Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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VOLUME 2

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científica digital


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1ª EDIÇÃO

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2022 - GUARUJÁ - SP


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Guarujá - São Paulo - Brasil www.editoracientifica.org - contato@editoracientifica.org

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Educação na contemporaneidade [livro eletrônico] : tensões e desafios: volume 2 / Organizadores Liege Coutinho Goulart Dornellas, Ticiano Azevedo Bastos, Daniel dos Reis Pedrosa. – Guarujá, SP: Científica Digital, 2021. Formato: PDF Requisitos de sistema: Adobe Acrobat Reader Modo de acesso: World Wide Web ISBN 978-65-5360-064-5 DOI 10.37885/978-65-5360-064-5 1. Educação – Brasil. 2. Prática de ensino. 3. Professores – Formação. I. Dornellas, Liege Coutinho Goulart. II. Bastos, Ticiano Azevedo. III. Pedrosa, Daniel dos Reis. CDD 370.71 Elaborado por Janaina Ramos – CRB8/9166

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APRESENTAÇÃO Esta obra constituiu-se a partir de um processo colaborativo entre professores, estudantes e pesquisadores que se destacaram e qualificaram as discussões neste espaço formativo. Resulta, também, de movimentos interinstitucionais e de ações de incentivo à pesquisa que congregam pesquisadores das mais diversas áreas do conhecimento e de diferentes Instituições de Educação Superior públicas e privadas de abrangência nacional e internacional. Tem como objetivo apresentar um segundo volume de pesquisas relacionadas à educação nos diversos campos do saber e modalidades educacionais, trazendo uma coletânea de textos que apontam para as novas tendências e práticas no âmbito da educação. Vários temas têm se apresentado como desafios e tendências nas pesquisas realizadas no campo da educação na contemporaneidade, portanto esta coletânea não pretende se limitar ao âmbito educacional formal, mas avançar para outros espaços de construção do saber e aprendizagem. A presente coletânea contém 17 capítulos, divididos entre as temáticas de metodologia, educação matemática, práticas de ensino e políticas educacionais. Agradecemos aos autores pelo empenho, disponibilidade e dedicação para o desenvolvimento e conclusão dessa obra. Esperamos também que esta obra sirva de instrumento didático-pedagógico para estudantes, professores dos diversos níveis de ensino em seus trabalhos e demais interessados pela temática. Boa leitura! Liege Coutinho Goulart Dornellas Daniel dos Reis Pedrosa Ticiano Azevedo Bastos


SUMÁRIO CAPÍTULO

01

DA CRÍTICA DA MODERNIDADE À PÓS-MODERNIDADE: AS INFLUÊNCIAS NA EDUCAÇÃO Elisangela Castedo Maria do Nascimento; Aparecida Sousa dos Santos; Bruno Roberto Nantes Araújo; Andrew Vinícius Cristaldo da Silva

' 10.37885/220107280................................................................................................................................................................................... 13 CAPÍTULO

02

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES COMO ESTRATÉGIA DE CONSOLIDAÇÃO DA HEGEMONIA DO CAPITAL Wildiana Kátia Monteiro Jovino

' 10.37885/220107225.................................................................................................................................................................................. 26 CAPÍTULO

03

EDUCAÇÃO, FASCISMO E RACISMO Paulo Roberto Marques Segundo

' 10.37885/220207642.................................................................................................................................................................................. 38 CAPÍTULO

04

NOTAS SOBRE A INSERÇÃO DO EDUCADOR SOCIAL NAS (E PARA AS) FUNCIONALIDADES DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA – POSSIBILIDADES DO PROJETO RONDON José Barroso Filho; Rafael Seixas Santos

' 10.37885/220107341....................................................................................................................................................................................53 CAPÍTULO

05

COVID-19, EDUCAÇÃO INTEGRAL E CURRÍCULO DA CIDADE: QUAL A RELAÇÃO ENTRE ESSES TRÊS ELEMENTOS? Pollyanna Regina Batista de Souza

' 10.37885/210805888.................................................................................................................................................................................. 65 CAPÍTULO

06

DIDÁTICA DA HISTÓRIA PARA HISTORIADORES: MODELOS DE NAÇÃO EM ANÁLISE Analice Alves Marinho Santos; Kátia Regina Lopes Costa Freire

' 10.37885/220107417.................................................................................................................................................................................... 81


SUMÁRIO CAPÍTULO

07

ALFABETIZAÇÃO SIGNIFICATIVA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: RELATANDO UMA EXPERIÊNCIA Marcia Pereira Wildemberg; Geovani da Silva Bayerl

' 10.37885/220107434................................................................................................................................................................................ 100 CAPÍTULO

08

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NO CICLO INICIAL DO ENSINO FUNDAMENTAL: UM REFERENCIAL TEÓRICO Santana Elvira Amaral da Rocha; Rosemary Farias Rufino

' 10.37885/220207576..................................................................................................................................................................................111 CAPÍTULO

09

O PAPEL DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA ESCOLA: REPRESENTAÇÕES DA DIREÇÃO E DE DOCENTES DE QUARAÍ – RS Mauren Lúcia Braga de Araújo; Thaís Ariane da Luz Porto

' 10.37885/211006354................................................................................................................................................................................ 120 CAPÍTULO

10

O ENSINO DE ARITMÉTICA E A MODERNIZAÇÃO DO CURRÍCULO DAS ESCOLAS ELEMENTARES ESTADUNIDENSES NO SÉCULO XIX Alexandre Souza de Oliveira

' 10.37885/210805642................................................................................................................................................................................ 128 CAPÍTULO

11

LEARNING CHEMISTRY REQUIRES MUCH SWEAT: DEODORANTS AND ANTIPERSPIRANTS AS A CURIOUS AND CONTEXTUALIZED TEACHING PROPOSAL Mayker Lazaro Dantas Miranda; Gustavo Henrique Roberto Ferreira

' 10.37885/211106748................................................................................................................................................................................. 146 CAPÍTULO

12

EDUCAÇÃO INCLUSIVA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE PLEONASMO, DIFERENÇAS CONCEITUAIS E SUAS CONSEQUÊNCIAS Silvana Matos Uhmann

' 10.37885/211106656..................................................................................................................................................................................153


SUMÁRIO CAPÍTULO

13

GESTÃO DEMOCRÁTICA NA EDUCAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA Reni Aparecido Norberto Pinto; Paulo Cesar Cedran

' 10.37885/220207555................................................................................................................................................................................ 165 CAPÍTULO

14

O IMPACTO DAS EMOÇÕES NA APRENDIZAGEM ESCOLAR: UMA REVISÃO INTEGRATIVA Lorena Alves Santana Patricio; Creuzimara Pessanha Madalena Salles; Jaisa Klauss

' 10.37885/220107328................................................................................................................................................................................. 178 CAPÍTULO

15

EXPERIÊNCIAS DE TRANSGENERIDADE NA INFÂNCIA A PARTIR DAS NARRATIVAS CINEMATOGRÁFICAS TOMBOY (2011) E MA VIE EN ROSE (1997) Claudia Ximenez Alves; Leiriane Jenifer Souza Gloor

' 10.37885/220107249................................................................................................................................................................................ 190 CAPÍTULO

16

GESTÃO DO CONHECIMENTO E SUA PRÁTICA APLICADA NA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR Reinaldo Repinasi dos Santos1; Vânia Luzia Tiedt Torres; Letícia Fleig Dal Forno

' 10.37885/211106594.................................................................................................................................................................................206 CAPÍTULO

17

ANÁLISE DAS CONSEQUÊNCIAS DA DEPRESSÃO NO DESENVOLVIMENTO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES NAS ESCOLAS DE SANTOS Luiz Henrique de Paula

' 10.37885/220107397................................................................................................................................................................................. 218 SOBRE OS ORGANIZADORES.............................................................................................................................. 234 ÍNDICE REMISSIVO.............................................................................................................................................. 235


01 Da crítica da modernidade à pósmodernidade: as influências na educação

Elisangela Castedo Maria do Nascimento

Bruno Roberto Nantes Araújo UFMS

FCMS

Aparecida Sousa dos Santos UFMS

10.37885/220107280

Andrew Vinícius Cristaldo da Silva UCDB


RESUMO

A modernidade é um período cujos limites de início e fim são grandes acontecimentos na história após o período medieval. É o rompimento com a tradição em função da razão e com Deus em função da subjetividade. A modernidade objetiva o esclarecimento e a emancipação e sua Teoria do Conhecimento. O caminho que a humanidade trilhou, levou à crise da modernidade fazendo-se repensar alguns paradigmas entre eles a cultura. Dessa forma, o objetivo deste trabalho foi descrever o fim da modernidade e sua crítica como também sua transição para a pós-modernidade e uma breve descrição da importância dos Estudos Culturais – uma das teorias pós-críticas da pós-modernidade. Para alcançar esse objetivo o texto foi fundamentado nos seguintes autores: Tomaz Tadeu da Silva, Boaventura de Souza Santos, Silvio Gallo, Wortmann, Costa e Silveira entre outros. Na perspectiva dos Estudos Culturais o currículo deveria ser flexível e construído socialmente privilegiando a expressão das identidades culturais e sociais que constituem nosso país, e dando abertura aos vários conhecimentos que não são estudados nas escolas porque são vistos como inferiores como é o caso dos saberes tradicionais de comunidades indígenas, ribeirinhos, extrativistas, quilombolas entre outros que vivem à margem de nossa sociedade.

Palavras-chave: Modernidade, Pós-Modernidade, Estudos Culturais, Educação.

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INTRODUÇÃO O Século XVIII foi considerado o século das luzes, a iluminação racional. O Iluminismo (movimento cultural filosófico) nasce no período da Renascença quando ocorriam transformações nos campos da literatura, filosofia, artes e ciência, foi um movimento que criticou o modelo de sociedade medieval. O homem toma consciência de suas capacidades e coloca em questão os dogmas religiosos. Esse movimento evidenciou a razão humana e isso representou a libertação da ignorância e dos abusos praticados pela igreja e autoridades da época. A modernidade é um período cujos limites de início e fim são grandes acontecimentos na história após o período medieval. É o rompimento com a tradição em função da razão, e com Deus em função da subjetividade, pois sai de uma visão teocêntrica para uma visão antropocêntrica. A modernidade objetiva o esclarecimento e a emancipação e sua Teoria do Conhecimento se fundamenta em dois elementos constitutivos a razão e a subjetividade. No decorrer dos séculos, o projeto de emancipação Moderna foi questionado e criticado. O caminho que a humanidade trilhou, principalmente em relação aos direitos humanos, levou à crise da modernidade fazendo-se repensar alguns paradigmas entre eles a cultura. Dessa forma, buscamos com este trabalho descrever de forma rápida e resumidamente o fim da modernidade e sua crítica como também sua transição para a pós-modernidade e uma breve descrição da importância dos Estudos Culturais na perspectiva educativa – uma das teorias pós-críticas da pós-modernidade.

A TEORIA CRITICA DA MODERNIDADE A Teoria Crítica tem sua origem na Escola de Frankfurt, a partir dos princípios estruturalistas e pós-estruturalistas e nas dinâmicas sociais, partindo principalmente dos trabalhos de Horkheimer e Habermas. Silva (2000, p.105) define a teoria crítica da seguinte forma Em sentido amplo, qualquer perspectiva teórica centrada no questionamento das formas de conhecimento que supostamente apresentam-se como falsas ou distorcidas por sua vinculação com formas de dominação e poder: a análise marxista, baseada no conceito de ideologia, é o exemplo paradigmático de “teoria crítica”. O conceito de “crítica”, no sentido moderno, tem origem no projeto iluminista e recebe sua formulação mais explícita na filosofia de Immanuel Kant: a “crítica” como questionamento e análise das condições que impedem um conhecimento autônomo e racional. Em sentido estrito, descreve-se como “Teoria Crítica” a perspectiva teórica desenvolvida pelos membros da chamada Escola de Frankfurt, entre os quais Theodor W. Adorno, Max Horkheimer e Herbert Marcuse. Em termos gerais, o projeto crítico frankfurtiano centrava-se na análise dos mecanismos pelos quais a sociedade capitalista contemporânea tende a ampliar suas formas de dominação cultural e ideológica.

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Segundo Santos (1999b, p.199) Horkheimer foi o que melhor definiu a teoria crítica como sendo “uma teoria fundada epistemologicamente na necessidade de superar o dualismo burguês entre o cientista individual produtor autônomo de conhecimento e a totalidade da atividade social que o rodeia”. Isso quer dizer que o cientista não se despe de ser um ser social enquanto faz ciência e que o mesmo enquanto “ser”, é construído pela sociedade e por isso sua história interfere na forma como compreende as coisas enquanto faz ciência. A teoria Crítica foi fundamentada no marxismo, mas também recebeu influências do romantismo do sec. XVIII, do pensamento utópico do sec. XIX e do pragmatismo americano do sec. XX e dividiu-se em várias orientações teóricas, estruturalistas, existencialistas, psicanalíticas, fenomenológicas problematizando os fatores sociais e políticos com ênfase nas categorias: hegemonia, ideologia, classe, elite, alienação, dominação, exploração, racismo, sexismo, dependência sistema mundial, teologia da libertação (SANTOS, 1999b). Na intensão de confirmar uma configuração política, Horkheimer compara a teoria crítica moderna à teoria tradicional por meio de um questionamento sobre a relação entre o pensamento crítico e a experiência, pois propõe uma atividade teórica com objetivo de transformação da totalidade social por meio da identificação dessas categorias dominantes (SANTOS, 1999b). Santos (1999b) aponta algumas dificuldades na construção de uma teoria crítica como: 1) a totalidade e a proposta de alternativa total à sociedade, concebida pela teoria crítica clássica, o reconhecimento de que apenas a teoria crítica marxista pode conhecer a realidade, um único princípio de transformação social e um agente coletivo de transformação social. 2) a industrialização não é o motor do progresso e do desenvolvimento, pois o crescimento do PIB não significa mais bem-estar social e sim a distribuição da riqueza. A transformação do capitalismo transformou a linguagem tornando mais difícil a distinção entre os projetos de sociedade. Assim a oposição capitalismo/socialismo foi sendo substituída pelo ícone da sociedade industrial, sociedade pós-industrial, e finalmente, pela sociedade da informação. A oposição entre imperialismo e modernização foi sendo substituída pelo conceito, intrinsecamente híbrido, de globalização. A oposição revolução/democracia foi quase drasticamente substituído pelos conceitos de ajustamento estrutural, pelo consenso de Washington e também pelos conceitos híbridos de participação e desenvolvimento sustentado. Com esta política semântica [...] os campos deixaram de ser distintos [...] sentem dificuldade em identificar os campos [...] a indefinição ou indeterminação do inimigo ou do adversário (SANTOS, 1999b, p. 203).

Em resumo Santos (1999b) identifica as dificuldades em construir a teoria crítica. Por não terem sido cumpridas as promessas da modernidade, transformaram-se em problemas que parece não haver solução. O que produziu a crise da teoria crítica moderna, não se Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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converteu em condições de superação da crise, sendo assim, não há soluções modernas para os problemas modernos que não foram resolvidos, ou seja, não há solução numa perspectiva pós-moderna. Esse é o ponto de partida para a transformação social a partir da criação de uma teoria crítica pós-moderna. A teoria crítica moderna não fez a crítica epistemológica, pois não percebeu que a razão que critica não pode ser a mesma que construiu o que está sendo criticado. Se a intenção era produzir um conhecimento-emancipação, o que produziu foi um conhecimento-regulação, dessa forma, novamente Santos (1999a) aponta mais um ponto de partida para a teoria crítica pós-moderna que é a crítica do conhecimento, posicionando o outro como sujeito do conhecimento e não como objeto. Somos e vivemos numa sociedade multicultural, onde é inevitável suspeitar da totalidade e universalidade como explicações. O multiculturalismo tem sido alvo dos estudos culturais que convergem as diferentes ciências sociais produzindo conhecimento crítico, feminista, anti-racista, anti-sexista, pós-colonial (SANTOS, 1999a), mas esse assunto será melhor abordado mais à frente.

PÓS-MODERNIDADE Pós-modernidade na concepção de Lyotard Segundo Gallo (2006) o primeiro a utilizar o termo “pós-moderno” para se referir ao estado da cultura depois das transformações que afetaram a ciência, artes e literatura, foi Lyotard em 1979, pois o termo já era utilizado por sociólogos e críticos no continente americano. O objeto de estudo de Lyotard foi a posição do saber nas sociedades ditas mais desenvolvidas, pois para ele o saber mudou de estatuto quando as sociedades entraram na idade pós-industrial e a cultura na idade pós-moderna. Em função dessas mudanças os metarrelatos não mais explicavam a nova realidade, colocando-os em descrédito. Ele ainda definiu pós-modernidade como sendo a incredulidade nas metanarrativas. Lyotard chama de metanarrativa o fato de a ciência moderna buscar cumprir uma “meta”, pois as coisas e o mundo teriam uma essência e uma aparência no qual existiria uma “verdade” a ser revelada (SILVA, 2012). Segundo Silva (2012, p.1) Metanarrativas são filosofias da história que narram modelos explicativos universais e estáveis, ou seja, são “metassaberes” que estabelecem a perspectiva de conhecer a realidade e poder realizar um mundo mais justo; poder, através do conhecimento, emancipar o homem, trazer-lhe a luz, salvá-lo do obscurantismo, da selvageria, da alienação.

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Dessa forma, a crítica que Lyotard fazia aos metarrelatos iluministas acarreta na negação da ideia de progresso histórico em direção a uma sociedade melhor e mais justa por meio do uso correto da razão que era objetivo do projeto moderno. Segundo Maciel (2013) o discurso do saber científico pós-moderno teria as funções de “pesquisa e transmissão de conhecimento” e Lyotard acreditava que o saber seria produzido e vendido, o que seria campo de disputa entre Estados e Nações, pois o saber seria a força de produção da sociedade. As relações da sociedade e a formação do saber científico utilizam os chamados jogos de linguagem1. Para Maciel, (2013, p.42) “O uso das práticas cotidianas de linguagem justifica-se pela significação dada às mesmas”, ou seja, os jogos de linguagem constroem suas próprias regras durante sua utilização. A linguagem sendo uma forma de vida coletiva, troca marcas, sons entre os seres humanos dentro de suas particularidades caminha para o pragmatismo e dentro dessa concepção Lyotard aponta que as regras dos jogos de linguagem não possuem legitimação nelas mesmas, existindo um “contrato” entre os jogadores; de modo que na ausência de regras não existe jogo. Nesse sentido, todo enunciado deve ser considerado como um “lance” feito em um jogo, expondo o tratamento de Lyotard do vínculo social observável como feito de “lances” de linguagem (MACIEL, 2013, p.42).

A ideia de verdade nessa época é o que corresponde às questões que o ser humano coloca à realidade e a partir disso Lyotard diz que essa forma de entender a verdade se originou na transformação da sociedade após a Segunda Guerra Mundial porque havia necessidade de criar vínculo entre ciência e tecnologia, cultura e sociedade, autonomia e diferença. A partir disso compreende-se que o saber contemporâneo é um instrumento de poder e produto da subjetividade cognoscente que não se orienta pela referência de investigação do real (MACIEL, 2013). Na contemporaneidade o discurso sobre o real é valorizado como forma de conhecimento, como a principal característica da ciência. Por meio da narrativa se define o que pode ser dito sobre a realidade, o que colocou em crise as metanarrativas que legitimavam o conhecimento na modernidade. “O declínio dos paradigmas da ciência perpassa pela perda de legitimidade da verdade sobre o real, a partir do momento em que a ciência passa a ser vista como conhecimento especializado do real, de partes do real” (MACIEL, 2013, p.44), mas seus defensores diziam que o centro da pesquisa e do conhecimento científico não é mais a verdade total, mas a verdade das partes é uma especialização da verdade o que assegura veracidade do conhecimento produzido (MACIEL, 2013).

1

Esse termo foi criado por Wittgenstein para debater problemas filosóficos advindos do mau uso da linguagem. Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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Lyotard mostra que o progresso das ciências produziu as metanarrativas e a ciência pode ser entendida como narrativa de uma narrativa encaixando-se numa macro-narrativa (filosofia da ciência) legitimando-se e justificando-se nela, dessa forma, a ciência cria seus progressos e também altera a estrutura da macro-narrativa, ou seja, ela é submetida a uma narrativa e cria novas que a vão deslegitimar obrigando novas legitimações (MACIEL, 2013). Maciel (2013) explica que Lyotard entende que as soluções coletivas para a realidade pós-moderna passam pelo uso de verdades não absolutas inventadas no cotidiano, assim a busca e a transmissão do saber concebe processos na sociedade e nas suas múltiplas relações intersubjetivas. As influências culturais da sociedade, da linguagem e da tecnologia legitimam o conhecimento científico contemporâneo porque a narrativa de uma história, costumes, crenças etc, como conhecimento de uma cultura, legitima-a como única e verdadeira. Pós-modernidade na concepção de Habermas Habermas acreditava que a modernidade era um “projeto inacabado” e buscou revitalizar e completar o projeto inacabado por meio da razão comunicativa. Para ele a pós-modernidade é entendida como um estado real de uma cultura que não existe. Ele acredita que a modernidade é completa e perfeita e que a verdade deve ser reconhecida por todos. Enquanto Habermas defende a racionalidade Lyotard entende que ela faliu, mas os dois “suspeitam dos grandes relatos que legitimam a marcha da história da humanidade pelo caminho da emancipação bem como do papel em que seu interior exerciam os intelectuais” (GOERGEN, 2001, p. 30) Um dos princípios básicos do pensamento de Habermas está na teoria da ação comunicativa onde distingue a ação instrumental da ação comunicativa. A instrumental é uma ação técnica que busca aplicar os meios adequados para obter determinados fins. Isso predominou nas sociedades modernas como dois subsistemas: o econômico e o político. No econômico, o dinheiro substitui a linguagem e no político o poder substitui a linguagem. Resumindo, a ação instrumental orienta para o êxito e a ação comunicativa para o entendimento. “No mundo da vida predomina a ação comunicativa e no mundo sistêmico, a ação instrumental” (GOERGEN, 2001, p. 42). Segundo a compreensão de Georgen (2001) espaços que deveriam ser mediados pela ação comunicativa (família, por exemplo) estão sendo mediados por dinheiro e poder. Sendo assim, a colonização se efetua quando os membros da comunidade substituem a argumentação pelo agir instrumental, mediando suas relações por meio do poder e dinheiro para fins políticos ou econômicos. Habermas defende a necessidade da descolonização do mundo da vida, restabelecendo a solidariedade, socialidade, espontaneidade etc. que são processos interativos que constitui Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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o indivíduo consciente de si e de suas ações. É uma tentativa de superar o paradigma da filosofia da subjetividade e alcançar a intersubjetividade. Portanto, a verdade se fundamenta na intersubjetividade. Sua teoria é assentada na linguagem, na interação linguisticamente mediada, orientada para o entendimento, interpretado como processo de ações em que o sujeito argumenta de forma racional para convencer o outro da verdade de uma firmação, de sua validade, de sua veracidade nas declarações (GEORGEN, 2001). Em sua teoria, Habermas coloca a existência de dois tipos de discurso, o teórico e o prático. O discurso teórico procura provar ou refutar a verdade de proposições factuais (típico das ciências) por meio da argumentação racional livre de coação, valendo o melhor argumento. A busca da verdade é fundamentada na razão, mas não na razão sediada no sujeito epistêmico e sim na razão comunicativa, dialógica sediada no grupo. O discurso prático examina a pretensão de validade das normas de um sistema normativo, aquelas que se pretende assumir. As normas necessitam ser justificadas baseadas no melhor argumento e por isso precisam ser submetidas ao exame crítico e legitimadas no processo argumentativo onde todos que podem ser diretamente ou indiretamente atingidos, devem participar (GEORGEN, 2001). Dessa forma, Habermas supera a separação entre o “ser e o dever ser” (entre ciências descritivas e normativas). Com isto, a separação de dois mundos o da natureza e dos costumes (postulado por Kant), é superada visto que, os dois mundos devem ser submetidos ao exame racional, dialógico/consensual dos integrantes do discurso teórico e prático. Habermas foi bastante criticado por Foucault e Rorty, que são contextualistas, foi considerado contraditório, visto que a razão comunicativa se baseia em um modelo sistematizador, o mesmo criticado por Habermas. Para Foucault, o problema não acaba extinguindo as relações de poder por meio de um consenso comunicativo, e sim amenizando efeitos dos jogos de poder e dominação (ARAÚJO, 2009). Contudo, referidas críticas não retiram a relevância analítica dos estudos de Habermas na temática do saber científico no pensamento moderno e pós-moderno. O que havemos de considerar é que as críticas não diminuem a importância dos estudos de Lyotard e de Habermas sobre o conhecimento científico, os dois contribuíram para o debate sobre a possibilidade da pós-modernidade embora em lados opostos da mesma moeda. Enquanto Habermas tentava uma conciliação com a modernidade, pois acreditava no projeto inacabado, Lyotard discutia as rupturas, as transformações e sociedade entrando num estágio pós-moderno. O “pós-modernismo” foi uma tendência onde artistas e arquitetos traziam propostas novas em suas áreas e faziam uma série de críticas aos trabalhos executados durante a modernidade conforme aponta Silva (2000, p.93).

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Movimento nas artes, na arquitetura, na teoria social e na filosofia ligado à ideia de que várias transformações culturais e sociais permitem descrever o presente período histórico como suficientemente diferente do período conhecido como Modernidade para poder ser caracterizado como uma nova época histórica — a Pós-Modernidade.

Na década de 70, segundo Gallo (2006), as ciências sociais e a filosofia foram influenciadas por essa tendência, e vários autores se apropriaram da expressão “pós-moderno”, “pós-modernismo”, mas não representa uma teoria porque Lyotard usou a expressão como um adjetivo e não como um substantivo e explicou que optou pelo termo norte americano que caracterizava o estado de cultura após as transformações que afetaram a ciência, literatura e artes no final do século XIX. Para Gallo (2006, p. 555): [...] quando se usa o substantivo, a pós-modernidade ganha os ares de um conceito e, portanto, deveria apresentar densidade e intensidade. Penso não ser por acaso que os autores optaram pelo adjetivo; nas traduções, ao se optar pelo substantivo, subverte-se o sentido original dos textos, prometendo ao leitor algo que não é a proposta de origem.

O termo pós-moderno representa um conjunto de concepções incluindo uma diversidade de campos intelectuais, políticos, epistemológicos. Em termos sociais e políticos o pós-modernismo se referência na transição entre a modernidade - que se iniciou na Renascença e atingiu seu ápice no Iluminismo - e pós-modernidade iniciada na metade do século XX. Em termos estéticos, se referência no movimento modernista em meados do século XIX questionando os “princípios e pressupostos do pensamento social e político estabelecidos e desenvolvidos no Iluminismo” (SILVA, 2004, p.111). Silva (2004) aponta que ainda hoje a concepção de educação, pedagogia e currículo, estão definidas pela Modernidade e seus conceitos que objetivava transmitir o conhecimento científico e formar um ser humano racional e autônomo moldando os cidadãos, dessa forma, a pós-modernidade questiona e desconfia das pretensões totalizantes do saber do pensamento moderno de domínio e controle. Também é questionado as noções de razão e racionalidade que na história instituíram sistemas cruéis e brutais de opressão e exploração. Outro fator colocado em dúvida pelos pós-modernos é a noção de progresso e sujeito moderno. Sobre o progresso Silva (2004, p.112) diz que “não é algo necessariamente desejável ou benigno” como, por exemplo, o domínio e exploração da natureza que certamente traz fatores positivos, mas também negativos. Sobre o sujeito moderno, racional, livre, autônomo, centrado e soberano o pós-modernismo coloca em dúvida a sua autonomia, centramento e soberania, pois o sujeito não converge para um centro coincidente com sua consciência, esse sujeito é fragmentado e dividido e não é o centro da ação social, “ele não pensa, fala e produz: ele é pensado, falado e produzido [...] dirigido a partir de estruturas, Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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pelas instituições, pelo discurso. Enfim, para o pós-modernismo, o sujeito moderno é uma ficção” (SILVA, 2004, p. 114). Diante dessa conjuntura de incertezas, desconfianças, dúvidas o panorama contemporâneo é descentrado, é pós-moderno. Nesse quadro, Silva (2004) mostra a incompatibilidade do currículo existente nas escolas (com característica moderna) num período pós-moderno. Esse currículo das escolas de hoje é linear, sequencial, estático. Sua epistemologia é realista e objetivista [...] é baseado numa separação rígida entre “alta” e “baixa” cultura, entre conhecimento científico e conhecimento cotidiano. Ele segue fielmente o script das grandes narrativas da ciência, do trabalho capitalista e do estado-nação. No centro do currículo existente está o sujeito racional, centrado e autônomo da Modernidade (SILVA, 2004, p. 115).

Segundo Silva (2004) do ponto de vista pós-moderno, além do problema com o currículo existente, há também problema com a teoria crítica do currículo, pois segue os princípios da narrativa da Modernidade, dependente do universalismo, essencialismo e fundamentalismo. “A teorização do currículo não existiria sem o pressuposto de um sujeito que, através de um currículo crítico, se tornaria, finalmente, emancipado e moderno” (SILVA, 2004, p.115). O autor destaca que no fundo o currículo ainda tem à vontade (Moderna) de domínio e controle epistemológico e o pós-modernismo questiona e acaba com a certeza da emancipação e marca o começo da pedagogia pós-crítica (SILVA, 2004). Estudos Culturais Dentre as teorias pós-críticas presentes na pós-modernidade, destacaremos aqui os Estudos Culturais que tem sua origem na Universidade de Birminghan, na Inglaterra em 1964. Os estudos culturais se focam na análise da cultura e se opõem “às implicações deterministas da famosa metáfora marxista da divisão entre infraestrutura e superestrutura”, fazendo algumas linhas dos Estudos Culturais resumir a dinâmica social à cultural (SILVA, 2004, p.133). Fazem a crítica também, às relações de poder ligadas a situações culturais e se posicionam a favor dos grupos em prejuízos nessa relação, assim como visam que seus estudos e análises interfiram na transformação da vida política e social (SILVA, 2004). Em relação ao currículo Silva (2004) entende-o como um campo de luta em torno da significação e da identidade. Para os Estudos Culturais (EC) conhecimento e currículo são campos culturais sujeitos a disputa e interpretações onde diferentes grupos tentar estabelecer hegemonias. Nesse sentido, a “instituição” do currículo é para os EC uma invenção social e seu “conteúdo” uma construção social que não pode ser empreendido sem analisar as relações de poder que não o flexibiliza em relação à definição e conhecimento. Na perspectiva Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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dos EC o currículo deveria ser construído socialmente enfatizando o papel da linguagem e do discurso nesse processo e privilegiando a produção de identidades culturais e sociais. Ainda na visão dos EC o conteúdo curricular deveria privilegiar as diversas formas de conhecimento como resultado de um processo de criação e interpretação social (SILVA, 2004). No Brasil os EC iniciam em 1996, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGE-UFRGS) com a linha de pesquisa “Estudos culturais em educação”. Essa articulação entre os EC e a educação trouxe às discussões assuntos ligados às instituições de ensino, materiais pedagógicos, comportamentos e representação de mundo e de sujeito enquadrados na “norma – branca, heterossexual, letrada, cristã, ouvinte, para apenas citar alguns dos atributos correntes” (WORTMANN, CASTA e SILVEIRA, 2015, p. 40). Foram os movimentos sociais (feministas, negros, indígenas, LGBT, surdos, entre outros) que contribuíram com a desestabilização da imagem de sujeito moderno (unificado e universal). Tais identidades, geralmente vistas negativamente pelas instituições de ensino e na sociedade, fogem do conceito tradicional do desejável do certo no contexto moderno, e os EC em educação busca assegurar uma afirmação de identidades na construção do humano (WORTMANN, CASTA e SILVEIRA, 2015). O PPGE-UFRGS fizeram muitas pesquisas sobre as questões de identidade que mostraram a maneira como os discursos circulam nos artefatos pedagógicos e nos que englobam as pedagogias culturais mais amplas e observaram que: Ao incorporarem atitudes de benevolência, tolerância, normalização e/ou fixação de características, alguns discursos atuam na reafirmação de atributos aceitos e mais valorizados de uma única identidade, considerada desejável; outros, entretanto, orientam-se para uma busca de quebra de estereótipos e de afirmação de novas identidades, que também buscam espaços para se autorrepresentarem e terem seus direitos reconhecidos e atendidos. (WORTMANN, COSTA e SILVEIRA, 2015, p. 40).

Dessa forma, os EC em educação expandiram a compreensão em relação ao educativo e ao pedagógico, ressignificando o que se entendia sobre a escola e o que acontece nela, e sobre os artefatos culturais e a ideia de que estes agem como pedagogias potentes. Isso indica, segundo Barbero (2014) e apontado por Wortmann, Costa e Silveira (2005, p. 43) “a mudança de uma sociedade com sistema educativo para uma sociedade educativa”. Nessa intensão, os EC em educação se desenvolvem, como um educativo múltiplo e ampliado, redefinindo a forma como o saber circula na sociedade contemporânea e as pessoas que o mantinham e conduziam (idem).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Tentamos aqui explicar numa perspectiva introdutória para iniciantes nesse tipo de leitura, o surgimento da pós-modernidade e da pedagogia pós-crítica, mais especificamente os Estudos Culturais. Percebemos que diante das imposições de uma vida acelerada imposta pelo capitalismo, muitas vezes não paramos para compreender fatos e acontecimentos que influenciam nossas vidas. Na retrospectiva feita, conseguimos refletir a Educação nesse contexto teórico filosófico da Modernidade à pós-modernidade, e concordamos com Tomaz Tadeu da Silva, quando mostra a incompatibilidade do currículo da escola contemporânea. Ainda temos nas escolas currículo inflexível, linear, sequencial e estático, formando pessoas centradas, autônomas, emancipadas, que podem ser controladas epistemologicamente. Nessa perspectiva, destacamos aqui a importância dos Estudos Culturais que fazem veementemente várias críticas ao projeto da Modernidade e prioriza o entendimento da cultura e das relações de poder que a permeia e como isso interfere na formação da identidade das pessoas, transformando suas vidas política e socialmente. Dessa forma, para os Estudos Culturais conhecimento e currículo são campos de disputa e interpretações na tentativa de estabelecer hegemonias e por isso é também um campo de luta em torno da significação e da identidade. Entendemos que o currículo deveria ser flexível e construído socialmente privilegiando a expressão das identidades culturais e sociais que constituem nosso país, e dando abertura aos vários conhecimentos que não são estudados nas escolas porque são vistos como inferiores como é o caso dos saberes tradicionais de comunidades indígenas, ribeirinhos, extrativistas, quilombolas entre outros que vivem à margem de nossa sociedade.

REFERÊNCIAS 1.

ARAÚJO, Inês Lacerda. A teoria da ação comunicativa de J. Habermas. Palmas de Mallorca: Fundació Càtedra Iberoamericana, 2009. Disponível em: <http://fci.uib.es/Servicios/libros/ veracruz/ines/>

2.

GALLO, Silvio; Modernidade/pós-modernidade: tensões e repercussões na produção de conhecimento em educação; Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 551-565, set./ dez. 2006.

3.

GEORGEM, Pedro. Pós-modernidade, ética e educação. Campinas: Autores Associados: 2001.

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4.

MACIEL, Fred; SABER CIENTÍFICO E PENSAMENTO PÓS-MODERNO: APONTAMENTOS DE JÜRGEN HABERMAS E JEAN-FRANÇOIS LYOTARD; Revista de Teoria da História, Universidade Federal de Goiás, Ano 5, Número 9, jul./2013 Acessado em 21/06/17 disponível em https://www.revistas.ufg.br/teoria/article/view/29077/16170

5.

SILVA, Lorena Pereira da; METANARRATIVAS E JOGOS DE LINGUAGEM: LYOTARD E A CRÍTICA À MODERNIDADE, Caderno de resumos & Anais do 6º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – O giro-linguístico e a historiografia: balanço e perspectivas. Ouro Preto: EDUFOP, 2012. Acessado em 25/06/17 Disponível em http://www.seminariodehistoria. ufop.br/ocs/index.php/snhh/2012/paper/viewFile/1083/731

6.

SILVA, Tomaz Tadeu da; Teoria Cultural e Educação: Um vocabulário Crítico; Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

7.

_________ Documentos de identidade uma introdução às teorias do currículo; 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004

8.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Palavras de abertura. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 54, p. 7-11, 1999a.

9.

_________. Porque é tão difícil construir a teoria crítica? Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 54, p. 197-215, 1999b

10.

WORTMANN, Maria Lúcia Castagna; COSTA, Marisa Vorraber; SILEIRA, Rosa Maria Hessel; Sobre a emergência e a expansão dos Estudos Culturais em educação no Brasil. Revista Educação, v. 38, n. 1, p. 32-48, jan. -abr. Porto Alegre, 2015.

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02 A formação de professores como estratégia de consolidação da hegemonia do capital

Wildiana Kátia Monteiro Jovino UFC/UECE/UAB

10.37885/220107225


RESUMO

O presente trabalho inicia a discussão acerca dos elementos fundamentais à compreensão do papel específico que a educação assume na sustentação ideológica da ordem social do capital, evidenciando a repercussão desse processo na formação de professores para a educação básica. Como veremos, a doutrina neoliberal, redefinida na chamada Terceira Via, ou, ainda, social-liberalismo, traça sua hegemonia através de um conjunto ampliado de reformas com o objetivo de garantir os interesses do grande capital sobre a justiça social. O caráter expansionista, destrutivo e incontrolável do capitalismo engendra uma “crise estrutural” que evidencia, de forma contundente, os antagonismos e as desigualdades que assolam a vida humana: o crescimento das taxas de desemprego, a crise ambiental e a explosão da barbárie social são os ingredientes da gestão econômica que atacam cruelmente o trabalho humano, com diferentes métodos de organização do trabalho, tais como o taylorismo/fordismo, e, atualmente, o toyotismo. O emprego das formas de produção flexível, da inovação científico-tecnológica e de novos modelos de gerenciamento da organização do trabalho apresenta significativa e demanda social à educação escolar, uma vez que esta assume papel decisivo na construção da “nova” escola. Ao Estado, cabe o fomento à política de formação para prover a mão de obra necessária ao padrão de produção e legitimar o arcabouço de sustentação dos interesses corporativos oportunistas do mercado que defendem um tipo de crescimento que encurta o conceito de formação e cidadania. O conjunto desses fatores abre caminho à expansão da educação a distância como modalidade preferencial para a formação de professores e demarca um processo de grandes mudanças para a organização do trabalho pedagógico e dos sistemas de ensino.

Palavras-chave: Formação de Professores, Educação, Política Educacional.

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Nesse texto, inicio a discussão acerca de algumas políticas públicas brasileiras destinadas à formação inicial e continuada de professores e as implicações teóricas e práticas dessa agenda para essa classe trabalhadora. Proponho o exame crítico dos elementos fundamentais à compreensão da natureza da educação, em seu sentido estrito, e do papel específico que assume na sustentação ideológica da ordem social do capital, haja vista o seu caráter não determinante na transformação radical das relações sociais. Cabe esclarecer que a educação, por si só, não é capaz de modificar as relações de produção de uma sociedade. Ela não cria as circunstâncias, ou seja, a educação não transforma o real nem opera a construção de uma nova materialidade, haja vista que a prática subjetiva, isolada, se inscreve numa percepção meramente contemplativa da realidade. Lembro aqui Marx (1976), com a terceira das Teses contra Feuerbach, quando justamente critica a percepção da realidade “só de um ponto de vista subjetivo”, através de crenças que pregam a transformação dos seres humanos mediante uma “educação mudada”, lembra-nos que “o próprio educador deve ser educado”. A doutrina neoliberal, redefinida na chamada Terceira Via, ou, ainda, social- liberalis-

mo1, traça sua hegemonia através de um conjunto ampliado de reformas para garantir os interesses do grande capital sobre a justiça social. A crise de acumulação, que se instaura na sociedade regida pela lógica do capital, sobreleva o caráter expansionista, destrutivo e incontrolável do metabolismo social em uma “crise estrutural” que evidencia, de forma contundente, os antagonismos e as desigualdades que assolam a vida humana: o crescimento das taxas de desemprego, a crise ambiental e a explosão da barbárie social são os ingredientes da gestão econômica do capital que atacam cruelmente o trabalho humano. (MÉSZÁROS, 2009a, 2009b). No plano político, a reprodução ampliada do capital exige a intervenção do Estado não somente nas formas de organização do trabalho, mas no desenrolar das relações sociais, visando ao aumento da produtividade e à construção do consenso em torno dos valores burgueses. Perseguindo tal objetivo, a burguesia brasileira redefine sua relação com os aparelhos da sociedade civil utilizando-se de uma “pedagogia da hegemonia” para servir aos interesses do grande capital. (NEVES, 2005).

1

Denominado de Terceira via, centro radical, centro-esquerda, nova-esquerda, nova social-democracia, social- democracia-moderni-

zadora ou governança progressiva, esse projeto – direcionado, principalmente, às forças sociais de centro esquerda que chegaram ao poder nos últimos anos do século XX ou que lutam intensamente para isso – parte das questões centrais do neoliberalismo para refiná-lo e torná-lo mais compatível com sua própria base e princípios constitutivos, valendo-se de algumas experiências concretas desenvolvidas por governos de países europeus. Cf. LIMA Kátia R. de S.; MARTINS, André Silva. A nova pedagogia da hegemonia: pressupostos, princípios e estratégias. In: NEVES, Lúcia M. W. (Org). A nova pegagogia da hegemonia: estratégias do capital para educar o consenso. São Paulo: Xamã, 2005, 41-67, p. 43. Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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A instituição escolar tem, nesse sentido, um papel importante, específico, no sistema

de internalização que alimenta os processos sociais mais “abrangentes de reprodução intimamente interligados”. Os “códigos culturais” da dita “sociedade do conhecimento”2 exigem o desenvolvimento de indivíduos competentes, flexíveis, polivalentes e hábeis para o

desenvolvimento de tarefas, assim como uma subjetividade peculiar, avessa à percepção da totalidade intrínseca aos processos sociais e receptiva à visão da vida social como uma sobreposição de fragmentos significativos somente a partir do viés custo/benefício.

O despontar da educação como a “chave” para o desenvolvimento mundial e como o

antídoto para as mazelas oriundas do desemprego e da pobreza delineia-se mais claramente

no cenário da chamada globalização econômica. A UNESCO, agência das Nações Unidas

responsável pela educação, sob o comando do Banco Mundial, “o ministério mundial da educação dos países periféricos”, como foi denominado por Leher (1999), conduz diversas

orientações internacionais3 para pactuar um acordo mundial pelo desenvolvimento através da educação escolar.

Em face dessas demandas, especialmente a partir da década de 1990, o discurso

dominante atesta o baixo rendimento escolar, a qualidade deficiente do ensino, a formação

ineficaz dos professores, a escassez e a má gestão dos recursos do sistema educacional e

agrega adeptos ao projeto de realinhamento dos diferentes segmentos aos tempos da qualidade total e do método do mercado. Amparado por avaliações internacionais e nacionais,

tais argumentos associam a estagnação da empregabilidade dos indivíduos e o entrave ao desenvolvimento econômico do país à ineficiência da educação brasileira.

No Brasil, as reformas que dão materialidade e embasam essa mudança na esfera

educacional ganham maior repercussão com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), nº 9.394/19964, ou Lei Darcy Ribeiro, como ficou popularmente conhecida.

Após longos anos de embates entre os estratos que detinham o poder econômico e político e os grupos organizados da educação5, a referida lei é aprovada, consagrando o pragmatismo neoliberal para o sistema educacional nacional.

2

3

4 5

A ideologia da sociedade do conhecimento, segundo Duarte, desempenha uma função específica na sociedade capitalista contemporânea, qual seja, a de enfraquecer as críticas radicais ao capitalismo e às lutas por sua superação. Cf. DUARTE, Newton. Sociedade do conhecimento ou sociedade das ilusões?: quatro ensaios críticos-dialéticos em Filosofia da Educação. Campinas, SP: Autores Associados, 2003, p. 13-14. Este período inaugura-se com a Conferência Mundial de Jomtien, realizada na Tailândia, que produziu o documento que deveria ser seguido por todos os países-membros periféricos: Declaração mundial sobre educação para todos e o plano de ação para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem. Cf. UNESCO. Declaração mundial sobre educação para todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem. Jomtien, Tailândia, 1990. BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 93.94, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, 1996. Nas várias versões de Substitutivo elaboradas pelo primeiro Relator da matéria, Deputado Jorge Hage, levou-se em consideração as inúmeras sugestões advindas das audiências públicas ao longo dos anos 1989 e 1990, bem como dos grupos organizados, em especial o Fórum em Defesa da Escola Pública, que reuniu diversas instituições representativas dos segmentos organizados da educação nacional, em todos os seus níveis. Para maior detalhamento, ver também: SAVANI, Dermeval. A nova lei da educação: trajetória, limites e perspectivas. 4. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 1998. Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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A nova LBD, nos marcos da pretendida formação de cidadãos eficientes, competitivos, flexíveis, produtivos, empregáveis e consumidores, consolida um intenso processo de “ressignificação” do fazer docente, mediante a defesa de paradigmas curriculares e pedagógicos. A pedagogia do “aprender a aprender” - que sugere uma superação do que se convencionou chamar de pedagogia tradicional - prioriza não mais a aquisição de conteúdos agora apontados como “enciclopédicos”, mas a capacidade de aprender e desenvolver competências para mobilizar saberes, valores e decisões adequadas a cada situação particular. Para essa pedagogia, o importante é adquirir um conjunto básico de habilidades indispensáveis ao enfrentamento das severas exigências do mercado de trabalho e da competitividade entre os indivíduos. Avaliando criticamente o modelo, Duarte completa: [...] Quando educadores e psicólogos apresentam o “aprender a aprender” como síntese de uma educação destinada a formar indivíduos criativos, é importante atentar para um detalhe fundamental: essa criatividade não deve ser confundida com busca de transformações radicais na realidade social, busca de superação radical da sociedade capitalista, mas sim criatividade em termos de capacidade de encontrar novas formas de ação que permitam melhor adaptação dos indivíduos aos ditames da sociedade capitalista. (DUARTE, 2003, p. 12).

As políticas voltadas à formação de professores também acumulam a indiferença e o descaso até o início do século XX, quando a chamada política de “modernização conservadora” imprimiu força a muitas transformações na sociedade brasileira, uma vez que focou na ampliação dos espaços para a acumulação do capital e na construção dos alicerces do capitalismo financeiro (dependente). (SAVIANI, 2007). Do “entusiasmo pela educação”, característico dos primeiros anos da República brasileira - que se mobiliza a favor da “instrução” das massas analfabetas6 para fomentar a produção, o consumo e as mudanças político-eleitorais - ao “otimismo pedagógico” dos escolanovistas, um ciclo de reformas educacionais prescreve importantes referências para a formação de professores. As Escolas Normais de nível médio surgem para preparar professores para o magistério primário, até então uma ocupação associada à imagem feminina e, talvez por isso, desvalorizada pelo caráter maternal e abnegada associada ao seu exercício. Entre as décadas de 1960-70, quando a crise da acumulação capitalista dimensiona a transformação do sistema produtivo em diferentes métodos de organização do trabalho, tais como o taylorismo/fordismo, e, atualmente, o toyotismo, o emprego das formas de produção flexíveis, da inovação científico-tecnológica e de novos modos de gerenciamento da

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Em 1920, 75% da população brasileira eram analfabetas e o voto era proibido a este público. Cf. GUIRALDELLI JR, Paulo. História da educação. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1992, p. 18. Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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organização do trabalho apresenta nova demanda social à educação escolar, que prontamente se prepara para prover a mão de obra necessária ao padrão de produção. Nesse processo de reestruturação do capital, a “teoria do capital humano”7 é a ideologia predominante entre os economistas e intelectuais, mobilizando a ascensão da “pedagogia tecnicista”, de forma que os princípios da racionalidade, eficiência e produtividade passam a direcionar a reorganização das escolas, o processo ensino- aprendizagem e o papel do professor, unificando os padrões e a especialização das funções. Sobre isto, Saviani (2007) sintetiza: Se na pedagogia tradicional a iniciativa cabia ao professor, que era, ao mesmo tempo, o sujeito do processo, o elemento decisivo e decisório; e se na pedagogia nova a iniciativa se desloca para o aluno, situando-se o nervo da ação educativa na relação professor-aluno, portanto, relação interpessoal, intersubjetiva; na pedagogia tecnicista o elemento principal passa a ser a organização racional dos meios, ocupando o professor e o aluno posição secundária, relegados que são à condição de executores de um processo cuja concepção, planejamento, coordenação e controle ficam a cargo de especialistas supostamente habilitados, neutros, objetivos, imparciais. A organização do processo converte-se na garantia da eficiência, compensando e corrigindo as deficiências do professor e maximizado os efeitos de sua intervenção. (SAVIANI, 2007, p. 380).

Na sequência, o clima cultural do final do século, chamado por alguns de “pós- moderno”, dá novo tom aos comportamentos. É quando se anuncia a “revolução informática” e o desgaste geral do ideal moderno, o declínio das narrativas libertárias e a desqualificação do conhecimento historicamente acumulado. Seus adeptos se arvoram na revisão das teorias críticas e na redefinição dos princípios filosóficos, sociológicos, políticos e educacionais, com o objetivo de liberá-los das teorias explicativas de caráter totalizante, mediante a construção de padrões teóricos mais adequados aos reclames da “nova era”. A súplica é pela deslegitimação, fragmentação e dissolução do sujeito social. Seu ceticismo diante de toda prescrição universalizante, de pretensão basilar e atemporal para a ação racional e coletiva, traz, contudo, consequências nada desprezíveis para a formação e prática docentes. Quando seus ideólogos decretam a falência de todos os discursos totalizantes, das filosofias explicativas, dos valores morais, sobretudo os cristãos, das instituições e das esperanças no devir, projetam-se também a banalidade cotidiana, o individualismo e o consumismo como única inspiração para o homem contemporâneo.

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A idéia-chave da teoria do capital humano, de Theodore Schultz, defende que a cada conjunto de determinado volume de instrução, treinamento e habilidades adquiridas, potencializa-se a capacidade de trabalho e de produção, sendo, por isso, um investimento rentável no plano geral do desenvolvimento das nações e na mobilidade dos indivíduos. FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e crise no capitalismo. São Paulo, Cortez, 2003.2003, p. 41. Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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Nessa perspectiva, Lyotard (2009) apresenta a vocação do cenário pós-moderno, que é essencialmente “cibernético-informático e informacional”. Sua tese impulsiona especial interesse por estudos sobre a linguagem, a “inteligência artificial”, a estrutura e o funcionamento do cérebro, as quais assumem a prioridade nas pesquisas acadêmicas e financiamentos governamentais. Na abordagem, o conhecimento científico, considerado insuficiente para explicar e justificar os fenômenos sociais, deve limitar-se a uma informação de certo tipo, o bit, compatível com as “máquinas informacionais”. Assim, impõe-se à ciência o selo de um tipo especial de mercadoria, uma “tecnologia intelectual” a serviço dos interesses do capital e do Estado. Na hegemonia da informática8, o conhecimento perde a sua condição de valor de uso e passa a ser “produzido” para ser “vendido”. O saber, assim, assume um valor específico, que se realiza somente por meio da “troca”, tornando-se a moeda corrente na disposição que assume na sociedade chamada “pós-industrial”. Nesse sentido, o conhecimento se desvencilha da “realização da ideia” ou da “emancipação dos homens”, subordinando-se ao “essencial do transmissível” e ao critério do “vendável”. O conhecimento (o imaterial), e não o trabalho vivo (o material), torna-se a nova força da produção. (LYOTARD, 2009, p. 89). Nesse contexto, as reformas relativas à formação dos professores, não somente no Brasil, mas em outros países, inserem-se numa corrente que defende a “renovação” das práticas e da formação, levando em conta os seus “saberes”9 e as práticas de seu trabalho cotidiano. Com o aporte de renomados intelectuais e políticos, a “epistemologia da prática profissional10” ganha prioridade nos programas de formação dos “profissionais” professores, haja vista o sentimento de incerteza que paira no presente dito “efêmero” e a suposta impossibilidade da “teoria” em desnudá-la. A concepção, baseada nos estudos desenvolvidos pelo pedagogo estadunidense Donald Shön, este fundamentado no pensamento de John Dewey, reconfigura o construtivismo e propõe mudanças substanciais na relação entre a teoria e a prática na construção do pensamento e da formação do professor, seja ela na forma inicial ou continuada, uma vez que atribui uma suposta relação de distanciamento entre os “saberes profissionais” e

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Esclareço que não é o caso imprimir um julgamento de valor acerca do uso da tecnologia, pois cairíamos num modo grosseiro de negação da capacidade ininterrupta da consciência humana de produzir o novo. Entendo, contudo, que o desenvolvimento da ciência e da tecnologia não se rege por uma lógica autônoma. A rigor, elas têm por base o conjunto dòs fenômenos históricos que permitiram o desenvolvimento das forças produtivas. Destaco, outrossim, que a hegemonia da informática na contemporaneidade firma compromisso, antes, com a expansão do capital e traz consigo um conjunto de prescrições que são indistintamente aceitos pelos indivíduos como indispensáveis à sua inclusão e ao seu reconhecimento na sociedade, silenciando a crítica acerca das desigualdades sociais. 9 Para Tardif (2002), o conceito de saberes engloba o conjunto dos conhecimentos, competências e habilidades que nossa sociedade julga suficientemente úteis ou importantes para inseri-los em processos de formação institucionalizados. Cf. TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002, p. 295. 10 Tardif (2002) chama de epistemologia da prática profissional o estudo do conjunto dos saberes utilizados realmente pelos profissionais em seu espaço de trabalho cotidiano para desempenhar todas as suas tarefas. (IDEM, p. 255, grifos do autor). Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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os “conhecimentos universitários”. Pauta-se, portanto, numa relação que concede caráter acessório ao conhecimento científico/teórico/acadêmico e uma supervalorização da prática realizada pelos professores na escola e na sala de aula. De acordo com essa perspectiva, a “prática profissional ganha realidade própria, independente dos constructos teóricos dos pesquisadores e de procedimentos elaborados por tecnólogos da ação. Nesse sentido, a prática constitui um lugar de “aprendizagem autônoma e imprescindível”. (TARDIF, 2002, p. 288). Em defesa da dita “relação de exterioridade”, estabelecida entre os professores e os “saberes da formação profissional”, transmitidos pelas universidades, o autor ainda alega que: Essa distância [entre os saberes profissionais e os conhecimentos universitários] pode assumir diversas formas, podendo ir da ruptura à rejeição teórica pelos profissionais, ou então assumir formas mais atenuadas como adaptações, transformações, seleção de certos conhecimentos universitários a fim de incorporá-los à prática. Desse ponto de vista, a prática profissional nunca é um espaço de aplicação dos conhecimentos universitários. Ela é, na melhor das hipóteses, um processo de filtração que os dilui e os transforma em função das exigências do trabalho; ela é, na pior das hipóteses, um muro contra o qual vêm se jogar e morrer conhecimentos universitários considerados inúteis, sem relação com a realidade do trabalho diário docente nem com os contextos concretos de exercício da função docente. (TARDIF, 2002, p. 257).

