em flor,<br />

Sabei que às vezes sois seguidos<br />

Pelas angústias dos gemidos,<br />

De almas chagadas no amargor.<br />

Clareie a luz do sol­nascente,<br />

Negreje a treva na amplidão,<br />

Gemem na Terra muitos seres<br />

Pelos amargos pa<strong>de</strong>ceres<br />

Depois da morte, na aflição.


94 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Dai­lhes dos vossos pensamentos<br />

Consolação que adoce a dor,<br />

Dai um conforto à <strong>de</strong>sventura,<br />

A prece cheia <strong>de</strong> ternura,<br />

Algo <strong>de</strong> afeto, algo <strong>de</strong> amor!...<br />

ALMAS DE VIRGENS<br />

Andam sombras errando abandonadas<br />

Ao pé das lousas e das covas frias,<br />

Almas <strong>de</strong> pobres freiras <strong>de</strong>samadas,<br />

Perambulando pelas sacristias.<br />

Almas das que não foram <strong>de</strong>sposadas,<br />

Como bandos <strong>de</strong> rolas erradias,<br />

Angélicas visões <strong>de</strong> bem­amadas,<br />

Mortas na aurora rútila dos dias...<br />

Virgens mortas! Tristíssimas oblatas<br />

De um sacrário <strong>de</strong> luz piedoso e santo,<br />

Que sonhais entre os tálamos celestes,<br />

Entoai nos céus as tristes serenatas<br />

Com as vossas roxas túnicas <strong>de</strong> pranto,<br />

Cantando à luz do amor que não tivestes!<br />

CARTA ÍNTIMA<br />

Escuta, meu irmão! Pelo caminho<br />

Da miséria terrestre, há muitas dores;<br />

Muito fel, muita sombra, muito espinho,<br />

Entre falsos prazeres tentadores.<br />

Há feridas que sangram... Há pavores<br />

De órfãos sem lar, sem pão e sem carinho:<br />

Confortemos os pobres sofredores,<br />

Almas saudosas do Celeste Ninho!<br />

Jesus há <strong>de</strong> sorrir com o teu sorriso,<br />

Quando faças no mundo o bem preciso,<br />

Pelo que sofre em <strong>de</strong>sesperação.<br />

Todo o bem que plantares nessa vida,<br />

Há <strong>de</strong> esperar tua alma redimida<br />

Nos caminhos <strong>de</strong> luz e re<strong>de</strong>nção!


95 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

MARIA<br />

Toda a expressão <strong>de</strong> ternura<br />

Do mundo <strong>de</strong> provação,<br />

Nos Céus ditosos procura<br />

A sua excelsa afeição.<br />

Consolo das mães piedosas,<br />

Cheias <strong>de</strong> mágoa e <strong>de</strong> pranto,<br />

Sobre quem atira as rosas<br />

Do seu Amor sacrossanto.<br />

Ninguém diz, ninguém traduz<br />

Essa visão da Harmonia,<br />

Visão <strong>de</strong> paz e <strong>de</strong> luz,<br />

Paz dos Céus! Ave­Maria!<br />

MENSAGEM FRATERNA<br />

Meu irmão: Tuas preces mais singelas<br />

São ou vidas no espaço Ilimitado,<br />

Mas sei que às vezes choras, consternado,<br />

Ao silêncio da força que interpelas.<br />

Volve ao teu templo interno abandonado,<br />

­ A mais alta <strong>de</strong> todas as capelas —<br />

E as respostas mais lúcidas e belas<br />

Hão <strong>de</strong> trazer­te alegre e <strong>de</strong>slumbrado.<br />

Ouve o teu coração em cada prece.<br />

Deus respon<strong>de</strong> em ti mesmo e te esclarece<br />

Com a força eterna da consolação;<br />

Compreen<strong>de</strong>rás a dor que te domina,<br />

Sob a linguagem pura e peregrina<br />

Da voz <strong>de</strong> Deus, em luz <strong>de</strong> re<strong>de</strong>nção.


96 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

VINDE!<br />

Todo anseio da crença acalma as dores,<br />

Toda prece é uma luz para quem chora,<br />

A oração é o caminho cor <strong>de</strong> aurora<br />

Para o sonho dos pobres pecadores!...<br />

Ó corações que a lágrima <strong>de</strong>vora!<br />

Vin<strong>de</strong>, através dos ru<strong>de</strong>s amargores,<br />

Cantar na luz dos gran<strong>de</strong>s esplendores<br />

Vossa iluminação <strong>de</strong> cada hora!...<br />

Vin<strong>de</strong> rememorar no espaço infindo,<br />

Neste Lar <strong>de</strong> Jesus, ditoso e lindo,<br />

As <strong>de</strong>sventuras para bendizê­las...<br />

Feliz o coração sereno e forte,<br />

Que triunfa da lágrima e da morte,<br />

Palpitando na esfera das estrelas!...<br />

O SENHOR VEM...<br />

E eis que Ele chega sempre <strong>de</strong> mansinho.<br />

Haja sol, faça frio ou tempesta<strong>de</strong>;<br />

Veste o manto do amor e da verda<strong>de</strong>,<br />

E percorre o silêncio do caminho.<br />

Vem ao nosso amargoso torvelinho,<br />

Traz às sombras da vida a clarida<strong>de</strong>,<br />

E os próprios sofrimentos da impieda<strong>de</strong><br />

São as bênçãos <strong>de</strong> luz do seu carinho,<br />

Como o Sol que dá vida sem alar<strong>de</strong>,<br />

Vem o Senhor que nunca chega tar<strong>de</strong>,<br />

E protege a miséria mais sombria.<br />

Ele chega. E o amor se perpetua...<br />

É por isso que o homem continua<br />

Ressurgindo da treva a cada dia.


97 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

18<br />

B. LOPES<br />

Miragens celestes – Cromos<br />

NASCEU Bernardino da Costa Lopes em Boa Esperança, município <strong>de</strong> Rio<br />

Bonito, no Estado do Rio, a 19 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1859, falecendo em 1916, no Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, quando funcionário do Correio Geral. Notabilizou­se no gênero <strong>de</strong>scritivo,<br />

ficando célebre com o seu livro “Cromos” (1881).<br />

MIRAGENS CELESTES<br />

1<br />

Sublimes atmosferas,<br />

Luminosas, rarefeitas,<br />

Sem as medidas estreitas<br />

Das horas que marcam eras.<br />

E as almas puras, eleitas,<br />

Quais flores das primaveras,<br />

Buscando vão as esferas<br />

Das alegrias perfeitas.<br />

Vão todas, espaço em fora,<br />

Como lírios cor da aurora,<br />

Mo<strong>de</strong>ladas pela dor.<br />

E on<strong>de</strong> passam sorri<strong>de</strong>ntes<br />

Abrem­se rosas virentes,<br />

Rosas <strong>de</strong> paz e <strong>de</strong> amor.


98 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

2<br />

Uma campina <strong>de</strong> flores<br />

Em pleno espaço infinito,<br />

On<strong>de</strong> <strong>de</strong>sperta um precito<br />

De um pesa<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> dores.<br />

Envergara o sambenito<br />

Dos pedintes sofredores,<br />

Vivera entre os amargores<br />

De um sofrimento bendito.<br />

E nessa etérea campina<br />

Recebe a esmola divina,<br />

Nesse batismo <strong>de</strong> luz;<br />

Recebendo entre outros gozos,<br />

Dos lábios <strong>de</strong> anjos formosos,<br />

O ósculo <strong>de</strong> Jesus.<br />

CROMOS<br />

1<br />

Na alcova <strong>de</strong>sguarnecida,<br />

Sobre uma enxerga, a doente<br />

Soluça como quem sente<br />

O fim nevoento da vida.<br />

Beija­lhe a filha inocente,<br />

Minúscula, embevecida,<br />

Mirando­a enternecida,<br />

Dizendo­lhe docemente: —<br />

“Não chores mais mamãezinha:<br />

Vou dar minha bonequinha<br />

À santa lá do altar;<br />

E com esta minha promessa,<br />

Ela há <strong>de</strong> vir bem <strong>de</strong>pressa<br />

Para a senhora sarar.”


99 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

2<br />

O mendigo <strong>de</strong>sprezado<br />

Olha as estrelas e chora,<br />

Pois sente que se enamora<br />

Do firmamento estrelado.<br />

Ao seu Jesus bem­amado,<br />

Cheio <strong>de</strong> lágrimas, ora,<br />

E pe<strong>de</strong>, suplica, implora<br />

Perdão para o seu pecado.<br />

Vêem­se raios formosos,<br />

Dimanando luminosos,<br />

Do clarão da sua fé;<br />

E lá dos céus abençoa<br />

Sua alma singela e boa,<br />

O Jesus que ele não vê.


100 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

19<br />

BATISTA CEPELOS<br />

Sonetos<br />

POETA paulista, <strong>de</strong>sencarnou no Rio <strong>de</strong> Janeiro, em 1915, atribuindo­se a<br />

suicídio o encontro do seu corpo entre pedras <strong>de</strong> uma rocha, na rua Pedro Américo.<br />

Esta versão parece confirmar­se agora nestes sonetos. Olavo Bilac, ao prefaciar­lhe<br />

Os Ban<strong>de</strong>irantes, exalta­lhe o estro espontâneo, original e simples.<br />

SONETOS<br />

1<br />

Eu fui pedir à Natureza, um dia,<br />

Que me <strong>de</strong>sse um consolo a tantas dores;<br />

Desalentado e triste, pressenti­a<br />

Cansada e triste como os sofredores.<br />

Encaminhei­me à porta da Agonia,<br />

Corroído por chagas interiores,<br />

Buscando a morte que me aparecia<br />

Como o termo anelado aos dissabores,<br />

Desvendando esse trágico segredo<br />

Que a alma <strong>de</strong>cifra, pávida <strong>de</strong> medo,<br />

Com ansieda<strong>de</strong> e temores dos galés...<br />

Mas ah! que atroz remorso me persegue!<br />

Choro, soluço, clamo e ele me segue<br />

Nesse abismo que se abre ante os meus pés.


101 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

2<br />

Ninguém ouve na Terra esse lamento<br />

Da minha dor imensa, incompreendida,<br />

Nas pavorosas trevas <strong>de</strong>sta vida<br />

Em que eu julgava achar o Esquecimento.<br />

Tenebrosa, essa noite in<strong>de</strong>finida,<br />

Cheia <strong>de</strong> tempesta<strong>de</strong> e sofrimento,<br />

No país do Pavor e do Tormento<br />

On<strong>de</strong> chora a minhalma enceguecida.<br />

On<strong>de</strong> o não­ser, a paz calma e serena,<br />

Que me traria o bálsamo a esta pena<br />

Interminável, ru<strong>de</strong>, dolorosa<br />

Ninguém! Uma só voz não me respon<strong>de</strong>!<br />

Sinto somente a treva que me escon<strong>de</strong><br />

Na vastidão da noite tormentosa...<br />

3<br />

Sirva­vos <strong>de</strong> escarmento a dor que trago<br />

Na minhalma infeliz e sofredora,<br />

Este pa<strong>de</strong>cimento com que pago<br />

O <strong>de</strong>svio da estrada salvadora.<br />

Aqui somente ampara­me esse vago<br />

Pressentimento <strong>de</strong> uma nova aurora,<br />

Quando terei os bens, o brando afago<br />

Da Luz, que está na dor <strong>de</strong>puradora.<br />

Agora, sim! <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tantos anos<br />

De tormentos, em meio aos <strong>de</strong>senganos,<br />

Espero o sol <strong>de</strong> novas alvoradas<br />

De existências <strong>de</strong> pranto e <strong>de</strong> miséria,<br />

Para beber no cálix da matéria<br />

As essências das dores renegadas!


102 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

20<br />

BELMIRO BRAGA<br />

Rimas <strong>de</strong> Outro Mundo – Bilhetes – Quadras<br />

NASCEU a 7 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1870, em Juiz <strong>de</strong> Fora, Minas, e aí <strong>de</strong>sencarnou<br />

em 1937. Iniciou­se na vida comercial e foi, <strong>de</strong>pois, notário público. Poeta,<br />

comediógrafo e jornalista nato. Popularizou­se, sobretudo, pela singeleza e<br />

espontaneida<strong>de</strong> da sua musa. Era membro <strong>de</strong> realce da Aca<strong>de</strong>mia Mineira <strong>de</strong> Letras,<br />

da qual foi um dos fundadores. Chamaram­lhe — “Rouxinol Mineiro”.<br />

Rimas <strong>de</strong> Outro Mundo<br />

1<br />

Cheguei feliz ao meu porto,<br />

Estou mais moço e mais forte,<br />

Encontrei paz e conforto<br />

Na vida, <strong>de</strong>pois da morte.<br />

Eis as rimas <strong>de</strong> outro norte,<br />

Que escreve o poeta morto.<br />

2<br />

Com a ignorância proterva,<br />

Que a morte é o fim, o homem pensa,<br />

Julgando no talo <strong>de</strong> erva<br />

A paisagem linda e imensa.<br />

Ah! feliz o que conserva<br />

As luzes doces da crença.<br />

3<br />

Quanta gente corre, corre,<br />

Ansiosa atrás do prazer,<br />

Sonha e chora, luta e morre<br />

Sem jamais o conhecer.<br />

Não há ninguém que se forre,<br />

Sobre a Terra, ao pa<strong>de</strong>cer.


103 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

4<br />

Fecha a bolsa da ambição,<br />

Não corras atrás da sorte,<br />

Venera a mão que te exorte<br />

Nos dias <strong>de</strong> provação.<br />

Tem coragem, meu irmão,<br />

Ninguém se acaba com a morte.<br />

5<br />

No mundo vale quem tem<br />

Um cifrão <strong>de</strong> prata ou <strong>de</strong> ouro;<br />

Mas, da morte ao sorvedouro,<br />

Jamais escapa ninguém!<br />

No Céu só vale o tesouro<br />

Daquele que fez o bem.<br />

6<br />

Que tua alma em preces arda<br />

No fogo da <strong>de</strong>voção.<br />

Deus é Pai que nunca tarda<br />

No caminho da aflição.<br />

Nas mágoas do mundo, guarda<br />

A fé do teu coração.<br />

7<br />

Entre a fé e o fanatismo,<br />

Muito espírito se engana:<br />

A primeira ampara e irmana,<br />

O segundo é o dogmatismo,<br />

Goela aberta <strong>de</strong> um abismo<br />

Na estrada da vida humana.<br />

8<br />

A Terra, para quem sente,<br />

Inda é torre <strong>de</strong> Babel,<br />

On<strong>de</strong> a prática <strong>de</strong>smente<br />

As ilusões do papel:<br />

Muita boca sorri<strong>de</strong>nte,<br />

Corações <strong>de</strong> lodo e fel.<br />

9<br />

Suporta a dor que te cobre<br />

Na estrada espinhosa e má,<br />

Quem é rico, quem é nobre,<br />

A essa estrada voltará.<br />

É uma ventura ser pobre,<br />

Com a bênção que Deus nos dá.


104 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

10<br />

Na vida sempre supus,<br />

Sem muita filosofia,<br />

Que, em prol do Reino da Luz,<br />

Basta, na Terra sombria,<br />

Que o homem siga a Jesus,<br />

Que a mulher siga a Maria.<br />

BILHETES<br />

Se tens o leve agasalho<br />

Do santo calor da crença,<br />

Exemplifica o trabalho<br />

Sem cuidar da recompensa.<br />

Não peças aprovação<br />

Do mundo pobre e enganado,<br />

Recorda que o mundo vão<br />

É gran<strong>de</strong> necessitado.<br />

Vais procurar a ventura<br />

Toma cuidado: os caminhos<br />

São crivados <strong>de</strong> amargura,<br />

Atapetados <strong>de</strong> espinhos.<br />

Acalma­te na aflição,<br />

Mo<strong>de</strong>ra­te na alegria,<br />

Não prendas o coração<br />

Nos laços da fantasia.<br />

No curso <strong>de</strong> aquisições,<br />

Não vivas correndo a esmo;<br />

Esquece as inquietações,<br />

Toma posse <strong>de</strong> ti mesmo.<br />

Recorda que tua vida<br />

É sempre uma gran<strong>de</strong> escola;<br />

Muita fronte encanecida<br />

É fronte <strong>de</strong> criançola.<br />

Não perguntes ao passado<br />

Pela sombra, pela dor,<br />

O caminho é ilimitado,<br />

Eterna a fonte do amor.


105 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Olha o monte luminoso,<br />

Que símbolo sacrossanto!...<br />

Quem <strong>de</strong>sce é riso enganoso,<br />

Quem sobe é suor e pranto.<br />

Não te aflijas. A bonança<br />

É flor <strong>de</strong> sabedoria,<br />

Não te esqueças que a esperança<br />

É a bênção <strong>de</strong> cada dia.<br />

No impulso que te conduz,<br />

Age sempre com bonda<strong>de</strong>,<br />

Todo esforço com Jesus<br />

É vida na eternida<strong>de</strong>.<br />

QUADRAS<br />

1<br />

Ai <strong>de</strong> quem busca o <strong>de</strong>serto<br />

De torturas da <strong>de</strong>scrença:<br />

Morrer é sentir <strong>de</strong> perto<br />

A vida profunda e imensa.<br />

2<br />

Depois da miséria humana<br />

Sobre a Terra transitória,<br />

Lastimo quanto se engana<br />

O ouro da falsa glória.<br />

3<br />

Dinheiro do mundo vão,<br />

Mentiras da vaida<strong>de</strong>,<br />

Não trazem ao coração<br />

A luz da felicida<strong>de</strong>.<br />

4<br />

Bem pobre é a cabeça tonta<br />

Dos perversos e usurários,<br />

Que morrem fazendo conta<br />

Nas cruzes <strong>de</strong> seus rosários.<br />

5<br />

É ditosa no caminho,<br />

Alegre como ninguém,<br />

A mão terna do carinho<br />

Que vive espalhando o bem.


106 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

6<br />

Angústias, <strong>de</strong>rrotas, danos,<br />

Tudo isso tenho visto.<br />

Só não vejo <strong>de</strong>senganos<br />

Na estrada <strong>de</strong> Jesus Cristo.


107 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

21<br />

BITTENCOURT SAMPAIO<br />

À Virgem ­ À Maria ­ Às filhas da Terra ­ À Virgem<br />

SERGIPANO, nascido na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Laranjeiras, em 19 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong><br />

1834, <strong>de</strong>sencarnou no Rio <strong>de</strong> Janeiro em 10 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1895. Foi político ativo,<br />

<strong>de</strong>putado por sua província em duas legislaturas e Presi<strong>de</strong>nte do Espírito Santo.<br />

Diretor da Biblioteca Nacional e jornalista <strong>de</strong> mérito. A fonte <strong>de</strong> on<strong>de</strong> respigamos<br />

estes dados, aponta Poesias (1859) e Flores Silvestres (1860), mas omite a maior das<br />

suas obras, que é A Divina Epopéia, ou seja o Evangelho <strong>de</strong> João, em magníficos<br />

versos brancos, tais como estes. Mas... é que Bittencourt Sampaio foi, no último<br />

quartel da vida terrena, um dos mais brilhantes e <strong>de</strong>stemerosos paladinos da<br />

Revelação Espírita. E, como tal, ainda hoje se manifesta, por dar­nos obras como<br />

Jesus perante a Cristanda<strong>de</strong>, verda<strong>de</strong>iro poema em prosa. Reformador, <strong>de</strong> 1937<br />

(página 494), publicou­lhe a biografia.<br />

À VIRGEM<br />

Vós sois no mundo a estrela da esperança,<br />

A salvação dos náufragos da vida;<br />

A custódia das almas sofredoras,<br />

Consolação e paz dos <strong>de</strong>sterrados<br />

Do venturoso aprisco das ovelhas<br />

De Jesus Cristo, o Filho muito amado!<br />

Fanal radioso aos pobres <strong>de</strong>gredados,<br />

Anjo guiador dos homens <strong>de</strong>sgarrados<br />

Do Evangelho <strong>de</strong> luz do Filho vosso.<br />

Virgem formosa e pura da bonda<strong>de</strong>,<br />

Providência dos fracos pecadores,<br />

Astro <strong>de</strong> amor na noite dos abismos,<br />

Clarão que sobre as trevas da cegueira<br />

Expulsa a escuridão das consciências!<br />

Virgem da pieda<strong>de</strong> e da pureza,<br />

Esten<strong>de</strong>i vossos braços tutelares<br />

À Humanida<strong>de</strong> inteira, que pa<strong>de</strong>ce,<br />

Espíritos na treva das angústias,<br />

No tenebroso báratro das dores,<br />

Mergulhados nas tredas tempesta<strong>de</strong>s<br />

Do mal, que lhes ensombra a mente e a vista;<br />

Cegos <strong>de</strong>sventurados, caminhando


108 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Em busca <strong>de</strong> outras noites mais escuras.<br />

Legião <strong>de</strong> penitentes voluntários,<br />

Afastados do amor e da verda<strong>de</strong>,<br />

Fugitivos da luz que os esclarece!<br />

Anjo da carida<strong>de</strong> e da virtu<strong>de</strong>,<br />

Esten<strong>de</strong>i vossas asas luminosas<br />

Sobre tanta miséria e tantos prantos.<br />

Dai fortaleza àqueles que fraquejam,<br />

Apiedai­vos dos frágeis caminhantes,<br />

Iluminai os cérebros <strong>de</strong>screntes,<br />

Fortalecei a fé dos vacilantes,<br />

Clareai as sendas obscurecidas<br />

Dos que se vão nos pântanos dos vícios!...<br />

Existem almas míseras que choram<br />

Amarradas ao potro das torturas,<br />

E corações farpeados <strong>de</strong> amarguras...<br />

Enxugai­lhes as lágrimas penosas!<br />

Virgem imaculada <strong>de</strong> ternura,<br />

Abençoai os mansos e os humil<strong>de</strong>s<br />

Que acima <strong>de</strong> ouropéis enganadores<br />

Põem o amor <strong>de</strong> Jesus, eterno e puro!<br />

Dulcificai as mágoas que laceram<br />

Pobres almas aflitas na voragem<br />

Das provações mais ru<strong>de</strong>s e amargosas.<br />

Esten<strong>de</strong>i, Virgem pura, o vosso manto<br />

Constelado <strong>de</strong> todas as virtu<strong>de</strong>s,<br />

Sobre a nu<strong>de</strong>z <strong>de</strong> tantos sofrimentos<br />

Que <strong>de</strong>spedaçam almas exiladas<br />

No orbe da expiação que regenera...<br />

Ele será a luz resplan<strong>de</strong>cente<br />

Sobre a miséria dos pa<strong>de</strong>cimentos,<br />

Afastando amarguras, conce<strong>de</strong>ndo<br />

Clarida<strong>de</strong>s a estradas pedregosas...<br />

Conforto às almas tristes <strong>de</strong>ste mundo,<br />

Porto <strong>de</strong> segurança aos viajantes,<br />

Clarão <strong>de</strong> sol nas trevas mais espessas,<br />

Farol brilhante iluminando os trilhos<br />

De todos os viajores que caminham<br />

Pela mão <strong>de</strong> Jesus, doce e bondosa;<br />

O pão miraculoso, repartido<br />

Entre os esfomeados e os se<strong>de</strong>ntos<br />

De paz, que os acalente e os conforte!<br />

Virgem, Mãe <strong>de</strong> Jesus, anjo <strong>de</strong> amor,<br />

Vin<strong>de</strong> a nós que na luta fraquejamos,<br />

Ajudai­nos a fim <strong>de</strong> que a vençamos...<br />

Vin<strong>de</strong>, piedosa Virgem <strong>de</strong> bonda<strong>de</strong>,


109 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Cremos em vós, na vossa alma divina!<br />

Vin<strong>de</strong>! ... dai­nos mais força e mais coragem,<br />

Derramai sobre nós o eflúvio santo<br />

Do vosso amor, que ampara e que redime...<br />

Vin<strong>de</strong> a nós! nossas almas vos esperam,<br />

Almas <strong>de</strong> filhos míseros que sofrem,<br />

Aten<strong>de</strong>i nossas súplicas, Senhora,<br />

Providência da pobre Humanida<strong>de</strong>!...<br />

À MARIA<br />

Eis­nos, Senhora, a pobre caravana<br />

Em fervorosas súplicas, reunida,<br />

Implorando a pieda<strong>de</strong>, a paz e a vida,<br />

De vossa carida<strong>de</strong> soberana.<br />

Fortalecei­nos a alma dolorida<br />

Na re<strong>de</strong>nção da iniquida<strong>de</strong> humana,<br />

Com o bálsamo da crença que promana<br />

Das luzes da bonda<strong>de</strong> esclarecida.<br />

Providência <strong>de</strong> todos os aflitos,<br />

Ouvi dos Céus, ditosos e infinitos,<br />

Nossas sinceras preces ao Senhor...<br />

Que a nossa caravana da Verda<strong>de</strong><br />

Colabore no Bem da Humanida<strong>de</strong>,<br />

Neste banquete místico do amor.


110 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

ÀS FILHAS DA TERRA<br />

Do Seu trono <strong>de</strong> luzes e <strong>de</strong> rosas,<br />

A Rainha dos Anjos, meiga e pura,<br />

Esten<strong>de</strong> os braços para a <strong>de</strong>sventura,<br />

Que campeia nas sendas espinhosas.<br />

Ela conhece as lágrimas penosas<br />

E recebe a oração da alma insegura,<br />

Inundando <strong>de</strong> amor e <strong>de</strong> ternura<br />

As feridas cruéis e dolorosas.<br />

Filhas da Terra, mães, irmãs, esposas,<br />

No turbilhão dos homens e das coisas,<br />

Imitai­a na dor do vosso trilho!...<br />

Não conserveis do mundo o brilho e as palmas,<br />

E encontrareis, em vossas próprias almas,<br />

A alegria do reino <strong>de</strong> Seu Filho!<br />

À VIRGEM<br />

Do teu trono <strong>de</strong> róseas alvoradas,<br />

Esten<strong>de</strong>, mãe bendita, as mãos radiosas<br />

Sobre a angústia das sendas escabrosas<br />

On<strong>de</strong> choram as mães atormentadas.<br />

Mãe <strong>de</strong> todas as mães infortunadas,<br />

Com tua alma <strong>de</strong> unos e <strong>de</strong> rosas,<br />

Mitiga a dor das almas <strong>de</strong>sditosas<br />

Entre as sombras <strong>de</strong> míseras estradas.<br />

Anjo consolador dos <strong>de</strong>sterrados,<br />

Conforta os corações encarcerados<br />

Nas algemas do mundo amargo e aflito.<br />

Ao teu olhar, as lágrimas da guerra<br />

E os quadros <strong>de</strong> amargor, que andam na Terra,<br />

São caminhos <strong>de</strong> luz para o Infinito.


111 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

22<br />

CÁRMEN CINIRA<br />

Minha luz ­ Aos Espíritos consoladores ­ Cigarra morta ­ Era uma<br />

vez. – À Juventu<strong>de</strong> ­ O viajor e a Fé ­ O sinal ­ Na noite <strong>de</strong> Natal.<br />

NOME literário <strong>de</strong> Cinira do Carmo Bordini Cardoso: nasceu no Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, em 1902, e faleceu em 30 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1933. Sua espontaneida<strong>de</strong> poética<br />

era tão gran<strong>de</strong> que ela própria acreditava serem os seus versos <strong>de</strong> origem mediúnica.<br />

Glorificou o Amor, a Renúncia, o Sacrifício e a Humilda<strong>de</strong>, em obras como:<br />

Crisálida, Grinalda <strong>de</strong> Violetas, Sensibilida<strong>de</strong>.<br />

MINHA LUZ<br />

Eu era, Dor, a alma rubra e inquieta,<br />

A pomba predileta<br />

Do prazer, da ilusão e da alegria...<br />

Meu coração, alegre cotovia,<br />

Saudava alvoroçado<br />

O segredo da noite e a luz clara do dia,<br />

Quando chegaste <strong>de</strong> mansinho,<br />

Pisando sutilmente o meu caminho...<br />

E eu te enxerguei, <strong>de</strong>spreocupada,<br />

Em meu engano, em minha fantasia:<br />

Primeiramente,<br />

Foste, austera e inclemente,<br />

A um dos belos tesouros que eu possuía<br />

E mo roubaste para sempre...<br />

Em fúria iconoclasta,<br />

Como o simum que arrasta<br />

As cida<strong>de</strong>s repletas <strong>de</strong> tesouros<br />

Confundindo­as no pó,<br />

Foste aos meus ídolos mais caros,<br />

Destruindo­os sem dó.<br />

Prosseguiste, á divina estatuária,<br />

Na tua obra silente e solitária,<br />

E quebraste


112 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Minhas cítaras <strong>de</strong> ouro,<br />

Meus mármores <strong>de</strong> Paros,<br />

Meus cofres <strong>de</strong> alabastros,<br />

Minhas bonecas <strong>de</strong> biscuí,<br />

Minhas estatuetas singulares...<br />

E humilhaste<br />

Meus sonhos <strong>de</strong> mulher e <strong>de</strong> menina,<br />

Que eu pusera nos astros<br />

Em meio às melodias estelares!<br />

Mas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que chegaste,<br />

Foste a sombra divina<br />

Que acompanhou meus passos ao sepulcro...<br />

Tudo sofri,<br />

Ó Dor, por te querer,<br />

Porque <strong>de</strong>pois que vieste<br />

Qual pássaro celeste<br />

Para abrir rosas <strong>de</strong> sangue no meu peito,<br />

Encheste a minha vida<br />

De um estupendo prazer, quase perfeito!<br />

Aos poucos me ensinaste a abandonar<br />

Meus prazeres fictícios,<br />

Trocando­os pela luz dos sacrifícios!<br />

Por tudo eu te bendigo, á Dor <strong>de</strong>puradora,<br />

Porque representaste em meu <strong>de</strong>stino,<br />

De alma sofredora,<br />

O fanal peregrino<br />

Que me guiou constantemente<br />

Através das estradas espinhosas<br />

Para as manhãs radiosas<br />

Da Luz Resplan<strong>de</strong>cente...<br />

Sê, pois, bendita, á Dor linda e gloriosa,<br />

Pois da volúpia estranha dos teus braços,<br />

Vim pelas mãos da morte complacente<br />

Para a vida sublime dos Espaços!...


113 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

AOS ESPÍRITOS CONSOLADORES<br />

Don<strong>de</strong> éreis vós, a formas imprecisas<br />

De arcanjos tutelares,<br />

Cujas vozes suaves como brisas<br />

Trouxeram­me nas dores,<br />

No auge do meu sofrer, nos meus penares,<br />

A irradiação <strong>de</strong> brando refrigério!...<br />

Frontes aureoladas <strong>de</strong> esplendores,<br />

Seres cheios <strong>de</strong> amor e <strong>de</strong> mistério,<br />

Cujas mãos compassivas<br />

Ungiram meu coração resignado<br />

Com o bálsamo do olvido do passado,<br />

E com os místicos olores<br />

Das meigas sempre­vivas<br />

Da fé mais luminosa e mais ar<strong>de</strong>nte...<br />

Seríeis o fantasma imaginário<br />

Da mórbida exaltação dalma do crente<br />

Não, porque sois os cireneus piedosos<br />

Dos que vão em <strong>de</strong>manda do Calvário<br />

Da Re<strong>de</strong>nção, nos sofrimentos ru<strong>de</strong>s;<br />

Vin<strong>de</strong>s das mais remotas altitu<strong>de</strong>s<br />

De sublimados mundos luminosos!...<br />

Seres do Amor, jamais traduziria<br />

O cântico <strong>de</strong> luz<br />

Que trouxestes ao leito da agonia<br />

Que eu transpus,<br />

Cheia <strong>de</strong> <strong>de</strong>senganos e gemidos!...<br />

Verto ainda os meus prantos comovidos<br />

Lembrando­me do vosso Stradivarius,<br />

Repetindo as cadências dos hinários<br />

Dos orbes da Ventura e da Harmonia,<br />

On<strong>de</strong> habitais, glorificando o Amor<br />

Que d’alma faz um ninho <strong>de</strong> alegria<br />

E um foco <strong>de</strong> esplendor!<br />

Em que sol <strong>de</strong>slumbrante, em qual esfera<br />

Viveis a vossa eterna primavera<br />

Ó irmãos consoladores,<br />

Que vin<strong>de</strong>s confortar os pecadores<br />

Penitentes da vida transitória,<br />

Dai­me um pouco <strong>de</strong> luz da vossa glória,<br />

Esten<strong>de</strong>i­me uma única migalha


114 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Da vossa paz, que nutre e que agasalha<br />

Os corações iguais ao meu!...<br />

Tenho se<strong>de</strong> do amor que enfeita o Céu!<br />

Espíritos da luz radiosa e infinda,<br />

Minhalma é fraca e pobre ainda;<br />

Todavia, imortal,<br />

Quero ter <strong>de</strong>ssa luz resplan<strong>de</strong>cente,<br />

E quero embriagar­me inteiramente<br />

Com os vinhos da alegria celestial.<br />

CIGARRA MORTA<br />

Chamam­me agora aí<br />

Cigarra morta,<br />

E não podia haver melhor <strong>de</strong>finição,<br />

Porque caí estonteada à porta<br />

Do castelo em ruínas,<br />

Do <strong>de</strong>sencanto e da <strong>de</strong>silusão!...<br />

Minhas futilida<strong>de</strong>s pequeninas...<br />

Meus gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senganos...<br />

Eu mesma inda não sei<br />

Se é ventura morrer na flor dos anos...<br />

Sei apenas que choro<br />

O tempo que perdi,<br />

Cantando em <strong>de</strong>masia a carne inutilmente;<br />

E vivo aqui, somente,<br />

De quanto i<strong>de</strong>alizei<br />

De belo, <strong>de</strong> perfeito, gran<strong>de</strong> e santo,<br />

Que inda hei <strong>de</strong> realizar<br />

Com a rima do meu verso e a gota do meu pranto.<br />

Dá­me força, Senhor,<br />

Para concretizar meu anseio <strong>de</strong> amor:<br />

Evita­me a sauda<strong>de</strong><br />

Da minha improdutiva mocida<strong>de</strong>!


115 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Eu não quero sentir,<br />

Como cigarra que era,<br />

A falta das canículas doiradas<br />

Sob a luz <strong>de</strong> ri<strong>de</strong>nte primavera.<br />

Já que tombei cansada <strong>de</strong> cantar,<br />

Calando amargamente,<br />

Perdoa, Deus <strong>de</strong> Amor, o meu pecado:<br />

Que eu olvi<strong>de</strong> a cigarra do passado,<br />

Para ser uma abelha previ<strong>de</strong>nte.<br />

ERA UMA VEZ...<br />

Era uma vez Cármen Cinira, Um coração<br />

Cheio <strong>de</strong> sonho e flor, que mal se abrira<br />

Nos jardins encantados da ilusão...<br />

Estraçalhou­se para sempre<br />

Na voragem<br />

Das trevas, dos abrolhos!...<br />

Era uma vez Cármen Cinira...<br />

Uma suposta imagem<br />

Da perene alegria,<br />

Mas que trouxe em seus olhos,<br />

Eternamente,<br />

Essa amarga expressão <strong>de</strong> alma doente,<br />

Cheia <strong>de</strong> pranto e <strong>de</strong> melancolia!...<br />

Cármen Cinira! Cármen Cinira!<br />

Que é da minha cigarra canta<strong>de</strong>ira<br />

Embal<strong>de</strong> te procuro.<br />

Por que cantaste assim a vida inteira,<br />

Cigarra distraída do futuro<br />

Perturbada,<br />

Aturdida,<br />

Busco a mim mesma aqui nestoutra vida...<br />

On<strong>de</strong> estou, on<strong>de</strong> estou<br />

Minha vida terrena se acabou<br />

E sinto outra existência revelada!<br />

Não sei por que me sinto amargurada...<br />

Sinto que a luz me guia<br />

Para a paz, para um mundo <strong>de</strong> alegria.<br />

Mas, á imortalida<strong>de</strong><br />

Se na Terra eu te via


116 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Como a aurora divina da verda<strong>de</strong>,<br />

Não julguei que inda a morte me abriria<br />

Esse cenário <strong>de</strong>slumbrante<br />

De outros sóis e <strong>de</strong> outros seres,<br />

E vejo agora<br />

Que não amei bastante,<br />

E não cumpri à risca os meus <strong>de</strong>veres!<br />

A fagulha <strong>de</strong> crença<br />

Que eu possuía,<br />

Devia transformar numa fornalha imensa<br />

De fé consoladora,<br />

E incendiar­me para ser luzeiro.<br />

Mas, ó Senhor da paz confortadora,<br />

Eu vi chegar o dia <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro<br />

Em minha dor, na máscara <strong>de</strong> festa,<br />

E a morte me apanhou<br />

Como se apanha uma ave na floresta.<br />

Experimento a gran<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>!<br />

Todavia, Senhor, ampara­me e protege<br />

Minha triste humilda<strong>de</strong>!<br />

Eu te agra<strong>de</strong>ço a paz que já me <strong>de</strong>ste,<br />

Mas eis que ainda te imploro comovida,<br />

Porque me sinto em fraca segurança;<br />

Deixa que eu guar<strong>de</strong> ainda nesta vida<br />

Meu escrínio <strong>de</strong> estrelas da Esperança.<br />

À JUVENTUDE<br />

Juventu<strong>de</strong> linda e ar<strong>de</strong>nte,<br />

Mocida<strong>de</strong> querida que eu exorto,<br />

Meu coração <strong>de</strong> carne, esse está morto,<br />

Mas minha alma que é eterna está presente.<br />

Zelai pelo plantio, ó juventu<strong>de</strong>,<br />

Das flores perfumadas da virtu<strong>de</strong>,<br />

Porque <strong>de</strong>pois dos sonhos terminados<br />

Em nossos ermos e últimos caminhos,<br />

Ai! como nos ferem os espinhos<br />

Das belas rosas rubras dos pecados!


117 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

O VIAJOR E A FÉ<br />

— “Don<strong>de</strong> vens, viajor triste e cansado”<br />

— “Venho da terra estéril da ilusão.”<br />

— “Que trazes”<br />

— “A miséria do pecado,<br />

De alma ferida e morto o coração.<br />

Ah! quem me <strong>de</strong>ra a bênção da esperança,<br />

Quem me <strong>de</strong>ra consolo à <strong>de</strong>sventura!”<br />

Mas a fé generosa, humil<strong>de</strong> e mansa,<br />

Deu­lhe o braço e falou­lhe com doçura:<br />

— “Vem ao Mestre que ampara os pobrezinhos,<br />

Que esclarece e conforta os sofredores!...<br />

Pois com o mundo uma flor tem mil espinhos,<br />

Mas com Jesus um espinho tem mil flores!”<br />

O SINAL<br />

Quando chegamos do País do Gozo,<br />

Nossa alma sem repouso<br />

Traz o sinal das trevas do pecado.<br />

Nossa alegria é um riso envenenado.<br />

A palavra disfarça o coração<br />

E a nossa dor é <strong>de</strong>sesperação.<br />

Tudo é sombra. A verda<strong>de</strong> não tem voz.<br />

Muita vez, tudo é queda <strong>de</strong>ntro em nós.<br />

Mas os que vêm do Mundo dos Deveres<br />

Guardam a luz <strong>de</strong> místicos prazeres.<br />

Não têm palmas da Terra impemtente...<br />

Como tudo, porém, é diferente!...<br />

Sua alegria é um fruto adocicado,<br />

Sua palavra é um livro iluminado,<br />

Sua dor alivia as outras dores.<br />

Trazem o amor <strong>de</strong> todos os amores,<br />

Revelando na vida transitória<br />

O sinal do Calvário aberto em glória!


118 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

NA NOITE DE NATAL<br />

Noite <strong>de</strong> paz e amor! Repicam sinos,<br />

Doces, harmoniosos, cristalinos,<br />

Cantando a excelsitu<strong>de</strong> do Natal!...<br />

A estrela <strong>de</strong> Belém volta, <strong>de</strong> novo,<br />

A brilhar, ante os júbilos do povo,<br />

Sob a crença imortal.<br />

De cada lar ditoso se irradia<br />

A glória da amiza<strong>de</strong> e da harmonia,<br />

Em festiva oração;<br />

Une­se o noivo à noiva bem­amada,<br />

Beija o filho a mãezinha idolatrada,<br />

O irmão abraça o irmão.<br />

Dentro da noite, há corações ao lume<br />

E há sempre um bolo, em vagas <strong>de</strong> perfume,<br />

Sob claro dossel...<br />

Nascem canções e flores <strong>de</strong> mansinho,<br />

Em é<strong>de</strong>nes fechados <strong>de</strong> carinho,<br />

De esperança e <strong>de</strong> mel.<br />

Mas, lá fora, a tristeza continua...<br />

Há quem chora sozinho, em plena rua,<br />

Ao pé da multidão;<br />

Há quem clama pieda<strong>de</strong> e passa ao vento,<br />

Ralado <strong>de</strong> tortura e sofrimento,<br />

Sem a graça <strong>de</strong> um pão.<br />

Há quem contempla o céu maravilhoso,<br />

Rogando à morte a bênção do repouso<br />

Em terrível pesar!<br />

Ah! como é triste a imensa caravana,<br />

Que segue, aflita, sob a treva humana<br />

Sem consolo e sem lar...


119 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Tu, que aceitaste a luz renovadora.<br />

Do Rei que se humilhou na manjedoura<br />

Para amar e servir,<br />

Volve o olhar compassivo à senda escura,<br />

Vem amparar os filhos da amargura,<br />

Que não po<strong>de</strong>m sorrir.<br />

Desce do pe<strong>de</strong>stal que te levanta<br />

E esten<strong>de</strong> a mão miraculosa e santa<br />

Ao <strong>de</strong>salento atroz;<br />

Para unir­nos no Amor, fraternalmente,<br />

Desceu Jesus do Céu Resplan<strong>de</strong>cente<br />

E imolou­se por nós.<br />

Vem medicar quem geme na calçada!...<br />

Oferece à criança abandonada<br />

Um velho cobertor;<br />

Traze a quem sofre a lúcida fatia<br />

Do teu prato <strong>de</strong> sonho e <strong>de</strong> alegria,<br />

Temperado <strong>de</strong> amor.<br />

Visita as chagas negras da mansarda<br />

On<strong>de</strong> a miséria súplice te aguarda<br />

Em nome <strong>de</strong> Jesus.<br />

Há muita crença enferma, quase morta,<br />

Que só pe<strong>de</strong> um sorriso brando à porta,<br />

Para tornar à luz.<br />

Natal!... Prossegue o Mestre, <strong>de</strong> viagem,<br />

Em vão buscando um quarto <strong>de</strong> estalagem,<br />

Um ninho pobre, em vão!...<br />

E encontra sempre a cruz, ao fim da estrada,<br />

Por não achar socorro, nem pousada<br />

Em nosso coração.


