Por Maíra Mendonça, A Gazeta


Estação de monitoramento da qualidade do ar de Vitória instalado sobre a unidade de saúde de Jardim Camburi — Foto: Edson Chagas/ A Gazeta

Após quase 10 meses sem verificar o nível de poluição provocada pela poeira sedimentada – mais conhecida como pó preto –, o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) voltará a realizar as medições em toda a Grande Vitória a partir de abril.

Mas, apesar de aprovarem a retomada dos trabalhos, moradores que convivem com o problema todos os dias ainda reclamam da falta de providências para que uma solução definitiva seja encontrada.

Os últimos dados obtidos através das medições datam de junho de 2016, já que depois disso, o laboratório Tommasi, que era responsável pelo serviço, decidiu não renovar o contrato em função da defasagem dos preços. Uma nova licitação foi aberta e a mesma empresa será responsável pelas medições.

De acordo com a diretora-presidente do Iema, Andreia Carvalho, os novos coletores (espécie de baldes que coletam a poeira) já estão sendo instalados nas 10 estações da rede manual. O recolhimento do material é feito todo mês, mas, até 2016, o resultado das análises demorava cerca de três meses para ser informado. Agora, a ideia é acelerar.

“Vamos ter que otimizar esse prazo. O objetivo é que em até 45 dias o resultado já esteja no nosso site”, afirma Andreia.

Preocupação
Sem as medições não se sabe ao certo o quanto de poeira tem circulado pelo ar, mas para o diretor da Associação de Moradores da Enseada do Suá, Rodrigo Borges, uma coisa é certa: a quantidade é grande e continua a invadir as casas em muitas regiões.

“É preciso saber o que vai ser feito caso o nível de poluição ultrapasse o limite estabelecido. É necessário que haja uma punição, que até hoje não ocorreu. As pessoas precisam viver com suas casas fechadas. Com isso o lugar fica quente e até os gastos com ar-condicionado são maiores”, reclama o diretor, que lamenta também o fato de as medições só retornarem após o fim do verão, quando a poluição mais incomoda.

O padrão máximo de poeira aceitável do qual Rodrigo fala é de 14 gramas por metro quadrado recolhidos durante 30 dias, conforme estabelece o decreto estadual número 3463-R.

Segundo Andreia Carvalho, caso o limite seja ultrapassado em alguma das estações, é feito um mapeamento para descobrir de onde vem a poeira, incluindo a análise de condições meteorológicas, como a direção do vento; a realização de obras públicas e os trabalhos de varrição de ruas.

“Aí temos condições de agir. Suponhamos que uma das contribuidoras seja uma empresa licenciada por nós (como a Vale e a ArcelorMittal), nós olhamos os dados de monitoramento que elas enviam mensalmente ao Iema e avaliamos se alguma fonte saiu fora do padrão estabelecido. A partir disso pode ser dada uma intimação, uma advertência ou até uma multa”, explica.

Fiscalização
Andreia reforça que a fiscalização nas empresas tem ocorrido de semana a semana e que determinações para reduzir a poeira, como a aplicação de polímero nas pilhas de estocagem e limpeza do píer, já foram feitas.

O Iema vem trabalhando na renovação da licença ambiental da Vale e pretende iniciar os trabalhos com a Arcelor, a fim de impor novos ajustes. “Não vamos descansar enquanto o incômodo para a população persistir”.

Eraylton Moreschi, com o pó preto retirado de casa durante um mês em janeiro de 2017 — Foto: Vitor Jubini/ A Gazeta

Comitê quer que empresas paguem por medição
O tema pó preto é também o alvo de uma comissão montada por representantes do Ministério Público Estadual (MP-ES) e Federal (MPF-ES) junto à associações da sociedade civil, do governo do estado, da Vale e da ArcelorMittal, que se reunirá nesta terça-feira (28) pela terceira vez.