A ampla defesa pela incorporação das “práticas cotidianas” e da “subjetividade dos professores”, seus “saberes práticos” e suas “histórias de vida” como referência central dos programas de formação, revela-nos a percepção fragmentada e o caráter pragmático que tem orientado a educação brasileira. Nesta perspectiva, a qualidade e a quantidade do conhecimento devem ser ditadas unicamente por sua relevância para a resolução dos problemas da vida prática e de acordo com as características da clientela e da região. (MELLO, 2004). Desse caráter instrumental conferido aos pressupostos educativos, sobrelevam-se a ruptura de identidades, tanto das instituições escolares, como do trabalho docente. A tendência “idealista da educação” nacional predominante crê na superação de “mentalidades errôneas”, causadoras dos problemas sociais, pela difusão de novas ideias entre os indivíduos através da educação. Cabe lembrar que o predomínio do trabalho morto sobre o vivo na ordem econômica torna especialmente descartável a mercadoria humana e patenteia, na esfera educacional, o movimento que Saviani classifica como a “pedagogia da exclusão”: Trata-se de preparar os indivíduos para mediante sucessivos cursos dos mais diferentes tipos, se tornarem cada vez mais empregáveis, visando a escapar da condição de excluídos. E, caso não o consigam, a pedagogia da exclusão lhes terá ensinado a introjetar a responsabilidade por essa condição. Com efeito, além do emprego formal, acena-se com a possibilidade de sua transformação em microempresário, com a informalidade, o trabalho por conta própria, isto é, sua conversão em empresário de si mesmo. (SAVIANI, 2007, p. 429). Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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Para apimentar esse cenário, o desenvolvimento das tecnologias da informação e comunicação (TICs) dissemina transformações na economia, na política, nas relações sociais e culturais. Elas impulsionam também um tipo especial de competição para a conquista de um maior volume de mercadorias e lucros entre as empresas e organizações, ao mesmo tempo em que surgem novas demandas para a escola, que são atropeladas pelo surgimento de “um novo tipo de sociedade do conhecimento” (MELLO, 2004), como: aquela na qual ele [o conhecimento] poderá ao mesmo tempo chegar a um grande número de pessoas e ser por elas significado através de interações infinitas e pontuais, em redes que se configuram e reconfiguram permanentemente. (MELLO, 2004, p. 146).

A escola do século XXI da qual se exige a aprendizagem pelo uso da tecnologia, se depara com o desafio de criar “comunidades inteligentes”, se tornar a “incubadora dos coletivos inteligentes” (MELLO, 2004, p. 149-150), tem, nas políticas educacionais, o aporte necessário à articulação do desafio posto pela agenda do capital. A “invenção de novos saberes pedagógicos” (MELLO, p. 152) para preparar os profissionais para a execução desse projeto está legalmente assegurada desde as décadas finais do século passado, quando se inicia uma profunda reorganização do Estado e das instituições escolares11. Nesse contexto, a educação a distância (EaD) se afirma como um novo paradigma para a educação brasileira. Com o apoio de universidades públicas, centros de pesquisas, agências de fomento, dentre outras, a modalidade EaD ascende como mercadoria valiosa a ser explorada por empresas, organizações não-governamentais e ser consumida por todos. O suporte acadêmico-institucional das Instituições de Ensino Superior (IES) garante não somente a disseminação da EaD, mas mobiliza o interesse político pela modalidade, haja vista o aporte financeiro garantido às novas adesões. A consolidação da reforma ganha especial reforço com a estratégia do Estado de fomentar a preparação de recursos humanos com uma política de formação de professores por meio da EaD, que ganha contornos mais expressivos com a criação da Universidade Aberta do Brasil (UAB)12. Seu objetivo é exatamente defender “um sistema voltado para o desenvolvimento da modalidade de educação a distância, com a finalidade de expandir e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação superior no país”. Outro importante marco de análise é o Plano Nacional de Educação (PNE), período 2001-201013, que estabelece vinte e dois objetivos e metas a serem implantados ao longo de dez anos. Para que se

11 Como principal eixo de sustentação jurídica da reforma educacional, citamos a LDB nº 9.394/1996. 12 ____.. Presidência da República. Decreto nº 5.800, de 8 de junho de 2006. Dispõe sobre o Sistema Universidade Aberta do Brasil UAB. 13 BRASIL. Lei n° 10.172, de 09/01/2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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atinjam os resultados esperados, o uso das novas tecnologias de informação e comunicação é a ferramenta de apoio imprescindível ao processo de ensino-aprendizagem. A influência de tal projeto é impactante no ensino superior e suas licenciaturas e está em pleno curso na organização dos sistemas de ensino. O crescimento da oferta de matrículas nos cursos de formação inicial de professores em todas as regiões do país é expressivo e representa boa parte do modelo de expansão do ensino superior no país. De acordo com os dados do Censo da Educação Superior 2014 (MEC/INEP, 2014), o número de alunos nas licenciaturas à distância continua crescendo, com 1,34 milhões de matrículas no ano de 2014. Os números representam uma participação de 17,1% do total de matrículas na educação superior, ou seja, as matrículas na modalidade tiveram o maior crescimento percentual registrado nas universidades. Se comparado com o ano de 2013, o número de ingressos cresceu 41,2%, enquanto que nos cursos presenciais o aumento foi somente de 7,0%. Além da expansão, o estudo também indica a tendência de concentração das matrículas nos cursos de licenciatura, na rede privada de ensino. (MEC, 2014, p. 7). Essa acentuada presença do capital privado na oferta de EaD fortalece o processo de transformação da educação, de bem social à forma mercadoria. O crescimento do setor empresarial na educação brasileira consolida um próspero mercado, cuja faceta mais evidente revela a penetração dos fundos financeiros na educação superior no país, a emissão de ações de instituições de ensino na bolsa de valores e a tendência do que se chama de “oligopolização” da oferta14. (OLIVEIRA, 2009). Há, além disso, números indícios de que a multiplicação de consórcios e pólos para a oferta de cursos de licenciatura à distância estaria ocorrendo sem que um projeto político-pedagógico de formação docente mais adensado no âmbito de sua articulação nacional e local tenha sido desenvolvido e compartilhado e sem que as estruturas operacionais básicas estejam funcionando adequadamente. (GATTI, BARRETO, 2009, p. 113).

Os estudos oficiais não revelam, contudo, a efetividade da EaD na aquisição dos conhecimentos necessários à participação qualitativa dos sujeitos na sua própria realidade, assim como não dão ênfase ao debate crítico acerca dos impactos e desafios demandados por essa expansão anômala. Entendo que cabe maior discussão e investigação sobre o que vem se processando na educação brasileira, em todos os seus níveis e modalidades, haja

14 Oliveira (2009) realiza estudo no qual destaca as transações comerciais realizadas pelo ensino superior privado no Brasil, cada vez mais liberto das restrições e barreiras regulatórias que até então limitavam seu campo de ação. O autor destaca os dados divulgados pela revista Exame, em 22/12/2008, que estima a movimentação anual do ensino privado no país em torno de 90 bilhões de reais, o equivalente a 3% do nosso PIB. Entre os anos de 2001 a 2008, o setor de ensino privado aumentou seu movimento de capitais de 10 para 90 bilhões de reais, crescimento que nenhum setor da economia brasileira pode comemorar no período. Cf. OLIVEIRA, Romualdo Portela de. A transformação da educação em mercadoria no Brasil. Educ. Soc. [online]. 2009, vol.30, n.108, p. 739-760. Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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vista as “brechas” sociais reservadas à contradição se mostrarem cada vez mais cooptadas pela razão mercantil que domina a subjetividade dos indivíduos e acentua as desigualdades, não obstante as promessas da chamada igualdade de oportunidades. Ademais, o fetiche que envolve a EaD, se desvinculado de um amplo projeto qualitativo de formação humana, traz impactos de longo alcance para a formação e trabalho docentes e para a consolidação de sua identidade como sujeito crítico e participativo.

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03 Educação, Fascismo e Racismo

Paulo Roberto Marques Segundo UFSM

10.37885/220207642


RESUMO

O presente ensaio pretende abordar o possível entrelaçamento das temáticas Educação, fascismo e racismo. Para tanto, faremos referência às tradições formativas da paideia e Bildung de modo a indicar os problemas que tais tradições suscitam quando buscam responder ao problema antropológico: o que é o homem? Argumentarei que os principais projetos educacionais ocidentais possuem relações íntimas com o fascismo e por consequência com o racismo. Nesse sentido, a hipótese a ser trabalhada neste artigo delineia-se da seguinte forma: a Educação pela perspectiva do humanismo exerce um poder fascista quando este desdobra-se em suas dimensões racistas. Considerando a hipótese a ser trabalhada buscamos evidenciar as características racistas do fascismo e para isso nos ancoramos em autores com Eco (2002), Stanley (2018), Carmo (2018), Bodart (2018) e Foucault (2014).

Palavras-chave: Educação, Fascismo, Racismo.

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INTRODUÇÃO O tema da Educação suscita, sobretudo na contemporaneidade brasileira, variados debates, muitos questionamentos, intensas problematizações e, por consequência, tentativas de respostas que visam melhorias nessa área. As tentativas de solução para a Educação, por vezes, localizam-se fora do discurso educacional, o que representa um sinal de alerta àqueles que tomam a Educação como objeto de estudo. Entretanto, algumas respostas vêm sendo elaboradas e reelaboradas no interior do próprio discurso educacional e, por isso, merecem uma atenção especial. De modo algum isso significa dizer que as respostas advindas de outras esferas não mereçam uma análise crítica. No entanto, neste ensaio, daremos primazia ao que se desenvolve no interior do próprio discurso educacional por entendermos que tais discursos se revestem, muitas vezes, de uma inocência e, justamente por isso, carregam elementos menos evidentes, mas não menos perniciosos à Educação. Assim, se faz importante abordarmos alguns aspectos que consideramos centrais, relacionados à Educação, de modo que possamos indicar a problemática do tema que pretendemos trabalhar ao longo dessa escrita, a saber: Educação e Fascismo em seu desdobramento racista. Inicialmente a palavra Educação está associada, muitas vezes, ao desenvolvimento do indivíduo, de uma comunidade, de um povo, uma cultura. A Educação busca o aperfeiçoamento do homem e, por sua vez, da humanidade. Desse modo, cabe à Educação promover, liberar ou preservar as peculiaridades de uma comunidade, dignas de serem compartilhadas com as gerações vindouras. Para atingir tal intento, a Educação trabalha na formação do homem de modo a assim aproximá-lo de sua desejada humanidade. Nesses termos, podemos afirmar que a Educação está intimamente guiada pela questão antropológica que busca responder à pergunta: o que é o homem? Ao acompanharmos as principais tradições educacionais que objetivaram, em certa medida, responder a tal questão busca-se, com esta escrita, exercitar o ato de escrever como um ensaio. Passemos, então, a descrever o ensaio como uma possível metodologia.

METODOLOGIA A metodologia a ser posta em prática nesta escrita aproxima-se a uma experiência da escrita como um ensaio. Deste modo compreenderemos, juntamente com Larrosa (2003), o ensaio como uma alternativa à escrita acadêmica. Assim, temos que o ensaio é um “gênero híbrido ancorado num tempo e espaço claramente subjetivo e que parece opor-se, ponto a ponto, às regras de pureza e de objetividade que imperam na academia” (LARROSA, 2003, p. 101). Consequentemente, com este texto intenta-se problematizar questões que julgamos ser fundamentais para a Educação e de suma importância, também, para aquele Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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que escreve e lê. Pela perspectiva do ensaio, o referencial teórico utilizado transformar-se-á em disparadores de pensamentos, ideias, ações, emoções que não estão necessariamente preocupadas em transmitir uma verdade, pois “O ensaio necessita de um texto pré-existente, não para ser examinado mas para ter um solo onde correr.” (LARROSA, 2003, p. 114). Desta forma, o nosso solo que dará subsídios a nossa metodologia constituir-se-á da Educação, do fascismo e do racismo. Vejamos, então, o que este solo nos diz sobre tais questões. Mais do que nos dizer algo sobre Educação, fascismo e racismo, este ensaio mostra-se como uma oportunidade para que saiamos transformados, a partir desta leitura. É uma oportunidade para que algo nos acontece tanto no processo da escrita, quanto no processo da leitura. Passemos, então, a discorrer não sobre resultados definitivos e discussões fechadas, mas sim sobre aquilo que pode nos acontecer em termos educacionais com as problematizações aqui levantadas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO: O INSUFICIENTE HUMANISMO DA PAIDEIA E DA BILDUNG Entendendo a Educação nos termos anteriormente mencionados na introdução, o desenrolar da história educacional ocidental manifesta o esforço em elevar a produção cultural do homem de modo que a sua humanidade ganhe um papel de destaque. Nesse sentido, duas tradições marcaram, de forma indelével, o modo como o discurso educacional se desenvolveu. Estas tradições propuseram um meio para alcançar, cada uma à sua maneira, um ideal de humanidade do homem. Mesmo com ideais tão elevados a serem perseguidos, cada projeto educacional apresenta algumas dificuldades. Com o distanciamento temporal que nos separa dessas tradições, se faz possível equacionarmos de forma mais adequada a problemática da tradição educacional e suas formas de exclusão. Passemos, agora, a apresentar as principais tradições educacionais e suas insuficiências quando buscam perseguir uma resposta à pergunta antropológica: o que é o homem? Na história ocidental, há, no mínimo, duas maneiras de conceber a formação educacional: a formação entendida pelos gregos (Paideia) e a formação entendida pelos alemães (Bildung). A Paideia tinha como um de seus objetivos a busca pela formação integral do homem para a vida em sociedade. Assim, para os gregos antigos, o princípio norteador da formação da personalidade residia na completude, a partir do desenvolvimento de diferentes áreas como ginástica, gramática, retórica, música, matemática, geografia, história natural e filosofia, em que o objetivo era a formação de um cidadão perfeito e completo. Nesse contexto da Paideia grega, a Educação associa-se ao humanismo na medida em que auxiliaria o homem a alcançar a sua verdadeira forma, sua verdadeira humanidade, incluindo todas as suas potencialidades.

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Desse modo, a Paideia foi um processo formativo amplo que perpassava a vida social, política e cultural do povo grego. Uma Educação voltada para a vida na pólis através das ciências, da virtude, na política. Temos na República (2002) de Platão a alegoria da caverna que sintetiza o papel do educador na Paideia: aquele que se liberta das correntes no interior da caverna (da ignorância) deve retornar à caverna para auxiliar na libertação dos que ainda lá permanecem, mesmo que isso signifique a sua morte. Nesse sentido, a Educação consistiria, grosso modo, em um movimento ascendente que vai da ignorância ao conhecimento. Mostra-se, assim, o papel fundamental de quem conduz (o educador) o outro na travessia que deve ser percorrida e que vai das sombras à luz. A Educação na Paideia, como já foi mencionado, buscava um ideal de humanidade e, para isso, ancorava-se no homem grego, ou seja, no cidadão grego. No entanto, se faz importante apontar que a cidadania grega excluía determinados grupos: “O grupo dos excluídos era formado pelos escravos, mulheres, crianças, velhos, comerciantes, artesãos e estrangeiros” conforme Alexandre (2016, p. 5). Os estrangeiros excluídos da cidadania helênica eram considerados “bárbaros”. O ideal de Educação, a partir da Paideia humanista grega, espraiou-se pela cultura romana, bem como pelo Iluminismo, tornando-se assim uma das noções centrais da tradição educacional moderna. Como consequência espraiou-se, também, uma formação humanista com germens excludentes. O modelo formativo da Bildung foi desenvolvido no período Iluminista, ancorando-se na plena confiança na razão. O movimento Iluminista vai de encontro a qualquer tipo de autoridade que não possa ser submetida ao crivo da própria razão e da experiência. O Iluminismo foi um movimento influente que teve reflexos em vários âmbitos da produção humana, como arte, literatura, ciências, teoria política, assim como na filosofia e Educação. Em linhas gerais, o Iluminismo afirma que “[..] todos os homens são dotados de uma espécie de luz natural, de uma racionalidade, uma capacidade natural para aprender” (MARCONDES, 2007, p. 207) [grifos do autor]. No contexto de desenvolvimento do Iluminismo, a figura do filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) reúne as principais características pelas quais o humanismo ganhará contornos específicos na tradição alemã da Bildung. O filósofo de Königsberg é reconhecido por suas obras críticas: Crítica da Razão Pura (2001), Crítica da Razão Prática (2003) e

Crítica da Faculdade do Juízo (2005). Estas obras não impediram que Kant (1996, p. 15) reservasse um lugar especial à Educação em seu sistema filosófico: “O homem não pode tornar-se um verdadeiro homem senão pela educação. Ele é aquilo que a educação dele faz”. Kant atribui à Educação, a partir das noções de cuidado, formação, disciplina e instrução, o objetivo de afastar o homem de sua inclinação à barbárie. Importante destacar que Kant associava o papel da Educação com a sua filosofia prática. Assim, o homem, com o

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auxílio imprescindível da Educação, seria o único animal capaz de submeter-se livremente às leis, sobretudo às leis morais. Dessa forma, à Educação estaria reservado o papel de inculcação do dever e das leis morais, pois, no entendimento do filósofo alemão, o homem não é um ser moral por natureza. O indivíduo torna-se um ser de moralidade na medida em que eleva a sua razão aos conceitos do dever e da lei e, para alcançar essa elevação, a pedagogia, entendida nos termos do cuidado, formação, disciplina e instrução, torna-se fundamental. Nestes termos, o homem se distanciaria de sua animalidade, pois incorporaria uma consciência moral através de uma Educação que confia plenamente na razão. A Bildung, a partir de uma roupagem Iluminista, posiciona a razão em sua soberania. A humanidade do homem, ou seja, o humanismo do Iluminismo aponta para um indivíduo que preserva sua racionalidade, autonomia, autoconsciência, esclarecimento, emancipação e, por essas diversas qualidades, teria o poder de se desviar das paixões que o reteriam em sua animalidade, em sua barbárie. O homem, por sua própria natureza, reuniria as condições para elevar-se sobre sua própria animalidade, sobre sua própria barbárie. Entretanto, a pergunta que se apresenta diante do cenário esboçado até o momento é: em qual situação ficam todos aqueles indivíduos, grupos, comunidades ou povos que não se enquadram/encaixam naquilo que o humanismo moderno entende/entendeu como a verdadeira humanidade do homem? Humanidade entendida nos termos de racionalidade, autonomia, autoconsciência, do esclarecimento, da emancipação. A pergunta torna-se tanto mais interessante quando a inserimos no cenário brasileiro. Seja o cenário brasileiro do período colonial, em que os povos indígenas eram considerados (pelos colonizadores europeus) selvagens, assim como os negros escravizados não eram considerados homens, mas peças. Não é preciso ir tão longe na história brasileira para constatarmos que “A raça é ao mesmo tempo ideologia e tecnologia de governo” (MBEMBE, 2018, p. 75), em que certos grupos étnicos são vistos a partir de estigmas e preconceitos que, por sua vez, servem para legitimar sua destruição física e cultural (religiosa, artística e epistemológica). Em termos educacionais, os reflexos dessa tecnologia de governo, a partir das raças, referida por Mbembe (2018), alcançam vários e importantes níveis, por exemplo: os conteúdos a serem incorporados ou não no currículo de uma escola. Sabe-se que, no Brasil, os saberes sobre a história e cultura afro-brasileira e africana passam a ganhar destaque após sanção da Lei no 10.639 de 2003. A sanção da Lei no 10.639 é um fato digno de nota, tendo em vista o ano em que entra em vigor. Para um país com quinhentos e dezenove anos, dos quais trezentos foram de escravidão legalizada, a referida Lei diz muito sobre o modo como certos saberes se legitimam e monopolizam verdades na escola básica brasileira. Considerando a discussão sobre a legitimidade dos saberes escolares, Varela (1994), se utilizando do

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método genealógico foucaultiano, aponta, no contexto Iluminista, como determinados saberes tornam-se dominantes: Eram saberes [saberes dos professores jesuítas] desvinculados das urgências materiais, dos problemas sociais, saberes que se pretendiam neutros e imparciais. Desse modo, os saberes ligados ao mundo do trabalho, às lutas sociais, às culturas de determinados grupos ou classes sociais, começaram a ficar marcados pelo estigma do erro e da ignorância e viram-se desterrados do recinto sagrado da cultura culta, uma cultura que, com o passar do tempo, converteu-se na cultura dominante e reclamou para si o monopólio da verdade e da neutralidade (VARELA, 1994, p. 89, grifo nosso).

Destacamos, juntamente com Varela (1994), que os saberes produzidos por determinados povos passaram, no contexto Iluminista, a associar-se ao estigma do erro e da ignorância, ficando assim fora do espaço do verdadeiro. Nesse sentido, se faz importante fazermos referência, mais uma vez, a Kant, pois este, de certa forma, é tomado como um ícone do espírito da Ilustração, um ícone da Bildung alemã. Temos nas palavras do próprio filósofo de Königsberg (1993), quando este toma de empréstimo a argumentação desenvolvida por Hume, a referência à distinção racial e a consequente relação entre superioridade e inferioridade intelectuais e culturais entre os povos, sobretudo os povos da África negra. Trazemos uma citação demasiadamente longa, mas se faz importante apreciá-la em sua integralidade, Os negros da África não possuem, por natureza, nenhum sentimento que se eleve acima do ridículo. O senhor Hume desafia qualquer um a citar um único exemplo em que um negro tenha mostrado talentos e afirma: dentre os milhões de pretos que foram deportados de seus países, não obstante muitos deles terem sido postos em liberdade, nãose encontrou um único sequer que apresentasse algo grandioso na arte ou na ciência, ou em qualquer outra aptidão; já entre os brancos, constantemente arrojam-se aqueles que, saídos da plebe mais baixa, adquirem no mundo certo prestígio, por força de dons excelentes. Tão essencial é a diferença entre essas duas raças humanas que parece ser tão grande em relação às capacidades mentais quanto à diferença de cores. A religião do fetiche, tão difundida entre eles, talvez seja uma espécie de idolatria, que se aprofunda tanto no ridículo quanto parece possível à natureza humana. A pluma de um pássaro, o chifre de uma vaca, uma concha, ou qualquer outra coisa ordinária, tão logo seja consagrada por algumas palavras, tornam-se objeto de adoração e invocação nos esconjuros. Os negros são muito vaidosos, mas à sua própria maneira, e tão matraqueadores que se deve dispersá-los a pauladas (KANT, 1993 apud NOGUERA, 2014, p. 30-31, grifo nosso).

Ressaltamos, com tal passagem, que a natureza humana almejada pelo humanismo Iluminista, expresso no pensamento de Hume e avalizado por Kant, rebaixava ao ridículo a natureza do homem e dos povos negros vindos da África. Além disso, valendo-se de Hume, Kant salienta a inexistência de arte ou ciência entre os negros africanos. Não obstante, o Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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âmbito religioso do povo da África negra também não escapa das críticas do filósofo. A última referência de Kant ao povo africano exprime o modo como este deve ser tratado, a saber, com violência, “a pauladas”. O modo como o povo negro da África é representado pelo humanismo alemão, humanismo personificado na figura de Kant, faz com que Noguera (2014) classifique tal abordagem como racismo epistêmico, pois há mais do que a destruição física de um povo (no caso, os negros), também há a destruição de sua cultura (arte, religião, conhecimento). Com as palavras de Hume endossadas por Kant (1993), o racismo epistêmico se mostra exemplarmente. Outro aspecto a ser destacado com a citação supracitada é a legitimidade ou o reconhecimento de uma visão eurocêntrica. Um eurocentrismo que exerce um poder determinante nos caminhos (cultura de um povo) a serem seguidos e que objetiva elevar a humanidade da natureza humana. Uma natureza eurocêntrica que toma como verdade uma imagem da natureza do homem como europeu, branco e hétero. Aqui, não se trata de pôr em questão ou desconsiderar a relevância kantiana, seja no âmbito da Filosofia ou da Educação. No entanto, se faz importante, para efeito de argumentação em nossa escrita, marcarmos que as respostas para a definição do que venha a ser a verdadeira humanidade do homem são efeitos de relações de saber e poder que se constituem e se estabelecem no interior dos próprios discursos epistêmicos, religiosos, artístico, geográficos, políticos, filosóficos e educacionais. Pelo que até aqui viemos tratando, o humanismo se mostra insuficiente quando busca uma natureza humana. O humanismo se mostra insuficiente em apresentar respostas à pergunta antropológica sobre o que é o homem, pois privilegia algumas naturezas em detrimento de outras, como no caso kantiano. Por esse motivo, o caráter humanista não só não impediu como embasou grandes atrocidades de dimensões inumanas. Tais atrocidades materializaram-se nos horrores da escravidão, no racismo, nas primeira e segunda guerras mundiais, no stalinismo, nos bombardeios atômicos, no genocídio, nas destruições ambientais, no hitlerismo e no fascismo. Nesse sentido, se põe em xeque o conceito de humanismo apontando, assim, para sua crise. Nesta altura da discussão, se faz interessante fazer menção à argumentação desenvolvida por Biesta (2017, p. 20-21) que, recuperando Levinas, afirma: A crise do humanismo não está localizada nessas desumanidades como tais, mas, em primeiro lugar, na incapacidade humanista de se opor efetivamente a essas desumanidades e, em segundo lugar, e com maior peso, no fato de que muitas dessas desumanidades foram realmente baseadas e motivadas por uma definição particular do que significa ser humano.

Considerando as palavras de Biesta (2017), a partir de Levinas, temos que o problema fundamental do humanismo reside em situar sua visão particular do que venha a significar Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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o ser humano. Vimos afirmando que o humanismo situado em determinadas tradições formativas excluiu certos indivíduos, grupos, povos e culturas. Desse modo, defendemos que o discurso humanista produz fascismo quando este desdobra-se em sua característica originária, a saber: o racismo, pois, o discurso fascista, em sua gênese, também busca uma raça, uma cultura, um povo, uma moral, um passado mítico de perfeição. Nesse sentido, se faz importante demarcarmos o que entendemos por fascismo em seu desdobramento racista. Passamos, então, a abordar o tema do fascismo. Em linhas gerais, viemos percorrendo até aqui dois modos de se compreender o discurso educacional relacionado à formação: como Paideia ou como Bildung. Destacamos que, em ambas as vertentes educacionais, perpassa um ideal de natureza humana a ser explorado que se sobrepõe, assim, a outras naturezas não tão desejáveis. Dessa maneira, nossa hipótese, trabalhada ao longo deste artigo, delineia-se da seguinte maneira: a Educação pela perspectiva do humanismo exerce um poder fascista quando este se desdobra em suas dimensões racistas. Para tanto, passaremos a desenvolver tal discussão sob a ótica do fascismo em sua expressão italiana e seu desdobramento racista.

FASCISMO E SEU DESDOBRAMENTO RACISTA O fascismo foi um movimento que teve sua ascensão na Itália de Benito Mussolini. O fascismo, em sua expressão italiana, encontra terreno fértil para seu desenvolvimento a partir do advento da primeira guerra mundial. Mesmo com a participação vitoriosa da Itália na primeira guerra mundial, a mesma acumulou prejuízos fazendo com que o país se deparasse numa situação tal que, “Entre os anos 1916 e 1918, cerca de 30% da renda nacional tem uma rápida queda, significando, para certos grupos sociais, o empobrecimento, e para outros, exatamente a ruína” (CARMO, 2018, p. 108). A crise italiana do pós-guerra deixa seu povo politicamente, economicamente e moralmente desestruturado. Diante desse cenário de desarticulação em todos os níveis, muitas alternativas foram propostas para solucionar a crise em solo italiano. Tendo em vista que vários programas políticos foram propostos e nenhum teve êxito em retirar a Itália da crise na qual se encontrava, abriu-se, dessa maneira, caminho para a ascensão de movimentos com características salvacionistas. Nasce, assim, o partido fascista com a autoproclamação de recolocar a Itália, uma nação desolada e, acima de tudo, à espera de soluções rápidas, no caminho do desenvolvimento econômico, social, político e moral. Desse modo, o fascismo legitimava-se como a genuína encarnação da vontade da nação italiana, assim como se declarava autossuficiente o bastante para restaurar o primado dos valores morais e espirituais do povo. As reivindicações que o movimento fascista tomava para si nos revelam traços peculiares, fazendo com que seja compreendido em sua origem, pois, segundo Carmo (2018, p. Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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113), “A tentativa de mobilizar ativamente e totalmente as massas em torno de determinados valores e fins, constituí, segundo alguns comentadores, o aspecto totalitário do fascismo, que emerge em sua origem”. Para realizar o seu programa, o partido fascista se fez valer de alguns traços fundamentais como o autoritarismo e o totalitarismo. O fascismo foi exercido, eliminando partidos opositores (muitas vezes com o uso da força física), assim como centralizava suas ações na figura de um líder. O fascismo, por ser totalitário, ou seja, um partido que buscava mobilizar, disciplinar as massas, viu na Educação a chave do desenvolvimento de seu projeto. Diante desse contexto, o partido fascista toma a Educação como peça fundamental para a reconstrução dos valores morais, culturais, políticos e econômicos da Itália do pós-guerra. A formação educacional, pela ótica fascista, atrelou-se à busca dos valores esquecidos (um passado mítico) que era preciso resgatar. A Educação se transforma, com o projeto fascista, em um instrumento potente para disciplinar a massa aos moldes de um ideal de homem e de nação almejado. Como pano de fundo desse ideal de homem a ser resgatado pelo povo italiano encontramos, segundo Carmo (2018), ideologias que perpassavam importantes setores da sociedade italiana, tais como: funcionários administrativos, pedagogos e filósofos que, juntos, imprimiram o caráter humanista à Educação fascista. Nesse sentido, o que importa destacarmos, juntamente com Carmo (2018), é que o homem fascista a ser forjado foi menos o fruto do pensamento de uma pessoa, de um líder e mais a consequência de ideologias que encontraram legitimidade em bases científicas e filosóficas (pedagogos e filósofos). Assim, os objetivos da formação educacional eram formar um novo homem, um homem fascista por definição. Um homem forjado para adorar e proteger a sua nação. Um homem capaz de desenvolver e preservar os valores morais necessários para elevar o espírito patriótico. Um homem fascista que, acima de tudo, idolatra seu líder, pois vê neste a solução de todos os problemas e frustrações. Além disso, um homem fascista que sempre estará disposto a proteger sua nação contra intrusos, pois estes representariam um perigo de todas as ordens à sua nação. Por fim, e talvez o mais importante, o homem fascista diz a verdade. O homem fascista diz a verdade sobre a religião, sobre a moral, sobre a política, sobre a economia, assim como diz a verdade sobre a natureza humana que deve ser considerada e preservada. Desse modo, temos que o ideal de homem a ser alcançado pelo fascismo, através da sua formação educacional escolar, seria, de acordo com Borghi (1975, p. 236

apud CARMO, 2018, p. 117), o “[..] autor do seu mundo e nada precede e condiciona a sua atividade criativa, e a realidade é o produto do espírito humano, e não uma existência objetiva que o espírito se limitou a contemplar e a descrever”.

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Dessa maneira, se faz importante abordarmos o projeto de homem fascista a ser forjado pelo projeto educacional italiano e seus desdobramentos racistas. Em função disso, passamos a apontar as características racistas do fascismo, destacando que os traços racistas do fascismo se manifestam de tal modo que “Nele [fascismo] há uma supervalorização do nacionalismo, sendo o imigrante visto, quase sempre, como intruso e indesejável, sobretudo se sua origem for pobre. Este é acusado de roubar o lugar dos cidadãos naturais” (BODART, 2018, s. p.). Por essa perspectiva, importa destacarmos no movimento fascista a recusa ou o não reconhecimento daquilo que vem de fora, seja ideologicamente ou geograficamente. Nesse sentido, o fascismo postula um humanismo quando determina qual povo, moral, cultura, economia ou religião devem ser perseguidos de modo que o espírito da humanidade esteja assegurado. Assim, a supervalorização do nacionalismo, por parte do fascismo, demonstra a sua face racista. Uma face racista materializada quando se volta contra imigrantes, sobretudo pobres. O humanismo fascista exerce um poder que determinará o que é uma desordem social, assim como desprezará e reagirá com violência sobre todos aqueles que não se submeterem aos seus princípios, às suas normas. Na prática, tais características do fascismo legitimaram a perseguição e a eliminação de indivíduos, culturas e comunidades que não se adequavam ao regime totalitário. O fascismo é sobretudo um regime que busca eliminar o diferente, a diversidade, a pluralidade, pois o princípio do fascismo é a unidade. Unidade de pensamento, unidade moral, unidade sexual (heteronormatividade), unidade de raça a ser resgatada de um passado glorioso. O diferente, nesse caso, pode ser compreendido no âmbito étnico racial assim como nos diz Bodart (2018, n.p): “É também marca do fascismo o preconceito e o racismo”. Da mesma forma, quando Eco (2002) trata o tema do fascismo italiano em discurso proferido em 1995 em decorrência de uma conferência na Universidade Columbia, ele também ressalta a primazia do caráter fascista em termos de racismo: “O primeiro apelo de um movimento fascista ou que está se tornando fascista é contra os intrusos. O UrFascismo é, portanto, racista por definição” (ECO, 2002, p. 46). Em consonância com as caracterizações anteriores sobre o fascismo, Stanley (2019, p. 14), quando se refere a esse termo, nos diz de sua aplicabilidade em vários âmbitos: “Escolhi o rótulo “fascismo” para qualquer tipo de ultranacionalismo (étnico, religioso, cultural), no qual a nação é representada na figura de um líder autoritário que fala em seu nome”. Levando em consideração as afirmações dos autores mencionados, pode-se dizer que o movimento fascista mantém relação íntima com o racismo. Além disso, é correto afirmarmos que o discurso humanista da educação, quando privilegia uma dada humanidade (eurocêntrica, masculina, hétero e

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branca) de modo a excluir ou rebaixar outras, também põe em jogo um fascismo excludente, um fascismo em suas características mais fundamentais, a saber: um fascismo racista. Somando-se à discussão sobre a abordagem do fascismo, Michel Foucault, no prefácio de O Anti- Édipo: capitalismo e esquizofrenia 1 (1972) de Deleuze e Guattari, vai recolocar a questão nos seguintes termos, Enfim, o inimigo maior, o adversário estratégico (embora a oposição do AntiÉdipo a seus outros inimigos constitua mais um engajamento político): o fascismo. E não somente o fascismo histórico de Hitler e de Mussolini - que tão bem souberam mobilizar e utilizar o desejo das massas -, mas o fascismo que está em nós todos, que martela nossos espíritos e nossas condutas cotidianas, o fascismo que nos faz amar o poder, desejar esta coisa que nos domina e nos explora (DELEUZE; GUATARRI, 1972, n. p., grifo nosso).

Foucault nos chama a atenção para um modo de se exercer o fascismo para além da forma como ocorre nas massas. O fascismo é redirecionado de forma que se encontra no próprio indivíduo. É o desejo de poder que não escolhe partido nem reside em polarizações. É o fascismo como forma de amor ao poder. O poder, neste caso, entendido como exercício que se estabelece na relação entre saber e poder. Foucault demonstra de forma contundente, em Vigiar e Punir: nascimento da prisão (2014), a passagem do exercício do poder soberano para o exercício de um poder disciplinar. Se no primeiro caso tínhamos a eliminação do corpo como forma de correção a determinados tipos de transgressão, no poder disciplinar o poder se exerce de modo a não eliminar o corpo. O corpo, no exercício do poder disciplinar, é examinado e corrigido almejando a sua eficácia, a sua produtividade, transformando-se, nas palavras de Foucault (2014), em “corpo dócil”. Dessa forma, Foucault demonstra como esse exercício do poder disciplinar vai atravessar diferentes instituições que começam a nascer no alvorecer da modernidade. Dentre as instituições emergentes da modernidade e investigadas por Foucault está a escola. Será no interior da instituição escolar que o filósofo descreverá o nascimento da pedagogia como ciência. Em síntese, a pedagogia como ciência nasce a partir de um poder exercido sobre o corpo da criança em que se objetiva eliminar os desvios, os erros, as anormalidades, buscando modelar um corpo aluno eficaz e útil. Cria-se assim, segundo Foucault (2014), um saber acumulado sobre a criança em que os desvios, os erros, as pequenas falhas e anormalidades são catalogadas para imediatamente serem corrigidas ou excluídas. Importa destacarmos o papel central da figura do professor no exercício do poder disciplinar, pois, segundo Varela (1994, p. 90), “[..] através de instituições e agentes legitimados (entre eles [..] os professores) pôs em ação toda uma série de dispositivos com a intenção de se apropriar dos saberes”. Desse modo, os indivíduos, que se encontram na ordem da anormalidade, dos desvios e das pequenas falhas, tornam-se Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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objeto de exame e consequentemente de correção ou exclusão. O poder disciplinar, na perspectiva foucaultiana, além de atuar na correção do corpo, atua na produção de saberes. Por fim, considerando a argumentação foucaultiana, a partir de Vigiar e punir: nascimento da prisão (2014), o autor nos oferece uma potente chave de leitura para compreendermos na contemporaneidade os indivíduos que são considerados fora da norma, os sujeitos desviantes, os sujeitos que não se enquadram, os sujeitos inúteis. Foucault nos alerta para o exercício do poder fascista quando se busca a unidade, a totalidade, a normalidade, a homogeneidade. Dessa forma, pode-se afirmar que o discurso educacional humanista se associa ao fascismo quando busca uma norma de humanidade, quando busca uma homogeneidade da humanidade. Pode-se afirmar, também, que o fascismo se desdobra em racismo quando as raças são alçadas ao âmbito do desvio, do erro, da anormalidade. No entanto, não podemos esquecer, a partir de Foucault, de que esse poder que se exerce na busca da eliminação daquilo que sai da normalidade encontra-se mais em nós do que no outro. O fascismo encontra-se em nossas condutas cotidianas.

PARA NÃO FINALIZAR Com as discussões desenvolvidas procuramos abordar o tema da Educação e Fascismo e seu desdobramento racista. Buscamos apontar as principais vertentes educacionais que se propuseram a responder à pergunta antropológica: o que é o homem? Compreendendo o processo da escrita como uma abertura para um método ensaístico, conforme (LARROSA, 2003), transformamos nosso referencial teórico em solo onde a experiência de uma outra Educação, menos fascista e menos racista, seja possível. Nesse sentido, ressaltamos o problema do discurso formativo educacional em privilegiar uma natureza humana, pois, dessa forma, legitima-se a exclusão e o não reconhecimento da pluralidade de formas em que a humanidade pode expressar-se. Tendo em vista a dimensão excludente do discurso humanista educacional, procuramos trabalhar, ao longo deste ensaio, com a seguinte hipótese: a Educação pela perspectiva do humanismo exerce um poder fascista quando este desdobra-se em suas dimensões racistas. Considerando tal hipótese, abordamos o tema do fascismo a partir de sua expressão italiana. Consequentemente, buscamos apontar as características fundamentais do fascismo, buscando evidenciar o âmbito racista desse movimento. Juntamente com Foucault (2014), realizamos uma aproximação entre os conceitos fascismo e racismo de modo que nos desse elementos para redimensionar o exercício do poder fascista para além das polarizações binárias. Assim sendo, concordamos que a Educação é uma questão aberta como nos sugere Biesta (2017), pois trata-se menos de objetificar o outro (indivíduo, grupo, povo ou cultura) e mais de apostar em estarmos abertos para o que não conhecemos, para o que não Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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dominamos, para o que está fora da norma, da homogeneidade, fora do padrão. Nesses termos, não é o caso de impor verdades a serem seguidas por todos ou qualquer um, mas sim de insistir na necessidade de que o discurso educacional esteja suficientemente aberto para que outros modos de humanidade sejam possíveis de se manifestarem na natureza humana. Considerando o discurso educacional como algo da ordem de uma abertura para o imprevisível como nos sugere Biesta (2017), podemos, nesse contexto, fazer menção ao pensamento de Hannah Arendt (2005) relacionado à Educação. Se, por um lado, a Educação pelo viés fascista caracteriza-se pela unidade, regularidade, normalidade e previsibilidade, por outro lado, com Arendt (2005), vislumbramos uma abordagem para a Educação que nos possibilita dar ênfase à pluralidade e, consequentemente, à singularidade dos indivíduos. Contrária a uma posição educacional que objetifica e, assim, torna os indivíduos previsíveis, Arendt toma a Educação como a instância responsável por garantir que os indivíduos, crianças e jovens possam existir de forma plena em um mundo plural. Isso significa dizer que a singularidade depende da pluralidade, tendo a Educação como uma de suas atribuições apresentar essa pluralidade a seus estudantes. Educação, em Hannah Arendt, significa apostar na imprevisibilidade que as novas gerações carregam consigo. Há na proposta educacional de Arendt um desafio, a saber: o desafio educacional que a filósofa nos coloca é o de acharmos a justa medida ao recebermos, através da Educação, crianças e jovens nesse mundo e, ao mesmo tempo, não sermos fascistas (e tudo que isso implica) a ponto de objetificarmos e retirarmos delas o germe da imprevisibilidade.

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04 Notas sobre a inserção do educador social nas (e para as) funcionalidades da extensão universitária – possibilidades do Projeto Rondon

José Barroso Filho

STM/CNE/UPM/UniCutiriba

Rafael Seixas Santos STM/IDP/IESB/UDF

10.37885/220107341


RESUMO

O texto enceta o debate sobre o posicionamento da extensão universitária como instrumento de evolução dos papéis do educador social para a interdisciplinaridade. Cuida de examinar a literatura e as normas sobre o tema a fim de tecer uma construção argumentativa a partir de vivências interdisciplinares, interculturais e multiprofissionais – características dos eixos da extensão universitária. Apresenta o Projeto Rondon como palco para a atuação do educador social. Tendo em mira processos educacionais pautados na alteridade, argumenta-se que o extensionista rondonista revela-se deveras útil aos problemas sociais, na produção de resultado naturalístico, sempre amparado no arcabouço teórico que lhe é emprestado.

Palavras-chave : Educador Social, Extensão Universitária, Relações.

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INTRODUÇÃO Na perspectiva dos desafios da formação universitária, sob a toada de que os formandos sejam sujeitos e não observadores do mundo que os cerca, emerge o debate acerca dos papéis e das possíveis convergências entre o educador social e a extensão universitária. O problema que se enfrenta é o extremo tecnicismo – por vezes descolado da realidade – que caracteriza a formação superior no Brasil. Ao que a extensão universitária se apresenta como caminho para a construção de uma cultura mais democrática. A hipótese central é o posicionamento da extensão universitária como instrumento de evolução dos papéis do educador social para a interdisciplinaridade. O desenvolvimento do texto pressupõe uma construção argumentativa realizada a partir de vivências interdisciplinares, interculturais e multiprofissionais, em tese proporcionadas pelos institutos da extensão. Para o suporte teórico, as informações têm origem bibliográfica, em revisão de literatura, e documental, uma vez que serão utilizados como instrumentais de pesquisa normas que orientam a educação. Na análise, erige-se o Projeto Rondon, notável arrostamento de condições de possibilidades para a integração entre extensão universitária e educador social. A perspectiva de exame do material é de que o diálogo é próprio da formação dos sujeitos do humano, à luz do processo inacabado e em constante atualização do ser humano, sobretudo na esteira do Projeto Rondon. O mundo é, nesse diapasão, mediador do processo educacional, informado pela interação e reação na busca da libertação pela educação.

MÉTODO Tendo como ponto de partida a formatação de um conceito segundo o qual o ser humano deve ser posicionado como um ser de consciência, capa de interagir e apreender o universo que o adorna, é possível estabelecer reflexões relevantes sobre a epistemologia da relação havida entre os processos de conscientização e libertação, sobre cujo funcionamento relevam-se importantes aportes ao educador social. É por meio da intercessão de uma miríade de práticas e da apreensão de variadas identidades profissionais – as quais ostentam a intencionalidade educativa e produzem intervenções significativas – que se delineiam os contextos do educador e de seus matizes sociais. A experiência produzida pelo educador no meio social em que inserido deve refugir de distorções que a querem inacabada, dado que necessita, consecutivamente e cada vez mais, da intencionalidade da expressão dos saberes (Carvalho e Baptista, 2004). Trata, isso sim, da elucidação de um espaço profissional desenhado enquanto cruzamento, ponto de convergência – em atitudes de respeito e de repelência às discriminações. Sob a perspectiva de um modal de socialização terciária (Diaz, 2006), a ideia é que Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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indivíduo passe a se reintegrar na sociedade, em uma verdadeira busca de plena inclusão dos diversos atores sociais. Urge, nessa perspectiva, rememorar que: Refletir sobre a educação social requer uma compreensão da ontologia do ser social. O ser humano não se pode reduzir a uma coisa ou a uma mercadoria. De modo algum é um objeto passivo, um mero receptor de informações e comandos. A subjetividade e a capacidade de sonhar escapam aos planejamentos burocráticos e aos aprisionamentos absolutos. A vocação do sujeito é para a convivência, o diálogo, a liberdade, a criatividade, o aprender a lidar com o contexto social (DE SOUZA NETO, 2010).

O Educador Social conduz-se como profissional a passar em desempenho fortuito, mas que deve sempre se orientar – no quadro das competências a que foi “treinado” – pela concretização de uma cultura de paz (LARAIA, 1997). É que o homem, enquanto ser inacabado e em constante e ininterrupta construção, deve pautar-se como capaz de apreender com o ambiente que se lhe apresenta. O mundo deve ser interpretado como posicionado na função de mediador do processo educacional (MARQUES e MARQUES, 2006). Com isso, percebe-se o educador social como urgente de aquisição das competências para empreender seu mister profissionalizante sob a perspectiva mais inclusiva possível, a promover o desenvolvimento dinamizado das atividades a que se propõe, vale dizer, empregando uma variedade de estratégias que disponham da aptidão para encetar mudanças no quadro sociocultural em que se encontrarem tento a comunidade (numa perspectiva maior), quanto do indivíduo (em uma abordagem microssitêmica). Isso torna-se possível graças a: Uma proposta educacional que busque ressaltar os significados dos conteúdos, de acordo com as situações analisadas, deve partir necessariamente da compreensão que os indivíduos tem das relações que estabelecem com o real vivido nas mais variadas circunstâncias (FREIRE, 2018, p.96).

Este é o ponto em que se destacam os saberes transversais e as aptidões multidisciplinares apropriados às indigências dos atores (indivíduo-comunidade) a demonstrar aptidão de integração em redes de trabalho social e de desenvolvimento de ações conjuntas. Tudo a produzir a tríade desenvolvimentista e progressista no contexto educacional, de fé, amor e esperança (GALLI e BRAGA, 2017). Em uma reação à coisificação do humano, é que se apresentam as bases para a construção do papel multifacetado do educador social, agente cujo trabalho é constante, e cujos resultados são esperados no médio ou longo prazo, mas sempre voltado à conscientização e à libertação, na hipótese, no ambiente universitário social. Cite-se:

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A sociedade contemporânea pauta-se por resultados rápidos e o trabalho de um educador social é um trabalho paulatino, cujos resultados só são visíveis a médio/longo prazo e cuja motivação está dependente do reconhecimento e do respeito pela sua dignidade profissional. Integrado em equipas multidisciplinares, com uma pluralidade de competências e de funções mal definidas que se chocam, se anulam, se constroem e reinventam, fragmentam saberes, geram inseguranças e dificultam a afirmação pública da sua profissão. (MATEUS, 2012.)

Eis o contexto em que a Extensão Universitária desponta como compromisso que conduz à liberdade do(s) aprendizados(s) à luz do ideário da conscientização. É nos processos de humanização – em que, pese de alguma maneira, mercadorizada, para ser assimilável pelas variadas representações de realidade – que se avizinhas as conquistas afetas ao processo de “des - opressão”, ou seja de libertação e de conscientização. Tanto assim que, (...) Na verdade, se admitíssemos que a desumanização é vocação histórica dos homens, nada mais teríamos que fazer, a não ser adotar uma atitude cínica ou de total desespero. A luta pela humanização, pelo trabalho livre, pela desalienação, pela afirmação dos homens como pessoas, como “seres para si”, não teria significação. Esta somente é possível porque a desumanização (...) [é] resultado de uma “ordem” injusta que gera a violência dos opressores e esta, o ser menos (FREIRE, 2005, p.32).

Com efeito, a percepção da Extensão enquanto formação imersiva e multilateralizada é fato que se apresenta e ao qual se deve mirar com olhos fitos e ativos, a demandar atuação e introjeção de técnicas e metodologias próprias e sempre dialógicas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO A fim de compreender as interrelações teoricamente estabelecíveis entre o educador social e os programas de extensão universitária (na hipótese, o Projeto Rondon), faz-se importante desvelar o campo normativo e valorativo do funcionamento das dinâmicas hipotetizadas. Assim, urge aclarar as estruturas de formação profissional de nível superior, em vista das atividades de extensão (tripé indissociável de ensino, pesquisa e extensão) a fim de – na sequência – expor as condições de possibilidades de integração extensionista rondonista educador social, na seara teórica. Em breve retrospecto, a fim de aclarar ao leitor os pontos de formação brasileiros, quanto ao ensino superior, o texto constitucional estatui que as universidades obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão (art. 207, CF). Nesse sentido, o ensino superior passou a ter esses 3 (três) objetivos, absolutamente articulados entre si (em alusão à conceituação operacional de educação, BRANDÃO, 2007).

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O primeiro deles é a formação de profissionais mediante o ensino/aprendizagem de habilidades e competências técnicas; o segundo é o da formação do estudante como cientista e o terceiro tem como objetivo formá-lo como cidadão. Quanto a este último, pretende-se que o aluno entenda seu papel social a partir da interação universidade/comunidade. É, então, a partir da extensão, que a Universidade leva o conhecimento para a transformação da sociedade. Nesse sentido, a Lei de Diretrizes Básicas da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996), explicita, dentre as finalidades da educação superior, a de “estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade” a fim de “estabelecer com esta uma relação de reciprocidade” e, ainda, a de “promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição” (art. 43, incisos VI e VII). É da Lei de Diretrizes e Bases: Art. 52. As universidades são instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano, que se caracterizam por: I - produção intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista científico e cultural, quanto regional e nacional; II - um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado; III - um terço do corpo docente em regime de tempo integral.

Complementar e de modo instrumental, o Plano Nacional de Extensão Universitária (2001) define extensão universitária como “prática acadêmica que interliga a Universidade nas suas atividades de ensino e pesquisa com as demandas da população”. Em 2014, o Plano Nacional de Educação, em sua meta 12.7, trouxe a previsão, dentre outros aspectos, da inclusão da extensão nos currículos e projetos pedagógicos dos cursos de graduação. Referida meta foi regulamentada pela Resolução nº 7 do Ministério da educação (MEC), de 18 de dezembro de 2018, a qual preconiza no art. 4º que as atividades de extensão devem compor, no mínimo, 10% (dez por cento) do total da carga horária curricular estudantil dos cursos de graduação, as quais deverão fazer parte da matriz curricular dos cursos. Emerge o debate acerca da tensão (já anunciada em DE SOUZA PINTO e MENEZES, 2013) entre a regulação (excessiva) ou mal-empregada e a emancipação, na hipótese, proporcionada pela formação aberta. Veja-se da Resolução, ipsis litteris: Art. 7º São consideradas atividades de extensão as intervenções que envolvam diretamente as comunidades externas às instituições de ensino superior e que estejam vinculadas à formação do estudante, nos termos desta Resolução, e conforme normas institucionais próprias. Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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Aqui, a extensão universitária é definida como a atividade que se integra à matriz curricular e à organização da pesquisa, constituindo-se em processo interdisciplinar, político, educacional, cultural, científico, tecnológico, que promove a interação transformadora entre as instituições de ensino superior e os outros setores da sociedade, por meio da produção e da aplicação do conhecimento, em articulação permanente com o ensino e a pesquisa (art. 3º da citada Resolução MEC). Referido processo contribui na formatação de um conceito de liberdade (BUENO, 2020). Tanto é assim restou assentado no I Encontro Nacional de Pró-Reitores de Extensão que se trata de um processo educativo, cultural e científico “que articula o Ensino e a Pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre universidade e sociedade”. E mais, que “é uma via de mão dupla, com trânsito assegurado à comunidade académica, que encontrará, na sociedade, a oportunidade de elaboração da práxis de um conhecimento acadêmico” (BRASIL, 2001). É por meio da extensão que a efetividade das ações da universidade é instrumentalizada sob um processo dialético entre teoria/prática – é valoroso trabalho interdisciplinar que patrocina a visão conexa do social na articulação dos misteres do educador social para a interdisciplinaridade, próxima dos problemas enfrentados pela comunidade, em uma construção real do normativo (ECO, 1994). Faz-se, nessa vibração, necessário refletir sobre a cultura que vem sendo construída na perspectiva da formação dos profissionais desde seu ingresso na universidade. Esse “senso comum teórico” (WARAT, 1995) precisa ser atravessado, para que se possa alcançar uma cultura democrática nas variadas ações dos saberes. Aproximando o estudante das demandas sociais (por meio de experiências interdisciplinares, interculturais e multiprofissionais – ao que se vocaciona a extensão) serão formados profissionais inclinados a atendê-las, o que produzirá impacto direto na efetividade dos direitos fundamentais e humanos, sobretudo no contexto de modernidade líquida experimentado hodiernamente (BAUMAN, 2001). A frente de trabalho do educador social deve vocacionar-se a uma formação extensionista, em quaisquer das áreas universitárias abrangidas, a elucidar os diversos papéis dos atores implicados nestes contextos. É neste nó que a extensão influencia e (também) é influenciada reciprocamente no seio da comunidade, em uma troca de saberes que, dialógica, apresenta-se capaz de remontar as resultantes interação e reação sob a égide das estruturas de linguagem – dada a atividade comunicacional ínsita na educação – a redimensionar as estruturas para um acoplamento justo e libertador.

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A relação entre educação social e extensão universitária resulta em significados de relevo, sobretudo no pertinente à experiência interativa da comunidade com a universidade – a denotar a importância de processos educativos “fora” do contexto gradeado de cursos e matricializado de formações. Nessa toada, para fins de materializar a abordagem, o Projeto Rondon é teoricamente eleito como programa de extensão capaz de proporcionar ao aluno em formação essas experiências interdisciplinares (MOTTA, 2006), interculturais e multiprofissionais, em um modal transversal de abordagem de direitos fundamentais (SMANIO, 2004). O Projeto Rondon foi idealizado e implementado ao final da década de 1960. Desativado em 1989 e relançado em 2004, caracteriza-se como um programa eminentemente educacional, que valoriza e impulsiona as ações de extensão universitária, a partir de ações coordenadas entre Governo Federal, estados, municípios, Ministério da Defesa e Instituições de Ensino Superior (BARRETO, 2008) e, no pertinente às experiências do Projeto, por todos, SILVA JÚNIOR, ANCELMO e ARAÚJO, 2019; e VIRGOLIN, 2011. Há, a partir da seleção de uma localidade, por meio de estudos geográficos e socioeconômicos, o diagnóstico de problemas e a estruturação de políticas públicas cabíveis. A partir disso, há uma integração entre professores, alunos e comunidade. Os alunos são literalmente conduzidos aos problemas sociais, desde regiões mais próximas, até às mais distantes geograficamente. É ação encetada sob o enfeixe de política pública (SMANIO, 2013). É nessa esteira de raciocínio que a pesquisa propõe o Projeto Rondon como programa de extensão universitária que vai propiciar, aos profissionais em formação, vivências interdisciplinares, interculturais e multiprofissionais que serão capazes de aproximá-los da realidade social (neste sentido, RIBEIRO, 1958; SANTOS e MENDES, 2005 e SANTOS, 2013). É Projeto que tem como filosofia “motivar o jovem universitário e professores a saírem do casulo de suas famílias, dos seus bairros, cidades e estados” (CASIMIRO, 2014.) e, nessa senda, apresentarem envolvimento com a realidade brasileira (BARRETO, 2008), em uma construção de valor compartilhado (NETO, 2015). As atividades realizadas pelos rondonistas concentram-se nas áreas de comunicação, cultura, direitos humanos e justiça, educação, meio ambiente, saúde, tecnologia, produção e trabalho (FANTIN, 2011). Desse modo, o aluno é imerso, por um período de até 30 (trinta) dias, em vivências interdisciplinares e multiprofissionais – referida imersão pode produzir valorosos frutos de recorte etnográfico. Esta é a medida em que a extensão universitária “surge como um espaço dialógico em que a universidade tem a oportunidade de incorporar conhecimentos sobre a educação Social e a potência dos processos educativos” o que se operará fora do contexto formal e engessado das salas de aula rígidas das instituições. Desta feita,

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(...) ao mesmo tempo em que incorpora conhecimentos, a universidade também compartilha seus saberes fazeres com os educadores, estabelecendo assim uma rica troca entre os Educadores Sociais e a Universidade por meio do espaço da extensão universitária. Na trajetória da Educação Social vimos que esta ensina para a universidade que há a necessidade de um olhar diferenciado nos processos de ensinar e aprender, que conhecimento não se dá somente dentro da universidade. No contexto da educação social com a infância, se apresentam as crianças e os adolescentes como protagonistas da relação com o educar, diferentemente do que se prega na maioria dos discursos da universidade que tem a criança como objeto da relação de aprendizagem. Esse é um ponto crucial a ser aprendido e discutido, o protagonismo das crianças e adolescentes, sua participação efetiva em seu processo de aprendizagem é algo que a educação social no Brasil já vem assumindo e que as universidades precisam aprender. (DE PAIVA, NATALI e DE SOUZA, 2019.)