120 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

23<br />

CASIMIRO CUNHA<br />

Na eterna luz – Anjinhos ­ Ascensão – Quadras ­ Supremacia da<br />

Carida<strong>de</strong> – Versos – Símbolo ­ Pensamentos espíritas ­ Sombra e<br />

luz ­ O beijo da morte ­ O engano ­ flores silvestres ­ Ao meu caro<br />

Quintão – Espiritismo – Aos companheiros da Doutrina<br />

POETA vassourense, nasceu aos 14 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1880 e <strong>de</strong>sencarnou em<br />

1914. Pobre, ao <strong>de</strong>mais espírita confesso, não teve maior projeção no cenáculo<br />

literário do seu tempo, mau grado à suavida<strong>de</strong> da sua musa e inatos talentos<br />

literários. Há, na sua existência terrena, uma triste particularida<strong>de</strong> a assinalar, qual a<br />

<strong>de</strong> haver perdido uma vista aos 14 anos, por aci<strong>de</strong>nte, para <strong>de</strong> todo cegar da outra<br />

aos 16. Órfão <strong>de</strong> pai aos 7 anos, apenas frequentou escolas primárias. Era um<br />

espírito jovial e forte no infortúnio, que ele sabia aproveitar no enobrecimento da<br />

sua fé. Se tivesse tido maior cultura, atingiria as maiores culminâncias do<br />

firmamento literário.<br />

NA ETERNA LUZ<br />

Quando parti <strong>de</strong>ste mundo<br />

Em busca da Imensida<strong>de</strong>,<br />

A alma ansiosa da Verda<strong>de</strong>,<br />

Do azul imenso dos céus,<br />

Fugi do pesar profundo,<br />

Lamentando os sofrimentos,<br />

As mágoas, os <strong>de</strong>salentos,<br />

Confiado no amor <strong>de</strong> Deus.<br />

Mal, porém, abrira os olhos<br />

Em meio <strong>de</strong> luzes puras,<br />

Nas radiantes alturas,<br />

Em célico resplendor,<br />

Compreendi que os abrolhos<br />

Que a, Terra me oferecera,<br />

Eram mesmo a primavera<br />

Do meu sonho todo em flor.


121 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Disseram­me então: — “Ó crente<br />

Que chegais a estas plagas,<br />

Fugindo das gran<strong>de</strong>s vagas<br />

Do mar revolto das lutas,<br />

Aportai serenamente<br />

Nesta estância do Senhor,<br />

Pois aqui existe o amor<br />

Nestas almas impolutas!<br />

Aqui existe a pureza,<br />

A meiga flor da Bonda<strong>de</strong>,<br />

O aroma da Carida<strong>de</strong><br />

Perfumando os corações;<br />

Não se conhece a torpeza<br />

Da lâmina — hipocrisia,<br />

Que mata toda a alegria,<br />

Provocando maldições.<br />

Aqueles que já sofreram<br />

No <strong>de</strong>ver nobilitante,<br />

Cujo peito sempre amante<br />

Só conheceu dissabores;<br />

Aqueles que conheceram<br />

As feridas dolorosas,<br />

Dessas mágoas escabrosas<br />

De um triste mundo <strong>de</strong> dores,<br />

Encontram nestas moradas<br />

Tão formosas, resplen<strong>de</strong>ntes,<br />

Os clarões resplan<strong>de</strong>centes<br />

De afetos imorredouros!<br />

As almas imaculadas<br />

São flores das boas­vindas,<br />

Luminosas, sempre lindas,<br />

Ofertando­lhes tesouros:<br />

Os tesouros peregrinos,<br />

Formados <strong>de</strong> amor e luz<br />

Do Mestre Amado — Jesus,<br />

Arauto do Onipotente;<br />

Os reflexos divinos<br />

Quais lírios iluminados,<br />

Alvos, belos, <strong>de</strong>ificados,<br />

Penetrarão sua mente.


122 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Acordai, pois, ó vivente,<br />

Contemplai­vos nesta vida,<br />

Que vossa alma ensan<strong>de</strong>cida<br />

Procure a luz que avigora.<br />

O Senhor sempre clemente,<br />

Conce<strong>de</strong>­vos neste instante<br />

A bênção dulcificante<br />

Do seu amor — doce aurora.<br />

Sacudi o pó da estrada<br />

Que trilhastes na amargura,<br />

Pois agora na ventura<br />

Fruireis consolações;<br />

Nesta esfera iluminada,<br />

Que aportais neste momento,<br />

Não vereis o sofrimento<br />

Retalhando os corações.<br />

ANJINHOS<br />

Só vereis clarões <strong>de</strong> luz<br />

A <strong>de</strong>spontar nestas almas,<br />

Tornadas em belas palmas<br />

Das mansões do Criador!<br />

Bendizei, pois, a Jesus,<br />

O Mestre da Carida<strong>de</strong>,<br />

O Luzeiro da Bonda<strong>de</strong>,<br />

O gran<strong>de</strong> Mestre do Amor!<br />

Então, eu vi que na Terra<br />

Em meio da iniquida<strong>de</strong>,<br />

Na tremenda tempesta<strong>de</strong><br />

Das dores e expiações,<br />

A nossa alma que erra,<br />

Tão longe das gran<strong>de</strong>s luzes,<br />

Só aproveita das cruzes,<br />

Das amargas provações.<br />

Venturoso, abençoei<br />

A dor que amaldiçoara,<br />

Que renegar eu tentara<br />

Como os míseros ateus,<br />

E feliz então busquei<br />

As bênçãos, flores brilhantes,<br />

Alvoradas fulgurantes<br />

Do amor imenso <strong>de</strong> Deus.


123 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Ó mães que chorais na vida<br />

Os vossos ternos anjinhos,<br />

Que quais meigos passarinhos<br />

Cindiram o espaço azul,<br />

Deixando­vos sem conforto,<br />

O peito dilacerado,<br />

O coração <strong>de</strong>solado,<br />

A alma tristonha e exul,<br />

Reconhecei que na Terra<br />

Só se conhecem as dores,<br />

Os prantos, os amargores,<br />

As frias noites sem luz;<br />

E os vossos filhinhos ternos,<br />

Quais centelhas luminosas,<br />

São as flores mais formosas<br />

Das moradas <strong>de</strong> Jesus.<br />

São mensageiros felizes<br />

Nas radiantes alturas,<br />

Em meio das luzes puras,<br />

De outras rútilas esferas,<br />

Resplan<strong>de</strong>cendo imortais<br />

Nos espaços <strong>de</strong>slumbrantes,<br />

Quais reflexos brilhantes<br />

Das celinas primaveras.<br />

Visitam os vossos lares<br />

Como gênios protetores,<br />

Ofertando­vos as flores<br />

Do seu afeto eternal;<br />

Osculam­vos ternamente,<br />

Insuflando­vos coragem,<br />

Ao transpor<strong>de</strong>s a voragem<br />

Do abismo negro do mal;<br />

Alegrai­vos, pois, ao ver<strong>de</strong>s<br />

Quando partem sorri<strong>de</strong>ntes,<br />

Venturosos, inocentes,<br />

Como fúlgidos clarões;<br />

Eles farão <strong>de</strong>spertar<br />

As alvoradas formosas,<br />

De luzes esplendorosas<br />

Dentro em vossos corações.


124 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

ASCENSÃO<br />

Perguntai à flor virente,<br />

De pétalas multicores,<br />

Que com mágicos olores<br />

Perfumam vosso ambiente,<br />

O que fazem cá no mundo,<br />

Tão viçosas, perfumadas,<br />

Pelas sendas <strong>de</strong>soladas<br />

Deste abismo tão profundo.<br />

Como sorrisos dos Céus,<br />

Essas flores perfumosas<br />

Respon<strong>de</strong>riam formosas:<br />

— “Nós marchamos para Deus!”<br />

A ave que poetiza<br />

Com seus cânticos maviosos<br />

Vossos campos dadivosos<br />

Em beleza que harmoniza,<br />

Se perguntásseis também,<br />

Ela vos retrucaria:<br />

— “Caminhamos na alegria,<br />

Para a Luz e para o Bem.”<br />

Tudo pois, em ascensão,<br />

Marcha ao progresso incessante,<br />

A alvorada rutilante<br />

Da sublime perfeição.<br />

Segui pois, irmãos terrenos,<br />

Nessas trilhas luminosas,<br />

Caminhai sempre serenos,<br />

Entre lírios, entre rosas;<br />

Entre os lírios da Bonda<strong>de</strong>,<br />

Entre as rosas da Ternura,<br />

Espargindo a carida<strong>de</strong>,<br />

Consolando a <strong>de</strong>sventura.<br />

Só assim caminharemos<br />

Nessa eterna evolução,<br />

E no Bem conquistaremos<br />

A suprema perfeição.


125 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

QUADRAS<br />

Ser cego e nada ver<br />

Na triste noite escura,<br />

E ver <strong>de</strong>pois a luz<br />

Da aurora <strong>de</strong> ventura;<br />

Chorar na escuridão<br />

Em dores mergulhado,<br />

E após o sofrimento<br />

Ter gozo ilimitado;<br />

Sorver <strong>de</strong>ntro da treva<br />

O fel das amarguras,<br />

Depois, buscar o amor<br />

Nas lúcidas alturas;<br />

É possuir tesouros<br />

De paz, <strong>de</strong> vida e luz,<br />

No sacrossanto abrigo<br />

Do afeto <strong>de</strong> Jesus.<br />

SUPREMACIA DA CARIDADE<br />

A fé é a força potente<br />

Que <strong>de</strong>sponta na alma crente,<br />

Elevando­a aos altos Céus:<br />

Ela é chama abrasadora,<br />

Reluzente, re<strong>de</strong>ntora,<br />

Que nos eleva até Deus.<br />

A esperança é flor virente,<br />

Alva estrela resplen<strong>de</strong>nte,<br />

Que ilumina os corações,<br />

Que conduz as criaturas<br />

As almejadas venturas<br />

Entre célicos clarões.<br />

A carida<strong>de</strong> é o amor,<br />

É o sol que Nosso Senhor<br />

Fez raiar claro e fecundo;<br />

Alegrando nesta vida<br />

A existência dolorida<br />

Dos que sofrem neste mundo!


126 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

A fé é um clarão divino,<br />

Refulgente, peregrino,<br />

Que irrompe, trazendo a luz;<br />

A carida<strong>de</strong> é a expressão<br />

Da personificação<br />

Do Mestre Amado — Jesus!<br />

A esperança é qual lume,<br />

Ou capitoso perfume<br />

Que nos alenta na dor;<br />

A carida<strong>de</strong> é uma aurora<br />

Que resplen<strong>de</strong> a toda hora,<br />

Nada empana o seu fulgor.<br />

Seja, pois, abençoada<br />

Essa fúlgida alvorada<br />

A raiar eternamente!<br />

Carida<strong>de</strong> salvadora,<br />

Pura bênção re<strong>de</strong>ntora<br />

Do Senhor Onipotente.<br />

VERSOS<br />

Vivi na mansão das sombras,<br />

Desterrado;<br />

Na noite das trevas <strong>de</strong>nsas,<br />

Sepultado.<br />

Entrei no sepulcro escuro,<br />

Nascendo;<br />

E <strong>de</strong>le fugi feliz,<br />

Morrendo.<br />

É que a vida material<br />

É a prisão,<br />

On<strong>de</strong> a alma é encarcerada<br />

Na aflição;<br />

E a vida da alma é a nossa<br />

Liberda<strong>de</strong>,<br />

On<strong>de</strong> as luzes recebemos<br />

Da Verda<strong>de</strong>.


127 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

SÍMBOLO<br />

Sobre a lama <strong>de</strong> um monturo<br />

Um branco lírio sorria,<br />

Alvo, belo, <strong>de</strong>licado,<br />

Perfumando a luz do dia.<br />

Vendo essa flor cariciosa<br />

No pantanal sujo e imundo,<br />

Via o símbolo do Bem<br />

Entre os males <strong>de</strong>ste mundo.<br />

Pois entre as trevas e as dores<br />

Da vida <strong>de</strong> provações,<br />

Po<strong>de</strong> existir a bonda<strong>de</strong><br />

Irradiando clarões.<br />

E o coração que cultiva<br />

A carida<strong>de</strong> e o amor,<br />

É a flor cheia <strong>de</strong> aromas,<br />

Cheia <strong>de</strong> viço e frescor.<br />

Que mesmo <strong>de</strong>ntro da treva<br />

Do mundo ingrato, sem luz,<br />

É lírio resplan<strong>de</strong>cente<br />

Do puro amor <strong>de</strong> Jesus.<br />

PENSAMENTOS ESPÍRITAS<br />

Dobram sinos a finados,<br />

Com mágoa e <strong>de</strong>solação...<br />

Porque não sabem que a morte<br />

É a nossa libertação.<br />

Toda a esperança da fé,<br />

Que vive com a carida<strong>de</strong>,<br />

É realizada no mundo<br />

Da eterna felicida<strong>de</strong>.<br />

A palavra que reténs<br />

É tua serva querida,<br />

Mas aquela que te foge<br />

É dona da tua vida.


128 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Todo suicida presume<br />

Que a morte é o fim do amargor,<br />

Sem saber que o <strong>de</strong>sespero<br />

É porta para outra dor.<br />

Quem sofre resignado,<br />

Após a morte <strong>de</strong>scansa<br />

Quem luta, sem naufragar,<br />

Verá <strong>de</strong>certo a bonança.<br />

Quem tem a flor da humilda<strong>de</strong>,<br />

Medrando no coração,<br />

Tem o jardim das virtu<strong>de</strong>s<br />

Da suprema perfeição.<br />

Volve ao Céu todo piedoso,<br />

Coração que andas ferido!.<br />

Deus cura todas as chagas<br />

Do mal que tens pa<strong>de</strong>cido.<br />

SOMBRA E LUZ<br />

Vem a noite, volta o dia,<br />

Cresce o broto, nasce a flor,<br />

Vai a dor, surge a alegria<br />

Dourando a manhã do Amor.<br />

Assim, <strong>de</strong>pois da amargura<br />

Que a vida terrena traz,<br />

A alma encontra na Altura<br />

A luz, a ventura e a paz.<br />

O BEIJO DA MORTE<br />

Para quem viveu na Terra<br />

Em meio dos sofredores<br />

E somente frias dores<br />

No mundo ingrato colheu,<br />

O frio beijo da morte<br />

É o beijo da liberda<strong>de</strong>,<br />

É um raio <strong>de</strong> clarida<strong>de</strong><br />

Que vem da altura do Céu.


129 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

A vida terrena é a noite<br />

Que prece<strong>de</strong> as madrugadas<br />

Das regiões aureoladas<br />

De amor, <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> e luz:<br />

Sem paradoxo, portanto,<br />

O gozo é o próprio martírio,<br />

Que se fez excelso Lírio<br />

Na <strong>de</strong>voção <strong>de</strong> Jesus.<br />

A morte é a <strong>de</strong>usa celeste<br />

Da vida, da plenitu<strong>de</strong>,<br />

Que a alegria da Virtu<strong>de</strong><br />

Faz, linda, <strong>de</strong>sabrochar;<br />

Seu beijo é um raio <strong>de</strong> luz<br />

Do <strong>de</strong>albar das alturas,<br />

Que na noite <strong>de</strong> amarguras<br />

As almas vem <strong>de</strong>spertar.<br />

O ENGANO<br />

As vezes diz a Ciência<br />

Que a crença é engano profundo,<br />

Esperando uma outra vida<br />

Noutros planos, noutro mundo...<br />

E diz arrogante à Fé:<br />

— “Estás louca! A morte apenas<br />

É o sono eterno e tranquilo<br />

Depois das lutas terrenas.”<br />

Ao que ela replica, humil<strong>de</strong>:<br />

— “Mais tar<strong>de</strong>, Ciência amiga,<br />

Serás o sósia da Fé,<br />

Andarás ao Lado meu.<br />

Se for sono, dormiremos,<br />

Mas se não for, pois não é,<br />

De quem será esse engano<br />

Será meu ou será teu”


130 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

FLORES SILVESTRES<br />

Já viste, filho, a floresta<br />

Varrida pelas tormentas<br />

Partem­se troncos anosos,<br />

Caem copas opulentas.<br />

Mil árvores grandiosas<br />

Esfacelam—se nos ares<br />

Tombam gigantes da selva,<br />

Venerandos, seculares.<br />

Mas as florinhas silvestres<br />

São apenas baloiçadas,<br />

Continuando graciosas<br />

A tapetar as estradas.<br />

Zune o vento geme a selva<br />

Não sabe a pequena flor,<br />

Que perfumando o caminho<br />

Compõe um hino <strong>de</strong> amor.<br />

Flores silvestres!... Imagem<br />

Dos bons e dos pequeninos,<br />

Que sobre o mundo <strong>de</strong>rramam<br />

As graças dos dons divinos.<br />

Na selva da vida humana<br />

Caem gran<strong>de</strong>s, po<strong>de</strong>rosos:<br />

Arcas repletas <strong>de</strong> ouro,<br />

E frontes ébrias <strong>de</strong> gozos.<br />

Mas, os humil<strong>de</strong>s da Terra,<br />

Dentro da fé que os conduz,<br />

Não caem... São refletores<br />

Da bonda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Jesus.<br />

Flores silvestres da vida,<br />

Não sabem se há tempesta<strong>de</strong><br />

De ambições e se há no mundo<br />

Leis <strong>de</strong> ódio e iniquida<strong>de</strong>.<br />

Nos dias mais tormentosos,<br />

Sê, filho, como esta flor:<br />

Chore o homem, grite o mundo,<br />

Palmilha a estrada do amor.


131 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

AO MEU CARO QUINTÃO 7<br />

Quintão, eu sei da sauda<strong>de</strong><br />

Que te aperta o coração,<br />

Dos nossos dias passados,<br />

Que tão distantes se vão.<br />

Vassouras!... belas paisagens<br />

Cheias <strong>de</strong> vida e <strong>de</strong> cor,<br />

Um céu azul e estrelado<br />

Cobrindo uns ninhos <strong>de</strong> amor.<br />

Árvores fartas e ver<strong>de</strong>s<br />

Pela alfombra dos caminhos,<br />

A ermida branca e suave<br />

De ternos, doces carinhos.<br />

O nosso amigo Moreira<br />

E a sua barbearia,<br />

On<strong>de</strong> uma vez me encontraste<br />

Na minha noite sombria.<br />

Detalhes cariciosos<br />

Da vida singela e calma,<br />

Vida <strong>de</strong> encantos divinos<br />

Que eu via com os olhos d’alma.<br />

Meus pobres versos — “Singelos”, “<br />

Aves implumes” da dor,<br />

Que traduziam no mundo<br />

O meu pungente amargor.<br />

A minha pobre Carlota,<br />

A companheira querida,<br />

O raio <strong>de</strong> clarida<strong>de</strong><br />

Da noite da minha vida.<br />

Os artigos do Bezerra<br />

De outros tempos, no “O Pais”,<br />

O mestre da Velha Guarda,<br />

Unida, forte e feliz.<br />

7 Esta poesia singela e, por assim dizer, intimamente pessoal, foi recebida em circunstâncias imprevistas e<br />

timbra episódios vemos <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 30 anos, que o médium não podia conhecer, atento mesmo a sua<br />

banalida<strong>de</strong>. Singelos e Aves Implumes são títulos <strong>de</strong> dois pequenos volumes <strong>de</strong> versos publicados em<br />

começos do século. Carlota é o nome da esposa do poeta cego, também cegada <strong>de</strong> uma vista, por<br />

aci<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> casada.


132 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

A tua doce amiza<strong>de</strong><br />

A luz do Consolador,<br />

Teu coração generoso<br />

De amigo, irmão e mentor.<br />

Ah! Quintão, hoje os meus olhos<br />

Embebedam­se <strong>de</strong> luz,<br />

Pelas estradas sublimes<br />

Da santa paz <strong>de</strong> Jesus!<br />

Mas não sei on<strong>de</strong> a sauda<strong>de</strong><br />

É mais forte nos seus véus,<br />

Se pelas sombras da Terra,<br />

Se pelas luzes dos Céus.<br />

ESPIRITISMO<br />

Espiritismo é uma luz<br />

Gloriosa, divina e forte,<br />

Que clareia toda a vida<br />

E ilumina além da morte.<br />

É uma fonte generosa<br />

De compreensão compassiva,<br />

Derramando em toda parte<br />

O conforto d’Água Viva.<br />

É o templo da Carida<strong>de</strong><br />

Em que a Virtu<strong>de</strong> oficia,<br />

E on<strong>de</strong> a bênção da Bonda<strong>de</strong><br />

É flor <strong>de</strong> eterna alegria.<br />

É árvore ver<strong>de</strong> e farta<br />

Nos caminhos da esperança,<br />

Toda aberta em flor e fruto<br />

De verda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> bonança.<br />

É a clarida<strong>de</strong> bendita<br />

Do bem que aniquila o mal,<br />

O chamamento sublime<br />

Da Vida Espiritual.<br />

Se buscas o Espiritismo,<br />

Norteia­te em sua luz:<br />

Espiritismo é uma escola,<br />

E o Mestre Amado é Jesus.


133 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

AOS COMPANHEIROS DA DOUTRINA<br />

Examinada <strong>de</strong> perto,<br />

A luz da nossa Doutrina<br />

É sempre a lição que ensina<br />

A paz do caminho certo.<br />

Necessário é discernir<br />

A mistura, a ganga, o véu;<br />

Muita vez a água do céu<br />

Torna­se em lama, ao cair.<br />

O mal vem <strong>de</strong> ouvidos moucos<br />

Ou <strong>de</strong> olhos nevoados,<br />

Há sempre muitos chamados;<br />

Escolhidos muito poucos.<br />

Verda<strong>de</strong> é que o coração,<br />

Que abrace a nossa Doutrina,<br />

Penetra numa oficina<br />

De esforço, luta, e ação.<br />

Já não <strong>de</strong>ve andar a esmo<br />

Nas estradas da ilusão,<br />

Mas buscando a perfeição<br />

Na perfeição <strong>de</strong> si mesmo.<br />

Portanto, é nossa divisa<br />

Oração e Vigilância,<br />

No bem que é bem substância<br />

Da crença que diviniza.<br />

No Evangelho <strong>de</strong> Jesus,<br />

Feliz quem po<strong>de</strong> guardar<br />

A força <strong>de</strong> realizar<br />

Os gran<strong>de</strong>s feitos da Luz.<br />

Que no altar do coração<br />

Tenhamos o amor profundo<br />

Daquele que é a Luz do Mundo,<br />

— Eis meu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> irmão.


134 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

24<br />

CASIMIRO DE ABREU<br />

À minha terra ­ A Terra – Lembranças – Recordando<br />

POETA fluminense, <strong>de</strong>sencarnou aos 18 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1860, na Fazenda <strong>de</strong><br />

Indaiaçu, no então município <strong>de</strong> Barra <strong>de</strong> São João, hoje <strong>de</strong>nominado Casimiro <strong>de</strong><br />

Abreu, com 21 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, acometido <strong>de</strong> tuberculose pulmonar. Figura literária<br />

das mais típicas do seu tempo, o autor malogrado <strong>de</strong> Primaveras ainda aqui se<br />

afirma no seu profundo quão suave nativismo lírico. Suas composições possuem<br />

“um saboroso estilo colorido, sensível e personalíssimo” — disse Ronald <strong>de</strong><br />

Carvalho.<br />

À MINHA TERRA<br />

Que terno sonho dourado<br />

Das minhas horas fagueiras,<br />

No recanto das palmeiras<br />

Do meu querido Brasil!<br />

A vida era um dia lindo<br />

Num vergel cheio <strong>de</strong> flores,<br />

Cheio <strong>de</strong> aroma e esplendores<br />

Sob um céu primaveril.<br />

A Infância, um lago tranquilo<br />

On<strong>de</strong> começa a existência,<br />

On<strong>de</strong> os cisnes da inocência<br />

Bebem o néctar do amor.<br />

A mocida<strong>de</strong> era um hino<br />

De melodias suaves,<br />

Formadas <strong>de</strong> trinos <strong>de</strong> aves<br />

E <strong>de</strong> perfumes <strong>de</strong> flor.<br />

O dia, manhã ri<strong>de</strong>nte,<br />

Numa canção <strong>de</strong> alvorada;<br />

A noite toda estrelada<br />

Após o doce arrebol;<br />

E na, paisagem querida,<br />

Os ramos das laranjeiras<br />

E das frondosas mangueiras<br />

Douradas à luz do Sol!


135 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Oh! que clarão <strong>de</strong>ntro d’alma,<br />

Constantemente cismando,<br />

O pensamento sonhando<br />

E o coração a cantar,<br />

Na <strong>de</strong>licada harmonia<br />

Que nascia da beleza,<br />

Do ver<strong>de</strong> da Natureza,<br />

Do ver<strong>de</strong> do lindo mar!<br />

Oh! que poema a existência<br />

De infância e <strong>de</strong> mocida<strong>de</strong>,<br />

De ternura e <strong>de</strong> sauda<strong>de</strong>,<br />

De tristeza e <strong>de</strong> prazer;<br />

Igual a um canto sublime,<br />

Como uma estrofe inspirada<br />

Na noite e na madrugada,<br />

Na tar<strong>de</strong> e no amanhecer.<br />

De tudo me lembro e quanto!<br />

A transparência dos lagos,<br />

As carícias, os afagos<br />

E os beijos <strong>de</strong> minha mãe!<br />

Dos trinos dos pintassilgos,<br />

Da melodia das fontes,<br />

As nuvens nos horizontes<br />

Perdidos no azul do além.<br />

Quando eu cruzava as campinas,<br />

Sem sombras <strong>de</strong> sofrimento,<br />

Descalço, com o peito ao vento,<br />

Num tempo doce e feliz!<br />

Os pessegueiros floridos,<br />

As fron<strong>de</strong>s cheias <strong>de</strong> amora,<br />

O manto <strong>de</strong> luz da aurora,<br />

Os pios das juritis!<br />

Se a morte aniquila o corpo,<br />

Não aniquila a lembrança:<br />

Jamais se extingue a esperança,<br />

Nunca se extingue o sonhar!<br />

E à minha terra querida,<br />

Recortada <strong>de</strong> palmeiras,<br />

Espero em horas fagueiras<br />

Um dia po<strong>de</strong>r voltar.


136 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

A TERRA<br />

(Aos pessimistas)<br />

Se há noite escura na Terra,<br />

On<strong>de</strong> rugem tempesta<strong>de</strong>s,<br />

Se há tristezas, se há sauda<strong>de</strong>s,<br />

Amargura e dissabor,<br />

Também há dias dourados<br />

De sol e <strong>de</strong> melodias,<br />

Esperanças e alegrias,<br />

Canções <strong>de</strong> eterno fulgor!<br />

A Terra é um mundo ditoso,<br />

Um paraíso <strong>de</strong> amores,<br />

Jardim <strong>de</strong> risos e flores<br />

Rolando no céu azul.<br />

Um hino <strong>de</strong> força e vida<br />

Palpita em suas entranhas,<br />

Retumba pelas montanhas,<br />

Ecoa <strong>de</strong> Norte a Sul.<br />

Os sonhos da mocida<strong>de</strong>,<br />

As galas da Natureza,<br />

Livro <strong>de</strong> excelsa beleza<br />

Com páginas <strong>de</strong> esplendor,<br />

On<strong>de</strong> as histórias são cantos<br />

De gárriilos passarinhos,<br />

On<strong>de</strong> as gravuras são ninhos<br />

Estampados no verdor;<br />

On<strong>de</strong> há reis que são poetas,<br />

E trovadores alados,<br />

Heróis ternos, namorados,<br />

Gargantas <strong>de</strong> ouro a cantar,<br />

Saudando a aurora que surge<br />

Como ninfa luminosa,<br />

A olhar­se toda orgulhosa<br />

No espelho do gran<strong>de</strong> mar!<br />

On<strong>de</strong> as princesas são flores,<br />

Que se beijam luzidias,<br />

Perfumando as pradarias<br />

Com seu hálito <strong>de</strong> amor;<br />

Desabrochando às centenas,<br />

Na estrada on<strong>de</strong> o homem passa,<br />

Oferecendo­lhe graça,<br />

Sorrindo, cheias <strong>de</strong> olor.


137 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

O dia todo é alvorada<br />

De doces encantamentos;<br />

A noite, <strong>de</strong>slumbramentos<br />

Da Lua, em seus brancos véus!<br />

A tar<strong>de</strong> Oscula as estrelas,<br />

Os astros o Sol­nascente,<br />

O Sol o prado ri<strong>de</strong>nte,<br />

O prado perfuma os céus!...<br />

Quem vive num é<strong>de</strong>n <strong>de</strong>sses,<br />

É sempre risonho e forte,<br />

Jamais almeja que a morte<br />

Na vida o venha tragar;<br />

Sabe encontrar a ventura<br />

Nesse jardim <strong>de</strong> pujanças,<br />

E enche­se <strong>de</strong> esperanças<br />

Para sofrer e lutar.<br />

Se há noite escura na Terra,<br />

Abarrotada <strong>de</strong> dores,<br />

De lágrimas e amargores,<br />

De triste e ru<strong>de</strong> carpir,<br />

Também há dias dourados<br />

De juventu<strong>de</strong> e esplendores,<br />

De aromas, risos e flores,<br />

De áureos sonhos no porvir!...<br />

LEMBRANÇAS<br />

No sacrário das lembranças,<br />

Revejo­te, trigueirinha,<br />

De negras e longas tranças,<br />

Moreninha.<br />

Teus lindos pés <strong>de</strong>scalçados,<br />

Pisando <strong>de</strong> manhãzinha<br />

A ver<strong>de</strong> relva dos prados,<br />

Moreninha.<br />

Os primorosos cabelos<br />

Enfeitados, à tardinha,<br />

De miosótis singelos,<br />

Moreninha.


138 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

De olhar sedutor e insonte,<br />

Quando o teu passo ia e vinha<br />

Em busca da água da fonte,<br />

Moreninha.<br />

Teu vulto <strong>de</strong> camponesa<br />

Era o porte <strong>de</strong> rainha,<br />

Rainha da Natureza,<br />

Moreninha.<br />

Inda ouço os sons primeiros<br />

Da tua voz na modinha<br />

Modulada nos terreiros,<br />

Moreninha.<br />

Lavando a roupa às braçadas,<br />

Nos fios dágua fresquinha,<br />

Sob as mangueiras copadas,<br />

Moreninha.<br />

Os teus risos adorados,<br />

Desferidos à noitinha,<br />

Nos bandos <strong>de</strong> namorados,<br />

Moreninha.<br />

A tua oração ditosa,<br />

Nas missas da capelinha,<br />

Tão faceira! tão formosa!<br />

Moreninha.<br />

A placi<strong>de</strong>z do teu rosto<br />

Com teus modos <strong>de</strong> avezinha,<br />

Fitando a luz do sol­posto,<br />

Moreninha.<br />

O teu samburá <strong>de</strong> flores<br />

Que levavas à igrejinha,<br />

Enchendo a nave <strong>de</strong> odores,<br />

Moreninha.<br />

O vestidinho <strong>de</strong> chita,<br />

De rosas estampadinha,<br />

Fazendo­te mais bonita,<br />

Moreninha.


139 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

O nosso idílio encantado,<br />

Quando te achavas sozinha,<br />

Sob o luar prateado,<br />

Moreninha.<br />

Que terna recordação<br />

De minhalma se avizinha!<br />

De sauda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> paixão,<br />

Moreninha.<br />

Ai! Ai! meu Deus, quem me <strong>de</strong>ra<br />

Rever­te, doce rainha,<br />

Rainha da Primavera,<br />

Moreninha.<br />

RECORDANDO<br />

Meu Deus, <strong>de</strong>ixai que eu me esqueça<br />

Da minha vida <strong>de</strong> agora,<br />

Que apenas o meu passado<br />

Eu possa alegre rever;<br />

Deixai que me i<strong>de</strong>ntifique<br />

Com os raios da luz <strong>de</strong> outrora,<br />

Daquela risonha aurora<br />

Do meu passado viver.<br />

Que eu sinta <strong>de</strong> novo a vida<br />

Na infância Linda e ditosa,<br />

Na alegria inalterável<br />

Do lugar on<strong>de</strong> nasci;<br />

Quero rever novamente<br />

A paisagem luminosa,<br />

Sentir a emoção grandiosa<br />

De tudo o que já senti!...<br />

Ah! que eu possa hoje olvidar<br />

Imensida<strong>de</strong>s, esferas,<br />

Concepções mais perfeitas<br />

No progresso que alcancei;<br />

Que das ruínas, dos escombros,<br />

Minhalma retire as heras,<br />

E contemple as primaveras<br />

Da vida que já <strong>de</strong>ixei.


140 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Quero aspirar os perfumes<br />

Dos cendais cheios <strong>de</strong> flores,<br />

Na fresca sombra dos vales,<br />

Sob a luz do céu <strong>de</strong> anil!<br />

Rever o sítio encantado<br />

Da minha estância <strong>de</strong> amores,<br />

Meus sonhos encantadores,<br />

Minha terra, meu Brasil!<br />

Escutar os sinos calmos<br />

Sob a alvura das capelas,<br />

Enchendo as longes <strong>de</strong>vesas,<br />

De convites à oração;<br />

Sentar­me no prado agreste,<br />

Beijar as flores singelas,<br />

Mirar a luz das estrelas,<br />

Ouvir a voz da amplidão!<br />

Correr sob o sol­nascente<br />

Até que chegue o luar,<br />

Procurando os passarinhos<br />

E as borboletas tafuis;<br />

Que esperança, que ventura!<br />

Viver, sofrer, e amar<br />

A campina, o Sol, o mar,<br />

Campos ver<strong>de</strong>s, céus azuis<br />

Ser homem e ser criança,<br />

Toucar­se a alma das galas<br />

Da poesia inexprimível,<br />

Da alvorada e do arrebol...<br />

Oh! Natureza da Terra,<br />

Que tesouros não exalas,<br />

Na, carícia <strong>de</strong>ssas falas<br />

Do passarinho e do Sol!<br />

Eu gozo <strong>de</strong> quando em quando,<br />

Revendo essa clarida<strong>de</strong>,<br />

Da existência transcorrida<br />

Guardada no coração;<br />

E dos cimos <strong>de</strong>sta vida,<br />

Na excelsa Imortalida<strong>de</strong>,<br />

Verto prantos <strong>de</strong> sauda<strong>de</strong><br />

A luz da recordação.


141 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

25<br />

CASTRO ALVES<br />

Marchemos! ­ A Morte<br />

POETA baiano, <strong>de</strong>sencarnou a 6 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1871, com 24 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>.<br />

Mocida<strong>de</strong> radiosa, o autor consagrado <strong>de</strong> Espumas Flutuantes exerceu nas rodas<br />

literárias do seu tempo a mais justa e calorosa das projeções. Nesta poesia sente­se o<br />

crepitar da lira que modulou — O Livro e a América.<br />

MARCHEMOS!<br />

Há mistérios peregrinos<br />

No mistério dos <strong>de</strong>stinos<br />

Que nos mandam renascer:<br />

Da luz do Criador nascemos,<br />

Múltiplas vidas vivemos,<br />

Para à mesma luz volver.<br />

Buscamos na Humanida<strong>de</strong><br />

As verda<strong>de</strong>s da Verda<strong>de</strong>,<br />

Se<strong>de</strong>ntos <strong>de</strong> paz e amor;<br />

E em meio dos mortos­vivos<br />

Somos míseros cativos<br />

Da iniquida<strong>de</strong> e da dor.<br />

É a luta eterna e bendita,<br />

Em que o Espírito se agita<br />

Na trama da evolução;<br />

Oficina on<strong>de</strong> a alma presa<br />

Forja a luz, forja a gran<strong>de</strong>za<br />

Da sublime perfeição.<br />

É a gota dágua caindo<br />

No arbusto que vai subindo,<br />

Pleno <strong>de</strong> seiva e verdor;<br />

O fragmento do estrume,<br />

Que se transforma em perfume<br />

Na corola <strong>de</strong> uma flor.


142 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

A flor que, terna, expirando,<br />

Cai ao solo fecundando<br />

O chão duro que produz,<br />

Deixando um aroma leve<br />

Na aragem que passa breve,<br />

Nas madrugadas <strong>de</strong> luz.<br />

É a rija bigorna, o malho,<br />

Pelas fainas do trabalho,<br />

A enxada fazendo o pão;<br />

O escopro dos escultores<br />

Transformando a pedra em flores,<br />

Em Carraras <strong>de</strong> eleição.<br />

É a dor que através dos anos,<br />

Dos algozes, dos tiranos,<br />

Anjos puríssimos faz,<br />

Transmutando os Neros ru<strong>de</strong>s<br />

Em arautos <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong>s,<br />

Em mensageiros <strong>de</strong> paz.<br />

Tudo evolui, tudo sonha<br />

Na imortal ânsia risonha<br />

De mais subir, mais galgar;<br />

A vida é luz, esplendor,<br />

Deus somente é o seu amor,<br />

O Universo é o seu altar.<br />

Na Terra, às vezes se acen<strong>de</strong>m<br />

Radiosos faróis que esplen<strong>de</strong>m<br />

Dentro das trevas mortais;<br />

Suas rútilas passagens<br />

Deixam fulgores, imagens,<br />

Em reflexos perenais.<br />

É o sofrimento do Cristo,<br />

Portentoso, jamais visto,<br />

No sacrifício da cruz,<br />

Sintetizando a pieda<strong>de</strong>,<br />

E cujo amor à Verda<strong>de</strong><br />

Nenhuma pena traduz.<br />

É Sócrates e a cicuta,<br />

É César trazendo a luta,<br />

Tirânico e lutador;<br />

É Cellini com sua arte,<br />

Ou o sabre <strong>de</strong> Bonaparte,<br />

O gran<strong>de</strong> conquistador.


143 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

É Anchieta dominando,<br />

A ensinar catequizando<br />

O selvagem infeliz;<br />

É a lição da humilda<strong>de</strong>,<br />

De extremosa carida<strong>de</strong><br />

Do pobrezinho <strong>de</strong> Assis.<br />

Oh! bendito quem ensina,<br />

Quem luta, quem ilumina,<br />

Quem o bem e a luz semeia<br />

Nas fainas do evoluir:<br />

Terá a ventura que anseia.<br />

Nas sendas do progredir.<br />

Uma excelsa voz ressoa,<br />

No Universo inteiro ecoa:<br />

“Para a frente caminhai!<br />

“O amor é a luz que se alcança,<br />

“Ten<strong>de</strong> fé, ten<strong>de</strong> esperança,<br />

“Para o Infinito marchai!”<br />

A MORTE<br />

No extremo pólo da vida<br />

Diz a Morte: — “Humanida<strong>de</strong>,<br />

Sou a espada da Verda<strong>de</strong><br />

E a Têmis do mundo sou;<br />

Sou balança do <strong>de</strong>stino,<br />

O fiel <strong>de</strong>sconhecido,<br />

Lanço Cômodo no olvido<br />

E aureolo a fronte <strong>de</strong> Hugo!<br />

O cronômetro dos séculos<br />

Não me torna envelhecida;<br />

Sou morte — origem da vida,<br />

Prêmio ou gládio vingador.<br />

Sou anjo dos <strong>de</strong>sgraçados<br />

Que seguem na Terra errantes,<br />

Desnorteados viaj antes<br />

Dos Niágaras da dor!


144 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Também sou braço potente<br />

Dos déspotas e opressores,<br />

Que trazem os sofredores<br />

No jugo da escravidão;<br />

Aos bons, sou compensação,<br />

Consolo e alívio aos precitos,<br />

E nos maus aumento os gritos<br />

De dores e maldição.<br />

Sepultura do presente,<br />

Do porvir sou plenitu<strong>de</strong>,<br />

Da alegria sou saú<strong>de</strong><br />

E do remorso o amargor.<br />

Sou águia libertadora<br />

Que abre, sobre as <strong>de</strong>screnças,<br />

O manto das trevas <strong>de</strong>nsas,<br />

E sobre a crença o esplendor.<br />

Des<strong>de</strong> as eras mais remotas<br />

Coso láureas e mortalhas,<br />

E sobre a dor das batalhas<br />

Minha asa sempre pairou;<br />

Meu verbo é a lei da Justiça,<br />

Meu sonho é a evolução;<br />

Meu braço — a revolução,<br />

Austerlitz e Waterloo.<br />

Homem, ouve­me; se às vezes<br />

Simbolizo a guilhotina,<br />

Minha mão abre a cortina<br />

Que torna o mistério em luz;<br />

E por trabalhar com Deus,<br />

Na absoluta equida<strong>de</strong>,<br />

Sou prisão ou liberda<strong>de</strong>,<br />

Nova aurora ou nova cruz.<br />

Se o cristal que imita o céu<br />

Da consciência tranquila<br />

É o luzeiro que cintila<br />

Na noite do teu viver,<br />

Oásis — dou­te o repouso,<br />

Estrela — estendo­te lume,<br />

Flor — oferto­te perfume,<br />

Luz da vida — dou­te o ser!


145 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Mas, também se a tirania<br />

Arvora­se em lei na Terra,<br />

Eu mando a noite da guerra<br />

Fazer o sol do porvir;<br />

Arremesso a minha espada,<br />

Ateio fogo aos canhões,<br />

Faço cair as nações<br />

Como fiz Roma cair.<br />

Foi assim que fiz um dia,<br />

Ao ver o trono imperfeito<br />

Estrangulando o Direito;<br />

Busquei Danton, Mirabeau...<br />

E junto ao vulto <strong>de</strong> Têmis<br />

Tomei o carro <strong>de</strong> Jove,<br />

E fiz o Oitenta e Nove<br />

Quando a França me ajudou.<br />

Então, implacavelmente,<br />

Fiz a Europa ensanguentada<br />

Ajoelhar­se humilhada,<br />

Diante <strong>de</strong> tanto horror.<br />

Das cida<strong>de</strong>s fiz ossuários,<br />

Dos campos Saaras ar<strong>de</strong>ntes,<br />

Truci<strong>de</strong>i réus inocentes,<br />

Apaguei a luz do amor,<br />

Até que um dia o Criador<br />

Sempre amoroso e clemente,<br />

Que jamais teve presente,<br />

Nem passado nem porvir,<br />

Bradou do cume dos céus<br />

Num grito piedoso e forte:<br />

“Não prossigas! Basta, Morte,<br />

Agora é reconstruir.”<br />

Portanto, homem, se tens<br />

Por bússola o Bem na vida,<br />

Olha o Sol <strong>de</strong> fronte erguida,<br />

Espera­me com fervor.<br />

Abrir­te­ei meus tesouros,<br />

Serei tua doce amante,<br />

Cujo seio palpitante<br />

Guardar­te­á — paz e amor.