Em nota, o Ministério Público Federal não disse sobre o que tratará o encontro, mas afirmou que os trabalhos estão em andamento, ainda em fase inicial. “A intenção da comissão além de fazer com que as empresas arquem com os custos da medição da poluição, é também encontrar caminhos para a redução da emissão de poluentes”, declarou.

Enquanto novas soluções não são encontradas, lideranças comunitárias aprovam a volta da medição da poeira sedimentada por parte do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), mas não acreditam que o fim do incômodo está próximo. Para Enock Sampaio, presidente da Associação Comunitária de Jardim Camburi, conhecer os índices é apenas o primeiro passo.

“Sabemos que o problema existe, mas a questão é o que será feito de agora em diante. A situação é a mesma, o índice de pó é grande e ninguém consegue manter as casas abertas. A limpeza precisa ser diária”, reclama ele.

A distância pode ser maior, mas o incômodo gerado pelo pó preto é capaz de ultrapassar pontes, chegando até Vila Velha, conforme conta o presidente da Associação de Moradores da Praia da Costa, Gilson Pacheco.

“O índice de poluição é imenso. E ao longo dos anos essa medição que é feita não tem dado resultados efetivos. Tem deixado a desejar”, afirma.

Abaixo do limite
Segundo a diretora-presidente do Iema, Andreia Carvalho, normalmente o índices de medição não indicam ultrapassagem do limite de pó preto estabelecido, isto é, 14 gramas por metro quadrado, recolhidos ao longo de 30 dias.

“Exceto no verão, quando certas estações de monitoramento, por conta da incidência do vento nordeste, por exemplo, recebem mais partículas. Coincide com o aumento das reclamações”, explica Andreia.

Mas para o ambientalista e presidente da ONG Juntos SOS Ambiental, Eraylton Moreschi, o padrão máximo estabelecido é muito alto e, por isso, difícil de ser alcançado, beneficiando as empresas poluidoras. “É absurdo, é inadmissível”, exclama ele, que ainda defende a regionalização do padrão, para que critérios diferentes de análise sejam adotados conforme a região.

“A poluição do pó é sentida mais nas regiões mais próximas ao Complexo de Tubarão. Já em outros lugares ela é totalmente diferente”, argumenta ele.

Empresa recebeu 27 multas em 16 anos
A Vale recebeu 27 multas nos últimos 16 anos, pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Seama). Dez estão em análise e quatro em cobrança. As outras 13 estão arquivadas porque foram ou quitadas ou convertidas em prestação de serviços ambientais ou canceladas.

A maioria ocorreu por causa de lançamentos de efluentes na água e na atmosfera. Há multas também, em fase de recurso, pela Prefeitura de Vitória, que somadas chegam a R$ 34.236.715,96 para a empresa.

Outro lado
Diante da intenção da nova comissão de fazer com que empresas poluidoras paguem pelas medições de poluição do pó preto, a Vale informou que já participa de um convênio com o Iema junto a outras empresas para repassar recursos para custear a operação da rede automática de monitoramento do ar da Grande Vitória, “com o objetivo de medir a qualidade do ar, dar transparência aos dados e ter subsídio para orientar investimentos e ações objetivas que possam contribuir com a redução das suas emissões”.

A ArcelorMittal também participa do mesmo convênio. A empresa reforça que participará da reunião da comissão marcada para esta terça e que está comprometida com discussões técnicas que promovam a melhoria da qualidade do ar da Grande Vitória. Em nota, acrescentou que está em execução um investimento de cerca de 400 milhões de reais no controle ambiental de processos sob sua responsabilidade.

“Além disso, a ArcelorMittal Tubarão também adotou proativamente, pelo 23º ano consecutivo, o Plano Verão, focado em garantir ainda mais eficiência aos sistemas de controle de emissões atmosféricas nessa época do ano, quando são registrados alto nível de insolação e ventos fortes, típicos da estação”, frisou a siderúrgica.

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