Com os processos de reajuste dos equilíbrios internos carregados historicamente com os estudantes, por meio do rearranjo das estruturas interpretativas do mundo, são informados pelos diálogos de/entre saberes, a engendrar cariz ajustado ao progresso. Tudo sob o enfoque da extensão universitária como mecanismo e ferramental de formação de profissionais “linkados” e imbricados com o meio social, em virtuoso ciclo de construção de conhecimentos – ciclo que se apresenta, em virtude dos variados atores engendrados, deveras polivalente. A partir das percepções da curiosidade pelo mundo, pela descoberta do funcionamento das coisas, natural dos processos de formação universitária, a extensão revela seu potencial teórico de produzir (nos formandos e na comunidade) cenário fértil à libertação pela educação. Em uma a produção de conhecimento baseada na “troca de saberes sistematizados, acadêmico e popular, tendo como consequência a democratização do conhecimento, a participação efetiva da comunidade na atuação da universidade” (BRASIL, 2001) e com o acréscimo na pesquisa, cuja produção resultante é pragmática, vez que havida do confronto com a realidade. Isto se opera, sobretudo sob a percepção de que não são simples os processos de apreensão da realidade (e mesmo de compreensão social para o compartilhar de saberes). Desta feita anote-se: Na práxis do educador social estão plantados muitos elementos ilógicos, o que não impede que as coisas se resolvam de alguma forma. O mundo e a vida não são constituídos apenas de elementos racionais ou não, de necessidades ou liberdades, mas existe neles um movimento articulador próprio. (DE SOUZA NETO, 2012.)

Desta sorte, pautados na alteridade como forma razoavelmente apropriada a lidar com a diferença é que o coletivo se envolve nos processos educacionais e é o momento em que o extensionista revela-se deveras útil aos (inumeráveis) problemas sociais. Certo é que

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“podemos entender que se o sujeito nem sempre faz estritamente aquilo que deseja, pode, contudo, interferir na história e em sua biografia, e alterá-las” (DE SOUZA NETO, 2012.). A problematização é, desta feita e na via da interlocução extensão rondonista e educador social, escopo da transformação do arcabouço teórico em resultado naturalístico, sobretudo nas percepções da realidade a cuja significação acodem as constatações de que o mundo humano é o mundo da comunicação.

CONCLUSÃO O dimensionamento da extensão universitária como aparelho de relacionamento dos papéis do educador social, na via do Projeto Rondon, fez-se na construção argumentativa das vivências interdisciplinares, interculturais e multiprofissionais. O profícuo diálogo, característico da formação dos sujeitos humanos, na esteira do Projeto Rondon, resulta da interação e reação, havidas na incessante busca da libertação pela educação – é aí que a extensão universitária desponta como catalizadora da liberdade, pela pragmática conscientização. É através da extensão que o processo dialético teoria/prática que se firma a visão do social (do educador social) em face dos problemas da comunidade, em frente de trabalho que sustenta uma formação extensionista, sobremaneira frutífera nas experiências rondonistas. A afinidade entre o educador social e a extensão universitária endossa a experiência interativa comunidade-universidade, formatando arranjos educativos fora do gradio das salas de aula formais. É por meio das práticas do Projeto Rondon – caracterizado pelos saberes e vivências interdisciplinares, interculturais e multiprofissionais – que as percepções da curiosidade (pelo mundo e pela descoberta) revelam-se potencialmente capazes de produzir a libertação pela educação, ao menos teoricamente. Tais são as condições de possibilidades de construção da extensão rondonista e do educador social e, dado que o mundo humano é o mundo da comunicação, tem-se o homem como ser inacabado, cuja curiosidade pelo mundo mediatizada no diálogo entre saberes tende à conduzir à liberdade.

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05 Covid-19, educação integral e currículo da cidade: qual a relação entre esses três elementos?

Pollyanna Regina Batista de Souza UFMG

10.37885/210805888


RESUMO

Neste momento em que lidamos com a volta às atividades da vida normal, após um longo período de afastamento social promovido pelas medidas sanitárias de combate à pandemia pelo Coronavírus, a recuperação dos conteúdos escolares tem sido uma preocupação para gestores/as escolares e docentes. A BNCC, no entanto, se vincula aos preceitos da educação integral e oferece, além dos conteúdos mínimos, saberes relacionados à vida cotidiana - esta, que se faz para além dos muros escolares. Sendo a educação básica obrigatória nas vidas dos sujeitos, é necessário que se utilize do tempo na escola para aprender saberes que serão utilizados em outros espaços, incluindo o currículo da cidade. O objetivo deste texto é o de apresentar os elementos da BNCC que subsidiam uma prática docente que lida, também, com o trato humano. A metodologia utilizada se vincula à perspectiva pós-crítica curricular e se utiliza do método (auto)biográfico para promover as reflexões necessárias para as análises. Apresenta-se, assim, indicações do documento normativo com o objetivo de auxiliar a “escola” na aplicação e no desenvolvimento de saberes relacionados à vida.

Pa l av r a s - c h ave: Educ aç ão Integral, Práti c a Pe dag ó gi c a , Curríc ul o da Ci dade, Combate à Pandemia.

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INTRODUÇÃO Belo Horizonte, fim do mês de agosto do ano de 2021. Olhando pela janela do transporte coletivo vejo pessoas socializando em bares e restaurantes da cidade. Vejo as ruas sendo ocupadas por pessoas indo e vindo das escolas e de seus trabalhos, ou simplesmente percorrendo a cidade. Também localizo pessoas ocupando praças, praticando esportes, se divertindo por meio de jogos ou apreciando as paisagens da cidade. Essas dinâmicas de viver as cidades, esta em que vivo; essa onde você, leitor/a, vive; as que quaisquer pessoas vivem, integram saberes que conformam comportamentos que podem ser exclusivos, ou não, a essas cidades, o que podemos chamar de currículo da cidade. Esse conceito compreende as formas pelas quais as pessoas se relacionam entre si e com os objetos das cidades que, em alguma medida, oportuniza sentimentos de pertença social, isto é, o desenvolvimento de uma identidade relacionada aos espaços que vivemos (WOODWARD, 2008). Na cidade entendida como um currículo acontecem dinâmicas em que “as relações sociais e os problemas políticos são definidos e os diferentes grupos sociais são representados” (PARAÍSO, 2004, p. 55). Essas dinâmicas penetram “na experiência de subjetivação nos diferentes programas educacionais em que o sujeito participa ao longo da vida1” (BONAFÉ, 2010, p. 1). Isso porque, na cidade, “os seres humanos geram e significam suas práticas individuais, sociais e institucionais2” (BONAFÉ, 2010, p. 1). Estando as pessoas vivendo em uma cidade, elas criam representações e significados para essas vivências. Da minha perspectiva, de uma pessoa que procura se informar sobre os riscos de uma doença, o Coronavírus, que mudou drasticamente no mundo inteiro as formas como vivemos, é angustiante. Ainda mais porque o atual momento da pandemia conta com a variante delta que apresenta o dobro de chances de causar hospitalização para tratamento se comparada à primeira cepa da doença, ainda que as pessoas tenham iniciado o processo de vacinação.3 Perceber incoerências entre saberes e práticas das pessoas vivendo o currículo da cidade, uma vez que muitas dessas pessoas não estão usando máscaras durante as ações mencionadas acima, além do fato de que o Brasil apresenta apenas 28% da população totalmente vacinada4 até o momento da escrita deste texto, suscita questionamentos diversos.

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Tradução feita por mim de “la experiencia de subjetivación en los diferentes programas educativos en los que a lo largo de la vida

participa el sujeto”. Tradução livre de “el ser humano genera y significa en sus prácticas individuales, sociales e institucionales”. Atualmente o Brasil disponibiliza quatro tipos de vacina que integram o calendário de vacinação nacional, a saber: CoronaVac, AstraZeneca, Pfizer e Janssen, sendo esta última a única de dose única. Para acompanhar o processo de imunização, no Brasil e no mundo, ver <https://ourworldindata.org/covid-vaccinations?country=OWID_WRL> Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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Estamos há mais de um ano vivendo uma pandemia causada por uma doença que, desde a sua descoberta, só no Brasil, matou mais 578 mil pessoas. É incomensurável a quantidade de pessoas que sofrem os efeitos dessa doença, desde a perda de seus entes queridos e a impossibilidade de vivenciar os rituais de despedidas5, até os impactos econômicos que o afastamento social, medida sanitária para controle de uma doença que se caracteriza por sua transmissão acontecer por meio de gotículas do nariz ou da boca que se espalham quando alguém doente tosse ou espirra, promoveu. Sendo assim, o incômodo que sinto ao ver como as pessoas têm se comportado nas cidades frente as condições impostas pela pandemia me promovem alguns questionamentos: a) apenas os conteúdos escolares que tratamos nas escolas e outros espaços formativos sobre o combate à doença são suficientes para promover atitudes de cuidado e bem estar coletivo?; b) o bem estar coletivo se restringe apenas a obedecer as medidas sanitárias no combate à pandemia?; c) após os traumas que vivemos mediante o contexto da pandemia, como se darão as relações sociais nos diferentes espaços que frequentamos?; d) a escola, como parte integrante e obrigatória das vidas dos sujeitos, considera como importantes os saberes relacionados à convivência humana tanto quanto os conteúdos científicos? São esses os questionamentos que subsidiam o objetivo deste texto, que é o de apresentar a perspectiva da educação integral, respaldada pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), como ferramenta de auxílio, tanto para o enfrentamento da doença, quanto para a criação de possibilidades de viver nas cidades a partir do que se convencionou chamar de “novo normal”. Para tanto, o argumento que defendo neste texto é o de que, ao nos entendermos como sujeitos aprendentes a partir das mais variadas experiências e ao longo de nossas vidas, conseguimos construir e acionar saberes que podem nos ajudar a viver melhor em sociedade. No que se refere aos sujeitos escolares, a BNCC apresenta dez competências “que consubstanciam, no âmbito pedagógico, os direitos de aprendizagem e desenvolvimento” (BRASIL, 2018, p. 8) das pessoas em processo de escolarização na educação básica. Este documento define competência como a “mobilização de conhecimentos (...), habilidades (...), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho” (BRASIL, 2018, p. 8). Grosso modo, o documento normativo que direciona as práticas pedagógicas em ambientes formais de educação pretende que os/as estudantes apliquem os conhecimentos aprendidos na escola em todas as

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Em cumprimento às definições da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o combate à pandemia pelo novo Coronavírus, o Ministério da Saúde do governo brasileiro publicou um guia para o manejo de corpos em hospitais, em domicílio e espaços públicos, bem como em velórios e funerais. Segundo o documento, os velórios e funerais em casos de suspeita e confirmação de morte pelo novo Coronavírus não são recomendados por promover aglomerações e, neste caso, podem aumentar os riscos de transmissão do vírus. Cf. <https://www.gov.br/pt-br/noticias/saude-e-vigilancia-sanitaria/2020/03/ministerio-da-saude-publica-protocolo-com-orientacoes-para-velorios-e-enterros>. Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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situações da vida, o que nos leva a refletir sobre quais são esses conteúdos e de que modo os ministramos nas escolas. A metodologia empregada para o desenvolvimento do texto compreende o método biográfico, a partir das minhas próprias reflexões como educadora e pesquisadora de culturas, articulada à pesquisa bibliográfica relacionada às indicações dos estudos sobre o que se entende por educação integral na contemporaneidade. Desse modo, após esta introdução, apresento as condições para a metodologia que sustentam a escrita deste texto. Em seguida apresento as concepções e premissas que amparam a educação integral para, adiante, apresentar elementos da BNCC que podem amparar uma prática pedagógica que reverbera para além dos muros escolares. Encerro o texto, no tópico das considerações finais, com algumas ponderações que podem ajudar na reflexão de nossa própria prática pedagógica no que se refere às aprendizagens para o decorrer da vida.

METODOLOGIA Reflexão da prática: a autobiografia como suporte de pesquisas em educação Para organizar as informações deste texto usei uma metodologia baseada nas pesquisas pós-críticas em educação que envolve “um certo modo de perguntar, de interrogar, de formular questões e de construir problemas de pesquisa que é articulado a um conjunto de procedimentos de coleta de informações [...] e de estratégias de descrição e análise” (MEYER; PARAÍSO, 2014, p. 18). É necessário orientar-se a partir do problema a que o/a pesquisador/as quer se debruçar para, então, traçar as suas próprias estratégias de investigação. Nesse sentido, ao me compreender como uma educadora que atua em diversas frentes, o problema de pesquisa para as análises que aqui apresento partiu da reflexão da minha própria posição de sujeito professora/educadora/pesquisadora - o que me possibilita levantar hipóteses e analisar informações para, assim, apresentar resultados conforme rege o método científico. Não se trata de apresentar as minhas experiências como corretas ou verdades absolutas; trata-se de socializar práticas e contribuir para oportunizar novas formas de pensar a temática em questão. Ser educador/a, como explica Paulo Freire no livro Pedagogia da Autonomia, tem a ver com segurança em si mesmo/a. Para ele, “a segurança (...) se expressa na firmeza com que atua, com que decide, com que respeita as liberdades, com que discute suas próprias posições, com que aceita rever-se” (FREIRE, 1996, p. 91). Ainda de acordo com esse autor, “o ensino dos conteúdos implica o testemunho ético do professor. A boniteza da prática docente se compõe do anseio vivo de competência do docente e dos discentes e de seu sonho ético” (FREIRE, 1996, p. 95). Não há competência docente sem sua própria Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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avaliação e, esta, não se configura como mero instrumento de classificação entre bom e ruim, entre feio e bonito. A avaliação serve para direcionar, aperfeiçoar, sofisticar. Um/a educador/a consciente coloca a si mesmo/a como objeto da educação. Assim, “as histórias de vida e o método (auto)biográfico integram-se no movimento atual que procura repensar as questões de formação” e de que “a formação é inevitavelmente um trabalho de reflexão sobre os percursos de vida (NÓVOA, 1988, p. 116). Uma das reflexões que faço ao analisar o cenário que estamos vivendo é a de que a maioria das pessoas possuem acesso à informação; uma informação que, devido ao fato de estar associada a uma pandemia mortífera, deveria oportunizar ações mais conscientes para promover o bem estar de todos/as. Como pesquisadora ligada aos estudos culturais6, um campo de estudos que investiga as diferentes formas de manifestação popular da cultura de massa, incluindo “livros populares, tabloides, rádio, televisão, a mídia em geral” (SILVA, 2005, p. 132), entendo que, mesmo com a difusão sistemática de informações sobre a pandemia, não é possível garantir que as pessoas realmente entendam a seriedade com que essa doença precisa ser tratada e combatida. A vertente dos estudos culturais também se constitui num “campo interdisciplinar que atua na tensão entre suas tendências para abranger tanto uma concepção ampla, antropológica, de cultura quanto uma concepção estreitamente humanística de cultura” (NELSON; TREICHLER; GROSSBERG, 2013, p. 12). Por isso, em uma de minhas pesquisas7 defendo que as cidades possuem currículos, ou seja, ainda que elas não sejam pensadas para proporcionar situações de aprendizagens para as pessoas, as formas como as pessoas se relacionam entre si a partir da forma como elas interagem com as materialidades das cidades nos ensinam condutas e moldam nossos comportamentos, isto é, oportunizam formas de sermos sujeitos próprios das cidades que vivemos. No contexto da pandemia, a forma como vivemos nas cidades se apresenta como uma problemática importante da atualidade, já que as medidas sanitárias de combate à doença nos obrigam a ter determinados comportamentos para a nossa segurança e a segurança de todos/as. Como professora em uma escola e coordenadora pedagógica em outra, ambas da educação básica e da rede privada, percebo a preocupação e a cobrança das famílias dos/ as estudantes para a recuperação dos conteúdos escolares “perdidos” durante o período de afastamento social compulsório imposto à população belorizontina (e em praticamente

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Os estudos culturais é um campo de estudos que se originou no ano de 1964 no Centro de Estudos Culturais Contemporâneos da Universidade de Birmingham, na Inglaterra e tinha por objetivo inicial questionar “a compreensão de cultura dominante na crítica literária britânica” (SILVA, 2005, p. 131). A dissertação é resultado de pesquisa de mestrado desenvolvida entre os anos de 2018 e 2020. Na investigação do currículo da cidade de Belo Horizonte, investiguei uma parte da cidade vivida por um grupo de crianças, entre 06 e 10 anos de idade, organizadas em uma proposta de educação integral. A observação deste espaço mostrou como se dá a construção de um território educativo que oportunizou situações relacionadas à categoria de gênero, à intra e intergeração, à raça, à moralidade e à classe social. Também foi possível identificar elementos do discurso escolar operando no grupo investigado (SOUZA, 2020) Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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todas as cidades do país). Em ambas as escolas e socializando as práticas pedagógicas com colegas de profissão, percebo que os saberes ligados ao combate à doença também estão sendo contemplados no currículo escolar. Praticamente todas as crianças e adolescentes sabem responder quais são as medidas sanitárias que devem ser inclusas em nossas ações diariamente, sem contar que, na volta às atividades escolares em formato presencial, essas ações têm sido praticadas8. No entanto, pergunto: saber combater a doença, interpretar informações referentes a ela, decodificar gráficos e tabelas diversos, serão suficientes para sustentar as relações sociais nessa nova realidade? Como pesquisadora/professora/coordenadora pedagógica, uma das proposições teóricas que direciona as minhas práticas pedagógicas é a da educação integral, que não se resume, como muitas pessoas acreditam, ao aumento da jornada escolar de estudantes da educação básica. A concepção de educação integral educa para contemplar “relações humanas diferenciadas” (ANTUNES; PADILHA, 2010, p. 44), nas quais se aprende e se ensina “com a razão, com a emoção, com a afetividade, com o querer bem, com a estética, com a boniteza” (ANTUNES; PADILHA, 2010, p. 45). É a partir das minhas observações e vivências como educadora/pesquisadora que escrevo este texto, uma vez que estou inserida em práticas de ensino-aprendizagem que contemplam o contexto histórico que vivenciamos. Considerar a educação integral como propulsora de minhas práticas pedagógicas consiste em acreditar que os aprendizados acontecem ao longo de toda a vida e pelas vidas dos sujeitos, como defendem Dewey (2010) e Freire (1993). É por aprendermos por vários meios e contextos que precisamos entender que uma prática pedagógica se caracteriza por ser “orientada para a construção e a transformação da subjetividade” (LARROSA, 1994, p. 39), isto é, nos transformamos no que somos a partir do contato que temos com os diferentes objetos do mundo. Assim, socializar as minhas próprias reflexões, por meio deste escrito, permite divulgar uma ideia baseada em ações, ao mesmo tempo em que continuo a me formar, uma vez que “o saber da formação provém da própria reflexão daqueles que se formam” (FINGER, 1988, p. 24). Além disso, ao saber que aprendemos no contato uns com os outros, o meu próprio aperfeiçoamento pode levar outros/as educadores/as a se formarem também. No tópico a seguir apresento as premissas da educação integral como aportes importantes para uma educação que se faz ao longo da vida.

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Cf. Protocolo de Funcionamento de creches, escolas de ensino infantil, fundamental e médio da prefeitura de Belo Horizonte: <https:// prefeitura.pbh.gov.br/sites/default/files/estrutura-de-governo/planejamento/2021/pbh_educacaoinfantil_1920x1080.pdf>. Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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DESENVOLVIMENTO A educação integral no Brasil A escola nas cidades brasileiras é um espaço no qual ocorrem projetos e práticas institucionais diversas. Ações culturais, de cidadania, de promoção da saúde, dentre outras, utilizam o espaço escolar para consolidar políticas públicas diversas9, preconizando uma educação integral, o que nos mostra o quão importante é a instituição escolar para a sociedade brasileira. Gadotti (2009) alerta que “a educação integral é uma concepção da educação que não se confunde com o horário integral, o tempo integral ou a jornada integral” (p. 29-30). Segundo Antunes e Padilha (2010), uma educação integral também apresenta uma gestão democrática com a participação da comunidade; uma gestão sociocultural das aprendizagens e uma avaliação dialógica continuada para a formação humana. A respeito da Educação Integral, ela se ampara no artigo 1º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional10 (LDBEN), que define que os processos educativos podem se desenvolver “na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais” (BRASIL, 1996, s/p), isto é, amplia os processos educativos para além das instituições escolares. Além disso, o artigo 34 da LDBEN prevê o “aumento progressivo da jornada escolar para o regime de tempo integral” (BRASIL, 1996, s/p). Há, ainda, a meta de número 6 do Plano Nacional de Educação (PNE) que é a de “oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos alunos da educação básica” (BRASIL, 2014, s/p) até o ano de 2024. Apesar de atualmente haver incontáveis programas de Educação Integral em todo o Brasil, não há um “consenso sobre o que se convenciona chamar de ‘formação completa’ e, muito menos, sobre quais pressupostos e metodologias a constituiriam” (LEITE; CARVALHO; VALADARES, 2010, p. 51 - grifos dos autores). Sibilia (2012) aponta que as modificações que vêm ocorrendo na educação, como a ampliação da jornada escolar e o uso de tecnologias de ensino e aprendizagem, bem como saberes que estimulam o empreendedorismo e a liderança, são respostas às mudanças importantes ocorridas na sociedade. Essa autora afirma que “tudo isso implica a necessidade de desenvolver certas competências que a

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Como exemplos, cito o Programa Saúde Na Família (PSF), que se utiliza do espaço escolar para promover ações de prevenção de doenças e promoção da saúde das famílias dos/as estudantes, em parceria com os centros de saúde em que a escola está alocada. Para maiores informações ver <http://dab.saude.gov.br/portaldab/ape_esf.php>; e o Programa Escola Aberta, que apoia e incentiva a abertura das escolas aos fins de semana para desenvolver ações educativas, culturais, esportivas e de formação inicial para o trabalho e geração de renda aos/às estudantes e à comunidade. Ver mais em <http://portal.mec.gov.br/observatorio-da-educacao/ 195-secretarias-112877938/seb-educacao-basica-2007048997/16739-programa-escola-aberta>. Acessos em agosto 2021. 10 Lei 9.394/96, que estabelece as diretrizes da educação nacional. Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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escola tradicional não só parece incapaz de inculcar, como seria até contraproducente nesse sentido” (SIBILIA, 2012, p. 46). Essas mudanças correspondem, principalmente, ao descrito no artigo 2º da LDBEN, que estabelece que “a educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social” (BRASIL, 1996, s/p). A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aprovada em 2018 e com implementação a partir de 2019, define que o seu foco está “na aprendizagem por competências (...) para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho” (BRASIL, 2018, p. 8). Conforme destacado na legislação brasileira, um dos efeitos esperados para a educação é a preparação para o mundo do trabalho. Foucault lembra que desde o mercantilismo, a população é considerada como “essencial e fundamentalmente produtiva” (FOUCAULT, 2008, p. 91), ou seja, apta para o trabalho. Para atender às demandas do mundo do trabalho criou-se estratégias diversas para extrair do/a trabalhador/a o seu melhor, como a organização do tempo: tempo para o trabalho e o tempo para o descanso (cuidados de si e de seus espaços e para desfrutar de lazer) para que o indivíduo possa trabalhar. Essas estratégias, que se enquadram no que conhecemos por sociedade disciplinar, conforme explica Foucault (2014, p. 135), “vela sobre os processos da atividade mais que sobre seu resultado e se exerce de acordo com uma codificação que esquadrinha ao máximo o tempo, o espaço, os movimentos”. Entretanto, deixamos de ser uma sociedade disciplinar para transformamo-nos em uma sociedade de controle a qual, como identificou Deleuze (1990), apresenta uma mudança no regime de vida que impacta, sobretudo, as relações de trabalho. Se antes, na sociedade disciplinar, a disciplina se atentava a tudo e “seu princípio é que até as coisas mais ínfimas não devem ser entregues a si mesmas [e a] menor infração à disciplina deve ser corrigida com tanto maior cuidado quanto menor ela for” (FOUCAULT, 2008a, p. 59); na sociedade de controle as pessoas se moldam aos diferentes modos de controlar sob a égide de uma liberdade regulada. Estamos em um cenário no qual a imposição das tecnologias de comunicação e informação (TICs) garante trabalhadores/as conectados/as a todo instante e que usam de seus momentos de lazer para trabalhar e empresas que, em certa medida, transformam seus espaços de trabalho em lúdicos e prazerosos a fim de fazer com que seus/as funcionários/ as desejem estar ali - e, obviamente, trabalhem e produzam mais riqueza11. Modificam-se

11 A Forbes, uma das mais conceituadas revistas de negócios e economia do mundo, organizou uma lista com as 25 melhores empresas para trabalhar no Brasil no ano de 2020. A metodologia utilizada para esta pesquisa foi a de analisar avaliações e comentários de usuários da Indeed, um dos maiores sites de emprego do mundo. Além de remuneração, benefícios e segurança no emprego, outros critérios avaliados foram “cultura da empresa” e “senso de comunidade”. Segundo o site “Guia Empreendedor”, estes valores são importantes para o funcionamento das empresas pois promove disciplina que garante comportamentos alinhados aos valores da empresa e engajamento. Para maiores informações, acesse <https://forbes.com.br/listas/2020/03/25-melhores-empresas-para-trabalhar-no-brasil/#foto1> e <https://www.guiaempreendedor.com/guia/voce-sabe-como-definir-a-cultura-da-empresa>. Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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as formas de trabalho, embaraça-se o tempo que outrora era definido pela disciplina a fim de extrair ao máximo a produção de cada um/a. Nesse sentido, os programas de educação integral têm oferecido atividades diferenciadas das comumente apresentadas na educação regular com o objetivo de contribuir na produção de pessoas aptas a participar da forma como a contemporaneidade tem definido o modo de produção - este, que nos forma como cidadãos/ãs em constantes processos de aprendizagem. A educação integral amplia a concepção do aprender para fora do formato escolar. Seguindo esse raciocínio, é preciso levar em consideração as atuais reformas da educação12 e da previdência13 do atual governo brasileiro. A primeira de teor neoliberal, conforme explica Sibilia (2012, p. 46), destaca “a importância da distinção individual e as vantagens da singularização do indivíduo como uma marca, explorando a própria criatividade para poder ser sempre o primeiro e ganhar dos outros”, além de tentar se alinhar aos indicadores educacionais internacionais ao atender uma lógica de produtividade e de produtivismo. A segunda reforma aumenta o prazo para que o/a trabalhador/a se aposente e não garante igualmente seus benefícios a todas as pessoas. No cerne das duas reformas há a demanda por um sujeito que trabalhe mais e que trabalhe por mais tempo. No entanto, são frequentes os relatos referentes à questão do ageísmo14, o que implica em um investimento individual para ser um/a profissional adequado ao que o mercado de trabalho requer. É compreensível que na contemporaneidade se pretenda um indivíduo que saiba “reconhecer-se em seu contexto histórico e cultural, comunicar-se, ser criativo, analítico-crítico, participativo, aberto ao novo, colaborativo, resiliente, produtivo e responsável”, conforme indica a BNCC (BRASIL, 2018, p. 14). Ainda de acordo com esse documento, para ser um indivíduo com todas essas aptidões, é necessário “muito mais que o acúmulo de informações” (ibidem, p. 14): a Base Nacional Comum Curricular traz como objetivos o desenvolvimento de competências para aprender a aprender; saber lidar com as informações que estão cada vez mais disponíveis; lidar com as demandas da cultura digital de maneira responsável; aplicar conhecimentos para a solução de problemas; desenvolver autonomia para tomar decisões e conviver e aprender com as diferenças e diversidades15. Essa recente atualização de um dos mais importantes documentos que organizam a educação básica brasileira se articula

12 A principal reforma é a elaboração da Base Nacional Curricular Comum (BNCC), que apresenta como objetivos estabelecer “conhecimentos, competências e habilidades que se espera que todos os estudantes desenvolvam ao longo da escolaridade básica.” Além disso, “a Base soma-se aos propósitos que direcionam a educação brasileira para a formação humana integral e para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.” Disponível em <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/>. Acesso em agosto de 2021. 13 A reforma da previdência foi promulgada em 12 de novembro de 2019. Essa reforma é uma emenda constitucional e muda as regras de aposentadoria para trabalhadores/as do setor privado e de servidores públicos da União. Para saber mais, acesse <www.previdencia.gov.br>. 14 Discriminação por idade. 15 Resumo dos objetivos da educação básica dispostos na BNCC. Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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às demandas do mundo do trabalho, assim como os programas que se desenvolvem para além do espaço escolar tradicional, aproximando-se, assim, de uma educação integral, que não se refere apenas à transmissão de conteúdos escolares. A BNCC para além dos muros escolares A BNCC, em seu texto, assume um compromisso com a educação integral. Os fundamentos pedagógicos do documento são definidos pelas questões centrais do processo educativo, que são “o que aprender, para que aprender, como ensinar, como promover redes de aprendizagem colaborativa e como avaliar o aprendizado” (BRASIL, 2018, p. 14). Assim, se o foco do documento é que os sujeitos escolares desenvolvam competências, ou seja, a mobilização dos conhecimentos, das habilidades, das atitudes e dos valores que capacitam as pessoas a participarem das relações sociais nas suas mais variadas formas, há de se pensar que a escolha dos conteúdos a serem ministrados nas escolas não se restringem apenas à situações relacionadas ao mundo do trabalho - mesmo que a preparação para o mundo do trabalho seja extremamente importante para o caráter ontológico dos sujeitos e para o desenvolvimento da sociedade como um todo. As dimensões das relações humanas e das relações dos humanos com a própria natureza, neste documento, coadunam com os princípios da educação integral dos sujeitos, extrapolando as questões de desenvolvimento técnico para a atuação no mercado de trabalho que marcaram a educação brasileira na segunda metade do século XX. No texto do documento, o compromisso com os princípios da educação integral fica explícito ao se reconhecer que “a Educação Básica deve visar à formação integral e ao desenvolvimento humano global”, o que significa “compreender a complexidade e a não linearidade desse desenvolvimento, rompendo com visões reducionistas que privilegiam a dimensão intelectual (cognitiva) ou a dimensão afetiva” (BRASIL, 2018, p. 14). O documento ainda assume uma “visão plural, singular e integral da criança, do adolescente, do jovem e do adulto (...) [para] promover uma educação voltada ao seu acolhimento, reconhecimento e desenvolvimento pleno, nas suas singularidades e diversidades” (BRASIL, 2018, p. 14). Além disso, o documento define que “a BNCC está comprometida (...) [com a] construção intencional de processos educativos que promovam aprendizagens sintonizadas com as necessidades, as possibilidades e os interesses dos estudantes e, também, com os desafios da sociedade contemporânea (BRASIL, 2018, p. 14 - grifos meus). A construção intencional de processos educativos implica em reconhecer as demandas da comunidade sob a qual os sujeitos estão inseridos, de modo que esses aprendizados possam ser utilizados em todo e qualquer espaço que os sujeitos possam vir a frequentar. Pode-se inferir que os saberes disponibilizados nas escolas compreendem o trato com as pessoas e o meio ambiente, Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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para além dos conteúdos mínimos que são assegurados no inciso IV do artigo 9º 16 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), no título que trata da “Organização da Educação Nacional”. No que se refere à Educação Infantil, a BNCC traz como objetivo dessa etapa da educação básica “ampliar o universo de experiências, conhecimentos e habilidades [das] crianças, diversificando e consolidando novas aprendizagens, atuando de maneira complementar à educação familiar” e englobando aspectos sobre “a socialização, a autonomia e a comunicação” (BRASIL, 2018, p. 36). Estes são aspectos que serão contemplados durante toda a vida dos sujeitos e, desse modo, uma atenção voltada a eles é de extrema importância. Sendo assim, o documento apresenta os eixos estruturantes das práticas pedagógicas da Educação Infantil, que se vinculam aos campos de experiências. Os campos de experiências se “constituem um arranjo curricular que acolhe as situações e as experiências concretas da vida cotidiana das crianças e seus saberes, entrelaçando-os aos conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural” (BRASIL, 2018, p. 40). São quatro, os campos de experiências, a saber: O EU, O OUTRO E O NÓS; CORPO, GESTOS E MOVIMENTOS; TRAÇOS, SONS, CORES E FORMAS e ESCUTA, FALA, PENSAMENTO E IMAGINAÇÃO. Destes, o campo O eu, o outro e o nós sugere que se promovam experiências de “falar e ouvir, potencializando sua participação na cultura oral” uma vez que é com essa participação que “a criança se constitui como sujeito singular e pertencente a um grupo social” (BRASIL, 2018, p. 42). Pode-se perceber a evidência de um aprendizado que será utilizado durante toda a vida dos sujeitos por meio de uma das sínteses dessas aprendizagens que é a de “atuar em grupo e demonstrar interesse em construir novas relações, respeitando a diversidade e solidarizando-se com os outros” (BRASIL, 2018, p. 54). Já na etapa do Ensino Fundamental, a BNCC reconhece que “as crianças estão vivendo mudanças importantes em suas relações consigo mesmas, com os outros e com o mundo” (BRASIL, 2018, p. 58). Os conteúdos organizados para esta etapa da educação básica, além de contemplar “a maior desenvoltura e a maior autonomia nos movimentos e deslocamentos [que] ampliam suas interações com o espaço”, envolvem a “relação com múltiplas linguagens, incluindo os usos sociais da escrita e da matemática [que] permite a participação no mundo letrado e a construção de novas aprendizagens, na escola e para além dela”, bem como “a afirmação de sua identidade em relação ao coletivo no qual se inserem” (BRASIL, 2018, p. 58). A relação das crianças com os conteúdos mínimos tem por objetivo “resultar em formas mais ativas de se relacionarem com esse coletivo e com as normas que regem as relações

16 IV - Estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em agosto de 2021. Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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entre as pessoas dentro e fora da escola, pelo reconhecimento de suas potencialidades e pelo acolhimento e pela valorização das diferenças” (BRASIL, 2018, p. 58). Na organização desses conteúdos, distribuídos entre as áreas de conhecimento e disciplinas17 do 1º e o 9º ano do Ensino Fundamental, os objetos de conhecimento são vinculados às habilidades de compreensão dos conteúdos, de elaboração de hipóteses e de resolução de situações-problemas que devem estar relacionados à situações do cotidiano das crianças e adolescentes, o que nos mostra a vinculação com os preceitos de uma educação que se propõe integral. Por fim, na etapa do Ensino Médio, a última da educação básica, a BNCC visa atender as necessidades de formação geral, tidas como “indispensáveis ao exercício da cidadania e à inserção no mundo do trabalho, e responder à diversidade de expectativas dos jovens quanto à sua formação” (BRASIL, 2018, p. 464). Assim, o documento assinala que a escola deve acolher “as juventudes” e “estar comprometida com a educação integral dos estudantes e com a construção de seu projeto de vida” (BRASIL, 2018, p. 464 - grifos da obra). Para tanto, o documento define que a escola que acolhe as juventudes deve, entre outras ações, “valorizar os papéis sociais desempenhados pelos jovens, para além de sua condição de estudante, e qualificar os processos de construção de sua(s) identidade(s) e de seu projeto de vida” (BRASIL, 2018, p. 465), além de “estimular atitudes cooperativas e propositivas para o enfrentamento dos desafios da comunidade, do mundo do trabalho e da sociedade em geral, alicerçadas no conhecimento e na inovação” (BRASIL, 2018, p. 465). O documento ainda prevê que, ao sair das escolas, os/as jovens devem ser capazes, entre outras atitudes, de “promover o diálogo, o entendimento e a solução não violenta de conflitos, possibilitando a manifestação de opiniões e pontos de vista diferentes, divergentes ou opostos” e de “combater estereótipos, discriminações de qualquer natureza e violações de direitos de pessoas ou grupos sociais, favorecendo o convívio com a diferença” (BRASIL, 2018, p. 467). Não vou me deter na organização curricular das disciplinas do Ensino Médio, uma vez que esta etapa prevê uma formação geral básica que agrega os itinerários formativos e os itinerários integrados, o que oportuniza aos/às estudantes dessa etapa da educação básica uma experiência escolar única e possivelmente enriquecedora. Ademais, discutir os aspectos dessa organização do currículo foge do objetivo deste texto. O que cabe pontuar é que, também nesta etapa da educação básica, são prescritas diretrizes que se vinculam ao desenvolvimento de competências que se atrelam ao tema das relações humanas. Sendo assim, no contexto da pandemia do Coronavírus que estamos vivenciando, em que tivemos que nos afastar fisicamente como medida sanitária de enfrentamento à doença,

17 As disciplinas do ensino fundamental são: Linguagens - Língua Portuguesa, Arte, Educação Física, Língua Inglesa; Matemática; Ciências da Natureza - Ciências; Ciências Humanas - Geografia, História, Ensino Religioso. Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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não apenas os conteúdos tidos como exclusivamente escolares foram prejudicados. Sendo a escola um espaço de exercício da democracia, um espaço de viver, temas de respeito e trato com o próximo são saberes tão importantes quanto aqueles que cairão em avaliações e serão cobrados em situações de trabalho. Sendo a cidade um dos currículos vividos pelos sujeitos de todas as idades, é igualmente importante pensar em como as relações sociais se darão nesses espaços, bem como os usos de suas materialidades. A escola como parte integrante da vida é um espaço privilegiado para essas aprendizagens, o que se pode comprovar com o respaldo legal que a Base Nacional Comum Curricular propõe para todas as etapas da educação básica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Que a escola é (ou deveria ser) parte integrante e obrigatória das vidas das pessoas, não é uma novidade. Também não há dúvidas quanto a escola ser o espaço de excelência para a transmissão de conhecimentos que poderão ser utilizados no desempenho das mais variadas atividades laborais. É inegável, ainda, que na escola ocorrem práticas de socialização, uma vez que esse é o primeiro espaço em que nos distanciamos do ambiente doméstico e, por isso, convivemos com outras lógicas e outras coerências. Nesse sentido, é de se esperar que desenvolvamos a capacidade de lidar com a diferença, com o outro, com outros aspectos de vida. Por consequência da vida, estando em situação de convivência, ao sair nas ruas e usar os espaços públicos, estamos vivenciando e produzindo o(s) currículo(s) da(s) cidade(s) que, neste momento de pandemia, pode(m) ser visto(s) como submetido(s) às imposições de protocolos de medidas sanitárias de combate à pandemia pelo Coronavírus. Para além das condutas que aprendemos por meio da mídia e de conteúdos escolares, o cumprimento dessas medidas sanitárias não garante que nos desenvolvamos nos aspectos socioemocionais. A maior medida de combate à pandemia - o afastamento social - recai sobre nossas subjetividades, não sendo possível mensurar seus efeitos em escala individual. Assim, por ser a escola um espaço privilegiado de convivência das diferenças - e obrigatória no nível da educação básica -, é imprescindível que ocorra um investimento maior nos saberes que se referem ao trato com o humano, uma vez que essas aprendizagens acompanharão os sujeitos ao longo de suas vidas. Opero aqui com o conceito de currículo da cidade por entender não ser possível que um sujeito viva fora desse currículo. Assim, utilizo-me do respaldo que o documento normativo da educação básica, a Base Nacional Comum Curricular, nos oferece para justificar o empreendimento de esforços para fazer da escola a própria vida, uma vida que se estende para além de seus muros, que reverberará no currículo da cidade e em todas as instâncias de vida que os sujeitos possam Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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vir a frequentar. Como educadores/as, podemos utilizar a reflexão da própria prática pedagógica feita por Paulo Freire, em suas palavras: “não posso duvidar um momento sequer na minha prática educativo-crítica [que] é o de que, como experiência especificamente humana, a educação é uma forma de intervenção no mundo” (FREIRE, 1996, p. 98). Paulo Freire, patrono da educação brasileira, considera como imoralidade “que se sobreponha, como se vem fazendo, aos interesses radicalmente humanos, os de mercado” (FREIRE, 1996, p. 100). Assim, é necessária uma reflexão sobre a própria prática, sobre o lugar que estamos inseridos/as e a nossa própria responsabilidade para mudarmos o mundo e fazer dele um lugar melhor para se viver. Os conteúdos escolares são sim, importantes, mas a forma de lidar com a vida, em todos os espaços que possamos vir a frequentar, é anterior à aprendizagem dos conteúdos tidos como escolares. A escola é a vida também, e a vida se faz para além da escola: nos encontros, nas relações com as materialidades das cidades e na forma como tudo acontece.

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06 Didática da história para historiadores: modelos de nação em análise

Analice Alves Marinho Santos UFS

Kátia Regina Lopes Costa Freire UFRN

10.37885/220107417


RESUMO

Neste artigo, analisamos os preceitos do historiador espanhol Ignacio Miró y (1821-1892) relativos ao ensino e aprendizagem de história visando o desenvolvimento do patriotismo espanhol do século XIX. Para isso, identificamos, através da análise qualitativa das obras e escritos de jornais do autor, as suas representações para a história e o ensino de história de forma que ambos contribuam no desenvolvimento de uma nação patriótica. Assim, os objetivos deste artigo foram: analisar a didática da história para a escola básica presente nas obras de Ignácio Miró; identificar a relação entre a didática da história e o patriotismo; discutir as prescrições para um ensino de história patriótico e, por fim, analisar o ensino de história educativo. Concluímos que, em defesa desse ensino de história educativo, Ignacio Miró advoga uma mudança no ensino escolar de forma que promova uma didática da história para desenvolver a Espanha, construindo assim, uma nação integrada e patriótica.

Palavras-chave: Didática da História, Nação, Patriotismo.

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INTRODUÇÃO Neste artigo,discutimos as prescrições relativas a didática da história escritas pelo historiador espanhol Ignacio Ramon Miró y Manent: nascido em Barcelona (ES),consta na necrologia escrita pelo seu discípulo Antonio de Rubió y Lluch (1856-1937) que Ignacio Miró atuou como professor regente das cadeiras de Geografia e História no Centro de Estudos da cidade, além de ser o fundador e diretor da Biblioteca Popular de Barcelona e da escola primária “Manresa” (1869).(LLUCH, 1921, p.3). Consideramos Ignacio Miró um historiador monarquista e conservador que, em suas obras, defendia uma Espanha única, integrada e patriótica. Para isso, Ignacio Miró critica o seu presente, buscando no passado as justificativas para o que ele denomina um ensino de história educativo: marcado pelas escolhas do professor e pelas ações de instruir e formar o cidadão patriótico do futuro. De acordo com Miró, a didática da história do seu presente é marcada pelo excesso de nomes e datas, que não possuem nenhuma relação entre si e não contribuem para que a disciplina história cumpra a sua finalidade social que é formar e instruir os mais jovens acerca do passado, apresentando os exemplos que devem ou não ser seguidos pelas gerações do presente e futuro. Para empreendermos esta pesquisa, realizamos a pesquisa bibliográfica de obras e artigos escritos por Ignacio Miró, que são:1. Los deberes religiosos y sociales al alcance

de los niños (1861); 2. La estrella de la niñez: consejos a los niños de las escuelas primarias(1865). 3. Luisito ó la historia de un niño(1866). 4. La educación y la instrucción del niño: consideraciones útiles a los padres de familia(1869); 5. La enseñanza de la historia en las escuelas (1889), os dois artigos Historia (1855) e Escuelas Primarias(1855). Nessa produção bibliográfica, analisamos como o historiador representa primeiramente o que é e não é história, as características do ensino de história e a finalidade social da disciplina que é sedimentar o patriotismo e, consequentemente, a nacionalidade espanhola. Os objetivos deste artigo são: analisar a didática da história para a escola básica presente nas obras de Ignácio Miró; identificar a relação entre a didática da história e o patriotismo; discutir as prescrições para um ensino de história patriótico e, por fim, analisar o ensino de história educativo. Reiteramos a importância de se estudar o que autores, em uma conjuntura secular, prescreviam para o ensino de história, e discutiam questões que ainda permeiam o debate sobre esse ensino, ou seja, que história ensinar, quais os seus sentidos, funções e importância da história para a sociedade.

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MÉTODO Empreendemos a pesquisa bibliográfica nas obras e escritos de Ignacio Miró tendo como referência as suas definições acerca das funções e objetivos da didática da história na Espanha do século XIX. Sobre os escritos de Miró, não tivemos dificuldade em acessá-los. Além do Google

Play disponibilizar algumas delas, livrarias on line vendem edições digitalizadas e impressas dos livros analisados neste trabalho. Reconhecemos também que o trabalho de digitalização de documentos realizados pela

Biblioteca de Cataluña e o serviço de envio para o exterior foi de grande valia para essa pesquisa: em cerca de dois meses, recebemos todas as edições do Jornal La Antorcha

Manresana impressas e gravadas em um Cd Room. Também adquirimos, nas livrarias on line, todas as obras digitalizadas de Ignacio Miró sobre o ensino de História e a Educação que são:1. Los deberes religiosos y sociales al

alcance de los niños (1861); 2. La estrella de la niñez: consejos a los niños de las escuelas primarias (1865). 3. Luisito ó la historia de un niño (1866). 4. La educación y la instrucción del niño: consideraciones útiles a los padres de familia (1869);5. La enseñanza de la historia en las escuelas (1889), os dois artigos Historia (1855) e Escuelas Primarias (1855). Com essas fontes, tivemos como questões norteadoras o seguinte marco temporal: focamos, inicialmente, os anos em que foram produzidos os dois artigos sobre a História e seu ensino nas escolas primárias [1855] e por fim o ano de 1889, referente à publicação de La enseñanza de la historia en las escuelas, obra que consideramos fundamental para a compreensão da Didática da História proposta por Ignacio Miró. Na análise e interpretação da produção bibliográfica de Ignacio Miró, empregamos as estratégias de processamento de conteúdos formuladas por Laurence Bardin (1997), empreendendo o estudo qualitativo dos dados referentes aos índices de registro, cujos principais foram: “História”; “ensino de História”; e “método”. Assim que finalizamos a coleta dos dados ao cumprirmos as etapas de seleção e de organização das fontes selecionadas, formularmos hipóteses, objetivos da pesquisa e criação de índices e indicadores para a interpretação final dos dados; codificarmos e categorizarmos em função das questões previamente formuladas.(BARDIN, 1977, p.101).

RESULTADOS E DISCUSSÃO Para compreendermos as representações de Ignacio Miró para a didática da história espanhola, temos de ter em vista que uma das defesas mais contundentes deste autor é a do ensino educativo: um ensino de história escolar precedido por um método de ensino Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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adaptado à realidade da escola e do aluno. Nessa defesa do ensino educativo, Ignacio Miró, enquanto professor da escola básica e historiador, analisa o ensino de história do seu presente, o representado como um ensino marcado pelo excesso de informações e conteúdos que não possuíam relação entre si e não eram úteis para a construção da nação patriótica do futuro. (MIRÓ, 1889, p. 49). Em nossa análise, identificamos que Ignacio Miró e seus escritos estão plenamente inseridos no contexto de construção da experiência de institucionalização da historiografia espanhola que, segundo Raphael Lutz e Ilaria Porciani, foi profundamente influenciada pelos padrões da construção do Estado-nação espanhol. Nesse sentido, em sua postura monarquista e conservadora, Ignacio Miró reivindica o retorno da Monarquia do século XVIII1 em um tempo de monarquia constitucional (1833-1868/1875-1902) e República (1868-1874) (LUTZ; PORCIANI. 2011). Em sua postura monarquista, olhando para o seu presente, Ignacio Miró encontra no passado os argumentos para defender uma mudança no ensino de história, advogando na união entre a história e o patriotismo, um ensino escolar nacionalista e patriótico, em seu fundo e sua forma. Em sua didática da história, Ignacio Miró defende que o patriotismo deve ser tema integrante das disciplinas escolares e o mesmo destaca a importância da História escolar para a formação do cidadão patriótico. (MIRÓ, 1889, p. 184). Diante disso, identificamos que o patriotismo ocupa um papel principal na discussão sobre o que é o ensinar e aprender história, sendo representado como uma ação política e um sentimento essencial para segurança e manutenção da nação espanhola: um país em desenvolvimento que deve se proteger das ameaças de inimigos históricos, como os franceses. Assim, em sua defesa entre a associação do patriotismo e da História escolar, Ignacio Miró afirma que o patriotismo significa a escolha política em garantir a manutenção da pátria única e integrada do presente e futuro, livre das ameaças expansionistas externas. (MIRÓ, 1889). Ao analisarmos as representações de patriotismo, identificamos que patriotismo é uma parte da educação, tema abordado pelo ensino de História e desenvolvido pelo conhecimento das festas populares, respeito aos monumentos, aprendizagem das glórias do passado e dos herois, santos e sábios. (MIRÓ, 1869, p. 70). Assim, segundo o historiador, cabe ao professor de história essa missão e o mesmo deve ter dois cuidados: não difamar a honra e a dignidade da pátria e destacar os personagens que são os maiores exemplos de patriotismo

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Segundo Ilaria Porciani e Raphael Leitz, nesse período, a Monarquia Espanhola, assim como a Francesa, era uma das mais antigas e consolidadas da Europa, sendo a História crucial para o sentimento de pertencimento e nacionalização desses países. (LEITZ;PORCIANI; 2011). Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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na experiência espanhola. Com essa definição, atestamos que aí está definida a educação escolar patriótica em “seu fundo e em sua forma” citada pelo historiador. (MIRÓ, 1869, p.111). Sobre a defesa da pátria espanhola, no artigo El patriotismo , presente no Jornal La Antorcha Marsellana, ele defende qual deve ser a reação de todo cidadão espanhol para a defesa da nação/pátria: é necessário esquecer os interesses e escolhas pessoais e se sacrificar pela pátria/nação, pois esse é um ato de heroísmo aplaudido por Deus e pelos homens. (MIRÓ, 1857, p. 1). Anos depois, na obra Los deberes religiosos y sociales al

alcance de los niños, Ignacio Miró também destaca quais são os deveres gerais que todos os espanhois devem ter com a pátria: fidelidade, respeito e obediência às leis e ao governo (MIRÓ, 1861, p. 55-56). Inserindo o patriotismo na educação escolar, Ignacio Miró afirma que esse sentimento representa uma parte da educação, complementada pelo o catolicismo, formando assim o todo da educação escolar, sendo que, o “tornar-se” patriótico envolve uma ação e reação que tem como consequências os “atos valorosos” ou atos de heroísmo admirados por todos. Com base nessas definições, entendemos que o sentimento de patriotismo é justificado por ser um ato de heroísmo e abnegação em favor da independência ou tranquilidade da Espanha. Em nossa pesquisa, identificamos que a defesa e especificação do patriotismo também deixam indícios da função social da História que Ignacio Miró partilha em sua obra. Isso ocorre no discurso contra o esquecimento, onde o historiador recorre ao passado para chamar a atenção de acontecimentos marcantes da experiência histórica do país, como a Guerra da Independência (1808-1814), contra os franceses, considerado pelo autor como um dos melhores exemplos históricos do patriotismo espanhol, o que nos faz concluir que ao encontrar argumentos, em defesa do patriotismo, na experiência histórica espanhola, uma das características mais presentes de sua didática da história: o passado ensina e forma. A Guerra de Independência, de acordo com Ricardo Garcia Cárcel, iniciou em 1808 com a invasão das tropas napoleônicas na Penínsua Ibérica com o objetivo de invadir Portugal. A invasão francesa ocasionou a reação dos espanhóis que, com ajuda dos ingleses e portugueses, importam resistência a Napoleão Bonaparte e os seus soldados da cidade de Madri. Por ser um confronto longo foi marcado por vitórias de ambas as partes, mas em 1812, os soldados recuperaram um dos poucos territórios sobre o domínio francês, o de Salamanca, expulsando os franceses e em 1813 foi feito um acordo entre os países de forma que o Rei Fernando VII, antes deposto pelos franceses, retorna ao trono espanhol. (CÁRCEL, 2007). Conforme afirmamos anteriormente, Ignacio Miró é um historiador conservador, que ao defender o patriotismo através da didática da história, escolhe o acontecimento de 1808 como algo modelar, a ser seguido como exemplo. Na narrativa desse fato histórico, os acontecimentos destacados são: invasão dos franceses a Madri em 1808; morte dos madrilenos;

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reação dos espanhóis; união em torno de um bem comum (defender a integridade espanhola); e, por fim, vitória espanhola sobre os franceses. No mais, nenhum dos outros acontecimentos da Guerra de Independência, que durou seis anos, é destacado pelo historiador, nem mesmo a expulsão das tropas francesas em 1814. Essas características da narrativa sobre o 1808 nos induzem a pensar que, apesar de a Guerra de Independência ter durado seis anos, para Miró, apenas uma data importa: a de 1808, período em que ocorre a invasão a Madri. Entendemos que a importância desse acontecimento histórico é fundamental para a compreensão das defesas do historiador pela valorização do patriotismo na didática da história. Segundo o historiador, o acontecimento é “o primeiro grito de independência da Espanha contra o julgo francês”. (MIRÓ, 1866, p. 47). Além disso, apresentando esse acontecimento como um exemplo de patriotismo, Ignacio Miró explica como por meio desse sentimento obteve-se a união de todos os espanhois frente a um inimigo comum, os soldados franceses, comandados por Napoleão Bonaparte. Esses representavam uma ameaça à independência dos espanhois, que, ao invadirem a cidade de Manresa2 e anunciarem um novo governo, provocaram a reação do povo espanhol, representada como um grito patriótico que ecoa em toda a Espanha: um “grito de união, sentimento e força”. (MIRÓ, 1866, p. 47). Para compreendermos as defesas e a narrativa de Ignacio Miró sobre a Guerra de Independência Espanhola é também necessário recorrer ao tempo em que ele vivia em Manresa. Entre os anos de 1857 a 1860, um ano antes de se mudar para Madri (1861), Ignacio Miró viveu naquele município, na comunidade autônoma da Catalunha e foi redator do Jornal La Antorcha Manresana (1857-1860), no qual escreveu artigos que depõem sobre o significado do acontecimento de 1808. Como afirmamos, tratava-se de um exemplo histórico da finalidade do ensino de História: formar o cidadão patriótico e católico. Entretanto, salientamos que a narrativa de Ignacio Miró sobre a Guerra de Independência é contestada pelos historiadores que discutem as causas e consequências do acontecimento para a sedimentação da nacionalidade espanhola. Destacamos, aqui, os escritos do historiador espanhol, Miguel Gómez, que em seu artigo Guerra de Independencia o Guerra Civil? (2015), destaca o caráter mítico do acontecimento da Guerra de Independência. É justamente nessa perspectiva do caráter mítico que inserimos a narrativa de Ignacio Miró sobre o acontecimento. Outro autor, Gómes Dufour, afirma que essas narrativas se classificam em uma série de “escritas míticas” sobre o acontecimento (DUFOUR, 2015, p. 81). Gómes Dufour contesta a versão de Ignacio Miró sobre a união de todos os espanhois contra os franceses para defender a independência espanhola: de acordo com o autor, como

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A cidade de Manresa localiza-se na província de Barcelona (Espanha). Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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Manresa, região de fronteira com a França e que tem a presença marcante de franceses pelo seu território, que sempre discutiu a sua permanência ou não como território espanhol, pode se unir com os “distantes” espanhóis contra os “próximos” franceses? Sobre essa questão, Gómes Dufour afirma que, ao contrário do destacado por Ignacio Miró, não existia uma unidade dos espanhóis devido a presença dos “afrancesados”: os descendentes de franceses que colaboraram com os invasores, por escolha ou por obrigação. (DUFOUR, 2006, p. 95). Compactuando com Gómes Dufour, Pierre Villar, em seu capítulo de livro intitulado de “Patria y Nacion en el vocabulario de la Guerra de Independencia” (1999), também salienta a falta de união dos espanhois e explica que a morte dos madrilenos no dois de maio de 1808 não provocou levantes nacionalistas imediatos (p. 217), como afirma Ignacio Miró. (VILLAR, 1999). Com base nesse autores, concluímos que a narrativa de Ignacio Miró sobre a Guerra de Independência é marcada por esse sentimento nacionalista/patriótico e de pertencimento, no qual, a reação dos espanhois ante aos inimigos invasores é mitificada com a intenção de divulgar e convencer os leitores sobre a importância do patriotismo não só para a formação do homem, mas para o futuro da nação/pátria, sendo esse um dos recursos utilizados pelo historiador para defender a relação entre patriotismo e ensino escolar de história. Assim, entendemos que para justificar o patriotismo em sua didática da história, Ignacio Miró interpreta um fato histórico à luz do patriotismo, escolhendo os personagens e acontecimento que reverberam a sua Espanha que está no passado e necessita desenvolver-se no futuro: uma nação patriótica, formada por cidadãos conscientes do seu dever enquanto a nação, a defendendo das ameaças externas e valorizando os acontecimentos históricos modelados à forma patriótica. Além disso, destacamos que valorizando, através do passado, a relação entre a didática da história e o patriotismo e ao imaginar a Espanha do futuro, construída pelos homens do presente e com valores justificados pelo passado, por meio acontecimentos históricos, Ignacio Miró também define qual a função da história e do ensino de história na construção da Espanha do futuro. Em suas obras, ao analisar o ensino de história do seu presente, como é comum entre autores que propõem uma alternativa para dada conjuntura, Ignacio Miró critica o seu ensino, defendendo uma proposta educativa para o mesmo. Identificamos que esse método de analisar o presente enfatizando os seus “aspectos negativos” (MIRÓ, 1889, p. 56) é um recurso recorrente nas obras de Ignacio Miró, pois é através dessas críticas que o historiador apresenta as suas defesas como alternativas para o ensino escolar de história do século XIX visando a construção de uma nação que se projeta para o futuro, uma nação/pátria “desenvolvida”. (MIRÓ, 1889, p. 129).