146 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Se às vezes se te afigura<br />

Que sou a foice impiedosa,<br />

Horrenda, fria, orgulhosa,<br />

Que espedaça. os teus heróis,<br />

Verás que sou a mão terna<br />

Que rasga abismos profundos,<br />

E mostra biliões <strong>de</strong> mundos,<br />

E mostra biliões <strong>de</strong> sóis.<br />

Conduzo seres aos Céus,<br />

À luz da realida<strong>de</strong>;<br />

Sou ave da, Liberda<strong>de</strong><br />

Que ao lodo da escravidão<br />

Venho arrancar os espíritos,<br />

Elevando­os às alturas:<br />

Dou corpos às sepulturas,<br />

Dou almas para a amplidão!”<br />

A Morte é transformação,<br />

Tudo em seu seio revive:<br />

Esparta, Tebas, Nínive,<br />

Em queda <strong>de</strong>scomunal,<br />

Revivem na velha Europa;<br />

E como faz às cida<strong>de</strong>s,<br />

Remo<strong>de</strong>la humanida<strong>de</strong>s<br />

No progresso universal.


147 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

26<br />

CORNÉLIO BASTOS<br />

Não temas<br />

PROFESSOR, poeta e jornalista. Nascido na capital <strong>de</strong> São Paulo, a 26 <strong>de</strong><br />

setembro <strong>de</strong> 1844 e <strong>de</strong>sencarnado em Campos em 31 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1909. Foi gran<strong>de</strong><br />

abolicionista e espírita militante.<br />

NÃO TEMAS<br />

Somente com Jesus a alma cansada<br />

Volve à praia do amor no mar da vida,<br />

O viajor errante encontra a estrada,<br />

Que o reconduz à terra estremecida.<br />

A esperança, adiada e emurchecida,<br />

Refloresce ao clarão <strong>de</strong> outra alvorada;<br />

Todo o trabalho e dor da humana lida<br />

São luzes da vitória <strong>de</strong>sejada.<br />

Sem Jesus, cresce a treva entre os escombros;<br />

Ama a cruz que te pesa sobre os ombros,<br />

Vence o <strong>de</strong>serto áspero e inclemente.<br />

A aflição inda é gran<strong>de</strong> em cada dia<br />

Não <strong>de</strong>sprezes a Doce Companhia,<br />

Vai com Jesus! não temas! crê somente!


148 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

27<br />

CRUZ E SOUZA<br />

Ansieda<strong>de</strong> – Heróis ­ Aos torturados ­ A sepultura ­ Anjos da Paz<br />

­ Alma livre ­ “Gloria victis” ­ Nossa mensagem ­ Oração aos<br />

libertos – Céu ­ Aos tristes ­ Beleza da morte – Mensageiro ­ Se<br />

queres ­ À dor ­ Noutras eras – Sofre – Exaltação – Vozes – Soneto<br />

­ Glória da Dor ­ Quanta vez ­ I<strong>de</strong> e pregai – Carida<strong>de</strong> – Renúncia<br />

­ Tudo vaida<strong>de</strong> ­ Ouvi­me ­ Felizes os que têm Deus ­ Glória aos<br />

humil<strong>de</strong>s ­ Aos trabalhadores do Evangelho<br />

CATARINENSE. Funcionário público, encarnou em 1861 e <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>u­se<br />

em 1898, no Estado <strong>de</strong> Minas. Poeta <strong>de</strong> emotivida<strong>de</strong> <strong>de</strong>licada, soube, mercê <strong>de</strong> um<br />

simbolismo inconfundível, marcar sua individualida<strong>de</strong> literária. Sua vida foi toda<br />

dores.<br />

ANSIEDADE<br />

Todo esse anseio que tortura o peito,<br />

Estrangulando a voz exausta e rouca,<br />

Que em cada canto estruge e em cada boca<br />

Faz o soluço do i<strong>de</strong>al <strong>de</strong>sfeito;<br />

Ansieda<strong>de</strong> fatal <strong>de</strong> que se touca<br />

A alma do homem mau e do perfeito,<br />

Sobe da Terra pelo espaço eleito,<br />

Numa imensa espiral, estranha e louca,<br />

Formando a re<strong>de</strong> eterna e incompreendida,<br />

Das ilusões, dos risos, das quimeras,<br />

Das dores e da lágrima incontida;<br />

Essa ansieda<strong>de</strong> é a mão <strong>de</strong> Deus nas eras,<br />

Sustentando o fulgor da luz da Vida,<br />

No turbilhão <strong>de</strong> todas as esferas!...


149 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

HERÓIS<br />

Esses seres que passam pelas dores,<br />

As geenas do pranto acorrentados,<br />

Aluviões <strong>de</strong> peitos sofredores,<br />

No turbilhão dos gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sgraçados;<br />

Corações a sangrar, ermos <strong>de</strong> amores,<br />

Revestidos <strong>de</strong> acúleos acerados,<br />

Nutrindo a luz dos sonhos superiores<br />

Nos i<strong>de</strong>ais maiores esfaimados;<br />

Esses pobres que o mundo consi<strong>de</strong>ra<br />

Os humanos farrapos dos vencidos,<br />

Prisioneiros da angústia e da quimera,<br />

São os heróis das lutas torturantes,<br />

Que são, sendo na Terra os esquecidos,<br />

Coroados nas Luzes Deslumbrantes!<br />

AOS TORTURADOS<br />

Torturados da vida, um passo adiante,<br />

Nos <strong>de</strong>sertos dos áridos caminhos,<br />

Abandonados, trêmulos, sozinhos,<br />

Infelizes na dor a cada instante!<br />

Sobre a luz que vos guia, bruxuleante,<br />

E além dos trilhos <strong>de</strong> ásperos espinhos,<br />

Fulgem no Além os <strong>de</strong>slumbrantes ninhos,<br />

Mundos <strong>de</strong> amor no claro azul distante...<br />

Chorai! que a imensida<strong>de</strong> inteira chora,<br />

Sonhando a mesma luz e a mesma aurora<br />

Que i<strong>de</strong>alizais chorando nas algemas!<br />

Vibrai no mesmo anseio em que palpita<br />

A alma universal, sonhando, aflita,<br />

As perfeições eternas e supremas!


150 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

A SEPULTURA<br />

Como a orquí<strong>de</strong>a <strong>de</strong> arminho quando nasce,<br />

Sobre a lama ascorosa refulgindo,<br />

A brancura das pétalas abrindo,<br />

Como se a neve alvíssima a orvalhasse;<br />

Qual essa flor fragrante, como a face<br />

Dum querubim angélico sorrindo,<br />

Do monturo pestífero emergindo,<br />

Luz que sobre negrumes se avistasse;<br />

Assim também do túmulo asqueroso,<br />

Evola­se a essência luminosa<br />

Da alma que busca o céu maravilhoso;<br />

E como o lodo é o berço vil <strong>de</strong> flores,<br />

A sepultura fria e tenebrosa<br />

É o berço <strong>de</strong> almas — senda <strong>de</strong> esplendores.<br />

ANJOS DA PAZ<br />

Ó luminosas formas alvadias<br />

Que <strong>de</strong>sceis dos espaços constelados<br />

Para lenir a dor dos <strong>de</strong>sgraçados<br />

Que sofrem nas terrenas gemonias!<br />

Vin<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ignotas luzes erradias,<br />

De lindos firmamentos estrelados,<br />

Céus distantes que vemos, dominados<br />

De esperanças, anseios e alegrias.<br />

Anjos da Paz, radiosas formas claras,<br />

Doces visões <strong>de</strong> etéricos carraras<br />

De que o espaço fúlgido se estrela!<br />

Clarificai as noites mais escuras<br />

Que pesam sobre a terra <strong>de</strong> amarguras,<br />

Com a alvorada da Paz, ditosa e bela


151 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

ALMA LIVRE 8<br />

Um soluço divino <strong>de</strong> alegria<br />

Percorre a todo Espírito liberto<br />

Das pesadas ca<strong>de</strong>ias do <strong>de</strong>serto,<br />

Desse mundo <strong>de</strong> sombra e <strong>de</strong> agonia.<br />

A alma livre contempla o novo dia,<br />

Longe das dores do passado incerto,<br />

Mergulhada no esplêndido concerto<br />

De outros mundos, que a luz acaricia!<br />

Alma liberta, redimida e pura,<br />

Vê a aurora <strong>de</strong>pois da noite escura,<br />

Numa visão mirífica, superna...<br />

Penetra o mundo da imortalida<strong>de</strong>,<br />

Entre canções <strong>de</strong> luz e liberda<strong>de</strong>,<br />

Forçando as portas da Beleza Eterna.<br />

“GLORIA VICTIS”<br />

Glória a todas as almas obscuras<br />

Que caíram exãnimes na estrada,<br />

On<strong>de</strong> a pobre esperança abandonada<br />

Morre chorando sob as <strong>de</strong>sventuras.<br />

Glória à pobre criatura <strong>de</strong>sprezada,<br />

Glória aos milhões <strong>de</strong> todas as criaturas,<br />

Sob a noite das gran<strong>de</strong>s amarguras,<br />

Sem conhecer a luz <strong>de</strong> uma alvorada.<br />

Glória Victis! Hosana aos <strong>de</strong>sgraçados<br />

Que tombaram sem vida, aniquilados,<br />

Nos sofrimentos purificadores;<br />

Que o Céu é a pátria eterna dos vencidos,<br />

On<strong>de</strong> aportam ditosos, redimidos,<br />

Como heróis dos <strong>de</strong>veres e das dores!<br />

8 Este e outros sonetos <strong>de</strong> Cruz e Souza foram por ele mesmo traduzidos magistralmente em Esperanto, e<br />

as traduções ditadas ao médium Francisco Valdomiro Lorenz, que no­las remeteu. Por supormos fato<br />

inédito, <strong>de</strong>ixamo­lo aqui registrado. Essas traduções mediúnicas <strong>de</strong> versos em Esperanto foram<br />

publicadas em elegante volume, sob o título: Vodoj <strong>de</strong> poetoj ei la Spirita Mondo.


152 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

NOSSA MENSAGEM<br />

Essa mensagem <strong>de</strong> esperança e vida<br />

Que en<strong>de</strong>reçamos da imortalida<strong>de</strong>,<br />

É a lição luminosa da Verda<strong>de</strong><br />

Que a Humanida<strong>de</strong> espera comovida.<br />

Guardai a voz da Terra Prometida,<br />

Nos exílios do pranto e da sauda<strong>de</strong>;<br />

Conservai essa vaga clarida<strong>de</strong><br />

Da luz da eternida<strong>de</strong> in<strong>de</strong>finida.<br />

Todo o nosso trabalho objetiva<br />

Dar­vos a fé, a crença persuasiva<br />

Nos caminhos da prova dolorosa.<br />

Sabei vencer entre as vicissitu<strong>de</strong>s,<br />

Como arautos <strong>de</strong> todas as virtu<strong>de</strong>s,<br />

Sobre as ressurreições da alma gloriosa.<br />

ORAÇÃO AOS LIBERTOS<br />

Alma embriagada do imortal falerno,<br />

Segue cantando, no horizonte claro,<br />

O teu <strong>de</strong>stino esplendoroso e raro,<br />

Cheio das luzes do porvir eterno.<br />

Mas não te esqueças <strong>de</strong>sse mundo avaro,<br />

O escuro abismo, o tormentoso Averno,<br />

Sem as doces carícias do galerno<br />

Das esperanças — sacrossanto amparo.<br />

Volve os teus olhos ternos, compassivos,<br />

Para os pobres Espíritos cativos<br />

As grilhetas do corpo miserando!<br />

Abre os sacrários da Felicida<strong>de</strong>,<br />

Mas lembra­te do orbe da impieda<strong>de</strong>,<br />

On<strong>de</strong> venceste a carne soluçando.


153 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

CÉU<br />

Há um céu para o Espírito que luta<br />

No oceano dos prantos salvadores,<br />

Céu repleto <strong>de</strong> vida e <strong>de</strong> fulgores,<br />

Que coroa <strong>de</strong> luz a alma impoluta.<br />

A canção da vitória ali se escuta,<br />

Da alma livre das penas e das dores,<br />

Que faz da vida a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> esplendores,<br />

Na paz quase integral e absoluta.<br />

Consi<strong>de</strong>rai, ó pobres caminheiros,<br />

Que na Terra viveis como estrangeiros,<br />

De alma ofegante e coração aflito:<br />

Consi<strong>de</strong>rai, fitando a imensa altura,<br />

Os <strong>de</strong>slumbrantes orbes da ventura<br />

Por entre os sóis suspensos no Infinito!<br />

AOS TRISTES<br />

Alma triste e infeliz que se tortura<br />

No tormento que punge e dilacera,<br />

Para quem nunca trouxe a Primavera<br />

Dos seus pomos dourados <strong>de</strong> ventura;<br />

Sou teu irmão, e intrépido quisera<br />

Trazer­te a luz que esplen<strong>de</strong> pela Altura,<br />

Afastando essa dor que te amargura<br />

Nas ansieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma longa espera.<br />

Mas há quem guar<strong>de</strong> as gotas do teu pranto<br />

No tesouro sublime e sacrossanto<br />

Dos arcanos <strong>de</strong> luz da Divinda<strong>de</strong>!<br />

Há quem te faça ver as cores do íris<br />

Da fagueira. esperança, até partires<br />

Nas asas brancas da Felicida<strong>de</strong>.


154 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

BELEZA DA MORTE<br />

Há no estertor da morte uma beleza<br />

Transcen<strong>de</strong>nte, ignota, luminosa.<br />

Beleza sossegada e silenciosa,<br />

Da Luz branca da Paz, trêmula e acesa.<br />

É o augusto momento em que a alma, presa<br />

As ca<strong>de</strong>ias da carne tenebrosa,<br />

Abandona a prisão, dorida e ansiosa,<br />

Sentindo a vida <strong>de</strong> outra natureza.<br />

Um mistério divino há nesse instante,<br />

No qual o corpo morre e a alma vibrante<br />

Foge da noite das melancolias!<br />

No silêncio <strong>de</strong> cada moribundo,<br />

Há a promessa <strong>de</strong> vida em outro mundo,<br />

Na mais sagrada das hierarquias.<br />

MENSAGEIRO<br />

Abri minhalma para os sofredores<br />

Na vastidão serena dos Espaços,<br />

Eu que na Terra tive sempre os braços<br />

Presos à cruz tantálica das dores.<br />

Epopéias <strong>de</strong> Sons e <strong>de</strong> Esplendores,<br />

E os prazeres mais pobres, mais escassos,<br />

E o mistério dos célicos abraços,<br />

Dos Perfumes, das Preces e das Cores;<br />

Tudo isso não vejo e vejo apenas<br />

O turbilhão das lágrimas terrenas<br />

— Taça imensa <strong>de</strong> gotas amargosas!<br />

Da pieda<strong>de</strong> e do amor eu trago o círio,<br />

Para afastar as trevas do martírio<br />

Do silêncio das noites tenebrosas.


155 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

SE QUERES<br />

Se queres a ventura doce, etérea,<br />

De outro mundo <strong>de</strong> luz, in<strong>de</strong>finido,<br />

Serás na Terra o filho incompreendido<br />

Do Tormento casado com a Miséria.<br />

Viverás na mansão triste, funérea,<br />

Do Soluço, do Pranto, do Gemido;<br />

Dos prazeres mundanos esquecido,<br />

Outro Job pelas chagas da matéria.<br />

Serás em toda a Terra o feio aborto<br />

Das amarguras e do <strong>de</strong>sconforto,<br />

Encarcerado nas sinistras gra<strong>de</strong>s;<br />

Mas um dia abrirás as portas <strong>de</strong> ouro<br />

E encontrarás o fúlgido tesouro,<br />

De benditas e eternas clarida<strong>de</strong>s.<br />

À DOR<br />

Dor, és tu que resgatas, que redimes<br />

Os gran<strong>de</strong>s réus, os míseros culpados,<br />

Os calcetas dos erros, dos pecados,<br />

Que surgem do pretérito <strong>de</strong> crimes.<br />

Sob os teus pulsos, fortes e sublimes,<br />

Sofri na Terra junto aos con<strong>de</strong>nados,<br />

Seres escarnecidos, torturados,<br />

Entre as prisões da Lágrima que exprimes!<br />

Da perfeição és o sagrado Verbo,<br />

Ó portadora do tormento acerbo,<br />

Aferidora da Justiça Extrema...<br />

Bendita a hora em que me pus à espera<br />

De ser, em vez do réprobo que eu era,<br />

O missionário <strong>de</strong>ssa Dor suprema!


156 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

NOUTRAS ERAS<br />

Também marchei pelas estradas flóreas,<br />

Cheias <strong>de</strong> risos e <strong>de</strong> pedrarias;<br />

On<strong>de</strong> todas as horas dos meus dias<br />

Eram hinos <strong>de</strong> esplêndidas vitórias.<br />

Tive um passado fulgido <strong>de</strong> glórias,<br />

De maravilhas <strong>de</strong> ouro e <strong>de</strong> alegrias,<br />

Sem reparar, porém, noutras sombrias<br />

Sendas tristes, das dores meritórias.<br />

E abusei dos <strong>de</strong>veres soberanos<br />

Sucumbindo aos terríveis <strong>de</strong>senganos<br />

Do <strong>de</strong>stino cruel, fatal e avaro;<br />

Para encontrar­me a sós no mesmo horto<br />

Que <strong>de</strong>ixara, sem luz e sem conforto,<br />

Sentindo as dores <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>samparo.<br />

SOFRE<br />

Toda a dor que na vida pa<strong>de</strong>ceres,<br />

Todo o fel que tragares, todo o pranto,<br />

Ser­te­ão como trevas, e, entretanto,<br />

Serás pobre <strong>de</strong> luz se não sofreres.<br />

É que dos sofrimentos nasce o canto<br />

De alegria dos mundos e dos seres,<br />

Pois que a dor é a saú<strong>de</strong> dos prazeres,<br />

O hino da luz, misterioso e santo.<br />

Doma o teu coração, e, no silêncio,<br />

Foge à revolta, humilha­o, dobra­o, vence­o,<br />

Chorando a mesma dor que o mundo chora;<br />

Abre a tua consciência para as luzes<br />

E, no mundo que o mal encheu <strong>de</strong> cruzes,<br />

Do Bem encontrarás a eterna aurora.


157 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

EXALTAÇÃO<br />

Harmonias do Som, vibrai nos ares,<br />

Nos horizontes, nas atmosferas;<br />

Exaltai minhas dores <strong>de</strong> outras eras,<br />

Meus passados, recônditos pesares.<br />

Desdobrai­vos luzeiros estelares,<br />

Sobre o aroma das novas primaveras;<br />

Cantem no mundo todas as quimeras,<br />

Aves e flores, amplidões e mares!<br />

Vibrai comigo, multidões <strong>de</strong> seres,<br />

Na concretização <strong>de</strong>sses prazeres<br />

Do meu sonho <strong>de</strong> luzes e universos...<br />

Exaltai­vos na vida <strong>de</strong> minhalma,<br />

E na gran<strong>de</strong>za infinda que se espalma<br />

Sobre a glória sublime dos meus versos!<br />

VOZES<br />

Há sobre os prantos, há sobre as humanas<br />

Vozes que se lamentam nas torturas,<br />

Outras vozes mais doces e mais puras,<br />

Como um coro dulcíssimo <strong>de</strong> hosanas.<br />

As primeiras são feitas <strong>de</strong> amarguras,<br />

As segundas, <strong>de</strong> bênçãos soberanas,<br />

Sobre as dores sagradas ou profanas<br />

Que pululam nas sendas mais escuras.<br />

Sobe da Terra a queixa soluçando,<br />

Silenciosa, muda, suplicando,<br />

Remontando aos Espaços constelados;<br />

Desce dos Céus a voz amiga e mansa,<br />

Fortificando a vida da Esperança<br />

— Patrimônio dos seres <strong>de</strong>sgraçados.


158 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

SONETO<br />

Nos labirintos <strong>de</strong>ssa eternida<strong>de</strong><br />

Que nós vivemos luminosa e pura,<br />

A alma vive na intérmina procura<br />

Do filão <strong>de</strong> ouro da felicida<strong>de</strong>.<br />

Quanto mais sofre, tanto mais se apura<br />

No pensamento excelso da Verda<strong>de</strong>,<br />

Vendo na auréola da Imortalida<strong>de</strong><br />

A alvorada risonha da ventura.<br />

E ao fim <strong>de</strong> cada noite tormentosa,<br />

Que é a existência na prova dolorosa,<br />

Canta e vibra num dia <strong>de</strong> bonança.<br />

Em torno da Verda<strong>de</strong> a alma gravita<br />

Buscando a Perfeição pura, infinita,<br />

Nessa jornada eterna da Esperança.<br />

GLÓRIA DA DOR<br />

Para aquém <strong>de</strong>ssas cruzes esquecidas<br />

Nas sepulturas ermas e <strong>de</strong>sertas,<br />

Há o turbilhão frenético das vidas<br />

Sobre as estradas ásperas, incertas...<br />

Inda há sânie das úlceras abertas<br />

No coração das almas combalidas,<br />

Gozadores <strong>de</strong> outrora entre as refertas<br />

Das ilusões que tombam fenecidas.<br />

Só uma glória mirífica perdura<br />

Concretizando os sonhos da criatura<br />

Cheia <strong>de</strong> crenças e <strong>de</strong> cicatrizes:<br />

É a vitória da Dor que aperfeiçoa,<br />

Luminosa e divina, humil<strong>de</strong> e boa,<br />

Glória da Dor, que é pão dos infelizes.


159 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

QUANTA VEZ<br />

Quanta vez eu fitei essas fronteiras,<br />

Horizontes, estrelas, firmamentos,<br />

Presa <strong>de</strong> sonhos e estremecimentos<br />

De esperança, nas horas <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iras!...<br />

Ah! meus longínquos arrebatamentos,<br />

Amarguras e dores e canseiras,<br />

Que vos fostes nas lágrimas ligeiras,<br />

Como folhas levadas pelos ventos...<br />

Quanta vez, abafando os meus soluços,<br />

Como o errado viajor que cai <strong>de</strong> bruços<br />

Sobre a íngreme estrada da agonia,<br />

Ensináveis­me a ler a Bíblia santa<br />

Desta vida imortal que se levanta<br />

Numa alvorada eterna <strong>de</strong> alegria!<br />

IDE E PREGAI<br />

Vós que ten<strong>de</strong>s as rosas da bonança<br />

Enlaçadas na fé mais doce e pura,<br />

I<strong>de</strong> e pregai, na noite da amargura,<br />

O evangelho do amor e da esperança.<br />

Toda luz da verda<strong>de</strong> que se alcança<br />

É um reduto <strong>de</strong> paz firme e segura:<br />

Dai <strong>de</strong>ssa paz a toda criatura,<br />

Sobre a qual vossa vida já <strong>de</strong>scansa.<br />

Espalhai os clarões da vossa crença<br />

Na pedregosa estrada <strong>de</strong>ssa imensa<br />

Turba <strong>de</strong> irmãos famintos, torturados!<br />

Conduzi a mensagem luminosa<br />

Da carida<strong>de</strong>, lúcida e piedosa,<br />

Re<strong>de</strong>ntora <strong>de</strong> todos os pecados.


160 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

CARIDADE<br />

Carida<strong>de</strong> é a mão terna e compassiva<br />

Que ampara os bons e aos maus ama e perdoa,<br />

Misericórdia, a qual para ser boa,<br />

De bens paradisíacos se priva.<br />

Mão radiosa, que traz a ver<strong>de</strong> oliva<br />

Da paz, que acaricia e que abençoa,<br />

Voz da eterna verda<strong>de</strong> que ressoa<br />

Por toda a parte, promissora e ativa.<br />

A carida<strong>de</strong> é o símbolo da chave<br />

Que abre as portas do céu claro e suave,<br />

Das consciências libertas da impureza;<br />

É a vibração do espírito divino,<br />

Em seu labor fecundo e peregrino,<br />

Manifestando as glórias da Beleza!.<br />

RENÚNCIA<br />

Renuncia a ti mesmo! Renuncia<br />

A mundana e efêmera vaida<strong>de</strong>:<br />

Que em ti sintas a dúlcida pieda<strong>de</strong><br />

Que as <strong>de</strong>sgraças alheias alivia.<br />

Do homem, esquece a lúrida malda<strong>de</strong>,<br />

Prosseguindo na estrada luzidia.<br />

E <strong>de</strong>nodadamente engendra e cria<br />

Teu próprio mundo <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong>!<br />

Parte o teu coração em mil fragmentos,<br />

Ofertando­os ao mundo que te o<strong>de</strong>ia,<br />

Com a bonda<strong>de</strong> mais pródiga e mais pura.<br />

Não olvi<strong>de</strong>s em meio dos tormentos:<br />

— Renunciar em bem da dor alheia,<br />

É ter no Além castelos <strong>de</strong> ventura.


161 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

TUDO VAIDADE<br />

Na Terra a morte é o trágico resumo<br />

De vanglórias, <strong>de</strong> orgulhos e <strong>de</strong> raças;<br />

Tudo no mundo passa, como passas,<br />

Entre as aluviões <strong>de</strong> cinza e fumo.<br />

Todo o sonho carnal vaga sem rumo,<br />

Só o diamante do espírito sem jaças<br />

Fica in<strong>de</strong>ne <strong>de</strong> todas as <strong>de</strong>sgraças,<br />

De que a morte voraz faz seu consumo.<br />

Nesse mundo <strong>de</strong> lutas fratricidas,<br />

A vida se alimenta <strong>de</strong> outras vidas,<br />

Num contínuo combate pavoroso;<br />

Só a Morte abre a porta das mudanças<br />

E concretiza as puras esperanças<br />

Nos países seráficos do gozo!<br />

OUVI­ME<br />

Ó vós que i<strong>de</strong>s marchando, almas se<strong>de</strong>ntas<br />

De paz, <strong>de</strong> amor, <strong>de</strong> luz, sob as maiores<br />

Desventuras do mundo, sob as dores<br />

De misérias, batalhas e tormentas...<br />

Também senti as emoções violentas<br />

Que palpitam nos peitos sonhadores,<br />

E sustentei, varado <strong>de</strong> amargores,<br />

Surdas batalhas, ru<strong>de</strong>s e incruentas.<br />

Também vivi as lágrimas obscuras,<br />

Iguais às vossas, míseras criaturas,<br />

Que tombais nos caminhos sem dizê­las!<br />

Exultai, que uma vida eterna e gran<strong>de</strong>,<br />

Além da morte, esplêndida se expan<strong>de</strong><br />

No coração sublime das estrelas!...


162 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

FELIZES OS QUE TÊM DEUS<br />

Entre esse mundo <strong>de</strong> apodrecimento<br />

E a vida <strong>de</strong> alma livre, <strong>de</strong> alma pura,<br />

Ainda se encontra a imensida<strong>de</strong> escura<br />

Das fronteiras <strong>de</strong> cinza e esquecimento.<br />

Só o pensador que sofre e anda à procura<br />

Da verda<strong>de</strong> e da luz no sentimento,<br />

Po<strong>de</strong> guardar esse <strong>de</strong>slumbramento<br />

Da Fé — fonte <strong>de</strong> mística ventura.<br />

Feliz o que tem Deus nessa batalha<br />

Da miséria terrena, que estraçalha<br />

Todo o anseio <strong>de</strong> amor ou <strong>de</strong> bonança!...<br />

Venturoso o que vai por entre as dores<br />

Atravessando o oceano <strong>de</strong> amargores,<br />

No bergantim sagrado da Esperança.<br />

GLÓRIA AOS HUMILDES<br />

Ai da ambição do mundo, ai da vaida<strong>de</strong><br />

Que se mergulham sob a, noite escura,<br />

Noite <strong>de</strong> dor que além da sepultura<br />

Nos afasta da vida e da verda<strong>de</strong>.<br />

Só o caminho divino da humilda<strong>de</strong><br />

Po<strong>de</strong> ofertar a luz radiosa e pura,<br />

Que vem salvar a mísera criatura<br />

Confundida no abismo da impieda<strong>de</strong>.<br />

Pobres da Terra, seres infelizes,<br />

Cheios <strong>de</strong> prantos e <strong>de</strong> cicatrizes,<br />

Levantai vosso olhar sereno e forte.<br />

Não maldigais a ulceração da algema,<br />

E esperai a vitória alta e suprema,<br />

Que Jesus vos prepara além da morte.


163 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

AOS TRABALHADORES DO EVANGELHO<br />

Há uma falange <strong>de</strong> trabalhadores,<br />

Espalhada nas sendas do Infinito,<br />

Des<strong>de</strong> as sombras do mundo amargo e aflito<br />

Aos espaços <strong>de</strong> eternos resplendores.<br />

É a caravana <strong>de</strong> batalhadores<br />

Que, no esforço do amor puro e bendito,<br />

Rompe algemas <strong>de</strong> trevas e granito,<br />

Aliviando os seres sofredores.<br />

Vós que sois, sobre a Terra, os companheiros<br />

Dessa falange lúcida <strong>de</strong> obreiros,<br />

Guardai­lhe a sacrossanta clarida<strong>de</strong>;<br />

Não vos importe o espinho ingrato e acerbo,<br />

Na palavra e nos atos, se<strong>de</strong> o Verbo<br />

De afirmações da Luz e da Verda<strong>de</strong>.


164 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

28<br />

EDMUNDO XAVIER DE<br />

BARROS<br />

Vida ­ Diante da Terra<br />

EDMUNDO Xavier <strong>de</strong> Barros, filho <strong>de</strong> Pacífico Antônio Xavier <strong>de</strong> Barros,<br />

nascido em 1861, no Estado <strong>de</strong> Goiás. Desencarnou no Distrito Fe<strong>de</strong>ral, como<br />

capitão da arma <strong>de</strong> Cavalaria, em 17 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1905. Foi poeta e <strong>de</strong>senhista<br />

notável.<br />

VIDA<br />

Nem a paz, nem o fim! A vida, a vida apenas<br />

É tudo que encontrei e é tudo que me espera!<br />

O ouro, a fama, o prazer e as ilusões terrenas<br />

São lodo, fumo e cinza ao fundo da cratera.<br />

Esvaiu­se a vaida<strong>de</strong>!... Os júbilos e as penas,<br />

A alegria que exalta e a dor que regenera,<br />

Em cenário diverso aprimorando as cenas,<br />

Continuam, porém, vibrando noutra esfera.<br />

Morte, <strong>de</strong>svenda à Terra os planos que <strong>de</strong>scobres,<br />

Fala <strong>de</strong> tua luz aos mais vis e aos mais nobres,<br />

Renova o coração do mundo impenitente!<br />

Dize aos homens sem Deus, nos círculos escuros,<br />

Que além do gelo atroz que te reveste os muros,<br />

Há vida... sempre a vida.. a vida eternamente...


165 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

DIANTE DA TERRA<br />

Fugindo embora à paz <strong>de</strong> eternos dons divinos,<br />

Sem furtar­se, porém, à luta que aprimora,<br />

O homem é o semeador dos seus próprios <strong>de</strong>stinos,<br />

Ave triste da noite, esquivando­se à aurora...<br />

Em <strong>de</strong>rredor da Terra, estrelas cantam hinos,<br />

Glorificando a luz on<strong>de</strong> a Verda<strong>de</strong> mora,<br />

Mas no plano da carne os impulsos tigrinos<br />

Fazem a ostentação da miséria que chora!<br />

Necessário vencer nos vórtices medonhos,<br />

Santificar a dor, as lágrimas e os sonhos,<br />

Do inferno atravessar o abismo ígneo e fundo,<br />

Para ver a extensão da noite estranha e <strong>de</strong>nsa,<br />

Que os servos da malda<strong>de</strong> e os filhos da <strong>de</strong>scrença<br />

Esten<strong>de</strong>ram, sem Deus, sobre a fronte do mundo!...


166 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

29<br />

EMÍLIO DE MENEZES<br />

Eu mesmo ­ Aos meus amigos da Terra<br />

POETA brasileiro, nascido em Curitiba, em 1866, e <strong>de</strong>sencarnado no Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro em 1918. Musa vivacíssima e fulgurante, sem <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser profunda, era<br />

sobretudo ativamente humorística. Legou­nos Poemas da Morte, 1901, e Poesias,<br />

1909, além <strong>de</strong> Mortalhas, versos satíricos postumamente colecionados. Distinguiuse<br />

pela altaneza dos temas, quanto pela opulência das rimas.<br />

EU MESMO<br />

Eu mesmo estou a ignorar se posso<br />

Chamar­me ainda o Emilio <strong>de</strong> Menezes,<br />

Procurando tomar o tempo vosso,<br />

Recitando epigramas <strong>de</strong>scorteses.<br />

Como hei <strong>de</strong> versejar Rimas em osso<br />

São difíceis... contudo, <strong>de</strong> outras vezes,<br />

Eu sabia rezar o Padre­Nosso<br />

E unir meus versos como irmãos siameses.<br />

Como hei <strong>de</strong> aparecer O que é impossível<br />

É ser um santarrão inconcebível,<br />

Trazendo as luzes do Evangelho às gentes...<br />

Sou o Emilio, distante da garrafa,<br />

Mas que não se entristece e nem se abafa,<br />

Longe das anedotas in<strong>de</strong>centes.


167 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

AOS MEUS AMIGOS DA TERRA<br />

Amigos, tolerai o meu assunto,<br />

(Sempre vivi do sofrimento alheio)<br />

Relevai, que as promessas <strong>de</strong> um <strong>de</strong>funto<br />

São coisa inda invulgar no vosso meio.<br />

Apesar do meu cérebro bestunto,<br />

O elo que nos unia, conservei­o,<br />

Como a quase sauda<strong>de</strong> do presunto,<br />

Que nutre um corpo empanturrado e feio.<br />

Espero­vos aqui com as minhas festas,<br />

Nas quais, porém, o vinho não explo<strong>de</strong>,<br />

Nem há cheiro <strong>de</strong> carnes ou cebolas.<br />

Evitai as comidas indigestas,<br />

Pois na hora do “salva­se quem po<strong>de</strong>”,<br />

Muita gente nem fica <strong>de</strong> ceroulas...


168 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

30<br />

FAGUNDES VARELA<br />

Imortalida<strong>de</strong><br />

ESTE é o sempre laureado cantor do Evangelho nas Selvas, a voz sonora e<br />

doce do Cântico do Calvário. Fluminense, <strong>de</strong>sencarnou com 34 anos, em 1875 —<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma existência tormentosa.<br />

IMORTALIDADE<br />

Senhor! Senhor! que os verbos luminosos<br />

Do amor, da perfeição, da liberda<strong>de</strong>,<br />

Inflamem minhas vozes neste instante!<br />

Que o meu grito bem alto se levante,<br />

Conduzindo a mensagem benfazeja<br />

Das esperanças para a Humanida<strong>de</strong>!<br />

Senhor! Senhor! que paire sobre o mundo<br />

A luz do teu po<strong>de</strong>r inigualável,<br />

Que os lírios te saú<strong>de</strong>m perfumando<br />

Os arrebóis, as noites, as auroras;<br />

Hinos <strong>de</strong> amor, que os pássaros te elevem<br />

Dos seus ninhos <strong>de</strong> plácida harmonia;<br />

Que as fontes no seu doce murmúrio<br />

Te bendigam com terna suavida<strong>de</strong>;<br />

Que todo o ser no inundo se <strong>de</strong>scubra<br />

Perante a tua excelsa majesta<strong>de</strong>,<br />

Saturado do amor onipotente<br />

Que promana abundante do teu seio!...<br />

Senhor! que a minha voz altissonante<br />

Se propague entre os homens; que a verda<strong>de</strong><br />

Resplan<strong>de</strong>ça na terra da amargura!<br />

Ó Pai! tu que removes o impossível,<br />

Que transmudas em rosas os espinhos,<br />

E que espancas a treva dos caminhos<br />

Com a luz que afirma a tua onipotência,<br />

Permite que minhalma seja ouvida<br />

Na vastidão do mundo do <strong>de</strong>sterro;<br />

Que os meus irmãos da Terra me recebam<br />

Como o ausente invisível, redivivo!...


169 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Irmãos, eis­me <strong>de</strong> novo ao vosso lado!<br />

Venho <strong>de</strong> esferas lúcidas, radiosas,<br />

Atravessei estradas tenebrosas<br />

E sendas <strong>de</strong>slumbrantes e estelíferas,<br />

Empunhando o saltério da esperança.<br />

Pu<strong>de</strong> transpor abismos <strong>de</strong> ouro e rosas,<br />

Sendas <strong>de</strong> sonho e báratros escuros,<br />

Planetas como naus sem palinuros<br />

Nos oceanos do éter Infinito!<br />

Contemplei Vias­Lácteas assombrosas,<br />

Visões <strong>de</strong> sóis eternos, confundidas<br />

Entre estrelas igníferas, distantes;<br />

Vastros portentosos, <strong>de</strong>sferindo<br />

Harmonias <strong>de</strong> amor e clarida<strong>de</strong>s,<br />

E humanida<strong>de</strong>s entre humanida<strong>de</strong>s<br />

Povoando o Universo esplendoroso...<br />

Descansei sobre as ilhas <strong>de</strong> repouso,<br />

Em lindos arquipélagos distantes,<br />

Habitei os palácios encantados,<br />

Em retiros <strong>de</strong> amor calmo e sereno,<br />

On<strong>de</strong> o solo é formado <strong>de</strong> ouro e neve,<br />

On<strong>de</strong> a treva e on<strong>de</strong> a noite são apenas<br />

Recordações <strong>de</strong> mundos obscuros!<br />

On<strong>de</strong> as flores do afeto imperecível<br />

Não se emurchecem como sobre a Terra.<br />

Lá, nesses orbes lúcidos, divinos,<br />

O amor, somente o amor, nutre e dá vida.<br />

Somente o amor é a vibração <strong>de</strong> tudo!<br />

Vi céus por sobre céus inumeráveis,<br />

Mundos <strong>de</strong> dor e mundos <strong>de</strong> alegria,<br />

Em luminosida<strong>de</strong>s e harmonias<br />

Aos beijos arcangélicos da luz,<br />

Que é mensagem <strong>de</strong> Deus por toda a parte!<br />

E apenas conheci um pormenor,<br />

Um <strong>de</strong>talhe minúsculo, um fragmento<br />

Da Criação infinita e resplen<strong>de</strong>nte.<br />

Ah! Morte!... A Morte é o anjo luminoso<br />

Da liberda<strong>de</strong> franca, jubilosa,<br />

Quando a esperamos tristes e abatidos;<br />

Quando nos traz imácula e sublime<br />

A chama da esperança <strong>de</strong>ntro d’alma,<br />

Amando­se da vida os bens mais nobres,


170 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Se o mundo abafa em nós toda a alegria,<br />

Roubando­nos afetos e consolos,<br />

Martirizando o coração dorido<br />

Na cruz dos sofrimentos mais austeros.<br />

A morte corrobora as nossas crenças,<br />

As nossas esperanças mais profundas,<br />

Rompendo o véu que encobre à nossa vista<br />

O eterno panorama do Universo,<br />

E aponta­nos o céu, a imensida<strong>de</strong>,<br />

On<strong>de</strong> as almas ditosas se engran<strong>de</strong>cem,<br />

Outras almas guiando em labirintos<br />

Para a luz, para a vida e para o amor!<br />

Que representa a Terra, ante a gran<strong>de</strong>za<br />

De tantos sóis e orbes luminosos<br />

É somente uma estância pequenina<br />

On<strong>de</strong> a dor e on<strong>de</strong> a lágrima divina<br />

Mo<strong>de</strong>lam almas para a perfeição;<br />

É apenas um <strong>de</strong>grau na imensida<strong>de</strong>,<br />

On<strong>de</strong> se regenera no tormento<br />

Quem se afasta da Luz e da verda<strong>de</strong>;<br />

Ela é somente o exílio temporário,<br />

On<strong>de</strong> se sofre a angústia da distância<br />

Dos que amamos com alma e com fervor.<br />

Morte! que te abençoem sofredores,<br />

Que te bendiga o espírito abatido,<br />

Já que és a terna mão libertadora<br />

Dos escravos da carne, dos escravos<br />

Das aflições, das dores, da tortura!<br />

Bendigo­te por tudo o que me <strong>de</strong>ste:<br />

Pela beleza da imortalida<strong>de</strong>,<br />

Pela visão dos céus resplan<strong>de</strong>centes,<br />

Pelos beijos dos seres bem­amados.<br />

Senhor! Senhor! que a minha voz se estenda,<br />

Como um canto sublime <strong>de</strong> esperança,<br />

Sobre a fronte <strong>de</strong> todos quantos sofrem,<br />

Ansiando mais luz, mais liberda<strong>de</strong><br />

No orbe da expiação e da impieda<strong>de</strong>!