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Entendemos que Ignacio Miró analisa a sociedade do seu tempo e critica o presente, admitindo que algumas características da sociedade espanhola do século XIX podem prejudicar na manutenção da Espanha patriótica. Assim, ele apresenta, em seus escritos, alternativas para o futuro espanhol e busca, nos exemplos do passado, as justificativas desse porvir. Essa constatação nos induz ao seguinte questionamento: ao escrever sobre a História, como Ignacio Miró a insere em suas projeções para a sedimentação do patriotismo? Em outras palavras, qual a importância da História e, consequentemente, do seu ensino para o futuro da Espanha? No verbete, Historia, Miró discute as diferenças, entre a história escolar e a escrita pelos historiadores/ensinada nas universidades, defendendo uma reaproximação entre a história escolar e a escrita da história, por meio das ações do professor e da adoção de um método de ensino que limite e adapte o ensino escolar de história ao desenvolvimento pessoal e intelectual dos alunos (MIRÓ, 1855, p. 582). Cabe aqui destacarmos que em suas definições sobre a história e o ensino de história, Ignacio Miró afirma existir, no presente, uma “distância” entre a história escolar e a ciência, ou seja, uma diferença entre a teoria (ciência) e a prática (escolar). De acordo com Miró, o que provoca essa distância é a falta do método de ensino da história escolar o que o separa da história ciência. Em sua análise sobre o presente, o autor advoga que o ensino escolar de história se distanciou tanto do seu objeto, ao ser marcado pela memorização excessiva de datas e nomes, que acabou perdendo a sua finalidade e o seu objetivo que são a busca da verdade e instrução para o futuro. Nessa perspectiva, entendemos que Ignacio Miró ao defender uma aproximação entre a história ensinada nas escolas e a história ciência, reitera que se a história ensinada nas escolas se reaproximar da finalidade e do objetivo da história ciência (a busca da verdade) cumprirá as funções de: exercer; animar; desenvolver; formar; exercitar; apresentar; contribuir; expor; desenvolver; e, por fim, influir as gerações do presente e futuro. (MIRÓ, 1855, p.591). Ignacio Miró também prescreve orientações quanto ao método de ensino, conteúdos conceituais substantivos, finalidades e habilidades para um ensino educativo nas escolas primárias e superiores. Defende que a sua proposta para o ensino de história irá reverter o que ele chama de “ensino de história desinteressante” (p. 583) em direção a um “ensino interessante e útil” e “educativo” para os alunos (MIRÓ, 1855, p. 584). Sobre essa a crítica à didática da história do presente, Ignacio Miró censura o ensino de memória do presente e afirma que a história escolar deve apresentar a experiência histórica da sociedade: algo formado pelos fracassos e sucessos de cada época, pois eles possuem uma relação direta (MIRÓ, 1855, p. 585). Ou seja: ensinar história para o autor é relacionar

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os fracassos e sucessos da experiência, devendo os sucessos serem tomados como exemplos da força e união e os fracassos como uma lição dos erros que não se devem repetir. Nessa função do ensino de história, a qual discutimos na seção anterior quando analisamos do acontecimento de 1808, identificamos que o historiador, ao buscar no passado os modelos de homem e sociedade para o presente, apresenta o Ensino de História como um manual de exemplos a serem seguidos para provocar a mudança social em direção a um futuro promissor. Para além do Ensino de História, Ignacio Miró (1889, p.152) afirma que a História é um ramo de ensino e de conhecimento que se propõe a: Saber lo que fué de nuestros antepasados, seguir la marcha de la humanidad en sus varias vicisitudes, conocer los hombres más notables por su virtud ó por su ciencia, tener noticia de las principales invenciones y descubrimientos que más influencia han ejercido en la surte del género humano, y adquirir por la experiencia del pasado un gran foco de luz que nos alumbre en el presente y en el porvenir; es todo lo que constituye el estudio de la historia, tan útil a los pueblos como á los individuos, porque en la escala de civilización quien desprecia lo pasado se encuentra siempre en el primer peldaño3.(MIRÓ, 1889, p.153-154).

Nessa definição, destacamos a união entre o passado, presente e futuro e quais as habilidades devem ser apreendidas pelos alunos: saber (o acontecimento), seguir (o exemplo) e adquirir (conhecimento). Para o autor, essas habilidades facilitam a compreensão do verdadeiro “sentido” do passado e, consequentemente, do estudo da história: é o passado que ilumina o presente e auxilia na construção do futuro (p. 170). Com base nessa relação entre passado, presente e futuro, a finalidade da história é: sacar de los hechos realizados en el mundo, y de los cuales tenemos conocimiento, estudiados en lo posible, sus causas y efectos, consecuencias ó sacar las más bien provechosas lecciones que nos enseñen y nos muevan, así a los pueblos como á los individuos, á obrar siempre según la ley divina, la recta razón y la justicia no los exigen4. (MIRÓ, 1880, p.9).

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“Saber de nossos antepassados, seguir a marcha da humanidade em suas várias vicissitudes, conhecer os homens mais notáveis por sua virtude ou ciência, ter noticia das principais invenções e descobrimentos que mais influência exerceram na sorte do gênero humano, e adquirir através da experiência do passado um grande foco de luz que nos ilumine o presente e o porvir: tudo isso constitui o estudo da história, disciplina tão útil aos povos como aos indivíduos, pois na escala da civilização, quem deprecia o passado se encontra sempre no primeiro degrau”. (MIRÓ, 1889, p. 153-154). “Tirar dos fatos históricos ocorridos no mundo e do demais que temos conhecimento, estudando, no que for possível, suas causas e seus efeitos, consequências, ou retirar, de suas lições mais proveitosas, as que nos ensinam e movam, temos conhecimento, estudados no possível, suas causas e efeitos, consequências ou tirar as mais bem proveitosas lições que nos ensinam e nos movam, tanto aos povos como aos indivíduos, a trabalhar sempre segundo a lei divina, a reta razão e a justiça que nos são exigidas”. (MIRÓ, 1889, p.9). Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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Assim, entendemos que a finalidade principal da história é a de retirar dos fatos históricos as lições para a vida. Nessa citação, ao unir professores e historiadores em uma mesma missão, Ignacio Miró informa que a tarefa do historiador é “pesquisar” (p. 585) e escrever sobre os fatos históricos e, dos professores da história escolar, retirar dos escritos dos historiadores, de acordo com a idade dos alunos e tempo disponível (p. 586), as causas, consequências e as lições para a vida prática dos alunos. Dessa forma, para o historiador, a História tem duas vertentes: a ciência e a escolar, estando elas separadas. Discutindo as duas variantes do ensino de história (escolar e das Universidades), Ignacio diferencia a história escolar por ser “[...] unas de las pocas materias que prestan

tantos y tan disimulados medios para inocular el error en los tiernos entendimientos de los niños ó malear la candidez de sus corazones5”. (MIRÓ, 1889, p.18). E, no artigo Historia, ele explica o que a história escolar não é: uma série de fatos desconexos com datas e nomes (MIRÓ, 1855, p. 589). Ao escrever sobre os professores de história escolar, Ignacio Miró apresenta-se como um deles e justifica que é a sua experiência profissional de quarenta anos dedicados ao ensino de história na instrução primária e secundária que comprovam a importância dos seus escritos e afirma: são os professores que ao escolher, retirar e ensinar que irão modificar o ensino de história na Espanha. São também funções dos professores: despertar o sentimento do dever (p. 95), cumprir a missão patriótica.(MIRÓ, idem, p.101) Sobre as permanências históricas, analisando o ensino escolar de história em longa duração (séculos XIX e XXI), os autores Joaquín Prats e Joan Santacana (2011) denunciam o excesso de conteúdos no ensino de história e defendem uma aprendizagem por meio do desenvolvimento das capacidades das crianças e adolescentes. De acordo com os autores, a finalidade do ensino de história seria a de facilitar a compreensão do presente; compreender as tensões temporais e as causas e consequências; permitir ao aluno construir esquemas de semelhanças e diferenças; estudar a mudança e a continuidades; e, por fim, explicar a complexidade dos problemas sociais (PRATS; SANTACONA, 2011). Assim, com a diferença de um século, identificamos que tanto Joaquim Prats, Joan Santacona como Ignacio Miró propõem idêntica solução para o ensino de história: em vez de repetir (os nomes e datas escritos pelos historiadores), os alunos devem compreender, construir e explicar, relacionando o passado, presente e futuro. Para ambos, enquanto privilegiar os nomes e datas, o ensino nunca será interessante e útil para o aluno. (MIRÓ, 1855, p. 590; PRATS, SANTACONA, 2011, p. 145).

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“[...] uma das poucas matérias que prestam tantos e dissimulados meios para evitar o erro nos tenros entendimentos das crianças ou estragar a inocência de seus corações” (MIRÓ, 1889, p.18). Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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Contudo, destacamos que as semelhanças entre autores do século XXI e Ignacio Miró por aí se encerram. Em sua didática da história, Miró pregava uma modificação dos objetivos e finalidades através de um ensino de história educativo. Por meio desse conhecimento, os alunos fariam “utilíssimas aplicaciones al mejoramiento moral de si mesmo, y contribuir en

su dia, en cuanto pueda, al bien de sus semejantes6”.(MIRÓ, 1889, p. 10). Associada ao melhoramento moral, a história seria tanto verdadeira, quanto moral e demonstraria os caminhos através dos exemplos dos “grandes homens”, dos atos valorosos praticados em nome da pátria e sob a proteção divina. (MIRÓ, idem, p. 132). Em suas defesas pelo registro das ações dos grandes homens na memória, identificamos que Ignacio Miró associa esse registro ao ensino escolar de história e aos monumentos erguidos em homenagem a esses homens. Nessa proposta, cabe ao professor do ensino escolar apresentar as virtudes desses homens aos seus alunos e associar essas aos monumentos erguidos, explicando que os monumentos, por representarem essas virtudes, devem ser respeitados como motivos de orgulho para os espanhois (p. 235). Associando o respeito aos grandes homens à memória e monumentos, Ignacio Miró justifica que os atos desses homens devem ser ensinados nas aulas de História como exemplos a serem seguidos pelas crianças (p. 96). Dessa forma, os exemplos precisam ser nacionais (representados pelos homens que lutaram em favor da Espanha) e a principal função dessa estratégia exemplar é preservar (a inocência), corrigir (os “males do mundo moderno”) e instruir as crianças (por meio dos atos de virtude dos grandes homens). (MIRÓ, 1869, p. 103). Diante dessa definição sobre as funções do professor de história e como aproximar a história escolar da história ciência, encontramos uma das afirmações mais contundentes da didática da história defendida pelo autor: ensinar história é um ato político, de escolhas. (MIRÓ, 1889, p. 156). Em face a essa característica, nos questionamos: se a escrita e estudo da história é um ato político, pois se conecta às escolhas e interesses, como Ignacio Miró associa a história ciência e escolar aos seus interesses, ou seja, à formação do homem patriótico e a sedimentação da nacionalidade espanhola? Já respondemos essa questão anteriormente, quando discutimos como o historiador apresenta o acontecimento de 1808: um ato de patriotismo em defesa da nação espanhola e, nessa discussão, vimos como Ignacio Miró colocou essa característica em prática escolhendo quais personagens e acontecimentos serviriam para salientar a importância do patriotismo para o presente e futuro espanhol. Dessa forma, ele credita aos profissionais da História a

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“[...] fazer aplicações úteis para o melhoramento de moral de si mesmo e contribuir em seu dia, enquanto puder, para o bem dos seus semelhantes”. (MIRÓ, 1889, p. 10). Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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escrita da experiência espanhola mediante o destaque aos personagens mais notáveis e seus atos gloriosos que fornecem virtuosos exemplos. Assim, identificamos que diante de um presente que não está de acordo com os seus interesses para o futuro da Espanha (ensino de história marcado pela memorização de datas e personagens), Ignacio Miró explica que umas das funções da didática da história para a construção e sedimentação da nacionalidade é ser um repositório de exemplos e personagens modelares que instrui e forma o presente e posiciona para o futuro todas as suas expectativas não só para o país, mas também, para os seus cidadãos. Sobre a relação entre patriotismo e história, já demonstramos que Ignacio Miró, analisando o seu presente, afirma que o ensino não está de acordo com uma das funções da história na sociedade: desenvolver o patriotismo. De acordo com o historiador, essa função coletiva e individual da história deve ser desenvolvida pela relação entre o passado, presente e futuro, na qual, os papeis dos tempos históricos são definidos da seguinte forma: o passado ensina com a experiência e o exemplo, o presente serve para aprender e refletir sobre o passado e o futuro para escolher e agir diante de uma dada realidade do presente. Identificamos que essa função de relacionar o passado, presente e futuro é uma mudança proposta pelo autor para o ensino de história. A ausência dessa relação no ensino escolar tem como consequência a repetição irrefletida (através da memorização) por parte dos alunos, acerca do que o conhecimento histórico teria a ensinar para suas vidas, ou seja, a instrução sobre o bem-estar (p. 584). Ignacio Miró afirma que os alunos, nas aulas de história do presente, ouvem, memorizam e narram os fatos, mas não executam, só que o historiador esclarece que esse problema não é dos alunos, mas provém dos professores que não possuem um método de ensino adequado. (MIRÓ, 1855, p. 584). De acordo com Miró, os professores de história da educação básica ao não adotarem um método de ensino, não julgam, ou criticam, os fatos históricos, repetindo as informações contidas nas enciclopédias escolares, o que ocasiona a formação de alunos débeis, apáticos e que preferem ouvir a narrar. (MIRÓ, 1855, p. 584). Em meio a tal crítica, Ignacio Miró informa a principal mudança para o ensino escolar defendida em seu ensino de história educativo: em vez de repetir, os alunos precisam relacionar e perceber as conexões, as causas e consequências dos fatos históricos. Assim, ensinar história através dessas relações é adequado aos jovens, que precisam de quadros completos, cheios de detalhes de virtudes e defeitos (MIRÓ, 1855, p.585). Nessa proposição, o historiador defende que os fatos históricos do passado devem servir como um exemplo e não serem uma “imensidão de nomes e datas desconexos”, tal como ocorre no ensino escolar do presente (MIRÓ, 1855, p.585).

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Outra característica importante desse ensino de história educativo é que Miró afirma que ele é um ensino mais próximo das discussões dos pedagogos, com o conteúdo limitado pelo professor através da escolha dos fatos históricos que são interessantes e instrutivos e que prezam pela qualidade, em vez da quantidade, para despertar o interesse do aluno. As características desse ensino educativo foram elencadas pelo historiador na citação a seguir: Por eso se ha reunido lo más notable, lo extraordinario de todos los tiempos y países del globo, formándose un todo interesante dé la historia universal, pero no pintado con los seductores colores de la novela, sino con el severo testimonio de la indagación científica. Así es como puede injertarse en el sensible corazón de los niños verdadero y constante deseo hacia el ennoblecimiento de la humanidad, al par que aversión profunda á todo lo grosero y estúpido de la vida meramente sensual. Por eso el estudio de la historia es tan importante en todas las escuelas7.(MIRÓ, 1855, p. 586).

Nesse sentido, identificamos que, para Ignacio Miró, o ensino de história educativo reúne o que existe de mais “notável” da história universal, ação que envolve a escolha dos fatos históricos, para então, formar um todo marcado pelo testemunho da indagação científica, ou seja, crítica dos fatos históricos. Através da indagação científica dos fatos históricos, Ignacio Miró demonstra a importância do ensino escolar de história, cuja função não é entreter (como na literatura), mas sim, questionar, incentivar a reflexão, para depois, “enobrecer a humanidade” (p. 587) e, explicando qual a função do ensino de história, Miró explica que é a relação passado, presente e futuro que Ignacio Miró apresenta nos seus escritos, na qual, o presente questiona o passado que nos ensina sobre as escolhas para o presente e futuro. (p. 588). Para efetivar esse ensino de história educativo, Ignacio Miró afirma que cabe ao professor, com base no seu conhecimento do desenvolvimento dos seus alunos, escolher quais personagens e/ou locais como objetos do ensino, se preocupando apenas em não perder de vista o todo, a visão geral, conforme explicito nas palavras do historiador: “En cada época

una sola cosa será el objeto principal de la enseñanza , segun se indicó ya con otra ocasion , y todo lo demás se dejará en el fondo8”. (MIRÓ, 1855, p. 588).

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“Por isso, se tem reunido o mais notavelmente, o extraordinário de todos os tempos e países ao redor do mundo, formando um todo interessante da história universal, mas não pintando com as cores sedutoras do romance, mas sim, com o testemunho rigoroso da investigação científica. Assim é que se pode colocar no sensível coração das crianças o verdadeiro enobrecimento da humanidade, ao contrário que se deve ter aversão profunda a tudo o que é grosseiro e estúpido da vida meramente sensual. É por isso que o estudo da história é tão importante em todas as escolas”.(MIRÓ, 1856, p. 586). “Em cada época, apenas uma coisa será o objeto principal do ensino, segundo indicado em outra ocasião e todo, o demais, será o fundo”. (MIRÓ, 1855, p. 589). Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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Nas defesas pelo ensino educativo, identificamos que o historiador defende como método de ensino a “combinação real dos sucessos”, pois ele acredita que a ação de combinar é um método de ensino, o “método da combinação”, cujas vantagens são: Fácil es comprender que siguiendo tal método de combinación real en la enseñanza de la historia, puede comprenderse todo y retenerse en la memoria sin gran dificultad, al paso que también se precaven los anacronismos y las equivocaciones de fechas en que a veces se incurre hasta de siglos9. (MIRÓ, 1855, p. 590).

Dessa forma, ensinar história pelo método das combinações tem como vantagem fazer com que o aluno compreenda o todo, sem cometer equívocos e anacronismos e, acrescentando as relações e memorização de informações escolhidas pelo professor, esse é, segundo Miró, a única forma de evitar o ensino de história mecânico e de memória. (MIRÓ, 1855, p. 590). Entretanto, apesar de destacarmos o método da combinação, ao final do artigo Historia, Ignacio Miró afirma que que não existe, em se tratando do ensino educativo, um método “perfeito” para se ensinar história (p. 591). Devendo o professor, diante de sua realidade e seu público-alvo, escolher o método que melhor se adapta à aprendizagem do aluno e cumprimento da finalidade do ensino de história: instruir, através do passado, as gerações do presente para o futuro. Em sua discussão sobre o método do ensino para a didática da história, Ignacio Miró enaltece qual o objetivo final do professor que é a apresentação do passado como um exemplo, o encadeamento dos fatos e a dedução das causas e consequências (p. 585). Garantido esse objetivo, Ignacio Miró esclarece que o professor tem a liberdade de escolher qual o método para o ensino educativo, contanto que esse ensino não se torne um exercício puramente de memória. (MIRÓ, 1855, p. 592-593). Dessa forma, após escolher um método de ensino, os professores precisam saber que as crianças pouco, ou nada, compreendem sobre o passado e, para reverter essa situação, esse passado deve ser apresentado como um exemplo, em sua relação com o presente, com informações gerais sobre os séculos e anos, enfatizando as ações humanas como exemplos a serem seguidos ou não. (MIRÓ, 1855, p. 593-594). De acordo com o Ignacio Miró, essa compreensão do passado como um exemplo justifica a prevalência da educação moral sobre a intelectual no ensino primário, o que coaduna com a função do ensino educativo que é ensinar as relações, fazendo com que os alunos

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“Fácil é compreender que, seguindo tal método de relação real no ensino de história, pode compreender o todo e reter na memória, sem grande dificuldade, ao passo em que também se evitam os anacronismos e os equívocos de datas em que ás vezes ocorrem entre os séculos”. (MIRÓ, 1855, p. 590). Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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entendam a importância do passado em seu presente e aprendam e pratiquem as lições advindas das causas e consequências. Destacamos que em as defesas de Ignacio Miró acerca do ensino educativo fazem parte do que ele acredita serem os procedimentos e métodos adequados para o ensino escolar de história nas escolas primárias e justifica: se alguém tiver dúvidas sobre isso, ele mesmo utiliza esses métodos na escola primária em que é professor, pois é essa experiência que justifica a utilidade do ensino educativo proposto. É nesse contexto de professor de escola primária que colocamos as defesas de Ignacio Miró: diante do seu presente, ele conclui que é necessária “mudança urgente no ensino escolar de história” (MIRÓ, 1889, p.44) e defende um ensino de história educativo, mais próximo dos conhecimentos pedagógicos e das adaptações, ao tempo e público-alvo. Todavia, precisamos levar em consideração que a formulação dessa didática da história educativa não é algo solto, mas circunscrito em uma dada realidade: a da Espanha monarquista que questionava a predominância do catolicismo em suas instituições escolares e via o avanço do protestantismo nessas instituições. Diante dessa realidade, Ignacio Miró formula a sua didática da história, criticando o seu presente e apresentando soluções através do estudo do passado, escolhendo quais os fatos históricos e personagens que mais corroboram com sua representação para o futuro do país.

CONCLUSÃO Aqui, constatamos que as representações de Ignacio Miró em defesa do ensino de história educativo perpassam o presente, passado e futuro da experiência histórica espanhola, sendo essas representações um recurso divulgado por Ignacio Miró, em seus escritos, para convencer o Estado e as famílias espanholas sobre a importância da manutenção dos ideais do patriotismo na formação do cidadão espanhol do século XIX. Para isso, Ignacio Miró propõe um ensino em que o passado justifica as suas escolhas pessoais para a nação e é justamente nesse sentido que compreendemos a importância da história e do seu ensino nesses escritos, pois é através do estudo da história que os alunos aprendem, com o passado, os exemplos de patriotismo e vitórias, relacionam as causas e consequências e, principalmente, se reconhecem como integrantes dessa nação do passado, presente e futuro. É contra o esquecimento desse passado de glórias e reconhecimento que Ignacio Miró afirma que ensinar história requer cuidados, pois a função social da disciplina é contribuir para o bem-estar do homem, lhe apresentando exemplos e modelos a serem seguidos ou não. Assim, a história escolar possui, nos escritos do historiador, uma função social delimitada

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no presente e futuro de um modelo de nação/pátria, homem e sociedade a ser construído e desenvolvido por meio da história escolar. Nesse sentido, entendemos que as mudanças prescritas por Ignacio Miró para o ensino de história representam a sua perspectiva para o presente e futuro da Espanha, sendo os escritos de Ignacio Miro representantes de um discurso historiográfico sobre as finalidades e objetivos da história em uma dada época e, em uma revisita do passado por meio da escrita histórica, identificamos as estratégias discursivas do autor para reaproximar os vínculos entre a história escolar e o modelo de nação projetada no futuro, tal qual a sua análise do fato histórico da Guerra de Independência. Em defesa de um ensino de história educativo, Ignacio Miró advoga uma mudança no ensino escolar de história de forma que seja promovida uma didática da história para esse modelo de nação futura, cabendo assim, ao professor, a escolha de um método de ensino adaptado à sua realidade e o seu público. Dessa forma, Ignacio Miró analisa o seu presente e encontra no passado os argumentos para defender a mudança na didática da história e, principalmente, a sua estreita relação com o patriotismo. Dessa forma, nessa didática da história educativa, o passado ensina e forma e, além disso, transforma um ensino de história desinteressante em um interessante, educativo e útil. Para isso, Miró representa duas vertentes da história: a escolar (ensino) e a ciência (conhecimento), sendo que cada uma possui uma finalidade especifica que é, a primeira, instruir com exemplos a serem seguidos e aprender com erros do passado e a segunda pesquisar e escrever sobre a verdade. Nessas finalidades, o professor tem posição de destaque: ele deve retirar da história ciência as causas, consequências e lições mais importantes, escolher, adaptar à realidade dos seus alunos e ensinar de forma que os alunos pratiquem esses conhecimentos em sua vida e compreendam o dever do cidadão espanhol frente à sua nação. Diante disso, Ignacio Miró afirma: ensinar história é um ato político e o professor deve estar consciente de sua missão e dever perante à nação, pois o passado ensina com a experiência e o exemplo, o presente deve refletir sobre o passado e o futuro serve para escolher e agir diante da realidade vivida pelo presente. Através dos escritos aqui analisados, podemos olhar para o passado da disciplina história e comprovar a historicidade de questões que até os dias atuais permeiam o debate sobre o ensino de história, ou seja, que história ensinar, quais os seus sentidos e funções e importância da história para a sociedade. Nesse sentido, passado, presente e futuro, trabalhados pelo ensino de história, se encontram em constante processo de recriação e adaptação que são reverberados de acordo com o homem que se quer formar para uma

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nação e sociedade idealizada no futuro, sustentada pelas escolhas do passado e decisões do presente, efetuadas por meio do ensino e aprendizagem da história.

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07 Alfabetização significativa na educação infantil: relatando uma experiência

Marcia Pereira Wildemberg CEUNES/UFES

Geovani da Silva Bayerl CEUNES/UFES

10.37885/220107434


RESUMO

Este relato de experiência aborda a prática em uma turma de educação infantil. Trata-se de uma proposta de atividades que oportunizem situações de alfabetização significativa partindo do interesse das crianças. A prática pedagógica foi desenvolvida com crianças de 4 e 5 anos. O objetivo é de discutir sobre a alfabetização significativa na educação infantil. Pretende-se mostrar, através da prática, que é possível a aprendizagem da leitura e escrita de forma dinâmica e relevante para a vida.

Palavras-chave: Educação Infantil, Alfabetização Significativa, Prática Pedagógica.

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INTRODUÇÃO A experiência relatada tem como objetivo discutir sobre alfabetização significativa na educação infantil. As atividades desenvolvidas parte do interesse das próprias crianças, cabendo a professora o papel de mediadora, propondo intervenções que auxiliem e oportunizem as crianças o desenvolvimento de atividades que propiciem o desenvolvimento intelectual das mesmas. As atividades foram desenvolvidas em uma turma de educação infantil de uma escola pública do município de Pedro Canário, estado do Espírito Santo. As crianças tem idade entre 4 (quatro) e 5 (cinco) anos. Este relato é a possibilidade de mostrar, na prática, que a educação infantil, através de um trabalho que oportunize atividades de leitura e escrita, como aquisição de um hábito necessário para a vida, contribui de maneira imprescindível para o processo de alfabetização do individuo. REFERENCIAL TEÓRICO O homem possui necessidade de produzir de maneira continua sua própria existência e por isso ele precisa retirar da natureza os meios de sua subsistência e assim ele transforma a natureza a fim de fazer que o mundo se torne mais humano, ou seja, um mundo constituído culturalmente. Nessa perspectiva, a escola existe para propiciar a aquisição dos instrumentos, que proporcionaram o acesso ao saber elaborado, o qual denominamos como “ciência”. Sendo pertinente que as atividades da escola básica se organizem a partir dessa questão (SAVIANI, 2008). Cabe a escola, através do professor, proporcionar atividades que favoreçam o desenvolvimento intelectual da criança, é no meio e com a mediação do professor que a criança conseguirá adquirir conhecimentos que são necessários para o seu desenvolvimento intelectual. Nesta perspectiva Saviani (2008, p.18) diz que: [...] Vê-se, assim, que para existir a escola não basta a existência do saber sistematizado. É necessário viabilizar as condições de sua transmissão e assimilação. Isso implica dosá-lo e sequenciá-lo de modo que a criança passe gradativamente do seu não domínio ao seu domínio.

No processo de alfabetização também é necessário a assimilação do saber sistematizado, isso não significa que se deve ensinar de forma mecânica e descontextualizada, mas sim que pode ser prover estratégias onde a aprendizagem tornará significativa, é preciso buscar na própria necessidade humana as intencionalidades para que a aprendizagem seja significativa e enriquecedora. Enfatiza Saviani (2008, p.18): Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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[...] Não é possível ser criativo sem dominar determinados mecanismos. Isso ocorre com o aprendizado nos mais diferentes níveis e com o exercício de atividades também as mais diversas.

A aprendizagem ocorrerá na aquisição do próprio habitus, ou seja, na medida em que o objeto de aprendizagem se torna uma espécie de segunda natureza. Adquirir o habitus, representa uma situação que não se pode reverter, e este patamar é alcançado com persistência, fazendo-se necessário repetir atos específicos até perceber que foram fixados. (SAVIANI, 2008). Os estudos realizados por Vygotsky (2007, p.140-141) constataram que: [...] o desenvolvimento da linguagem escrita nas crianças se dá, conforme já foi descrito, pelo deslocamento do desenho de coisas para o desenho de palavras (...) na verdade, o segredo do ensino da linguagem escrita é preparar e organizar adequadamente essa transição natural. Uma vez que ela é atingida, a criança passa a dominar o princípio da linguagem escrita, e resta então, simplesmente, aperfeiçoar esse método.

A transformação do saber elaborado em saber escolar é o processo pelo qual se selecionam do conjunto do saber sistematizado os elementos que são considerados importantes para que aconteça o crescimento intelectual dos alunos, sendo assim, há a necessidade de uma organização que possua sequencia e favoreça a assimilação do que está sendo ensinado. Saviani (2008, p.78) ressalta: [...] O saber é produzido socialmente e, portanto, não cabe falar em saber acabado. A produção do saber é histórica, portanto não é obra de cada geração independentemente das demais [...] é um saber suscetível de transformação, mas sua própria transformação depende de alguma forma de domínio deste saber pelos agentes sociais.

O que Saviani (2008) quis traduzir com a expressão Pedagogia Histórico-Crítica foi seu empenho em compreender a questão educacional com base no desenvolvimento histórico, portanto, a concepção pressuposta em sua visão da pedagogia histórico-crítica é o materialismo histórico, ou seja, a compreensão histórica a partir do desenvolvimento material, da determinação das condições materiais da existência humana. De acordo com Vygotsky (2007) antes mesmo de controlar o comportamento, a criança começa a controlar o ambiente com a ajuda da fala. Isso produz novas relações com o ambiente, além de uma nova organização do próprio comportamento. A criação dessas formas caracteristicamente humanas de comportamento produz, mais tarde, o intelecto e constitui a base do trabalho produtivo, que é justamente a forma especificamente humana do uso de instrumentos.

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Na pesquisa de Vygotsky (2007) ele busca entender o papel comportamental do signo em tudo aquilo que ele tem de característico, motivando assim a busca de estudos empíricos para saber como o uso dos instrumentos e signo estão mutuamente ligados, mesmo que separados, no desenvolvimento cultural da criança. Em seus estudos acerca do Pensamento

e Linguagem, Vygotsky (2000) discute acerca do desenvolvimento do pensamento e sua inter-relação com o domínio da palavra. Nos animais o pensamento e a linguagem têm várias raízes e desenvolvem-se segundo diferentes trajetórias de desenvolvimento, nesta pesquisa cita estudos que tratam de evidências acerca da utilização de instrumentos pelos macacos, menciona também outros estudos que fazem comparações acerca do comportamento de macacos com o comportamento de crianças em determinada idade. Essa forma de compreender o comportamento dos animais colabora para o entendimento da inteligência prática das crianças, sendo uso dos instrumentos. Dessa forma as funções psicológicas são afetadas através da relação existente entre o uso do instrumento e da fala. Portanto, o desenvolvimento da percepção, das operações sensório-motoras e da atenção, compreende um sistema dinâmico de comportamento que dependem das interações que ocorrem do sujeito consigo mesmo, com os outros e com o meio. De acordo com os estudos feitos por Vygotsky, os fatos sugerem que, tendo como base o ponto de vista acerca do desenvolvimento psicológico, muito mais do que o pensamento abstrato, a memória é a principal característica que nos leva a acreditar que dela depende o desenvolvimento cognitivo. Através dos signos os seres humanos são capazes de fazer um uso eficiente da memória, pois para agir é preciso lembrar, pensar sobre o assunto e assim fazer uso da informação transformando – a em determinada ação necessária que irá representar de forma específica um comportamento humano e assim dialeticamente o homem constrói sua história enquanto espécie e enquanto individuo. A reconstrução interna de uma operação externa foi chamada por Vygotsky de internalização. Ainda que transformado, o processo continua a existir e a mudar como forma externa de uma atividade até que a internalização aconteça de maneira definitiva. Nesse sentindo nas palavras de Vygotsky (2007, p.58): A internalização de formas culturais de comportamento envolve a reconstrução da atividade psicológica tendo como base as operações com signos. Os processos psicológicos, tal como aprecem nos animais, realmente deixam de existir, são incorporados nesse sistema de comportamento e são culturalmente reconstituídos e desenvolvidos para formar uma nova entidade psicológica. O uso de signos externos é também reconstituído radicalmente [...].

Diante da abordagem exposta percebe-se a necessidade de oportunizar a criança desde cedo o contato com um ambiente que seja alfabetizador e ao mesmo tempo desafiador, nesse sentido atividades que envolvam a escrita espontânea e escrita coletiva Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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partindo das necessidades das crianças propiciará o crescimento intelectual em relação ao mundo letrado. É de extrema importância o papel do professor enquanto mediador, que irá saber aproveitar os momentos oportunos, sem deixar se prender na “rigidez” de um planejamento. É necessário, portanto que o professor tenha consciência de seu papel enquanto facilitador e mediador. Freire (2007) no livro A Paixão de Conhecer o Mundo, faz os relatos referentes aos anos de 1978 quando trabalhou na Escola Criarte e 1981 quando participou da equipe da Escola da Vila, a autora relata que a principio ficou presa a descrever objetivos e o eixo do trabalho, sendo que este fato corresponde ao período que trabalhava na Escola Criarte, no entanto, a partir do terceiro relatório percebemos uma escrita que demonstra relatos de atividades mais dinâmicas, como disse a própria autora: “[...] A escola em geral tem essa prática, a de que o conhecimento pode ser doado, impedindo que a criança e, também, os professores o construam [...]”. No relatório referente ao ano de 1978, a autora deixa claro que é importante salientar que de forma alguma a rotina é vivida de maneira rígida, inflexível, durante o decorrer do dia e que as crianças ou a professora podem propor mudanças que estejam dentro ou não da rotina. E é com essa forma de encaminhamento do trabalho pedagógico que através dos relatos percebemos que as atividades são propostas de forma espontânea, propostas surgem por parte das crianças que colaboram para a organização de sua própria aprendizagem, conforme descreve Freire (2007, p.30): A esta altura, o meu papel de professora já era outro bem distinto ao do início do nosso trabalho. A figura catalisadora, que foi necessária no início, já perdia sua função, dando lugar a uma professora-organizadora das atividades, sistematizando, através destas, a prática espontânea das crianças.

De acordo com essa perspectiva de ensino, refletimos sobre a prática que seria realmente enriquecedora nos espaços de educação infantil, uma prática que oportuniza as crianças serem protagonistas de sua própria aprendizagem e do seu crescimento intelectual e assim colaboradora de uma alfabetização que seja realmente significativa para as crianças dessa faixa-etária. Conforme dito por Freire (2007, p. 77): O planejamento das atividades se faz e se refaz, dinamicamente, na prática, juntamente com elas. É por isso que muitas vezes nos detivemos no estudo de assuntos considerados pela programação oficial (que sempre precede a prática), como sendo próprios dos outros níveis de ensino. Estipula-se de antemão o que a criança deve conhecer e inclusive o como, matando, assim, a criação do professor.

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RELATO DE CASO Estávamos iniciando um dia comum de aula, ou parecia que seria um dia comum, com uma rotina organizada de acordo com o que se era previsto acontecer. As crianças foram recepcionadas na chegada como era de costume, na porta da sala de aula, sendo cumprimentadas com um boa tarde, abraços e beijos como sempre faço, acredito que a acolhida faz a diferença no restante do dia. Após esse período de acolhida, convidei as crianças para irmos pro fundo da sala, onde costumamos fazer a “roda-de-conversa” e depois trabalhos com os cartazes que fazem parte da rotina diária. No momento da roda-de-conversa as crianças geralmente contam algo e sempre uma ou outra possuem uma novidade. Nesse dia a aluna Jullya pediu a palavra dizendo:

Jullya: - Quero falar algo pra todo mundo! Professora/Pesquisadora: - Sim, pode falar, estamos todos ouvindo. Jullya: É que amanhã eu não vou mais estudar com meus coleguinhas, porque a minha mãe disse que esse horário ta muito ruim pra ela, está atrapalhando ela chegar no horário dela no trabalho. Professora/Pesquisadora: Poxa! Que pena! Vamos sentir sua falta, mas avisa sua mãe que ela precisa vir a escola para falar comigo e também na secretaria e resolver tudo certinho. Jullya: Sim professora, a minha mãe vem hoje. Nesse momento a Ayandra, uma outra aluna, disse:

Ayandra: Também sentirei muita saudade de Jullya. Percebia-se no rosto da criança a expressão de tristeza e naquele momento foi como se um silêncio imenso adentrasse a sala , fiquei ali observando naquelas crianças um sentimento tão profundo e ao mesmo tempo pensando, como pessoas tão pequenas poderiam demonstrar de forma tão intensa o que estavam sentindo? De repente todas as outras crianças começaram a falar a mesma coisa, que sentiriam saudades da colega. Até o momento em que um aluno perguntou: - Qual história vamos ouvir hoje?

Professora/Pesquisadora: Vamos primeiro escolher o ajudante do dia? Eles concordaram. Escolhemos o ajudante, que fez a chamada, e depois com a ajuda de todos marcou no calendário o dia da semana e do mês em que estávamos e depois como estava o tempo, assim se seguiu. Quase ao final da tarde, perto do horário dos pais chegarem, novamente a aluna Jullya veio me pedir que queria falar com todos os coleguinhas, eu pedi que todos se sentassem novamente ao fundo da sala e que eles ouvissem o que a Jullya iria falar. Ela então começou de forma surpreendente a se despedir dos colegas dizendo que ela no outro dia não Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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iria vê-los, mas queria que todos soubessem que sentiria muita falta de todos. O sentimento transmitido na fala era tão intenso, tão verdadeiro que precisei me segurar para não chorar naquele momento. Jullya ficou de pé e assim cada coleguinha veio lhe dá um abraço, apenas um disse que não queria abraçar e sua decisão foi respeitada. Os pais então chegaram, despedi-me das crianças como de costume dizendo a cada um: - Amanhã te espero! No outro dia as crianças já foram chegando falando que estavam com saudades de Jullya. Trabalhamos a rotina como de costume e desde a semana anterior havíamos combinado que aquele dia seria para fazer pintura com tinta “guache”. Organizamos o material para pintura e as crianças ficaram apressadas em ajudar para que tudo ficasse pronto rápido e elas pudessem logo começar a usar o papel, o pincel e a tinta. Quando tudo já estava pronto, foi o momento da Ludimila falar:

Ludimila: Quero pintar um desenho para Jullya! E as outras crianças também quiseram fazer seus desenhos para Jullya. E eu então perguntei:

Professora/Pesquisadora: Mas como vamos entregar os desenhos para Jullya? O aluno Thales disse:

Thales: Vamos colocar pra secar e depois entregamos. Novamente eu questionei:

Professora/Pesquisadora: Mas nós não sabemos onde fica a casa dela, e não podemos deixar só o desenho, ela precisa saber que é pra ela, como faremos? Foi aí que João Victor falou:

João Victor: Vamos escrever pra ela tia! Jullya, estamos com saudade de você! Eles pintaram e depois combinamos de fazer uma carta. Eu escreveria no quadro e eles iriam olhar e tentar escrever. Todos concordaram. Fig. 1. Turma produzindo o desenho para Jullya.

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No primeiro momento as pinturas foram feitas e postas para secar no varal e depois escrevi no quadro de acordo a sugestão do aluno. O aluno Thales sugeriu que fosse feito um envelope e assim fizemos. Fig. 2. Cartas confeccionadas pela turma.

Procurei saber com a diretora da escola em que sala nossa coleguinha Jullya estaria e ela me respondeu que ela ficaria estudando pela manhã na mesma sala, foi ai que junto com a turma combinei que deixaríamos a carta de Jullya fixada no quadro e assim no outro dia ela chegaria e teria uma agradável surpresa.

DISCUSSÃO De acordo com Wallon (1989) o desenvolvimento da inteligência depende de um ambiente que ofereça experiências desafiadoras, no entanto, é imprescindível a mediação apropriada para que a criança seja instigada a buscar e superar suas dificuldades e assim avance nos estágios. É necessário, portanto, proporcionar as crianças da educação infantil oportunidades de desenvolvimento intelectual, tendo em vista, a utilização de atividades que não sejam simplesmente mecanizadas, mas que representem um grau de importância para elas, só assim a internalização de conceitos que serão essências poderão ser assimilados e irão colaborar no seu desenvolvimento psíquico. Segundo Wallon (2007, p.34): (...) É do meio que depende o sistema linguístico que a criança aprende a usar. Esse sistema, aliás, pode não ser único, e, quando vários se desenvolvem no mesmo indivíduo, suas relações podem ser psicologicamente muito diferentes: perfeita equivalência, ou referência de todos a um deles, que então é o único a estar em ligação imediata com as intenções e o pensamento. Em suma, fórmulas muito semelhantes podem servir de expressão para atividades psíquicas de níveis muito diversos, segundo as circunstâncias, segundo as disposições ou as possibilidades mentais do sujeito e também segundo a idade da criança. Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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É na origem das representações, que Vygotsky, nos remete à criação e ao uso de instrumentos e de signos externos que funcionaram como mediadores da atividade humana. Esclarece nos Oliveira (1993, p.36): Os sistemas de representação da realidade – e a linguagem é o sistema simbólico básico de todos os grupos humanos – são, portanto, socialmente dados. É o grupo cultural onde o indivíduo se desenvolve que lhe fornece formas de perceber e organizar o real, as quais vão constituir os instrumentos psicológicos que fazem a mediação entre o individuo e o mundo.

As formas de comportamento fornecidas pela cultura fazem com que no processo de desenvolvimento individual, aconteça uma transformação das atividades externas e interpessoais em atividades internas, intra-psicológicas. Através de atividades que proporcionaram a oportunidade de expressarem-se as crianças puderam assimilar conceitos importantes sobre o uso da linguagem e também da escrita. Além de colaborar para o desenvolvimento da linguagem e do pensamento, as atividades foram vivenciadas de maneira que as próprias crianças puderam por em prática suas ideias, sendo também promotoras de sua própria aprendizagem. Em relação a origem das funções psicológicas superiores, é necessário que se busque explicações nas relações sociais entre o individuo e os outros homens. De acordo com Vygotsky o funcionamento psicológico humano é social e, portanto, também é histórico. A relação que existe entre o homem e o mundo é mediada por instrumentos, signos e por todos os outros elementos do ambiente humano que possuem um significado cultural. Tomando como base esse perspectiva, consideramos que ao observar que o que se fala pode ser escrito, a criança estará assimilando conceitos fundamentais sobre a função social da escrita e assim tendo a compreensão da real utilidade da mesma.

CONCLUSÃO A experiência relatada é a descrição de uma atividade que talvez para alguns seja simplória demais. Mas em nossa prática diária, infelizmente o que temos percebido é uma maior intensidade do uso de atividades mecanizadas, de treino motor apenas. Por isso, queremos chamar atenção para a necessidade do desenvolvimento de atividades que emanem do desejo das crianças, do seu real interesse, pois só assim poderá propiciar as crianças da educação infantil o desenvolvimento intelectual que lhe proporcionará fundamentar suas bases psicológicas, contribuindo para que os avanços dos estágios aconteçam de forma dinâmica, alegre e que viabilizem o desenvolvimento da criatividade, lhe proporcionando também internalizações de conceitos básicos que funcionarão como “ancoras” para futuras aprendizagens. Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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Na prática pedagógica que foi desenvolvida, o interesse das crianças era nítido, mesmo as que falaram que não sabiam escrever, tiveram o desejo de tentar e fizeram da forma que conseguiram fazer, apenas isso. A partir da análise de uma prática pedagógica comum, percebem-se vastas possibilidades de intervenções que são possíveis e que contribuem para que ocorram avanços no processo de alfabetização. É propício ressaltar que não estou falando em nenhum momento de obrigatoriedade de se alfabetizar crianças na educação infantil, a discussão pretende enfatizar acerca da contribuição dessa modalidade de ensino para um processo de alfabetização significativa, que faça sentido, que seja relevante, que estimule a criança a ter o desejo de aprimorar sua aprendizagem.

REFERÊNCIAS 1.

FREIRE, M. A paixão de conhecer o mundo: relato de uma professora. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007.

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VIGOTSKY,L. S. A Formação Social da Mente.7ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

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6.

WALLON, H. A Evolução Psicológica da Criança. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

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08 Alfabetização e letramento no ciclo inicial do ensino fundamental: um referencial teórico

Santana Elvira Amaral da Rocha SEMED - Manaus

Rosemary Farias Rufino SEMED - Manaus

10.37885/220207576


RESUMO

O presente artigo suscita o diálogo sobre alfabetização e letramento no ciclo inicial do ensino fundamental, e traz à discussão os desafios da articulação conceitual entre teoria e prática acerca desses processos em contextos educativos, tendo como sujeito a criança em fase inicial de escolarização. O objetivo geral é compreender os desafios subjacentes a esses processos decorrentes da formulação conceitual construída ao longo do tempo, e as possíveis implicações didáticas desses conhecimentos no cotidiano escolar. A metodologia utilizada ancora-se em um estudo de caráter bibliográfico, à luz de estudos produzidos por SOARES (2017, 2004, 1985), FERREIRO (2011); SMOLKA (2012), LURIA (2010), e em documentos oficiais do país como as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de Nove Anos (2010). Os resultados do estudo comprovam que as práticas alfabetizadoras fundadas em princípios teóricos, subsidiam o trabalho pedagógico e levam o professor à reflexão diária sobre suas práticas de ensino ante às diferentes concepções de alfabetização, uma discussão que contribui significativamente para a melhoria de seu fazer pedagógico e para a garantia dos direitos de aprendizagem das crianças.

Palavras-chave: Alfabetização, Letramento, Ensino.

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INTRODUÇÃO Nas últimas décadas, as pesquisas sobre alfabetização no país se multiplicaram ante ao crescente número de pesquisadores que têm se dedicado ao estudo sistemático da questão, que se ampliou consideravelmente, refletindo no contínuo aumento da produção científica sobre o assunto, sendo incansável o trabalho de reflexão que essa prática social demanda na contemporaneidade, especialmente, quando se trata da aquisição da leitura e da escrita pela criança na fase inicial de escolarização. No âmbito deste estudo realizou-se um diálogo a partir das formulações existentes nas obras literárias de estudiosos e pesquisadores do tema em questão, como SOARES (2017; 2004), FERREIRO (2011); SMOLKA (2012), LURIA (2010) entre outros, trazendo à discussão os desafios da articulação conceitual entre teoria e prática nos processos de alfabetização e letramento no contexto escolar, tendo como foco o ciclo inicial do ensino fundamental. Ante o abordado, o presente trabalho teve como objetivos estudar os processos de construção da leitura e da escrita na alfabetização e letramento de crianças nos anos iniciais de escolarização, descrever os conceitos de alfabetização e letramento à luz das teorias existentes, identificar debates e controvérsias nos conhecimentos produzidos sobre esses processos, apontando possíveis implicações didáticas acerca da aplicação teórico-prática desses processos em contextos educativos. Assim, diante do tratamento dado à alfabetização e ao letramento ao longo de seu percurso histórico na sociedade brasileira, e por considerar o ciclo inicial de escolarização de fundamental importância para a aquisição da leitura e da escrita, houve o desejo pela realização da pesquisa em razão da relevância social e da afinidade pessoal pela temática, e por se tratar de uma questão de extrema magnitude que demanda formulação e implementação de políticas públicas para a garantia dos direitos de aprendizagem das crianças preconizados nos documentos legais do país.

DESENVOLVIMENTO Metodologia O tipo de investigação científica que norteou e sustentou a prática exercida foi a pesquisa bibliográfica, escolhida como procedimento metodológico orientador de todo o processo de investigação ancorada teoricamente em: SOARES (2017, 2004), FERREIRO (2011); SMOLKA (2012), LURIA (2010) entre outros, em artigos científicos de revistas eletrônicas e em documentos oficiais e normativos da legislação educacional do país para os anos iniciais do ensino fundamental, sendo um estudo de caráter conceitual, descritivo e crítico, que por Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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vezes reforçou ou refutou as questões e discussões abordadas ao longo do processo de pesquisa para o alcance dos objetivos propostos. De acordo com Fonseca (2002, p. 32), a pesquisa bibliográfica estrutura-se fundamentalmente “a partir do levantamento de referências teóricas já analisadas, e publicadas por meios escritos e eletrônicos, como livros, artigos científicos, páginas de web sites”. Corroborando com o autor, Gil (2008, p. 44) afirma que embora a pesquisa bibliográfica seja inerente aos estudos de natureza científica, “há pesquisas desenvolvidas exclusivamente a partir de fontes bibliográficas”. Segundo Minayo (2007, p. 44), “a definição teórica e conceitual é um momento importante da elaboração do projeto científico. E sua base de sustentação e rigor [...] envolve as escolhas e mesmo concordância ideológica do pesquisador com as explicações contidas no quadro teórico apresentado”. Nesse sentido, a opção pela pesquisa bibliográfica neste estudo se justifica em buscar conhecimento sobre o universo de trabalhos teóricos produzidos acerca do tema da pesquisa, e por guiar as ideias e pensamentos do pesquisador no momento de planejar e realizar o trabalho (GIL, 2008). Os instrumentos de coleta de dados constituíram-se, basicamente, de fichas de leitura e de resumos de textos organizados em arquivos digitais em meio eletrônico. Tais procedimentos foram relevantes para a concretização da pesquisa, pois serviram de esteio na organização, análise e discussão dos resultados, tornando-se fundamentalmente para o pesquisador um instrumento de reflexão científica sobre os conhecimentos prévios adquiridos e de aprendizado enquanto cientista social que busca produzir conhecimento no campo de sua área de atuação educacional. Resultados e discussão A questão da alfabetização associada à aquisição da leitura e da escrita está ligada às ideias e às concepções que foram e são construídas pelas sociedades no decorrer dos tempos, geralmente marcadas pelo dilema histórico de como a escrita vem sendo concebida e explorada no seio da sociedade, constituindo-se em “uma das questões sociais mais fundamentais por suas implicações político-econômicas e por se evidenciar instrumento e veículo de uma política educacional que ultrapassa amplamente o âmbito meramente escolar e acadêmico”(SMOLKA 2012, p. 16). De acordo com Soares (2017, p. 16), o termo alfabetização foi inserido e conhecido no país pela inserção dos métodos de alfabetização “desde as décadas finais do século XIX, momento em que começa a consolidar-se um sistema público de ensino, trazendo a necessidade de implementação de um processo de escolarização que propiciasse às crianças o domínio da leitura e da escrita”. Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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No campo conceitual, Soares (1985, p. 20), define a alfabetização “em seu sentido próprio, específico: processo de aquisição do código escrito, das habilidades de leitura e de escrita”, ou seja, codificar e decodificar fonemas e grafemas por meio de um sistema (código) culturalmente inventado. A partir dos estudos de Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1986), à luz da teoria da Psicogênese da Língua Escrita, o conceito de alfabetização causa uma verdadeira revolução no campo educacional, pois de acordo com a teoria, a criança na sua relação com a escrita passa a ser o sujeito do conhecimento e não mais o professor, e os métodos tradicionais de alfabetização apoiados em técnicas que exigem uma metodologia sistemática e padronizada de aplicação, em sua maioria desprovidas de contextualização com as práticas sociais do uso da leitura e da escrita presentes na vida cotidiana deixaram de ser “elemento essencial e determinante no processo de alfabetização” (SOARES, 2017, p. 22). As pesquisas realizadas por Ferreiro e Teberosky (1986) trouxeram grandes contribuições no que tange às dificuldades enfrentadas pela criança no processo de aquisição da língua escrita, pois passou-se a compreender que a língua escrita não segue um curso linear, que o erro faz parte do desenvolvimento biológico, cognitivo e cultural da criança em idade escolar, e que os princípios que regulam a aprendizagem da leitura e da escrita são complexos, pois estão associados também a fatores psicológicos ou psicolinguísticos, pondo em xeque no campo das discussões a ideia de “prontidão” para a alfabetização. Contudo, a teoria da psicogênese mobilizou controvérsias entre educadores no campo teórico-prático, pois para muitos naquele momento, e ainda hoje, a teoria foi entendida como uma metodologia de ensino, contrapondo o conceito (re) construído por Ferreiro ao longo de seus estudos, especialmente com o advento da tecnologia de informação e comunicação, que corroboraram para o entendimento de que a alfabetização é um processo contínuo que segue por toda a vida. Smolka (2012, p. 19) ressalta que, as implicações pedagógicas do trabalho desenvolvido por Ferreiro e Teberosky foram “inumeráveis e que as concepções e preocupações lançadas naquele momento só agora passaram a fazer parte do discurso oficial no Brasil”, a exemplo do que ocorre com programas implantados pelo governo federal como o PNAIC e o Programa Mais Alfabetização. Em relação à apropriação do conceito de letramento, palavra recente no meio educacional, Magda Soares (2004) considera que há muito esse conceito ficou obscurecido ao conhecimento que se tinha sobre alfabetização, pois pensava-se que ao ter contato com a cultura escrita por meios de materiais impressos (cartilhas, livros) a criança estaria alfabetizada. Em sua dimensão social, a autora em pauta afirma que “letramento não é pura e simplesmente um conjunto de habilidades individuais; é o conjunto de práticas sociais ligadas

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à leitura e à escrita em que os indivíduos se envolvem em seu contexto social” (SOARES, 2017, p. 72), pois de certo são processos distintos, e que demandam diferenciadas formas de ensino, pois envolvem habilidades e competências específicas. Estudos e pesquisas que tratam da questão da alfabetização convergem em considerar a importância da articulação de práticas alfabetizadoras reflexivas durante o processo de alfabetização e letramento, pois há práticas que possibilitam a construção do conhecimento pela criança, enquanto há outras que arredam as crianças do aprendizado (FERREIRO, 2011), desconsiderando os conhecimentos prévios que ela traz consigo e seu contexto de letramento nas experiências vivenciadas na família, na sua relação com os outros e com o mundo. Os estudos realizados por Maciel e Lúcio (2008, p. 17) sobre as concepções das práticas de alfabetização e do letramento no espaço da sala de aula, identificaram algumas posturas que atestam a frequente confusão ou sobreposição em torno desses conceitos. Segundo relataram “muitos professores ainda acreditam que somente após o processo de alfabetização é que deve ser iniciado o processo de letramento, ou seja, que para se tornar letrado, é preciso, primeiramente, adquirir a tecnologia da escrita”. Apesar da distinção entre letramento e alfabetização, é necessário desenvolver uma prática concomitante, ou seja, a alfabetização adquire sentido quando a criança compreende a importância da comunicação por meio do código linguístico. Nessa ótica, letramento e alfabetização se tornam indissociáveis. Com fulcro nos estudos de Soares (2004), acredita-se que a alfabetização é a aquisição do código da escrita e da leitura e que esta se alcança pelo domínio de uma técnica – “tornar o indivíduo capaz de ler e escrever – “ (SOARES, 2017, p. 31), contudo não se pode perder de vista as práticas sociais que emanam desses processos, pois segundo afirma, não adianta aprender uma técnica e não saber usá-la na relação com os outros. De acordo com a BNCC (2017, p. 57) Nos dois primeiros anos do ensino fundamental, a ação pedagógica deve ter como foco a alfabetização, a fim de garantir amplas oportunidades para que os alunos se apropriem do sistema de escrita alfabética de modo articulado ao seu desenvolvimento em práticas diversificadas de letramento. Como aponta o Parecer CNE/CEB nº 11/201031, “os conteúdos dos diversos componentes curriculares [...], ao descortinarem às crianças o conhecimento do mundo por meio de novos olhares, lhes oferecem oportunidades de exercitar a leitura e a escrita de um modo mais significativo”.