171 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

31<br />

GUERRA JUNQUEIRO<br />

O padre João – Carida<strong>de</strong> – Romaria ­ Eterna vítima ­ A um padre<br />

­ “Um Quadro da Quaresma”<br />

ABILIO Guerra Junqueiro, poeta português, nascido em 1850 e<br />

<strong>de</strong>sencarnado em 1923, é assaz conhecido no Brasil como épico dos maiores da<br />

língua portuguesa e admirado por quantos não estimam na Poesia apenas o<br />

malabarismo das palavras, mas o fulgor das i<strong>de</strong>ias. Notável, sobretudo, pela sua veia<br />

combativa e satírica, vemos, por sua produção <strong>de</strong> agora, que os anos do além­túmulo<br />

não lhe alteraram a sadia e lúcida mentalida<strong>de</strong>, nas mesmas diretrizes. E esta<br />

circunstância é tanto mais notável quando o Romantismo se ufana <strong>de</strong> uma irreal<br />

conversão ín extremis.<br />

O PADRE JOÃO<br />

Tombava o dia:<br />

A luz crepuscular<br />

Mansamente <strong>de</strong>scia<br />

Inundando <strong>de</strong> sombra o céu, a terra, o mar...<br />

O meigo padre João,<br />

Um puro coração,<br />

Qual lírio a vicejar em meio a um pantanal,<br />

Sonhava ao pé da igreja<br />

— um templo envelhecido Ao lado <strong>de</strong> um vergel, esplêndido e florido<br />

—Sentindo <strong>de</strong>ntro d’alma um frio sepulcral.<br />

O firmamento<br />

Tingia­se <strong>de</strong> luz brilhante e harmoniosa,<br />

A noite era <strong>de</strong> sonho e névoa luminosa.<br />

Padre João meditava, orando ao Deus <strong>de</strong> amor:<br />

Revia em pensamento<br />

Uma luz singular nas dobras do passado;<br />

Era um vulto sublime, excelso, imaculado,<br />

Que fazia <strong>de</strong>scer o amor às multidões,<br />

Inflamado <strong>de</strong> fé, <strong>de</strong>satando os grilhões<br />

Que prendiam a alma à carne putrescível,<br />

Uma réstea <strong>de</strong> sol sobre a noite do Horrível,<br />

Iluminando o mundo, Iluminando a vida,


172 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Pensando docemente a pútrida ferida<br />

Da imperfeição que rói a torva Humanida<strong>de</strong>,<br />

Oferecendo amor em flores <strong>de</strong> bonda<strong>de</strong>,<br />

Aos pecadores dando amigas esperanças,<br />

E aumentando nos bons as bem­aventuranças.<br />

Era o meigo Pastor Irradiando a luz,<br />

Era o Anjo do Bem, o imáculo Jesus.<br />

O sacerdote, então,<br />

Comparou, meditando, a fúlgida visão<br />

Com aquele Cristo nu, <strong>de</strong> pau, inerte e frio,<br />

Imóvel dominando o âmbito vazio;<br />

Notando a diferença enorme, extraordinária,<br />

Daquela igreja fria, a ermida solitária,<br />

Da igreja <strong>de</strong> Jesus,<br />

Feita <strong>de</strong> amor e luz,<br />

De paz e <strong>de</strong> perdão,<br />

O farol da verda<strong>de</strong> ao humano coração.<br />

E viu da sua igreja o erro tão profundo,<br />

Dourando os véus da carne e amortalhando o mundo<br />

Em trevas persistentes,<br />

Por anos inclementes<br />

Em séculos sem fim.<br />

Conhecendo no padre o gêmeo <strong>de</strong> Caim,<br />

Afastado da luz, fugindo aos irmãos seus,<br />

Fugindo <strong>de</strong>sse modo ao próprio amor <strong>de</strong> Deus,<br />

Padre João meditou nas lutas incessantes<br />

Sustentadas na Terra em prol da evolução,<br />

E viu no mundo inteiro as ânsias <strong>de</strong>lirantes<br />

De trabalho, <strong>de</strong> amor, <strong>de</strong> eterna perfeição.<br />

Sentiu seu coração em dores lacerado,<br />

E no sonho da luz fulgente do passado,<br />

Penetrou soluçando a ermida então <strong>de</strong>serta.<br />

Teve medo e receio, o espírito gelado,<br />

Sentiu­se no seu templo um pobre emparedado...<br />

E fugindo a correr da porta semi­aberta,<br />

Com o coração sangrando em úlceras <strong>de</strong> dor,<br />

Encaminhou­se ao campo, à natureza em flor.<br />

Fitou extasiado a natureza em festa,<br />

As árvores, a flor, os mares, a floresta,<br />

E como se o animasse uma chama divina,<br />

Despiu­se do negrume espesso da batina,<br />

E fitando, a chorar, o céu estrelejado,<br />

Encheu a solidão com as vozes do seu brado:


173 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

“Ó Igreja! não tens a i<strong>de</strong>ia que eu sonhava,<br />

A luz radiosa e bela, a luz eterna e rara<br />

Que nos vem <strong>de</strong> Jesus;<br />

Tua mão não conduz<br />

As plagas da verda<strong>de</strong><br />

Mantendo inutilmente a pobre Humanida<strong>de</strong><br />

No mal da ignorância, túrbida e falaz,<br />

Crestando a fé, roubando a luz, matando a paz.<br />

Torturas a verda<strong>de</strong>, en<strong>de</strong>usas a matéria,<br />

E transformas o padre em trapo <strong>de</strong> miséria,<br />

Num farrapo <strong>de</strong> sombra, exótica e execrável,<br />

Num fantasma ambulante em treva interminável!<br />

É um blasfemo quem crê que em teus nichos e altares<br />

Guarda­se a essência pura e imácula <strong>de</strong> Deus;<br />

Eu vejo­o, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a flor às luzes estelares,<br />

Na pieda<strong>de</strong>, no amor, na imensidão dos céus!<br />

Ó Igreja! o dogma frio é um calabouço escuro,<br />

E eu quero abandonar a noite da prisão;<br />

Prefiro a liberda<strong>de</strong> e a vida no futuro,<br />

Guiando­me o farol da fúlgida Razão.<br />

Desprezo­te, ó torreão <strong>de</strong> séculos trevosos,<br />

Ruínas <strong>de</strong> malda<strong>de</strong> estúltica a cair,<br />

Eu quero palmilhar caminhos luminosos<br />

Que minhalma entrevê na aurora do porvir!”<br />

E o padre emu<strong>de</strong>ceu. Submergido em pranto,<br />

Achou mais belo o céu e o seu viver mais santo.<br />

Pairava na amplidão estranho resplendor.<br />

A Natureza inteira em lúcida poesia<br />

Repousava, feliz, nas preces da harmonia!...<br />

Era o festim do amor,<br />

No firmamento em luz,<br />

Que celebrava<br />

A gran<strong>de</strong>za <strong>de</strong> uma alma que voltava<br />

Ao redil <strong>de</strong> Jesus.


174 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

CARIDADE<br />

Caía a noite em paz. Crepúsculo. Horas quedas.<br />

Horas <strong>de</strong> solidão. Pelas planícies ledas,<br />

A asa ruflando inquieta, os meigos passarinhos<br />

Recolhiam­se à pressa, em busca dos seus ninhos!<br />

Repousavam, tremendo, os colibris doirados;<br />

Pipilavam febris no beiral dos telhados,<br />

Reunidas no lar caridoso e terno,<br />

Andorinhas gentis, tardígradas do inverno.<br />

As árvores senhoris, <strong>de</strong>spidas dos seus galhos,<br />

Como braços em cruz, sangrentos nos trabalhos,<br />

Elevavam­se ao céu silenciosas, mudas,<br />

Sentinelas da dor nas regiões <strong>de</strong>snudas;<br />

Chegavam aos ovis as ovelhinhas mansas;<br />

Os risos dos al<strong>de</strong>ões e as orações das crianças<br />

Casavam­se formando, em rimas soberanas,<br />

Os poemas <strong>de</strong> luz, que nascem das choupanas,<br />

Canções <strong>de</strong> oiro e <strong>de</strong> sol das almas virginais,<br />

Exalando, a sorrir, o aroma dos trigais;<br />

Almas puras, em flor, relicários da essência<br />

Da verda<strong>de</strong> e do amor, do amor e da Inocência,<br />

Almas feitas <strong>de</strong> luar, <strong>de</strong> cândida frescura,<br />

Vivendo a vida doce, imaculada e pura,<br />

De quem ama a existência plácida da al<strong>de</strong>ia,<br />

Cujo sonho é candura e a vida uma epopéia<br />

De louvores à dor, <strong>de</strong> exaltações, <strong>de</strong> prantos!...<br />

Caía a noite em paz, por entre os negros mantos<br />

De espessa escuridão. Sinistramente, a Lua<br />

Rolava na amplidão como cabeça nua,<br />

Como poça <strong>de</strong> sangue, horrendamente informe...<br />

O silêncio pesava impressionante e enorme!<br />

Nevava quase e a treva espessa e fria,<br />

Era bem a visão da mágoa e da invernia;<br />

Enchia­se o ar <strong>de</strong> gelo igual a açoite <strong>de</strong> aço,<br />

Que vibrasse, cortando, a imensidão do espaço.<br />

E eu pedia ao Criador da imensida<strong>de</strong> etérea,<br />

Que esten<strong>de</strong>sse o seu manto aos ombros da miséria,<br />

Que agasalhasse o pobre e que <strong>de</strong>sse ao mendigo<br />

Um frangalho <strong>de</strong> pão e um momento <strong>de</strong> abrigo;<br />

Que pusesse suas mãos benévolas e puras<br />

Sobre o abismo voraz <strong>de</strong> tantas amarguras;<br />

Que levasse o amor on<strong>de</strong> faltasse o lar,<br />

On<strong>de</strong> sobrasse a angústia, on<strong>de</strong> andasse o penar.


175 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Em mim, sentia a dor dos que não têm carinhos,<br />

Que se vão <strong>de</strong> longada ao longo dos caminhos,<br />

Sem temer a hedion<strong>de</strong>z das negras horas mortas,<br />

Pedindo a soluçar um caldo negro às portas!<br />

E sondava o amargor dos operários ru<strong>de</strong>s,<br />

Filhos da obediência, anhos <strong>de</strong> mansuetu<strong>de</strong>s,<br />

Que vão cedo ao trabalho, à li<strong>de</strong> que os consome,<br />

Deixando a casa entregue às penúrias da fome...<br />

Pesava toda a dor que o mundo inteiro cobre,<br />

O castelo real e a cabana do pobre,<br />

A dor que faz da Terra um ninho <strong>de</strong> infelizes,<br />

Que palpita nos reis, que anda nas meretrizes;<br />

A dor que dobra e vence as multidões ignaras,<br />

Que <strong>de</strong>rruba os casais e come o pão das searas,<br />

Quando vi resplen<strong>de</strong>r nas bandas do oci<strong>de</strong>nte<br />

Uma excelsa visão, que andava mansamente:<br />

Tinha nas mãos <strong>de</strong> luz ramalhetes <strong>de</strong> lírios<br />

E no olhar a expressão <strong>de</strong> todos os martírios:<br />

Digna como um juiz, fulgente como a luz<br />

Que dimana do amor divino <strong>de</strong> Jesus!<br />

Seu luminoso olhar, esplêndido e profundo,<br />

Era como a pieda<strong>de</strong> iluminando o mundo;<br />

Suas faces e a fronte, alvas como alabastros,<br />

Pareciam do alvor das estrias dos astros...<br />

Emitia esplendor sua túnica <strong>de</strong> arminhos,<br />

Dissolvendo os cendais das trevas dos caminhos!...<br />

Quem és tu — murmurei.<br />

— “Meu nome é Carida<strong>de</strong>,<br />

Emissária <strong>de</strong> Deus a toda a Humanida<strong>de</strong>:<br />

Pairo por sobre um ser resplan<strong>de</strong>cente e puro,<br />

Como pairo a sorrir por cima <strong>de</strong> um monturo;<br />

Desço das vastidões <strong>de</strong>ntro das horas mudas,<br />

Deixo Cristo na cruz para encontrar com Judas.<br />

Amo os bons e protejo as almas vis e hediondas,<br />

Ando por toda a terra, ando por sobre as ondas<br />

Do oceano a rugir sob meus pés <strong>de</strong> névoa,<br />

Para levar a luz, e com ansieda<strong>de</strong> levo­a<br />

A quem, nas aflições, chama­me em altos brados<br />

No turbilhão <strong>de</strong> horror <strong>de</strong> todos os pecados.<br />

Para mim, não existe a classe, a seita e as gentes;<br />

Abranjo em meu amor a alma dos continentes,<br />

Atravesso o oceano e atravesso os países,<br />

Vou on<strong>de</strong> haja a miséria e pranto <strong>de</strong> infelizes;<br />

Sou o farol da legião dos pobres sofredores,<br />

Levo sol, pão e luz, balsamizando as dores;


176 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Conduzo com avi<strong>de</strong>z o lúcido estandarte<br />

Do bem, que ampara a dor e vela os sonhos darte.<br />

Amo o labor da ciência e amo a existência honesta<br />

Do ingênuo lavrador, que, em vez do sono à sesta,<br />

Enche com o seu trabalho as lindas manhãs claras,<br />

E quando a tar<strong>de</strong> chega, engendra a paz das searas.<br />

Amo o trabalhador, como adoro as boninas<br />

Que se entreabrem na estrada, adornando as campinas;<br />

As rosas festivais das frescas alamedas,<br />

Que abarrotam <strong>de</strong> olor as primaveras ledas.<br />

Amo o goivo e o lilás, como amo o luto e a festa,<br />

Amo a fera bravia, e as aves da floresta;<br />

Guardo comigo a dor, as mágoas e esperanças,<br />

Idolatro os senis, como idolatro as crianças.<br />

Vivo fora do plano imundo da matéria,<br />

Confortando o amargor, consolando a miséria;<br />

É por isso, talvez, que, comovida, eu ouço<br />

Do palácio o carpir e os ais do calabouço;<br />

Visito os hospitais, creches e orfanatos,<br />

Sem toques <strong>de</strong> clarins e sem espalhafatos;<br />

Vou ao cárcere escuro, entro nos palacetes,<br />

Desço ao antro abismal e ascendo aos minaretes.<br />

Estou <strong>de</strong>ntro do templo e <strong>de</strong>ntro dos prostíbulos,<br />

Ao pé do altar da fé, no sopé dos patíbuLos;<br />

Oro em qualquer lugar, nas ermidas, nos montes,<br />

Subo da Terra ao Céu. Não conheço horizontes.<br />

Não conheço nações, corro do brejo aos sóis,<br />

Beijo um cadáver nu, como osculo os heróis.<br />

Nunca a lisonja fiz, nem recebo homenagens,<br />

Trato com o mesmo amor os cultos e os selvagens.<br />

Jamais pu<strong>de</strong> escolher entre Roma e Paris,<br />

Não me regem as leis que regem um país.<br />

Minha missão é amar. Amo o templo e amo a escola,<br />

Amo o bem que alivia, amo o bem que consola.”<br />

“Carida<strong>de</strong>! — tornei. — Por que volves ao mundo<br />

O mundo é o mesmo caos, o mesmo charco imundo.<br />

A Humanida<strong>de</strong> é a mesma, alma <strong>de</strong> fariseus,<br />

Que não te quer, nem quer o amor do próprio Deus!<br />

O homem não se mudou. E a tola socieda<strong>de</strong><br />

É o nojento paul da criminalida<strong>de</strong>,<br />

Lodo fenomenal <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrença e malícia.<br />

Vai! consulta as prisões e consulta a polícia.<br />

On<strong>de</strong> puseste a luz, on<strong>de</strong> fundaste a escola,<br />

O homem pôs o missal, as batinas e a estola.


177 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

On<strong>de</strong> foste ensinar cantigas às ceifeiras,<br />

O homem fez barregãs que se ven<strong>de</strong>m nas feiras!<br />

On<strong>de</strong> andaste a criar a cida<strong>de</strong> e os impérios,<br />

Ele fez podridões <strong>de</strong> imundos cemitérios;<br />

On<strong>de</strong> criaste o i<strong>de</strong>al e a inspiração divina,<br />

Fez a bomba explosiva, a forca e a guilhotina.<br />

A socieda<strong>de</strong> vil é quase a mesma Impéria,<br />

Rindo na podridão, transudando a miséria.<br />

Morre o bem, morre o amor, causa nojo a política,<br />

Ressumbra asco e pavor a velha sifilítica,<br />

Que brada sem cessar: — “Inda grita a canalha<br />

Abra­se­lhe a prisão, jogue­se­lhe a metralha.<br />

E se alguém reclamar, há canhões na Alemanha;<br />

Se o canhão não chegar, há mosteiros na Espanha,<br />

On<strong>de</strong> existe o grilhão <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> escuras celas,<br />

Celas que são prisões, cheias <strong>de</strong> sentinelas.<br />

E se o povo chorar, que se açoite esse povo!<br />

Alguém, que reclamar, pague um tributo novo.<br />

Mate­se a mocida<strong>de</strong>, asfixie­se a infância,<br />

Propague­se impieda<strong>de</strong>, espalhe­se ignorância,<br />

De nada serve o livro a um povo sempre cego.<br />

E se a fome vier, ponha­se a honra ao prego.<br />

Para que se não veja a ruína e os cemitérios,<br />

Se o estrangeiro chegar — Bailes nos ministérios!<br />

Músicas sobre a dor, flores sobre os lameiros,<br />

Girândolas ao ar, honras aos forasteiros!<br />

Cubram sedas a lepra, aromas os fedores,<br />

Fogo a quem mendigar! morte a quem tiver dores!..<br />

Ao raiar a manhã, toque­se para a missa,<br />

Que esta plebe é <strong>de</strong> cães, que esta plebe é submssa.<br />

E esse povo infeliz dorme pelas calçadas,<br />

Almoça e ceia o luar, morre sob pauladas —<br />

E à podre socieda<strong>de</strong> é igual a religião,<br />

Que encarcera o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong>ntro da Inquisição!<br />

Principalmente Roma, a esta nada escapa,<br />

Demonstrando o conflito entre Jesus e o Papa:<br />

Jesus amava a luz, o Papa o oiro vil,<br />

Jesus amava o pobre, o Papa a Rotschild!<br />

Que queres, Carida<strong>de</strong> o mundo é sempre assim,<br />

Sacrifica um Abel para aceitar Caim!”<br />

— “Antes <strong>de</strong> tudo, amigo, eu não sei, não discuto;<br />

Eu só quero saber on<strong>de</strong> há miséria e luto.<br />

Raciocina, poeta!<br />

A alma da carida<strong>de</strong><br />

Abomina o rumor que alimenta a vaida<strong>de</strong>;


178 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Para o seu labutar, toma vestes singelas;<br />

Para fazer o bem, corre o fecho às janelas.<br />

Não lê Anacreonte e ignora Petrarcas;<br />

Não reconhece a lei que emana dos monarcas.<br />

Nunca soube notar, nem sabe discernir<br />

Qual <strong>de</strong>les foi maior, se Goethe ou Shakespeare;<br />

Se houve o pincel <strong>de</strong> Goya e o buril <strong>de</strong> Bordalo,<br />

Se Calígula quis en<strong>de</strong>usar um cavalo;<br />

Se o nome <strong>de</strong> Mafoma é o mesmo que Maomet,<br />

Se houve no tempo antigo uma arca <strong>de</strong> Noé;<br />

Se a Patti cantou bem pelas festas mundanas,<br />

Se viveram maus reis, entre más soberanas;<br />

Não enten<strong>de</strong> Voltaire, nem más literaturas,<br />

Somente lhe interessa a sorte das criaturas.<br />

Nunca soube enxergar se há Lutero e Jesuítas,<br />

Sabe somente ver as dores infinitas.<br />

Não vai a Roma ver o Papa que se cobre<br />

De fulgentes milhões para humilhar o pobre.<br />

Não vai à Terra Santa em peregrinações,<br />

Jamais toma lugar para fazer sermões.<br />

Passa no mundo a pé, jamais anda <strong>de</strong> sege,<br />

Nem sabe distinguir entre um pária e Carnegie.<br />

Nunca aos concílios foi dar suas opiniões,<br />

Nunca reza em latim, nunca fez procissões.<br />

Jamais focalizou questões eleitorais,<br />

E não vai <strong>de</strong>sfolhar misérias nos jornais.<br />

Entra no lupanar, não lhe estorva a política,<br />

Não lhe po<strong>de</strong> abalar a opinião da crítica.<br />

Nunca viu povoléus, nem divisa a ralé,<br />

Nem problemas sociais, nem dogmas <strong>de</strong> fé!<br />

Rejeita a excomunhão, jamais amaldiçoa,<br />

Sabe somente que ama e também que perdoa.<br />

Sabe apenas que há pranto ao longo dos caminhos,<br />

Que falta o amor e o pão, água e calor nos ninhos.<br />

Corre, sem se cansar, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o nascer da aurora,<br />

Para buscar a dor da orfanda<strong>de</strong> que chora.<br />

Reconhece na, treva a fonte dos pecados<br />

E abraça com carinho os gran<strong>de</strong>s torturados.<br />

Sabe on<strong>de</strong> falta sol, on<strong>de</strong> escassa é a saú<strong>de</strong>,<br />

On<strong>de</strong> se mete a flor excelsa da, virtu<strong>de</strong>.<br />

Olha sem se anojar, mágoas, misérias, dor,<br />

Não conhece opinião, segue a Nosso Senhor!<br />

Anda no Novo Mundo, corre por toda a Europa,<br />

Mendigando uma luz e um bocado <strong>de</strong> sopa,<br />

Luz para <strong>de</strong>sfazer a baixeza <strong>de</strong> instintos,<br />

Sopa para matar a fome dos famintos.


179 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Foge da discussão, não está nas pelejas,<br />

Nem no ambiente hostil e estreito das igrejas.<br />

Sabe amar e querer flores e passarinhos,<br />

Os mendigos e os reis, os palácios e os ninhos!<br />

Tem abnegação. Sabe rasgar o peito,<br />

E escrever com seu sangue a Justiça e o Direito!<br />

Sabe o amor. Sabe o bem. A alma da, carida<strong>de</strong><br />

Sabe en<strong>de</strong>usar a luz e adorar a verda<strong>de</strong>.<br />

Vai a todo lugar, recôndito e diverso.<br />

Não existe num mundo. Existe no Universo.<br />

Poeta amigo, a<strong>de</strong>us! Há muito que me espera<br />

A imensidão da dor. Procuro a pomba e a fera.<br />

Tenho muito a prestar às ovelhas transviadas,<br />

Que ouvem as tentações do beiral das estradas.<br />

É preciso que eu vá visitar os covis,<br />

Amparar o chacal, as aves e os reptis;<br />

Necessário é que eu siga em minhas romarias,<br />

Procurando os pardais, melros e cotovias.<br />

Vou subir a colinas e <strong>de</strong>scer aos valados,<br />

Caçando o pranto e a dor dos pobres <strong>de</strong>sgraçados.<br />

Chama­me o sol redor, chama­me a orfanda<strong>de</strong>,<br />

Necessário é lhes leve a vida e a liberda<strong>de</strong>.<br />

Se tua alma quiser inda encontrar­me um dia,<br />

Desce ao antro sem paz, don<strong>de</strong> foge a alegria;<br />

Vai sem medo e receio à lôbrega mansarda,<br />

On<strong>de</strong> tarda a saú<strong>de</strong> e on<strong>de</strong> o conforto tarda.<br />

Vai às roças louçãs nas alvoradas claras...<br />

Estou com o lavrador na tarefa das searas,<br />

Como do seu farnel, tomo o arado e a charrua,<br />

Lá me ponho a lidar e <strong>de</strong> lá volto à rua,<br />

Para guiar os maus, para guiar felizes;<br />

Minha missão é amar os vermos e os países!...”<br />

Muito tempo passara e a noite inda era escura.<br />

Noite <strong>de</strong> neve atroz, noite <strong>de</strong> <strong>de</strong>sventura!<br />

Foi­se a linda visão, dissipando as neblinas,<br />

Repartindo o seu pão <strong>de</strong> carícias divinas.<br />

Tudo voltou à paz silenciosa e calma!...<br />

O inverno e o pesar; e aos olhos da minhalma,<br />

O mundo famulento, a Terra, parecia<br />

O planeta da sombra e a mansão da agonia!


180 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

ROMARIA<br />

(Passeio matinal)<br />

(Fim da poesia inserta em Poesias Dispersas)<br />

Não sabeis, não sabeis, filhas que adoro tanto,<br />

Calcular a extensão <strong>de</strong> tantas amarguras,<br />

Existências em flor, fustigadas <strong>de</strong> pranto,<br />

Lírios no lamaçal das gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sventuras...<br />

Almas na escuridão da noite sem aurora,<br />

Corpos <strong>de</strong> podridão, urnas <strong>de</strong> lama e pus,<br />

Anjos açucenais que a miséria <strong>de</strong>vora,<br />

Pobrezitos sem pão, esquálidos e nus.<br />

No entanto, há aroma e luz na beira dos caminhos,<br />

Cantos <strong>de</strong> rouxinóis, árvores, fruto e flor,<br />

Harmonias sutis, que se evolam dos ninhos<br />

Dourados pelo sol dalvorada do amor!<br />

Mocida<strong>de</strong> no abril resplan<strong>de</strong>cente e loiro<br />

De noivado e canção das almas virginais;<br />

Entoando a sorrir mil ditirambos <strong>de</strong> oiro,<br />

Como as aves gracis em vôos nos trigais.<br />

A alegria taful das manhãs harmoniosas<br />

Em que maio <strong>de</strong>sfolha os cravos e os jasmins,<br />

Espargindo dos céus as glicínias formosas,<br />

Na esmeraldina cor do colo dos jardins!<br />

E Deus que fez o Sol e a candura das crianças,<br />

Fez também o soluço e a lágrima dorida,<br />

E se fez a bonda<strong>de</strong> envolta <strong>de</strong> esperanças,<br />

Criou a dor clareando a escuridão da vida.<br />

Há risos e esplendor e há prantos, filhas minhas,<br />

Porque o pranto é que lava as manchas e os negrumes<br />

De almas torvas e vis, misérrimas, mesquinhas,<br />

Transformando­as em luz e em vasos <strong>de</strong> perfumes!...<br />

A lágrima da dor é estrela que transluz,<br />

Um coração que sofre é chama que se eleva<br />

Da túrbida hedion<strong>de</strong>z dos pantanais da treva,<br />

As regiões da glória intérmina da luz.<br />

Sobre o escuro, porém, das lepras mal cheirosas,<br />

Paira o clarão do amor, edênico e sem par,<br />

Que liga o verme ao mar, que une a pomba às rosas,<br />

Que o grão <strong>de</strong> areia une ao roble secular.


181 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

O amor que fraterniza, o amor que dá saú<strong>de</strong>,<br />

Que irmana a fera e a rosa, as aves e os chacais,<br />

Que faz da Carida<strong>de</strong> a flama da Virtu<strong>de</strong>,<br />

Que sublime conduz aos planos celestiais.<br />

Filhas que Deus me <strong>de</strong>u, vin<strong>de</strong> alegres, comigo,<br />

Vin<strong>de</strong> comigo ver a dor dos <strong>de</strong>sgraçados<br />

Que chorando se vão, sem pátria e sem abrigo,<br />

Cheios <strong>de</strong> sânie e pus, com os corpos cancerados.<br />

Aproveitemos, pois, esta hora calma e mansa,<br />

Em que há músicas no ar e olores nas estradas,<br />

Hora em que a Terra acorda em haustos <strong>de</strong> esperança,<br />

Ébria <strong>de</strong> aroma e luz das flores orvalhadas.<br />

Saúdam o alvorecer as vozes das ovelhas,<br />

Perpassam colibris, chilreia a passarada,<br />

Zumbem sofregamente as trêfegas abelhas,<br />

Compondo o hino <strong>de</strong> sol <strong>de</strong> esplêndida alvorada!<br />

Partamos nós, também, por este mundo afora,<br />

Nutrindo o coração na fonte da esperança,<br />

Dando consolo à dor, à treva a luz da aurora,<br />

A paz à guerra e à luta os lírios da bonança.<br />

Conduzamos conosco a luz da Carida<strong>de</strong>,<br />

Oferecendo o Bem aos pobres pequeninos,<br />

Ofertando com amor a toda a Humanida<strong>de</strong><br />

Esse pão divinal que é dos trigais divinos.<br />

Espalhemos a Fé, a Carida<strong>de</strong> e a Crença,<br />

Tenhamos a nossalma em <strong>de</strong>lubros <strong>de</strong> luz,<br />

E acharemos no fim da romaria imensa,<br />

O sol primaveril da graça <strong>de</strong> Jesus!


182 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

ETERNA VÍTIMA<br />

Na silenciosa paz do cimo do Calvário<br />

Ainda se vê na cruz o Cristo solitário.<br />

Vinte séculos <strong>de</strong> dor, <strong>de</strong> pranto e <strong>de</strong> agonia,<br />

Represam­se no olhar do Filho <strong>de</strong> Maria.<br />

Abandonado e só na ari<strong>de</strong>z da colina<br />

Sofre infindo martírio a vítima divina;<br />

Açoitado, traído e calmo, silencioso,<br />

Da Terra ao Céu espraia o seu olhar piedoso.<br />

Dois mil anos <strong>de</strong> dor, e os seus cruéis algozes<br />

Passaram sem cessar como chacais ferozes.<br />

Caravanas <strong>de</strong> reis nos tronos passageiros,<br />

Exaltados na voz das trompas dos guerreiros;<br />

Os lendários heróis no dorso dos corcéis,<br />

Inscrevendo com fogo as máximas das leis.<br />

Cavalheiros gentis, valentes brasonados,<br />

Nobres <strong>de</strong> sangue azul nos seus mantos dourados.<br />

Viram­no seminu, na cruz, ensanguentado,<br />

E puseram­se a rir do louco supliciado!<br />

O Cristo continuou, humil<strong>de</strong> e silencioso,<br />

Espraiando na Terra o seu olhar piedoso.<br />

Sábios do tempo antigo abrindo os livros santos<br />

Olharam­no também, partindo como tantos.<br />

Artistas e histriões, poetas e trovadores,<br />

Castelãs juvenis, turbas <strong>de</strong> gozadores<br />

Inda vieram; <strong>de</strong>pois, aqueles que em seu nome<br />

Espalharam a treva, o pranto, a guerra e a fome.<br />

Desolação e horror, mataram­se os irmãos,<br />

Lobos, tigres, chacais, na capa dos cristãos.<br />

Contemplaram Jesus no cume da colina,<br />

Multiplicando a guerra, as lutas e a chacina.


183 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

O Mestre prosseguiu, sublime e silencioso,<br />

Espraiando na Terra o seu olhar piedoso.<br />

E na época atual a caravana estranha<br />

Estaca no sopé da árida montanha;<br />

Mas os soberbos reis e césares antigos,<br />

Hoje mais nada são que míseros mendigos;<br />

Os nobres doutro tempo, agora transformados<br />

Nos párias do amargor, nos gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sgraçados,<br />

Agora vêem, sim, no topo do Calvário,<br />

O sacrifício e a dor do eterno visionário,<br />

Bradando com furor: — “Socorre­nos Jesus!<br />

Que possamos vencer a dor em nossa cruz.<br />

Sorvendo o amaro fel nas dores da aflição,<br />

Temos fome <strong>de</strong> paz e se<strong>de</strong> <strong>de</strong> perdão!”<br />

E o Mestre da bonda<strong>de</strong>, o anjo da virtu<strong>de</strong>,<br />

Esten<strong>de</strong> o seu perdão cheio <strong>de</strong> mansuetu<strong>de</strong>.<br />

E do cimo da cruz, calmo e silencioso,<br />

Consola a multidão com o seu olhar piedoso.<br />

A UM PADRE<br />

(Versos a um agressor do Espiritismo)<br />

Ó padre lutador, procurai santamente<br />

Apregoar ao mundo herético e <strong>de</strong>scrente<br />

Os dogmas ancestrais da vossa velha Igreja!<br />

A árvore do progresso, esplêndida, viceja.<br />

A Ciência caminha a passos <strong>de</strong> gigante<br />

Para se unir à Fé, operosa e triunfante.<br />

É preciso instalar a Inquisição <strong>de</strong> novo,<br />

Contendo a aspiração indômita do povo,<br />

De saber a verda<strong>de</strong> acerca do Destino.<br />

Proclamai, proclamai o dogma divino!<br />

Fazei bulas, torcei as leis, trazei Loiolas,<br />

Ensinai catecismo em todas as escolas;<br />

Pon<strong>de</strong> sobre a esperança o inferno que flameja,


184 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Cheio <strong>de</strong> excomunhões e <strong>de</strong> mastins da Igreja!<br />

Ensinai que Deus é o bramânico satrapa<br />

Que enviou para o mundo os bergantins do papa,<br />

Afirmai que um sacrista é um ministro do Eterno.<br />

Comei Jesus no pão refogado em falerno;<br />

Formai sob a batina as gerações vindoiras,<br />

Tomai em vossas mãos das crísticas tesoiras,<br />

Cortai a asa <strong>de</strong> luz <strong>de</strong> toda liberda<strong>de</strong>,<br />

Afogai na <strong>de</strong>scrença a pobre Humanida<strong>de</strong>,<br />

Multiplicai no mundo as vossas benzeduras,<br />

Multiplicai na Igreja os ritos e as tonsuras!<br />

Teologicamente, anatematizai<br />

Todo aquele que em Deus sentir o amor <strong>de</strong> um Pai,<br />

Pon<strong>de</strong> em cada recanto um novo Torquemada,<br />

E um trapo <strong>de</strong> batina ao pé <strong>de</strong> cada estrada;<br />

Fazei autos­<strong>de</strong>­fé, pregai probabilismos<br />

Dentro das liações e dos anacronismos,<br />

En<strong>de</strong>usai sobre o trono a fortuna dos Cresos,<br />

Esquecei sobre a lama os pobres in<strong>de</strong>fesos.<br />

Transformai todo templo em balcão <strong>de</strong> bentinhos,<br />

Com representações em todos os caminhos;<br />

Interpretai Jesus no prisma do interesse,<br />

Traficai com o altar, ven<strong>de</strong>i o ensino e a prece,<br />

Anatematizai todas as heresias;<br />

Aprovai, aplaudi as gran<strong>de</strong>s simonias,<br />

Porque, em verda<strong>de</strong>, são como crimes sagrados<br />

E a. estola <strong>de</strong> um sacrista é isenta <strong>de</strong> pecados.<br />

Incensai Harpagões, absolvei magnatas,<br />

Entre encomendações, discursos, sermonatas;<br />

Lembrai a Inquisição e a história do papado,<br />

Reten<strong>de</strong> na memória os erros do passado.<br />

Le<strong>de</strong> com <strong>de</strong>sassombro o intrépido Barônio,<br />

Sem o medo pueril do inferno e do <strong>de</strong>mônio,<br />

E vin<strong>de</strong> proclamar ao mundo fariseu<br />

Que somente na Igreja há sendas para o Céu;<br />

Só a Igreja possui a santa autorida<strong>de</strong>,<br />

Dentro das presunções da infalibilida<strong>de</strong>.<br />

Sobre o luxo gritai no púlpito florido,<br />

Gritai que o mundo está perverso e corrompido.<br />

Escrevei com furor contra as guerras tigrinas,<br />

A abençoar fuzis, metralhas, carabinas,<br />

A discórdia infundi! Nutri regionalismos,<br />

Incentivai com ardor os rubros fanatismos.


185 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Se pu<strong>de</strong>r<strong>de</strong>s, irmão, arma! nova fogueira<br />

A quem asseverar que o Papado é uma feira<br />

On<strong>de</strong> Deus é um cifrão e on<strong>de</strong> se negocia<br />

A bênção <strong>de</strong> Jesus, e a bênção <strong>de</strong> Maria;<br />

On<strong>de</strong> a verda<strong>de</strong> está sob as cavilações<br />

Dos círculos hostis <strong>de</strong> torpes convenções!<br />

Praticai e afirmai ainda mais do que isto.<br />

Ten<strong>de</strong>s a autorida<strong>de</strong> e a mansidão do Cristo...<br />

Mas, ouvi minha voz impávida e serena!...<br />

Fazendo­vos ouvir, tomando a vossa pena,<br />

Jamais vos esqueçais <strong>de</strong> que a verda<strong>de</strong> é <strong>de</strong> ouro.<br />

Afastarmo­nos <strong>de</strong>la. é andar no sorvedouro<br />

Da calúnia que fere o coração mais ru<strong>de</strong>,<br />

Da mentira que, enfim, não alcança a virtu<strong>de</strong>,<br />

Que traz, porém, consigo o vírus que envenena!<br />

Quem perpetra a inverda<strong>de</strong> a si mesmo con<strong>de</strong>na.<br />

A luta da verda<strong>de</strong>, a luta das i<strong>de</strong>ias,<br />

É feita nos clarões das gran<strong>de</strong>s epopéias,<br />

Abrindo o coração ao nobre sacrifício;<br />

Cada gesto leal é sublime interstício<br />

Por on<strong>de</strong> a Luz penetra em jorros cristalinos,<br />

Clareando o porvir ignoto dos <strong>de</strong>stinos.<br />

Criar uma ficção e excomungar <strong>de</strong> oitiva,<br />

É próprio das paixões e próprio da inventiva.<br />

Nunca vos entregueis a tanto <strong>de</strong>spautério,<br />

Jamais enxovalheis o vosso ministério.<br />

Acostumai­vos, pois, ao sol que tudo aclara;<br />

Deixai a insensatez dos clérigos, da tiara,<br />

Abandonai a treva e vin<strong>de</strong> para a luz!<br />

Apren<strong>de</strong>i muito mais do exemplo <strong>de</strong> Jesus.<br />

Olvidai convenções, congregações, papado,<br />

Que a Verda<strong>de</strong> jamais se ven<strong>de</strong> no mercado.


186 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

“UM QUADRO DA QUARESMA”<br />

Entre lamentações e estrídulas matracas,<br />

Num cenário infantil, feito <strong>de</strong> gesso e lacas,<br />

Representa­se a peça antiga da quaresma...<br />

O pobre Senhor­Morto, um pálido abantesma,<br />

Talhado <strong>de</strong> encomenda, em tinta espessa e forte,<br />

Dorme grotescamente o sono <strong>de</strong>ssa morte<br />

De teatro burlesco, anual, que se repete,<br />

Como as gran<strong>de</strong>s funções do entrudo e do confete.<br />

Imóvel, sob a luz esdrúxula das tochas<br />

Que ilumina esse caos <strong>de</strong> tintas rubro­roxas,<br />

É o ator da paixão, a vítima e comparsa<br />

Do Papa, o explorador santíssimo da farsa,<br />

Paródia <strong>de</strong> uma dor sublime e incomparável,<br />

Filha da estupi<strong>de</strong>z bisonha e con<strong>de</strong>nável,<br />

Que a Igreja representa, arrecadando esmolas,<br />

Com latim, cantochãos, ban<strong>de</strong>iras e sacolas.<br />

A função quaresmal prossegue. A multidão<br />

Espera com ansieda<strong>de</strong> o clássico sermão.<br />

Numa fantasmagoria esplêndida <strong>de</strong> aroma<br />

Dos Incensos do altar, sobre o púlpito assoma<br />

Uma figura heril <strong>de</strong> aba<strong>de</strong> gordo e enorme,<br />

Coquelin tonsurado, obeso, <strong>de</strong>sconforme,<br />

Que grita com estentor:<br />

“Caríssimos Irmãos!<br />

Nós somos sobre a Terra os únicos cristãos.<br />

Fora das concepções altíssimas da Igreja,<br />

Existe tão­somente o Inferno que <strong>de</strong>speja<br />

O mal e as tentações no espírito perdido;<br />

Rezai! que atualmente o mundo pervertido<br />

Preten<strong>de</strong> esfacelar os dogmas romanos,<br />

Sentinelas da fé, há quase dois mil anos!<br />

Não busqueis progredir nas coisas transcen<strong>de</strong>ntes,<br />

Porque o Papa é senhor <strong>de</strong> céus e continentes<br />

E o Sílabus proíbe a evolução <strong>de</strong> tudo!<br />

Eu só vos peço a fé, porquanto a fé é o escudo<br />

Que vos há <strong>de</strong> livrar dos gênios tentadores.<br />

Evitai conviver com os livres pensadores!<br />

A análise conduz à escuridão do Averno,<br />

Voltaire e Galileu são ministros do Inferno,


187 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Calvino, Comte, Wesley, seus embaixadores;<br />

Das chamas infernais, criaturas inferiores<br />

Dirigem, certamente, o espírito mo<strong>de</strong>rno.<br />

Precisais cultivar o nosso dogma eterno,<br />

De eterna submissão ao Papa que é infalível.<br />

Toda or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Roma é boa e indiscutível.<br />

É preciso antepor, a toda a Humanida<strong>de</strong>,<br />

Sentimentos <strong>de</strong> fé e catolicida<strong>de</strong>.<br />

Necessário se faz pren<strong>de</strong>r quem raciocine.<br />

Reformistas quaisquer... Satanás que os fulmine<br />

A falta <strong>de</strong> fervor tem feito heresiarcas,<br />

Tem até corrompido os padres e os monarcas.<br />

Obe<strong>de</strong>cei à Igreja em sua Santida<strong>de</strong>,<br />

Que é o traço <strong>de</strong> união do arcano da Trinda<strong>de</strong>.<br />

O dogma é uma lei benigna e sublime,<br />

Sofismá­lo, enformá­lo, é cometer um crime.<br />

A Humanida<strong>de</strong> está sob o império do <strong>de</strong>mo;<br />

Oremos pelo mundo em <strong>de</strong>sconforto extremo.<br />

Vivei, caros irmãos, em santa penitência;<br />

As mortificações recebem da indulgência<br />

Os prêmios celestiais na Eterna Beatitu<strong>de</strong>.<br />

Se<strong>de</strong> firmes na fé, contentes na virtu<strong>de</strong>,<br />

Amando a carida<strong>de</strong>, a humil<strong>de</strong> singeleza,<br />

Como Jesus amou a glória da pobreza!”<br />

Con<strong>de</strong>nando a Ciência, a Luz, a Liberda<strong>de</strong>,<br />

E abominando o Cristo, o Senhor que ele esquece,<br />

Terminou a oração, rogando que se <strong>de</strong>sse<br />

Uma estola ao Progresso e um véu à Humanida<strong>de</strong>.<br />

Com um aceno abençoou, segundo o gesto em uso,<br />

Resmungando um latim exótico e confuso;<br />

E <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> exercer seu santo ministério,<br />

Procurou lestamente o calmo presbitério.<br />

Aguardava­o o jantar <strong>de</strong> finas iguarias:<br />

Pratos <strong>de</strong> ostentação, recheios, ambrosias,<br />

Licores, moscatéis, confeitos, doces raros,<br />

Opíparo jantar regado a vinhos caros.


188 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

E após se abastecer pantagruelicamente,<br />

Em paz sacramental, seu cérebro indolente<br />

Desejou meditar nas cenas do Calvário...<br />

Mas o sono roubou­lhe as preces e o breviário.<br />

Terminada que foi a sacra pantomima,<br />

Esquecido Jesus, olvidou­lhe a doutrina.<br />

Sereno, adormeceu sem pensar que pusera<br />

Em cada coração um coração <strong>de</strong> fera,<br />

Com o seu rubro sermão, cavando um negro abismo,<br />

Propagando a cegueira, a guerra e o fanatismo.<br />

Olvidou o que Jesus obrara com o exemplo,<br />

Dos atos a lição, da carida<strong>de</strong> o templo,<br />

Sem artigos <strong>de</strong> fé, sem bispo e vaticano.<br />

Não se lembrou que houvera o bom samaritano,<br />

Porque a verda<strong>de</strong> pura, o lídimo Evangelho,<br />

Era um livro escurril, ina<strong>de</strong>quado e velho.<br />

Da doutrina cristã, a sacrossanta essência<br />

Ficou em pregação <strong>de</strong> mágica eloquência.<br />

Jesus apenas fora a máscara piedosa,<br />

Para tanta extorsão impune e criminosa.<br />

Por isso, ó meus irmãos do altar e da batina,<br />

A Igreja que foi pura e que já foi divina,<br />

Morre sem remissão <strong>de</strong> horrível carcinoma,<br />

Nos pântanos letais e lúgubres <strong>de</strong> Roma,<br />

Lá on<strong>de</strong> a cupi<strong>de</strong>z fatídica se entrapa<br />

E morre às próprias mãos sacrílegas do Papa!