Os estudos de Luria corroboram nessa perspectiva, pois apontam que o desenvolvimento da língua escrita na criança inicia antes que esta seja submetida ao ensino sistematizado da alfabetização no ambiente escolar. Segundo o autor, Antes de atingir a idade escolar, a criança já aprendeu e assimilou um certo Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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número de técnicas que prepara o caminho para a escrita, técnicas que a capacitam e que tornaram incomensuravelmente mais fácil de aprender o conceito e a técnica da escrita” (2010, p. 143-144).

Nesse contexto, é importante que as crianças participem de experiências variadas envolvendo a leitura e a escrita, para que paralelamente, desenvolvam as capacidades exigidas para a compreensão e apropriação do Sistema de Escrita Alfabética, sendo favorecidas nesse processo a capacidade para responder adequadamente às demandas sociais pelo uso amplo e diferenciado da leitura e da escrita na escola e para além dela. A organização da prática pedagógica deve pautar-se na formulação de estratégias eficazes para um bom uso dos espaços e dos tempos escolares, buscando sempre a articulação e diálogo com todas as áreas de conhecimento que formam o currículo e a proposta pedagógica do ensino fundamental dos anos iniciais, da maneira mais interdisciplinar possível, de forma a estabelecer prioridades que atendam às crianças, seus interesses e curiosidades em torno dos diversos campos do saber. Na atual estrutura da educação básica, a BNCC, postula que o processo inicial de alfabetização, entendido frequentemente como codificação e decodificação da língua, deve ser concluído nos dois primeiros anos do ensino fundamental, sendo consolidado com a ortografização ao longo dos anos subsequentes, sem contudo, deixar-se de considerar essa aprendizagem na perspectiva do letramento, ou seja, entender a língua materna como instrumento de interação social considerando que a criança lê antes mesmo de apropriar-se

do código linguístico (instrução formal). Ademais, considera-se fator determinante para a alfabetização o professor acreditar que o estudante pode aprender independentemente de sua condição social e econômica, pois quando este tem pouco contato com material escrito, compete à escola oferecer ambientes de aprendizagem que os insiram em práticas sociais de leitura e escrita por meio dos mais variados gêneros textuais que circulam socialmente, promovendo nesse contexto o que postula Magda Soares - a alfabetização na perspectiva do letramento - e, consequentemente, a possibilidade de participar plenamente da vida política, pública, econômica, social e das práticas de estudo e pesquisa.

CONCLUSÃO Estudos e pesquisas sobre alfabetização realizadas no “chão da escola” ao longo dos anos e na contemporaneidade tem indicado que alfabetizar e letrar impõem às escolas a garantia que as crianças possam vivenciar desce cedo uma diversidade de atividades que as levem a pensar sobre a construção e características do Sistema de Escrita Alfabético de forma ativa, reflexiva e lúdica, possibilitando-lhes significar o mundo e a realidade que os Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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circundam, e que os fatores intra e extraescolares, isoladamente, não são suficientes para explicar as dificuldades que os alunos apresentam na fase inicial de escolarização. No âmbito deste estudo considera-se que os objetivos foram alcançados, pois as teorias estudadas ampliaram o conhecimento acerca do tema, visto que alfabetizar e letrar crianças ainda são desafios recorrentes da prática pedagógica, e que a apropriação desses processos na fase de escolarização deve ir além do ensino das técnicas de codificação e decodificação do sistema de escrita alfabético-ortográfico, de modo que simultaneamente, na interação com o outro no contexto das práticas sociais torne-se alfabetizado e letrado. Arrematando, ante a complexidade expressa que representa o ato de ensinar às crianças o processo inicial de leitura e escrita, tendo em vista seu desenvolvimento biólogo, psicológico e cultural, e considerando o princípio de que a educação é um direito subjetivo inalienável garantido, constitucionalmente, a todos os cidadãos conforme preceitua o artigo 205 da Constituição Federal de 1988, compreende-se que além da escola, cabe ao Estado, à família e à sociedade oportunizar educação de qualidade aos cidadãos, ficando claro, portanto, a corresponsabilidade entre esses entes sociais de um dever compartilhado.

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GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

118 Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2


10.

LURIA, Alexander Romanovich. O desenvolvimento da escrita na criança. In: VYGOTSKY, L.S. et. al. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 11. ed. São Paulo: Icone/Edusp, 2010.

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MACIEL, Francisca; LÚCIO, Iara. Os conceitos de alfabetização e Letramento e os desafios da articulação entre teoria e prática. In: CASTANHEIRA, Maria Lúcia, et. al. Alfabetização e letramento na sala de aula. Belo Horizonte: Autêntica/Ceale, 2008. (Coleção alfabetização e letramento na sala de aula).

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SMOLKA, Ana Luiza B. A criança na fase inicial da escrita: a alfabetização como processo discursivo. 13. ed. São Paulo: Cortez, 2012.

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SOARES, Magda. Letramento e Alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de Educação. Nº 25, p. 5-17, Jan./Abr., 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n25/ n25a01.pdf>. Acesso em: 02 set. 2018.

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09 O papel da Educação Física na escola: representações da direção e de docentes de Quaraí – RS

Mauren Lúcia Braga de Araújo UFRGS/UNIPAMPA

Thaís Ariane da Luz Porto UNIPAMPA

10.37885/211006354


RESUMO

Este estudo objetivou analisar quais as representações dos (as) diretores (as) e professores (as) das escolas públicas no município de Quaraí, RS, com relação ao papel da Educação Física na escola. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, que coletou dados através de entrevistas e investigou quatro diretores e quatro professores de Educação Física de escolas públicas do município. Os resultados possibilitaram evidenciar que, apesar da Educação Física ser componente obrigatório curricular há mais de duas décadas, não houve convergência sobre seu papel nas escolas estudadas.

Pa l av r a s - c h ave: Ed u c a ç ã o F ís i c a Es c o l a r, C o n c e p ç ã o Pe d a g ó g i c a , Pa p e l d a Educação Física.

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INTRODUÇÃO Atualmente, coexistem na Educação Física (EF) diversas concepções sobre qual o seu papel no contexto escolar. Algumas propostas pedagógicas visam a melhoria da aptidão física, outras valorizam aspectos do desenvolvimento motor; outras centram suas estratégias de ensino na apropriação de gestos esportivos ou ainda, buscam alcançar modificações nos hábitos de atividade física (BRACHT, 1999). Cada perspectiva pedagógica da EF expressa o entendimento de corpo construído pela sociedade moderna. A EF no Brasil surgiu como uma atividade intimamente ligada à formação e educação do corpo disciplinado (SOARES, 2012), seus objetivos e práticas pedagógicas foram se modificando ao decorrer do tempo, porém, essas propostas influenciam a concepção das aulas de professores de EF até hoje. Embora as práticas pedagógicas ainda aconteçam sob efeitos das perspectivas da aptidão física e esportiva, os fortes debates acadêmicos da área e as políticas curriculares nacionais das últimas décadas denotam a intenção de formar cidadãos que possam construir uma sociedade menos desigual. Assim, os sistemas e instituições de ensino vêm revisando objetivos de aprendizagem, conteúdos, práticas educativas e formas de avaliação em EF, procurando dar espaço para um entendimento democrático e transformador das práticas educativas. Isto porque as propostas progressistas de EF buscam avançar para além da reprodução de uma cultura corporal produtora de “falsas consciências”, que transformam os sujeitos em consumidores acríticos da indústria cultural. Por outro lado, apesar de notórios avanços na área, essas mudanças parecem não atingir uma boa parte do contexto das aulas de EF, considerando que em muitas escolas e secretarias de Educação ainda prevalecem entendimentos convencionais da EF (NEIRA, 2016). Provavelmente porque ainda é necessário compreender o “movimentar-se” humano como algo que não é mecânico ou apenas biológico, mas como um fenômeno histórico-cultural (BRACHT, 1999).

METODOLOGIA O estudo é de cunho qualitativo e caráter descritivo, enfatiza o método interpretativo, entendendo a realidade social como uma construção humana (TRIVIÑOS, 1987). Para a realização da pesquisa, foram escolhidas quatro escolas públicas, duas estaduais e duas municipais de Quaraí/RS, contando com a participação de quatro diretores e quatro professores de EF. Os critérios de inclusão para a participação de diretores e diretoras das escolas foi estar no cargo a, pelo menos 6 meses; para professores e professoras os critérios foram: ter graduação em Educação Física, ter a maior carga horária de trabalho na escola e estar ministrando aulas de Educação Física para o Ensino Fundamental e/ou Médio. Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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Todos os participantes aceitaram participar do estudo através do termo de consentimento livre e esclarecido. As informações foram coletadas através de entrevistas semiestruturadas individuais que, para os diretores tinham dez questões abertas e duraram quinze minutos cada, em média. E, para os professores de EF continham vinte questões abertas e duraram, em média trinta minutos cada. Os temas da entrevista foram pautados na formação profissional do entrevistado, em suas concepções sobre a EF, objetivos, conteúdos e avaliação da EF na escola. Após as entrevistas, as informações foram transcritas e enviadas aos participantes para que fosse realizada uma validação interna. A interpretação das entrevistas procurou estabelecer unidades de significados (FERRER CEVERÓ, 1994) e verificar se existia convergência entre as narrativas em cada escola, buscando entender a visão da EF nas quatro escolas. Para ajustes do instrumento de coleta de informações e familiarização das pesquisadoras, foi realizado um estudo prévio com dez professores voluntários. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da UNIPAMPA (parecer nº 1.331.776) e foram observados os cuidados éticos de acordo com a da RESOLUÇÃO Nº 510, DE 07 DE ABRIL DE 2016 do Conselho Nacional de Saúde.

DESCRIÇÕES, RESULTADOS, INTERPRETAÇÕES A Escola1 A é central e oferece Ensino Fundamental e Médio, sendo uma das escolas estaduais mais antigas da cidade, fundada em 1913. Há 3 anos tem como diretora uma pedagoga formada na URCAMP em 2004. Atualmente a escola possui dois professores de EF, sendo o professor entrevistado, formado em 2005 pela URCAMP, fazendo parte do quadro de docentes da escola há 6 anos. As aulas de EF nesta instituição funcionam no turno inverso ao dos outros componentes curriculares. Diretora e professor da Escola A, possuem falas semelhantes, reconhecendo na EF o papel de formação social e demarcando sua vinculação com a ideia de promoção de saúde, conforme pode ser constatado nos seguintes excertos da entrevista: Dependendo dos professores, eles têm um papel fundamental, porque eles não me ajudam só nesta parte do corpo, da EF, da aptidão física...”“[...] então como os alunos têm essa abertura com os professores, eu já pego para esse lado social, para a gente já trabalhar essas questões de atitude, de comportamento (Diretora A).

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Os nomes das escolas e participantes foram modificados para preservar a identificação, conforme a observação dos cuidados éticos da RESOLUÇÃO Nº 510, DE 07 DE ABRIL DE 2016 do Conselho Nacional de Saúde. Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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A narrativa da Diretora A possui convergências com a narrativa do Professor A, que parece reconhecer na EF papel semelhante: “Além da promoção da saúde, a parte de mostrar para ele (aluno) que tem uma área benéfica à saúde deles, têm também a parte social” (Professor A). As narrativas na Escola A tornam possível perceber uma visão de EF articulada com a perspectiva de promoção de saúde, herança do projeto de modernidade, proveniente da intervenção médica na Educação no século XIX (SILVA, 2004). A Escola B é uma instituição estadual de Ensino Fundamental, localizada na área periférica da cidade. A diretora, em exercício há 3 anos, possui graduação em ciências biológicas pela Fundação Educacional de Alegrete, em 1987 e em pedagogia em 2014, pela URCAMP. A escola conta com um professor de EF, formado pela URCAMP em 2004, que está na escola há cinco anos. As aulas de EF ocorrem no turno inverso ao das outras aulas. Analisando o conteúdo das entrevistas do professor e diretora da Escola B parece que o papel da EF na escola está voltado para a prática esportiva, como revela o excerto da entrevista: {...} a gente aposta muito nos esportes, nos valores de cooperação e solidariedade” (Diretora B); “A nossa escola é uma escola de tempo integral, que sempre priorizou bastante essa área de esporte, então sempre teve esporte e Educação Física bastante vinculados (Professor B).

Diretora e professor da Escola B reproduzem o entendimento do imaginário social que a EF possui, onde o esporte é o protagonista das aulas. De acordo com Bracht e colaboradores (2003), cristalizou-se uma imagem de EF como um espaço na escola vinculado ao esporte, onde o mesmo é conteúdo central de aula, é prática mais valorizada pelos alunos, é referência de atividade extracurricular e para os gestores escolares é o papel da EF. A Escola C é a única escola municipal central da cidade. Escola de Ensino Fundamental, que acolhe alunos de todas as regiões do município. A diretora da escola está no cargo há seis meses e é formada em letras, pela Fundação Educacional de Alegrete, em 1993. A escola tem 2 professoras de EF e a participante do estudo está na escola há 8 meses. Concluiu a graduação na URCAMP em 2005. As aulas de EF nesta escola ocorrem no mesmo turno que as outras aulas, como em todas as escolas municipais. Na Escola C, a diretora e a professora, parecem entender que o papel da EF na escola é o de auxiliar na aprendizagem de outros componentes curriculares. Ambas, apontam de forma positiva a utilização da EF como auxílio para as demais disciplinas, como demonstra o excerto das entrevistas: O papel dela (da EF) é relevante pra tudo, porque ajuda no desenvolvimento das outras atividades dentro da sala de aula (Diretora C). Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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A gente trabalha dentro da EF, os jogos, por exemplo, xadrez, dama, isso tudo ajuda a desenvolver o raciocínio rápido. São escolhas que ‘tu’ vai desenvolvendo nas aulas para ajudar as capacidades dos alunos nas outras disciplinas (Professora C).

O entendimento de que a EF serve como meio para outras aprendizagens, que possivelmente, tenham mais reconhecimento na escola está vinculado à educação psicomotora que, segundo Bracht (1999) exerceu grande influência na EF brasileira nos anos 70 e 80. Entendemos que não se deve negar a interdisciplinaridade na escola e a participação da EF, mas é fundamental compreender que o “movimentar-se” humano não é um mero instrumento para a aprendizagem. A influência da psicomotricidade, sobretudo nos anos iniciais do Ensino Fundamental, está longe de ter-se esgotado, como foi observado no estudo de Kleiner e Souza Junior (2008) onde chama a atenção a importância atribuída pelos diretores às aulas de EF, que privilegiam a dimensão procedimental e a atitudinal, tendo em vista que a formação de valores éticos e morais ficou entre as três respostas mais citadas. A Escola D é uma escola municipal rural de Quaraí, que trabalha com o Ensino Fundamental. A diretora da escola é formada em pedagogia pela URCAMP em 2003 e tem pós-graduação em gestão escolar. A escola dispõe de um professor de EF formado pelas Faculdades Unidas de Bagé em 1989. As aulas são ministradas no mesmo turno que os outros componentes curriculares. O Professor D parece acreditar que o papel da EF seja o de “...formar o aluno integralmente” (Professor D). Uma fala semelhante da Diretora D vincula a EF na escola com uma formação geral “...a EF é fundamental, faz a parte social, a parte de limites e disciplina, de sociabilidade, de afetividade” (Diretora D). A especificidade dos saberes da EF não foi abordada nas narrativas. Professor e diretora da Escola D parecem entender que a EF é um meio ou um dos meios para se desenvolver valores para se conviver na sociedade, entretanto sem mencionarem seus saberes específicos. Darido (2012) entende que discursos como estes, em que o papel da EF está pautado na formação integral do aluno, refletem uma aproximação com a concepção psicomotricista, que é definida “como o ato de aprender, com os processos cognitivos, afetivos e psicomotores”. Percebe-se que as narrativas de docentes e direção têm coerência interna nas escolas, pois alinham-se nos entendimentos de cada uma das escolas. Enquanto nas escolas estaduais, os entendimentos sobre o papel da EF estão sob a ótica da aptidão física e dos esportes, nas escolas municipais, a perspectiva psicomotora aparece com destaque. Isto pode ser explicado pelo fato das escolas municipais concentrarem a responsabilidade do

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ensino da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, onde as perspectivas pedagógicas da EF costumam estar vinculadas de forma auxiliar a outros saberes escolares. No entanto, quando se pensa de forma macrossocial, não há convergência de entendimentos sobre o papel da EF nas escolas. Soma-se a isso o fato de nenhum dos participantes ter relacionado o papel da EF à cultura corporal ou cultura corporal de movimento. Diferentemente do que apontou Bracht (1999), a expressão “cultura corporal de movimento” sequer aparece nas representações de diretores e dos próprios professores de EF sobre o papel da EF nestas escolas de Quaraí. O que denota que as teorias críticas da EF não repercutem entre os sujeitos entrevistados. Possivelmente a representação de EF nestas escolas ainda esteja pautada nos papeis que, historicamente, a EF já assumiu.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Através dos resultados ficou evidenciado que, apesar da EF ser um componente curricular obrigatório desde a LDB de 1996, nenhum dos participantes fez menção ao seu objeto de estudo, nem entendeu o “movimentar-se” como um fenômeno cultural, evidenciando entendimentos acríticos da EF e das práticas corporais nas escolas. Além disso, as representações de diretores (as) e professores (as) sobre o papel da EF na escola permaneceram sob o prisma conservador, vinculado a referenciais teóricos das Ciências Naturais. Nesse sentido é importante que se invista na formação inicial e continuada com o intuito de fortalecer um entendimento do papel da EF crítica na escola, que dialogue com a sociedade atual. O que poderá ser vislumbrado quando os entendimentos do “movimentar-se” humano tiverem como referências as Ciências Humanas. Problematizar as práticas corporais, desvelando os efeitos de uma linguagem corporal dominante que transforma os sujeitos em objetos ou em consumidores acríticos da indústria cultural, nos parece um caminho fundamental para a autonomia e o agir no mundo de forma consciente. Tendo em vista que os entendimentos que legitimam a EF nas escolas se sustentam sob a ótica conservadora, interpretamos que as perspectivas críticas de EF têm o desafio de conquistar legitimidade no campo pedagógico, incentivando entendimentos que, vinculados à função social da escola, oportunizem uma formação de cidadãos preparados para viver na atual sociedade de consumo (BAUMAN, 2001).

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REFERÊNCIAS 1.

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4.

FERRER CERVERÓ, V.R. Pensamiento crítico y formación del professorado: el impacto del proyecto Filosofia 6/18 en studiantes de secundaria: estudio de caso compartido. Tese (doutorado) - Departamento de Didáctica y Organización escolar, Universidad de Barcelona, Barcelona, 1994.

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7.

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8.

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9.

TRIVIÑOS, A. N. S. Introduzindo a pesquisa em Ciências Sociais: pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.

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10 O ensino de aritmética e a modernização do currículo das escolas elementares estadunidenses no século XIX

Alexandre Souza de Oliveira PUC - SP

10.37885/210805642


RESUMO

Neste trabalho apresentamos um estudo que busca contextualizar o ensino de aritmética nas escolas elementares estadunidense no século XIX incorporado de algumas características muito peculiares vinculadas fortemente ao método de ensino que melhor atendiam às finalidades de modernização do país. Com o objetivo de contextualizar buscamos responder: Quais os métodos e finalidades de ensino de aritmética no processo de consolidação do sistema americano de ensino no século XIX? Tendo por base documentos originais verificamos dois métodos de ensino que foram confrontados, o método dedutivo, conhecido também naquela época como “método da regra” (rule method), e o método indutivo, conduzindo a um caloroso debate. Este estudo mostra a ampliação dos programas de ensino elementar nos Estados Unidos da América no século XIX, motivada pela necessidade de propor uma revisão curricular do ensino de Matemática escolar. Essa revisão envolveu debates com objetivo de propor novos métodos de ensino, bem como formar professores que estivessem capacitados para atender por novas demandas ligadas ao comércio, à indústria e à pesquisa científica. Nesse contexto, o ensino de aritmética elementar não atendia suficientemente às demandas práticas e científicas daquela época. Nesse aspecto, a pesquisa indicou que o ensino de aritmética no último quarto do século XIX foi abordado em seu sentido mais prático, recorrendo-se a recursos que permitissem apreendê-lo por meio de sua aplicação. Esta pesquisa se baseou em documentos originais sobre os quais incidimos um olhar analítico com base nas três esferas de análise, a saber, historiográfica, epistemológica e contextual.

Palavras-chave: Ensino de Aritmética, Escolas Elementares, História da Matemática.

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INTRODUÇÃO Este texto apresenta resultados de um estudo que visa contextualizar o ensino de aritmética nas escolas elementares estadunidense no século XIX. Dessa forma buscamos neste trabalho responder a seguinte questão: Quais os métodos e finalidades de ensino de aritmética estadunidense no século XIX? Para responder esta questão consultamos livros- textos relacionados ao ensino de aritmética que comumente eram utilizados naquela época, com vistas a exercitar o diálogo entre História da Matemática e Educação Matemática, seguindo de perto as orientações de Dias e Saito (2009) e Saito (2010), que propõem a construção de interfaces entre história e ensino por meio da articulação de dois eixos de investigação, o contexto do desenvolvimento dos conceitos matemáticos e o movimento do pensamento na formação desses mesmos conceitos, de modo a fazer emergir elementos potencialmente didáticos para o ensino de matemática. Em períodos anteriores ao século XIX, a educação norte-americana não se encontrava sistematizada. A extensão e o tipo de escolaridade dependiam exclusivamente dos recursos disponíveis e das ambições de cada cidade, que geralmente seguiam preceitos e orientações religiosas, que acabavam estabelecendo vários tipos de escolas, em muitas das quais o ensino de aritmética não era considerado essencial para todas as crianças, mas sim destinado somente aos meninos que fossem entrar na vida comercial. Isso porque, entre a nobreza e a aristocracia, o aprendizado de aritmética não tinha tanto “valor” porque era vista como algo comum e mecânico, pois seu ensino estava voltado aos artesãos e comerciantes, ou seja, era um aprendizado direcionado para a prática. (MONROE, 1917). Desde a primeira metade do século XIX, o conteúdo e o método ensino de aritmética elementar foram alvo de intensos debates. Esses debates eram reflexos da crença no poder da escola como fator que propiciava o progresso, a modernização e a mudança social articulada com as exigências do desenvolvimento industrial e o processo de urbanização estadunidense.

MÉTODO Neste estudo, seguimos de perto as orientações de Dias e Saito (2009) e realizamos um estudo histórico que permitisse, posteriormente, construir uma interface entre história e ensino. Por meio deste estudo, procuramos apresentar alguns questionamentos e reflexões, que emergem especificamente alguns aspectos que emergiram na esfera contextual e epistemológica, evidenciadas nas propostas de ensino de aritmética elementar para as escolas elementares estadunidenses no século XIX incorporado de algumas características muito peculiares, isto é, as discussões vinculadas fortemente ao método de ensino que melhor Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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atendiam às finalidades de modernização do país em decorrência de diferentes interesses políticos, ideológicos, religiosos, sociais, econômicos e culturais na época. No que diz respeito à análise dos livros-textos, este trabalho teve por base a articulação de três esferas de análise, historiográfica, epistemológica e contextual, seguindo as atuais tendências historiográficas da história da ciência (ALFONSO-GOLDFARB; WAISSE; FERRAZ,2013; SAITO, 2013a; 2013b; 2013c). Por historiografia entende-se a “escrita da história” no qual propõe um estudo crítico das diferentes narrativas históricas relacionadas ao tema de estudo aqui considerado. A esfera epistemológica busca compreender os livros-textos tendo como referência um conjunto de conhecimentos de uma determinada época de modo a “buscar alguns tópicos na história da matemática com vistas a compreender o processo e o movimento que conduz a construção do conhecimento matemático” (SAITO, 2013b). Articulada à esfera epistemológica, buscamos compreender os aspectos internos e conceituais ligados aos documentos tendo como referência um conjunto de conhecimentos, práticas e critérios aceitos na época em que os documentos foram utilizados. Por meio da articulação dessas duas esferas de análise à outra, contextual, pesquisamos o contexto no qual os mesmos documentos foram elaborados, tendo por base as relações sociais e culturais que podem ser detectadas neles mesmos.

RESULTADOS E DISCUSSÕES Segundo Karnal et al (2007), o século XIX é marcado pelas oportunidades econômicas, trilhando assim pela consolidação do capitalismo como sistema, que promoveu diversas transformações culturais, sociais, políticas e econômicas. As transformações ocorridas nesse período, especialmente no modo produção, marcaram o desenvolvimento da ciência. O desenvolvimento e a consolidação do capitalismo estreitaram a relação entre a ciência e o “modo de se fazer ciência”, que cada vez mais passou a atender a uma demanda por produção. Naquela época, a ciência e a matemática modernas começaram a adquirir os contornos e as características que hoje reconhecemos, bem como passaram a delinear novas frentes de investigação cada vez mais especializadas em diferentes regiões da Europa. Todavia, nos Estados Unidos da América, embora alguns campos do conhecimento, como a química, a medicina e a biologia começassem a ocupar lugares próprios e específicos na ciência moderna, a matemática, entretanto, se mantinha “bem tímida e dependente de modelos europeus, contribuindo muito pouco para o desenvolvimento desta área de conhecimento” (BACHA; SAITO, 2014, p.03). Segundo Eisele (1979), a matemática americana só começou a florescer a partir de 1876, quando foi fundada a Johns Hopkins University, em Baltimore. A fundação dessa universidade teve grande impacto no desenvolvimento científico norte-americano, visto que não Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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só fez florescer as investigações em matemática nos Estados Unidos, mas também incentivou o estabelecimento de cursos de pós-graduação em outras universidades, entre as quais, a Universidade Clark, em Worcester, Massachusetts, fundada em 1889 e da Universidade de Chicago fundada em 1892, influente no Centro-Oeste. Entretanto, devemos aqui considerar que a emergência da moderna universidade nos Estados Unidos foi resultado de um processo multifacetado de modernização da sociedade norte-americana. De acordo com Barrow (1990, p.14), esse processo pode ser entendido como “um componente cultural da Revolução Industrial, relacionada às transformações na estrutura de classe e a culminação dessas grandes e perturbadoras mudanças nos movimentos de racionalização social da era progressiva”. Compreendida entre o início da década de 1880 e a Primeira Guerra Mundial, alguns setores da classe média norte-americana, em nome do progresso social e científico, passaram a clamar por eficiência e justiça social, reivindicando maior controle das grandes empresas por meio de uma administração científica. Esse movimento acabou desencadeando, assim, uma série de reformas nas instituições sociais, principalmente nas escolas e nas universidades, que passaram a ser reorganizadas e expandidas. Nesse cenário, era viva a sensação de que o progresso nos padrões de vida acompanhava o progresso da ciência. Podemos dizer que a matemática do século XIX esteve associada não só às novas demandas propiciadas pela indústria, mas também àquelas que incentivavam a busca pelo conhecimento abstrato propiciadas pela especialização de novos ramos de investigação na Álgebra e pelos métodos simbólicos. Segundo Mondale e Patton (2001), o processo de institucionalização das diversas áreas trouxe, desse modo, transformações e inovações nos diversos espaços ou locais de prática da matemática, porém, nos diversos âmbitos universitários e escolares estas mudanças não ocorreram de forma simples e natural, muito pelo contrário, envolveu uma grande diversidade de aspectos, muitos deles por vezes contraditórios. É nesse cenário que, de acordo com Bacha (2014, p.76), os cientistas começaram a se especializar. Nesse processo, o progresso científico foi caracterizado como um saber que aumentava conforme as futuras gerações e contribuíam com novos desdobramentos e descobertas científicas, num movimento infinito que nunca se completaria. Isso fomentou a ideia de que a ciência (e, portanto, a matemática) avançava continuamente de tal modo a compreender que progresso científico era um processo imanente à própria história da humanidade. Assim, por meio do progresso científico e técnico, justificava-se o progresso político, econômico, e até o moral. Foi neste “espírito progressista” que a filosofia positivista ganhou força nos Estados Unidos. A partir das últimas décadas do século XIX, vemos lá surgir o espaço institucional

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da ciência, que estabeleceu os papéis sociais do cientista, bem como os das universidades por meio de uma filosofia capaz de oferecer, segundo Eisele (1979), “progresso científico da nação”. A partir da primeira metade do século XIX, o conteúdo e o método ensino de aritmética elementar foram alvo de intensos debates. Esses debates eram reflexos da crença no poder da escola como fator que propiciava o progresso, a modernização e a mudança social articulada com as exigências do desenvolvimento industrial e o processo de urbanização estadunidense. (MELANDRI, 2006) De acordo com Warde (2000), a modernização do currículo das escolas estadunidenses era de suma importância para satisfazer as novas exigências advindas do processo de modernização e urbanização naquela época. A educação elementar passou a ser discutida em conjunto com os temas de desenvolvimento econômico e progresso social. Assim, a seleção de conteúdos e a sequência de ensino, bem como os métodos de ensino em cada série, entraram na pauta de discussão e passaram a fazer parte de prática racional de controle do ensino e da aprendizagem nas escolas norte-americanas. Esse processo fomentou a crença de que, por meio da escola, o progresso, a modernização e a mudança social articulada com as exigências do desenvolvimento industrial e o processo de urbanização estadunidense estariam garantidas. Com o crescimento das cidades a partir da primeira metade do século XIX, o surgimento da manufatura, a invenção de máquinas, novos modos de viagem e transporte, e outros fatores combinaram-se para produzir uma demanda por um grau mais elevado de educação do que o necessário. Como consequência, surgiu um novo conceito do propósito e escopo da educação oferecida pelas escolas e um interesse desperto nas escolas públicas para uma nova demanda, isto é, suprir as necessidades do comércio e das indústrias que ali estavam se instalando. Logo, a ampliação dos programas do ensino elementar acompanhou a ampliação das finalidades sociais e culturais atribuídas à educação popular nos Estados Unidos. Face à ampliação da seleção cultural tornou-se necessária a constituição de novos dispositivos de ordenação curricular. Emergia uma nova exigência, isto é, a de unificação dos programas. Tal debate foi desencadeado no interior dos estudos científicos da educação, que se tornaram a base de legitimação de posições conflitantes sobre a criança, a escola e o currículo. (MONDALE e PATTON, 2001) Ainda nesse contexto, Filkestein (1989), Kastle (1999) e Tyack (2000) observam que ocorreram grandes mudanças relacionadas à aprendizagem que, cada vez mais, se embasavam em teses psicológicas. Além disso, foi crescente o movimento em prol da “americanização” de imigrantes de modo a valorizar não só os símbolos e os ideais

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norte-americanos, num contexto em que se mesclavam o espírito nacionalista e o desenvolvimento econômico e social. Ao se referir ao âmbito educacional, Tompkins (1957) destaca que as mudanças que se processaram no século XIX refletiram preocupações de ordem metodológica, bem como do conteúdo de aritmética a ser abordado nas escolas elementares, como, por exemplo, o método intuitivo, conhecido pela expressão object teaching. Entretanto, a vulgarização do método intuitivo naquele país ocorreu através da expressão object lesson (SOUZA, 2005). Ainda considerando o contexto estadunidense, “ao longo do século XIX, os princípios de Pestalozzi consubstanciados no método intuitivo foram apropriados de forma peculiar para a sua adoção na escola primária graduada” (SOUZA, 2005, p. 24). Conforme aponta a NCTM (2003), Warren Colburn abriu um caminho para uma completa reorientação na educação aritmética, baseando-se nas ideias de Froebel e Pestalozzi, que valorizaram a manipulação de objetos por parte das crianças. Podemos dizer que havia duas técnicas pedagógicas relacionadas no método de ensino de Colburn. A primeira dessas era o aprendizado de aritmética como um exercício mental, sem recorrer a lápis e papel. Ela era utilizada antes de as crianças aprenderem símbolos abstratos para números e operações. Colburn acreditava que as crianças poderiam desenvolver suas próprias técnicas de cálculo sem a utilização de regras. Ele denominava esta técnica de aritmética intelectual, e pelas palavras mental e intelectual designava os cálculos aritméticos que não envolvessem a representação escrita. Assim, uma vez que os alunos desenvolvessem a habilidade de cálculo mental, eles poderiam então avançar para aritmética escrita. Essa técnica se relacionava com outra que envolvia o raciocínio indutivo. Essa segunda técnica tinha “objetivo conduzir as crianças à descoberta das regras básicas da aritmética por elas mesmas, trabalhando com exemplos cuidadosamente escolhidos.” (NCTM,1917, p. 58, tradução nossa). Segundo Tompkins (1957) o reconhecimento da aritmética como uma das exigências para a entrada nas universidades, exigiu outras formas de instruir a matemática elementar nas escolas. Devido a tantas mudanças ocorrendo nesse período, houve a necessidade de revisar os materiais utilizados por professores e alunos. Assim a partir de meados do século XIX começaram-se a publicar muitos livros-textos dedicados à instrução de aritmética. Assim, livros escritos por autores norte-americanos e outras numerosas edições de autores ingleses já bem conhecidos, começaram a ser comercializados em grande quantidade. De acordo com Moore (1917), um dos pioneiros a publicar textos referentes sobre aritmética especificamente norte-americanos foi Nicolas Pike (1743-1819) em 1788. O livro de Pike, intitulado A New and Complete System of Arithmetic composed for the use of the

citizens of the United States, continha 512 páginas, sendo 408 destinados aos assuntos relacionados a aritmética, 4 páginas a geometria, 11 páginas a trigonometria, 45 páginas

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a superfícies de sólidos, 33 páginas a introdução a álgebra e 10 páginas a introdução para seções cônicas. Depois de Pike, Moore (1917) relata que foram publicados outros livros especificamente por autores norte-americanos até por volta de 1800. Podemos dizer que o estabelecimento da necessidade de um currículo comum obrigatório aos alunos de um mesmo nível educativo implicou na necessidade da produção de livros-textos, com finalidade de apresentar às crianças conteúdos básicos. Nesses materiais seguiu-se uma organização do conhecimento matemático de forma mais clara para então poder ser ensinado. No que diz respeito ao ensino de aritmética, esses livros-textos introduziam inicialmente as crianças à contagem e, em seguida, ensinava-se as primeiras regras e operações (somar, subtrair, multiplicar e dividir). Nesse sentido, podemos dizer que esses livros-textos, como observa Monroe (1917), refletiram preocupações de ordem metodológica do ensino de aritmética. Essas preocupações alavancaram debates que buscavam decidir qual seria o melhor método de ensino. Assim, de um lado, os defensores do método dedutivo, conhecido também naquela época como “método da regra” (rule method), sugeriam ensinar primeiro as regras teóricas para depois aplicá-la. De outro, os partidários do método indutivo, defendiam que o melhor caminho era iniciar com exemplos e a partir deles chegar às regras. Embora houvesse duas possibilidades, a realidade, entretanto, era outra de modo que a discussão sobre o melhor método de ensino teve que considerar outros aspectos que não eram meramente formais. A esse respeito, Tompkins (1957) observa que, a partir da segunda metade do século XIX, a aritmética a ser ensinada era predominantemente baseada na memorização de regras. Isso porque os cálculos aritméticos eram vistos como bons exercícios para fortalecer e amadurecer a mente. Assim, os exercícios mentais de cálculo, aqueles que os alunos devem fazer sem o recurso de lápis e papel, eram adotados de modo exaustivo pelas escolas. Isso inclusive é observado por Brownell (1954) em The revolution in Arithmetica em que o autor relata que o ensino de aritmética ensinado no último quarto do século XIX era muito difícil e com pouca relação com aspectos práticos da vida. Nessa nova perspectiva, as faculdades mentais poderiam ser exercitadas e fortalecidas de modo que os cálculos aritméticos passaram a ser vistos como bons exercícios para fortalecer e amadurecer a mente. Isso fomentou a ideia de que as atividades, aquelas que os alunos deveriam fazer sem o recurso de lápis e papel, isto é, mentalmente, fossem aplicadas exaustivamente. Mas a questão não se voltava apenas para a aplicabilidade prática da aritmética. Como já mencionamos, o ensino de aritmética passou a ser requisitado não só para atender a demanda prática do comércio e da indústria, mas também da pesquisa científica. Assim, o que estava em jogo não era só uma aritmética voltada para o cotidiano das pessoas, mas ela passou também a ser exigida nos exames de admissão para as

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universidades. Nesse sentido, a contagem e o ensino das regras e das operações deveriam ser orientados cientificamente. Para orientar ações nessa direção, fundou-se em 1892, a National Education Association (NEA) que tinha como finalidade o estudo da situação educacional e fazer indicação de recomendações. Assim, em 1893, os gestores dessa instituição a organizaram um comitê denominado “Committee of Ten” com o propósito inicial de reformar o currículo escolar. (TOMPKINS, 1957; SOUZA, 2016). Em 1893 o Committee of Ten apresentou o relatório que criticava a inclusão de tópicos obsoletos e apontava para a necessidade de uma abordagem diferenciada no ensino de aritmética elementar, como por exemplo, o uso de material concreto e o desenvolvimento da compreensão dos processos fundamentais da aritmética. Segundo Tompkins (1957), o comitê sugeria suprimir alguns conteúdos e incluir um maior número de exercícios focando cálculos simples e problemas concretos. Nesse sentido, podemos dizer que os membros do comitê foram unânimes em afirmar que a prática pedagógica, até então em vigor, precisava passar por mudanças radicais e recomendaram que o programa de aritmética fosse, ao mesmo tempo, resumido e enriquecido. Sob a coordenação de William Torrey Harris (1835-1909), que era naquela época Comissário da Educação nos EUA, esse comitê contou com um subcomitê dedicado exclusivamente às questões da educação elementar, principalmente no que dizia respeito à Formação de Professores e à organização das escolas, apontando para a importância do ensino da aritmética para o quotidiano das crianças, bem como sua a relevância para a continuidade em estudos futuros. (TOMPKINS, 1957) Notemos que a ênfase no ensino de aritmética recaía agora sobre o ensino dos números. A esse respeito, os estudos de Clason (1968) apontam que, por volta de 1880, as ideias numéricas eram expressas por definições gerais e princípios filosóficos. Isso porque a abstração e a intuição eram tidas como fundamentais para se conhecer o número. Nesse sentido, o ensino de aritmética privilegiava, como já mencionamos, um método dedutivo. Contudo, a partir da década de 1890, houve uma tendência que buscou reduzir o uso de definições e enfatizar aspectos menos formais, para se ensinar aritmética. Assim, os livros-textos deram mais ênfase nos objetos físicos, associando os números abstratos a esses objetos. Era comum encontrar nesses livros figuras de objetos concretos do cotidiano das crianças e objetos mais abstratos tais como pontos, bolinhas e outras figuras associadas aos números, bem como recorrendo ao uso de medidas, à medida que avançamos em direção ao início do século XX. Clason (1968) aponta que, por volta de 1880, as ideias numéricas eram expressas por definições gerais e princípios que pretendiam refletir o que era considerado um conceito

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de número. Desse modo, no que diz respeito à metodologia geral de ensino, a abstração e intuição eram tidas como fundamentais e a aproximação era dedutiva, incentivando um ensino a partir de uma base axiomática. Isso refletiu nos livros-textos publicados após 1895, que passaram a reduzir e até excluir figuras de objetos concretos e semi-concretos, como conjuntos de pontos pretos. Nos anos que se seguiram, entre 1897 e 1904, houve um aumento na preocupação com a mensuração, perceptível no uso das ideias de medida nas definições, o que parece estar associado às discussões de McLellan e Dewey sobre a ideia de número. (CLASON, 1968) Próximo ao fim do século XIX, três versões sobre a natureza do número ganharam destaque: 1) o número enquanto relação percebida diretamente; 2) o número baseado na contagem em sequência; 3) o número enquanto razão obtida por meio de mensurações. Podemos dizer que essas mudanças, encontradas nos livros-textos, são reflexos da ampliação do programa do ensino primário nos Estados Unidos da América a partir dos meados do século XIX. Porém cabe aqui destacar que não havia uma proposta clara que esclarecesse sobre o tratamento que deveria ser dado aos conteúdos aritméticos nas escolas elementares. Assim, embora recomendassem mudanças, não estava claro de que maneira as crianças poderiam ser preparadas para se dedicarem às atividades da vida, como por exemplo no comércio, na indústria, e/ ou para estudos posteriores. (OVERN, 1935)

Num contexto de grandes transformações sociais, políticas, econômicas e religiosas a

partir do século XVIII e com vistas a atender a essa nova demanda, houve a necessidade

de elaborar textos e livros que pudessem instruir professores e alunos do ensino primário, conduzindo a uma grande produção literária relacionada à instrução de Aritmética por autores norte-americanos e outros, ingleses.

Essas publicações refletiram as preocupações de ordem metodológica do ensino de

aritmética, bem como do conteúdo a ser abordado nas escolas elementares. Durante todo o

século XIX, os métodos dedutivos ou Rule Method (método de regra) e indutivos competiam pela popularidade nos clássicos americanos. (NCTM, 2003, p.85).

Podemos dizer que o ensino baseado no método dedutivo era muito comum até o início

do século XIX. Segundo este método, como observa Monroe (1917), seria função do professor

instruir basicamente os alunos a somar, usar as regras adequadas e transmitir a exatidão seu trabalho ao aluno. A obra intitulada The Scholar´s Arithmetic or Federal accountant,

publicada pela primeira vez por Daniel Adams em 1801, nos fornece um bom exemplo de aplicação deste método para o período. O autor começa na seção I: Regras Fundamentais da Aritmética. Estas são quatro, Adição, Subtração, Multiplicação e Divisão; elas podem ser simples ou compostas [...]. Elas são chamadas de Princípio ou Regras Fundamentais, porque todas as outras regras e operações na Aritmética não são mais do que vários usos dessas quatro regras. (ADAMS, 1801, p. 13, tradução nossa) Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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O autor também fornece a “prova”, ou a maneira de verificar o que foi calculado: Reconheça as figuras de cima para baixo, e se o trabalho estiver certo, este montante será igual ao primeiro - ou, o que é muitas vezes praticado, “cortar a linha superior de figuras e encontrar a quantidade do resto, então se o montante e linha superior quando adicionado, ser igual ao total da soma, o trabalho é considerado certo “. (ADAMS, 1801, p. 13, tradução nossa)

Adams (1801), além de fornecer o conteúdo e a abordagem pedagógica para o ensino de Aritmética, também forneceu conselhos acadêmicos: “O estudante ... não será desanimado por uma pequena dificuldade que, no início, pode ocorrer ao formular sua pergunta, mas se aplicará mais intimamente à sua regra” (ADAM´S, 1801, p. 14, tradução nossa). Depois de 1821, os alunos eram geralmente instruídos nas salas de aula em grupos, e conforme Monroe (1917, p. 49) “na prática a técnica de lidar com os alunos nas aulas tornou-se quase sinônimo de métodos de ensino”, isto porque surgira na América do Norte uma abordagem inteiramente nova, o raciocínio indutivo, tornando os livros baseados no método dedutivo obsoletos. Esta era uma época em que a Aritmética adquiria um lugar especial no conceito secularizado de educação, sendo Warren Colburn um dos primeiros e mais influentes defensores da ideia de instrução aritmética para todas as crianças. (AMERICAN JOURNAL OF EDUCATION, 1828, p.693, tradução nossa). A abordagem indutiva tendia a ser mais proeminente nos textos de aritmética mental e àqueles que recomendavam o uso de manipulativos, enquanto os livros de regras eram anunciados como sendo “práticos” ou “abrangentes”, ou seja, eles tendiam a cobrir uma ampla gama de tópicos e aplicações voltados a memorização em vez de enfatizar o processo de resolução de um problema. Stoddard (1852) deixou suas intenções claras a esse respeito no prefácio de seu texto: Não foi meu projeto preparar este trabalho para apresentar ao aluno teorias inúteis [análises], ou uma longa lista de curiosidades [tópicos não comerciais], mas estabelecer, de forma correta, concisa e clara, os Princípios Fundamentais da Ciência dos Números, empregado praticamente em todos os dias nas transações comerciais práticas da vida. (STODDARD, 1852, p. iii apud NCTM, 2003, p. 103-104, tradução nossa e itálico conforme o original)

Assim, enquanto os livros de regras estavam mais voltados às aplicações da Aritmética e da Álgebra ao negócio e à vida cotidiana, os textos de teor indutivo e analítico, embora não desinteressados na aplicabilidade dos conceitos ensinados, estavam mais preocupados com a compreensão dos processos do que com sua memorização. Alguns dos textos com abordagens indutivas e analíticas não apresentavam todas as regras (por exemplo, os textos de Colburn e White), preferindo pedir ao aluno que “pensasse dessa maneira”, em

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vez de “fazê-lo desta maneira”, como na abordagem dos livros de regras. (NCTM, 2003, p. 105, tradução nossa e aspas conforme o original) Uma reação contra o método indutivo e uma série de textos foram publicados na década de 1830, tornando-se clara a oposição ao método. Um destes textos, intitulado The Soutbern

and Western Calculator, foi publicado na Filadélfia em 1831. Nele encontra-se declarado que as regras eram necessárias e que não podia esperar dos alunos que eles próprios pudessem inventá-las. A esse respeito, Bridge (1831), um dos críticos do método indutivo daquela época, relatou que começaram a surgir diversas queixas que a má instrução aritmética estava promovendo, levando diversos estudantes a chegar aos escritórios de contabilidade com uma confusão caótica de ideias sobre números e nenhum conhecimento prático, (BRIDGE, 1831, p.3). Nessa mesma direção, outro texto de publicado em Hartford, Connecticut, em 1836, declarou ser um grave erro pensar que uma criança pequena poderia entrar em “um processo de investigação filosófica” para aprender Aritmética (ONLEY, 1836, p iii). Todas essas críticas ao método indutivo convergiam para observação feita por Charles Davies, em

The Common School Arithmetic de 1833, de que os pais que quisessem ensinar Aritmética a seus filhos, “o bom caminho seria à moda antiga” (AMERICAN ANNALS OF EDUCATION, 1834, p. 148 apud NCTM, 2003, p. 90). Assim, cinco anos depois, uma revista expressou crescente dúvida sobre o método indutivo: Alguns anos atrás, esse método estava ganhando grande força, e foram feitas diversas tentativas de estendê-lo a uma grande variedade de ramos de instrução. Mas imaginamos que seus amigos, ao formar essa opinião favorável, consideravam mais a sua beleza científica intrínseca do que sua real adaptação aos propósitos da instrução. Há agora uma tendência evidente para um retorno ao modo antigo, em que o grande sistema é reconstruído em diversas partes, ensinadas em detalhes, - são tomadas as direções sobre a confiança, - a memória é empregada para corrigi-los. A prática é recorrida, para o que são familiares, - e finalmente o sistema como um todo é tratado e compreendido no final pela combinação de elementos e em partes comunicados lentamente e dogmaticamente. (AMERICAN ANNALS OF EDUCATION, 1839, p. 265 apud NCTM, 2003, p. 90, tradução nossa).

Entretanto, essas críticas não intimidaram os defensores do método indutivo. De acordo com a NCTM (2003), foi publicado em 1843, no Southern Literacy Messenger, uma nota elogiando a habilidosa capacidade de ensinar os princípios fundamentais da indução, seguida de demonstração e repetição, compartilhando críticas a Warrem Colburn em 1844 que a vinculava “a uma calculadora rápida, juvenil e nacional acrescentando uma ideia de que a aritmética indutiva era simplesmente muito difícil para as crianças ‘comuns’ aprenderem. ” (SOUTHERN LITERARY MESSENGER,1844 p. 390-91; APPLETON´s CYCLOPEDIA, 1888

apud COHEN, 2003, p. 63, tradução nossa).

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Diferentemente do que pensavam os defensores do método dedutivo, os proponentes dos métodos indutivo e analítico acreditavam firmemente que as crianças poderiam entender o que estava calculando, e não apenas fazer contas aritméticas. (BIDWELL e CLASON, 1970) Embora o método de regras do século XVIII continuasse a ter seus seguidores durante todo o século XIX (e até mesmo no vinte), as abordagens indutiva e analítica de Colburn eram muito populares entre os professores e encontrou amplo uso em suas salas de aula. Usando estes métodos, os professores do século XIX promoveram o que, no final do século XX, foi chamado de matemática mental, raciocínio lógico e sentido numérico. (NCTM, 2003, p.106) Lewis (1851) pondera que, nesta época, os mestres eram extremamente autoritários, tinham como função ensinar e explicar as verdades conhecidas aos estudantes, que as recebiam primeiro pela fé e depois por claras demonstrações de sua validade. De acordo com o autor, havia “pouco ou nada para segurar na memória, seja nos passos ou na conclusão, e ambos são rapidamente obscurecidos, se não totalmente perdidos”. (LEWIS, 1851, p. 270-273, tradução nossa). Outra crítica do autor ao método indutivo tem relação com a perda da autoridade do professor, já que tal método de ensino tende a dar ideia de que “a Matemática está lá fora para ser descoberta por cada aluno”, sugerindo falsamente a ideia de que nenhuma mente foi capaz de descobri-la antes. O aluno é encorajado a acreditar que ele é um “descobridor”: Todas as coisas devem ser tomadas como ainda desconhecidas. É mérito de um aluno que pensa assim. Todos os seus estudos devem seguir tal suposição de independência imaginada. Outras mentes não descobriram nada – pelo menos nada para ele ... Ele cresce com essa presunção miserável de pensar por si mesmo, e desprezar toda autoridade. (LEWIS, 1851, p. 274, tradução nossa).

Na citação acima Lewis (1851) menciona que desprezar a autoridade seria o caos, porque os jovens tenderiam a desprezar aqueles que são mais sábios e os mais avançados em idade, que de acordo com o autor eram aqueles que tinham mais experiência e sabedoria. Lewis (1851) também tecia sua crítica aos alunos que não sabiam expressar suas ideias numa linguagem certa e adequada, observando que: “Não é tão claro que esse direito ilimitado de incentivar os alunos a pensar por si mesmos e a expressar suas ideias em sua própria língua, algo melhor do que isso é ensiná-los a pensar direito e ensiná-los a expressar suas ideias numa linguagem certa e adequada “ (LEWIS, 1851, p. 278-279, tradução nossa). A partir da década de 1850, de acordo com a NCTM (2003), as atenções se voltaram para a instrução sintética. Um autor de livro-texto, James B. Dodd, comparou seu novo livro com outros que empregavam o método indutivo, concluindo que a “Aritmética era por

natureza uma ciência dedutiva, em que axiomas e definições vieram em primeiro lugar”

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(DODD, 1859, p.4). O autor ainda menciona que o modelo indutivo era profundamente confuso para os alunos. Após diversas críticas que a aritmética ensinada nas escolas não atendia às demandas da sociedade da época, diversos autores, fizeram uma combinação entre o método dedutivo e o indutivo, para satisfazer tanto os comitês escolares quanto os pais. Utilizamos este verbo “satisfazer” devido aos comitês escolares e os pais ainda não estarem certos de que a memorização de regras realmente facilitaria o aprendizado, o que para alguns se tornaria um tanto antiquada e deveria ser descartada. (MOORE, 1917). Em relação a este “satisfazer” e “facilitar o aprendizado”, Daniel Adams fez uma revisão de alguns tópicos de sua obra The

Scholar´s Arithmetic or Federal accountant, após a década de 1840, como a regra de três, no qual foram utilizadas novas palavras para solucionar os problemas propostos, como por exemplo, “antecedente”, “consequente”, para identificar os termos e esclareceu que tais problemas eram sobre proporções. De acordo com Moore (1917) na década de 1848, Adam´s New Arithmetic era um livro de destaque no qual o autor (Daniel Adams) enfatiza os dois métodos em discussão naquela época, o método dedutivo e o indutivo. Apesar de defender o método indutivo o autor declarava que o método sintético ou dedutivo era o melhor para a revisão deste conhecimento, observando que ambos os métodos eram úteis, conforme trecho do prefácio abaixo. Existem dois métodos de ensino: o sintético e o analítico. No método sintético, é primeiro apresentada ao aluno uma visão geral da ciência que está estudando, e depois os detalhes dos quais ele é constituído. O método analítico inverte esta ordem: são primeiro apresentados ao aluno os detalhes, nos quais ele é conduzido por certas etapas naturais e fáceis, para chegar nas conclusões mais genéricas e abrangentes. A Scholar´s Arithmetic publicada em 1801 é sintética. Se isso é uma falha de trabalho, é uma falha que só o tempo pode nos mostrar. O método de ensino analítico ou indutivo, como agora é aplicado à instrução elementar, está entre as melhorias realizadas durantes anos. Sua introdução é atribuída a Pestalozzi, um renomado professor da Suíça. Foi aplicada à Aritmética, com grande ingenuidade, pelo Mr. Colburn em nosso próprio país. A analítica é com certeza o melhor método de adquirir conhecimento; o sintético é o melhor método de recapitulação ou revisão. É um acordo concebido para a educação escolar, pois ambos os métodos são úteis. [...] mesmo devido aos seus inúmeros trabalhos com outras coisas, a grande demanda para o Scholar´s Arithmetic, adquirida por longos anos, não me permitiu declinar o trabalho de uma revisão, que deve ser adaptada às visões mais atuais de ensinar esta ciência em nossas escolas. Ao fazer isso, foi necessário ir até Nova York. (ADAMS 1849, trecho do prefácio, tradução nossa, grifo nosso).

A preocupação do autor é fazer com que o aluno veja de forma clara o uso imediato de seu aprendizado por meio de uma aplicação, que está articulada por meio de questões e exercícios. O autor indica que o ensino de Aritmética deve ser intuitivo, prático, raciocinado e gradual. É enfático ao defender também as regras e definições. Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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Embora diversas críticas ao método indutivo, Cohen (2003) ressalta que este método trouxe uma grande transformação para a instrução aritmética, promovendo diversas publicações de obras sobre o ensino de aritmética, cada uma tentando resolver os problemas das aproximações baseadas na memória, seguindo de perto aquela tendência de ensinar aritmética comercial típica do século XVIII. As contribuições de Colburn trouxeram insatisfação com os métodos de ensino que eram adotados há décadas e os professores ficaram surpresos que as crianças poderiam aprender a base aritmética mesmo antes que pudessem ler e escrever. De acordo com o autor, “a vasta difusão das habilidades numéricas

das décadas de 1820 até 1900 deveu muito à influência de Colburn”. (COHEN, 2003, apud NCTM, 2003, p. 63, tradução nossa).

CONCLUSÃO É importante ressaltar que a partir da metade do século XIX, houve grande reflexões didáticas e filosóficas sobre os fundamentos das matemáticas. Os livros-textos aritméticos desta época tornaram-se o campo de discussões. Por um lado, encontramos diversas concepções sobre os fundamentos da Aritmética, e por outro, os debates sobre a natureza do conhecimento. Neste estudo, percebemos que os métodos e os finalidades de ensino da aritmética elementar no século XIX oscilaram entre dois extremos a fim de atender as demandas que visavam não só a modernização do país em decorrência de diferentes interesses políticos, ideológicos, religiosos, sociais, econômicos e culturais, mas também científicas. Os livros-textos para a escola primária a partir do século XIX visavam preparar as crianças para as atividades seculares da vida estadunidense e para o conhecimento científico. Essas publicações refletiram as preocupações de ordem metodológica do ensino de aritmética, ou seja, debates em relação ao método de ensino: dedutivo, conhecido também naquela época como “método da regra” (rule method) - que consiste em ensinar as regras teóricas para depois fazer a aplicação e o indutivo - que consiste em partir de exemplos para deles chegar às regras. Verificamos que os relatórios periódicos de livros didáticos publicados pelo

Connecticut Common School Journal e divulgado pela NCTM (2003) relatam que embora o método indutivo fosse o mais utilizado em suas 555 escolas, 296 escolas adotavam o método indutivo, 166 dedutivo, 55 escolas a combinação dos dois métodos e outras 55 escolas texto de Botham, que não fora localizado, o que nos leva a cogitar que não havia unanimidade nas escolas de qual método era o mais adequado para o ensino de aritmética. Ressaltamos que a combinação dos dois métodos, dedutivo e indutivo, foi amplamente divulgada pela obra intitulada Adam´s New Arithmetic, por Daniel Adams em 1848 que tinha um dos princípios a preocupação com o aprendizado efetivo com vínculo a aplicação.

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Sabemos que não esgotamos o assunto e que muitas discussões podem ser suscitadas por meio de questões que ainda não foram contemplados neste trabalho. No entanto, estes primeiros apontamentos são importantes por possibilitar o contorno inicial da pesquisa em desenvolvimento e que nos trará elementos importantes, como por exemplo uma reflexão sobre a finalidade do ensino que está em debate até os dias de hoje.

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145 Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2


11 Learning chemistry requires much sweat: deodorants and antiperspirants as a curious and contextualized teaching proposal

Mayker Lazaro Dantas Miranda IFTM - UDICENTRO

Gustavo Henrique Roberto Ferreira IFTM - UDICENTRO

10.37885/211106748


ABSTRACT

Quality Chemistry teaching enables citizens to gather knowledge that may be used for the common good and to raise society’s awareness of the impact of its actions on the environment by developing methods and theories to investigate the world in the search for improvement. Chemistry has not been well understood by most high school students because it has been taught as an abstract issue, far from reality, unusable, something that must be learned by rote. Therefore, this study aimed at proposing a theme that is part of students’ everyday lives to attract them to better understand chemical concepts. Based on this assumption, the theme “DEODORANTS AND ANTIPERSPIRANTS” enabled personal hygiene to be integrated into the contextualization of Chemistry teaching. Deodorants are highly consumed products due to their efficiency and practicality. However, they carry aluminum (Al) in their composition. Some studies have shown that this chemical element may cause certain diseases, such as dermatitis, Alzheimer’s and even breast cancer. Students that attend the Instituto Federal do Triângulo Mineiro - Campus Uberlândia Centro (IFTM – UDICENTRO), in Uberlândia, Minas Gerais (MG) state, Brazil, are expected to develop awareness of the use of this personal hygiene product and to look at them critically. Students should learn to observe labels of different brands to find out whether they mention that they are aluminum-free or have it at certain concentrations.

Keywords: Aluminum, Personal Hygiene, Chemistry Teaching, IFTM - UDICENTRO, High School.

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INTRODUCTION Even though deodorization, or masking of unpleasant body odors, has been reported for a long time, control of armpit sweat has only been a self-care practice in the last 100 years. The first optimization of this kind of product was the release of buffered aluminum hydrochloride, with basic pH, in 1945 (ABIHPEC, 2018). Advances that increased product efficacy were made in the 60’s and in the 70’s when powdered aluminum hydrochloride (very fine particles), aluminum chloride and zirconium chloride were developed (ABIHPEC, 2018). The Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosmético (ABIHPEC) has stated that Brazil ranks 4th among the largest cosmetic consumers worldwide. Regarding the category of antiperspirant products, Brazil ranks 2nd in the world’s consumers of antiperspirant deodorants, perfume and products for men (ABIHPEC, 2018). Considering the importance and consumption of this category of cosmetic products, this chapter results from a teaching project which aimed at understanding how consumers use deodorants and antiperspirants in their everyday lives, what their doubts are, how they choose them, besides introducing some curiosities and/or discomfort related to the products. The teaching project was developed at the Instituto Federal do Triângulo Mineiro Campus Uberlândia Centro (IFTM - UNICENTRO), in Uberlândia, Minas Gerais (MG) state, Brazil. It comprised not only a theoretical study but also a survey of products whose labels mention that they “contain aluminum or some of its derivatives” or are “aluminum-free” in some supermarkets and drugstores. In addition, all 2021 freshmen (4 groups) from the institute took part in a chatting circle to discuss the theme, the periodic table and, mainly, the chemical element aluminum (Al). Students did not even know the difference between deodorant products and antiperspirant ones, let alone the damage caused by aluminum and its derivatives. It was clear that, even though students have used these hygiene products daily, they did not know their chemical composition. An issue brought up by students was related to allergy cases, besides some curiosities. Several brands of deodorants and antiperspirants were collected in the survey. They enabled students to look carefully at this category of cosmetics which is commonly used by Brazilians. It should be highlighted that discoveries of new active ingredients with antibacterial activity – to reduce odors – and other active compounds – to mitigate sweating efficiently – are fundamental to improve efficacy of this category of products. This issue was introduced and contextualized when students were learning the periodic table, in the attempt to make them learn more about applications of aluminum (Figure 1).

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Figure 1. Illustration of the symbol of the chemical element aluminum.

What is the difference between deodorant and antiperspirant? Antiperspirants have been defined as products that aim at mitigating excessive sweat secretion. They are topically applied to certain parts of the body to avoid unpleasant effects of sweating and have derivatives of aluminum in their composition as the active ingredient. Active ingredients of antiperspirants are believed to be carried to glands, interact with proteins in the glands and produce a gelatin buffer of proteins to prevent sweat from reaching the surface (Souza et al., 2014). Deodorants have been defined as topic products that aim at mitigating unpleasant odors, either by inhibiting bacterial growth or by masking odorous compounds (Souza et al., 2014). The Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), in the Decree no. 79,094 issued on January 5th, 1977, determines that antiperspirants are products that aim at either inhibiting or mitigating transpiration; they may be colorful and/or perfumed, displayed in appropriate forms and vehicles and associated with deodorants. Resolution no. 79/00 considers that, in the Product Risk Classification, antiperspirants are level 2, which may have to be registered and comply with legal rules. Several antiperspirants also play the role of deodorants, even though the latter do not act as antiperspirants (Souza et al., 2014).

METHODOLOGICAL DEVELOPMENT As mentioned before, this chapter results from a teaching project which was developed by means of a literature review to promote a chatting circle with high school students to raise their awareness of the theme “ANTIPERSPIRANTS AND DEODORANTS”, including several items, such as their composition, benefits, risks and curiosities. The topic was introduced and

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contextualized when the periodic table was taught to the students – in the first semester in 2021 – who could dive into the discussion whose focus was the chemical element aluminum.

RESULTS AND DISCUSSION Aluminum (Al) is considered a common metal and the third most abundant chemical element on the Earth’s crust. Aluminum is released in the environment by natural processes of soil erosion, volcanic eruptions and anthropogenic activities, which constantly expose human beings to it, as powder or dispersed particles. In the biological system, aluminum is only found in a trace amount. It does not have any dietary value in relation to normal biological and metabolic processes even though most aluminum is extracted from food. Estimates show that the human body has 35 mg aluminum, on average, and that 50% are in lungs and 50% in bones (Nascimento et al., 2004). Aluminum salts used in antiperspirants, which are absorbed by the skin and excreted in the urine, can have cumulative effect when they are used for a long time. High concentration of these compounds was found in sample tissues of breast cancer and even in adjacent healthy tissues. Another disease that may be related to exposure to aluminum is Alzheimer’s, which is a neurodegenerative disorder that predominates in the senile population and leads to progressive loss of memory and other cognitive skills (Nascimento et al., 2004). Considering the importance of contextualization to Chemistry teaching, which has already been described by the literature (Wartha et al., 2013), Gustavo Ferreira, a freshman in the technical course in Digital Game Development at the IFTM - UDICENTRO searched for some brands of deodorants and/or antiperspirants sold in supermarkets and drugstores in Uberlândia, MG. Images made by the student are shown in Figure 2. They were used as examples of products whose labels mention “aluminum-free”.

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Figure 2. Different products whose labels mention either “aluminum-free” or “0% aluminum”

In short, students perceived that labels are ignored by most consumers who just check expiration dates, at the most. Therefore, the conclusion is that consumers’ habit of reading labels carefully when they buy products can influence their choices for safer and healthier products (Souza et al., 2020).

CONCLUSION Based on the previous discussion, it is very important to highlight that consumers must choose deodorants and antiperspirants carefully so as to consider their chemical composition since the toxic potential of aluminum has already been widely known. The literature review suggests that, in the long run, products whose composition includes aluminum may pose risks to human health. Above all, the main issue of this chapter was to show how the theme “DEODORANTS AND ANTIPERSPIRANTS” can enrich Chemistry classes in High School. In sum, the contextualization carried out by this study enabled this theme to be taught while students learned about the periodic table and focused on applications of the chemical element aluminum.

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12 Educação inclusiva: algumas considerações sobre pleonasmo, diferenças conceituais e suas consequências

Silvana Matos Uhmann

10.37885/211106656


RESUMO

A Educação é um direito fundamental de todas as pessoas, mas nem sempre se apresenta da forma que é disposta em muitos documentos legais (BRASIL, 1988, 1990, 1996, 2001, 2008, 2009, 2015; UNESCO, 1990, 1994). A Educação para todos em muitas pesquisas e realidades demonstra limites e dificuldades de efetivação, concedendo espaço para a necessidade de reflexões sobre a Educação Inclusiva. Se num primeiro momento estamos diante de um contexto legal que apresenta o direito à Educação para todos os alunos, num segundo momento percebemos a necessidade da implementação conceitual do que se entende por Educação Inclusiva – teoricamente difundida nos espaços escolares numa tentativa de minimizar situações de exclusão e preconceito ainda vivenciadas por muitos alunos. Contudo, seguindo esta lógica, apresenta-se a problemática deste estudo: a Educação – ancorada em aspectos legais – por si só já não abarca (ou deveria abarcar) os ideais da Educação Inclusiva? Para refletir sobre esta questão, estas escritas partem da perspectiva qualitativa de Lüdke e André (2013), bem como da abordagem Bibliográfica (GIL, 2007) ao buscar a partir de recursos teóricos de diferentes autores e legislações, estabelecer problematizações possíveis sobre a Educação que se denomina ser para todos. Com isso, objetivou-se problematizar a relação do que se considera “Educação” e “Educação Inclusiva”, refletindo a carência da primeira que, necessariamente, possibilitou a segunda. Como resultados, é possível reconhecer a Educação inclusiva como uma alternativa à Educação que demonstrou/demonstra dificuldades em ser para todos, relacionando-a e compreendendo-a como um Pleonasmo Educacional. E, nesse contexto, a existência de diferenças conceituais que muitas vezes são pouco compreendidas e também demonstram pouca potencialidade de modificar a realidade escolar, contudo, tendem a produzir uma sensação contrária – a de que se está conseguindo responder ao “problema” da Educação para todos.

Palavras-chave: Políticas Educacionais, Exclusão, Inclusão.

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INTRODUÇÃO – TRAZENDO À TONA UMA PROBLEMÁTICA O sistema educacional é um dos mais importantes meios para o desenvolvimento/ emancipação dos sujeitos, sendo cada vez mais campo de pesquisas, as quais buscam, entre outros aspectos, problematizar políticas educacionais. Sobre estas, é possível destacar disposições legais a partir dos anos 1990 – nacionais e internacionais1 – que expressam interesse em uma Educação2 de qualidade para todos os estudantes. A nível nacional, ainda em 1988, a Constituição Brasileira expressa o direito à Educação em seu artigo 205: “A Educação, direito de todos e dever do Estado e da família”. Também em seu artigo 206, inciso I, estabelece a “igualdade de condições de acesso e permanência na escola”, como um dos princípios para o ensino e garante como dever do Estado, a oferta do atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino (BRASIL, 1988) à alunos que o necessitarem. Em 1990, a Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) destaca no capítulo IV, artigo 53, o direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer: “[...] a criança e o adolescente têm direito à Educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho assegurando-lhes igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola”. (BRASIL, 1990, p. 22). Os debates e os eventos internacionais, como a Declaração Mundial de Educação para Todos (1990), foram responsáveis por impulsionar a compreensão da necessidade de ressignificação da Educação – pois, “em termos gerais, a Educação que hoje é ministrada apresenta graves deficiências, que se faz necessário torná-la mais relevante e melhorar sua qualidade, e que ela deve estar universalmente disponível” (UNESCO, 1990, p. 2). Glat (2007) explica que foi nesse período que o conceito Educação Inclusiva3 entra no cenário das políticas educacionais, especialmente destacando a área da Educação Especial4, mas não necessitando estar limitado a esse setor. A Declaração Mundial de Educação para Todos propõe através de seus dez artigos, os compromissos a respeito de: Satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem; Expandir o enfoque; Universalizar o acesso à Educação e promover a equidade; Concentrar a atenção na aprendizagem; Ampliar os meios

1 2

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A exemplo: Brasil (1988, 1990, 1996, 2001, 2008, 2009, 2015) e Unesco (1990, 1994). Adotou-se Educação com “e” maiúsculo no objetivo de a conceder ênfase, entendendo-a de extrema importância, a ser definida por

Vianna (2008, p. 130): a “Educação, em sentido amplo, representa tudo aquilo que pode ser feito para desenvolver o ser humano e, no sentido estrito, representa a instrução e o desenvolvimento de competências e habilidades”. Preocupações voltadas com a escolarização de todos os alunos, desconsiderando e negando a permanência de experiências excludentes, buscando promover entendimentos e práticas de aceitação à diferença (CARVALHO, 2008). “(...) área do conhecimento/modalidade de ensino responsável por acompanhar e organizar estratégias especificais para a aprendizagem e desenvolvimento de alunos com deficiência, Transtorno do Espectro Autista e Altas Habilidades e/ou (BRASIL, 2008, p. 7). Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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e o raio da Educação Básica; Propiciar um ambiente adequado à aprendizagem; Fortalecer as alianças (BRASIL, 1990). A Declaração de Salamanca de 1994, expressa alguns marcos legais que, de uma forma evolutiva nos períodos em que foram promulgadas, procuram reforçar direitos a todos os alunos aos espaços escolares. Ainda, pensando nos acordos internacionais que visam fortalecer o movimento de uma Educação para todos, a Declaração de Salamanca (1994), que é decorrente da Declaração Mundial de Educação para Todos (1990), determinou a construção e a sistematização por parte das escolas de um sistema educacional voltado a

todos os sujeitos. No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996), em seu artigo 4º, refere-se ao “dever do Estado com a Educação escolar pública”, explicitado mediante uma série de disposições. Há o destaque para o direito à Educação [de qualidade] a todos – a nível de acesso e permanência. Como estes exemplos, outros também poderiam ser destacados para reforçar a condição de Educação que se quis/quer implementar. Contudo, estas disposições estão se efetivando na prática? Apesar de a legislação estabelecer mecanismos de inclusão, muitos pesquisadores da área educacional (PERLIN, 2007; QUADROS, 2014; SKLIAR, 2006) reforçam que o que se tem alcançado a nível de condições de Educação é o mínimo em relação ao necessário. Por exemplo, de acordo com Tavares e Carvalho (2010, p. 3-4), “percebe-se que em nosso país, entre os documentos que compõem o conjunto de leis denominado Políticas Públicas e sua implementação, há um grande fosso”. As mesmas autoras trazem o exemplo: Com as políticas públicas educacionais na área de Educação de surdos, não é diferente. Há lei para acessibilidade que garante intérprete de Língua de Sinais/Língua Portuguesa durante as aulas, flexibilidade na correção das provas escritas, materiais de informação aos professores sobre as especificidades do aluno surdo etc. Mas, na prática, o que se percebe, é o aluno surdo mais excluído do que incluído nas salas de aula regulares, enfrentando dificuldades, que, muitas vezes os seus familiares é que tentam minimizar, buscando soluções nem sempre eficientes para ajudá-los. Por outro lado, professores, em sua maioria, sem conhecimento mínimo da Libras e, algumas vezes, subsumidos por uma carga horária de trabalho exaustiva, não têm tempo para buscar uma formação continuada na área (idem).

A problemática acima, segundo autores como Perlin (2007), Quadros (2003) e Skliar (2006), parece ser realidade em muitas escolas, conferindo à escolarização um status de acesso, mas nem sempre de permanência, sobretudo com qualidade. Nesse contexto, alguns alunos são “aceitos” na escola, mas não possuem condições para permanecer, tendo em vista sua singularidade; ou, ainda, necessitam adaptar-se à realidade e, muitas vezes,

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em nível de integração, modificar características de sua singularidade para permanecer no processo de escolarização que lhe é oportunizado. Assim, é necessário problematizar a Educação, uma vez que diversas disposições legais a apresentam como sendo para todos e inverso às ideias de exclusão e segregação. Se num primeiro momento estamos diante de um contexto legal que apresente a Educação para todos os sujeitos, num segundo momento percebemos e devemos considerar realidades educacionais com dificuldade de efetivação de tal proposta (SANTOS, 2013). Como resposta, é possível perceber a implementação conceitual do que se entende por Educação Inclusiva, teoricamente difundida nos espaços escolares numa tentativa de minimizar situações de exclusão e preconceito ainda vivenciadas por muitos alunos. A Educação Inclusiva tem como “pano de fundo” discursos “sedutores” de Educação pela não discriminação, reforçando a importância da aceitação das singularidades humanas, suas capacidades, condições e especificidades diferentes dentro dos espaços escolares. É um processo que objetiva o pertencimento de todos os alunos no sentido amplo, sendo muitas vezes considerada a “salvação” para a Educação que já está sendo disponibilizada. Contudo, seguindo esta lógica, deparo-me com a problemática deste estudo: a Educação – ancorada em aspectos legais – por si só já não abarca (ou deveria abarcar) os ideais da Educação Inclusiva? Para refletir sobre esta questão, estas escritas partem da perspectiva qualitativa de Lüdke e André (2013), que, segundo as autoras, é a opção metodológica que trata o objeto de estudo de forma significativa, atentando para todos os aspectos que dele fazem parte. Essa escolha é necessária à medida que aqui se objetiva problematizar a relação do que se considera “Educação” com a “Educação Inclusiva”, refletindo a carência da primeira que, necessariamente, possibilitou a segunda. Para tanto, utilizou-se da perspectiva bibliográfica que, segundo Gil (2007), “é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos” (p.64), em que abrange em sua maioria “toda a bibliografia já tornada pública em relação ao termo de estudo” (MARKONI & LAKATOS 1996, p. 66) – permitindo a organização e desenvolvimento de novas reflexões sobre o tema. O ‘Pleonasmo educacional’ A Educação, aqui compreendida como processo de ensinar e aprender pode ser considerada responsável pela manutenção e recriação da cultura e da emancipação dos sujeitos. Pela importância que tem, é campo de uma série de leis e pesquisas que visam concretizá-la com qualidade – pois é entendida (amparada por documentos legais) como direito de todos. Entretanto, é necessário problematizar qual “Educação” é destinada a “todos” os alunos – levando em consideração o respeito às suas características, aptidões, comprometimentos, tempos, singularidades. Ou seja, mesmo em meio a legalidade, autores como Carvalho Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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(2008, 2004) e Facion (2008) destacam diferentes dificuldades que a Educação parece ter, em ser para todos. É inegável que os dispositivos legais desempenham, papel importante para a efetivação do direito à escolarização dos alunos. Todavia, como evidencia Glat (2007, p. 199), isso é insuficiente, pois é aceitável a compreensão de que criamos leis para tornar possível o acesso dos estudantes, mas “não podemos criar leis que obriguem as pessoas a gostarem e aceitarem” a todos. Assim, “embora a elaboração de determinada política educacional seja considerada como condição necessária para ‘fazer acontecer’ [e por isso se configura como um avanço], não é condição suficiente” (GLAT, 2007, p. 24). Não sendo suficiente, ao que parece, a Educação foi organizando-se para “receber a maioria” e naturalizar discursos como “não estamos preparados para receber alguns alunos”; “temos dificuldade de incluir alguns alunos”; “não temos formação para atuar pedagogicamente com alguns alunos”. Esses “alguns alunos” são aqui especialmente caracterizados pelo público da Educação Especial – pessoas com deficiência (física, intelectual, visual, auditiva e/ou múltipla), pessoas com Transtorno do Espectro Autista e pessoas com Altas habilidades e/ou superdotação – mas poderiam caracterizar tantos outros sujeitos também por muitas vezes conduzidos às margens educacionais. As dificuldades em sua implementação exigem que a Educação busque se modificar, sendo importante refletir sobre suas fragilidades que possibilitam a Educação Inclusiva ganhar espaço. Ou seja, quando a igualdade de acesso e permanência com qualidade aos espaços escolares não consegue ser oportunizada no contexto educacional (UHMANN, 2018), mostra-se necessária a busca por alternativas, tais como a Educação Inclusiva. A Política de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) reafirma que a Educação não tem conseguido ser para todos o que só consegue ser assegurado mediante um “sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida” (BRASIL, 2008, p.12). São movimentados recursos e pensadas maneiras de incluir quem já deveria estar incluído; São movimentados estratégias para ensinar aquele que poderia, mas ainda não está demonstrando aprender; São movimentados recursos e pensadas metodologias para tornar acessível o que não estava, (re)criar situações e propostas educacionais. Surgem “formações docentes inclusivas”, “escolas inclusivas”, exemplos de “atividades inclusivas”, “alunos inclusivos”. Trata-se do conceito de Educação Inclusiva podendo ser considerado igualmente como: “subir para cima” ou “adiar para depois”, visto que “a Educação, por si só, deve ter esse mesmo papel” (UHMANN, 2013): inclusiva. Isso porque “Pleonasmo” tem o significado de repetição de uma ideia na mesma frase (exemplo: descer para baixo, hemorragia de sangue,

158 Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2


vi com os meus olhos). É a figura de linguagem “Pleonasmo” demonstrando muita semelhança com as experiências escolares possibilitadas pela Educação. Desta forma, ao retornar para a problemática responsável por essas escritas: “a Educação – ancorada em aspectos legais – por si só já não abarca (ou deveria abarcar) os ideais da Educação Inclusiva?” é possível confrontar e refletir o sistema educacional seguido de limites e barreiras: como se a Educação não incluísse a todos, mas a Educação Inclusiva assim o buscasse. Estamos diante de diferenças conceituais que definem a Educação/Educação Inclusiva, bem como os entendimentos e práticas destinadas aos sujeitos. Diferenças conceituais e as consequências para a Educação/Educação Inclusiva O conceito de inclusão vem sendo vastamente mal compreendido segundo a interpretação do senso comum. Esta crítica diz respeito ao fato de o mesmo ser “aplicado” muitas vezes apenas à área educacional ou apenas aos alunos público-alvo da Educação Especial, sendo frequente a manifestação de expressões equivocadas como: “aluno de inclusão”, “sala de inclusão”, “turma e/ou escola inclusiva”. Seguindo essas ideias, a primeira problematização que se mostra importante diz respeito à compreensão de que inclusão é um ideal de busca por igualdade e equidade que se estabelece (ou deve estabelecer-se) nos mais variados espaços físicos e sociais – inclusão no trabalho, na família, na sociedade, no esporte, lazer, educação, entre outros e, envolvendo todos os sujeitos (CARVALHO, 2008). Essa compreensão alarga potencialidades de discussões e ações, uma vez que reconhecem como parte diferentes instancias e sujeitos – ou seja, as discussões de inclusão não podem ser restritas ao contexto educacional, muitas vezes acreditando que o meio educacional irá modificar outros contextos; pelo contrário, outros contextos precisam participar dessas discussões a fim de contribuir com esse processo que é tão importante: Em contextos inclusivos, as pessoas têm suas características singulares reconhecidas e valorizadas, sendo este fato responsável por possibilitar participações mais efetivas desde seu nascimento e em todos os espaços e relações estabelecidas. Particularmente ao contexto educacional, os ideais inclusivos preocupam-se com relações de empatia, sensibilização e colaboração (SANTOS, 2013) para que todos os alunos possam ter acesso aos conhecimentos escolares e participem com significado das vivências acadêmicas. Trata-se de: (...) um paradigma educacional fundamentado na concepção de direitos humanos, que conjuga igualdade e diferença como valores indissociáveis, e que avança em relação à ideia de equidade formal ao contextualizar as circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro e fora da escola (BRASIL, 2008, p. 1). Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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Assim, o contexto escolar acolhe a perspectiva da inclusão e concede a ela a possibilidade de atuar frente à singularidade de seus alunos. Entretanto, aqui há uma segunda problematização que se faz necessária: quais são na escola os alunos foco da Educação Inclusiva? A resposta é: todos. Em concomitância com essas ideias, Carvalho (2004) reforça que a Educação Inclusiva pode ser definida como a prática da inclusão de todos, independentemente de seu talento, deficiência, origem socioeconômica ou cultural. Quer dizer, se estende à negros, brancos, gêneros diferentes, povos indígenas, homossexuais, heterossexuais, quilombolas, surdos, ouvintes, pessoas com deficiência e toda a diferença constitutiva do espaço escolar. A Educação Inclusiva vem, então, contribuir com o acesso e permanência de todos os alunos nos espaços escolares, propondo: [...] uma reestruturação do sistema educacional, ou seja, uma mudança estrutural no ensino regular, cujo objetivo é fazer com que a escola se torne inclusiva, um espaço democrático e competente para trabalhar com todos os educandos, sem distinção de raça, classe, gênero ou características pessoais, baseando-se no princípio de que a diversidade deve não só ser aceita como desejada (BRASIL, 2001, p. 40).

Contudo, ao que se percebe, a Educação – que já é e precisa ser considerada para

todos – não estava conseguindo “dar conta” dessa totalidade e então, a Educação Inclusiva através de concepções do reforço ao respeito à diferença e igualdade de oportunidade,

vem como uma alternativa conceitual para promovê-la. Pode-se entender que as ideias de

Educação Inclusiva vêm, inclusive, para romper com a Educação que mais mostrou-se homogeneizadora e tradicional do que voltada as singularidades. Nisso, há a terceira problematiza-

ção importante que vem ao encontro da Educação Inclusiva na escola e, consequentemente, do que estas escritas consideram como “Pleonasmo Educacional” estabelecido: a Educação

Inclusiva não deve ser confundida com a Educação Especial (que é a materialização do olhar sobre as especificidades dos alunos), embora a contemple (LIMA, 2006): Isso porque: [...] a Educação Especial é uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades, realiza o Atendimento Educacional Especializado, disponibiliza os recursos e serviços e orienta quanto a sua utilização no processo de ensino e aprendizagem nas turmas comuns do ensino regular (BRASIL, 2008, p. 7).

Participam dessa modalidade os alunos público-alvo da Educação Especial sendo oferecida, preferencialmente, na rede regular (BRASIL, 2008). Como exemplo: o Atendimento Educacional Especializado5 “disponibiliza programas de enriquecimento curricular, o ensino

5

“O atendimento educacional especializado identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando as suas necessidades específicas” (BRASIL, 2008, p.15). Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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de linguagens e códigos específicos de comunicação e sinalização, ajudas técnicas e tecnologia assistiva, dentre outros” (BRASIL, 2008, p.15), a ser realizado no contraturno do ensino regular e sem substituir os conteúdos da educação regular, mas complementares para os alunos com deficiência e Transtorno do Espectro Autista ou suplementares para os alunos com Altas Habilidades ou Superdotação (BRASIL, 2013). Tais problematizações são importantes à medida que possibilitam diminuir confusões conceituais que, como consequência, dificultam entendimentos e ações pedagógicas nos espaços escolares. A exemplo: se o aluno apresenta algum comprometimento com relação à aprendizagem ou desenvolvimento, como professor, o entendo de incumbência apenas da área da Educação Especial? Se os ideais de Educação – que são e precisam ser inclusivos – forem considerados, a resposta é não; do contrário, continuaremos a definir subdivisões dentro da Educação – Educação Especial/Inclusiva, Educação Quilombola, Educação Indígena, entre outros – numa sensação de que estamos “resolvendo” o problema, contudo, ele está apenas mudando seu nome e, mais do que isso, muitas vezes produzindo pouca potencialidade de modificar a realidade escolar. Com isso, estas escritas não desejam retirar a importância da especificidade dentro da Educação, mas sim contestar a tendência da Educação em delegar à outras esferas o que já deveria ser por ela de incumbência.

CONCLUSÃO – SEM CERTEZAS, MAS AINDA ASSIM CHEIA DE ESPERANÇA A Educação e Educação Inclusiva apoiados em políticas educacionais mostram-se constantemente desafiadoras. E, independente da forma abordada: Educação ou Educação Inclusiva, o todos é/precisa ser o alvo. Na escola, a diferença de alunos deve ser valorizada em detrimento da homogeneidade, oferecendo, assim, a todos os alunos maiores oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento. Para tanto é imprescindível corresponder às necessidades educacionais de cada um dos alunos, incluindo aqueles que atualmente são marcados pelo ciclo da exclusão e do fracasso escolar. Em meio a isso, relevante é pensar em uma educação para todos, que não rotule, não exclua e que se dê conta de que é um importante mecanismo para a emancipação de seus alunos. Para Carvalho (2008), a Educação Inclusiva pode ser compreendida como a prática da inclusão de todos e, da mesma forma, a Educação não deve ser compreendida longe desses ideais. A Educação Inclusiva é compreendida na busca por escolarização de qualidade para todos os alunos, buscando meios e modos de remover barreiras para aprendizagem, desenvolvimento e participação dos alunos, indistintamente. A Educação, como um todo, também não assim busca fazer?

161 Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2


Concepções inclusivas que possibilitam pensar a escola diante do acesso e permanência de todos os alunos, bem como “onde os mecanismos de seleção e discriminação, até então utilizados, são substituídos por procedimentos de identificação e remoção das barreiras para a aprendizagem” (BLANCO, 2003, p. 16), podem ser destacados desde a Declaração dos Direitos Humanos de 1948 – muito anteriormente aos anos 90 em que as discussões da Educação Inclusiva se mostraram necessárias. De acordo com Lima (2006), incluir é buscar a garantia de igualdade de oportunidades, permitindo que todos os alunos possam relacionar-se com outros e estabelecer trocas conscientes de sua importância. Ou seja, dentro de um amplo projeto de educação, os princípios da inclusão vão além de matricular alunos na rede regular de ensino; é preciso a compreensão de que o ato de incluir é, antes de tudo, um direito a ser garantido, uma vez que se entende: ninguém mais vai ser bonzinho na sociedade inclusiva (WERNECK, 1998) por estar buscando promover a inclusão. Incluir é reconhecer que existem outros de nós que precisam participar de todos os meios, seja profissional, educacional, social, independentemente de suas singularidades – e isso, definitivamente, não é (ou não deveria ser) de responsabilidade apenas do que hoje definimos como Educação Inclusiva ou ao público-alvo da Educação Especial, mas da Educação como um todo. A partir dessa compreensão, estas escritas consideram que designar discussões inclusivas apenas para a área da Educação Inclusiva é apequená-las, não porque a Educação Inclusiva seja incompleta, mas porque à Educação e suas demandas essas questões também dizem respeito. Não são as discussões da Educação Especial versus as discussões da Educação. Produz-se um contexto de professores “de inclusão”, as salas “de inclusão”, as “escolas de inclusão”; mas e os demais professores, salas e escolas? Chegou o momento de reconhecer o hiato ainda existente entre a Educação e a Educação Inclusiva, a fim de compreendermos a função que estas exercem, inclusive fortalecidas quando somadas. Em suma, as ideias aqui problematizadas defendem uma educação que deve ser inclusiva para todos e, sobretudo, para além das mudanças conceituais promovidas ao longo dos anos que por si só não garantem a inclusão de todos os alunos. Ao que parece, há uma tendência/preocupação em buscar conceitos e nomenclaturas (nunca os desmerecendo), cada área em suas respectivas discussões, mas estas por si só pouco contribuem com as realidades e sujeitos e, como oposto, por vezes tendem a produzir uma sensação contrária – a de que se está conseguindo responder ao “problema” da Educação para todos. Estas escritas defendem, sobretudo, a incessante preocupação com o ato de incluir e, enfaticamente: na Educação como um todo, já que a Educação Inclusiva está sendo (ou buscando ser) o que na verdade a Educação precisaria ser: inclusiva.

162 Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2


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13 Gestão democrática na educação pública brasileira

Reni Aparecido Norberto Pinto CUML

Paulo Cesar Cedran CUML

10.37885/220207555


RESUMO

Vivemos num país democrático onde o povo elege seus representantes por meio de votos, na qual temos o direito de ir vir, a liberdade de expressão e comunicação de suas ideias construtivistas. Está democracia é alvo de constante discussão e reflexões para articular-se de forma ampla dentro das instituições, entre as instituições a escola espere constantemente pela democratização em sua prática pedagógica. Refletindo nesta colocação, o presente artigo teve como objetivo aprofundar o conhecimento quanto à gestão democrática na educação pública brasileira, por meio das análises detalhadas dos estudos bibliográficos já publicados sobre o tema. Trazendo como norteamento a construção da democracia, as exigências do caráter democrático da gestão escolar, e principalmente se os ambientes escolares cumprem a função educativa democratizada. O presente artigo constitui de um levantamento bibliográfico exploratório sobre a gestão democrática, assim como sua aplicabilidade nos ambientes escolares. Para darmos embasamentos, este estudo consistiu numa revisão da literatura especializada, mediante a busca eletrônica de artigos indexados nas seguintes bases de dados: SCIELO, BIREME, CAPES e MedLine, Google Acadêmico, bem como em banco de dados de universidades, com o emprego de unitermos que possam remeter a publicações que tratem de assunto pertinentes ao “Gestão Democrática na Educação Pública Brasileira”. Entre os principais resultados encontrados, denotamos que a busca por melhoria da qualidade da educação exige medidas não só no campo do ingresso e da permanência, mas também que possam reverter a situação de baixa qualidade da aprendizagem na educação básica, o que pressupõe, por um lado, identificar os condicionantes da política de gestão e, por outro, refletir sobre a construção de estratégias de mudança do quadro atual. Acreditando que uma pedagogia livre reflexiva poderá alcançar democratização das nossas ações e atitudes em sociedade.

Palavras-chave: Aprendizagem da Autonomia, Pedagogia Construtivista, Democratização, Gestão Democrática, Ambiente Escolar.

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INTRODUÇÃO Vivemos num país democrático onde o povo elege seus representantes por meio de votos, na qual temos o direito de ir vir, a liberdade de expressão e comunicação de suas ideias construtivistas. Desta maneira, ama das principais funções da democracia é a proteção dos direitos humanos fundamentais, como as liberdades de expressão, de religião, a proteção legal, e as oportunidades de participação na vida política, econômica, e cultural da sociedade. Somos cidadãos com direitos expressos, e os deveres de participar no sistema político que vai proteger seus direitos e sua liberdade. Afirmo preliminarmente que o único modo de se chegar a um acordo quando se fala de democracia, entendida como contraposta a todas as formas de governo autocrático, é o de considerá-la caracterizada por um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos. Todo grupo social está obrigado a tomar decisões vinculatórias para todos os seus membros com o objetivo de prover a própria sobrevivência, tanto interna como externamente, mas até mesmo as decisões de grupo são tomadas por indivíduos (o grupo como tal não decide). Por isto, para que uma decisão tomada por indivíduos (um, poucos, muitos, todos) possa ser aceita como decisão coletiva é preciso que seja tomada com base em regras (não importa se escritas ou consuetudinárias) que estabeleçam quais são os indivíduos autorizados a tomar as decisões vinculatórias para todos os membros do grupo, e à base de quais procedimentos... (BOBBIO, 1987 p. 18).

Ainda segundo Bobbio (1987) a democracia nasceu numa concepção individualista da sociedade, contrariando concepções de dominação na idade antiga e na idade média, trazendo como indagações que toda e qualquer forma de sociedade, em especial a política, nada mais que produto artificial da vontade dos indivíduos. Para dar sustentação para estes indivíduos ou como mencionados acima “grupos social”, trazem como afirmação o pai da democracia moderna Jean-Jaques Rousseau, que indagava “a soberania não pode ser representado”. Entretanto Rousseau trouxe colocações pertinentes ao estado atual, em especial para dar fundamentação as discussões deste projeto, entre elas, Rousseau “uma verdadeira democracia jamais existiu nem existirá”, pois requer muitas condições difíceis de serem reunidas (BOBBIO, 1987 p. 41). Está singela definição de democracia, transcreve em constante discussão no cenário atual, entre eles, para cenário educacional, em especial nas escolas públicas que muitas vezes mantêm uma pautada no conservadorismo e tradicionalismo. Neste contexto, o gestor é um dos principais responsáveis pela execução de uma política, promovendo os atendimentos e decisões das necessidades apresentadas pelo processo de escolarização. Em relação a democratização na educação brasileira houve uma leve retardação nos processos, sendo estás criada para servir as elites no final do século XX. Após as influencias Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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liberais, adaptou-se os interesses dos grupos, iniciando gradativamente entre a política autoritária, a educação pública foi se desenvolvendo, administrada por um Estado tutelador, superior ao povo (MENDONCA, 2001). Antes de transcrever a democratização da educação brasileira, perpetuamos por três estágios, sendo o de início direito universal ao acesso e, posteriormente, como direito a um ensino de qualidade e à participação democrática na gestão das unidades escolares e dos sistemas de ensino. Já em 1988, devidos aos inúmeros acontecimentos que propeliram a participação popular, a Constituição Federal estabeleceu como um dos princípios do ensino público brasileiro, em todos os níveis, a gestão democrática. Desta maneira, a constituição institucionalizou, no âmbito federal, práticas ocorrentes em vários sistemas de ensino estaduais e municipais. Algumas dessas práticas são amparadas por instrumentos legais produzidos pelas respectivas casas legislativas ou pelos executivos locais (MENDONCA, 2001). Mesmo concernindo e amparados pelas Lei de Diretrizes de Bases de Educação (LDB) a gestões escolar não parece ter estás práticas durante o processo de escolarização. Ou seja, trata-se de se perguntar em que medida as práticas adotadas ou preconizadas pelos adeptos da “qualidade total”, com sustentação na ideologia do liberalismo econômico, carregam consigo um currículo oculto capaz de agir sobre as condutas dos próprios educandos que comungam dos tempos e espaços em que essas práticas se introduzem (PARO, 1998). Concebendo a educação como constituição cultural, na qual os sujeitos são livres, culturalmente, socialmente e religiosamente quando o relacionamento com liberalismo econômico, torna-se fundamental questionarmos sobre o componente “liberdade”. Afinal liberdade para liberalismo refere a necessidade de deixar que as relações sociais troquem mutuamente com as regras do mercado, sem quaisquer interferências no desenvolvimento natural. Ou seja, está liberdade diretamente é sinônimo estar livre é estar solto. É um sentido de liberdade que, no senso comum, é sinônimo de espontaneísmo, de autorização para se fazer aquilo que se ambiciona, desde que se correspondam certas regras. Só que, neste caso, trata-se das regras do mercado, que independem da ação dos homens arranjados como sujeitos e representados pelo estado ou outro instituto que seja seu porta-voz enquanto anseio grupal (PARO, 1998). Em suma, a prática educacional de uma gestão democrática tem como objetivo trabalhar o conhecimento historicamente acumulado pela humanidade, em confronto e interlocução com o conhecimento dos participantes do processo de ampliação do saber e de construção das condições subjetivas para seres, livre e autônomos. Trabalhando prioritariamente, a inteligência, comunicativa, criatividade, valorização e permissividade frente ao mundo que cerca, tornando-se sujeitos e autores do seu próprio dizer. A inteligência constitui-se, o elemento fundamental da democracia. Todos nós somos capazes de aprender. Assim

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construímos uma sociedade de inclusão universal, onde a educação emancipatória é parte integrante da gestão democrática. Submetendo que gestão democrática permeiam indiretamente nos processos de ensino e aprendizagem das escolas, o presente artigo traz como justificativa central a gestão democrática fomentada como transformadora ao ambiente escolar, permitindo existência de diálogo igualitário na horizontalidade. Além disso, acarreta grandes benefícios, tais como soluções criativas, menos insatisfação e principalmente melhores rendimentos estudantis. Entretanto torna-se necessários reavaliarmos nossos práticas e construções sobre o assunto, interligando-nos que uma gestão só é possível com participação ativa da organização escolar os pais, professores, estudantes e funcionários. Interligamos este que mesmo sendo amparados em legislações uma gestão descentralizada, ainda não é uma realidade nas escolas brasileiras. Por fim, com o objetivo de contribuir com pesquisas relacionadas ao tema da gestão democrática, o presente artigo teve como objetivo aprofundar o conhecimento quanto à gestão democrática na educação pública brasileira, por meio das análises detalhadas dos estudos bibliográficos já publicados sobre o tema.

METODOLOGIA O presente artigo constitui de um levantamento bibliográfico exploratório sobre a gestão democrática, assim como sua aplicabilidade nos ambientes escolares de forma a contribuir numa pedagogia autônoma e livre. Para darmos embasamentos, este estudo consistiu numa revisão da literatura especializada, mediante a busca eletrônica de artigos indexados nas seguintes bases de dados: SCIELO, BIREME, CAPES e MedLine, Google Acadêmico, bem como em banco de dados de universidades, com o emprego de unitermos que possam remeter a publicações que tratem de assunto pertinentes ao “Gestão Democrática na Educação Pública Brasileira”. Procedimentos Para a condução da revisão da literatura os procedimentos serão: 1) Procura eletrônica nas bases de dados (online) e banco de dados das bibliotecas de universidades sobre o tema pesquisado (Gestão Democrática na Educação Pública Brasileira), usando os seguintes unitermos: Democracia; Ambiente escolar; Educação; Perspectivas da gestão escolar; Pedagogia autônoma. 2) Leitura dos resumos dos manuscritos científicos, visando uma primeira análise das

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publicações encontradas; 3) Leitura na íntegra dos trabalhos (artigos, livros e produções acadêmicas) com vista à análise que foi realizada para responder aos objetivos deste estudo; 4) Compilação e análise dos dados.

RESULTADOS E DISCUSSÕES Ao pesquisarmos a literatura referente a gestão democrática na educação pública brasileira nos deparamos com constante bibliografias presentes sobre o tema apresentado, dando maiores fundamentações. Refletindo neste contexto e após analisar descritivamente todos riquíssimos artigos encontrados, conseguimos dar fundamentação aos resultados, assim como contexto geral deste artigo. Contudo, após analisarmos a literatura e para maiores direcionamentos, tornou-se pertinente dividirmos em duas categorias essenciais e correlacionadas, são elas: Gestão Democrática do Trabalho Pedagógico; O Conhecimento no Trabalho Pedagógico. Gestão Democrática do Trabalho Pedagógico A gestão democrática do trabalho pedagógico é essencial para que a escola cumpra sua função educativo-pedagógica, estabelecendo um processo de construção emancipatória, livre e participativa. Na qual estabeleça um trabalho compartilhado e de corresponsabilidade entre todos envolvidos no processo, na busca por um espaço emancipatório e igualitário. Permeando em constantes celebrações e concepções do futuro incerto, acreditando que o educar sem encarcerar é uma possibilidade significantemente relevante para uma “democratização”. Antes de darmos procedimento, consideramos pertinentes conotar a origem do termo Gestão, pois estás descrição esclareces ainda mais nossas fundamentações sobre uma gestão democrática, mediante aos trabalhos pedagógicos lançados. Gestão, provém do verbo latino, traduzido significa gero ou gestum, e significa levar, carregar ou chamar para si, tratando de algo implícito no sujeito apercebido no substantivo de gestatio, ou seja, gestação. E para finalização o termo gestão na raiz etimológica de “ger” significa fazer brotar, gerar ou conceber algo (CURY, 2002). Dando continuidade e relacionando com as afirmações de Luck (2000) vivemos numa época de mudanças desenfreadas, sendo mais pertinentes neste momento, o modo como vemos e vivenciamos a nossa realidade, estabelecendo-se de maneira conscientes, autoritária ou centralizadora. Em muitos momentos as instituições percorrem para o fracasso escolar

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em relação a democratização quando idealiza suas relações de forma fragmentada, mantendo nossos trabalhos pedagógicos de forma dogmáticas sobre os nossos atos e resultados. Interligando os dois parágrafos acima compreende-se que nossa sociedade vive descomedidas mudanças ideológicas sobre a forma como compreendem e movimentam a sociedade que nos cerca, refletindo diretamente nas formas como construímos nossos trabalhos. Formas estás, que quando concebido para organização escolar envolve um esforço na organização, articulação e preparação das competências humanas vitais para uma aprendizagem significante (LUCK, 2000). São demandadas mudanças urgentes na escola, a fim de que garanta formação competente de seus alunos, de modo que sejam capazes de enfrentar criativamente, com empreendedorismo e espírito crítico, os problemas cada vez mais complexos da sociedade, conforme indicado na apresentação deste Em Aberto. A educação, no contexto escolar, se complexifica e exige esforços redobrados e maior organização do trabalho educacional, assim como participação da comunidade na realização desse empreendimento, a fim de que possa ser efetiva, já que não basta ao estabelecimento de ensino apenas preparar o aluno para níveis mais elevados de escolaridade, uma vez que o que ele precisa é de aprender para compreender a vida, a si mesmo e a sociedade, como condições para ações competentes na prática da cidadania. E o ambiente escolar como um todo deve oferecer-lhe esta experiência (LUCK, 2000 p. 12).

Para que ocorra trabalho com mediação congruentes aos desafios da sociedade atual, demarcada pela predominância a liberdade e não necessidades, precisamos nos adequar as condições dos sujeitos em relação a dominação com os demais. Relações alicerçadas sob a ótica do capitalismo, onde o trabalho é subordinado a regras do mercado produtor de exercícios manipulativos, gerando ocupações de trabalho mecanizados. Diante desse quadro, o tipo de trabalho que se apresenta aos nossos olhos fica inacessível de interceder numa centralidade absoluta do trabalho enquanto a criação do homem e histórica desenvolvimentista (FRIGOTTO, 1995). Estamos denotamos as construções de uma democracia igualitária na qual o trabalho pedagógico precisa se totalmente desconstruindo em muitas escolas da rede pública, até mesmo as privadas. Afinal, vemos estimuladas participações desfreadas de uma pedagogia livre a autônoma, mas ao serem trabalhados no dia a dia das escolas, ficamos à mercê denominações ao poder único, estabelecidos pelos próprios gestores, acreditando serem possuidores do conhecimento centrais, assunto estes que discutiremos no próximo seção. Imprimir uma nova filosofia de gestão implica na ruptura de paradigmas tradicionais e automaticamente nos leva a questionar sobre os aspectos relacionados à gestão democrática que supostamente vem sendo adotada em algumas escolas da rede pública de ensino no Brasil. Há pessoas trabalhando na escola, especialmente em postos de direção, que se dizem democratas apenas porque são “liberais” com alunos, professores, funcionários ou pais, Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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porque lhes “dão abertura” ou “permitem” que tomem parte desta ou daquela decisão. Mas o que esse discurso parece não conseguir encobrir totalmente é que, se a participação depende de alguém que dá abertura ou permite sua manifestação, então a prática em que tem lugar essa participação não pode ser considerada democrática, pois democracia não se concede, se realiza: não pode existir “ditador democrático” (PARO, 2006, pp. 18-19).

Está breve descrição do autor acima reflete ao cenário atual que permeio nossas centralizações sobre as formas com denotamos a democratização na escola, afinal a mesma passa a ser uma via de mão única, onde construímos falsa situações de “abertura” ou indagamos a ditadura total, estipulando-nos detentores do poder. Trazendo das intuições constituições por representações dos diferentes segmentos que compõem a comunidade escolar, prevalecendo há visão geral de que essas instâncias organizadas buscam o bem comum e não vantagens e benefícios para as facções representadas (MENDONCA, 2001). Nas falas de Cury (2002) enquanto temática histórica da gestão democrática na educação, movemo-nos em duas direções nada condizentes com as idealizações. Estás direções dos gestores se partem por um movimento paternalista e autoritária, sendo ambas formas de pensar e agir sobre o outro, não reconhecendo como igual. Quando centralizamos nossas forças normalizações do poder à somente uma pessoa, ficamos vulneráveis as suas idealizações muitas vezes exacerbadas de forma retorcidas. Desta maneira, as grandes discussões deste projeto estão sobre a utopias construídas frente a democratizações supostamente divulgadas, que infelizmente ao serem exploradas nas bibliografias, denotamos que precisamos quebrar constante paradigmas para construir uma pedagogia libertadora. Um dos paradigmas que temos hoje no sistema hierárquicos, é poder centralizado na mão do diretor, sendo considerado a autoridade máxima, dando-lhe diretamente poder e autonomia absoluta. Instalando ao mesmo tempo uma total responsabilidade para gestor que necessitará exercer o cumprimento da Lei da Ordem na escola, pressionando constantemente que obtenha competências técnicas e métodos de atuações. Este cenário no remete a perspectivas que se ocorrer uma impotência ou falta de autonomia do diretor, sintetizará na falta de autonomia da própria escola e automaticamente na classe de trabalhos pedagógicos, que permeia em constante cobrança (CURY, 2002). Sabemos que ao denotarmos sobre os vieses da gestão centralizada apenas no diretor escolar, ainda não produzirá reviravoltas nas escolas públicas, entretanto este projeto tem como permissa relevarmos novos questionamentos sobre o modo de gestão, possibilitando outros olhares. Entre estes olhares Cury (2002) revela que neste sentido há necessidade das escolas estruturam-se democraticamente, objetivando e alcançando o objetivo de todos envolvidos no processo. Indo de encontro ao papel social da escola que nada mais é, formadora de cidadãos livres e críticos, que transforme os interesses próprios numa bem comum. Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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Apenas para reafirmar as construções sobre a funcionalidade da escola, entendemo-la neste artigo como instituição social, pautada na lógica organizativa e demarcadas pelos fins político-pedagógicos que extrapolam o horizonte custo-benefício em sociedade. Produzindo impacto direto no que se entende por idealização e desenvolvimento da educação e da escola e, nessa expectativa, implica aprofundamento sobre a natureza das instituições educativas e suas finalidades (DOURADO, 2007). Já nas palavras de Luck (2002) encontramos uma total ampliação sobre a definição de sistema educacional, enquadrando ao posicionamento descritos acima, são eles: Os sistemas educacionais, como um todo, e os estabelecimentos de ensino, como unidades sociais especiais, são organismos vivos e dinâmicos, fazendo parte de um contexto socioeconômico cultural marcado não só pela pluralidade, como pela controvérsia que vêm, também, a se manifestar na escola; portanto, com tais características devem ser também as escolas entendidas. Ao serem vistas como organizações vivas, caracterizadas por uma rede de relações entre todos os elementos que nelas atuam ou interferem direta ou indiretamente, a sua direção demanda um novo enfoque de organização e é a esta necessidade que a gestão escolar procura responder. Ela abrange, portanto, a dinâmica das interações, em decorrência do que o trabalho, como prática social, passa a ser o enfoque orientador da ação de gestão realizada na organização de ensino (p. 14).

Este mesmo autor também traz colocações significantes sobre as novas formas de olhares precisos dentro do ambiente escolar, ações e dos processos sociais nelas ocorrentes, caracterizada pela diversificação e superioridade de interesses que envolvem. Neste dinâmica das interações precisamos que os personagens percorram nos problemas de aprendizagem numa dinâmica recorrentes. Assumindo e não desconsiderando à falta de orientação de seu processo e dinamização da energia social necessária para promovê-lo (LUCK, 2002). Em outras palavras as novas formas de trabalho têm que ser pensadas em um contexto de tensão, de correlação de forças. Nascendo e sendo construída coletivamente na própria escola, sem trata-las adotarmos simplesmente um modelo pronto e acabado, comprometendo assim à administração da escola. E sim, viabilizar inovações pedagógicas planejadas em conjunto através da ação de cada personagem da escola, sejam alunos, professores, funcionários e comunidade. Para que isto ocorra, haverá necessidade de mudanças na própria lógica de organização e de comportamento das instâncias superiores, em relação às escolas. É essencial que sejam propiciadas condições aos alunos, professores e funcionários que lhes permitam aprender a pensar e a realizar o fazer pedagógico da forma mais efetiva e crítica. Essa forma de organização do trabalho pedagógico da escola que facilita a busca de melhoria da qualidade de ensino, denomina-se no Projeto Político Pedagógico (PPP), que tem como princípio norteador a consagração na Constituição, abrangendo as dimensões Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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pedagógicas, administrativa e financeira a gestão democrática. Ela inclui a ampla participação dos representantes da comunidade escolar nas decisões de ações administrativo e pedagógicas percorridas. Implica também na construção de um projeto de enfrentamento da exclusão social, da reprovação e da não permanência na sala de aula. A socialização do poder pela pratica da participação coletiva, diminuindo o individualismo, a reciprocidade, a descriminação e reforçando a autonomia (GADOTTI, 2000). Como mencionado Morreto (2005), a escola que se pauta na “preparação do cidadão para sua inserção na sociedade, na qual viverá como cidadão e como profissional de alguma área da atividade humana. Necessita que seu projeto de educação, considere os alunos como seres pensantes e que trazem uma história de vida, a ser desenvolvido nas escolas, além disso, tem que estar pautado na realidade, visando sua transformação, na medida em que se compreende que este não é algo pronto e acabado. O Projeto Político – Pedagógico da escola também tem que estar equilibrado com a organização da sociedade. A escola deve ser vista como uma instituição social, inserida na sociedade, e sujeita às determinações e contradições dessa sociedade. Ou seja, o mesmo deve-se pautar na busca pela: Democratização do processo de planejamento; Melhoria na qualidade de ensino; Incentivo às atividades culturais; Desenvolvimento da avaliação institucional da escola; Qualificação e desenvolvimento funcional do pessoal técnico – administrativo e técnico – pedagógico; Agilização da prática administrativa – pedagógica; Provimento de condições facilitadoras para o efetivo cumprimento dos fins da escola (MORRETO, 2005).