189 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

32<br />

GUSTAVO TEIXEIRA<br />

A São Pedro <strong>de</strong> Piracicaba<br />

PAULISTA, nascido na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Pedro, em março <strong>de</strong> 1881. Escreveu<br />

Ementário, Poemas Líricos, Último Evangelho e outras obras assaz estimadas,<br />

falecendo em 1937.<br />

A SÃO PEDRO DE PIRACICABA<br />

Último instante, <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira imagem<br />

Nas procissões da sombra em longas filas...<br />

Era a morte, cerrando­me as pupilas<br />

No doloroso termo da romagem.<br />

Graças a Deus, a crença era meu pajem<br />

E buscando­lhe, ansioso, as mãos tranquilas,<br />

Chorei <strong>de</strong> gratidão ao pressenti­las,<br />

Conduzindo­me à luz doutra paisagem.<br />

Ó terra <strong>de</strong> São Pedro, que amo tanto,<br />

Com que angústias te vi, banhado em pranto,<br />

Nos supremos e tristes estertores!...<br />

Trabalha e espera sob os céus risonhos,<br />

Que a morte é vida para os nossos sonhos,<br />

E paraíso para as nossas dores.


190 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

33<br />

HERMES FONTES<br />

Soneto ­ Minha vida ­ Poema da amargura e da esperança<br />

SERGIPANO, nasceu na Vila <strong>de</strong> Boquim, em 1888, e suicidou­se no Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro aos 26 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1930. Poeta <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> relevo emocional, <strong>de</strong>ixou<br />

firmada sua personalida<strong>de</strong> literária, tendo publicado Apoteoses, Gênese, Lâmpada<br />

Velada e Fonte da Mata, seu último livro.<br />

SONETO<br />

Sou, o lavrador que fez, ru<strong>de</strong> e bisonho,<br />

A sementeira luminosa e rara<br />

Do trigo louro e rútilo do sonho...<br />

— Sonho lindo que a nada se compara.<br />

Não reparou o labor triste e enfadonho,<br />

Regou, chorando, a terra que lavrara;<br />

E <strong>de</strong> alma ingênua e coração risonho,<br />

Esperou confiante o sol da seara.<br />

Passados os trabalhos e os tormentos,<br />

Quando aguardava a messe, jubiloso,<br />

Numa gran<strong>de</strong> esperança insatisfeita,<br />

Eis que aparecem os arrasamentos,<br />

E o pobre, <strong>de</strong>sgraçado e <strong>de</strong>sditoso,<br />

Per<strong>de</strong>u tudo no instante da colheita.


191 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

MINHA VIDA<br />

Não pu<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r o meu <strong>de</strong>stino<br />

Na amargura invencível do passado,<br />

Que amortalhou meu sonho peregrino<br />

Nas trevas <strong>de</strong> um martírio irrevelado.<br />

Do sofrimento fiz o apostolado,<br />

Como fizera <strong>de</strong> minha arte um hino,<br />

Procurando o país in<strong>de</strong>vassado<br />

Do i<strong>de</strong>al luminoso <strong>de</strong> Aladino.<br />

E fui <strong>de</strong> vale em vale, serra em serra,<br />

Buscando a imagem fúlgida, incorpórea,<br />

Do que chamamos — a felicida<strong>de</strong>.<br />

Mas só colhi os frutos maus da Terra,<br />

As promessas pueris da falsa glória,<br />

E o triste engano da celebrida<strong>de</strong>.<br />

POEMA DA AMARGURA E DA ESPERANÇA<br />

Falar­vos <strong>de</strong> martírios e tormentos,<br />

É perpetrar amargas redundâncias,<br />

Redizer minhas mágoas, minhas ânsias,<br />

Renovar minhas síncopes <strong>de</strong> dor...<br />

Não sorvo mais os tóxicos violentos<br />

Do <strong>de</strong>sespero e da melancolia,<br />

Após a <strong>de</strong>rrocada<br />

Das construções <strong>de</strong> um sonho superior.<br />

Tudo outrora, Senhor,<br />

Na minha pobre vida abandonada,<br />

Era o tédio cruel que me impedia<br />

De vislumbrar a clarida<strong>de</strong> intensa<br />

Da luz do sol puríssimo da crença,<br />

Tudo em volta <strong>de</strong> mim era a cegueira.<br />

Que torturou a minha vida inteira,<br />

Que me seguiu o espírito ambicioso!


192 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

A carne é pobre e é cheia <strong>de</strong> fraqueza,<br />

Simbolizando o ciclo tenebroso<br />

Das sínteses <strong>de</strong> dor da Natureza.<br />

E a carne subjugou­me inteiramente,<br />

Fez­me fraco e <strong>de</strong>scrente,<br />

E transformou a minha mocida<strong>de</strong><br />

Num montéo <strong>de</strong> ambições, <strong>de</strong> fama e glória,<br />

Adormeceu­me aos cantos da vaida<strong>de</strong><br />

E me afastou da estrada meritória<br />

Da crença e da bonda<strong>de</strong>...<br />

Misericordiosíssimo Senhor!<br />

De tortura em tortura amargurado,<br />

O meu frágil espírito inferior<br />

Viu­se presa <strong>de</strong> trevas, no passado,<br />

E a <strong>de</strong>sgraça suprema o amortalhou.<br />

Tudo sofri, <strong>de</strong> dor e <strong>de</strong> miséria,<br />

Mas a tua bonda<strong>de</strong> me levou<br />

A esquecer a influência <strong>de</strong>letéria<br />

Da carne passageira...<br />

Rompeste a minha venda <strong>de</strong> cegueira<br />

E divisei o excelso panorama<br />

Do Universo infinito, que Te aclama<br />

Como a fonte do amor ilimitado!<br />

Relevaste, meu Deus, o meu pecado<br />

E pu<strong>de</strong> ouvir as harmonias puras<br />

Que equilibram os mundos nas alturas!...<br />

Cheio <strong>de</strong> amaridúlcida ansieda<strong>de</strong>,<br />

A esperança o espírito me inva<strong>de</strong><br />

Aguardando das lágrimas futuras<br />

A minha re<strong>de</strong>nção...<br />

Que a confiança, pois, em Ti me anime,<br />

Que no porvir a dor bela e sublime<br />

Jorre em minhalma a luz da perfeição.


193 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

34<br />

IGNÁCIO JOSÉ DE ALVARENGA<br />

PEIXOTO<br />

Redivivo<br />

IGNÁCIO José <strong>de</strong> Alvarenga Peixoto, um dos malogrados poetas da<br />

Conjuração Mineira”, ao qual foi imposta a pena <strong>de</strong> <strong>de</strong>gredo perpétuo na África,<br />

on<strong>de</strong> veio a falecer em 1793, “minado pela nostalgia”.<br />

REDIVIVO<br />

Divina lira,<br />

Musa que inspira<br />

Meu coração<br />

A relembrar...<br />

Celebra, amena,<br />

A vida plena,<br />

A paz sublime,<br />

A luz sem par.<br />

Volta, <strong>de</strong> novo<br />

Ao gran<strong>de</strong> povo<br />

Que não me canso<br />

De estremecer;<br />

Revela, ainda,<br />

A Pátria linda<br />

Que faz vibrar<br />

Todo o meu ser.<br />

Exalça agora<br />

A nova aurora<br />

Que brilha cheia<br />

De amor cristão.<br />

O mundo em prova<br />

Que se renova<br />

Espera o dia<br />

De re<strong>de</strong>nção.


194 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Une­te ao canto<br />

Formoso e santo<br />

Que flui soberbo,<br />

Sepulcro além...<br />

Lira divina,<br />

Louva a doutrina<br />

Da liberda<strong>de</strong><br />

No eterno bem.<br />

Dize a gran<strong>de</strong>za<br />

Da glória acesa<br />

Na vida excelsa<br />

Que a dor produz,<br />

Proclama à Terra<br />

Que além da guerra<br />

E além da noite<br />

Floresce a luz.<br />

Não mais procures,<br />

Chorando alhures,<br />

Enfraquecer­te<br />

Nas lutas mil.<br />

Canta somente,<br />

Ditosa e crente,<br />

A nova era<br />

Do meu Brasil.


195 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

35<br />

JESUS GONÇALVES<br />

Anjo <strong>de</strong> re<strong>de</strong>nção<br />

JESUS Gonçalves nasceu em 12 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1902, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Borebi,<br />

Estado <strong>de</strong> São Paulo. Surgindo­lhe os sintomas do Mal <strong>de</strong> Hansen, em 1930,<br />

internou­se num hospital, dai se transferindo para o Asilo Colônia <strong>de</strong> Pirapitingui,<br />

on<strong>de</strong> <strong>de</strong>sencarnou, em 16 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1947, e on<strong>de</strong> dirigia um Centro Espírita.<br />

ANJO DE REDENÇÃO<br />

Do Céu <strong>de</strong>sceste resplen<strong>de</strong>nte e puro<br />

E no santo mistério em que te apagas<br />

Vestiste­me o burel <strong>de</strong> sânie e chagas<br />

E algemaste­me a lenho estranho e duro.<br />

Nume solar pairando no monturo,<br />

Terno, escon<strong>de</strong>ndo as flores com que afagas,<br />

Ouviste­me, em silêncio, o choro e as pragas,<br />

Doce e invisível no caminho escuro!...<br />

Mas, da cruz <strong>de</strong> feridas que me <strong>de</strong>ste,<br />

Libertaste meu ser à Luz Celeste,<br />

On<strong>de</strong>, sublime e fúlgido, flamejas!<br />

E agora brado, enfim, <strong>de</strong> alma robusta:<br />

— Deus te abençoe, ó Dor piedosa e justa,<br />

Anjo da re<strong>de</strong>nção! bendito sejas!...


196 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

36<br />

JOÃO DE DEUS<br />

As lágrimas ­ O Céu – Morrer ­ O mau discípulo – Na estrada <strong>de</strong><br />

Damasco ­ <strong>Parnaso</strong> <strong>de</strong> Além­Túmulo ­ Angústia materna ­<br />

Lamentos do órfão ­ O leproso – Bonda<strong>de</strong> – Oração ­ A Fortuna –<br />

Oração – Além – Soneto ­ A Prece – Fraternida<strong>de</strong> – Lembrai a<br />

chama ­ Eterna mensagem ­ No Templo da Educação ­ Na noite <strong>de</strong><br />

Natal<br />

NASCIDO em São Bartolomeu <strong>de</strong> Messines, Portugal, em 1830, e<br />

<strong>de</strong>sencarnado em 1896, afirmou­se um dos maiores líricos da língua portuguesa. É<br />

tão bem conhecido no Brasil quanto em seu belo país. Nestas poesias palpita, <strong>de</strong><br />

modo inconfundível, a suavida<strong>de</strong> e o ritmo da sua lira.<br />

AS LÁGRIMAS<br />

Desci um dia<br />

Ao sorvedouro<br />

Da atra agonia<br />

Da Humanida<strong>de</strong>,<br />

A procurar,<br />

A perscrutar<br />

Qual a verda<strong>de</strong>,<br />

Qual o tesouro<br />

O mais profundo,<br />

Que neste mundo<br />

O homem pren<strong>de</strong>sse<br />

E o retivesse.<br />

E vi, então,<br />

No coração<br />

Da criatura,<br />

Só a ilusão<br />

Duma ventura.<br />

E vi senhores<br />

Que dominavam<br />

E se orgulhavam<br />

Do seu po<strong>de</strong>r,


197 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Sempre a abater<br />

Os <strong>de</strong>sgraçados.<br />

Os potentados<br />

Com seus valores<br />

Bem se julgavam<br />

Onipotentes,<br />

Heróis valentes<br />

Cá nesta vida...<br />

Depois, porém,<br />

Reconheceram<br />

E viram bem<br />

Nesta existência<br />

Toda a impotência<br />

Do <strong>de</strong>us­milhão,<br />

Perante a mão<br />

Da fria dor,<br />

Que lhes domava<br />

E lhes dobrava<br />

O torpe egoísmo.<br />

Busquei os lares,<br />

Ricos solares<br />

Dos protegidos,<br />

On<strong>de</strong> o conforto<br />

Para a matéria<br />

Anda em contraste<br />

Com atroz miséria<br />

Dos <strong>de</strong>svalidos.<br />

E ainda aí<br />

Não pu<strong>de</strong> achar<br />

O que eu ali<br />

Fui procurar.<br />

Eu vi mulheres<br />

Nos seus prazeres,<br />

Jovens e belas,<br />

Alvas estrelas<br />

De formosura,<br />

Rindo e cantando<br />

Dentro da noite<br />

Da <strong>de</strong>sventura.<br />

Pobres donzelas,<br />

Fanadas flores...<br />

Luz sem fulgores,


198 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Que, miseráveis<br />

Párias da vida,<br />

Deixam o teto<br />

Do seu afeto<br />

Maior, supremo,<br />

Insuperável.<br />

Somente encontram<br />

Dores que afrontam,<br />

Mágoa insanável,<br />

Incompreendida!<br />

E penetrei<br />

Pelos castelos<br />

Dourados, belos,<br />

Das diversões,<br />

On<strong>de</strong> se aninha<br />

E se amesquinha<br />

A multidão<br />

Que busca rir,<br />

Gozar, sorrir,<br />

A ver se esquece<br />

O que pa<strong>de</strong>ce,<br />

Julgando crer<br />

Que está a ver<br />

O paraíso.<br />

Mas este riso,<br />

Ao som da festa,<br />

À meia luz,<br />

É o que produz<br />

Todo o amargor,<br />

A maior dor,<br />

Pois eu ali<br />

Tristonho vi<br />

O que em verda<strong>de</strong><br />

É a socieda<strong>de</strong>;<br />

Só pensamentos<br />

Das impurezas,<br />

Só sentimentos<br />

Que trazem presas,<br />

Aniquiladas,<br />

E esmagadas,<br />

Ensan<strong>de</strong>cidas<br />

As criaturas<br />

Outrora puras,


199 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Belas outrora,<br />

No entanto agora<br />

Flores perdidas,<br />

Almas impuras,<br />

Desiludidas!<br />

Nesse recinto<br />

Eu vi, então,<br />

A traição,<br />

A iniquida<strong>de</strong>,<br />

A grosseria,<br />

Toda a malda<strong>de</strong><br />

Da hipocrisia;<br />

E tudo, enfim,<br />

Tristonho assim,<br />

Dissimulado,<br />

Falsificado<br />

No fingimento<br />

Que aparecia<br />

No barulhento<br />

Rumor <strong>de</strong> vozes,<br />

Notas atrozes,<br />

De uma alegria<br />

Jamais sentida,<br />

Desconhecida<br />

Naquele meio.<br />

Eu contemplei­o<br />

Cheio <strong>de</strong> horror<br />

E vi que as flores,<br />

As pedrarias<br />

Tão luminosas,<br />

Eram sombrias,<br />

Eram trevosas,<br />

Pois só cobriam<br />

Míseros trapos,<br />

Pobres farrapos<br />

De almas perjuras<br />

Ao seu Criador,<br />

Fracas criaturas<br />

Baldas <strong>de</strong> amor.<br />

E, condoído,<br />

Desiludido,<br />

Desanimado,<br />

Num forte brado<br />

Disse ao Senhor:


200 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

“Onipotente<br />

Pai <strong>de</strong> Bonda<strong>de</strong>,<br />

Oh tem pieda<strong>de</strong><br />

Dos filhos teus<br />

Que choram, gemem,<br />

Pálidos tremem<br />

Ó Senhor Deus!<br />

Faze que a luz<br />

Do bom Jesus<br />

Penetre a alma<br />

Na Terra aflita,<br />

Dando­lhe a calma<br />

Que necessita.<br />

Só conheci<br />

E encontrei,<br />

Só contemplei<br />

O mal que vi.”<br />

Mas uma vos<br />

Do azul do Céu,<br />

Pronta e veloz,<br />

Me respon<strong>de</strong>u:<br />

“Filho bendito<br />

Do meu amor,<br />

Sou teu Senhor,<br />

E no Infinito<br />

Tudo o que fiz,<br />

Nada se per<strong>de</strong>,<br />

Assim tornando<br />

O ser feliz.<br />

Contempla, ainda,<br />

A Terra linda<br />

E então verás,<br />

Don<strong>de</strong> provém<br />

A gran<strong>de</strong> paz,<br />

O sumo bem.<br />

O grão tesouro,<br />

Mais fino ouro<br />

Dos filhos meus,<br />

Está na luta,<br />

Nos prantos seus,<br />

Que lhes transforma<br />

A alma poluta<br />

Num ser radioso,<br />

Astro formoso<br />

De pura luz!”


201 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Eu ajoelhei<br />

E Contemplei<br />

As multidões<br />

Atropeladas,<br />

Desenganadas<br />

Nas perdições.<br />

Vi transformadas<br />

Todas as cenas;<br />

Em todos os seres,<br />

Homens, mulheres,<br />

Jovens, crianças,<br />

Nas gran<strong>de</strong>s penas,<br />

Nas esperanças,<br />

Por entre a luz,<br />

Por entre flores,<br />

Brotar a flux<br />

No coração<br />

De cada ser,<br />

Em profusão,<br />

Gotas pequenas<br />

Como as brilhantes<br />

Luzes serenas<br />

Das madrugadas<br />

Primaveris.<br />

Reconheci<br />

Que por aí<br />

Na escura Terra<br />

On<strong>de</strong> eu amei,<br />

Sorri, chorei,<br />

On<strong>de</strong> sofri<br />

E on<strong>de</strong> eu vi<br />

A dura guerra,<br />

A amarga dor,<br />

Lágrimas belas,<br />

Gotas singelas,<br />

Meigas, serenas,<br />

Eram açucenas<br />

De fino olor<br />

Do espaço azul!<br />

Depois, eu vi<br />

Que os que as vertiam<br />

Por este mundo,<br />

Vale profundo


202 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

De mágoa e dor,<br />

Quando voltavam<br />

Do seu exílio,<br />

Eram saudados<br />

Por mensageiros<br />

De amor e luz<br />

Do bom Jesus,<br />

Que os coroavam<br />

Com gemas finas,<br />

Jóias divinas<br />

Do escrínio santo,<br />

Primor <strong>de</strong> encanto<br />

Do amor <strong>de</strong> Deus.<br />

Fui então vendo,<br />

Reconhecendo<br />

Que aqui nos Céus,<br />

Lágrimas lindas<br />

São transformadas,<br />

Remo<strong>de</strong>ladas<br />

Para formarem<br />

Belo dia<strong>de</strong>ma<br />

E aureolarem<br />

Os que as verteram<br />

Aí na Terra.<br />

E vi, então,<br />

Em profusão,<br />

Gemas brilhantes,<br />

Alvinitentes,<br />

Ricas, fulgentes<br />

E <strong>de</strong>slumbrantes,<br />

Que nem Ofir<br />

Pô<strong>de</strong> possuir.<br />

Sejam benditas,<br />

As pequenitas<br />

Gotas <strong>de</strong> pranto,<br />

Orvalho santo<br />

Do amor divino<br />

Que dá ventura,<br />

Tranquilida<strong>de</strong>,<br />

Felicida<strong>de</strong><br />

Ao peregrino.<br />

Bendito o Pai,<br />

O Nosso Deus


203 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Que abranda o ai<br />

Dos filhos seus;<br />

Que a alegria<br />

E a paz envia<br />

À Humanida<strong>de</strong><br />

Tão sofredora,<br />

Com a lágrima bela,<br />

Luzente estrela<br />

Consoladora!<br />

O CÉU<br />

Pátria ditosa e linda, e on<strong>de</strong> o mal<br />

Desaparece ao meigo olhar do Amor,<br />

Que entre os seres do Além é sempre igual,<br />

No mesmo anseio santo e superior!<br />

Lá não se vê traição e cada qual<br />

Ur<strong>de</strong> ali sua auréola <strong>de</strong> esplendor,<br />

Doce Mansão <strong>de</strong> Paz, imaterial,<br />

On<strong>de</strong> impera a bonda<strong>de</strong> do Senhor!<br />

Porto <strong>de</strong> Salvação para quem crê<br />

Nessa Praia do Azul, que se antevê,<br />

Pelo po<strong>de</strong>r da Fé, na provação;<br />

País dos Céus, aon<strong>de</strong> o pecador,<br />

Depois <strong>de</strong> bem sofrer aí a dor,<br />

Vai ali encontrar Consolação.


204 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

MORRER<br />

Não mais a dor intensa e <strong>de</strong>smedida<br />

No momento angustioso <strong>de</strong> morrer,<br />

Nem o pranto pungente por se ver<br />

Um ser amado em horas da partida!...<br />

A morte é um sono doce; basta crer<br />

Na Paz do Céu, na Terra apetecida,<br />

Para. se achar o Amor, a. Luz e a Vida,<br />

On<strong>de</strong> há trégua à tristeza e ao pa<strong>de</strong>cer.<br />

Venturosa região do espaço<br />

Além, On<strong>de</strong> brilha a Verda<strong>de</strong> e on<strong>de</strong> o Bem<br />

É o fanal reluzente que conduz;<br />

Mansão <strong>de</strong> clarida<strong>de</strong> e pulcritu<strong>de</strong><br />

On<strong>de</strong> os bons, que adoraram a Virtu<strong>de</strong>,<br />

Gozam do afeto extremo <strong>de</strong> Jesus.<br />

O MAU DISCÍPULO<br />

Era uma alma<br />

Formosa e bela:<br />

Fúlgida estrela<br />

De puro alvor,<br />

Que habitava<br />

Qual uma flor<br />

O espaço infindo,<br />

Imenso e lindo,<br />

Nessas regiões<br />

On<strong>de</strong> há mansões<br />

Purificadas,<br />

Iluminadas<br />

Do Criador.<br />

Porém, um dia,<br />

Disse Jesus<br />

A quem vivia<br />

Em meio à luz:<br />

“Filho querido,<br />

Estremecido,<br />

Dos meus afetos!<br />

Tu necessitas


205 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Buscar a Vida<br />

Em meio às vagas<br />

Das provações!<br />

Dentro das lutas,<br />

Tredas disputas<br />

Do Bem, do Mal,<br />

É que verei<br />

Se o que ensinei<br />

Ao teu valor,<br />

Aproveitaste<br />

E assimilaste<br />

Em benefício<br />

Da lei do amor,<br />

Do sacrifício!...<br />

Tens a fraqueza<br />

Da imperfeição<br />

Aqui, porém,<br />

Já te mostrei<br />

A lei do amor,<br />

Luz do Senhor —<br />

O sumo bem.<br />

Tu lutarás,<br />

Mas vencerás<br />

Se bem souberes<br />

Te conduzir<br />

Nesses caminhos<br />

Entre prazeres,<br />

Risos e flores,<br />

Por entre espinhos,<br />

Mágoas e dores...<br />

E se apren<strong>de</strong>res<br />

Saber viver,<br />

Sorrir, sofrer,<br />

Conquistarás<br />

A gran<strong>de</strong> paz,<br />

A gran<strong>de</strong> luz<br />

Que eu, teu Jesus,<br />

Reservarei<br />

E hei <strong>de</strong> guardar<br />

Para a tua alma,<br />

Ao regressar.


206 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

A dor, somente<br />

A luta amara<br />

Lá nos prepara<br />

Para vivermos,<br />

Tranquilamente,<br />

Nessas moradas<br />

Iluminadas<br />

Do nosso Pai!<br />

Luta e trabalha<br />

Singelamente<br />

Nessa batalha<br />

Que te ofereço,<br />

Pra conquistares<br />

A luz, o amor<br />

Do teu Senhor.<br />

Tu viverás<br />

Entre os brasões<br />

Das ilusões<br />

Da Terra impura;<br />

Conhecerás<br />

Lindas riquezas<br />

Iluminando<br />

E te ensinando<br />

O bom caminho,<br />

A boa estrada<br />

E com carinho<br />

Sempre a mostrar­te<br />

A carida<strong>de</strong><br />

Com toda a luz<br />

Que ministrei<br />

Ao teu pensar,<br />

E ora conduz<br />

Teus sentimentos,<br />

Teus pensamentos,<br />

A perfeição<br />

Do coração.<br />

Caminha avante,<br />

Na <strong>de</strong>slumbrante<br />

Rota do amor!<br />

Espalha o olor<br />

Que já plantei<br />

E fiz brotar,<br />

Que cultivei


207 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Dentro em teu ser.<br />

Sê sempre amigo<br />

Dos sofredores,<br />

Dos que pa<strong>de</strong>cem<br />

Sem conhecer<br />

Sequer abrigo<br />

On<strong>de</strong> isolar­se,<br />

On<strong>de</strong> guardar­se<br />

Das fortes dores<br />

Que acometem<br />

Os sofredores.<br />

Sê a Bonda<strong>de</strong><br />

Entre a malda<strong>de</strong><br />

Dos homens feros,<br />

Ambiciosos,<br />

Frios, austeros,<br />

Pecaminosos.<br />

Se assim fizeres<br />

E proce<strong>de</strong>res,<br />

Sempre cumprindo<br />

Os teus <strong>de</strong>veres,<br />

Tornar­te­ás<br />

Em verda<strong>de</strong>iro<br />

Anjo da paz,<br />

Em mensageiro<br />

Do Deus <strong>de</strong> amor.<br />

Assim darás<br />

A Humanida<strong>de</strong><br />

O testemunho<br />

Da carida<strong>de</strong><br />

Do teu Senhor!”<br />

A alma formosa<br />

Então <strong>de</strong>sceu<br />

Para lutar,<br />

A conquistar<br />

Maior ventura,<br />

Rútila e pura<br />

Aqui no Céu.


208 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Então, nasceu<br />

Num lar ditoso,<br />

Régio, faustoso,<br />

Dos venturosos,<br />

On<strong>de</strong> a alegria<br />

Reinava, e ria<br />

Constantemente,<br />

Proporcionando<br />

A rica gente<br />

Que o habitava<br />

Os belos gozos,<br />

Lindos, formosos,<br />

Mas irreais,<br />

Desses palácios<br />

Materiais.<br />

Ainda criança,<br />

Era adorado,<br />

Felicitado<br />

Nessa abastança;<br />

Naquele lar,<br />

Rico alcaçar<br />

Dos abastados,<br />

Ele então era<br />

A primavera<br />

Dos áureos sonhos<br />

Dos pais amados!<br />

Assim cresceu,<br />

Belo esplen<strong>de</strong>u,<br />

Na mocida<strong>de</strong>.<br />

Ganhou saber<br />

Nobilitante,<br />

A luz brilhante<br />

Dessa ciência<br />

Que, na existência,<br />

Por planetária,<br />

Faz com que a alma<br />

Se torne egoísta<br />

E refratária<br />

A lei <strong>de</strong> Deus.<br />

Tornou­se esquivo,<br />

Cruel e altivo<br />

A Humanida<strong>de</strong><br />

Não praticando<br />

Mas renegando<br />

A carida<strong>de</strong>.


209 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

O que apren<strong>de</strong>ra<br />

No Infinito<br />

E prometera<br />

Ao bom Jesus,<br />

Tudo esquecera<br />

Em <strong>de</strong>trimento<br />

Do sentimento<br />

Que então trouxera,<br />

Cheio <strong>de</strong> luz.<br />

Refugiou­se<br />

Na vã Ciência,<br />

Despreocupou­se<br />

Com a consciência.<br />

Na Aca<strong>de</strong>mia<br />

Dos homens sábios,<br />

Ele esplen<strong>de</strong>u<br />

No vão saber;<br />

O infeliz ser<br />

Viveu dos lábios,<br />

Seu coração<br />

Jamais viveu!<br />

Foi uma flor,<br />

Mas sem olor;<br />

Fulgiu, brilhou,<br />

Mas renegou<br />

A lei do amor.<br />

E da existência<br />

Da própria alma<br />

Por fim <strong>de</strong>screu,<br />

A relegar,<br />

Como um ateu,<br />

Filho do Mal,<br />

A imensa luz<br />

Espiritual.<br />

Foi refratário<br />

Ao próprio afeto<br />

Dos pais que o amavam<br />

E idolatravam<br />

Com mór ternura,<br />

Dele esperando<br />

Sua ventura.<br />

Os próprios filhos,<br />

Suaves brilhos<br />

Da nossa vida,<br />

Nossa esperança


210 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Encantadora,<br />

Os <strong>de</strong>sprezou,<br />

Somente amando<br />

Sua ciência<br />

Enganadora.<br />

Só procurou<br />

Brilhar, fulgir;<br />

Nunca buscou,<br />

Assim, cumprir<br />

Sua missão.<br />

Sempre espalhou,<br />

Em profusão,<br />

Suas i<strong>de</strong>ias<br />

Tristonhas, feias,<br />

Do ateísmo<br />

Desventurado.<br />

Nunca estancou<br />

Uma só lágrima;<br />

Nunca pensou<br />

Uma ferida,<br />

Que brota n’alma<br />

Desiludida;<br />

Não consolou<br />

O que sofria,<br />

De quem fugia<br />

Sem compaixão!<br />

Enfim, viveu<br />

Só na Ciência,<br />

Nessa existência<br />

Que passa breve!.<br />

O ingrato teve<br />

Mil ocasiões<br />

De praticar<br />

Boas ações<br />

E espalhar<br />

O amor e a luz<br />

Que o bom Jesus<br />

Lhe conce<strong>de</strong>ra:<br />

Mas, infeliz,<br />

Jamais o quis.<br />

Porém, um dia,<br />

A Parca fria,<br />

A morte amara,<br />

Cruel, avara<br />

E dolorosa,


211 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

O arrebatara<br />

Nessa escabrosa<br />

Escura via,<br />

E o conduziu<br />

Para o Infinito,<br />

On<strong>de</strong>, num grito,<br />

Ele acordou<br />

Do seu letargo,<br />

Do sono amargo<br />

Em que viveu.<br />

Ao <strong>de</strong>scerrar<br />

O negro véu<br />

Do esquecimento,<br />

Sentiu seus olhos<br />

Enevoados,<br />

Tristes abrolhos<br />

No pensamento!<br />

Olhou o abismo<br />

Do pessimismo<br />

Em que vivera,<br />

Por on<strong>de</strong> sempre<br />

Se comprazera.<br />

Sentiu­se, então,<br />

Abandonado,<br />

Amargurado<br />

Na aflição!<br />

Somente, assim,<br />

Dentro da dor,<br />

Lembrou <strong>de</strong> Deus,<br />

Do seu amor,<br />

A implorar<br />

Da luz dos Céus<br />

Consolação!<br />

Das profun<strong>de</strong>zas<br />

Do coração,<br />

Íntima voz<br />

Disse­lhe então:<br />

“Ó mau discípulo,<br />

Em quem eu pus<br />

Todo o esplendor<br />

Da minha luz,<br />

Do meu amor!


212 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Tu te per<strong>de</strong>ste<br />

Por teu querer,<br />

Pelo viver<br />

Que <strong>de</strong>mandaste.<br />

Jamais soubeste<br />

Te conduzir,<br />

E assim cumprir<br />

O teu <strong>de</strong>ver.<br />

Por isso, agora,<br />

Minhalma chora<br />

Ao ver que és<br />

Mísero ser.<br />

Tu renegaste<br />

E <strong>de</strong>sprezaste<br />

A inspiração<br />

Do Deus <strong>de</strong> Amor!<br />

Tua missão<br />

Que era amar<br />

E assim curar<br />

A alheia dor,<br />

Em luz perdida,<br />

Foi convertida<br />

Em fero braço<br />

Esmagador.<br />

O gran<strong>de</strong> amor<br />

— Fraternida<strong>de</strong>,<br />

Que então <strong>de</strong>vias,<br />

Entre alegrias,<br />

Oferecer<br />

À Humanida<strong>de</strong>,<br />

O abafaste<br />

Como se fosse<br />

Assaz mesquinho,<br />

Quando só ele<br />

É o caminho<br />

Que nos conduz<br />

À salvação,<br />

À perfeição,<br />

À região<br />

Da pura luz!<br />

Sempre esqueceste<br />

Os teus <strong>de</strong>veres.<br />

Dos próprios seres<br />

Que te adoravam,


213 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Que mais te amavam,<br />

Foste inimigo,<br />

E até negaste<br />

A existência<br />

Da própria alma,<br />

A consciência!<br />

Constantemente,<br />

Continuamente,<br />

Foste um ingrato<br />

E eu te julgara<br />

Um lutador<br />

Intimorato...”<br />

Calou­se a voz.<br />

E o pranto atroz<br />

Jorrou, então,<br />

Do coração<br />

Do miserável,<br />

Ser execrável<br />

Que não soubera<br />

E nem quisera<br />

Compreen<strong>de</strong>r<br />

O seu <strong>de</strong>ver.<br />

Entre lamentos<br />

E dissabores,<br />

Pa<strong>de</strong>cimentos,<br />

Frios horrores,<br />

Ele chorou<br />

E lamentou,<br />

Por muitos anos,<br />

Seus <strong>de</strong>senganos<br />

Na senda triste,<br />

Fatal, amara,<br />

Que assim trilhara<br />

Na perdição.<br />

Envergonhado,<br />

Espezinhado<br />

Na sua queda,<br />

Correu sozinho<br />

O mundo inteiro,<br />

Qual caminheiro<br />

A quem negassem<br />

Um só carinho.<br />

Perambulou<br />

Qual Aasvero,<br />

Sofreu, clamou,


214 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Supliciado;<br />

E, muitas vezes,<br />

O seu olhar,<br />

Amargurado,<br />

Triste pousou<br />

Sobre o lugar<br />

On<strong>de</strong> pecou.<br />

A pobre mão<br />

Sempre esten<strong>de</strong>u<br />

Pedindo o pão,<br />

Pedindo luz,<br />

A lamentar<br />

A sua cruz!<br />

Jamais alguém<br />

Quis escutá­lo;<br />

O mesmo bem<br />

Que ele fizera,<br />

Assim lhe era<br />

Retribuido...<br />

E o pobre Espírito<br />

Desiludido,<br />

Desanimado,<br />

Desamparado,<br />

Só encontrava<br />

Consolação<br />

Nas lágrimas tristes<br />

Que <strong>de</strong>rramava<br />

Em profusão.<br />

Até que um dia<br />

Em que sofria,<br />

Mais pa<strong>de</strong>cia<br />

A dor feroz,<br />

Cruel e atroz,<br />

A alma triste<br />

E solitária,<br />

Experimentada,<br />

Extenuada<br />

No atro sofrer,<br />

Cheia <strong>de</strong> unção<br />

Por entre prantos,<br />

Formosos, santos,<br />

Disse ao Senhor<br />

Numa oração:


215 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

“Ó Mestre Amado,<br />

Sei que hei pecado<br />

E transgredido<br />

As tuas leis,<br />

Tendo comigo<br />

A tua luz,<br />

Ó bom Jesus!<br />

E mesmo assim,<br />

Eu me perdi<br />

Por meu querer,<br />

Pois não cumpri<br />

O meu <strong>de</strong>ver!...<br />

Fui a grilheta<br />

Da impieda<strong>de</strong>,<br />

Pobre calceta<br />

Da iniquida<strong>de</strong>.<br />

Mas tu que és bom,<br />

Tão justo e santo,<br />

Sabes do pranto<br />

Das minhas dores,<br />

No meu viver<br />

Sem luz, sem flores,<br />

E hás <strong>de</strong> acolher<br />

Minha oração<br />

Cheia <strong>de</strong> fé!...<br />

Dá­me o acúleo<br />

Da expiação,<br />

Para que seja<br />

Exterminado<br />

O meu orgulho.<br />

Oh! dá­me agora<br />

A nova aurora<br />

De uma existência<br />

De provação.<br />

Quero sofrer<br />

Dura pobreza,<br />

Sempre viver<br />

Na singeleza.<br />

O meu <strong>de</strong>sejo<br />

É só voltar<br />

À Terra impura<br />

On<strong>de</strong> eu pequei,<br />

Para ofertar<br />

À criatura<br />

O gran<strong>de</strong> amor


216 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Que lhe neguei.<br />

Não quero ter<br />

Nem um só dia<br />

Dessa alegria<br />

Que <strong>de</strong>sfrutei,<br />

Mas só trazer<br />

No coração<br />

Todo o amargor<br />

Da privação.<br />

Não quero ver<br />

O <strong>de</strong>albar<br />

De uma esperança;<br />

O próprio lar,<br />

On<strong>de</strong> se encontra<br />

Maior ventura,<br />

Não quero ter;<br />

Nunca, jamais,<br />

Hei conhecer<br />

O que é sorrir!<br />

Quero existir<br />

Desconhecido,<br />

Incompreendido<br />

Em minha dor;<br />

Então serei<br />

Ramo perdido,<br />

Árido e seco<br />

Pelo vergel<br />

Enflorescido.<br />

Conhecerei<br />

A dor cruel<br />

Que nos retalha<br />

O coração.<br />

Nessa batalha<br />

Que empreen<strong>de</strong>rei,<br />

Quero ganhar<br />

E conquistar<br />

A luz, o pão,<br />

O agasalho,<br />

Com meu trabalho.<br />

Eu só almejo<br />

Compreensão<br />

Para mostrar<br />

O teu perdão,<br />

Claro e sublime<br />

Para o meu crime,


217 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Ó bom Jesus,<br />

Ó Mestre Amado!<br />

Eu lutarei<br />

E chorarei<br />

Nas rijas dores<br />

Mais inclementes,<br />

Nos turbilhões<br />

Incan<strong>de</strong>scentes<br />

Das amarguras,<br />

Cruéis e duras<br />

Das aflições.<br />

Agora eu vejo<br />

Que na existência<br />

A grã ciência<br />

Só é grandiosa,<br />

Só é formosa,<br />

Quando aliada<br />

Da carida<strong>de</strong>,<br />

O puro amor.<br />

Quero com ardor<br />

Bem conquistar<br />

A perfeição!<br />

Serei, portanto,<br />

Neste planeta,<br />

Como a violeta<br />

Sob a folhagem...<br />

Viver somente<br />

Pela voxagem<br />

Das <strong>de</strong>sventuras.<br />

Quero sofrer<br />

Com humilda<strong>de</strong>,<br />

E sempre ter<br />

Em mim bonda<strong>de</strong>,<br />

Feliz dulçor<br />

Da carida<strong>de</strong>!...”<br />

E o Mestre Amado,<br />

Compa<strong>de</strong>cido<br />

Do pobre Espírito<br />

Dilacerado,<br />

Enfim, perdido,<br />

Deu­lhe o perdão,<br />

A permissão<br />

Para voltar<br />

A antiga arena —Luta terrena,<br />

Oferecendo­lhe


218 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Ocasião<br />

Para tornar­se<br />

Mais venturoso<br />

E sempre digno<br />

Do seu perdão.<br />

Seja bendito,<br />

Pelo infinito<br />

Desenrolar<br />

E perpassar<br />

De toda a ida<strong>de</strong>,<br />

O bom Jesus,<br />

Que, com sua luz<br />

E terno amor,<br />

Escuta a prece<br />

De quem pa<strong>de</strong>ce,<br />

Fazendo assim<br />

Desabrochar<br />

O <strong>de</strong>albar<br />

Das alvoradas<br />

Iluminadas<br />

De muitas vidas,<br />

Belas, queridas,<br />

Para lutarmos<br />

E nos tornarmos<br />

Dignos do Amor<br />

Inigualável,<br />

Incomparável,<br />

Do Criador!<br />

NA ESTRADA DE DAMASCO<br />

Num certo dia<br />

A Ambição,<br />

De parceria<br />

Com o Orgulho,<br />

Chamou o homem<br />

Jatancioso,<br />

Ru<strong>de</strong> e cioso<br />

Do seu po<strong>de</strong>r<br />

E vão saber,<br />

E assim lhe disse:


219 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

“Homem, tu és<br />

Senhor potente,<br />

Gran<strong>de</strong> e valente<br />

Aqui no mundo;<br />

E se quiseres<br />

Tornar­te um rei<br />

Da imensa grei<br />

Da Criação,<br />

É só viveres<br />

A procurar<br />

Mais dominar<br />

Os elementos<br />

A transudar<br />

Nos sentimentos.<br />

Maior coragem<br />

Para ganhares<br />

Sempre vantagem<br />

No teu viver,<br />

E conquistares<br />

Sempre o po<strong>de</strong>r<br />

Dos triunfantes.<br />

Aos semelhantes<br />

Em vez <strong>de</strong> amá­los<br />

Tais como irmãos,<br />

Faze­os vassalos<br />

No teu reinado,<br />

Glorificado<br />

De grão­senhor!”<br />

E o pecador,<br />

Ser imperfeito<br />

Se achasse embora,<br />

A seu agrado,<br />

Bem satisfeito,<br />

Foi sem <strong>de</strong>mora<br />

Então chamado<br />

Por um juiz<br />

De retidão,<br />

Que é a Consciência,<br />

Nesta existência<br />

De provação,<br />

Que então lhe diz:<br />

“Mas, e o bom Deus<br />

Que está nos Céus,<br />

Que tudo vê,<br />

Sabendo assim


220 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Quanto a tua alma<br />

Dele <strong>de</strong>scrê<br />

Ele é o teu Pai,<br />

O Criador,<br />

O Deus <strong>de</strong> amor.<br />

E o bom Jesus,<br />

Nosso Senhor,<br />

Mestre da luz,<br />

O Filho amado<br />

Que à Terra veio,<br />

A este mundo<br />

Ingrato e feio<br />

A redimir,<br />

E assim banir<br />

O teu pecado<br />

Ele te amou<br />

E te ensinou<br />

Que ao teu irmão<br />

Tu <strong>de</strong>ves dar,<br />

Nunca negar<br />

A tua mão;<br />

E espalhar<br />

Somente amor,<br />

A relegar<br />

Toda a malda<strong>de</strong>,<br />

Para que um dia<br />

Te fosse dado<br />

Reconhecer,<br />

Com alegria,<br />

O solo amado<br />

Do eldorado<br />

Dos belos sonhos,<br />

Lindos, risonhos,<br />

Do teu viver.<br />

Assim, procura<br />

Melhor ventura<br />

Em só buscar,<br />

Acompanhar,<br />

Seguir Jesus<br />

Em sua dor,<br />

Em seu amor,<br />

Em sua cruz!”