Em suma a Gestão Democrática do Trabalho Pedagógico, é entendida como prática social livre e libertadora, constituinte das relações sociais mais amplas do homem com sociedade, e de como sintetizam a normas, regras e hierarquias presente em todas a instituições, seja elas, educacionais ou não. Desta maneira acreditamos que o trabalho pedagógico estruturado na gestão só será possível se as políticas educacionais efetivamente implicarem no envolvimento e o comprometimento de diferentes atores, incluindo gestores e professores vinculados aos diferentes sistemas de ensino. A busca por melhoria da qualidade da educação exige medidas não só no campo do ingresso e da permanência, mas requer ações que possam reverter a situação de baixa qualidade da aprendizagem na educação básica, o que pressupõe, por um lado, identificar os condicionantes da política de gestão e, por outro, refletir sobre a construção de estratégias de mudança do quadro atual vivenciados por nossos alunos em contato com escola e diretamente com a sociedade. Antes do encerrar deste artigo, e para propiciar maiores fundamentações teóricas. Abordaremos sucintamente na próxima seção, como o conhecimento no trabalho pedagógico Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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podem ou não dar subsídios para o despertar da gestão democrática. Afinal, indagamos sobre a democracia, mas precisamos do conhecimento para construções de nossos ideais filosóficos, estratégicos e transformador. O Conhecimento no Trabalho Pedagógico A educação no sentido restrito é uma prática social que tem como objetivo direta e intencionalmente, no processo de construção do conhecimento que nos darão reconstruções e reflexões sobre o mundo que nos cerca. Ou seja, os profissionais da escola são mediadores no construto do conhecimento, permeando em ações profissionais que trabalhe subsistemas diferenciados, evoluindo de forma dinâmica e articulada. Necessitamos de formas diferenciadas e flexíveis de gestão (MARTINO, 2004). O conhecimento aqui por nos abordada parte das construções históricas, sociais e culturais acumuladas pela humanidade, na qual são e transmitidas e trabalhadas dentro das principais instituições educativas, que são, família e escola. Mas, para a construção do conhecimento ocorrer é necessário que acontece de forma coletiva, interativa e interpessoal, possibilitando modelos participativo e democrático. Desta maneira, acreditamos que o conteúdo, as informações, o saber historicamente acumulado pela humanidade devem ser trabalhados e não decorados. Em outras palavras o aluno compreenda, construa o seu saber, desenvolva as suas competências para exercer o seu direito de se pronunciar. Assim, a construção do conhecimento acontece de forma coletiva, interativa e interpessoal, tornando o educando participativo e democrático. Segundo COLL (2002), o ato pedagógico é a relação interpessoal, entre profissionais de educação e educandos, com o objetivo de intervir no processo da formação humana. Portanto, a compreensão do conhecimento é fundamental e determinante para o ato pedagógico e para a administração da escola. Ou nas falas Freire (1992), o educador que limita a curiosidade do educando através da memorização mecânica do ensino dos conteúdos, proibi a liberdade do educando, a sua capacidade de aventurar-se. E o homem e a mulher são os únicos seres capazes de aprender com alegria e esperança, na convicção de que a mudança é possível. A gestão democrática é parte do projeto de construção da democratização da sociedade brasileira. Nesse sentido, a construção do projeto político-pedagógico, a participação em conselhos, a eleição para diretores, a autonomia financeira, são processos pedagógicos de aprendizagem da democracia, tanto para a comunidade escolar, quanto para a comunidade em geral, porque a participação, depois de muitos e muitos anos de ditadura, é um longo processo de construção (PERONI, 2012).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Acreditamos em uma educação construída através de uma ação coletiva com o propósito de formar cidadãos honestos e responsáveis prontos para participar de todas as formas do meio social que frequentam, sendo e escola um dos percussores centrais para nesta construção. Desta maneira, as colocações sobre a Gestão Democrática compartilhadas neste artigo, conquista ideais que uma autonomia escolar poderá valorizar os profissionais engajados, alunos, família e própria comunidade. Garantindo novas opções que venham elevar o conhecimento de nossos alunos, valorizando ações e ideias humanizados, compreendendo as diferenças e priorizando o bem de todos que frequentam a escola. Em outras palavras pensa em políticas e a gestão da educação no Brasil, sobretudo a partir da defesa de uma amostra de qualidade socialmente referenciada, nos insere na provocação de pensar a lógica centralizada e imperial que tem permeado as políticas educacionais para todos os níveis de ensino, particularmente para a educação básica. Esse nível de ensino, composto pela educação infantil, ensino fundamental e médio, possui estruturação complexa e heterogênea, fortemente balizada por múltiplas formas de regulação e controle, incluindo a ação do MEC, dos sistemas de ensino e das escolas, caracterizadas como espaço de regulação importante na materialização das políticas. Sabemos que existem grande considerações sobre o tema proposto, sendo está estimulado aos demais autores ou pesquisadores da área educacional, que possivelmente contraíram reflexões sobre o tema, e principalmente estimularam a democratização na escola, construindo novas pontes de conhecimento. Acreditamos que neste artigo muitos assuntos foram menos explorados, entretanto tentamos compactar as informações de modo que percebemos a educação como um processo de produção histórica da existência humana, acreditando que somos quem somos como resultado de nossa educação, do processo histórico concreto de nossa própria produção. Além disso, trazemos como construção final que uma pedagogia igualitária e autônoma, trará resultamos insaciáveis na escola, tendo como meta central o trabalho pedagógico sem ameaças do autoritarismo ou dominação do poder absoluta que perpassam no âmbito de nossas relações.

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PERONI, Vera Maria Vidal. A gestão democrática da educação em tempos de parceria entre o público e o privado. Pro-Posições, Campinas, v. 23, n. 2, p. 68, 2012.

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14 O impacto das emoções na aprendizagem escolar: uma revisão integrativa

Lorena Alves Santana Patricio EMESCAM

Creuzimara Pessanha Madalena Salles EMESCAM

Jaisa Klauss EMESCAM

10.37885/220107328


RESUMO

As experiências humanas, potencializam as manifestações fisiológicas das emoções em resposta aos estímulos recebidos do meio externo. Na maioria das ocorrências, essas manifestações são visíveis e fáceis de identificar, nas reações corporais e faciais. As emoções básicas, por exemplo, o medo - são essenciais para a tomada de uma decisão assertiva, diante do perigo ou ameaça iminente. As boas interações sócio-afetivas favorecem a aprendizagem e a mudança do comportamento humano. Nesse contexto, elas recrutam a atenção e o engajamento necessários à aprendizagem. Conclui-se que o levantamento dos dados apresentados neste estudo de revisão integrativa de literatura, contém conhecimentos relevantes para ajudar o ensino na elaboração de estratégias e métodos que contemplem o modo como o cérebro aprende.

Palavras-chave: Emoção, Aprendizagem, Neurociência, Cognição.

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INTRODUÇÃO Como as emoções impactam a aprendizagem humana e como elas interferem na aquisição do conhecimento? Os estudos sobre a relação das emoções com a aprendizagem, apresentados pela Neurociência Cognitiva, podem ajudar o ensino? A Neurociência e a Psicologia nutrem a nossa compreensão de como o cérebro aprende e como ajudam a identificar as melhores práticas possíveis. (ESPINOSA, 2011 P. 10). De acordo com Canteras (2010, p.71; GUERRA, 2011 et al MODERATO, p. 76; LENT, 2010, p. 715, 717 ). a emoção é uma experiência subjetiva acompanhada de manifestações fisiológicas (respostas autonômicas, comandadas pelo sistema nervoso central, SNC) e comportamentais detectáveis, (respostas motoras) - aumento do estado de alerta, desassossego, dilatação da pupila, sudorese, lacrimejamento, alteração da expressão facial, entre outras. Para Santos (2007 et al. DAMÁSIO, 2000, p. 74-75), as emoções integram os mecanismos que regulam a vida, quer numa reação específica a uma situação, quer na regulação do estado interno do indivíduo. Elas também sustentam o suporte afetivo, fundamental e necessário à aprendizagem e as formas de processamento das informações verbais e simbólicas (FONSECA, 2014). De acordo com Siqueira (2018 p. 62 et al, SCHULTZ, 2010), a motivação resulta de uma atividade cerebral, capaz de potencializar os estímulos internos (fome, sede, dor) e do ambiente externo (oportunidades e ameaças), este por sua vez, promove o comportamento adequado para conquistar o objetivo almejado. A autora acrescenta que, o desempenho acadêmico e o engajamento do aprendente, depende da motivação. Para que isso ocorra, os estímulos precisam ser diversos - o primeiro deles é o vínculo afetivo na relação professor-aluno. O segundo diz respeito às estratégias de ensino, elas podem inibir ou potencializar a motivação. Percebe-se nesse processo, a tríade indissociável - cognição, motivação, estímulo, todos atrelados ao aprendizado humano. As emoções têm uma dimensão cognitiva, na medida em que ela nos permite captar a interação do indivíduo com o mundo exterior. (PEQUENO, 2002, p. 278 et al. DAMÁSIO 1994, p. 90). Elas são essenciais para a recrutar a atenção e o engajamento humano em seu processo de aprendizagem. Porém, interpretar as expressões das emoções dos alunos e compreender a sua relação nesse processo, pode não ser simples. As contribuições da Neurociência Cognitiva sobre as emoções, podem ajudar a compreender como elas afetam as mudanças comportamentais do aprendente em seu contexto acadêmico. (CANTERAS, 2008, p. 235). Isso pode ser um divisor de águas - Para Espinosa, (2008, et al Greenleaf, 2003, p.53), os principais proponentes da aprendizagem ativa, incluem motivação e emoção na aprendizagem do aluno.

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De acordo com Fonseca (2016), há uma combinação de três funções essenciais e colaborativas no processo de aquisição do conhecimento - as funções cognitivas, conativas e executivas. A cognição é definida pelo processamento de informação que envolve várias funções cerebrais; a função conativa está relacionada às emoções, motivações e personalidade do indivíduo enquanto as funções executivas são responsáveis por integrar e coordenar o processo de aprendizagem. Em funções conativas, Fonseca (2016) destaca a relação intrínseca da motivação ao ato de aprender. Nesse sentido, os ambientes de aprendizagem estimulada, contribuem para que o aprendiz evoque comportamentos positivos e disponibilidade atencional para o desenvolvimento das funções cognitivas e executivas. Segundo Brandão e Caliato, (2019, p. 543), É fundamental que o professor considere os sentimentos que impulsionam a aprendizagem positiva ou negativamente e ser capaz de perceber e entender as alegrias, tristezas, raivas, medos de seus alunos e principalmente ajudá-los a lidar adequadamente e de forma competente com as emoções.

Conforme Zaro (2010 p. 204 et al TOKUHAMA ESPINOSA 2008 p; 78), alguns princípios observados a partir da metanálise da autora, que estão atrelados a aprendizagem humana, exercem o papel de fio condutor para ajudar no ensino: a) “estudantes aprendem melhor quando são altamente motivados do que quando não têm motivação; b) estresse impacta aprendizado; c) ansiedade bloqueia oportunidades de aprendizado; d) estados depressivos podem impedir aprendizado; e) o tom de voz de outras pessoas é rapidamente julgado no cérebro como ameaçador ou não-ameaçador; f) as faces das pessoas são julgadas quase que instantaneamente (i.e., intenções boas ou más); g) feedback é importante para o aprendizado; h) emoções têm papel-chave no aprendizado; i) humor pode potencializar as oportunidades de aprendizado; j) diferenciação nas práticas de sala de aula são justificadas pelas diferentes inteligências dos alunos.” Assim, as “oportunidades de aprendizagem acionam os marcadores neurobiológicos da emoção e da cognição”. (LFDC, 2019; WALLON, et al., 1999, p.28). A associação do conteúdo afetivo aos dados da informação provenientes de experiências passadas, segundo Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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Pequeno (2002, p.276 et al.; CF. KARLI,1982), servirá para modular a significação da informação sensorial, de acordo com o aspecto positivo ou negativo da resposta que lhe foi dada. Santos (2007 et al DAMÁSIO), enfatiza a importância do humor nas salas de aula, e que isso ocorre efetivamente pela permanência de certas formas de interação, as quais evocam emoções básicas e de fundo. Essas manifestações fisiológicas-comportamentais que têm classificações e grupos. “Quando as emoções são negativas, as manifestações fisiológicas são mais ricas do que as emoções positivas, por isso, também são classificadas por valência (positiva e negativa) e por grupos (primárias, secundárias e as emoções de fundo)”. (SIQUEIRA, 2018, p. 53; LENT 2010, p. 714). As emoções primárias, como alegria, raiva, medo, tristeza, nojo, prazer, são marcadores essenciais para a identificação dos estados motivados do indivíduo. Elas são visivelmente identificadas e podem contribuir para que haja uma intervenção assertiva no âmbito educacional, a partir da avaliação dos fatores, que interferem na aprendizagem (SANTOS, 2007, p.3 et al. DAMÁSIO, 2000, p.80). Conforme Santos (2007, p.178 et al. DAMÁSIO 1996, 2000), “essa classificação nos parece apropriada para a análise do processo de significação e aprendizagem significativa. A ocorrência dessas emoções básicas ou primárias - alegria, tristeza, medo, raiva, surpresa e repugnância, constitui ao longo do tempo, os sentimentos que permeiam as interações em aula. Enquanto, As emoções secundárias ou sociais incluem embaraço, ciúme, culpa, orgulho etc. E, finalmente, há o que Damásio (2000, p. 74) denomina “emoções de fundo como bem-estar ou mal-estar, calma ou tensão’’. O rótulo de ‘emoção’ também foi aplicado a impulsos e motivações e a estados de dor e prazer”. (DAMÁSIO 1996, 2000)

Assim, as emoções associam-se ao processamento da informação na memória e poderá ser evocada, posteriormente. De acordo com Siqueira, (2018 p. 53), a afetividade e a cognição estão em constante construção, por meio dos estímulos sensoriais. Ambas as modificam ao longo da vida e à medida que o indivíduo se desenvolve, as necessidades afetivas se tornam cognitivas. Conforme Bartoszeck (2006, et al. Reynolds, 2000; Smilkstein, 2003), a neurociência não prediz metodologias educacionais. Contudo, é um campo da ciência que fornece evidências importantes e concretas para apoiar o ensino. A tabela, a seguir, sugere como o cérebro aprende em determinado ambiente da sala de aula.

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Tabela 1. Princípios da neurociência com potencial aplicação no ambiente de sala de aula. Princípios da neurociência

Ambiente de sala de aula

1. Aprendizagem & memoria e emoções ficam interligados quando ativadas pelo sucesso de aprendizagem.

Aprendizagem sendo atividade social, alunos precisam de oportunidades para discutir tópicos. Ambiente tranquilo encoraja o estudo a expor seus sentimentos e ideias.

2. O cérebro se modifica aos poucos filológica e estruturalmente como resultado da experiencia.

Aulas praticas/exercícios físicos com conhecimento ativo dos participantes fazem associações entre experiencias previas com o entendimento atual.

3. O cérebro mostra períodos ótimos (períodos sensíveis) para Ajustes de expectativas e padrões de desempenho às caracteríscertos tipos de aprendizagem, que não se esgotam mesmo na ticas etárias especificas dos alunos, uso de unidades temáticas idade adulta. integradoras. 4. O cérebro mostra plasticidade neuronal (sinaptogênese), mas maior densidade sináptica não prevê maior capacidade generalizada de aprender.

Estudantes precisam sentir-se "detentores" das atividades e temas que são relevantes para suas vidas. Atividades pré-selecionadas com possibilidade de escolha das tarefas, aumenta a responsabilidade do aluno no seu aprendizado.

5. Inúmeras áreas do córtex cerebral são simultaneamente Situações que reflitam o contexto da vida real, de forma que a ativadas no transcurso de nova experiencia de aprendizagem informação nova se "ancore" na compreensão anterior. 6. O cérebro foi evolutivamente concebido para perceber e gerar padrões quando testa hipóteses.

Promover situações em que se aceite tentativas e aproximações ao gerar hipóteses e apresentação de evidencias. Uso de resolução de "caso" e simulações.

7. O cérebro responde, devido a herança, devido a herança primitiva, às gravuras, imagens e símbolos.

Propiciar ocasiões para alunos expressarem conhecimento através das artes visuais, música e dramatizações.

(Modificado de Rushton & Larkin, 2001; et al., 2003).

Bartoszeck (2006), ao citar (Berninger & Corina, 1998; Stanovich, 1998; Brown & Bjorklund, 1998; Geake & Cooper, 2003; Geake, 2004), afirma que, as investigações da neurociência cognitiva sobre os aspectos da atenção, memória, linguagem, leitura, matemática, sono e emoção estão trazendo valiosas contribuições para a educação, mas que é preciso atentar para a especulação da pseudociência e a contribuição dos eu efeito reducionista. Dessa forma, justifica-se este estudo - compreender como os aspectos fisiológicos das emoções e os estímulos do ambiente, moldam o cérebro e o comportamento para consolidar a aprendizagem humana. Assim, o objetivo deste estudo, é identificar a importância da contribuição das emoções na aprendizagem humana e como esses conhecimentos podem ajudar o ensino. Para responder às questões iniciais da pesquisa, realizou-se uma revisão integrativa da literatura, onde foram elencados os autores que dialogam sobre o tema.

DESENVOLVIMENTO Deve apresentar as abordagens e técnicas metodológicas que foram utilizadas para o desenvolvimento da pesquisa. Independente do campo de estudos ao qual a pesquisa se insere, os procedimentos e técnicas adotadas devem estar descritas de forma precisa e detalhada. Quando necessário utilize tabelas, imagens ou figuras (citar a fonte e se atentar os direitos autorais).

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MÉTODO A revisão integrativa da literatura, trata-se de uma análise dos dados selecionados, por meio de etapas estabelecidas. A partir da questão-problema, definiram-se os critérios de inclusão para a coleta dos dados, conforme os descritores selecionados em combinação com os operadores booleanos AND e OR - “emoções”,” cognição”, “neurociência”, educação, “aprendizagem” e busca por artigos originais e capítulos de livros pelo nome dos autores. A estratégia foi utilizada na plataforma de dados do Google Acadêmico e pelo Portal da Scielo. O recorte temporal estabelecido para a busca dos dados, compreende o período de publicações entre 2009 a 2019, em português, inglês e espanhol. Como critérios de exclusão, optou-se pela “não inclusão” de estudos sobre mente e cérebro e como critério de inclusão, optou-se pela estratégia de busca por artigos originais e capítulos de livros. Após avaliação do material bibliográfico, selecionou-se pelos critérios mencionados, os dados necessários para a pesquisa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO O objetivo deste artigo foi buscar na revisão integrativa da literatura, estudos para fundamentar a importância da contribuição das emoções na aprendizagem humana e como esses conhecimentos podem ajudar o ensino. Porquanto, “elas atuam como um sinalizador interno de que algo importante está ocorrendo, e são, também, um eficiente mecanismo de sinalização intragrupal, já que podemos reconhecer as emoções uns dos outros e, por meio delas, comunicar situações e decisões relevantes aos demais indivíduos ao nosso redor”. (GUERRA 2011 et al. MODERATO, P. 75). A autora acrescenta que “as emoções se manifestam por meio de alterações na sua fisiologia e nos seus processos mentais e mobilizam os recursos cognitivos existentes, como a atenção e a percepção” Além disso, contribuem para promover comportamentos de aproximação, confronto ou afastamento, tomada de decisões e escolhas. (GUERRA 2011 et al. MODERATO, P. 75). Sob esse prisma, mesmo sem ter plena consciência, os professores contribuem para mudar o comportamento dos alunos, quando aplicam estratégias motivacionais durante as aulas. As mudanças ocorridas durante esse processo, podem ser profundas e permanentes. Pela relevância que as emoções desempenham na aprendizagem, ela é crítica tanto para o aluno (ser imaturo, inexperiente, aprendente ou discente), quanto para o professor que ensina (mediador experiente). Porquanto, são elas que mobilizam as funções cognitivas, a atenção, percepção, memória e estimulam as funções executivas de priorização, controle inibitório, flexibilidade cognitiva e tomada de decisões. (FONSECA, 2016), Logo, o estado emocional do indivíduo, participa ativamente no seu desempenho acadêmico do aprendente. Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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Compreender como o cérebro aprende é fundamental para ressignificar as concepções que engessam o ensino. Nesse sentido, é compreensível o interesse crescente dos professores pelos estudos das Neurociências, na esperança de obter respostas para as questões-problema antigas no ensino (ESPINOSA,2011). Porém, apesar da crescente tentativa de aproximação entre a Educação e a Neurociência, os neurocientistas pedem cautela na interpretação dos estudos do novo campo e alertam sobre os neuromitos que comprometem a sua aplicação em sala de aula. (ZARO, 2010). A Neurociência não veio propor uma Pedagogia nova, nem soluções extraordinárias para as demandas educacionais, mas pretende contribuir com estudos e descobertas sobre como o cérebro aprende melhor. “Um grande progresso já foi alcançado, incluindo descobertas que permitiram uma abordagem mais científica do processo ensino-aprendizagem porque esclarecem alguns dos mecanismos cerebrais responsáveis por funções mentais importantes na aprendizagem”. (GUERRA, 2011, p.2 ET AL BLAKEMORE; FRITH, 2005; Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos, 2007). Nesse caso, a abordagem desses estudos pode impactar o processo de ensino-aprendizagem e ajudar na organização de experiências educacionais, emocionalmente mais significativas. (FONSECA, 2016). Assim, entende-se a motivação no ensino, é pré-requisito das funções cognitivas e conativas, porque recruta o engajamento necessário do aluno nesse contexto. Assim, o professor contribui para produzir a reorganização do sistema nervoso do indivíduo, em detrimento a sua condição inicial de aprendizado (GUERRA, 2011), quando por meio de reforços e experiências positivas respondem pelas mudanças comportamentais, pelas reações voluntárias e involuntárias, com implicações diretas no processo. (LENT, 2010). Nos trabalhos de Pereira, Ribeiro, Depes, Santos (2013) e Canopf, Appio, Bullgacov e Camargo (2018) também foi possível identificar a importância de experiências positivas na relação professor/aluno no contexto de aprendizagem, como sendo determinantes para o melhor desempenho acadêmico. Acrescenta ainda que, além de melhorar essa performance, o conhecimento adquirido passa a ter sentido também na vida. (LOSS-SANT’ANA e BARBOSA, 2017). Canopf, Appio, Bullgacov e Camargo (2018) ressaltam que para a aprendizagem é necessária a mediação da afetividade e para isso as relações sociais professor/alunos, aluno/aluno, são importantes para desenvolver o exercício do pensamento e da aprendizagem produtiva nas relações. No estudo de Loss - Sant’Ana e Barbosa (2017), se evidenciou os fatores relacionais entre professor e aluno no desenvolvimento do desejo de aprender e melhor rendimento no processo de aprendizagem. As Neurociências, trata-se de um campo multidisciplinar, com várias disciplinas interessadas no funcionamento do sistema nervoso e suas diversas abordagens. (LENT,

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2010, p.6). Nos anos 90, o campo promoveu um grande repertório de estudos fundamentais para explicar como as funções cognitivas e seus substratos neurais estão envolvidos na aprendizagem humana. Neste artigo, destaca-se a importância das emoções na mudança comportamental do indivíduo, a partir dos estudos da Neurociência cognitiva. Segundo o neurocientista Roberto Lent (2010), a primeira tentativa concreta de elucidar as bases neurais da aprendizagem humana, atraiu grande atenção dos pesquisadores para a possibilidade de revelar os mecanismos associados com os vários aspectos das emoções (o sentimento, as reações comportamentais, os ajustes fisiológicos). Acrescenta que, esses mecanismos são ativados por meio de estímulos sensoriais durante uma experiência de aprendizagem. Assim, Canopf, Appio, Bullgacov e Camargo (2018), também afirmam que a emoção permeia todas as atividades humanas e que diferentes ações ou práticas, desencadeiam diferentes reações emocionais. E desse modo, o indivíduo constrói sentidos para a sua aprendizagem. Os autores também demonstraram que, as emoções positivas na relação professor/aluno, foram cruciais para promover engajamento do aprendente e resultados de maior rendimento acadêmico e menor evasão escolar. No campo educacional, os aprendentes são expostos a diversos tipos de estímulos que contribuem nesse processo, tanto para o engajamento, quanto para sua dispersão. É importante atentar, à seleção de estratégias motivadoras para o ensino. Fonseca (2016), aponta algumas estratégias para conectar a emoção nesse contexto. Primeiro - o professor deve desenvolver trabalhos que se relacionem com a vida do aluno e proporcione uma prática a ser vivenciada, tornando-o um ser ativo e participativo e não apenas um espectador; deve possibilitar o desenvolvimento do lado criativo e crítico de seus alunos permitindo e a sua autonomia e o pensamento intuitivo. Segundo - criar um ambiente favorável e confiável em sua sala de aula, que permita vivenciar experiências genuínas para fomentar a aprendizagem. Cabe ressaltar aqui, a importância da intervenção assertiva do educador, na provisão de experiências significativas que associam um novo conhecimento às informações prévias do educando. Desse modo, o educador recruta as emoções necessárias ao engajamento do aprendente nas atividades propostas no ambiente de ensino. De acordo com Pereira, Ribeiro, Depes, Santos (2013), as autoras destacam que não são apenas os métodos de ensino o mais importante, as estratégias de ensino, configuram um aspecto crucial para alcançar os resultados desejáveis na aprendizagem. Acrescentam que, nesse processo, o professor e a relação que ele desempenha com seus alunos, com a disciplina ministrada e com a sua experiência docente, são fundamentais. Uma prática que enfatiza apenas a memorização e a reprodução de informações dificulta o processo de aprendizagem pela via da emoção. Permitir a criatividade, a elaboração do novo e experiências significativas, recrutam emoções essenciais nesse contexto. (CANOPF,

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APPIO, BULLGACOV e CAMARGO, 2018). Pereira, Ribeiro, Depes, Santos (2013), destacam que se deve abandonar uma prática que estimula a reprodução mecânica, e sim buscar estimular a criatividade. Desse modo, o desenvolvimento potencial dos processos cerebrais envolvidos, são mais eficientes para uma aprendizagem significativa. Portanto, recorrer a esses estudos pode ser um divisor de águas para o ensino, não por se tratar de uma proposta nova para a Educação, mas pela necessidade de compreender como o cérebro aprende para ensinar melhor. (ESPINOSA, 2011). Logo, “ensinar sem ter consciência de como o cérebro funciona é como fabricar um carro sem motor. Não se vê o motor, mas sem ele o carro não anda”. (FONSECA, 2014). De acordo com Guerra, 2011, (p. 78, 79) Um pequeno detalhe do ambiente é capaz de ser identificado como um mobilizador de emoções, ainda que passe despercebido aos processos conscientes. O córtex cerebral, nesse caso, ao perceber as respostas corporais desencadeadas, pode se confundir e identificar erroneamente a origem da emoção ao fazer associações com outros fatores ambientais imediatos que são percebidos conscientemente,

A emoção permeia todas as atividades humanas e diferentes ações ou práticas vão promover ou desencadear diferentes emoções. (CANOPF, APPIO, BULLGACOV e CAMARGO, 2018). As dificuldades de aprendizado, podem ser superadas com estimulação adequada à demanda do aprendente. Neste trabalho, foi possível compreender que as relações positivas, o olhar atento dos professores, os feedbacks positivos e as relações com as experiências de aprendizagem, são essenciais para o envolvimento do aprendente na realização das atividades educacionais. (PEREIRA, RIBEIRO, DEPES, SANTOS, 2013; CANOL, APPIO, BULGACOV, CAMARGO, 2018).

CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo de revisão integrativa da literatura, demonstrou que a aprendizagem humana, não envolve apenas o recebimento de informações, o cérebro reage aos estímulos que elas produzem, ativando os mecanismos neurais que processam as informações e armazenam os conhecimentos adquiridos. Pode-se afirmar que aprender e lembrar tem relação com a carga emocional durante o processo de ensino-aprendizagem. As características do professor, a escolha das estratégias educacionais e as decisões assertivas acerca das questões-problema que consolidam esses processos, influenciam o sucesso acadêmico do aprendente e o quanto contribui para o seu engajamento e autonomia nesse contexto (GUERRA 2011

et al. MODERATO).

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O processo de aprendizagem não é linear, nem de fácil compreensão e as emoções atuam como combustível para a cognição. Os estudos analisados confirmam que, sem emoção, o cérebro não aprende, elas estão atreladas à aprendizagem humana. Conclui-se que as contribuições apresentadas pelos autores, tem despertado o interesse dos educadores, pela necessidade de compreender como o cérebro aprende para ensinar melhor. (ESPINOSA, 2011) Os educadores do século XXI, são desafiados a se reinventar para motivar o engajamento do aprendente, em meio a tantos atrativos da tecnologia. Despertar o interesse do educando nesse contexto, significa injetar combustível motivacional nas estratégias de ensino para impulsionar a aprendizagem do indivíduo. Fonseca (2016), afirma que o impacto das emoções na aprendizagem, é inquestionável, porque auxiliam as funções cognitivas e executivas de forma integrada. Quando a aprendizagem ocorre por meio de um ensino positivo, as sinapses são potencializadas para estabelecer circuitos neuronais no cérebro do indivíduo e consolidar informações em conhecimento adquirido. Fonseca (2016), acrescenta que os aspectos negativos do ensino, como situações constrangedoras, relações sócio-afetivas de baixa qualidade, os desafios que não atendem a demanda nas tarefas de aprendizagem, podem gerar no indivíduo, uma relação emocional de ameaça, de desconforto, insegurança e medo nesse contexto, comprometendo todo o processo da aprendizagem acadêmica. Enfim, compreender como as emoções impactam a aprendizagem acadêmica, pode ajudar a esclarecer situações-problema antigas no ensino como a dificuldade dos alunos em inibir comportamentos inadequados durante as aulas, a falta de atenção e engajamento na execução das atividades propostas, a desmotivação, oi esquecimento entre tantos outros. Desse modo, ou seja, a partir do conhecimento que esclarece os “porquês” do baixo rendimento escolar, é possível ressignificar as ações pedagógicas e torná-las mais assertivas (HARDIMAN, DENCKLA, 2009). Portanto, cabe a reflexão sobre os paradigmas que norteiam o processo de ensino-aprendizagem e as ideias equivocadas de que o aprender é apenas uma transmissão de conhecimento, sem envolver as dimensões sócio afetivas.

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15 Experiências de transgeneridade na infância a partir das narrativas cinematográficas Tomboy (2011) e Ma Vie En Rose (1997)

Claudia Ximenez Alves UEL

Leiriane Jenifer Souza Gloor UEL

10.37885/220107249


RESUMO

O presente artigo pretende discutir o conceito de transgeneridade na infância através de dois personagens transgêneros infantis do universo cinematográfico. Após observarmos uma ausência de abordagem, em disciplinas e no Projeto Pedagógico de um Curso de Pedagogia, de temas que tratassem da construção da identidade de gênero e mais particularmente sobre possibilidades de experiências de transgeneridade na infância, nos interessamos pelo estudo sobre questões que envolvem a construção da identidade de gênero e a transgeneridade na infância a partir da contribuição de narrativas cinematográficas Tomboy (2011) e Ma Vie En Rose (1997). Diante da escassez de literatura sobre a transgeneridade na infância e discursos possíveis sobre crianças transgênero, propomos um Mini-Curso para sete sujeitos, cinco estudantes do curso de Pedagogia de uma Universidade Pública do Paraná, uma Professora Licenciada em Matemática e uma Professora Licenciada em Língua Portuguesa da Rede Pública de Ensino envolvendo a exibição e a discussão dos referidos filmes, no espaço acadêmico, para que abordássemos sobre como é vista a criança transgênero e como a mesma é representada no cinem. Entre outros resultados, concluimos que filmes que retratam crianças transgênero contribuem para que educadores possam ampliar a compreensão acerca da diversidade, dos direitos humanos, especialmente diante da possibilidade da transgeneridade na infância.

Palavras-chave: Transgeneridade, Gênero, Infância, Crianças Transgênero.

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INTRODUÇÃO Segundo Gagnon (2006), em cada cultura existem modelos, percepções e concepções de corpo masculino e feminino que podem ser transformados pelos sujeitos a partir de seus contextos históricos e culturais. Essa questão se torna particularmente especial, quando buscamos refletir sobre o processo de compreensão da criança sobre o que é ser menina ou ser menino, e suas diferenças, visto que possuem contato com acepções de gênero já definidas e reproduzidas socialmente como formas únicas de expressão de gênero desde muito cedo, muitas vezes definidas por sua genitália. Enquanto estudante e professora de um Curso de Pedagogia, observamos uma ausência de abordagem, nas disciplinas e no Projeto Pedagógico do Curso, de temas que tratassem da construção da identidade de gênero e mais particularmente sobre possibilidades de experiências de transgeneridade na infância. Por este motivo, nos interessamos pelo estudo sobre questões que envolvem a construção da identidade de gênero e a transgeneridade na infância a partir da contribuição de narrativas cinematográficas. Deste modo, o presente artigo pretende discutir o conceito de transexualidade na infância através de dois personagens transexuais infantis do universo cinematográfico. Para isso, partimos da premissa de que o cinema se apresenta como um recurso com diversos olhares sobre uma realidade histórica e social de um determinado fenômeno (Valim, 2012). Em termos metodológicos, com o intuito de buscar ouvir professores, em suas concepções a respeito, propomos um Mini-Curso para sete sujeitos, cinco estudantes do curso de Pedagogia de uma Universidade Pública no Estado do Paraná, uma Professora Licenciada em Matemática e uma Professora Licenciada em Língua Portuguesa da Rede Pública de Ensino. A Transexualidade na Infância e Discursos Sobre Crianças Transgênero Entre inúmeros conceitos existentes a respeito do termo gênero, diferentes formas de compreendê-los nos são apresentadas, na literatura disponível. Dentre elas, iremos referenciar uma das mais reconhecidas nas ciências humanas, no sentido da introdução deste estudo. De acordo com a definição de Joan Scott (1995), o conceito gênero mais utilizado desde a década de 90 do século XX, no universo acadêmico, por englobar vários componentes, corresponde a “uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado” (Scott, 1995, p. 75). Ainda segundo o autor, “gênero é um elemento constitutivo das relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos... o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder” (1995, p.86).

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Outro conceito encontrado sobre gênero está no Dicionário de Sociologia: guia práti-

co da linguagem sociológica, de Allan G. Johnson (1997, p.205), traz o conceito de gênero e sexo, juntos: Sexo e gênero: embora gênero seja uma palavra que tem uma longa história de usos diferente, seu significado sociológico refere-se a ideias culturais que constroem imagens e expectativas a respeito de machos e fêmeas. Esse fato distingue gênero e sexo, cujo escopo se limita a diferenças biológicas, como a função reprodutiva, e a características secundárias, como pelos no corpo e desenvolvimento de seios.

Podemos encontrar outro conceito de gênero, no livro O corpo educado: pedagogias

da sexualidade (LOURO, 1999, s/p), na afirmação que diz que “a inscrição do gênero - feminino ou masculino - nos corpos é feita, sempre, no contexto de uma determinada cultura e, portanto, com as marcas dessa cultura”. Diante destes conceitos, interpretamos gênero como uma construção social e cultural, para diferenciar os papéis de cada sexo, sendo esse o nosso aparato biológico, fazendo com que os papéis de gênero sejam criados através do gênero com o qual nascemos. A ideia de que menina usa roupas de cor rosa enquanto menino usa roupas predominantemente de cor azul está impregnada em nossa sociedade, fazendo com que desde o nosso nascimento sejamos “condicionados” a adquirirmos as características do gênero de nossa matriz biológica. Nessa forma de compreensão, a sociedade percebe a identidade sexual como sendo previamente determinada biologicamente, rejeitando o que foge a esta forma de expressão. Diferentemente desse modo de percepção, Louro (1998, p.26) compreende que [...] identidades sexuais se constituiriam, pois, através das formas como vivem sua sexualidade, com parceiros/as do mesmo sexo, do sexo oposto, de ambos os sexos ou sem parceiros/as. Por outro lado, os sujeitos também se identificam, social e historicamente, como masculinos ou femininos e assim constroem suas identidades de gênero.

Isso vem ao encontro de Jesus, em seu texto Orientações sobre identidade de gênero:

conceitos e termos (2012, p.9), quando explica que hoje em dia “a vivência de um gênero (social, cultural) discordante com o que se esperaria de alguém de um determinado sexo (com viés biológico) é uma questão de identidade, e não um transtorno”. Nessa forma de compreensão, Luz, Carvalho e Casagrande (2009, p.36), em seu texto Construindo a igualdade na diversidade: gênero e sexualidade na escola, afirmam que essas definições de gênero e sexualidade são compreendidas como construções da nossa sociedade, uma vez que

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A forma como a sexualidade é percebida e vivida sofre interferência de uma conjunção de fatores, destacando as relações de poder e, particularmente, as de gênero. Essas, tradicionalmente, trazem em seu âmago construções de masculino e de feminino nas quais a sexualidade é vista, ensinada e controlada de formas distintas quando se trata de homens e mulheres.

Um exemplo de vivência prática como essa, podemos identificar quando uma mãe vai ao médico e espera ansiosamente pelo momento em que o médico lhe diz “é um menino ou é uma menina”. Nesse instante, dá-se início um processo de construção de expectativas em torno dessa criança, acompanhado muitas vezes pela compra de objetos que a levem a pertencer à categoria típica de seu gênero. No livro A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual, Bento (2006, p.89) afirma que O sexo é uma das normas pelas quais “alguém” simplesmente se torna viável, que qualifica um corpo para a vida inteligível. Há uma amarração, uma costura, ditada pelas normas, no sentido de que o corpo reflete o sexo, e o gênero só pode ser entendido, só adquire vida, quando referido a essa relação. As performatividades de gênero que se articulam fora dessa amarração são postas às margens, pois são analisadas como identidades “transtornadas” pelo saber médico.

Vale dizer que a obra acima mencionada reflete uma compreensão elaborada há mais de uma década, elemento este que nos sinaliza o quanto nossa sociedade preserva, ainda, valores de resistência e rejeição ao que se apresenta como diferente dessa premissa. Desde a infância, conforme o seu desenvolvimento, a criança “constrói e se apropria dos bens culturais e vai construindo a sua personalidade e a sua identidade de acordo com os padrões predeterminados sobre o que é certo ou errado” sobre a conduta do corpo feminino e masculino. (BITTENCOURT, 2014, p.148) O processo de transexualização na infância representa o percurso do autorreconhecimento enquanto sujeito transexual e a produção da identidade transexual a partir de experiências pessoais. A criança transexual é aquela que não se identifica com o gênero imposto desde o seu nascimento, buscando, então, transformar seu corpo e imagem equivalente à sua identidade de gênero, por meio da transexualização. Como já afirmado anteriormente, ao longo do levantamento bibliográfico realizado por este estudo, foram encontradas poucas pesquisas com foco no processo de transexualidade na infância, isso não significa dizer que a transexualidade e seu autorreconhecimento sejam fenômenos que ocorrem somente na adolescência e fase adulta. De acordo com Vigotski (1984/2007), a partir do momento em que um sujeito é inserido no meio material e a partir da sua relação com ele, poderá produzir sentidos e significados e construir novos conhecimentos como produtos de suas experiências vivenciadas e Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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ressignificadas, de modo que poderá conferir novos contornos a elas. Nesse sentido, desde a infância, como produto de um processo, o sujeito irá produzir sua subjetividade, a partir de sua interação com o ambiente social, visto que irá interiorizar referências de sua cultura, codificando-as com o que já possui e conferindo novos sentidos e significados a elas (Pino, 2005; Zanella, 2007). Essa forma de compreensão nos encaminha a um processo de autoidentificação transexual, ou seja, um fenômeno transexual. Segundo Sayão (2002, p.6), No Brasil, encontramos uma rica diversidade cultural, e os papéis de homens e mulheres evidenciam isso, ou seja, há diferentes formas de ser mulher e ser homem em nossa sociedade, que se expressam, por exemplo, na dança, na música, no trabalho doméstico e extradoméstico, nos gestos, no meio rural ou no meio urbano [...]

De acordo com Castañeda (2006), muitos dos preceitos misógino1 e homofóbicos2 podem ser reproduzidos pela família e pares de uma criança, visto que vivemos em uma sociedade fortemente carregada de valores e ideologias machistas3. Isso porquê a [...] ideologia do machismo está impregnada nas raízes culturais da sociedade há séculos, tanto no sistema econômico e político mundial, como nas religiões, na mídia e no núcleo família, este último apoiado em um regime patriarcal, onde a figura masculina representa a liderança. Neste cenário, a mulher encontra-se num estado de submissão ao homem, perdendo o seu direito de livre expressão ou sendo forçada pela sociedade machista a servir e assistir as vontades do marido ou do pai, caracterizando um tradicional regime patriarcal. (Disponível em <https://www.significados.com.br/machismo/> acessado em 28\07\2017)

Por conta destas formas de compreensão, ideologias machistas criam estereótipos normatizados para o universo feminino e masculino e, nesse sentido, a mulher e o homem passam a reproduzir aquilo que for determinado como sendo típico de seu gênero. Bento (2006) afirma que a infância é o momento em que os enunciados performativos de gênero são interiorizados e no qual se produz a estilização dos gêneros. Neste caso, tais enunciados apresentam como função a construção de um gênero considerado “natural” na sociedade (heterossexual).

1 2

3

Segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, de FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda (1986), a palavra Misóginos, vem de misoginia, que é o ódio, desprezo ou preconceito contra meninas e mulheres. De acordo com Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, de FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda (1986), a palavra Homofóbicos, vem de homofobia, aquele que apresenta atitudes e sentimentos negativos em relação às pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Travesti e Transgênero. Segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, de FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda (1986), a palavra Machismo significa o comportamento, expresso por opiniões e atitudes, de um indivíduo que recusa a igualdade de direitos e deveres entre os gêneros sexuais, favorecendo e enaltecendo o sexo masculino sobre o feminino. O machista é o indivíduo que exerce o machismo. Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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Esta concepção compreende que todo sujeito necessita internalizar os tipos de comportamentos referentes ao gênero designado e determinado pela sociedade e por seu sexo biológico no momento de seu nascimento, para que assim seja aceito socialmente. Nessa forma de compreensão, a verdade do gênero está no corpo. Segundo Casagrande; Luz; Carvalho apud Downs (2011, p.55), [...] a sociedade humana é organizada sobre a divisão do espaço entre uma esfera doméstica sempre representada pelo feminino e uma esfera pública reservada aos homens. A interação constante entre as duas esferas constitui a vida social, econômica e política de uma sociedade. Essa concepção demonstrou que a identificação das mulheres com a esfera privada e doméstica é culturalmente construída, isto é, que a divisão sexual do trabalho e do espaço social é um artefato da cultura humana.

Nessa forma de compreensão, justifica-se uma formação na infância baseada em objetos que ressaltam uma divisão entre a esfera doméstica e a esfera pública. Para isso, se torna “legítimo” assistirmos cenas de um menino que ganha brinquedos que possam ajudá-lo em seu desenvolvimento matemático, criativo e construtivo e que reforce sua virilidade, assim como cenas nas quais uma menina ganha brinquedos que a ensinem a ser mãe e dona de casa, no sentido de reforçar características como delicadeza, fragilidade e passividade feminina. Por motivos como este, a transexualidade tem se mostrado um fenômeno que vem desafiando as definições de gênero, se constituindo, assim, em um objeto de estudos complexo, que relaciona o corpo, a identidade e o gênero.

METODOLOGIA Para a realização deste estudo, com coleta de dados em campo, foi desenvolvido um Mini-Curso intitulado “Concepções de gênero\transgênero, com base nas representações

de estudantes de Pedagogia a partir da linguagem cinematográfica”, com duração de quinze horas, para apresentação e discussão de dois filmes que abordavam Crianças Transgênero, sendo esses Tomboy (2011) e Ma Vie En Rose (1997). O Mini-Curso teve o objetivo de promover a interação (de profissionais vinculados à Educação), com filmes que representassem linguagens diferentes aos que são acessíveis comumente no circuito comercial, em um espaço acadêmico, no sentido de viabilizar um debate que pudesse permitir aos sujeitos deste estudo, constituídos por sete educadores, no caso, cinco graduandas do curso de Pedagogia de uma Universidade Pública do Estado do Paraná, uma professora de Matemática e uma de Língua Portuguesa, ambas vinculadas ao Ensino Fundamental da Rede Pública de Ensino, tanto a possibilidade de construção e Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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articulação de ações e experiências em sua prática e atuação docente, quanto a viabilização de uma experiência educativa e formativa com o cinema em um contexto educacional. A metodologia incluiu a organização de um Questionário composto por sete questões (cinco objetivas e duas subjetivas) elaboradas pelas autoras deste estudo, assim como a reflexão e a discussão das respostas dos sujeitos associadas a estudos de pesquisadores que têm como objeto de seus estudos o cinema na formação de sujeitos.

DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES DE CAMPO No primeiro dia, realizamos a apresentação e a discussão do filme Tomboy (2011), seguida da entrega de um Questionário (Instrumento de coleta de dados) sobre o mesmo. No segundo dia, apresentamos Ma Vie En Rose (1997) e provocamos a discussão sobre o mesmo, buscando promover, também, comparações com o filme anterior, Tomboy (2011), novamente entregando aos sujeitos um outro Questionário, sobre o referido filme, ao final. No terceiro dia, ocorreu uma socialização sobre o que os dois filmes provocaram em cada um dos sujeitos e como foi esta experiência para os sujeitos desta pesquisa, diante de filmes com essa temática.

RESULTADOS E DISCUSSÃO A seguir, apresentaremos algumas considerações analíticas acerca das respostas, tomadas com base em duas categorias de análise: “Família”, “Identidade de Gênero/Papel de Gênero dos Personagens” e “Preconceito”.

FAMÍLIA As respostas dos sujeitos desta pesquisa nos fizeram perceber as diferentes compreensões que os mesmos apresentam, sobre determinados aspectos que os filmes e as questões propostas levantaram. Em Tomboy (2011), quando perguntados sobre “Como era a família de Mikkael

(Laure)?, quatro dos sujeitos da pesquisa compreenderam que a família era distante, que não aceitava a identidade de gênero de Michel enquanto outros três a perceberam como uma família tranquila e calma. Esta diversidade de concepções e percepções demonstra que o filme atravessa cada sujeito de uma forma. A identificação de gênero de Michel é mostrada fora do seu contexto familiar, sendo a irmã a única que sabe sobre essa identidade, isso faz com que por muito tempo seja “[...] visto por seus vizinhos como um menino, sendo que o ambiente familiar, onde Laure é Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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reconhecida, aparece no campo do privado, não interferindo nas relações externas (ELIAN; BARBOSA, 2015, p.36)”. Ainda nessa linha de considerações, Kennedy (2010) afirma que a criança percebe desde pequena que a identificação com o outro gênero foge às normas sociais e por isso não é aceita, assim, ser transgênero é algo “inaceitável”. Por conta disso, vemos que Michel em casa é tratado como Laure e junto aos seus colegas pode ser Michel. Em relação à irmã, a película mostra de forma clara a compreensão e o entendimento da irmã em relação ao irmão, que passa a elogiar o “novo amigo” de Michel em casa. Em relação a este aspecto, diante da questão “Como era a relação de Mikkael/Laure) com a irmã?”, as respostas de todos os sujeitos caminharam na mesma direção, ou seja, todos os sujeitos desta pesquisa, em suas respostas, compreenderam que Michel e a irmã possuíam uma boa relação, onde um cuidava do outro. Em Ma Vie En Rose, ao perguntarmos sobre a relação da avó com Ludovic, todos os sete sujeitos responderam que era uma boa relação, que a avó buscava compreender e ajudar Ludovic, sendo a primeira aquela que entendia como natural as atitudes do neto. A própria avó “[...] age e reage totalmente fora dos padrões estabelecidos: é moderna, tem espírito jovial, e é desprovida de preconceito” (FRANZÓ, 2011, p.155). Por conta de sua mente mais libertária, é tida como louca pelo genro. Sobre a relação de Ludovic com os irmãos, diante da questão “Como era a relação de

Ludovic com os irmão?”, quatro sujeitos compreenderam que era uma relação vaga, que não eram próximos e que a mais amigável com Ludovic era sua irmã. Percebemos com as respostas que dos sete sujeitos, quatro entenderam que Ludovic e os irmãos não se davam bem. Sobre isso, Elian e Barbosa (2015) comentam sobre a discriminação que os sujeitos que escapam às normas binárias de gênero sofrem em todos os ambientes sociais ao qual frequentam. Um dos sujeitos da pesquisa, a este respeito, percebeu a relação com os irmãos como uma boa relação, em que o gênero não interferia. Um sujeito respondeu apenas que ele tinha uma irmã e dois irmãos. Um sujeito falou sobre o fato da irmã de Ludovic, mesmo quando estava com dores por conta das transformações hormonais, tentou explicar para o irmão o porquê de ser um menino por meio do livro de Biologia. Assim, percebemos que diferentemente da relação com a avó, os irmãos de Ludovic se mostravam distantes, sendo a irmã a única que tentava ajudar Ludovic a entender sobre o porquê ele era um menino. Em uma das cenas de Ma Vie En Rose (1997), a irmã, por meio do livro didático, tenta explicar que ele, Ludovic, é um menino, pois nasceu com XY e meninas nascem com XX, porém, ao final da explicação Ludovic chega à conclusão de que Deus, sem querer, havia jogado um de seus X fora.

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Sobre essa busca por uma explicação, Kennedy (2010) comenta que as crianças transgênero compreendem desde cedo que a transexualidade não é algo permitido e reconhecido pela sociedade, assim, Ludovic busca encontrar uma explicação para que possa ser aceito pelas outras pessoas.

IDENTIDADE DE GÊNERO/PAPEL DE GÊNERO DOS PERSONAGENS Sobre identidade de gênero em Tomboy (2011), em relação à mentira sobre o nome de Mikkael, diante da questão “Por que Mikkael /Laure) mentiu seu nome?”, percebemos nas respostas de cinco sujeitos deste estudo que Mikkael mentiu sobre seu verdadeiro nome por conta da identidade de gênero com a qual se identificava, precisando de um nome que atendesse a sua verdadeira identidade. Um sujeito compreendeu que a mentira ocorreu por não se sentir bem como Laure. Outro sujeito entendeu que seria por conta de Mikkael estar passando por uma crise de identidade. Nesse sentido, ao entrarmos na questão de identidade de gênero, tendo os filmes como um instrumento educativo, podemos perceber que os estereótipos de gênero estão presentes desde a infância, onde a criança busca se portar da forma como se é esperado para cada gênero. Como faz notar Louro (1999, s/p), [...] o pensar sobre a articulação entre gênero e infância e, assim, pensar em como a criança apreende a concepção do que é ser menino e do que é ser menina, já que a sociedade ao traçar a definição do feminino e do masculino, mesmo que subjetivamente, também traça estereótipos que se multiplicam e se cristalizam. Dessa maneira, a oposição do binário masculino/feminino é reproduzida socialmente e, em muitos casos, é tomada como verdade única no momento de pensar o conceito de gênero masculino e feminino.

Diante da questão, “Você acredita que o fato da mãe de Mikkael /Laure) comprar roupas

masculinas e pintar o quarto de azul, influenciou em sua identidade de gênero? por quê?”, cinco sujeitos acreditam que não houve influência, pois, cor não possui gênero e porque foi a própria criança quem pediu aquela cor. Um sujeito acredita que possa ter influenciado em certo momento, pois fez com que acreditasse ainda mais no gênero com o qual se identificava e um sujeito não respondeu. Isso mostra que tal como a literatura nos apontou, os bebês ao nascerem recebem um nome e tudo o que caracteriza um gênero, de acordo com seus órgãos sexuais, assim, para as meninas, quartos rosas, bonecas, vestidos, já aos meninos é proposto o azul, bolas, calças, bonés, carrinhos e tudo que marque a sua masculinidade (ELIAN; BARBOSA, 2015).

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Quando abordamos a identidade de gênero em Ma Vie En Rose (1997), sobre Ludovic se comportar como menina, diante da questão “O que levava Ludovic a se vestir e se com-

portar como uma menina?”, cinco sujeitos compreendem que o comportamento se dava por conta da identificação com o gênero feminino. Um sujeito entendeu que era por ele ser uma menina e um respondeu que era porque se sentia bem como roupas de menina, por uma questão de conforto. Logo, como já comentamos anteriormente, o filme nos mostra Michel e Ludovic reproduzindo as atitudes que são esperadas para cada gênero com o qual se identificam, por meio da observação. A despeito disso, Elian e Barbosa (2015) consideram importantes esses atos, pois o gênero não é compreendido como algo natural, que nasce com o sujeito, mas como construído por meio das práticas sociais. Sendo assim, a criança vai construindo o que é ser menino e menina, através da história, cultura e simbolismos. Nesse sentido, passa a perceber o que é esperado, permitido e considerado próprio para as categorias de gênero. É, portanto, por meio desses atos performativos que Ludovic e Michel tentam se enquadrar ao gênero com o qual se reconhecem. Ao final de Ma Vie En Rose (1997), Ludovic pára de se vestir e se comportar como menina. Sobre isso, quando perguntados se “Ao final do filme, Ludovic pára de se vestir

como menina... essa atitude teria se dado por ele não se identificar mais como menina ou por conta da pressão que sofreu dos pais? Ludovic estava feliz com sua nova fase?” (Ma Vie En Rose, 1997), quatro sujeitos disseram que essa atitude ocorreu por conta da pressão dos pais e que a criança não estava feliz com sua nova fase. Outra compreensão de um dos sujeitos foi que Ludovic apresentava olhar triste, que foi obrigado pelos pais e que ainda tinha sonhos sobre ter virado menina. Um outro sujeito respondeu não ter entendido o final, mas que acredita ter sido por conta da pressão dos pais e que Ludovic não estava feliz, mas que em sua nova vizinhança ele iria ser melhor aceito. Um sujeito não respondeu. Assim, podemos perceber que dos sete sujeitos, quatro compreenderam que Ludovic mudou por conta da pressão dos pais e que se mostrava triste. A este respeito, Franzó (2011, p.163) comenta que [...] o modo como Ludovic percebe toda a situação. Ou melhor, interpreta que há algo que querem que seja mudado nele, mas não compreende exatamente o que está por trás dessa necessidade de mudança: “Dizem que eu me nego a mudar e que só lhes dou problemas [...]. Eu não quero mudar, mas quero que me amem.” Essa incompreensão – normal nessa idade – é vista por todos como teimosia e combatida severamente.

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Ainda sobre as mudanças esperadas para Ludovic, a autora acima mencionada continua afirmando que “para todos, Ludovic é o único diferente, portanto é ele quem deve ser mudado, transformado, para que se possa reger “a ordem”.

PRECONCEITO Em relação à atitude da mãe ter feito Mikkael colocar um vestido, diante da questão “Como você percebe a atitude da mãe de Mikkael (Laure) em relação à atitude de tê-la feito

vestir um vestido e ir na casa de seus/sua amigos/amiga, falar sobre ser Laure?” (Tomboy, 2011), cinco sujeitos entenderam que foi uma atitude brutal e violenta, podendo causar-lhe danos psicológicos. Um outro sujeito entendeu ser possível compreender a atitude da mãe, mas alegou não ser fácil fazer essa análise. Um sujeito não respondeu. Para Elian e Barbosa (2015, p.36), tal atitude da mãe ocorre “para reafirmar aos outros vizinhos que aquele garoto é uma garota, [...] o que em nossa cultura reforça a identificação feminina do sujeito”. Quando perguntados sobre a reação dos pais e vizinhos de Ludovic, na questão “Como

você percebeu a reação dos pais e dos vizinhos com a persistência de Ludovic em se identificar como uma menina?” (Ma Vie En Rose, 1997), quatro sujeitos responderam que era uma relação de rejeição ao perceber que Ludovic era uma criança diferente. Um sujeito respondeu que os vizinhos não compreendiam, achavam que era um erro dos pais e os pais acreditavam que teria uma “cura” para tudo que Ludovic fazia. Outro sujeito compreendeu que os pais acreditavam ser uma brincadeira e que os vizinhos estranharam. E por último, um sujeito disse que os vizinhos vivem em um mundo onde tudo acontece de um modo esperado, pois, para eles, toda a vida já é previamente planejada. Por meio das respostas dos sujeitos acima mencionados, sobre a relação de Ludovic com a família e a comunidade, podemos fazer uma relação com Franzó (2011, p.164), quando comenta que, Para todos, o que está errado com Ludovic é ele ser menino e desejar ser uma menina. Inversamente para o menino, é justamente estar em um corpo de menino, já que sua alma e pensamentos são de uma menina, que não está em conformidade. [...] para a comunidade tal busca de identidade só tem uma possibilidade: Ludovic deve pensar e agir como um heterossexual.

Em consonância com Franzó (2011), compreendemos que as diferenças sexuais são constituídas biologicamente, sendo as relações de gênero mediadas pela cultura. Visto desta forma, a família e a escola de Ludovic não propiciaram a ele a compreensão do que distingue um menino de uma menina. Assim, não lhe era mostrado ou questionado sobre diferenças entre gêneros. Nesse sentido, a nosso ver, essa falta de diálogo em relação ao Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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gênero, fazia com que Ludovic ficasse mais confuso, devido ao espanto de todos quanto às suas atitudes, não entendendo toda a estranheza que estava sofrendo dos pais e vizinhos. Ludovic acreditava que um dia seria uma mulher, sendo seu desejo de ser menina algo natural, diferente das outras pessoas, que se comportavam de forma preconceituosa diante de suas ações. Em uma cena podemos perceber a intolerância quanto às atitudes de Ludovic, particularmente quando o mesmo corre para a irmã, com medo de ir para o inferno, após Jerome (filho do chefe de seus pais e pelo qual Ludovic sentia atração e tinha uma amizade) pedir para trocar de lugar, pois se ficasse ao lado de Ludovic iria para o inferno. Tal falto faz com que o personagem Ludovic tenha a ideia de que Deus errou e que uma hora ele iria se tornar uma menina, reafirmando sua transexualidade. Devido a isso, continua a reproduzir os papéis de gênero com o qual se identifica, levando seus pais a procurarem ajuda de um Psicólogo. Sobre isso, Elian e Barbosa (2015, p.37) afirmam que é “interessante perceber que a ideia de patologização ligada à identidade de gênero faz com que haja uma ideia de cura para a transgeneralidade através do atendimento psicológico, procurando uma possível reversão e encaixe no padrão normativo”. Os pais acreditam que a heterossexualidade é algo que pode ser ensinado, dessa forma, a família passa a buscar meios de ensinar Ludovic a ser menino. Essas atitudes são mostradas nas cenas em que mãe corta o cabelo de Ludovic, para, dessa forma, quem sabe eliminar o desejo do mesmo em se transformar em menina. Já o pai começa a passar mais tempo com o filho, levando-o para jogar futebol, por isso, na ideia dos pais, tais atitudes iriam garantir sua heterossexualidade. Sobre a transexualidade em Ma Vie En Rose, [...] o diretor acrescenta em sua história a paixão de Ludovic por Jerome. No caso da transexualidade, uma vez que a identidade de gênero do garoto seria feminina a paixão pelo vizinho revela sua orientação heterossexual, todavia é a compreensão social da suposta homossexualidade do garoto que indica, além da transexualidade, o incômodo dos familiares e dos vizinhos. Tudo isso causa grandes desentendimentos entre Ludovic e as pessoas a sua volta, já que para eles os comportamentos de Ludovic são atípicos e destoantes dos padrões sociais aceitos e valorizados, o que causa vergonha e conflito para a família de Ludovic que lidam com o sentimento de anormalidade (ANACLETO; MAIA, 2010, s/p).