221 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Mas, o tal homem<br />

Tão orgulhoso,<br />

Que já se achava<br />

Bem po<strong>de</strong>roso,<br />

Achou estranho<br />

Esse conselho:<br />

Rigor tamanho<br />

Não po<strong>de</strong>ria;<br />

Isso seria<br />

Obe<strong>de</strong>cer<br />

E se humilhar;<br />

E ele havia<br />

Aqui nascido<br />

Só para ser<br />

Obe<strong>de</strong>cido,<br />

Tendo o po<strong>de</strong>r<br />

Pra dominar.<br />

Assim, buscou<br />

E perguntou<br />

Aos companheiros<br />

Eles, então,<br />

Lhe respon<strong>de</strong>ram<br />

No mais profundo<br />

Do coração:<br />

— “Esse conselho<br />

É muito velho!<br />

Deus é irrisão.<br />

E o tal Jesus,<br />

Com sua cruz<br />

E seu calvário<br />

Somente foi<br />

Um visionário.<br />

Enquanto ele<br />

Só te oferece<br />

Amargas dores.<br />

Desolações,<br />

Tristes agruras,<br />

Cruéis espinhos,<br />

Nós conce<strong>de</strong>mos<br />

Ao teu valor<br />

De grão­senhor<br />

Sublimes flores,<br />

Lindos brasões,<br />

Gran<strong>de</strong>s venturas<br />

Nesses caminhos


222 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Quem mais souber<br />

Gozar e rir,<br />

Mais saberá<br />

O que é existir.<br />

A vida aqui<br />

Só é formosa<br />

Para quem goza;<br />

E pois, assim,<br />

Vale o gozar<br />

Constantemente,<br />

Pois vindo a Parca<br />

Bem <strong>de</strong> repente,<br />

Há <strong>de</strong> levar<br />

Esse teu sonho<br />

De amar, sofrer,<br />

Ao caos medonho<br />

Do mais não­ser;<br />

Porque a morte<br />

Tão renegada,<br />

Essa é apenas<br />

O frio nada.<br />

O louco amor<br />

Do teu Jesus,<br />

Exprime a dor<br />

E não a luz.”<br />

E assim, quando<br />

O homem fraco<br />

E miserando<br />

Mais se exaltou<br />

E se jatou,<br />

Onipotente,<br />

Chegou a Dor<br />

Humil<strong>de</strong>mente,<br />

A lapidária,<br />

A eterna obreira,<br />

A mensageira<br />

Da perfeição,<br />

Nessa oficina<br />

Gran<strong>de</strong> e divina<br />

Da Criação;


223 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Fê­lo abatido<br />

E <strong>de</strong>solado,<br />

Até enojado<br />

Do corpo seu:<br />

Apodreceu<br />

O seu tesouro.<br />

E o homem­rei<br />

Reconheceu<br />

Que o paraíso<br />

Dos sãos prazeres<br />

Vive nas luzes<br />

Só da virtu<strong>de</strong>,<br />

No cumprimento<br />

Dos seus <strong>de</strong>veres,<br />

Na humilda<strong>de</strong>,<br />

Na carida<strong>de</strong>,<br />

Na mansuetu<strong>de</strong>,<br />

Na submissão<br />

Do coração<br />

Ao sofrimento,<br />

Quando aprouver<br />

Ao Deus <strong>de</strong> Amor<br />

Oferecer<br />

Ru<strong>de</strong> amargor<br />

Ao nosso ser.<br />

Depois, então,<br />

De mui sofrer<br />

E pa<strong>de</strong>cer<br />

Na expiação,<br />

Reconheceu<br />

A nulida<strong>de</strong>,<br />

A fatuida<strong>de</strong><br />

Da vil matéria!<br />

Na atroz miséria<br />

Dessa agonia,<br />

Só procurou<br />

Buscar se via<br />

Os seus mentores<br />

Enganadores,<br />

Altivos filhos<br />

Da veleida<strong>de</strong>.


224 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Só encontrou<br />

O juiz reto,<br />

O Magistrado<br />

Incorrutível<br />

Da consciência,<br />

E que, num brado<br />

In<strong>de</strong>scritível,<br />

Em consequência,<br />

Lhe fez com ardor<br />

Ao coração<br />

Ermo <strong>de</strong> afeto,<br />

Ermo <strong>de</strong> amor,<br />

A mais tremenda<br />

Acusação!<br />

É o que acontece<br />

Em toda a ida<strong>de</strong>,<br />

Com a maioria<br />

Da Humanida<strong>de</strong>;<br />

Pois sempre esquece<br />

Os seus <strong>de</strong>veres<br />

E se submerge<br />

Nos vãos prazeres.<br />

Para a alegria<br />

Fatal converge<br />

O seu viver,<br />

Para o enganoso,<br />

Efêmero gozo<br />

Do material,<br />

A esquecer<br />

Tudo o que seja<br />

Espiritual.<br />

Feliz <strong>de</strong> quem<br />

Aí procura<br />

Maior ventura<br />

No sumo bem;<br />

Porque verá,<br />

Contemplará<br />

Todo o esplendor.<br />

A eterna luz,<br />

Do eterno amor<br />

Do bom Jesus.


225 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Além do túmulo o Espírito inda canta<br />

Seus i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> paz, <strong>de</strong> amor e luz,<br />

No ditoso país on<strong>de</strong> Jesus<br />

Impera com bonda<strong>de</strong> sacrossanta.<br />

Nessas mansões, a lira se levanta<br />

Glorificando o Amor que em Deus transluz,<br />

Para o Bem exalçar, que nos conduz<br />

A divina alegria, pura. e santa.<br />

Dessa Castélia eterna da Harmonia<br />

Transborda a luz excelsa da Poesia,<br />

Que a Terra toda inunda <strong>de</strong> esplendor.<br />

Hinos das esperanças espargidos<br />

Sobre os homens, tornando­os mais unidos,<br />

Na ascensão para o Belo e para o Amor.<br />

ANGÚSTIA MATERNA<br />

“Ó Lua branca, suave e triste,<br />

­ A Mãe pedia, fitando o céu —<br />

Dize­me, Lua, se acaso viste<br />

Nos firmamentos o filho meu.<br />

A Morte ingrata, fria e impiedosa,<br />

Deixou vazio meu doce lar,<br />

Deixou minhalma triste e chorosa,<br />

Roubou­me o sonho — <strong>de</strong>u­me o penar.<br />

Se tu soubesses, Lua serena,<br />

Como era grácil, que encantador<br />

Meu anjo belo como a açucena,<br />

Cheio <strong>de</strong> vida, cheio <strong>de</strong> amor!...”<br />

Disse­lhe a Lua — “Eu sei do encanto,<br />

Dum filho amado que a gente tem;<br />

E das ausências conheço o pranto,<br />

Oh! se o conheço, conheço­o bem!...<br />

— “Então, respon<strong>de</strong>­me sem <strong>de</strong>mora,<br />

Continuava, sempre a chorar:<br />

Em qual estrela cheia <strong>de</strong> aurora<br />

Foi o meu anjo se agasalhar.. .“


226 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

— “Mas não o avistas — respon<strong>de</strong>­lhe ela —<br />

Naquela estrela que tremeluz<br />

Abre teus olhos... É bem aquela<br />

Que anda cantando no céu <strong>de</strong> luz.”<br />

E a Mãe aflita, martirizada,<br />

Fitou a estrela que lhe sorriu,<br />

Sentiu­lhe os raios, extasiada,<br />

E dos seus cantos, feliz, ouviu:<br />

— “Ilha pacífica, da esperança,<br />

Sou eu no mar do éter infindo;<br />

Do sofrimento mato a lembrança<br />

E abro o futuro, ditoso e lindo.<br />

Do Senhor tenho doce trabalho,<br />

Missão que é toda só <strong>de</strong> alegrias:<br />

Flores reparto cheias <strong>de</strong> orvalho,<br />

Flores que afastam as agonias.”<br />

— “Quase te o<strong>de</strong>io, luz <strong>de</strong> alvorada,<br />

Ó linda estrela que adorna o céu,<br />

Gritou­lhe a pobre <strong>de</strong>sconsolada,<br />

Porque tu guardas o filho meu.”<br />

— “Se tu me o<strong>de</strong>ias, se me <strong>de</strong>testas,<br />

Contudo eu te amo e pergunto: quem<br />

Não tem sauda<strong>de</strong>s das minhas festas<br />

O teu anjinho teve­as também.<br />

Em mim a noite não tem guarida,<br />

Aqui terminam os dissabores;<br />

Aqui em tudo floresce a vida,<br />

Vida risonha, cheia <strong>de</strong> flores!...”<br />

A mãe saudosa, banhada em pranto,<br />

Notou <strong>de</strong> logo seu filho lindo,<br />

Todo vestido dum brilho santo,<br />

Num belo raio <strong>de</strong> luz, sorrindo...<br />

Disse­lhe o filho — “Tive <strong>de</strong>veras<br />

Muita sauda<strong>de</strong>, mãezinha amada,<br />

Senti a falta das primaveras,<br />

Senti a falta <strong>de</strong>sta alvorada!...


227 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Não resisti... Tanta era a sauda<strong>de</strong>!<br />

Voltei do exílio, fugi da dor,<br />

Aqui é tudo felicida<strong>de</strong>,<br />

Paz e ventura, carícia e amor!<br />

Ó mãe, perdoa, se mais não pu<strong>de</strong><br />

Ficar contigo na escuridão,<br />

A Terra amarga, tristonha e ru<strong>de</strong>,<br />

Envenenava meu coração.<br />

Aqui, na estrela, também há fontes,<br />

Jardins e luzes e fantasias,<br />

Sóis rebrilhando nos horizontes,<br />

Sonhos, castelos e melodias.<br />

Daqui te vejo, daqui eu velo<br />

Pelo sossego dos dias teus;<br />

Faço­te um ninho ditoso e belo,<br />

Muito pertinho do amor <strong>de</strong> Deus!...“<br />

Aí os olhos da <strong>de</strong>sditosa<br />

Nada mais viram do Eterno Lar.<br />

Viu­se mais calma, menos saudosa,<br />

E, estranhamente, pôs­se a chorar...<br />

LAMENTOS DO ÓRFÃO<br />

Minha mãezinha, alguém me disse,<br />

Que tu te foste, triste sem mim;<br />

Já não me embala tua meiguice,<br />

E não podias partir assim.<br />

Eu acredito que tenhas ido<br />

Pedir a Deus, que possui a luz,<br />

Que <strong>de</strong> mim faça, do teu querido,<br />

Um dos seus anjos, outro Jesus.<br />

Mas tanto tempo faz que partiste,<br />

Que me fugiste sem me levar,<br />

Que sofro e choro, saudoso e triste,<br />

Sem esperanças <strong>de</strong> te encontrar.<br />

Há quantos dias que te procuro,<br />

Que te procuro chamando em vão!...<br />

Tudo é silêncio tristonho e escuro,<br />

Tudo é sauda<strong>de</strong> no coração.


228 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Outros meninos alegres vejo,<br />

Numa alegria terna e louçã,<br />

Que exclamam rindo <strong>de</strong>ntro dum beijo:<br />

“Como eu te adoro, minha mamã!”<br />

Sinto um anseio sublime e santo,<br />

De nos meus braços, mãe, te beijar;<br />

E abraço o espaço, beijo o meu pranto,<br />

Somente a mágoa vem­me afagar.<br />

Inquiro o vento: — “Quando verei<br />

Minha mãezinha boa e querida”<br />

E o vento triste diz­me: — “Não sei! ...<br />

Só noutra vida, só noutra vida!...”<br />

Pergunto à fonte, pergunto à ave,<br />

Quando regressas dos Céus supremos,<br />

E me respon<strong>de</strong>m em voz suave:<br />

“Nós não sabemos! nós não sabemos!...”<br />

Pergunto à flor que engalana a aurora,<br />

Quando é que voltas <strong>de</strong>sse país,<br />

E ela retruca, consoladora:<br />

“Depois da morte serás feliz.”<br />

E digo ao sino na tar<strong>de</strong> calma:<br />

“On<strong>de</strong> está ela, meu doce bem”<br />

Ele respon<strong>de</strong>, grave, à minhalma:<br />

“Além na luz! Na luz do Além!.. .“<br />

O mar e a noite me crucificam,<br />

Multiplicando meus pobres ais,<br />

Cheios <strong>de</strong> angústias, ambos replicam:<br />

“Tua mãezinha não volta mais.”<br />

Somente a nuvem, quando eu imploro,<br />

Diz­me que vens e diz que te vê;<br />

E me conforta, do céu, se eu choro:<br />

“Eu vou chamá­la para você.”<br />

Sempre te espero, mas, ai! não voltas,<br />

Nem para dar­me consolação;<br />

Ó mãe querida, que mágoas soltas<br />

Andam cortando meu coração.


229 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Tanta sauda<strong>de</strong>, e, no entretanto,<br />

Vejo­te linda nos sonhos meus;<br />

Ajoelhada, banhada em pranto,<br />

E <strong>de</strong> mãos postas aos pés <strong>de</strong> Deus.<br />

Sempre a meus olhos, estás bonita<br />

Qual uma rosa, como um jasmim!<br />

Porém conheço que estás aflita,<br />

Com o pensamento junto <strong>de</strong> mim.<br />

Então, entrego­me ao meu <strong>de</strong>sejo,<br />

Tremo <strong>de</strong> anseio, calo, sorrio,<br />

Sentindo o anélito do teu beijo...<br />

Mas abro os olhos no ar vazio!<br />

Vai­se­me o sonho... Quanta amargura,<br />

Que sinto esparsa pelo caminho!<br />

Que mágoa eterna! que <strong>de</strong>sventura,<br />

Para quem segue triste e sozinho.<br />

Volta <strong>de</strong>pressa! guardo­te flores,<br />

Porque só vivo pensando em ti:<br />

Celebraremos nossos amores,<br />

Junto da fonte que canta e ri.<br />

Já não suporto tantos cansaços!...<br />

Se não voltares, pe<strong>de</strong> a Jesus<br />

Que te conceda pôr­me em teus braços,<br />

Foge comigo para outra luz!...<br />

O LEPROSO<br />

Dizia o pobre leproso:<br />

Senhor! Não tenho mais vida.<br />

Sou uma pútrida ferida<br />

Sobre o mundo <strong>de</strong>sditoso!<br />

Mas o anjo da esperança<br />

Respon<strong>de</strong>­lhe com brandura:<br />

— Meu filho, espera a ventura<br />

Com fé, com perseverança.<br />

Se teu corpo é lama e pus<br />

Em meio dos sofrimentos,<br />

Tua alma é réstea <strong>de</strong> luz<br />

Dos eternos firmamentos.


230 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

BONDADE<br />

Vê­se a miséria <strong>de</strong>sditosa<br />

Perambulando numa praça;<br />

Sob o seu manto <strong>de</strong> <strong>de</strong>sgraça<br />

Clama o infortúnio abrasador.<br />

Eis que a Fortuna se lhe escon<strong>de</strong>;<br />

E passa o gozo, muito ao largo;<br />

E ela chora, ao gosto amargo,<br />

O seu <strong>de</strong>stino, a sua dor.<br />

Mas eis que alguém a reconforta:<br />

É a bonda<strong>de</strong>. Abre­lhe a porta;<br />

E a fada, à luz <strong>de</strong>ssa manhã,<br />

Diz­lhe, a sorrir: — Tens frio e fome<br />

Pouco te importe qual meu nome,<br />

Chega­te a mim: sou tua irmã.<br />

ORAÇÃO<br />

A Ti, Senhor,<br />

Meu coração<br />

Imerso em dor<br />

Aflito vem,<br />

Pedindo a luz,<br />

Pedindo o bem<br />

E a salvação.<br />

Pedir a quem,<br />

Senão a Ti,<br />

Cuja bonda<strong>de</strong><br />

Me sorri<br />

E me conduz<br />

A imensida<strong>de</strong><br />

Da perfeição<br />

És a pieda<strong>de</strong><br />

Divina e pura<br />

Que à criatura<br />

Dá luz e pão.<br />

Sou eu, somente,<br />

O impenitente<br />

Na expiação.


231 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Em Ti, portanto,<br />

Confio e espero,<br />

De Ti eu quero<br />

Me aproximar!<br />

Consolo santo,<br />

Para o meu pranto<br />

Venho implorar.<br />

Bem sei, Senhor,<br />

Se sofro e choro,<br />

Se me <strong>de</strong>moro<br />

No pa<strong>de</strong>cer,<br />

É porque an<strong>de</strong>i<br />

Longe do Amor,<br />

No meu viver.<br />

O Amor é a lei,<br />

Que me ensinaste<br />

E que <strong>de</strong>ixaste<br />

Aos irmãos teus!<br />

Pra que eu pu<strong>de</strong>sse,<br />

Ditosamente,<br />

Buscar os Céus.<br />

Assim, contente,<br />

Cheio <strong>de</strong> unção,<br />

Elevo a prece<br />

Do coração,<br />

A Ti, Senhor,<br />

Rogando amor,<br />

Paz e perdão!


232 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

A FORTUNA<br />

Anda a Fortuna por uma praça,<br />

Fala à Ventura com riso irmão,<br />

E mais adiante topa a Desgraça,<br />

E altiva e ru<strong>de</strong> lhe escon<strong>de</strong> a mão.<br />

Vaidosa e bela, dá preferência<br />

Ao torpe egoísmo acomodatício,<br />

E entre as virtu<strong>de</strong>s, na existência,<br />

Escolhe sempre flores do vício.<br />

E assim prossegue na <strong>de</strong>smarcada<br />

Carreira louca do vão prazer,<br />

Como perdida, e já sepultada,<br />

No esquecimento do próprio ser.<br />

Depois, cansada e já comovida,<br />

Quando só pe<strong>de</strong> luz e amor,<br />

Acorre a Morte por dar­lhe a Vida,<br />

E vem a Vida por dar­lhe a Dor.<br />

ORAÇÃO<br />

Vós que sois a mãe bondosa<br />

De todos os <strong>de</strong>svalidos<br />

Deste vale <strong>de</strong> gemidos.<br />

Mãe piedosa!...<br />

Sublime estrela que brilha<br />

No céu da paz, da bonança,<br />

Do céu <strong>de</strong> toda a esperança —<br />

Maravilha!<br />

Maria! — consolação<br />

Dos pobres, dos <strong>de</strong>sgraçados,<br />

Dos corações <strong>de</strong>solados<br />

Na aflição,<br />

Compa<strong>de</strong>cei­vos, Senhora,<br />

De tão gran<strong>de</strong>s sofrimentos,<br />

Deste mundo <strong>de</strong> tormentos,<br />

Que apavora.


233 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Livrai­nos do abismo tredo<br />

Dos males, dos amargores,<br />

Protegei os pecadores<br />

No <strong>de</strong>gredo.<br />

Esten<strong>de</strong>i o vosso manto<br />

De bonda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> ternura,<br />

Sobre tanta <strong>de</strong>sventura,<br />

Tanto pranto!<br />

Conce<strong>de</strong>i­nos vosso amor,<br />

A vossa misericórdia,<br />

Dai paz a toda discórdia,<br />

Trégua à dor!...<br />

Vós que sois Mãe carinhosa<br />

Dos fracos, dos oprimidos<br />

Deste vale <strong>de</strong> gemidos,<br />

Mãe bondosa!<br />

Oração:<br />

Pai <strong>de</strong> Amor e Carida<strong>de</strong>,<br />

Que sois a terna <strong>de</strong>mência<br />

E <strong>de</strong> todas as criaturas<br />

Carinhosa Providência!<br />

Que os homens todos vos amem,<br />

Que vos possam compreen<strong>de</strong>r,<br />

Pois tendo ouvidos não ouvem,<br />

E vendo não querem ver.


234 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

ALÉM<br />

Além da sepultura, a nova aurora<br />

Luminosa e divina se levanta;<br />

Lá palpita a beleza on<strong>de</strong> a alma canta,<br />

A luz do amor que vibra e revigora.<br />

Ó corações que a lágrima <strong>de</strong>vora,<br />

Prisioneiros da dor que fere e espanta,<br />

Ten<strong>de</strong> na vossa fé a bíblia santa,<br />

E em vossa luta o bem <strong>de</strong> cada hora.<br />

Além da morte, a vida tumultua,<br />

O trabalho divino continua...<br />

Vida e morte — exultai ao bendizê­las!<br />

Esperai nos tormentos mais profundos,<br />

Que a este mundo suce<strong>de</strong>m­se outros mundos,<br />

E às estrelas suce<strong>de</strong>m­se as estrelas!<br />

SONETO<br />

Como outrora, entre ovelhas <strong>de</strong>sgarradas,<br />

O coração tocado <strong>de</strong> agonias,<br />

O Mestre chora como Jeremias,<br />

Vendo o mundo nas lutas con<strong>de</strong>nadas.<br />

Sempre a miséria e a dor nos vossos dias!<br />

Sempre a treva nas míseras estradas...<br />

Preces infindas e <strong>de</strong>sesperadas,<br />

Do caminho <strong>de</strong> lágrimas sombrias...<br />

Dois milênios contando o gran<strong>de</strong> ensino<br />

Do Amor, o luminoso bem divino,<br />

Sobre as <strong>de</strong>solações do mundo velho...<br />

Mas, em todos os tempos é a vaida<strong>de</strong><br />

No egoísmo da triste Humanida<strong>de</strong>,<br />

Demorando as vitórias do Evangelho.


235 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

A PRECE<br />

O Senhor da Verda<strong>de</strong> e da Clemência<br />

Conce<strong>de</strong>u­nos a fonte cristalina<br />

Da prece, água do amor, pura e divina,<br />

Que suaviza os rigores da existência.<br />

Toda oração é a doce quinta­essência<br />

Da esperança ditosa e peregrina,<br />

Filha da crença que nos ilumina<br />

Os mais tristes refolhos da consciência.<br />

Feliz o coração que espera e ora,<br />

Sabendo contemplar a eterna aurora<br />

Do Além, pela oração profunda e imensa.<br />

Enquanto o mundo anseia, estranho e aflito,<br />

A prece alcança as bênçãos do Infinito,<br />

Nos caminhos translúcidos da Crença.<br />

FRATERNIDADE<br />

Fraternida<strong>de</strong> é árvore bendita,<br />

Cujas flores e ramos <strong>de</strong> esperança<br />

Buscam a luz eterna que se agita,<br />

Rumo ao país ditoso da bonança.<br />

É a fonte cristalina em que <strong>de</strong>scansa<br />

A alma humana fraca, errante e aflita;<br />

É a luminosa bem­aventurança<br />

Da mensagem <strong>de</strong> Deus, pura e infinita!...<br />

Vós que chorais ao coro das procelas,<br />

Vin<strong>de</strong>, irmãos! Desdobrai as vossas velas!...<br />

Não vos sufoque o horror da tempesta<strong>de</strong><br />

Fraternida<strong>de</strong> é o <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro porto,<br />

A terra da união e do conforto,<br />

Que habitaremos na Imortalida<strong>de</strong>.


236 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

LEMBRAI A CHAMA<br />

Vós que buscais além da sepultura<br />

A resposta <strong>de</strong> luz da Eternida<strong>de</strong>,<br />

Nunca olvi<strong>de</strong>is a Excelsa Clarida<strong>de</strong>,<br />

Que resi<strong>de</strong> convosco em noite escura.<br />

Somos todos a Gran<strong>de</strong> Humanida<strong>de</strong>,<br />

Em direção à Fonte Eterna e Pura,<br />

Somos em toda parte a criatura<br />

Buscando os dons supremos da Verda<strong>de</strong>.<br />

Ten<strong>de</strong>s convosco a Chama Adormecida...<br />

Rogamos acendais a Luz da Vida,<br />

Já que buscais mais crença junto a nós!<br />

Se quiser<strong>de</strong>s brilhar nos Outros Planos,<br />

Ó torturados corações humanos,<br />

Deixai que o Cristo nasça <strong>de</strong>ntro em vós.<br />

ETERNA MENSAGEM<br />

Ainda e sempre o Evangelho do Senhor<br />

É a mensagem eterna da Verda<strong>de</strong>,<br />

Senda <strong>de</strong> paz e <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong>,<br />

Na luz das luzes do Consolador.<br />

Nos caminhos da lágrima e da dor,<br />

Ante os <strong>de</strong>sfila<strong>de</strong>iros da impieda<strong>de</strong>,<br />

Não sabe o coração da Humanida<strong>de</strong><br />

Beber <strong>de</strong>ssa água límpida do Amor.<br />

Mas os túmulos falam pela estrada,<br />

Em toda parte fulge uma alvorada<br />

Que ao roteiro dos Céus nos reconduz;<br />

O Evangelho, na luz do Espiritismo,<br />

É a escada <strong>de</strong> Jacob vencendo o abismo,<br />

Trazendo ao mundo o verbo <strong>de</strong> Jesus.


237 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

NO TEMPLO DA EDUCAÇÃO<br />

Distribuía o Mestre os dons divinos<br />

Da luz do seu Espírito sem jaça,<br />

E exclama, enquanto a turba observa e passa;<br />

— “Deixai virem a mim os pequeninos!...”<br />

É que na alma sincera dos meninos<br />

Há uma luz <strong>de</strong> ternura, amor e graça,<br />

De que o Senhor da Paz quer que se faça<br />

O sol da nova estrada dos <strong>de</strong>stinos.<br />

Vós, que ten<strong>de</strong>s a fé que ama e consola,<br />

Fazei do vosso lar a gran<strong>de</strong> escola<br />

De justiça, <strong>de</strong> amor e <strong>de</strong> humilda<strong>de</strong>!<br />

As conquistas morais são toda a glória<br />

Que a alma busca na vida transitória,<br />

Pelos caminhos da imortalida<strong>de</strong>.<br />

NA NOITE DE NATAL<br />

— “Minha mãe, por que Jesus,<br />

Cheio <strong>de</strong> amor e gran<strong>de</strong>za,<br />

Preferiu nascer no mundo<br />

Nos caminhos da pobreza<br />

Por que não veio até nós,<br />

Entre flores e alegrias,<br />

Num berço todo enfeitado<br />

De sedas e pedrarias”<br />

— “Acredito, meu filhinho,<br />

Que o Mestre da Carida<strong>de</strong><br />

Mostrou, em tudo e por tudo,<br />

A luminosa humilda<strong>de</strong>!...<br />

As vezes, penso também<br />

Nos trabalhos <strong>de</strong>ste mundo,<br />

Que a Manjedoura revela<br />

Ensino bem mais profundo!”<br />

E a pobre mãe <strong>de</strong> olhos fixos<br />

Na luz do céu que sorria,<br />

Concluiu com sentimento,<br />

Em terna melancolia:


238 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

— “Por certo, Jesus ficou<br />

Nas palhas, sem proteção,<br />

Por não lhe abrirmos na Terra<br />

As portas do coração.”


239 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

37<br />

JOSÉ DO PATROCÍNIO<br />

Nova Abolição<br />

JOSÉ do Patrocínio nasceu em Campos, Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, aos 9 <strong>de</strong><br />

outubro <strong>de</strong> 1853. E <strong>de</strong>sencarnou a 29 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1905. Farmacêutico, jornalista,<br />

romancista, poeta, impetuoso político e gran<strong>de</strong> orador, membro fundador da<br />

Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> Letras. Foi uma das figuras máximas na campanha<br />

abolicionista, e todo o seu pensamento convergia para o bem da Humanida<strong>de</strong>.<br />

NOVA ABOLIÇÃO<br />

Prossegue a escravidão implacável e crua...<br />

Não mais senzala hostil, escura e <strong>de</strong>sumana.<br />

A incompreensão do amor, no entanto, continua<br />

Em domínio cruel <strong>de</strong> que a treva se ufana.<br />

Mas a luz do Senhor não teme, nem recua,<br />

Na ansieda<strong>de</strong> e na dor, sublime, se engalana,<br />

E, das graças do templo aos sarcasmos da rua,<br />

Erige a liberda<strong>de</strong> augusta e soberana...<br />

Irmãos do meu Brasil, encantado e divino,<br />

Do Amazonas ao Prata ergue­se a Deus um hino<br />

Que exalça no Evangelho a gran<strong>de</strong>za <strong>de</strong> um povo!<br />

Fustiguemos o mal, combatendo a <strong>de</strong>scrença,<br />

Descortinando, além da noite que se a<strong>de</strong>nsa,<br />

A alvorada feliz <strong>de</strong> um mundo livre e novo.


240 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

38<br />

JOSÉ DURO<br />

Aos homens – Soneto<br />

POETA português, nasceu em 1875 e <strong>de</strong>sencarnou em 1899. Musa<br />

amargurada, <strong>de</strong>ixou um livro — Fel — que apareceu poucos dias antes da sua morte<br />

e foi prefaciado por Forjaz <strong>de</strong> Sampaio. Henrique Perdigão classifica­o como o<br />

“Cantor da Tristeza”.<br />

AOS HOMENS<br />

Volta ao pó dos mortais, homem que vens, <strong>de</strong>pressa,<br />

A chave procurar do enigma que encerra<br />

A paragem da morte, o mais além da Terra,<br />

On<strong>de</strong> o sonho termina e a vida recomeça.<br />

Volve ao sono cruel da tua carne obscura,<br />

Amassa com o teu pranto o pão <strong>de</strong> cada dia,<br />

Vai com o teu pa<strong>de</strong>cer sobre a estrada sombria,<br />

Para <strong>de</strong>pois ouvir a voz da sepultura.<br />

Tomé, coloca as mãos na tua própria chaga,<br />

Perambula na dor da tua noite aziaga,<br />

Porque a treva e o sofrer sempre hão <strong>de</strong> acompanhar­te!<br />

Reconhece o quanto és ignorante ainda.<br />

A vida é vibração ilimitada, infinda,<br />

E o seu gran<strong>de</strong> mistério existe em toda parte...


241 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

SONETO<br />

Pouco tempo sofri na Terra ingrata e dura<br />

On<strong>de</strong> o mal prolifera, on<strong>de</strong> perece o amor,<br />

Entre a sufocação <strong>de</strong> um sonho superior<br />

E a esperança na morte, a triste senda escura.<br />

Até que um dia a morte amiga e benfazeja<br />

Apodreceu meu corpo em sua mão gelada,<br />

E minhalma elevou­se à rutilante estrada<br />

On<strong>de</strong> o Espírito encontra a paz que tanto almeja.<br />

Algum tempo eu sofri, ao pé do corpo imundo,<br />

Escravizado ao pranto, agrilhoado ao mundo,<br />

Prisioneiro da mágoa, amortalhado em dor!<br />

Mas <strong>de</strong>pois a oração libertou­me da pena,<br />

E pu<strong>de</strong>, então, voar para a mansão serena,<br />

On<strong>de</strong> fulgura o sol do verda<strong>de</strong>iro amor.


242 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

39<br />

JOSÉ SILVÉRIO HORTA<br />

Oração<br />

ORAÇÃO<br />

Pai Nosso, que estás nos Céus,<br />

Na luz dos sóis infinitos,<br />

Pai <strong>de</strong> todos os aflitos<br />

Deste mundo <strong>de</strong> escarcéus.<br />

Santificado, Senhor,<br />

Seja o teu nome sublime,<br />

Que em todo o Universo exprime<br />

Concórdia, ternura e amor.<br />

Venha ao nosso coração<br />

O teu reino <strong>de</strong> bonda<strong>de</strong>,<br />

De paz e <strong>de</strong> clarida<strong>de</strong><br />

Na estrada da re<strong>de</strong>nção.<br />

Cumpra­se o teu mandamento<br />

Que não vacila e nem erra,<br />

Nos Céus, como em toda a Terra<br />

De luta e <strong>de</strong> sofrimento.<br />

Evita­nos todo o mal,<br />

Dá­nos o pão no caminho,<br />

Feito na luz, no carinho<br />

Do pão espiritual.<br />

Perdoa­nos, meu Senhor,<br />

Os débitos tenebrosos,<br />

De passados escabrosos,<br />

De iniquida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> dor.<br />

Auxilia­nos, também,<br />

Nos sentimentos cristãos,<br />

A amar nossos irmãos<br />

Que vivem longe do bem.


243 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Com a proteção <strong>de</strong> Jesus,<br />

Livra a nossa alma. do erro,<br />

Sobre o mundo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sterro,<br />

Distante da vossa luz.<br />

Que a nossa i<strong>de</strong>al igreja<br />

Seja o altar da Carida<strong>de</strong>,<br />

On<strong>de</strong> se faça a vonta<strong>de</strong><br />

Do vosso amor... Assim seja.


244 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

40<br />

JÚLIO DINIZ<br />

O Esposo da Pobreza – Poesia ­ Aves e anjos<br />

POETA português, nascido em 1839 e <strong>de</strong>sencarnado na cida<strong>de</strong> do Porto,<br />

em 1871. Com este pseudônimo, pois que o seu nome é Joaquim Guilherme Gomes<br />

Coelho, notabilizou­se mais como romancista, principalmente com As Pupilas do<br />

Senhor Reitor. A edição póstuma <strong>de</strong> Poesias exaltou, di­lo um comentador, as suas<br />

qualida<strong>de</strong>s primaciais <strong>de</strong> prosador, sem embargo <strong>de</strong> possuírem os seus versos um<br />

certo encanto melancólico.<br />

O ESPOSO DA POBREZA<br />

Francisco <strong>de</strong> Assis, um dia,<br />

Assim que <strong>de</strong>ixara a orgia<br />

No castelo,<br />

Entregou­se à Natureza,<br />

A uma vida <strong>de</strong> aspereza<br />

Num canto doce e singelo.<br />

Abandonara a vaida<strong>de</strong>,<br />

Buscando a paz da humilda<strong>de</strong>,<br />

A santa luz da harmonia;<br />

E nas horas <strong>de</strong> repouso,<br />

Francisco em estranho gozo<br />

A voz <strong>de</strong> Jesus ouvia:<br />

— “Filho meu, faze­te esposo<br />

Da pobreza <strong>de</strong>svalida,<br />

Emprega toda a tua vida<br />

Na doce faina do bem.<br />

Francisco, ouve, ninguém<br />

Vai aos Céus sem a bonda<strong>de</strong>,<br />

Que é a gran<strong>de</strong> felicida<strong>de</strong><br />

De todos os corações.<br />

Esquece as imperfeições! ...<br />

Vai, conforta os <strong>de</strong>sgraçados,<br />

Se<strong>de</strong>ntos e esfomeados,<br />

Flagelados pela dor.<br />

Quem alivia e consola,<br />

Recebe também a esmola<br />

Das luzes do meu amor!”


245 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Francisco chorava e ria,<br />

E em divinal alegria<br />

Via os lírios e os jasmins,<br />

Que não fiam, que não tecem,<br />

Com roupagens que parecem<br />

Vestidos <strong>de</strong> Serafins;<br />

As aves que não trabalham<br />

E no entanto se agasalham,<br />

Nos celeiros da fartura,<br />

Saltando <strong>de</strong> galho em galho,<br />

Buscando a graça do orvalho,<br />

Bênção do Céu, doce e pura.<br />

Via a terra enver<strong>de</strong>cida<br />

Exaltando a força e a vida,<br />

A seiva misteriosa<br />

No seio dos vegetais,<br />

E a ânsia cariciosa<br />

Das almas dos animais.<br />

E sobretudo, inda via,<br />

A sacrossanta harmonia<br />

Do coração sofredor,<br />

Que não tendo amor nem luz,<br />

Tem tesouros <strong>de</strong> esplendor<br />

No terno amor <strong>de</strong> Jesus.<br />

Francisco <strong>de</strong> Assis, então,<br />

Submerso o coração<br />

Em sublimes alegrias,<br />

Entregou­se às harmonias<br />

Vibrantes da Natureza,<br />

Tornou­se o amparo da dor<br />

E guiado pelo amor<br />

Fez­se o Esposo da Pobreza...


246 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

POESIA<br />

Poesia da Natureza<br />

Embalsamada <strong>de</strong> olores,<br />

Ornamentada <strong>de</strong> flores<br />

Que os meus encantos resume;<br />

Poema <strong>de</strong> singeleza<br />

Esplen<strong>de</strong>nte e <strong>de</strong>licada,<br />

Como raios <strong>de</strong> alvorada<br />

Cheia <strong>de</strong> luz e perfume!<br />

Suavida<strong>de</strong> e doçura<br />

Das rosas, das margaridas,<br />

Das lindas sebes floridas<br />

Nos dias primaveris:<br />

Radiosida<strong>de</strong> e frescura,<br />

Fragrâncias, amenida<strong>de</strong>,<br />

Aromas, alacrida<strong>de</strong><br />

Dos cenários pastoris!<br />

As cotovias cantando,<br />

As ovelhinhas balindo,<br />

As criancinhas sorrindo<br />

Na alegria das manhãs;<br />

Jovens felizes amando<br />

Entre arroubos <strong>de</strong> ternura,<br />

Caridosa ventura<br />

No abril das almas irmãs.<br />

Belezas <strong>de</strong> canto agreste<br />

Nas urzes da Terra escura,<br />

Tão cheia <strong>de</strong> <strong>de</strong>sventura;<br />

Entretanto, imaginai<br />

A Natureza celeste<br />

Longe da Terra sombria,<br />

Na glória do Eterno Dia<br />

Do reino <strong>de</strong> Nosso Pai.<br />

Ó Terra, quanto eu quisera<br />

Unir­te toda à poesia,<br />

À mesma santa harmonia<br />

Que te pren<strong>de</strong> à luz dos Céus,<br />

Nessa mesma primavera<br />

Dos rutilantes espaços,<br />

Em que me sinto nos braços<br />

Do amor sagrado <strong>de</strong> Deus.


247 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

AVES E ANJOS<br />

Passarinhos... passarinhos...<br />

Aconchegados nos ninhos,<br />

Lares <strong>de</strong> amor doce e brando,<br />

Pequeninos trovadores<br />

Entre as árvores e as flores,<br />

Cantando...<br />

Cantando...<br />

Crianças, anjos suaves,<br />

Mimosas quais bandos <strong>de</strong> aves<br />

Cortando um céu claro e lindo,<br />

Açucenas perfumadas,<br />

Com as pétalas orvalhadas,<br />

Sorrindo....<br />

Sorrindo...<br />

Hino terno <strong>de</strong> esperanças<br />

Das aves e das crianças,<br />

Vai­se com a luz misturando,<br />

Tecendo as horas serenas<br />

Das alegrias terrenas,<br />

Sorrindo...<br />

Cantando...


248 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

41<br />

JUVENAL GALENO<br />

Pobres – Sextilhas ­ De cá<br />

NASCIDO em Fortaleza e <strong>de</strong>sencarnado na mesma cida<strong>de</strong>, em 1931, com<br />

95 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. É um vulto literário inconfundível no cenáculo do seu tempo,<br />

impondo­se justamente pela naturalida<strong>de</strong> e espontaneida<strong>de</strong> do seu estro. Chamaramlhe<br />

— “Béranger brasileiro”. Sua musa foi elogiada por Castilho, José <strong>de</strong> Alencar,<br />

Machado <strong>de</strong> Assis, Silvio Romero, etc.<br />

POBRES<br />

Mal clareia o Sol a serra,<br />

Toca a vida a <strong>de</strong>spertar:<br />

O pobre se pôs há muito,<br />

Sem <strong>de</strong>scanso, a labutar.<br />

Ao levantar­se da cama,<br />

Inda é espessa a escuridão,<br />

A fome lhe bate à porta,<br />

Persegue­lhe a precisão.<br />

Ao acordar, ele escuta<br />

O coração a gritar:<br />

“Quem não trabuca não come,<br />

Já chega <strong>de</strong> repousar!”<br />

Busca, então, o seu trabalho,<br />

Tudo ajeita, tudo faz,<br />

Rasga a terra, corta os matos,<br />

Luta e sua, não tem paz.<br />

Planta o milho, planta a cana,<br />

Batatas, couves, feijão;<br />

Três quartas partes <strong>de</strong> tudo<br />

Pertencem ao seu patrão.<br />

Quando a semente germina<br />

E os ramos querem crescer,<br />

Vem a seca sem pieda<strong>de</strong><br />

E o pobre espera chover.<br />

Não vem a chuva, porém;<br />

Nada existe no paiol,<br />

As plantas já se amarelam,<br />

Ar<strong>de</strong> a terra, queima o Sol.


249 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Quando o pobre vai à mesa,<br />

O estômago pe<strong>de</strong> mais,<br />

Mas se quer repetições,<br />

Que cui<strong>de</strong> dos mandiocais.<br />

Redobra o pobre os serviços,<br />

Espalha o pé nos gerais,<br />

Ah! que a água já está pouca<br />

Nos rios, nos seringais.<br />

Contudo, ele espera sempre<br />

Do Deus que o ama, que o vê,<br />

E sempre resignado,<br />

O pobre nunca <strong>de</strong>scrê.<br />

O certo é que ao fim do tempo<br />

De constante batalhar,<br />

Aguarda a minguada espiga<br />

Que <strong>de</strong>certo há <strong>de</strong> ficar.<br />

Plenamente contentado<br />

Com o pouco do seu suor,<br />

Deus lhe dará no outro ano<br />

Uma colheita melhor.<br />

Se geme, se sofre dor,<br />

Não possui um só real<br />

Pra consultar um doutor.<br />

Então, resolve pedir<br />

Ao patrão que sempre o tem,<br />

Mas o patrão avarento<br />

Não adianta vintém.<br />

Arrasta­se e vai ao médico<br />

E lhe expõe o seu sofrer:<br />

“Não tem recomendações<br />

Então não posso aten<strong>de</strong>r.”<br />

O pobre, humil<strong>de</strong> e paciente,<br />

Regressa para o seu lar,<br />

E pensa nos outros meios<br />

Da saú<strong>de</strong> lhe voltar.<br />

E põe em prática os meios:<br />

As beberagens, o chá,<br />

As promessas aos seus santos,<br />

Os vinhos <strong>de</strong> jatobá.<br />

Ai! que sorte ru<strong>de</strong> e amarga<br />

Do pobre sempre a sofrer:<br />

Se vive para o trabalho,<br />

Trabalha para comer.<br />

Se a morte vem ao seu ninho<br />

E lhe rouba o filho, os pais,<br />

Não lhes po<strong>de</strong> dar a missa,


250 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Que o padre cobra <strong>de</strong>mais.<br />

Dá­lhes porém seu tesouro,<br />

Sublime estrela que brilha<br />

Da mais rica <strong>de</strong>voção —<br />

A prece que nasce dalma,<br />

Que fulge no coração.<br />

Mesmo assim, quanta tortura,<br />

Que amargosa a sua dor!<br />

A todo o instante da vida<br />

Luta o pobre sofredor.<br />

Se tem pão não tem saú<strong>de</strong>,<br />

Se tem saú<strong>de</strong>, não tem<br />

Quem o ampare, quem o aju<strong>de</strong>,<br />

O braço amigo <strong>de</strong> alguém.<br />

Se outrem lhe ofen<strong>de</strong> e ele pe<strong>de</strong><br />

Da Justiça a punição,<br />

A Justiça o encarcera<br />

Com a sua reprovação.<br />

Não tem casas <strong>de</strong> morada,<br />

Nem terrenos, nem ovil;<br />

Se lhe falta o pão do dia<br />

Falta azeite no candil.<br />

Se bate à porta do rico,<br />

Mormente dum rico mau,<br />

Os cães o tocam da porta,<br />

E em vez <strong>de</strong> pão, ganha pau.<br />

O pobre só tem na vida<br />

A doce mão <strong>de</strong> Jesus,<br />

Que o cura na enfermida<strong>de</strong>,<br />

Que na treva lhe dá luz.<br />

Mal do pobre se não fora.<br />

O carinho <strong>de</strong>ssa mão,<br />

Que o conforta na <strong>de</strong>sgraça<br />

E ampara na provação.<br />

Mal <strong>de</strong>le se não houvesse<br />

A vida <strong>de</strong>pois da dor,<br />

Após a morte, on<strong>de</strong> existem<br />

Justiça, ventura, amor.


SEXTILHAS<br />

251 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Quando a morte chega em casa,<br />

A casa faz alarido,<br />

Parece até que se arrasa<br />

Sob as chamas <strong>de</strong> um incêndio;<br />

O povo está reunido<br />

Quando a morte chega em casa.<br />

Ela vem buscar alguém,<br />

De quem precisa por certo;<br />

Não se importa com ninguém<br />

Que chore ou que se lastime,<br />

Esteja distante ou perto,<br />

Ela vem buscar alguém.<br />

A morte não quer saber<br />

Se é preto como urubu,<br />

Se aquele que vai morrer<br />

É branco qual uma garça,<br />

Se tem pratas no baú,<br />

A morte não quer saber.<br />

Não lhe pergunta qual é<br />

A sua religião,<br />

Se Sancho, Pedro ou José<br />

É o seu nome <strong>de</strong> batismo,<br />

Nem a sua profissão<br />

Não lhe pergunta qual é.<br />

Não quer saber se ele tem<br />

Uma can<strong>de</strong>ia com luz,<br />

Se pratica o mal ou o bem,<br />

Se tem mais fé com o <strong>de</strong>mônio<br />

Do que mesmo com Jesus,<br />

Não quer saber se ele tem.<br />

Nem procura examinar<br />

Se tem filhos ou mulher;<br />

Se esse alguém vai­se casar,<br />

Se tem pai e se tem mãe,<br />

Nada disso a morte quer,<br />

Nem procura examinar.


252 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Para a morte não existe<br />

Anéis <strong>de</strong> grau <strong>de</strong> doutor,<br />

Nem homem alegre ou triste,<br />

Nem mulher bonita ou feia,<br />

Saú<strong>de</strong>, beleza e dor,<br />

Para a morte não existe.<br />

Para o pobre, para o rico<br />

Nunca tem contemplação;<br />

Como o corvo bate o bico<br />

Por cima <strong>de</strong> um peixe podre,<br />

Ela vem <strong>de</strong> supetão<br />

Para o pobre, para o rico...<br />

O cristão ou o pecador<br />

Ela conduz sem ruído,<br />

Não per<strong>de</strong> tempo em clamor,<br />

Em atenções e conversas,<br />

Leva sem tempo perdido<br />

O cristão ou o pecador.<br />

O que segue vai com unção,<br />

Rogando com fervor terno<br />

Ao santo da <strong>de</strong>voção<br />

Que o afaste do diabo<br />

E dos horrores do inferno,<br />

O que segue vai com unção.<br />

Mas ele mesmo é quem faz<br />

Os prantos ou gozos seus;<br />

Na tempesta<strong>de</strong> ou na paz,<br />

Essa questão <strong>de</strong> ficar<br />

Com Satanás ou com Deus,<br />

É ele mesmo quem faz.


253 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

DE CÁ<br />

Que amargo era o meu <strong>de</strong>stino!...<br />

Tristezas no coração,<br />

Tateando dificilmente<br />

No meio da escuridão...<br />

Viver na Terra e somente<br />

Remando contra a maré,<br />

Com receio <strong>de</strong> ir ao fundo...<br />

Nem tão boa coisa é.<br />

Esta vida <strong>de</strong> sofrer<br />

Trinta dias cada mês,<br />

Entremeados <strong>de</strong> prantos,<br />

Há quem estime Talvez...<br />

Mas para mim que só fui,<br />

Galeno sem nó, galé,<br />

Tantas dores em conjunto,<br />

Nem tão boa coisa é.<br />

Sentir as disparida<strong>de</strong>s<br />

Das vidas cheias <strong>de</strong> dor,<br />

O mal sufocando o mundo,<br />

Marchando com <strong>de</strong>stemor:<br />

Ver o rico andar <strong>de</strong> coche<br />

E o pobre correndo a pé,<br />

Tantas misérias sentir...<br />

Nem tão boa coisa é.<br />

O pranto ferve na Terra,<br />

Salta aqui, salta acolá,<br />

Nas guerras <strong>de</strong> toda parte,<br />

Nas secas do Ceará;<br />

Meus irmãos <strong>de</strong> Fortaleza,<br />

Do Crato, do Canindé,<br />

Ver uns rindo e outros chorando,<br />

Nem tão boa coisa é.<br />

Ah! morrer e ainda sentir<br />

Sauda<strong>de</strong>s da escravidão,<br />

Da carne, do <strong>de</strong>sconforto,<br />

Da treva, da ingratidão...


254 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Não é possível porque,<br />

Pobre filho da ralé,<br />

Casar­se com a <strong>de</strong>sventura<br />

Nem tão boa coisa é.<br />

Mas falar <strong>de</strong>mais agora,<br />

Já não é próprio <strong>de</strong> mim,<br />

Não vou gastar minha cera<br />

Com tanto <strong>de</strong>funto ruim;<br />

Patetice é ensinar<br />

Verda<strong>de</strong> aos homens sem fé.<br />

Jogar pérolas a tolos,<br />

Nem tão boa coisa é.


255 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

42<br />

LEÔNCIO CORREIA<br />

Sauda<strong>de</strong><br />

LEÔNCIO Correia nasceu em 1865, no Estado do Paraná, e <strong>de</strong>sencarnou no<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro, em junho <strong>de</strong> 1950. Professor e poeta, <strong>de</strong>ixou inúmeras obras.<br />

SAUDADE<br />

Ante o brilho da vida renascente<br />

Depois da névoa estranha, <strong>de</strong>nsa e fria,<br />

Surgem constelações do Novo Dia<br />

Muito longe da Terra <strong>de</strong>scontente.<br />

Mundos celestes, reinos <strong>de</strong> alegria<br />

E impérios da beleza resplen<strong>de</strong>nte<br />

Cantam no Espaço, jubilosamente,<br />

Ao compasso do Amor e da Harmonia...<br />

Mas, ai! pobre <strong>de</strong> mim!... Ante a gran<strong>de</strong>za<br />

Da glória excelsa eternamente acesa<br />

Volvo à sombra letal do abismo fundo!<br />

E, esmagado <strong>de</strong> angústia e <strong>de</strong> carinho,<br />

Choro <strong>de</strong> amor, revendo o velho ninho<br />

E as aves ternas que <strong>de</strong>ixei no mundo!...


256 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

43<br />

LUCINDO FILHO<br />

Sem sombras<br />

NASCIDO em Minas Gerais a 16 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1847 e falecido em<br />

Vassouras a 10 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1896. Médico, jornalista, compositor musicista e<br />

tradutor renomado. Latinista <strong>de</strong> prol, conta em sua bibliografia Poemetos,<br />

Virgilianas, Flores Exóticas, etc.<br />

SEM SOMBRAS 9<br />

Junto ao sepulcro on<strong>de</strong> a sauda<strong>de</strong> chora<br />

E on<strong>de</strong> o sonho das lágrimas termina,<br />

Abre­se a porta da mansão divina<br />

Entalhada em reflexos <strong>de</strong> aurora.<br />

Não mais a noite; vive em tudo, agora,<br />

A beleza profunda e peregrina,<br />

Envolvida na luz esmeraldina<br />

Da esperança que vibra e resplendora.<br />

Sem as sombras das lutas <strong>de</strong>sumanas,<br />

A alma vitoriosa entoa hosanas,<br />

Ébria <strong>de</strong> paz e <strong>de</strong> imortalida<strong>de</strong>.<br />

Não lamenteis quem parta ao fim do dia,<br />

Que a sepultura em cinza escura e fria<br />

É a nova porta para a eternida<strong>de</strong>.<br />

9 Esta produção surgiu <strong>de</strong> improviso no curso <strong>de</strong> uma reunião familiar em que se não cogitava <strong>de</strong> assuntos<br />

espíritas. O poeta <strong>de</strong>sencarnou no século passado e o médium é <strong>de</strong>ste século; e conquanto fosse<br />

intelectual <strong>de</strong> prol, a seu tempo, é hoje um nome esquecido, fora dos meios culturais. Ninguém ali o<br />

conhecera nem <strong>de</strong>le se lembraria, exceto uma senhora que, em menina, lhe assistira aos funerais, em<br />

Vassouras, on<strong>de</strong> ele tem precioso jazigo, oferecido pela população local.


257 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

44<br />

LUIZ GUIMARÃES JÚNIOR<br />

Soneto – Voltando<br />

POETA brasileiro, nascido no Rio <strong>de</strong> Janeiro, em 17 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1845,<br />

e <strong>de</strong>sencarnado em Lisboa com 53 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Foi jornalista, comediógrafo e<br />

diplomata. Entre suas obras, Carimbos, Noturnos, Lírica, etc., sobressai Sonetos e<br />

Rimas, que ainda hoje se lê com encanto. Foi membro da Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong><br />

Letras.<br />

SONETO<br />

Na escuridão dos anos procelosos,<br />

Da velhice nos dias mal vividos,<br />

Eu quisera voltar aos tempos idos<br />

Da juventu<strong>de</strong>, aos tempos bonançosos.<br />

Mal podia julgar que inda outros gozos<br />

Mais sublimes que aqueles já fruídos,<br />

Nas esteiras <strong>de</strong> prantos esquecidos,<br />

Acharia nos céus maravilhosos.<br />

Pairar no Além!... volver ao lar primeiro,<br />

Ressurgido em perene mocida<strong>de</strong>,<br />

Clarão <strong>de</strong> paz ao pobre caminheiro!<br />

No limiar das amplidões da Altura<br />

Penetrei, vislumbrando a Imensida<strong>de</strong>,<br />

Soluçando empolgado <strong>de</strong> ventura.


258 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

VOLTANDO<br />

Após a longa e frígida nortada<br />

Da existência no mundo <strong>de</strong> invernia,<br />

Busquei contente a paz que me sorria<br />

No fim da áspera senda palmilhada.<br />

Voltei. Nova era a vida, nova a estrada<br />

Que minhalma extasiada percorria;<br />

Divinal era a luz que resplendia,<br />

Em revérberos lindos <strong>de</strong> alvorada.<br />

De volta, e os mesmos seres que me haviam<br />

Ofertado na Terra amores santos,<br />

Envoltos em ternuras e em carinhos,<br />

Novamente no Além me ofereciam<br />

Lenitivo às agruras dos meus prantos,<br />

Nas carícias risonhas dos caminhos.


259 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

45<br />

LUIZ MURAT<br />

Além ainda<br />

FLUMINENSE, nascido a 4 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1861 e <strong>de</strong>sencarnado na cida<strong>de</strong> do<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro, em 1929. Bacharel em Direito, membro da Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong><br />

Letras. Poeta <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> e viva inspiração, conta em seu acervo bibliográfico Ondas<br />

(3 volumes), Sara (poema), e vasta colaboração na Imprensa.<br />

ALÉM AINDA...<br />

Caminheiro que vais ao fim do dia<br />

Demandando o crepúsculo das dores,<br />

Não te percas na lágrima sombria<br />

Da tormenta <strong>de</strong> anseios e amargores!<br />

Além da sepultura principia<br />

O caminho dos sonhos re<strong>de</strong>ntores,<br />

Na alvorada perene da harmonia,<br />

Aureolada <strong>de</strong> eternos resplendores.<br />

Desolado viajor, ergue teus olhos!<br />

Não te prendas somente ao chão tristonho,<br />

Guarda a esperança carinhosa e linda!<br />

Vence a longa jornada dos abrolhos,<br />

Que o país luminoso do teu sonho<br />

Fica ao alto... distante... além ainda...


260 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

46<br />

LUIZ PISTARINI<br />

No estranho portal<br />

LUIZ Pistarini nasceu em Resen<strong>de</strong>, Estado do Rio, à rua dos Voluntários, e<br />

faleceu, aos 41 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, naquela mesma cida<strong>de</strong>, no começo do ano <strong>de</strong> 1918.<br />

Publicou dois livros, <strong>de</strong> poesias: Bandolim e Sombrinhas e Postais, <strong>de</strong>ixando,<br />

inédito, um terceiro: Agonias e Ressurreição. Fundou e dirigiu a revista A Crisálida<br />

e o jornal O Domingo. Residiu durante algum tempo na Capital Fe<strong>de</strong>ral, on<strong>de</strong><br />

colaborou em vários jornais. Foi um atormentado pelas enfermida<strong>de</strong>s.<br />

NO ESTRANHO PORTAL<br />

No último instante, a lágrima dorida<br />

Resume as ânsias da existência inteira,<br />

E a sauda<strong>de</strong> é a tristonha mensageira<br />

Que engrinalda <strong>de</strong> angústia a <strong>de</strong>spedida.<br />

A antevisão do fim <strong>de</strong> toda a vida<br />

Obscurece a tela <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira<br />

E a noite escura se disten<strong>de</strong> à beira<br />

Da suprema esperança <strong>de</strong>svalida.<br />

Um golpe... Um sonho... e excelsa clarinada<br />

Anuncia outra vida renovada,<br />

Brilhando além da lápi<strong>de</strong> sombria.<br />

Apagou­se a can<strong>de</strong>ia transitória<br />

E a verda<strong>de</strong> refulge envolta em gloria,<br />

Aos clarões imortais do Novo Dia.


261 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

47<br />

MARTA<br />

Nunca te isoles – Unida<strong>de</strong> ­ No Templo da Morte – Jesus ­<br />

Lembra­te do Céu ­ Ao pé do altar ­ Mãe das mães<br />

ESTE Espírito não pô<strong>de</strong> ou não quis i<strong>de</strong>ntificar­se. Aqui o incluímos,<br />

porém, <strong>de</strong> justiça, atenta a magnitu<strong>de</strong> do seu estro.<br />

NUNCA TE ISOLES<br />

Nunca te isoles entre os mananciais da vida;<br />

A vida é o eterno bem que nos foi dado,<br />

Para que o multiplicássemos in<strong>de</strong>finidamente...<br />

E a alma que se abandona,<br />

Ao sofrimento ou ao bem­estar,<br />

É um <strong>de</strong>serto sem oásis,<br />

On<strong>de</strong> outras almas sentem fome e se<strong>de</strong>.<br />

Multiplicar a vida<br />

É amar sem restrições<br />

A flor, a ave, os corações,<br />

Tudo o que nos ro<strong>de</strong>ia.<br />

Atenuar a dor alheia,<br />

Sorrir aos infelizes,<br />

Bendizer o caminho que nos leva<br />

Da treva para luz;<br />

Agra<strong>de</strong>cer a Deus, que é Pai bondoso,<br />

O firmamento, o luar, as alvoradas,<br />

Ler a sua epopéia feita <strong>de</strong> astros,<br />

Ter a bonda<strong>de</strong> ingênua das crianças,<br />

Tecer o fio eterno da esperança<br />

Por on<strong>de</strong> se sobe ao Céu;<br />

Dar sorrisos, dar luzes, dar carícias,<br />

Dar tudo quanto temos,<br />

Tudo isto é amar multiplicando a vida,<br />

Que se esten<strong>de</strong> infinita no Infinito.


262 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Dar a lição <strong>de</strong> paciência se sofremos,<br />

Dar um pouco <strong>de</strong> gozo se gozamos,<br />

É guardarmos a semente<br />

Da Vida<br />

Em leivas ver<strong>de</strong>jantes,<br />

E a qual há <strong>de</strong> nos dar<br />

Sombras amigas para <strong>de</strong>scansarmos,<br />

Indumentos <strong>de</strong> flores perfumosas<br />

E frutos aos milhares,<br />

Para nutrir as nossas alegrias<br />

Nos jardins estelares...<br />

UNIDADE<br />

Todos nós somos irmãos,<br />

Porque os nossos espíritos<br />

São unos na essência...<br />

Todos nós somos fragmentos<br />

Da mesma luz gloriosa e eterna<br />

Da sabedoria inescrutável<br />

Do Criador,<br />

Cujas mãos magnânimas e misericordiosas<br />

Espalharam com abundância<br />

Nas vastidões imensuráveis do éter,<br />

Infinitas e esplendorosas,<br />

Terras e almas,<br />

As quais no divino equilíbrio do Amor<br />

Buscam a perfeição in<strong>de</strong>finida.<br />

Todos nós somos irmãos,<br />

Porque nutrimos indistintamente<br />

A mesma aspiração do Belo e do Perfeito,<br />

O mesmo sonho,<br />

A mesma dor na luta<br />

A prol da re<strong>de</strong>nção.<br />

Espiritualmente,<br />

Somos filhos <strong>de</strong> um só Pai,<br />

Somos as fron<strong>de</strong>s que se interpenetram<br />

De uma só árvore genealógica,<br />

Cuja raiz insondável<br />

Está no coração augusto <strong>de</strong> Deus,<br />

O qual, por uma disposição inexplicável,


263 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Encerra em si<br />

Todos os mundos,<br />

Todas as almas<br />

Todos os seres da Criação!<br />

Fazei, pois, da Terra<br />

O caminho comum da vossa salvação,<br />

Porquanto, mais além<br />

Das fronteiras planetárias,<br />

Vivereis <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sagrados coletivismos,<br />

Sem egoísmos,<br />

Na suprema unida<strong>de</strong><br />

De aspiração para a felicida<strong>de</strong>.<br />

NO TEMPLO DA MORTE<br />

O templo da morte tem portas incontáveis,<br />

Como incontáveis são as almas humanas,<br />

E infinitos seus estados <strong>de</strong> consciência.<br />

Pela porta escura do remorso,<br />

Um dia penetrou os seus umbrais<br />

Uma alma que regressava da Terra.<br />

Lá <strong>de</strong>ntro,<br />

Em nome do Senhor <strong>de</strong> todos os latifúndios do Universo,<br />

Pontificava o Anjo da Justiça.<br />

“Anjo Bom! — disse­lhe a alma súplice —<br />

Eu tenho a minhalma coberta <strong>de</strong> feridas cancerosas!<br />

Cura­me as chagas purulentas do remorso...<br />

Tenho os meus olhos vendados<br />

E uma treva incomensurável na consciência!<br />

Apaga os meus atrozes pa<strong>de</strong>ceres!.. .“<br />

“Filha — respon<strong>de</strong>u compassivo —,<br />

Para sanar tão estranhas feridas,<br />

Tão amargos pesares,<br />

Só há um recurso:<br />

Volta à Terra!<br />

Lá existe o Regato das Lágrimas,<br />

Banha­te nas suas águas cristalinas;<br />

Elas serão o teu bálsamo consolador<br />

E curarão a tua cegueira...<br />

Estás na escuridão absoluta<br />

Pela ausência da luz, do bem na tua alma!


264 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Mas o Anjo da Dor irá contigo;<br />

Ele há <strong>de</strong> te guiar através das sirtes do mar encapelado dos sofrimentos,<br />

E te conduzirá ao lugar bendito on<strong>de</strong> existem as lágrimas salvadoras!...”<br />

E a pobre regressou...<br />

Conduzida pela Dor,<br />

Banhou­se na água lustral dos tormentos,<br />

Submergiu­se no regato encantado, <strong>de</strong> cuja fonte límpida promana a Salvação.<br />

E <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> haver percorrido<br />

Tão tortuosos caminhos,<br />

Inçados <strong>de</strong> perigos<br />

E <strong>de</strong> dores amargas,<br />

Reconheceu o luminoso Anjo da Dor...<br />

E nos seus braços magnânimos e compassivos,<br />

Penetrou no templo misterioso da morte<br />

Pela porta maravilhosa da Re<strong>de</strong>nção.<br />

JESUS<br />

Jesus foi na Terra<br />

A mais perfeita encarnação do Amor Divino.<br />

E ainda hoje,<br />

Nos dias amargurados que transcorrem,<br />

É para a Humanida<strong>de</strong><br />

A promessa da Paz,<br />

O manto protetor<br />

Que abriga os aflitos e os infelizes,<br />

O pão que sacia os esfomeados das verda<strong>de</strong>s eternas,<br />

A fonte que <strong>de</strong>saltera todos os sofredores.<br />

Apegai­vos a Ele, cheios <strong>de</strong> confiança!<br />

Ele é a misericórdia personificada,<br />

O Jardineiro Bendito<br />

Que jorra no coração<br />

Dos transviados do caminho do Bem,<br />

As sementes do arrependimento<br />

Que hão <strong>de</strong> florir na Regeneração<br />

E frutificar na perfeita felicida<strong>de</strong> espiritual.<br />

Ouvi a sua voz<br />

No silêncio da consciência que vos fala<br />

Do cumprimento austero<br />

De todos os <strong>de</strong>veres cristãos!<br />

E um dia<br />

Descansareis reunidos,<br />

Ligados pelos liames inquebrantáveis


265 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Da fraternida<strong>de</strong> além da morte,<br />

A sombra da árvore luminosa<br />

Das boas ações que praticastes,<br />

Longe das lágrimas<br />

Do orbe obscuro,<br />

Dos prantos e das provações remissoras!...<br />

LEMBRA­TE DO CÉU<br />

És uma estrela caída<br />

Sobre os pauis da Terra...<br />

Acima <strong>de</strong> todas as coisas transitórias,<br />

Que se <strong>de</strong>sfazem como as neblinas aos beijos leves do Sol,<br />

És alma em ascensão para Deus.<br />

A tua inteligência e o teu sentimento<br />

São fulcros <strong>de</strong> luz imperecível,<br />

Que constituem os atributos maravilhosos da tua imortalida<strong>de</strong>.<br />

Por que te abates e <strong>de</strong>sanimas sob os aguilhões da carne perecível<br />

Contempla o Alto,<br />

Se a fraqueza te envolve em seus tentáculos.<br />

E sentirás uma carícia branda,<br />

Misteriosa, doce, suave,<br />

Que promana<br />

Do empíreo constelado<br />

Para todas as almas que oram,<br />

Que sonham e choram,<br />

Buscando Deus,<br />

— A bússola das suas mais caras esperanças!<br />

Quando sofreres,<br />

Busca aspirar esse aroma divino<br />

E tua alma sofredora<br />

Sentir­se­á envolta na beleza,<br />

No eflúvio peregrino<br />

Que mana fartamente<br />

Dos espaços imensos!...<br />

Na amargura e na dor,<br />

Lembra esse dia que te espera<br />

Na in<strong>de</strong>finível primavera<br />

Gloriosa <strong>de</strong> amor.


266 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

AO PÉ DO ALTAR<br />

Eu vivia no Claustro,<br />

Na sombra silenciosa dos mosteiros.<br />

Mas um dia,<br />

Quando as penitências mortificavam<br />

O meu corpo alquebrado e dolorido<br />

E a oração<br />

Era o conforto do meu coração,<br />

Disse­me alguém:<br />

“Minha filha,<br />

Juraste fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> só a Deus,<br />

Mas se entrevês os Céus<br />

E as suas maravilhas,<br />

Se tens a Fé mais pura,<br />

A Esperança mais linda,<br />

Não te esqueças que a Carida<strong>de</strong>,<br />

O anjo que nos abre as portas da Ventura,<br />

Não permanece<br />

No recanto das sombras, do repouso;<br />

Se ama a prece e a pureza,<br />

Não faz longas e inúteis orações:<br />

Ela é a serva <strong>de</strong> Deus<br />

E as suas preces fervorosas<br />

São feitas com as suas mãos carinhosas,<br />

Que pensam no coração da Humanida<strong>de</strong><br />

Todas as chagas abertas<br />

Pelo egoísmo...<br />

Está sempre em meio às tentações<br />

Para vencê­las,<br />

Esmagá­las com o Bem,<br />

Destruí­las com Amor.<br />

A solidão da cela é um crime;<br />

Não te retires, pois, do mundo.<br />

Darás a Deus, sem reserva, a tua alma<br />

Amando o próximo,<br />

Que contigo é seu filho dileto.<br />

Será um hino constante subindo aos Céus;<br />

Sê a mãe <strong>de</strong>svelada,<br />

A irmã consoladora,<br />

A companheira terna<br />

De todos aqueles que te ro<strong>de</strong>iam<br />

Na estrada longa dos <strong>de</strong>stinos comuns;<br />

Sê a abnegação e a bonda<strong>de</strong> serena,


267 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

E a tua Fé<br />

Será um hino constante subindo aos Céus;<br />

A tua esperança em Deus<br />

Será dilatada,<br />

Para que vislumbres as felicida<strong>de</strong>s celestes<br />

Que esperam os justos na Mansão da Alegria...<br />

Meu corpo não resistiu<br />

Aos cilícios que o martirizavam<br />

E minhalma tomada <strong>de</strong> emoção<br />

Abandonou­o, brandamente,<br />

Atraída pela Verda<strong>de</strong>,<br />

Desprezando o repouso e a soleda<strong>de</strong>,<br />

Sonhando com a luz do trabalho<br />

Em outras vidas benfazejas;<br />

Porque a verda<strong>de</strong>ira paz <strong>de</strong> espírito<br />

É conquistada<br />

No seio das lutas mais acerbas,<br />

Dos mais ru<strong>de</strong>s pesares.<br />

E só a dor que nos crucia<br />

Ou a dor que consolamos,<br />

— Somente a Dor em sua essência pura<br />

Nos <strong>de</strong>svia da amarga <strong>de</strong>sventura,<br />

Purificando os nossos corações<br />

Na conquista das altas perfeições.<br />

MÃE DAS MÃES<br />

Maria<br />

É a Mãe piedosa<br />

De todas as mães resignadas e sofredoras.<br />

É a consolação<br />

Que se <strong>de</strong>rrama puríssima<br />

Sobre os prantos maternos,<br />

Vertidos na corola imensa das dores;<br />

É o manto resplan<strong>de</strong>cente<br />

Que agasalha os corações das mães piedosas,<br />

Amarguradas e infelizes,<br />

Que orvalham com lágrimas benditas<br />

As flores do seu amor <strong>de</strong>svelado,<br />

Espezinhadas pelo sofrimento,<br />

Fustigadas pelo furacão da <strong>de</strong>sgraça, atropeladas pelo mal,<br />

Perseguidas pelo infortúnio<br />

No sombrio orbe das lágrimas e das provações.


268 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Todas as preces maternas<br />

Ascen<strong>de</strong>m aos Espaços<br />

Como um doloroso brado <strong>de</strong> angústia a Maria;<br />

E a rosa sublime <strong>de</strong> Nazaré<br />

Escuta­as piedosamente,<br />

Esten<strong>de</strong>ndo os seus braços tutelares<br />

As mães carinhosas e <strong>de</strong>sprotegidas;<br />

E bastam os eflúvios do seu amor sacrossanto<br />

Para que as consolações se <strong>de</strong>rramem<br />

Cicatrizando as feridas,<br />

Balsamizando os pesares,<br />

Lenindo os pa<strong>de</strong>ceres<br />

Das mães <strong>de</strong>soladas, que encontram nela<br />

O símbolo maravilhoso <strong>de</strong> todas as virtu<strong>de</strong>s!...<br />

Ao seu olhar compassivo,<br />

Pulverizam­se os rochedos do mal<br />

Do oceano da vida <strong>de</strong> <strong>de</strong>sterro e <strong>de</strong> exílio,<br />

Para que o Brigue da Esperança,<br />

Com as suas velas alvas e pandas,<br />

Veleje tranquilamente,<br />

Buscando o porto esperado com ânsia,<br />

Da salvação das almas que sofreram<br />

Nos torvelinhos do mundo,<br />

Como náufragos <strong>de</strong> uma tormenta gigantesca,<br />

Que não se per<strong>de</strong>ram no abismo das águas tenebrosas<br />

Do mar da iniquida<strong>de</strong>,<br />

Porque se apegaram<br />

A âncora da Fé.<br />

Maria é o anjo, pois,<br />

Que nos ampara e guia em nossa cruz;<br />

Levando­nos ao Céu, cheia <strong>de</strong> pieda<strong>de</strong> e<br />

Pelas nossas fraquezas.<br />

Ela é a personificação do amor divino<br />

No vale das sombras e das amarguras,<br />

E sendo o arrimo <strong>de</strong> todas as criaturas,<br />

É, sobretudo,<br />

A Virgem da Pureza<br />

— Mãe das mães.


269 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

48<br />

MÚCIO TEIXEIRA<br />

Honra ao trabalho<br />

MÚCIO Teixeira nasceu em 1858, no Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, e<br />

<strong>de</strong>sencarnou em 1926. Autor <strong>de</strong> inúmeras obras literárias.<br />

HONRA AO TRABALHO<br />

Trabalha e encontrarás o fio diamantino<br />

Que te liga ao Senhor que nos guarda e governa,<br />

Ante cuja gran<strong>de</strong>za o mundo se prosterna,<br />

Buscando a solução da dor e do <strong>de</strong>stino.<br />

Des<strong>de</strong> o fulcro solar ao fundo da caverna,<br />

Da beleza do herói ao verme pequenino,<br />

Tudo se agita e vibra, em cântico divino<br />

Do trabalho imortal, brunindo a vida eterna!...<br />

Tudo na imensidão é serviço opulento,<br />

Júbilo <strong>de</strong> ajudar, luta e contentamento,<br />

Des<strong>de</strong> a flor da montanha às trevas do granito.<br />

Trabalha e serve sempre, alheio à recompensa,<br />

Que o trabalho, por si, é a glória que con<strong>de</strong>nsa<br />

O salário da Terra e a bênção do Infinito.


270 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

49<br />

OLAVO BILAC<br />

Jesus ou Barrabás – Soneto ­ No Horto ­ O beijo <strong>de</strong> Judas ­ A<br />

crucificação ­ Aos <strong>de</strong>screntes – I<strong>de</strong>al – Ressurreição ­ O Livro –<br />

Brasil<br />

NATURAL do Rio <strong>de</strong> Janeiro, nasceu em 16 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1865 e aí<br />

faleceu em 1918. Consi<strong>de</strong>rado, ao seu tempo, o Príncipe dos Poetas Brasileiros.<br />

Sócio fundador da Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> Letras.<br />

JESUS OU BARRABÁS<br />

Sobre a fronte da turba há um sussurro abafado.<br />

A multidão inteira, ansiosa se congrega,<br />

Surda à lição do amor, implacável e cega,<br />

Para a consumação dos festins do pecado.<br />

“Crucificai­o!” — exclama... Um lamento lhe chega<br />

Da Terra que soluça e do Céu <strong>de</strong>sprezado.<br />

“Jesus ou Barrabás” — pergunta, inquire o brado<br />

Da justiça sem Deus, que trêmula se entrega.<br />

Jesus! Jesus!... Jesus!... — e a resposta perpassa<br />

Como um sopro cruel do Aquilão da <strong>de</strong>sgraça,<br />

Sem que o Anjo da Paz amaldiçoe ou gema...<br />

E <strong>de</strong>baixo do apodo e ensanguentada a face,<br />

Toma da cruz da dor para que a dor ficasse<br />

Como a glória da vida e a vitória suprema.


271 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

SONETO<br />

Por tanto tempo an<strong>de</strong>i faminto e errante,<br />

Que os prazeres da vida converti­os<br />

Em poemas das formas, em sombrios<br />

Pesa<strong>de</strong>los da carne palpitante.<br />

No <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro sono, instante a instante,<br />

Vi fanarem­se anseios como fios<br />

De ilusão transformada em sopros frios,<br />

Sobre o meu peito em febre, vacilante.<br />

Morte, no teu portal a alma tateia,<br />

Espia, inquire, sonda e chora, cheia<br />

De incerteza na esfinge que tu plasmas!<br />

Impassível, <strong>de</strong>scerras aos aflitos<br />

Uma visão <strong>de</strong> mundos infinitos<br />

E uma ronda infinita <strong>de</strong> fantasmas.<br />

NO HORTO<br />

Tristemente, Jesus fitando os céus, em prece,<br />

Vê <strong>de</strong>scer da amplidão o Arcanjo da Agonia,<br />

Cuja mão luminosa e terna lhe trazia<br />

O cálix do amargor, duríssimo e refece.<br />

— “Se pu<strong>de</strong>r<strong>de</strong>s, meu Pai, afastai­o!...” — dizia,<br />

Mas eis que todo o Azul celígeno estremece;<br />

E do céu se <strong>de</strong>spren<strong>de</strong> uma doirada messe<br />

De bênçãos aurorais, <strong>de</strong> Paz e <strong>de</strong> Alegria.<br />

Paira em todo o recanto a vibração sonora<br />

Do Amor e o Mestre já na se<strong>de</strong> que o <strong>de</strong>vora,<br />

De imolar­se por fim nas aras <strong>de</strong>sse Amor,<br />

Sente a Mão Paternal que o guia na amargura,<br />

E sublime na fé mais vivida, murmura:<br />

— “Que se cumpra no mundo o arbítrio do Senhor!...”


272 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

O BEIJO DE JUDAS<br />

Ouve­se a voz do Mestre ungida <strong>de</strong> ternura:<br />

— “Amados, eu vos dou meus últimos ensinos;<br />

Na doce mansidão dos seres pequeninos,<br />

Trazei a vossa vida imaculada e pura!<br />

O Amor há <strong>de</strong> vos dar todos os dons divinos;<br />

Eterna irradiação que atinge a mais escura<br />

Estrada <strong>de</strong> aflição, <strong>de</strong> dor e <strong>de</strong>sventura,<br />

— Raio <strong>de</strong> eterno sol na senda dos <strong>de</strong>stinos.<br />

Derramai com pieda<strong>de</strong> a lágrima terrestre!”<br />

Mas eis que Judas chega e lhe diz: — “Salve, Mestre!”<br />

E toma­lhe das mãos, osculando­lhe a fronte...<br />

E Jesus abençoando aquelas almas cegas,<br />

Respon<strong>de</strong> humil<strong>de</strong>mente: — “É assim que tu me entregas”<br />

Vendo as coortes do Céu nas fímbrias do horizonte...<br />

A CRUCIFICAÇÃO<br />

Fita o Mestre, da cruz, a multidão fremente,<br />

A negra multidão <strong>de</strong> seres que ainda ama.<br />

Sobre tudo se esten<strong>de</strong> o raio <strong>de</strong>ssa chama,<br />

Que lhe mana da luz do olhar cLarivi<strong>de</strong>nte.<br />

Gritos e altercações! Jesus, amargamente,<br />

Contempla a vastidão celeste que o reclama;<br />

Sob os gládios da dor aspérrima, <strong>de</strong>rrama<br />

As lágrimas <strong>de</strong> fel do pranto mais ar<strong>de</strong>nte.<br />

Soluça no silêncio. Alma doce e submissa,<br />

E em vez <strong>de</strong> suplicar a Deus para a injustiça<br />

O fogo <strong>de</strong>struidor em tormentos que arrasem,<br />

Lança os marcos da luz na noite primitiva,<br />

E clama para os Céus em prece compassiva:<br />

“— Perdoai­lhes, meu Pai, não sabem o que fazem!..”


273 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

AOS DESCRENTES<br />

Vós, que seguis a turba <strong>de</strong>svairada,<br />

As hostes dos <strong>de</strong>screntes e dos loucos,<br />

Que <strong>de</strong> olhos cegos e <strong>de</strong> ouvidos moucos<br />

Estão longe da senda iluminada,<br />

Retroce<strong>de</strong>i dos vossos mundos ocos,<br />

Começai outra vida em nova estrada,<br />

Sem a i<strong>de</strong>ia falas do gran<strong>de</strong> Nada,<br />

Que entorpece, envenena e mata aos poucos.<br />

Ó ateus como eu fui — na sombra imensa<br />

Erguei <strong>de</strong> novo o eterno altar da crença,<br />

Da fé viva, sem cárcere mesquinho!<br />

Banhai­vos na divina clarida<strong>de</strong><br />

Que promana das luzes da Verda<strong>de</strong>,<br />

Sol eterno na glória do caminho!<br />

IDEAL<br />

Na Terra um sonho eterno <strong>de</strong> beleza<br />

Palpita em todo o espírito que, ansioso,<br />

Espera a luz esplêndida do gozo<br />

Das sínteses <strong>de</strong> amor da Natureza;<br />

É ansieda<strong>de</strong> perpetuamente acesa<br />

No turbilhão medonho e tenebroso<br />

Da carne, on<strong>de</strong> a esperança sem repouso<br />

Luta, sofre e soluça, e sonha presa.<br />

Aspirações do mundo miserando,<br />

Guardadas com ternura, com <strong>de</strong>svelos,<br />

Nas lágrimas <strong>de</strong> dor do peito aflito!...<br />

Mas que o homem realiza apenas, quando,<br />

Rotas as carnes, brancos os cabelos,<br />

Sente o beijo <strong>de</strong> glória do Infinito!...


274 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

RESSURREIÇÃO<br />

Extinga­se o calor do foco aurifulgente<br />

Do Sol que vivifica o Mundo e a Natureza;<br />

Apague­se o fulgor <strong>de</strong> tudo o que alma presa<br />

As grilhetas do corpo, adora, anela e sente;<br />

Tombe no caos do nada, em túrgida surpresa,<br />

O que o homem pensou num sonho <strong>de</strong> <strong>de</strong>mente,<br />

Os mistérios da fé, fulcro <strong>de</strong> luz potente,<br />

O templo, o lar, a lei, os tronos e a realeza;<br />

Estertore e soluce exausto e moribundo,<br />

Debilmente pulsando, o coração do mundo,<br />

Morto à míngua <strong>de</strong> luz, ambicionando a glória;<br />

O Espírito imortal, <strong>de</strong>pois das <strong>de</strong>rrocadas,<br />

Numa ressurreição <strong>de</strong> eternas alvoradas,<br />

Subirá para Deus num canto <strong>de</strong> vitória.<br />

O LIVRO<br />

Ei­lo! Facho <strong>de</strong> amor que, redivivo, assoma<br />

Des<strong>de</strong> a taba feroz em folhas <strong>de</strong> granito,<br />

Da Índia misteriosa e dos louros do Egito<br />

Ao fausto senhoril <strong>de</strong> Cartago e <strong>de</strong> Roma!<br />

Vaso revelador retendo o excelso aroma<br />

Do pensamento a erguer­se esplêndido e bendito,<br />

O Livro é o coração do tempo no Infinito,<br />

Em que a i<strong>de</strong>ia imortal se renova e retoma.<br />

Companheiro fiel da virtu<strong>de</strong> e da História,<br />

Guia das gerações na vida transitória,<br />

É o nume apostolar que governa o <strong>de</strong>stino;<br />

Com Hermes e Moisés, com Zoroastro e Buda,<br />

Pensa, corrige, ensina, experimenta, estuda,<br />

E brilha com Jesus no Evangelho Divino.


275 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

BRASIL<br />

Des<strong>de</strong> o Nilo famoso, aberto ao sol da graça,<br />

Da virtu<strong>de</strong> ateniense à gran<strong>de</strong>za espartana,<br />

O anjo triste da paz chora e se <strong>de</strong>sengana,<br />

Em vão plantando o amor que o ódio <strong>de</strong>spedaça,<br />

Tribos, tronos, nações... tudo se esfuma e passa.<br />

Mas o torvo dragão da guerra soberana<br />

Ruge, fere, <strong>de</strong>strói e se alteia e se ufana,<br />

Disputando o po<strong>de</strong>r e <strong>de</strong>negrindo a raça.<br />

Eis, porém, que o Senhor, na América nascente,<br />

Acen<strong>de</strong> nova luz em novo continente<br />

Para a restauração do homem exausto e velho.<br />

E aparece o Brasil que, valoroso, avança,<br />

Encerrando consigo, em láureas <strong>de</strong> esperança,<br />

O Coração do Mundo e a Pátria do Evangelho.


276 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

50<br />

PEDRO DE ALCÂNTARA<br />

Meu Brasil ­ No exílio – Rogativa – Soneto ­ Página <strong>de</strong> gratidão ­<br />

Oração ao Cruzeiro ­ Ban<strong>de</strong>ira do Brasil ­ Brasil do Bem – Brasil<br />

O ÚLTIMO imperador <strong>de</strong>ixou alguns sonetos, que, bem o sabemos, há<br />

quem diga não serem da sua lavra. Ignoramos por que Dom Pedro II, alma<br />

boníssima, vibrátil, e espírito culto, não pu<strong>de</strong>sse fazer o que fizeram e fazem tantos<br />

outros patrícios nossos, a ponto <strong>de</strong> ser correntio o conceito <strong>de</strong> que todo brasileiro é<br />

poeta aos 20 anos. De qualquer forma, entretanto, o que se não po<strong>de</strong>rá negar é a<br />

estreita afinida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes sonetos com os que, <strong>de</strong> Dom Pedro, conhecemos.<br />

MEU BRASIL<br />

Longe do meu Brasil, triste e saudoso,<br />

Bastas vezes sentia, mal <strong>de</strong>sperto,<br />

Com o coração pulsando, estar já perto<br />

Do pátrio lar risonho e bonançoso.<br />

E <strong>de</strong>plorava o rumo escuro e incerto,<br />

Do meu <strong>de</strong>sterro amargo e <strong>de</strong>sditoso,<br />

Desalentado e fraco, sem repouso,<br />

O coração em úlceras aberto.<br />

Enviava, a chorar, na aura fagueira,<br />

Minhas recordações em terna prece<br />

Ao torrão que adorara a vida inteira;<br />

Até que a acerba dor, enfim, pu<strong>de</strong>sse<br />

Arrebatar­me à vida verda<strong>de</strong>ira.<br />

On<strong>de</strong> a luz da verda<strong>de</strong> resplan<strong>de</strong>ce.


277 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

NO EXÍLIO<br />

Po<strong>de</strong> o céu do <strong>de</strong>sterro ser tão belo,<br />

Quanto o céu do país em que nascemos;<br />

Nada faz com que o nosso <strong>de</strong>sprezemos,<br />

Acalentando o sonho <strong>de</strong> revê­lo.<br />

Todo o nosso i<strong>de</strong>al pomos no anelo<br />

De regressar, e voando sobre extremos,<br />

Com o pensamento ansioso percorremos<br />

Nosso amado rincão, lindo ou singelo.<br />

Jaz no <strong>de</strong>sterro a plaga da amargura,<br />

De acerba pena ao pobre penitente,<br />

De amaro pranto da alma torturada;<br />

A alegria no exílio é <strong>de</strong>sventura,<br />

É a sauda<strong>de</strong> na ânsia mais pungente<br />

De retornar à pátria idolatrada.<br />

ROGATIVA<br />

Magnânimo Senhor que os orbes cria,<br />

Povoando o Universo ilimitado,<br />

Que dá pão ao faminto e ao <strong>de</strong>sgraçado,<br />

E ao sofredor os raios da alegria,<br />

Se, <strong>de</strong> novo, no mundo, <strong>de</strong>sterrado,<br />

Necessitar viver inda algum dia,<br />

Que regresse ditoso ao solo amado<br />

Da generosa pátria que eu queria;<br />

Se é mister retornar a um novo exílio,<br />

Seja o Brasil, lá on<strong>de</strong> eu <strong>de</strong>sejara<br />

Ter vertido o meu pranto <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro...<br />

Que, novamente viva sob o brilho,<br />

Da mesma luz gloriosa que eu amara,<br />

Na alcandorada terra do Cruzeiro.


278 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

SONETO<br />

No exílio é que a alma vive da lembrança,<br />

Numa doce sauda<strong>de</strong> enternecida,<br />

Tendo chorosa a vista que se cansa<br />

De procurar a pátria estremecida;<br />

Com dolorosas lágrimas avança,<br />

Do sonho que teceu e amou na vida,<br />

Para a morte, on<strong>de</strong> tem sua esperança,<br />

Na celeste ventura prometida.<br />

E Deus, que os orbes cria, generoso,<br />

Na vastidão dos céus iluminados,<br />

Conce<strong>de</strong> a paz ao triste e ao <strong>de</strong>sditoso<br />

Na clara luz dos mundos elevados,<br />

On<strong>de</strong>, do amor, reserva o eterno gozo<br />

Para as almas dos pobres <strong>de</strong>sterrados.<br />

PÁGINA DE GRATIDÃO<br />

Tangendo as cordas da harpa da sauda<strong>de</strong>,<br />

Venho ao Brasil buscar a essência pura<br />

Do amor da pátria minha, da doçura<br />

Da flor cheia do aroma da amiza<strong>de</strong>.<br />

Pren<strong>de</strong>­me o coração a suavida<strong>de</strong><br />

Desse arroubo <strong>de</strong> afeto e <strong>de</strong> ternura<br />

D’alma do povo meu, que <strong>de</strong> ventura<br />

E <strong>de</strong> alegria o espírito me inva<strong>de</strong>.<br />

Do misterioso aquém da morte, eu vejo,<br />

Sentindo, essa onda intensa e luminosa<br />

Da afeição, que i<strong>de</strong>aliza o meu <strong>de</strong>sejo:<br />

E tendo a gratidão por companheira,<br />

Volvo ao pátrio torrão <strong>de</strong> alma saudosa,<br />

Amando mais a Terra Brasileira.


279 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

ORAÇÃO AO CRUZEIRO<br />

(No cinquentenário da Abolição)<br />

Luminosas estrelas do Cruzeiro,<br />

Iluminai a terra da Esperança,<br />

Na doce proteção <strong>de</strong> um povo inteiro<br />

On<strong>de</strong> a mão <strong>de</strong> Jesus <strong>de</strong>sce e <strong>de</strong>scansa.<br />

Símbolo sacrossanto <strong>de</strong> aliança<br />

De paz e amor do Eterno Pegureiro,<br />

Guardai as clarida<strong>de</strong>s da Bonança<br />

Na vastidão do solo brasileiro.<br />

Constelação da Cruz, cheia <strong>de</strong> graças,<br />

Transfundi numa só todas as raças,<br />

No país da esperança e da bonda<strong>de</strong>.<br />

Que o Brasil, sob a luz da tua glória,<br />

Possa escrever, no mundo, a gran<strong>de</strong> história<br />

Das epopéias da Fraternida<strong>de</strong>.<br />

BANDEIRA DO BRASIL<br />

Ban<strong>de</strong>ira do Brasil, símbolo da bonança,<br />

Enquanto a guerra estruje indômita e sombria,<br />

Sê nos planos <strong>de</strong> luta o sinal <strong>de</strong> harmonia,<br />

Espalhando no mundo as bênçãos da Esperança.<br />

Assinalas, na Terra, o país da Alegria,<br />

On<strong>de</strong> toda a existência é um hino <strong>de</strong> abastança,<br />

Guardas contigo a luz da bem­aventurança,<br />

És o florão da paz, marcando um novo dia.<br />

Nasceste sob a luz <strong>de</strong> um bem, alto e fecundo,<br />

Nunca te conspurcaste aos embates do mundo,<br />

Buscando iluminar as lutas, ao vivê­las...<br />

É por isso que Deus, que te ampara e equilibra,<br />

Deu­te um corpo auri­ver<strong>de</strong> on<strong>de</strong> a paz canta e vibra,<br />

E um coração azul, esmaltado <strong>de</strong> estrelas.


280 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

BRASIL DO BEM<br />

Eis que o campo <strong>de</strong> sombra se esfacela<br />

No doloroso e amargo cativeiro<br />

Da guerra que ameaça o mundo inteiro,<br />

Qual furacão no auge da procela.<br />

Mas na amplidão do solo brasileiro<br />

Outra expressão <strong>de</strong> vida se revela<br />

N’alma caridosa, heróica e bela,<br />

Que se engran<strong>de</strong>ce ao brilho do Cruzeiro.<br />

Gran<strong>de</strong> Brasil do Bem e da Abastança,<br />

Deus te guar<strong>de</strong> os tesouros da esperança,<br />

Des<strong>de</strong> as luzes dos céus à luz dos ninhos!<br />

Segue à frente do mundo aflito e errante<br />

E alça o pendão pacífico e triunfante,<br />

Como a doce promessa nos caminhos!...<br />

BRASIL<br />

Sopra o vento do Ódio e da Vingança,<br />

Aniquilando a Paz do mundo inteiro,<br />

Embora o Amor Divino do Cor<strong>de</strong>iro<br />

Seja a fonte da Bem­aventurança.<br />

Mas a terra ditosa da Esperança<br />

Vive nas clarida<strong>de</strong>s do Cruzeiro,<br />

On<strong>de</strong> o Evangelho é o Doce Mensageiro<br />

Das bênçãos da Verda<strong>de</strong> e da Bonança.<br />

Meu Brasil, guarda a luz <strong>de</strong>ssa vitória,<br />

Que é o mais belo florão <strong>de</strong> tua glória<br />

Nos caminhos da espiritualida<strong>de</strong>.<br />

Ama a Deus. Faze o bem. Todo o problema<br />

Está na compreensão clara e suprema<br />

Do Trabalho, do Amor e da Verda<strong>de</strong>.


281 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

51<br />

RAIMUNDO CORREIA<br />

Sonetos<br />

NASCIDO a 13 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1859, a bordo do vapor São Luiz, na baía <strong>de</strong><br />

Mangunça, litoral do Maranhão, e <strong>de</strong>sencarnado em Paris a 13 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1911.<br />

Magistrado, membro da Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> Letras; além <strong>de</strong> justo e bom, po<strong>de</strong><br />

sem favor consi<strong>de</strong>rar­se um dos maiores poetas da sua geração.<br />

SONETOS<br />

1<br />

Tudo passa no mundo, O homem passa<br />

Atrás dos anos sem compreendê­los;<br />

O tempo e a dor alvejam­lhe os cabelos,<br />

À frouxa luz <strong>de</strong> uma ventura escassa.<br />

Sob o infortúnio, sob os atropelos<br />

Da dor que lhe envenena o sonho e a graça,<br />

Rasga­se a fantasia que o enlaça,<br />

E vê morrer seus i<strong>de</strong>ais mais belos!...<br />

Longe, porém, das ilusões <strong>de</strong>sfeitas,<br />

Mostra­lhe a morte vidas mais perfeitas,<br />

Depois do pesa<strong>de</strong>lo das mãos frias...<br />

E como o anjinho débil que renasce,<br />

Chora, chora e sorri, qual se encontrasse<br />

A luz primeira dos primeiros dias.


282 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

2<br />

Ah!... se a Terra tivesse o amor, se cada<br />

Homem pensasse no tormento alheio,<br />

Se tudo fosse amor, se cada seio<br />

De mãe nutrisse os órfãos... Se na estrada<br />

Do contraste e da dor houvesse o anseio<br />

Do bem, que ampara a vida torturada,<br />

Que jamais viu um raio <strong>de</strong> alvorada<br />

Dentro da noite eterna que lhe veio<br />

Do sofrimento que ninguém conhece...<br />

Ah! se os homens se amassem nessa estância<br />

A dor então <strong>de</strong>sapareceria...<br />

A existência seria a ar<strong>de</strong>nte prece<br />

Erguida a Deus do seio da abundância,<br />

Entre os hinos da paz e da alegria.


283 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

52<br />

RAUL DE LEONI<br />

Luta ­ Na Terra – Soneto – Nós ­ “Post mortem” – Soneto<br />

FLUMINENSE, nascido em Petrópolis em 1895 e <strong>de</strong>sencarnado em<br />

Itaipava, com apenas 31 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Bacharel em Direito, foi <strong>de</strong>putado estadual e<br />

posteriormente Secretário <strong>de</strong> Legação. Entre os talentos da chamada nova geração, a<br />

sua afirmativa nos domínios da Arte Poética po<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar­se das mais<br />

fulgurantes. Além <strong>de</strong> O<strong>de</strong> a um Poeta Morto, <strong>de</strong>dicada a Olavo Bilac, <strong>de</strong> quem foi<br />

amigo dileto, <strong>de</strong>ixou Luz Mediterrânea, consi<strong>de</strong>rada como seu livro <strong>de</strong> ouro.<br />

LUTA<br />

Aí na Terra, as bem­aventuranças<br />

São o sonho que o Espírito agasalha,<br />

Mas, mesmo após a morte, a alma trabalha<br />

Buscando o céu das suas esperanças.<br />

Muita vez, quando pensas que <strong>de</strong>scansas,<br />

Além te espera indômita batalha,<br />

On<strong>de</strong> o suposto gozo se estraçalha<br />

Sob o guante acerado das provanças.<br />

Para cá do sepulcro a dor antiga,<br />

Que nos traz o <strong>de</strong>sânimo, a fadiga,<br />

Sob a luz da verda<strong>de</strong> se atenua;<br />

A febre das paixões <strong>de</strong>saparece,<br />

O Espírito a si mesmo reconhece,<br />

Mas a luta infinita continua.


284 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

NA TERRA<br />

Renascendo no mundo da Quimera,<br />

Ao colhermos a flor da juventu<strong>de</strong>,<br />

É quando o nosso Espírito se ilu<strong>de</strong>,<br />

Julgando­se na eterna primavera.<br />

Mas o tempo na sua mansuetu<strong>de</strong>,<br />

Pelas sendas da vida nos espera,<br />

Junto à dor que esclarece e regenera,<br />

Dentro da expiação estranha e ru<strong>de</strong>.<br />

E ao tombarmos no ocaso da existência,<br />

Nós revemos do livro da consciência<br />

Os caracteres gran<strong>de</strong>s, luminosos!<br />

Se vivemos no mal, quanta agonia!<br />

Mas se o bem praticamos todo o dia,<br />

Como somos felizes, venturosos!...<br />

SONETO<br />

Não te entregues na Terra à indiferença.<br />

Cheio <strong>de</strong> amor e fé, trabalha e espera;<br />

Nos domínios do mal, nada há que vença<br />

A alma boa, a alma pura, a alma sincera.<br />

No pensamento nobre persevera<br />

De servir, sempre alheio à recompensa;<br />

O <strong>de</strong>sejo do Bem dilata a esfera<br />

Das luzes sacratíssimas da Crença.<br />

Vive nas rutilantes almenaras<br />

Dos castelos do Amor <strong>de</strong> essências raras,<br />

Aspirando os olores da Pureza!...<br />

Terás na Terra, então, a vida calma...<br />

E a morte não será, para a tua alma,<br />

Jamais medonha e trágica surpresa.


285 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

NÓS...<br />

Nós todos vamos pela vida em fora<br />

Deixando no caminho os mesmos traços,<br />

Em Deus buscando a Perfeição que mora<br />

No cume inatingível dos Espaços!...<br />

Cada instante <strong>de</strong> dor nos aprimora,<br />

Desatando os grilhões, rompendo os laços<br />

Dessa animalida<strong>de</strong> atrasadora,<br />

Que procura tolher os nossos passos.<br />

Heróis <strong>de</strong> novas lendas carlovíngias,<br />

O Sonho imanta as nossas almas, cinge­as,<br />

Na Luz I<strong>de</strong>al — o nosso excelso escudo;<br />

Buscando o In<strong>de</strong>finível, o Insondado,<br />

Deus, que é o Amor eterno e ilimitado<br />

E a gloriosa síntese <strong>de</strong> tudo.<br />

“POST MORTEM”<br />

Depois da morte, tudo aqui subsiste,<br />

Neste Além que sonhamos, que entrevemos,<br />

Quando a nossa alma chora nos extremos<br />

Dessa dor que no mundo nos assiste.<br />

Doce consolação, porém, existe<br />

Aos amargosos prantos que vertemos,<br />

Do conforto celeste os bens supremos<br />

Ao coração <strong>de</strong>salentado e triste.<br />

Também existe aqui a austera pena<br />

A consciência infeliz que se con<strong>de</strong>na,<br />

Por qualquer erro ou falta cometida;<br />

E a Morte continua eliminando<br />

A influência do mal, torvo e nefando,<br />

Para que brilhe a Perfeição da Vida.


286 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

SONETO<br />

Se todos nós soubéssemos na vida<br />

A Verda<strong>de</strong> grandiosa e soberana,<br />

Não faltaria o gozo que promana<br />

Dos sentimentos da missão cumprida.<br />

Mas na Terra a nossa alma empobrecida,<br />

Presa <strong>de</strong>ssa vaida<strong>de</strong> toda humana,<br />

De <strong>de</strong>sgraças e <strong>de</strong> erros se engalana<br />

Numa incerteza amarga, irreprimida...<br />

Vamos passando assim a vida inteira,<br />

Sem esposar a crença imorredoura,<br />

A fé <strong>de</strong>molidora <strong>de</strong> montanhas,<br />

Quase imersos na treva da cegueira,<br />

Sem vislumbrar a luz orientadora,<br />

Nessa noite <strong>de</strong> dúvidas estranhas!...


287 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

53<br />

RODRIGUES DE ABREU<br />

Vi­te, Senhor! ­ No Castelo encantado<br />

POETA nascido em Capivari, São Paulo, a 17 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1899, e<br />

<strong>de</strong>sencarnado, tuberculoso, em Campos do Jordão, aos 24 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1927.<br />

Publicou Casa Destelhada, Noturnos e Sala dos Passos Perdidos, além <strong>de</strong> inúmeros<br />

trabalhos esparsos na imprensa do seu Estado. Foi cognominado — “o poeta triste<br />

dás rimas róseas”.<br />

VI­TE, SENHOR!<br />

Eu não pu<strong>de</strong> ver­Te, meu Senhor,<br />

Nos bem­aventurados do mundo,<br />

Como aquele homem humil<strong>de</strong> e crente do conto <strong>de</strong> Tolstoi.<br />

Nunca pu<strong>de</strong> enxergar<br />

As Tuas mãos suaves e misericordiosas,<br />

On<strong>de</strong> gemiam as dores e as misérias da Terra;<br />

E a verda<strong>de</strong>, Senhor,<br />

É que Te achavas, como ainda Te encontras,<br />

Nos caminhos mais ru<strong>de</strong>s e espinhosos,<br />

Consolando os aflitos e os <strong>de</strong>sesperados...<br />

Estás no templo <strong>de</strong> todas as religiões,<br />

On<strong>de</strong> busquem Teus carinhos<br />

As almas sofredoras,<br />

Confundindo os que lançam o veneno do ódio em Teu nome,<br />

Trazendo a visão doce do Céu<br />

Para o olhar angustioso <strong>de</strong> todas as esperanças.<br />

Estás na direção dos homens,<br />

Em todos os caminhos <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s terrestres,<br />

Sem que eles se apercebam<br />

De Tua palavra silenciosa, e renovadora,<br />

De Tua assistência invisível e po<strong>de</strong>rosa,<br />

Cheia <strong>de</strong> pieda<strong>de</strong> para com as suas fraquezas.<br />

Entretanto,<br />

Eu era também cego no meio dos vermes vibráteis que são os homens,<br />

E não Te encontrava pelos caminhos ásperos...


288 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Mocida<strong>de</strong>, alegria, sonho e amor,<br />

Inquietação ambiciosa <strong>de</strong> vencer,<br />

E minha vida rolava no <strong>de</strong>clive <strong>de</strong> todas as ânsias...<br />

Chamaste­me, porém,<br />

Com a mansidão <strong>de</strong> Tua misericórdia infinita.<br />

Não disseste o meu nome para não me ofen<strong>de</strong>r;<br />

Chamaste­me sem exclamações lamentosas,<br />

Com o verbo silencioso do Teu amor,<br />

E antes que a morte coroasse a Tua magnanimida<strong>de</strong> para comigo,<br />

Vi que chegavas <strong>de</strong>vagarinho,<br />

Iluminando o santuário do meu pensamento<br />

Com a Tua luz <strong>de</strong> todos os séculos!<br />

Falaste­me com a Tua linguagem do Sermão da Montanha,<br />

Multiplicaste o pão das minhas alegrias<br />

E abriste­me o Céu, que a Terra fechara <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> minhalma...<br />

E entendi­Te, Senhor,<br />

Nas Tuas maravilhas <strong>de</strong> beleza,<br />

Quando Te vi na paz da Natureza,<br />

Curando­me com a Dor.<br />

NO CASTELO ENCANTADO<br />

Eu ainda não era um homem,<br />

Quando subi aos elevados promontórios da esperança,<br />

Divisando os países da beleza.<br />

Meu coração pulou com um ritmo <strong>de</strong>scompassado<br />

E <strong>de</strong>sejei a luz das cida<strong>de</strong>s distantes,<br />

O perfume das florestas prodigiosas<br />

On<strong>de</strong> cantavam as aves da mocida<strong>de</strong> e da glória.<br />

Tudo sonhei contemplando o horizonte!...<br />

Na embriaguez da ansieda<strong>de</strong> e do <strong>de</strong>sejo,<br />

Não vi o cântaro <strong>de</strong> mel<br />

Que minha mãe <strong>de</strong>ixara com o seu beijo<br />

Na prateleira humil<strong>de</strong> <strong>de</strong> minhalma.<br />

Gotas <strong>de</strong> mel, palavras <strong>de</strong> oração —<br />

“Pai Nosso que estais no Céu...”<br />

“Ave Maria, cheia <strong>de</strong> graças...”<br />

Gotas do mel <strong>de</strong> amor, do coração.


289 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Tudo esqueci, por infelicida<strong>de</strong>,<br />

E an<strong>de</strong>i como um fauno louco pelos mares remotos e pelas ilhas<br />

<strong>de</strong>sconhecidas...<br />

Eu era dono do mundo inteiro<br />

Porque era senhor dos sonhos absolutos,<br />

Adormecendo à sombra enganadora<br />

Da árvore da ilusão, on<strong>de</strong> quase todos os frutos apodrecem.<br />

E quando quebrava os últimos altares,<br />

Na inquietação da carne e do <strong>de</strong>sejo,<br />

Chegou ao país <strong>de</strong> minhalma um romeiro triste dos Céus,<br />

Falando como Jeremias sobre a Jerusalém <strong>de</strong> minhas ânsias:<br />

“A sombra da ilusão envenena­te a vida....<br />

“Eu corrijo as paisagens interiores,<br />

Trago­te o pão dos gran<strong>de</strong>s amargores,<br />

“Sou a Dor, ficarei sempre contigo.<br />

“Guarda as minhas verda<strong>de</strong>s, meu amigo,<br />

“Manda o Senhor que eu seja a companheira<br />

“De tua vida inteira...<br />

“Irás comigo a mundos ignorados,<br />

“Dar­te­ei maravilhas<br />

“Ao sol dos meus castelos encantados...”<br />

Eu não sei explicar o mistério<br />

Daquela personagem enigmática<br />

Que se intrometia, afoitamente,<br />

Na minha estrada <strong>de</strong> alegria.<br />

Seu olhar parecia<br />

A clarida<strong>de</strong> estranha <strong>de</strong> toda a resignação e <strong>de</strong> todo o pa<strong>de</strong>cimento.<br />

E, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> esse momento,<br />

Casou­se comigo a Dor, <strong>de</strong> tal maneira,<br />

Que a senti junto a mim, a vida inteira:<br />

Roubou­me todas as glórias da Terra,<br />

Fez fugir­se­me a noiva idolatrada,<br />

Deixou­me só na lôbrega jornada,<br />

Afastou­me a alegria da saú<strong>de</strong>,<br />

Apodreceu meu coração em sua mão,<br />

Deu­me as sombras dos Campos do Jordão,<br />

Fez <strong>de</strong> meu sonho a casa <strong>de</strong>stelhada,<br />

On<strong>de</strong> as chuvas <strong>de</strong> todas as misérias<br />

Caíram sem cessar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> esse dia;<br />

Crestou­me a flor ditosa da alegria,<br />

Tudo levou­me a dor incontentada...


290 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Mas oh! suave milagre <strong>de</strong> ventura,<br />

Ela <strong>de</strong>u­me os palácios encantados<br />

On<strong>de</strong> brilham as luzes dAquele que se sacrificou na cruz por todos os<br />

homens!...<br />

Pela sua porta estreita,<br />

Encaminhou­me à sensação perfeita<br />

De Tua inefável presença, ó Senhor <strong>de</strong> Bonda<strong>de</strong>.<br />

Nas gran<strong>de</strong>zas <strong>de</strong> Tua clarida<strong>de</strong>,<br />

Cala­se o meu verso humil<strong>de</strong>,<br />

Porque com a Dor<br />

Sinto que Te compreendo, meu Senhor,<br />

E abençôo contente<br />

As mágoas que me <strong>de</strong>ste antigamente...<br />

Pois agora é que eu sei<br />

Banhar­me todo nessa fonte imensa<br />

Da paz, doce e balsâmica da crença,<br />

Enxergando na tamareira da esperança,<br />

A cuja sombra o espírito <strong>de</strong>scansa,<br />

Pelos <strong>de</strong>sertos áridos do mundo,<br />

O único fruto eterno, bom e fecundo...<br />

Fruto que é o Teu amor<br />

E a Tua carida<strong>de</strong>, meu Senhor,<br />

Sustentando a infeliz Humanida<strong>de</strong>,<br />

Des<strong>de</strong> as pedras da Terra<br />

Aos jardins <strong>de</strong> esplendor da Eternida<strong>de</strong>!


291 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

54<br />

SOUZA CALDAS<br />

Ato <strong>de</strong> contrição ­ Versão do Salmo 12 ­ Versão do Salmo 18<br />

NASCIDO na cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro, em 1762, e aí <strong>de</strong>sencarnado em<br />

1814. Formado em Direito pela Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra, abraçou mais tar<strong>de</strong> a<br />

carreira eclesiástica, or<strong>de</strong>nando­se em Roma. Dizem que as suas melhores<br />

composições, as que o levaram a ser preso pelo Santo Ofício, per<strong>de</strong>ram­se.<br />

Acreditamos que o médium ignorava a circunstância <strong>de</strong> ser a tradução dos Salmos<br />

<strong>de</strong> David, justamente, <strong>de</strong> suas obras poéticas, a mais apreciada.<br />

ATO DE CONTRIÇÃO<br />

A vós<br />

Senhor,<br />

Meu Deus<br />

De Amor,<br />

Minhalma<br />

Implora<br />

A salvação!<br />

Meu Pai,<br />

Bem sei<br />

Que mal<br />

An<strong>de</strong>i,<br />

Buscando<br />

O erro<br />

E a imperfeição;<br />

Assim<br />

Pequei,<br />

Na treva<br />

Errei,<br />

E jus<br />

Eu fiz<br />

A expiação.


292 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Vós sois,<br />

Porém,<br />

Farol<br />

Do Bem!<br />

Ouvi<br />

Dos Céus<br />

Minha oração.<br />

Sois vós<br />

A luz,<br />

E junto<br />

A cruz<br />

254<br />

Do meu<br />

Sofrer,<br />

Quero o perdão;<br />

Perdão<br />

Que traz<br />

Sossego<br />

E paz<br />

Ao meu<br />

Viver<br />

Na provação.<br />

Suplico­o<br />

A vós,<br />

Na dor<br />

Atroz,<br />

Amara<br />

E ru<strong>de</strong><br />

Da contrição!<br />

Dai ao<br />

Meu ser,<br />

Aflito<br />

Ao ver<br />

O seu<br />

Pecado,<br />

A re<strong>de</strong>nção;


293 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

E hei <strong>de</strong><br />

Po<strong>de</strong>r<br />

Feliz<br />

Vencer<br />

Do mal<br />

Cruel<br />

O atroz dragão!<br />

VERSÃO DO SALMO 12<br />

Senhor dos Mundos, na Terra inteira,<br />

Os maus somente é que dominam,<br />

Ru<strong>de</strong>s tiranos e os impiedosos<br />

De coração.<br />

Ganham favores, buscam louvores,<br />

Espezinhando seus semelhantes,<br />

Tripudiando nas vossas leis,<br />

Ímpios que são.<br />

Causam a ruína da vossa casa,<br />

Lançam injúrias ao vosso nome,<br />

Adoradores da iniquida<strong>de</strong>,<br />

Da imperfeição.<br />

Vossas ovelhas são confundidas,<br />

E sufocadas pelo amargor,<br />

Fracas e pobres andam saudosas,<br />

Do vosso amor.<br />

São elas todas, pobres e humil<strong>de</strong>s,<br />

Glorificai­as, meu Criador!<br />

Alevantai­as do abismo escuro<br />

Com a vossa luz!<br />

Vossa bonda<strong>de</strong>, imensa e eterna,<br />

É a esperança dos pecadores;<br />

Pai amoroso, salvai os homens,<br />

Confio em vós!


294 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

VERSÃO DO SALMO 18<br />

Por toda a parte<br />

Veja a criatura,<br />

Na noite escura<br />

Da sua dor,<br />

A eterna força<br />

De um Deus clemente,<br />

Onipotente,<br />

Cheio <strong>de</strong> amor.<br />

Astros e mundos<br />

No céu girando,<br />

Aves cantando,<br />

O mar e a flor,<br />

Todos os seres<br />

Hinos entoem,<br />

Cantos ressoem<br />

Ao Criador!<br />

Eterno Artífice<br />

Que os sóis mo<strong>de</strong>la,<br />

Lustres da auréola<br />

Da Criação,<br />

Sois a bonda<strong>de</strong><br />

A mais perfeita,<br />

A Luz Eleita,<br />

A salvação.<br />

Doce refúgio<br />

Dos <strong>de</strong>sgraçados,<br />

Aos meus pecados,<br />

Muitos que são,<br />

Imploro e clamo,<br />

Com o meu espírito<br />

Turbado e aflito,<br />

Vosso perdão.<br />

Que <strong>de</strong>sprezei<br />

O ouro brilhante,<br />

Lindo e faiscante,<br />

Bem sei, Senhor!<br />

Como fugi<br />

Da hora fugace<br />

Que me afastasse<br />

Do vosso amor!<br />

Mas bem sabeis<br />

Que a carne impura<br />

Leva a criatura


295 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

A mais pecar;<br />

Fazendo assim<br />

Pra meu tormento,<br />

Meu pensamento<br />

Prevaricar.<br />

Porém, o vosso<br />

Amor profundo<br />

Redime o mundo<br />

Do pa<strong>de</strong>cer;<br />

Dando­lhe o tempo<br />

E áspera lida<br />

Para na vida<br />

Tudo vencer.<br />

Vós que acen<strong>de</strong>stes<br />

Faróis brilhantes,<br />

Sóis rutilantes<br />

Dalmo esplendor,<br />

Cantando a vida,<br />

A onipotência<br />

E a pura essência<br />

Do vosso amor!<br />

Que sois o sol<br />

Dos universos,<br />

Mundos dispersos<br />

Na imensidão.<br />

Além da força<br />

Vós sois, também,<br />

O sumo bem<br />

E a perfeição<br />

Que vence o mal,<br />

O orgulho e a dor,<br />

Que o pecador<br />

No coração<br />

Guarda com zelo,<br />

Cruéis inimigos,<br />

Que são amigos<br />

Da perdição.<br />

Misericórdia,<br />

Assim espero,<br />

Almejo e quero<br />

Para que eu<br />

E os meus irmãos<br />

O mal <strong>de</strong>ixemos<br />

E abandonemos<br />

Buscando o Céu.


296 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Por vossa causa<br />

O maior gozo,<br />

Esplendoroso,<br />

Desprezarei,<br />

Para que eu viva<br />

Na luz fulgente,<br />

Eternamente,<br />

Da vossa lei.<br />

Assim, Senhor,<br />

Minhalma aguarda<br />

A luz que tarda<br />

Ao mundo vão,<br />

Que há <strong>de</strong> esplen<strong>de</strong>r<br />

Nos homens todos,<br />

Limpando os lodos<br />

Da imperfeição.<br />

Dominareis<br />

Toda a impieda<strong>de</strong><br />

Pela verda<strong>de</strong><br />

Que em vós transluz!<br />

E, servo, aguardo<br />

Do vosso amor<br />

Consolo à dor,<br />

Amparo e luz!


297 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

55<br />

UM DESCONHECIDO<br />

Meditando ­ O nobre castelão ­ Nesga <strong>de</strong> Céu<br />

MEDITANDO<br />

Eu fui daquelas almas que viveram<br />

Sem conhecer da Terra os paraísos,<br />

Que somente a amargura dos sorrisos<br />

Pela noite das dores conheceram.<br />

Não que eu fosse infeliz e <strong>de</strong>sditoso,<br />

Pois fui também humano entre os humanos,<br />

E através dos meus dias, dos meus anos,<br />

Se eu quisesse gozar, teria o gozo.<br />

É que ao sentir no âmago do peito<br />

A atitu<strong>de</strong> do homem nossa vida,<br />

Coração enganado, alma iludida,<br />

Afastado do Puro e do Perfeito,<br />

O meu ser que sonhara a Humanida<strong>de</strong><br />

Qual um ramo <strong>de</strong> flores perfumosas,<br />

Viu as almas tremerem, <strong>de</strong>sditosas,<br />

Sob o peso da própria iniquida<strong>de</strong>.<br />

E isolado nos gran<strong>de</strong>s sofrimentos<br />

De ser só, na aspereza dos caminhos,<br />

Encontrei o prazer pelos espinhos,<br />

Ao trilhar os carreiros dos tormentos.<br />

Pois no mundo pequeno da minhalma,<br />

Quando em dor me envolvia a <strong>de</strong>sventura,<br />

Eu vislumbrava a luz brilhante e pura<br />

Que me trazia a paz, bonança e calma:<br />

— Era a luz que me vinha da visão<br />

De ver o Cristo­Amor, entre cansaços,<br />

E tinha então prazer <strong>de</strong> ver meus braços<br />

Enlaçados na cruz da provação.


298 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

O NOBRE CASTELÃO<br />

No interior<br />

Do esplêndido alcançar,<br />

Agonizava o senhor<br />

Dos domínios extensos.<br />

O dono do solar<br />

Nos espasmos intensos<br />

Da agonia,<br />

Em torno dirigia<br />

Um último olhar,<br />

E viu então<br />

O seu brasão<br />

Invicto e glorioso,<br />

Insculpido nas fúlgidas realezas<br />

Do castelo formoso,<br />

Transbordante <strong>de</strong> glórias e riquezas!<br />

Mais alongando a vista,<br />

Viu­lhe o feito da esplêndida conquista<br />

Nas grandiosas searas.<br />

Que em suas mãos avaras<br />

Foram armas cruéis, <strong>de</strong>struidoras,<br />

Martirizando as almas sofredoras.<br />

Contemplou seus tesouros passageiros,<br />

E em espasmos convulsos, <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iros,<br />

Opresso o coração,<br />

Mergulhado no pranto mais profundo,<br />

Expirou para o mundo<br />

O nobre castelão.<br />

A sua alma <strong>de</strong>spida das gran<strong>de</strong>zas,<br />

Das terrenas, efêmeras realezas,<br />

Bem após o transcurso <strong>de</strong> alguns anos<br />

De triste letargia,<br />

Foi um dia<br />

Despertada em amargos <strong>de</strong>senganos:<br />

Conturbado por agros dissabores,<br />

Contemplou seu solar<br />

Ocupado por outros moradores...<br />

A exclamar,<br />

Estranhou revoltado,<br />

Que ninguém acudisse ao seu chamado.<br />

E em atitu<strong>de</strong> austera,<br />

Tomado <strong>de</strong> energia,


299 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

De cólera severa<br />

Já que ele era o senhor,<br />

Reclamou os seus servos com calor<br />

E, entretanto, nenhum lhe obe<strong>de</strong>cia.<br />

Imerso em turvação,<br />

Somente, às vezes,<br />

Escutava nos ditos mais soezes<br />

Terrível maldição<br />

Das vítimas <strong>de</strong> antanho!<br />

E o sofrimento era, tamanho<br />

Em ser incompreendido,<br />

Que se julgou perdido<br />

Irremissivelmente<br />

Assim, constantemente,<br />

Durante o transcorrer <strong>de</strong> muitos dias,<br />

Conservou­se naquelas cercanias<br />

Como presa feroz<br />

Do sofrimento atroz,<br />

De contínuos pesares e agonias...<br />

Todavia,<br />

O pobre sofredor,<br />

No auge do amargor,<br />

Recordou­se que havia<br />

Um Pai Onipotente,<br />

E cheio <strong>de</strong> fervor,<br />

Humil<strong>de</strong> penitente,<br />

Implorou seu amor<br />

Numa súplica em lágrimas <strong>de</strong> pena.<br />

Sua alma sofredora<br />

Sentiu­se então mais calma e mais serena,<br />

Penetrada <strong>de</strong> doce clarida<strong>de</strong>,<br />

De luz confortadora,<br />

Que provinha <strong>de</strong> alguém<br />

Que lhe fazia<br />

Meditar na gran<strong>de</strong>za da Verda<strong>de</strong><br />

E lhe dizia<br />

Da beleza do Amor, da Luz do Bem: —<br />

“O que sofres, amigo, é a consequência<br />

Da equívoca existência<br />

Que levaste,<br />

Já que sem pieda<strong>de</strong> aniquilaste<br />

Muitas almas e muitos corações,<br />

Que hoje te envolvem os lúridos momentos<br />

Em ru<strong>de</strong>s sofrimentos<br />

E estranhas maldições.


300 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Por que ocultaste as flores formosas<br />

Que na Terra colheste,<br />

Flores lindas que nunca ofereceste<br />

As almas <strong>de</strong>sditosas<br />

Por que não conce<strong>de</strong>ste um só bocado<br />

Do teu pão abundante<br />

Ao pobre esfomeado<br />

Ocupando­te em gozo, a todo o instante,<br />

Jamais vestiste os nus, nem consolaste<br />

Aquele que sofria;<br />

Desprezavas o fraco e nunca amaste<br />

Quem <strong>de</strong> ti carecia!<br />

A carida<strong>de</strong>,<br />

O sentimento­luz, a flor­tesouro,<br />

Não tiveste em teus dias <strong>de</strong> malda<strong>de</strong><br />

No gran<strong>de</strong> sorvedouro!<br />

Porém, o Deus <strong>de</strong> Amor<br />

É sempre o magnânimo Senhor,<br />

E permite que voltes aos humanos,<br />

Para que se dissipem teus enganos<br />

No amargor;<br />

Voltarás,<br />

Porém, já não terás<br />

Efêmeras venturas,<br />

Serás agora escravo e não senhor...<br />

Conhecerás<br />

As dores e amarguras,<br />

As mágoas escabrosas.<br />

Pelas estradas ru<strong>de</strong>s e espinhosas!<br />

Abençoa o Senhor<br />

Que te conce<strong>de</strong> a dor,<br />

Para assim compreen<strong>de</strong>res<br />

Que os reais e legítimos prazeres<br />

Que da vida nos vêm,<br />

Não resi<strong>de</strong>m no Mal e sim no Bem.”


301 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

NESGA DE CÉU<br />

A alma extasiada<br />

Sobe... sobe...<br />

Há toda. uma amplidão Iluminada<br />

A sua vida...<br />

A estrada<br />

É uma etérea alfombra<br />

Sem resquícios <strong>de</strong> sombra!<br />

É o domínio da luz que ela conquista!<br />

Vibra no ar<br />

Dulcíssima harmonia,<br />

Como se fora feita<br />

De luar,<br />

De alegria...<br />

De alegria perfeita.<br />

Parece um hino <strong>de</strong> amor<br />

Dos Paganinis si<strong>de</strong>rais,<br />

A ventura, o fulgor,<br />

Transformados em notas musicais.<br />

Além, fulguram sóis;<br />

Em tudo há um misto<br />

Nunca visto<br />

De manhãs e arrebóis.<br />

Aos clarões <strong>de</strong>ssa aurora,<br />

A alma chora<br />

Em êxtase profundo.<br />

E lembra­se que sofreu,<br />

Que amou, que pa<strong>de</strong>ceu.<br />

Ao longe, muito ao longe,<br />

O mundo<br />

É um ponto negro que gira...<br />

Ainda além, mais além,<br />

A Via­Láctea transluz,<br />

Como um é<strong>de</strong>n <strong>de</strong> luz<br />

E <strong>de</strong> amor.


302 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

Nesgas do céu, imagens <strong>de</strong> esplendor,<br />

Cenários majestosos,<br />

Soberbas harmonias<br />

Nos mundos luminosos!<br />

Seres que passam rápidos, flutuantes,<br />

Sorri<strong>de</strong>ntes, radiantes,<br />

Nos espaços sem termos, on<strong>de</strong> a vida<br />

É a imortalida<strong>de</strong><br />

Anelada, querida,<br />

De pureza, <strong>de</strong> beleza,<br />

De perfeição e <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong>!<br />

Em baixo as vastidões,<br />

Em cima, as emoções<br />

Do ilimitado.<br />

Atrás a noite e as mágoas <strong>de</strong> agonia<br />

Do passado;<br />

E, em frente,<br />

Um futuro esplen<strong>de</strong>nte<br />

Pintalgado <strong>de</strong> rosas,<br />

Da mais pura alegria.<br />

Feito <strong>de</strong> éter, <strong>de</strong> sonho,<br />

O caminho é risonho,<br />

Recamado <strong>de</strong> flores perfumosas.<br />

Melodia, luz, aroma!...<br />

De repente<br />

Numa nesga <strong>de</strong> céu resplan<strong>de</strong>cente<br />

Assoma<br />

Uma rutila esfera,<br />

Como um país <strong>de</strong> doce primavera,<br />

Intérmina <strong>de</strong> gozos!...<br />

A alma se extasia<br />

Na luz do Eterno Dia.<br />

Com os pensamentos puros e radiosos,<br />

Ora a Deus:<br />

Recorda em prece os sofrimentos seus,<br />

Evoca as lágrimas vertidas!<br />

Contempla panoramas <strong>de</strong> outras vidas,<br />

Vidas <strong>de</strong> estranha dor...


303 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

Mas cada gota amarga dos seus prantos<br />

Agora<br />

É um raio <strong>de</strong> aurora,<br />

Que um a um<br />

Vão formando uma auréola<br />

De brilhos santos,<br />

Que a engrinalda <strong>de</strong> luz.<br />

Em suavíssima unção,<br />

A pobre alma orando,<br />

Chorando,<br />

Nessa prece<br />

Reconhece<br />

A alvorada <strong>de</strong> sua re<strong>de</strong>nção!


304 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

56<br />

VALADO ROSAS<br />

Aos meus irmãos ­ Na paz do Além<br />

NASCEU em Viana do Castelo, Portugal, em 1871. Veio para o Brasil com<br />

14 anos e aqui viveu, poetou e <strong>de</strong>sencarnou, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Caratinga, aos 19 <strong>de</strong><br />

janeiro <strong>de</strong> 1930. Seu nome é Lázaro Fernan<strong>de</strong>s Leite do Val. Mo<strong>de</strong>sto quão<br />

talentoso, foi também um polemista e doutrinador espírita vigoroso, que ilustrou o<br />

pseudônimo na imprensa profana e doutrinária do Brasil e <strong>de</strong> sua pátria.<br />

AOS MEUS IRMÃOS<br />

Sob as estrelas da minha crença,<br />

Cansado e triste cerrei meus olhos<br />

Dentro da noite que é para muitos<br />

Um mar bravio, cheio <strong>de</strong> escolhos.<br />

Quando no mundo <strong>de</strong> exílio e sombra,<br />

Habituei­me com as invernias<br />

E com os reveses da minha sorte,<br />

Na luta intensa que encheu meus dias,<br />

É que o Evangelho do Cristo amado,<br />

— O mensageiro da Perfeição,<br />

Nas horas tristes e amarguradas,<br />

Esclarecia meu coração:<br />

Não sou, no entanto, quem vá mostrar<br />

As maravilhas que ele fornece,<br />

Quando escutamos as vozes claras<br />

Da consciência, na luz da prece.<br />

E, então, eu pu<strong>de</strong> adormecer<br />

Na paz serena, doce e cristã,<br />

Abrindo os olhos tranquilamente<br />

Numa alvorada linda e louçã.<br />

Vós, que ficastes no mundo ingrato,<br />

De quem me lembro na luz do Além,<br />

Le<strong>de</strong> o roteiro dos Evangelhos...<br />

E a paz na marte tereis também.


305 – PARNASO DE ALÉM­TÚMULO<br />

NA PAZ DO ALÉM<br />

Dentro da noite grandiosa e calma,<br />

Deixo a minhalma falar aqui,<br />

Aos companheiros <strong>de</strong> luta e crença,<br />

Da graça imensa que recebi.<br />

Graça divina <strong>de</strong> haver sofrido,<br />

De ser vencido no mundo vão,<br />

Graça <strong>de</strong> haver sorvido tanto<br />

O amargo pranto da ingratidão.<br />

Na vida obscura e transitória<br />

A nossa glória vive na dor,<br />

Dor <strong>de</strong> quem sofre sonhando e espera,<br />

Com fé sincera, no Pai <strong>de</strong> Amor.<br />

Subi o Gólgota dos meus pesares,<br />

Que os avatares da re<strong>de</strong>nção<br />

São todos feitos nas amarguras,<br />

Nas <strong>de</strong>sventuras da provação.<br />

Perdi na Terra doces afetos,<br />

Sonhos diletos <strong>de</strong> sofredor,<br />

Mas recebendo na gran<strong>de</strong> escola<br />

A gran<strong>de</strong> esmola do meu Senhor.<br />

E a Morte trouxe­me a liberda<strong>de</strong>,<br />

A pieda<strong>de</strong>, o amparo e a luz!<br />

Feliz quem po<strong>de</strong> na dor terrestre<br />

Seguir o Mestre com sua cruz.<br />

– Fim –


306 – Francisco Cândido Xavier (Espíritos diversos)<br />

CONVITE:<br />

Convidamos você, que teve a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ler livremente esta obra, a<br />

participar da nossa campanha <strong>de</strong><br />

SEMEADURA DE LETRAS,<br />

que consiste em cada qual comprar um livro espírita,<br />

ler e <strong>de</strong>pois presenteá­lo a outrem,colaborando assim na<br />

divulgação do Espiritismo e incentivando as pessoas à boa leitura.<br />

Essa ação, certamente, ren<strong>de</strong>rá ótimos frutos.<br />

Abraço fraterno e muita LUZ para todos!<br />

www.luzespirita.org.br

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