Isso também ocorre em Tomboy, quando Mikkael é descoberto como garota, ele é apontado como lésbica, por ter beijado uma amiga. Do mesmo modo, em Ma Vie En Rose Ludovic é chamado de marica. Logo, mesmo que a sexualidade não-normativa não seja

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reconhecida, ela é compreendida socialmente, mas isso não ocorre com a transgeneralidade, pois é muito mais rejeitada socialmente. Por conta disso, os comportamentos que são desviantes à heteronormatividade, muitas vezes são associados à homossexualidade e não à transexualidade. Ainda assim, os preconceitos, a discriminação e a violência, reconhecidos como homofobia, permanecem, por conta da normatividade imposta. Com isso, os sujeitos que não se enquadram podem perder acesso e direitos básicos, como à educação, ao espaço público, ao campo jurídico e à cidadania (ELIAN; BARBOSA, 2015). A família entende que a sexualidade é biológica, não percebendo que é resultante de construções sociais e históricas de nossa sociedade, dessa forma, a educação passa a ter o objetivo de evitar que a criança reproduza atitudes diferentes às esperadas para seu sexo biológico. No filme, isso nos parece muito evidente nas atitudes de recriminação da família aos comportamentos de menina de Ludovic, relacionando isso a uma “orientação sexual desviante” (ANACLETO; MAIA, 2010, s/p). Percebemos, então, que esses preconceitos podem vir da própria família. A este respeito, Elian e Barbosa (2015, p.39) reforçam que àqueles que “escapam às normas binárias de gênero, acabam sofrendo violências morais e físicas em todos os ambientes que frequentam, a começar pela própria casa. Em Ma Vie En Rose, após uma partida de futebol, Ludovic começa a ser caçoado por alguns garotos por não ser masculino como os demais. Após as provocações verbais, os garotos ainda o agridem fisicamente. Nesta ocasião, os irmãos assistem a cena e não intervém. Reparamos esse tipo de atitude dos pais também, que por sofrerem discriminação, passam a culpabilizar Ludovic por tudo o que a família estava passando. Nesse sentido, percebemos no filme Ma Vie En Rose como a família se prende às normas sociais, acabando por não perceber que eles próprios não entendem as atitudes e desejos de Ludovic, tornando-se reprodutores dos preconceitos e estranheza dos vizinhos, provocando sofrimento e conflitos ao garoto. Assim, enxergam como “solução” recriminar todas as atitudes que se mostram desviantes dos padrões normativos. Para ficarem longe dos olhares preconceituosos dos vizinhos, mudam de cidade, para começarem uma nova vida. Com base nestas reflexões, esperamos com esse texto, que este objeto de estudo possa ser ampliado em sua discussão em cursos de formação de professores, para que ocorra uma melhor compreensão e discussão sobre o assunto.

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CONCLUSÃO Em síntese, acreditamos que filmes que retratam crianças transgênero contribuem para que educadores, pais e estudantes possam ampliar a compreensão acerca da possibilidade da transgeneridade na infância e (re)pensar suas práticas, tanto no campo da educação, quanto no social e familiar. Isso porque, as produções cinematográficas podem ser abordadas enquanto instrumento educativo, promovendo diálogos sobre temáticas complexas e polêmicas que envolvem gênero e sexualidade, sobretudo experiências de desconstrução de estigmas presentes dentro desses temas. A nosso ver, o cinema, por abordar de forma poética e estética a transgeneridade na infância, pode auxiliar educadores na compreensão dessa temática e assim reduzir práticas discriminatórias, contribuindo, também, na compreensão sobre o processo de identificação da criança com seu gênero de nascimento, de modo que possam lhes oportunizar o direito de vivenciar seu lugar de desejo de ser e estar na sociedade (ELIAN; BARBOSA, 2015).

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ANACLETO, Aline Ariana Alcântra; MAIA, Ana Claúdia Bortolozzi. Gênero na infância: análise do filme” La vie en rose” como instrumento pedagógico em educação sexual. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, v. 4, n. 3, 2010.

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FILMOGRAFIA Minha Vida em Cor-de-Rosa (Ma vie en rose). Direção: Alain Berliner. Bélgica/França/Reino Unido, 1997. 98 min. SCOTT, Joan. Gênero: uma Categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade. 20 (2), p.71-99, 1995.

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16 Gestão do conhecimento e sua prática aplicada na base nacional comum curricular

Reinaldo Repinasi dos Santos1 Unicesumar

Vânia Luzia Tiedt Torres Unicesumar

Letícia Fleig Dal Forno Unicesumar

10.37885/211106594


RESUMO

Este trabalho objetiva estabelecer relação entre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a Gestão do Conhecimento no que se refere às suas práticas. Desta forma será elaborada uma reflexão sobre as competências instituídas pela BNCC para a educação básica e quais práticas da Gestão do Conhecimento podem ser utilizadas no intuito de favorecer a aplicabilidade de tais competências. Quanto a metodologia, trata-se de uma pesquisa de natureza básica, realizada por meio de estudo bibliográfico e de abordagem qualitativa, com objetivo descritivo – exploratório com delineamento em estabelecer relação entre a BNC e as Práticas da Gestão do Conhecimento. Com a pesquisa de estudo bibliográfico e a análise das práticas de gestão do conhecimento e das competências descritas na BNCC tornou-se possível verificar que no contexto escolar a aplicação de ações que promovam compartilhamento, socialização e criação do conhecimento são estratégias para uma melhor atuação profissional quanto ao processo de ensino, e quanto a promoção de um ambiente colaborativo.

Palavras- chave: Práticas de Gestão do Conhecimento, Educação, Competências, Desenvolvimento Pedagógico.

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INTRODUÇÃO O contexto educacional apresenta uma estrutura disciplinar que remete a um processo de aprendizagem vinculado a especificidade de cada conteúdo e relacionada à elaboração de conceitos a serem replicados e aplicados nas práticas profissionais (SENGE et al., 2005). Essa perspectiva remete a concepção de que as disciplinas ofertam ferramentas e técnicas para o desenvolvimento e aplicação de métodos que possibilitem o desenvolvimento das capacidades e das habilidades referentes às especificidades de cada disciplina, no seu singular (SENGE et al., 2005). Desse modo, aliados pelo conhecimento das políticas que apoiam a Educação junto às determinações constitucionais previstas no documento de 1988 em sua seção I – da Educação no artigo 205 (BRASIL, 1988), justifica-se a importância deste trabalho pelo levantamento de uma discussão que seja capaz de provocar o entendimento da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2018) aliado à sua contextualização à Gestão do Conhecimento (GC) de forma geral, bem como no espaço escolar. A GC por apresentar característica interdisciplinar, considera o conhecimento enquanto uma unidade de análise comum a um grupo, não se limitando apenas a um indivíduo ou organização especificamente, mas sim apresentando a dinâmica que existe na troca e no movimento da informação (DAVENPORT; PRUSAK, 1998). Assim, a GC tem por objetivo apoiar a geração de novos conhecimentos, de forma que possa ser o resultado do processamento de uma informação contextualizada, bem como, reconhecida e integrada a um conceito (CHENG, 2013). Portanto, este trabalho tem como objetivo estabelecer relação entre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a Gestão do Conhecimento (GC) no tocante às suas práticas. Assim, realizar-se-á a reflexão sobre as competências instituídas pela BNCC para a educação básica e quais práticas da Gestão do Conhecimento podem ser utilizadas no intuito de favorecer a aplicabilidade de tais competências. Para a consolidação dessa proposta, este estudo delimita a seguinte problematização: qual a relação entre a proposta da BNCC e as Práticas de Gestão do Conhecimento voltadas à Educação? Nesse sentido, esta pesquisa se destaca com cunho social, uma vez que sua publicação colocará em contato o meio educacional e a população que desprende interesse por este tema, provocando processos de reflexão e de mudanças de hábitos que possam ser significativos, respectivamente, à busca por um fazer pedagógico pautado nestas duas vertentes discutidas. A pesquisa também se justifica por oportunizar ao pesquisador a reflexão sobre sua atuação e métodos adotados em sala de aula, pois em situação de trabalho a fim de uma atividade docente que possa alcançar a todos os alunos atendidos, de forma a oportunizá-los

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um contexto sistêmico mais qualitativo e voltado à superação das dificuldades de gestão, reafirmando, assim, seu compromisso com a Educação. Além desta introdução, apresentar-se-á o referencial teórico que tratará sobre a BNCC e a Gestão do Conhecimento, metodologia, resultados e discussões acerca da pesquisa e considerações finais.

METODOLOGIA Trata-se de uma pesquisa de natureza básica que objetiva o avanço do conhecimento científico sem a necessidade de aplicabilidade imediata (GERHARDT; SILVEIRA, 2009). Realizada por meio de estudo bibliográfico e abordagem qualitativa, com objetivo descritivo - exploratório, caracterizados pelo propósito de considerar uma possibilidade de relação entre os objetos da pesquisa (CRESWELL, 2009). Pode-se identificar que essa modalidade de pesquisa é prospectiva e com delineamento em estabelecer relação entre a BNCC e as Práticas da Gestão do Conhecimento. Referencial teórico Nesta seção será discorrido sobre a legislação que fundamenta a BNCC, suas proposições de conteúdos integrantes nos currículos, a aplicação das competências e das habilidades para o desenvolvimento educacional dos aprendizes. Também discorrer-se-á sobre a Gestão do Conhecimento no âmbito escolar. A BNCC e sua proposta para o sistema de ensino na atualidade Ao tratar sobre a proposta desenvolvida para o sistema de ensino brasileiro ante a BNCC, é preciso fazer uma retomada histórica para entender seu processo de organização. A reestruturação dos currículos educacionais fora fomentada na Constituição Federal de 1988, prevendo que fossem fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, a fim de não tolher a formação básica comum, respeitando os valores culturais e artísticos, nacionais e regionais de todo país (BRASIL, 1988). A BNCC teve seu processo de inicialização no ano de 2015, a partir da publicação da Portaria 592 do Ministério da Educação, definindo os sujeitos da elaboração deste documento, sendo professores atuantes desde o ensino superior à educação básica. Moreno (2016, p. 10), enfatiza que: O projeto de uma Base Nacional aglutinou uma série de interesses difusos. Houve o envolvimento intenso da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) e do CONSED, o Conselho Nacional de Secretários de Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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Educação. Para as discussões também foi convidada a Conferência Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE). Um aporte significativo, contudo, foi dado pela criação do Movimento pela Base Nacional Comum da Educação em abril de 2013, a partir do “Seminário Internacional Liderando Reformas Educacionais”. O Movimento pela Base foi formado por fundações e institutos mantidos pela iniciativa privada, ligados a ideais voltados à criatividade, tecnologia, empreendedorismo e, pelo menos no âmbito do discurso, da educação como ciência aplicada mais do que como práxis política.

A solicitação e demanda para que os currículos educacionais fossem compostos por uma base comum em caráter nacional, insurge pela década de 80. Menciona-se o artigo 210 da Constituição de 1988 tratando que “serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais” (BRASIL, 1988, s/p). Identifica-se, também, a descrição apresentada em outro documento de referência das ações educacionais no território brasileiro, que é a Lei 9394/96 a Lei de Diretrizes e Base Nacional da Educação - LDB - (BRASIL, 1996). Neste documento apresenta-se que Artigo 26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos. (BRASIL, 19996, s/p)

Assim, torna-se possível compreender que a proposta de uma base curricular comum ao território nacional foi se desenhando no caminho histórico dos documentos educacionais entre a década de 90 até 2010. Identifica-se, ainda, a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN‟s, 1997), e as Diretrizes Curriculares (2013). Logo em 2014, o documento intitulado Por uma política curricular para educação básica: contribuição ao debate da base

nacional comum a partir do direito à aprendizagem e ao desenvolvimento (BRASIL, 2014), apresenta em três partes essa padronização de uma base comum. As três partes deste documento se designam em (BRASIL, 2014): I. As diretrizes curriculares nacionais para a Educação Básica: subsídios para a elaboração da base nacional; II. Direito à aprendizagem e ao desenvolvimento na Educação Básica; III. A contribuição das áreas do conhecimento na realização do direito à aprendizagem e ao desenvolvimento, considerações finais e referências. Com o intuito de garantir a aplicação de conteúdos mínimos, em uma perspectiva padronizada para todo o território brasileiro, designou-se à União juntamente com o Distrito Federal e os municípios esta responsabilidade e parceria. O intuito cerceava o ideal de um Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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sistema de ensino que se traduziria em um caráter comum a todos os alunos, por meio da Lei n.º 9.394/1996 (BRASIL, 1996). Em consonância com a LDB (BRASIL, 1996) e com a Constituição Federal (BRASIL, 1988), nasceram os PCN‟s, que visavam atender a organização do ensino (BRASIL, 1997). Porém, apesar da sua obrigatoriedade de implantação, na prática, a realidade brasileira ainda estava muito longe da prevista na legislação, o que levou as Diretrizes Curriculares Nacionais serem o alicerce para BNCC, conforme é apresentado pelo próprio Ministério da Educação, em sua página oficial (BRASIL, 2018). A BNCC propõe conteúdos previstos nos currículos, de modo que estejam à serviço da aplicação das competências e habilidades necessárias para formação do sujeito para o século XXI, indo ao encontro daquilo que se configura como competência: a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), desenvoltura hábil capazes de sanar situações da rotina diária, onde ser competente é ser capaz de, ao se defrontar com um problema, utilizar o conhecimento construído (BRASIL, 2018). Todavia, corrobora-se que competência, no tocante à BNCC, é um movimento contínuo para culminar na aplicabilidade dos conhecimentos escolares (BRASIL, 2018). O texto apresentado na BNCC (BRASIL, 2018) evidencia a concepção de que esta é um documento norteador que tem como objetivo proporcionar mudanças e normatizações na educação básica a nível de território brasileiro: A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE). (BRASIL, 2018, p.7)

Assim, é possível compreender que a estruturação do documento foi realizada no intento de padronizar o reconhecimento de conteúdos, estratégias e competências comuns no currículo, assegurando o direito e a qualidade na educação básica em todo território nacional. Cumprindo com o objetivo de se estabelecer esta padronização em face às competências, explicita-se como elas se dispõem na BNCC. Foram elaboradas as 10 competências, que tem o intuito de valorizar o conhecimento histórico cultural no âmbito mundial, instigar a curiosidade artística, propor o aprendizado de diferentes linguagens, conhecer as tecnologias e seus usos em benefício da aquisição de conhecimento, compreender a importância da saúde física e mental, bem como a vida em sociedade (BRASIL, 2018). O quadro1 abaixo evidencia cada uma destas competências.

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Quadro 1. Competências. 1 - Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva. 2 - Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas. 3 - Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural. 4 - Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das linguagens artísticas, matemática e científica, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo. 5 - Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva. 6 - Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade. 7 - Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta. 8 - Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo- se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas. 9 - Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza. 10 - Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários. Fonte: Brasil (2018, p. 9-10).

Ao adotar esse enfoque, a BNCC sinaliza que as decisões pedagógicas devem estar orientadas para o desenvolvimento de competências por meio da indicação explicita do que os alunos devem "saber", considerando a constituição de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores. Pondera-se a importância daquilo que devem "saber fazer", considerando a mobilização desses conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho (BRASIL, 2018). No tocante às Habilidades, a partir do disposto na BNCC, se delimita também pelas aprendizagens essenciais, e esta por sua vez, não pode deixar de ser assegurada aos Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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educandos nos diversos contextos da escola, além de ser considerada sob as perspectivas da continuidade das aprendizagens ao longo da vida escolar (BRASIL, 2018). Neste sentido, é possível reconhecer que a BNCC não é um documento iniciado sem os princípios das diretrizes da Educação do Brasil. Para tanto, passa-se a analisar a relação da Gestão do Conhecimento, e suas possíveis relações com a BNCC. Gestão do conhecimento no espaço escolar A GC é conhecida como um recurso estratégico com significativa relevância para as organizações, pois permite que as empresas criem, disseminem e utilizem conhecimentos para adquirir riquezas de maneira sustentável, gerando aprendizagem contínua para alcançar de modo abrangente os objetivos estratégicos da empresa. Assim, a GC detém características que proporcionam às organizações ferramentas, técnicas e recursos que garantam competitividade no mercado. Deste modo, o conhecimento é, na atualidade, um recurso fundamental para as organizações, e estas precisam reconhecer a importância do conhecimento (TERRA, 2009). A terminologia Gestão do Conhecimento vem da tradução dos termos em inglês

Knowledge e Management, utilizado por Davenport e Prusak (1998). E as transformações que o cenário mundial vivenciou nas últimas décadas nos processos de comunicação e tecnologia, permitiram que o conhecimento, na visão organizacional, se transformasse em um ativo valioso (ALARCOM, 2015). Este ativo valioso, é uma das características da Gestão do Conhecimento (GC). Compreende-se o conhecimento a partir de práticas e informações contextualizadas que estruturam uma base para incorporar novas experiências (DAVENPORT; PRUSAK, 1998). Neste contexto, a GC passa pela compreensão das características e demandas do ambiente competitivo e pelo entendimento das necessidades individuais e coletivas associados aos processos de criação e aprendizagem (TERRA, 2005). No âmbito escolar a GC parece ser utilizada informalmente, o que faz com que as instituições de ensino possam ter perdas na agilidade, na tomada de decisão e no compartilhamento do conhecimento, o que representa um desafio a ser superado pelos gestores educacionais (ALARCOM, 2015). O processo de verificação e análise das organizações pela perspectiva da GC também deram lugar a verificação e análise dos desafios constantes no cenário educacional (ALARCON 2015). De acordo com Cheng e Lee (2016, p.559), “o capital intelectual é um recurso intangível e vêm de relações entre a escola e as suas partes interessadas, desde a capacidade da escola para inovar e gerir a mudança, desde a sua infraestrutura e do conhecimento e experiência e competências transferíveis do seu pessoal”. Neste sentido, cabe ressaltar que o ambiente escolar se revela como o local mais propício para que ocorra o desenvolvimento Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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do capital intelectual, culminando na aprendizagem significativa dos estudantes, no que tange à aquisição de competências e habilidades. Desta forma, é necessário considerar a importância de se construir uma escola que aprenda e que forme alunos cidadãos para a sociedade, conseguindo assim se adotar uma cultura aprendente, em que se estabeleça uma relação entre os conhecimentos dos alunos e suas necessidades, para se alcançar realmente uma aprendizagem significativa (SENGE

et al., 2005). Neste sentido, a aplicação de práticas de GC no ambiente escolar pode ser utilizada como uma ferramenta necessária para auxiliar no trabalho dos docentes buscando desenvolver práticas, processos e políticas que contribuam com a construção de saber, propicie conhecimentos significativos e resultem em melhora no ensino (CHENG; LEE, 2016). Com relação às Práticas de Gestão do Conhecimento (PGC‟s), Batista (2006) as define como práticas de gestão organizacional, direcionadas para a produção, retenção, disseminação, compartilhamento e aplicação do conhecimento dentro das organizações. Assim como na relação dessas com o mundo exterior. Isto envolve a captura, absorção e retroalimentação de todo o conhecimento que possa promover o desenvolvimento organizacional. Para tanto, as PGC‟s deverão estar alinhadas essencialmente com a missão, a visão de futuro e as estratégias da organização (ALARCOM, 2015). No âmbito desta pesquisa, houve a proposição de relacionar as PGC's às habilidades propostas pela BNCC, no intuito de demonstrar que a Gestão do Conhecimento tem muito a contribuir no que se refere a educação. Dentre as várias práticas pesquisadas, delimitou-se aqui apenas as ações que podem auxiliar no melhor desenvolvimento das habilidades, tais como: café do conhecimento, captura de ideias, comunidades de prática, espaço presencial colaborativo, lições aprendidas e narrativa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO A partir da análise e verificação das práticas elencadas, infere-se na Tabela 1 a correlação direta entre as PGC‟s (café do conhecimento, captura de ideias, comunidades de prática, espaço presencial colaborativo, lições aprendidas e narrativa) e a GC, como um delineamento da BNCC à educação básica. Destaca-se previamente que a descrição de cada uma das PGC‟s foi analisada e descrita/conforme a Asian Productivity Organizacion (APO, 2010). E refletem uma aproximação da concepção e função de cada uma das práticas destacadas. As competências apresentadas na quarta coluna da Tabela 1 são referenciadas na BNCC (BRASIL, 2018) e no Quadro 1- Competências apresentado anteriormente neste estudo.

214 Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2


Tabela 1. Correlação entre as PGC‟s e as competências propostas pela BNCC. Práticas da Gestão do Conhecimento

Descrição da PGC’s

Classificação

Competências para educação básica segundo BNCC

NARRATIVA

Prática utilizada para compartilhar experiências e lições aprendidas, por meio de relatos e eventos que consistem em literalmente contar histórias de forma simples utilizando palavras e imagens.

Compartilhamento do conhecimento

Competências nº 1, 6, 7, 9

CAPTURA DE IDEIAS

Conjunto de processo para coletar, classificar, recuperar, armazenar e compartilhar o conhecimento nas atividades diárias da organização.

Criação do conhecimento

Competência nº 2,

LIÇÕES APRENDIDAS

Técnica para capturar lições aprendidas, após a conclusão de um projeto. Permite que os membros da equipe possam descobrir o que aconteceu, porque aconteceu e como manter e melhorar os pontos fortes e fracos.

Criação, armazenamento e compartilhamento do conhecimento

Competência nº 3

ESPAÇO PRESENCIAL COLABORATIVO

Prática utilizada na organização para o trabalho colaborativo em equipe na prototipagem e design de produtos e processos, incentivando a experimentação e testando ideias.

COMUNIDADES DE PRÁTICA (CoPs)

Grupos de pessoas que compartilham uma preocupação ou um sentimento por algo que fazem e aprendem. No contexto da Gestão do Conhecimento, as CoPs são formadas intencionalmente ou de forma espontânea para compartilhar e criar habilidades comuns, conhecimento e experiência entre os participantes.

Identificação, criação, armazenamento, compartilhamento e aplicação do conhecimento.

Competências nº 7, 10

CAFÉ DO CONHECIMENTO

Discussão em grupo, para refletir, desenvolver e compartilhar, pensamentos e ideias que vão surgindo, de uma forma muito não conflituosa.

Identificação, criação, armazenamento, compartilhamento e aplicação do conhecimento.

Competência nº 8

Criação, compartilhamento e aplicação do conhecimento

Competências nº 4, 5

Fonte: Os autores.

De acordo com a análise evidenciada na Tabela 1 apresentada acima, identificam-se que as PGC‟s postas para esta discussão de alinhamento entre BNCC e GC, podem ser aplicadas a mais de uma competência. Vale ressaltar o contexto e os objetivos a serem alcançados pela organização escolar, são de fundamental importância para a exequibilidade destas PGC‟s. Para Machado (2017) e Machado, Urpia e Dal Forno (2019) associar as práticas de GC ao contexto educacional pode promover práticas pedagógicas que sejam transformadas para a gestão escolar, e também, para a promoção de uma aquisição de conhecimento em perspectiva de promover uma educação de qualidade (CHENG; LEE, 2016; SENGE et al., 2005). Diante destas descrições, e da construção da Tabela 1, evidencia-se que aproximar as PGC‟s ao contexto escolar, e associar as classificações como compartilhamento do conhecimento; criação do conhecimento; criação, armazenamento e compartilhamento do conhecimento; criação, compartilhamento e aplicação do conhecimento; e identificação, criação, armazenamento, compartilhamento e aplicação do conhecimento, pode-se projetar estratégias pedagógicas condizentes com as competências descritas na BNCC (BRASIL, 2018). Neste sentido este trabalho aborda as relações entre a GC e a BNCC, bem como Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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evidência para que profissionais da educação possam transformar algumas estratégias e metodologias de ensino.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho teve como objetivo estabelecer relação entre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a Gestão do Conhecimento no tocante às suas práticas. Assim, foi possível realizar uma reflexão sobre as competências instituídas pela BNCC para a educação básica e quais práticas da Gestão do Conhecimento podem ser utilizadas no intuito de favorecer a aplicabilidade de tais competências. A relação estabelecida entre a BNCC e as PGC‟s é que cada vez mais o profissional da educação precisa reconhecer estratégias que sejam promotoras de um processo de ensino voltado para o compartilhamento, a troca, a socialização do conhecimento, de modo que o aprendiz reconheça seu papel para a sua aprendizagem. Assim como, para que a organização escolar promova momentos, espaços e situações que possibilitem aos profissionais da educação a compartilharem, socializarem e estudarem entre pares suas experiências profissionais, suas estratégias de ensino e as abordagens pedagógicas, reconhecendo boas práticas e identificando que atuam em um ambiente colaborativo. Nesse sentido, esta pesquisa se destaca com cunho social, uma vez que sua publicação colocará em contato o meio educacional e a população que desprende interesse por este tema, provocando processos de reflexão e de mudanças de hábitos que possam ser significativos, respectivamente, à busca por um fazer pedagógico pautado nestas duas vertentes discutidas.

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TERRA, J. C. C. Gestão 2.0: Como integrar a colaboração e a participação em massa para o sucesso nos negócios. Rio de Janeiro: Campus, 2009.

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17 Análise das consequências da depressão no desenvolvimento da prática pedagógica de professores nas escolas de Santos

Luiz Henrique de Paula

10.37885/220107397


RESUMO

Essa pesquisa se desenvolve dentro de uma proposta de saúde e educação tendo como seu objetivo geral, “Analisar os efeitos da depressão no desenvolvimento da prática pedagógica de professores nas escolas de Santos, São Paulo”. Considerando que o adoecimento mental dos professores é um caso antigo que hoje tem se tornado uma epidemia emocional, e agora com agravantes como no caso do COVID19, as mudanças tecnológicas, a reinvenção para o ensino híbrido, todos esses pontos tem minado a saúde do professor e todo o seu potencial pedagógico em seu ambiente de trabalho. O problema da pesquisa foi: Quais as consequências da depressão no desenvolvimento da prática pedagógica de professores nas escolas da Cidade de Santos? Essa investigação pretende chegar aos suas conclusões com os objetivos específicos: Descrever os ambientes escolares que podem desencadear a depressão dos professores; Conhecer os sintomas da depressão de professores ativos e afastados; Identificar as consequências que a depressão exerce sobre os professores e as causas em suas práticas pedagógicas; Propor ações de prevenção da depressão de professores ativos. O enfoque misto será a melhor abordagem por se desenvolver na união dos enfoques qualitativo e quantitativo. Utilizaremos o método descritivo de tipologia não experimental onde será possível pesquisar, observar, registrar e analisar dados com mais precisão, proporcionando maior compreensão sobre o tema estudado. Os instrumentos usados foram, a entrevista, e o questionário para os níveis de depressão do Inventário de Beck. A pesquisa foi realizada com professores das escolas municipais de Santos, São Paulo, Brasil. Todos os professores que participaram da pesquisa estavam em algum nível de depressão. Também temos nessa pesquisa uma análise, interpretação e comparação com as conclusões de uma tese anterior feito pelo mesmo autor. Os resultados ao final da pesquisa nos levaram a presenciar que os professores estão em um processo de adoecimento crescente, e cada vez mais a depressão agrava o desempenho pedagógico do professor.

Palavras-chave: Professor, Depressão, Prática Pedagógica, Saúde Psíquica, Tecnologia.

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INTRODUÇÃO O grande desafio de nosso tempo é a palavra mudança, e talvez a segunda seguida dessa mudança é a palavra velocidade. Em nome do avanço do ser humano e suas conquistas tecnológicas parece que estamos perdendo a capacidade de “ser humanos”, tamanho as exigências de pensamento que temos vivenciado. A pandemia de Covid-19 é um exemplo dessa realidade apresentada, chegou em março de 2020 e tem avançado, um mal que acelerou os propósitos e com certeza podemos dizer que nunca voltaremos a viver o que vivíamos antes da pandemia. Diferentes setores aproveitaram para fazer um balanço de suas respectivas áreas. Na saúde mental, por exemplo, é possível perceber um aumento considerável nos casos de ansiedade, depressão e burnout – especialmente entre profissionais da linha de frente. Em outubro de 2020, ainda antes da segunda onda, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um estudo indicando que a pandemia havia abalado os serviços de saúde mental em 93% dos países – ao mesmo tempo em que a demanda por atendimentos crescia significativamente. Um exemplo disso está na comercialização de antidepressivos e estabilizadores de humor, que só no Brasil aumentou 14% em 2020 – saindo de 56,3 milhões de unidades vendidas em 2019 para 64,1 milhões. Segundo pesquisa realizada entre junho e julho de 2020 por cientistas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), 80% da população brasileira apresentou sintomas de ansiedade depois do início da pandemia. Os dados evidenciam a enorme lacuna aberta entre a demanda e o acesso a serviços de saúde mental. De maneira geral o olhar dos profissionais e posicionamentos teóricos em relação a depressão tem mudado, exatamente por causa das transformações que a vida atual exige para sermos competitivos profissionalmente. Nesse caso da pesquisa podemos afirmar que toda mudança exige tempo e estrutura, o que não acontece quando pensamos no professor, ele acaba não tendo tempo, estrutura e formação para atuar, produzindo assim dificuldades profissionais e mais adoecimento. Na América Latina, 22,4% da população acaba sofrendo com distúrbios mentais como depressão ou ansiedade generalizada. No Brasil, cerca de 10% dos anos vividos com incapacidade estão causalmente associados a essas doenças, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). O processo online, tanto de formação quanto de ensino aprendizagem feito à distância tem demonstrado resultados crescentes de transtornos na área da saúde emocional, principalmente tratando da saúde de professores, e percebemos a necessidade de grandes adaptações devido a demanda atual pensando nessa nova maneira de atuação, principalmente um cuidado que o professor deve buscar, adquirindo recursos sociais e principalmente Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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emocionais para seguir em sua vocação. A ausência dos recursos educacionais e emocionais, ou a realização do ensino fragmentado exercido à distância, sem primeiro planejar e organizar, pode se formar um fator de risco ao processo de desenvolvimento do ensino aprendizagem que merece ter os seus efeitos adequadamente investigados. (HOLMES 2020). As práticas do dia a dia dos professores, segundo pesquisas anteriores, tem sido marcadas por pesadas cargas horarias de trabalho, o que pode aumentar o estresse promovendo cada vez mais pressão interna e externa. A constante exposição à um elevado nível de estresse pode transformar de maneira conflitiva, o trabalho em sofrimento que pode leva-lo ao adoecimento precoce. Além disso temos que apresentar a chegada e o estabelecimento da tecnologia dentro das escolas em tempo recorde devido a COVID19, se fez necessário o uso de recursos facilitadores para que o processo de educação aconteça de maneira satisfatório cumprindo sua totalidade dentro do contexto de uma sociedade cada vez mais exigente. O trabalho do professor se torna em muitas situações, o ambiente onde esse sujeito vai desenvolver a depressão, de acordo com Duarte (2010), a depressão está associada a não conseguir a produzir no ambiente de trabalho. Estudos têm confirmado a depressão como um dos principais fatores que envolvem a saúde e desempenho do trabalhador (Fonseca e Carlotto, 2011 e Pereira e Morgado, 2012). Dentro desse contexto propõe-se o problema da pesquisa: Quais as consequências da depressão no desenvolvimento da prática pedagógica de professores nas escolas da Cidade de Santos? Essa investigação pretende chegar as suas conclusões com o Objetivo geral Analisar os efeitos da depressão no desenvolvimento da prática pedagógica de professores nas escolas de Santos, São Paulo”. E os objetivos específicos: Descrever os ambientes escolares que podem desencadear a depressão dos professores; Conhecer os sintomas da depressão de professores ativos e afastados; Identificar as consequências que a depressão exerce sobre os professores e as causas em suas práticas pedagógicas; Propor ações de prevenção da depressão de professores ativos. Essa investigação pretende trazer uma discussão voltada a depressão dos docentes pois a mesma vem sendo tema em muitos países sendo um dos grandes desafios de especialistas e pesquisadores. Além disso essa pesquisa se faz comparar com a tese de mestrado deste autor comparando com essa tese doutoral. Entendemos não esgotar o tema nessa pesquisa e sim prover contribuições para que novos estudos. Essa pesquisa se justifica devido as demandas do trabalho do professor pois as pesquisas demonstram que em toda América do Sul não tem sido dado a devida atenção para

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a saúde do professor que desenvolve suas funções sem preparo emocional,sem formação para as novas demandas, sem estrutura tecnológica, e em ambientes de risco. Ao termino dessa investigação fizemos uma comparação com a pesquisa da tese de mestrado do mesmo autor: “A influência da depressão dos docentes em sua prática pedagógica no ensino fundamental de duas escolas municipais da cidade de Santos”. realizada em 2018, percebendo se houve ou não, nesses anos mudanças em relação ao saúde do professor e as políticas publicas.

METODOLOGIA Com o objetivo de alcançar com efetividade os resultados propostos nos objetivos percebemos que o enfoque misto será a melhor abordagem por se desenvolver na união dos enfoques qualitativo e quantitativo. Utilizaremos o método descritivo de tipologia não experimental onde será possível pesquisar, observar, registrar e analisar dados com mais precisão, proporcionando maior compreensão sobre o tema estudado. A pesquisa poderá se desenvolver em uma população amostral ou em um subconjunto definido previamente. Esse estudo também pode ser conhecido como estudo de prevalência. Os dados coletados e analisados no estudo transversal são de pessoas parecidas em todas as variáveis. Exceto na variável que está sendo estudada. Essa variável é a que permanece constante durante todo o estudo transversal. Ao escolher o enfoque misto necessitamos apresentar os enfoques qualitativo e quantitativo. Segundo Biklen e Bogdan (1994) a pesquisa qualitativa nos proporciona saber que os dados obtidos são importantes do ponto de vista descritivo, além de constatar que a investigação na pesquisa qualitativa se apresenta com a visão teórica que amplia sua visão a partir de uma história, uma cultura dentro da realidade social. Para Minayo (2012) o ponto principal levantado é que a pesquisa qualitativa se adequa a aprofundar a complexidade de fatos e processos particulares. O destaque aqui também, demonstra que o enfoque qualitativo contribui de forma determinante em aclarar os processos sociais. Podemos afirmar que no desenvolvimento da pesquisa se torna mais fácil dividi-la em três partes de técnicas existentes: as quantitativas, as qualitativas e os mistos. No método misto a pesquisa se desenvolve em resposta a necessidade de se aclarar o objetivo e de juntar dados quantitativos e qualitativos em um único estudo. Incluindo os métodos múltiplos de dados e formas múltiplas de análise, o aprofundamento desses projetos exige atitudes mais explícitas. De acordo com Gil (2008, p. 55), “as pesquisas descritivas possuem como objetivo a descrição das características de uma população, fenômeno ou de uma experiência. Por Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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exemplo, demonstrar os reais aspectos de um determinado grupo em relação a sexo, faixa etária, renda familiar, nível de escolaridade etc”. Nesse realidade abordada por Gil, esse tipo de pesquisa nos permite aprofundar mais as reais situações que se encontram os docentes das escolas municipais da cidade de Santos, para isso utilizaremos técnicas instrumentais que levarão a alcançar os dados, ou seja, para explicar melhor a utilização dessas técnicas, Gil (2008, p. 56), diz que o investigador pode desfrutar das “técnicas padronizadas de coleta de dados tais como: entrevistas, questionários e a observação sistemática”. População Para caracterizar os indivíduos da pesquisa, este estudo utilizou-se da definição dada por Furasté (2007, p. 55) para o termo população que é compreendida através do público alvo da pesquisa, ou seja, um numero determinado de pessoas que apresentam características próprias, que estão dispostos a disponibilizar seus dados. As informações depois da coleta serão analisados conforme a definição estabelecida pela pesquisa e para o termo amostra que é definido pelo mesmo autor como sendo “o estudo de um pequeno grupo de elementos retirado de uma dada população que se pretende estudar”, normalmente com objetivo de representar um universo e população a ser estudado, nesse caso os professores da cidade de Santos. A população será representada por professores de instituições escolares municipais, ativos e afastados que serão escolhidos para participar da pesquisa voluntariamente, os critérios da pesquisa serão: experiencia docente de mais de 5 anos, e mais de 1 ano de depressão, e profissionais que tiveram ou estão atualmente com depressão. TABELA Nº 1. Relação da população total e participantes. POPULAÇÃO

Nm. DE DOCENTES NA CIDADE

PARTICIPANTES DA PESQUISA

Professores Efetivos

1511 Professores

20

Professores Adjuntos

1717 Professores.

8

Supervisor de Ensino

39

2

Diretor de Escola

85

3

Assistente de diretor

80

4

Coordenador pedagógico

85

3 40

Total participantes da pesquisa

Fonte: Elaboração própria.

O PROFESSOR E A RELAÇÃO TRABALHO, SAÚDE MENTAL Pensar na saúde mental do ser humano, é também pensar sobre debilidades, perda de potencial, principalmente quando estamos falando de depressão, a depressão está Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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associada à cansaço, que leva qualquer profissional a baixa produtividade, o profissional não consegue desenvolver qualquer atividade, além de limitar o pensamento a uma condição derreistas, fazendo com que esse profissional não produza dentro da sociedade a qual ele está inserido. Alguns estudos específicos da área da saúde mental têm trazido provas de que a depressão é um dos principais fatores que envolvem a saúde do trabalhador e o absenteísmo (Fonseca e Carlotto, 2011 e Pereira e Morgado, 2012). No decorrer dessa obra olhamos para as carências do professor em seu ambiente de trabalho, isso por causa do fato de a saúde mental do professor estar crescendo devido a pandemia, e ser o foco de vários estudos, atrai nossa atenção sobre o quanto a depressão tem contribuído para o afastamento do professor de suas atividades profissionais, e as consequências em seu trabalho de escolarizar. “A saúde e as patologias estão tão presentes no dia a dia de qualquer ser humano, e que muitas vezes não nos damos conta de como se processa essa relação dinâmica entre uma e outra” (Mariano e Muniz, 2006, p. 5). Hoje podemos perceber que existem várias pesquisas onde se apresenta a saúde emocional do professor sendo prejudicada dentro do seu ambiente de trabalho, ou mesmo nas relações com outros profissionais, com os alunos e com os familiares. A violência escolar como gatilho para a depressão também é outro tema que precisamos ter um olhar mais assertivo pois também está em crescimento. Perante tantos desafios da vida moderna, sejam eles internos ou externos, nos levam a pensar na necessidade de aprofundamento no tema do adoecimento do trabalhador. As grande mudanças tem trazido consigo grandes avanços, mais devemos pensar que paralelamente esse profissional dedicado precisa olhar para a história e aprender com ela, para não errar de novo em suas escolhas e principalmente na sua saúde emocional. O Trabalho do professor em nossos dias é considerada uma das mais estressantes, uma profissão de risco, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Como a grande maioria da categoria é do sexo feminino, devem ser ressaltados, em particular, os efeitos desse estresse na saúde das mulheres, como amenorreia, tensão pré-menstrual, cefaleia, melancolia climatérica, frigidez, anorexia, bulimia, neurose de ansiedade e psicose depressiva. O autor refere-se também a presença da síndrome de burnout entre os professores. Além desses processos, temos agora mais um agravante desenvolvido pelo COVID 19, que já tem provocado transtornos emocionais, pois professores e alunos têm apresentado limitações em ensinar e aprender, essa situação tem causado vários bloqueios desenvolvidos pela ansiedade e estresse, chegando em alguns casos a depressão. (Maia 2020). O docente precisa compreender que sua vida emocional é parte essencial de seu desempenho pedagógico, principalmente diante dessa realidade de inovações em um mundo globalizado. (De Paula 2019)

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Hoje o papel do professor extrapolou a mediação do processo de conhecimento do aluno, o que era comumente esperado. Aumentou a missão do profissional para além da sala de aula, a fim de garantir uma articulação entre a escola e a comunidade. O professor, além de ensinar, deve participar da gestão e do planejamento escolar, o que significa uma dedicação mais ampla, a qual se estende às famílias e à comunidade. Todo esse trabalho deve ser realizado em um ambiente profissional, muitas vezes sem o apoio devido, mas pelo contrário em condições precárias e com baixa possibilidade de desenvolvimento, sem contar que não podemos ter a parceria dos familiares. Como ter sucesso no processo educacional, se tudo acaba dependendo do professor, mas não o currículo? Para que haja sucesso dentro do ambiente escolar precisamos de ingredientes essenciais que proporcione ao professor condições de desenvolvimento do processo ensino aprendizagem, como: – Formação continuada do professor. - Melhores salários. - Mais apoio para que o professor consiga desenvolver sua atividade. - Mais valorização da atividade e do professor. - Priorizar a vida emocional do professor. - Ambientes de socialização. - Leis que apoiam a profissão do professor. - Segurança no contexto de trabalho. Autonomia. – Investimento na estrutura para que haja aulas presenciais e remotas.- Entre outras. A gestão escolar precisa ser reestruturada, pois não fornece os meios pedagógicos necessários à realização das tarefas, cada vez mais exigentes em nosso mundo globalizado e de grandes transformações cada vez mais rápidas. É exigido do professores resultados, e eles são obrigados a buscar os meios de requalificação que se traduzem em aumento de cargas de trabalho não reconhecido e não remunerado. Segundo aos dados fornecidos pela prefeitura municipal de Santos podemos observar que as doenças que mais afastaram os servidores no ano de 2019 foram as doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo, onde 56,85% são por problemas relacionados a coluna vertebral. Em segundo aparecem os transtornos mentais e comportamentais, onde os transtornos de humor representam 49,27% (depressão, transtorno bipolar, transtorno depressivo recorrente) e os transtornos ansiosos com 47,60%, seguidas das doenças do aparelho respiratório, onde 73,28% são referentes a infecções agudas das vias aéreas superiores (nasofaringite aguda, sinusite aguda, faringite aguda, amigdalite aguda, laringite e traqueíte agudas, gripe e pneumonia). No ano de 2020 os transtornos mentais e comportamentais aparecem em primeiro lugar (depressão, transtorno bipolar, transtorno depressivo recorrente, transtornos ansiosos)

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seguidas das doenças osteomuscular e do tecido conjuntivo (dorsalgias) e das doenças do aparelho respiratório, chamando a atenção o Capitulo XXII relacionado a COVID19. No primeiro semestre de 2021 a doença que mais afastou os servidores foi a COVID19 com 371 casos, seguidas dos transtornos mentais e comportamentais e das doenças infecciosas e parasitárias onde o maior número de casos ocorreu devido a Dengue e Chikungunya. Diante do exposto podemos perceber que os índices demonstram que a saúde mental pode ser um problema para qualquer município, e que se faz necessário ações para ajudar o professor a desenvolver sua vida emocional, mesmo diante desses novos desafios. No entanto, o trabalho do professor não deve ser levado como fator essencial para o adoecimento, mas sim um fator que pode contribuir para aparecimento ou mesmo agravamento de doenças.

A DEPRESSÃO E A EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA. As mudanças mundiais tem trazido a ampliação do papel do professor e a diminuição da responsabilidade familiar sobre a educação dos jovens e crianças; a revolução tecnológica, o intenso desenvolvimento dos meios de comunicação como instrumentos também pedagógicos (cujos impactos no alunado se dão de forma muito significativa); o desenvolvimento de valores como, a competitividade, o individualismo a rentabilidade e a obsessão pela eficiência são elementos que contribuem para a configuração desta perplexidade docente, frente a uma sociedade que se transforma quase que diariamente. As redes facilitam e seguem facilitando muito a vida da sociedade, oportunizando uma alternativa nova de acesso a informações e conhecimentos, para que se cumpra o direito a educação. O crescimento da inclusão digital e das redes, o ensino-aprendizagem já se tornaram a ferramenta do momento, havendo assim, uma tentativa de rompimento de barreiras relacionada ao tempo e espaço por um momento, mais trazendo a necessidade do professor se reinventar. Pensando um pouco mais nessa questão, podemos experienciar que a tecnologia da informação e comunicação, é o campo de pesquisa e atuação que utiliza ferramentas tecnológicas com o objetivo de facilitar a comunicação e o alcance de um alvo comum”. Para BARROS, (2015) a entrada e permanência das tecnologias vão se expandindo mais e mais, possibilitando a criação de mais cursos, muitos deles na modalidade ensino a distância (EaD), garantindo formação para um maior número de pessoas que não tem como conciliar estudos, família e trabalho. Além de poder capacitar os professores que estão vivenciando no seu dia a dia uma grande dificuldade de ministrar as aulas por falta de formação, recursos tecnológicos entre outros, provocando assim o descontrole emocional, gerando ansiedade e possivelmente depressão. Por isso necessitamos de alternativas efetivas para esse professor dentro de uma formação continuada.

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Além dos problemas normais enfrentados temos mais um agravante, a pandemia, que tem trazido uma grande desigualdade educacional e um grande prejuízo para a aprendizagem. Não cabe nesse momento fechar os olhos diante de tamanho acontecimento, mas sermos realistas diante do atraso e da possível evasão escolar. Outro ponto a ser levantado é a educação básica e o ensino à distância pois a prática tem demonstrado pouca eficiência no processo de ensino-aprendizagem. Pensando nessa realidade podemos perceber que a proposta de retorno imediato não soluciona o caos educacional, pelo contrário, o aumenta. No governo de São Paulo, a medida para a retomada na escola, deve receber no máximo 35% dos alunos em cada turno, na forma de revezamento. Então podemos entender que uma turma de 30 alunos (em geral, nas escolas públicas as turmas chegam a 40 ou mais alunos), na primeira semana irão os alunos de 1 a 10; na segunda semana irão os alunos de 11 a 20; na terceira semana irão os alunos de 21 a 30. Isso significa que os alunos que estiveram presentes nas aulas da semana 1 só retornarão a aula presencial depois de 3 semanas, e durante o período que não terão aula presencial continuarão tendo aula online. Essa medida fará com que os professores que já estavam com dificuldade de dar aula presencial, agora também terão que acompanhar os alunos on-line ao mesmo tempo, sem formação ou qualquer possibilidade de ganhar a mais trabalhando em duas modalidades.

INVESTIR NA PREVENÇÃO OU NA PATOLOGIA. Podemos verificar que a maneira de vida e de relacionamento mudou entre as pessoas, principalmente quando pensamos nas ultimas transformações de nossa sociedade. O ambiente em casa e no trabalho tem sido visto como preocupante principalmente por causa do COVID19, pois essa pandemia tem produzido transtornos em professores, pais e alunos, além de prejudicar diretamente o processo de ensino aprendizagem, o que tem feito indivíduos desenvolverem a depressão motivado pelo estresse, medo, e sentimento de incapacidade de aprender. (MAIA 2020). A depressão acaba trazendo limitações ao desempenho profissional em todos os níveis, iniciando com sintomas leves devido ao sentimento de incapacidade, partindo logo em seguida para um estado de depressão severa da parte do professor e do aluno por não conseguir ensinar e aprender. (De Paula, 2019). Aqui surge a grande pergunta, se investe mais na prevenção ou na patologia? Várias pesquisas tem comprovado que a depressão é acionada pelo desanimo contínuo, onde o indivíduo é submetido a um stress diário e a decepções em seu lugar de trabalho que acaba levando essa pessoa a perder suas habilidade chegando até a ser encostado por falta de capacidade de desenvolver suas atividades por causa da depressão, diante disso

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podemos perceber o quanto se gasta na patologia, por outro lado presenciamos a cada dia um gasto cada vez menor na prevenção. (De Paula, 2019). Olhar e pensar no professor tendo uma proposta interpretativa leva-nos a ter a visão de ensinar conceitos e determinar a necessidade urgente de se ter investimentos em sua própria vida, estabelecendo limites, sabendo dizer a palavra não, mudar hábitos, pois isso será um potencializador de uma vida saudável e equilibrada nas áreas: pessoal, familiar e profissional. Quando não nos preocupamos em mudar de vida, estamos investindo nas possíveis causas da patologia, aqui conhecida e pesquisada como a depressão. O Psiquiatra Edson Hirata do Hospital Santa Cruz, nos afirma que pessoas com alteração nas taxas de determinados Neurotransmissores, (Neurotransmissores são como mensageiros químicos que transportam, estimulam e equilibram os sinais entre os neurônios, ou células nervosas e outras células do corpo) podem desenvolver depressão ou outras patologias. O que pode-se perceber na vida e carreira do docente é que apesar da experiência vivenciada com a saúde fragilizada o professor parece não faze-lo mudar seus comportamentos agravando mais sua condição mental, principalmente porque a depressão acaba sendo mais decorrente em mulheres, e por termos um quadro maior de professoras acabamos chegando a reflexão de que os sintomas da depressão e o diagnóstica apresentado a saída da sala de aula é real, acaba sendo uma perda para esse docente, agora seus saberes são resignificados, o que demonstra a grandeza do problema da depressão docente. Nosso desafio é deixar de tratar tanta patologia, e focar na prevenção, pois quem não investe em prevenção vai gastar muito em tratamento, e no caso da depressão estamos falando não só da saúde, mais também de prejuízos irreparáveis na formação e desenvolvimento dos alunos, e posteriormente de toda uma sociedade. Resultado O Objetivo do uso do Inventário de Depressão de Beck (BDI) (Cunha, 2001) (em anexo), foi para medir a intensidade da depressão dos professores, sendo este instrumento reconhecido e aprovado para a área clínica, como também na pesquisa. O BDI se utiliza de uma escala de auto-relato composta por 21 itens utilizados nessa pesquisa de maneira clara informando sempre a importância e o sigilo. Cada auto relato tem quatro alternativas, nos trazendo um entendimento crescente da gravidade da depressão, com escores de 0 a 3. Com base em observações e relatos de pacientes com transtornos depressivos, usamos o BDI, com o intuito de medir o nível de depressão do professor. Os itens apresentados aqui pelo BDI são : tristeza, pessimismo, sentimento de fracasso, insatisfação, punição, autoaversão, ideias suicidas, choro, irritabilidade, retraimento social, Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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indecisão, mudança na autoimagem, dificuldade de trabalhar, insônia, fatigabilidade, perda de apetite e peso, preocupações somáticas e perda de libido. Gráfico 3. Inventário de beck (BDI) - Depressão.

Fonte: Próprio Autor.

Segundo a análise dos dados podemos perceber que dos 40 professores pesquisados, 18% apresentou o nível Mínimo de depressão com sintomas recorrentes, 21% apresentou o nível Leve de depressão, 46% apresentou o nível Moderado sendo essa a maior incidência entre os professores, e 15% apresentou o nível Grave. Os dados acima citados tem como confirmação a Organização Inter­nacional do Trabalho (OIT) que nos apresenta, que a profissão docente é tida como uma das mais estressantes, com forte incidência de elementos que conduzem ao adoecimento mental. (Gil-Monte, 2007). A psicóloga da cidade de Santos Luciana França, da sessão de Assistência psicológica e social ao Servidor, e da coordenadoria de medicina do trabalho identificou muitas pessoas durante a pandemia que passaram por perdas de entes queridos, ou mesmo o fim de um casamento ou adoecimento. “Essas pessoas acabaram desenvolvendo ou até agravando sua saúde mental, muitas chegaram até a um estado depressivo”. Os pacientes com nível grave apresentaram mais incidência no número 3 do questionário, nas perguntas de tristeza, desânimo, fracasso, falta de prazer, decepção, choro, comparação, irritabilidade, falta de interesse, dificuldades em trabalhar, não dormir, muito cansaço, falta de apetite e não se preocupar com a saúde, interesse por sexo, confirmando assim os sintomas da depressão. Em março de 2020 tivemos o advento do COVID19, agravando ainda mais a condição de todos, mais principalmente do professor que teve que apresentar resultados onde não

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tinha nenhum conhecimento (ensino remoto) trazendo assim mais possibilidades de adoecimento emocional e físico. Um outro instrumento usado nessa pesquisa foi a entrevista com as seguintes categorias e resultados: a) Descontrole emocional - Diante desse primeiro tema levantado pela entrevista, pudemos perceber que realmente existe um profundo e constante Descontrole Emocional antes e durante a pandemia, existe muita injustiça com o aluno e com o professor o que podemos chamar de violência emocional, diretamente o professor não consegue desenvolver o melhor de seu potencial dando uma aula abaixo do esperado, e do que é cobrado. b) Conhecimento dos Sintomas da Depressão - Os professores estão ficando doentes sem conhecer os sintomas da depressão, acreditam que a depressão é real, mais não com eles, sendo que alguns deles estavam em depressão por causa dos sintomas apresentados. A maioria dos professores tem um necessidade muito grande de cuidar, mais não permitem serem cuidados, principalmente por causa do tempo, e de que ministrar as aulas é o seu sustento, não podendo se afastar por causa da responsabilidade financeira com a família. c) Ambiente profissional causador da depressão - O ambiente atual contribui para o desencadeamento da depressão atrapalhando o processo ensino aprendizagem. Os professores terão que se adaptar ao novo modelo em tempo recorde. Portanto, podemos percebemos a necessidade de repensar a educação brasileira quanto ao processo das tecnologias educacionais disponíveis, para aprimorar e associar o ensino presencial com a modalidade online no sentido de contemplar o ensino remoto (Fiori; Goi, 2020). d) A influência Familiar no profissional - A família ainda é essencial na vida dos professores, e que tem um lugar determinante que reflete em todo o restante da vida, quando algo acontece em suas vidas familiares eles acabam tendo um déficit em sua vida profissional, e em alguns casos, como no processo de divórcio, os professores perdem seu potencial querendo por um momento desistir de tudo. e) Ansiedade como agravante para a depressão - A ansiedade pode atrapalha diretamente o desenvolvimento da prática pedagógica do professor, e que a ansiedade, pode até levar a fobias, transtorno obsessivo compulsivo, a síndrome do pânico, e consequentemente a depressão. f) Apoio profissional - Os professores relataram que não se sentem apoiados dentro da escola, e algumas vezes também não apoiado por familiares em casos extra classe. Os professores demonstraram que se sentem inseguros até em dizer algo Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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que possa ser benéfico para a escola e ser interpretado de maneira errada. g) Saúde e prática pedagógica - Os professores não alcançam a excelência em sua prática pedagógica pelo fato de entrarem em um processo de adoecimento emocional. As influências externas e internas acabam minando esses professores que em muitos casos já vem vulnerável pela sua história de vida. Outro ponto são os problemas antigos da educação somado com a questão do COVID19, e os desafios tecnológicos, com várias propostas de inovação, os professores estão doentes, mais procurando se reinventar diante de tantos desafios novos. h) Qualidade de vida - Percebemos que de maneira geral os docentes não investem muito na qualidade de vida, até entendem a importância, mais mesmo assim não são preventivos trazendo uma grande possibilidade para o processo de adoecimento. Os professores que apresentam uma qualidade de vida ruim diminuíram seu potencial profissional. i) Sugestões para uma vida saudável - Nessa categoria identificamos a urgência de mudança das práticas pessoais e pedagógicas exercida dentro da sala de aula, por professores, pela coordenação e direção se quisermos melhoras no campo da educação. Análise, interpretação e comparação com as conclusões da tese 2018. “Com a nova pesquisa podemos perceber que não houve mudanças nas práticas tanto de professores quando do município, pois ambos continuam sem ações necessárias para uma mudança efetiva, e também podemos afirmar que a situação piorou, crescendo o número de docentes em depressão. O município continua sem políticas de enfrentamento a depressão, mas com crescimento da ansiedade, e com a situação de agravamento do COVID19”. “Como análise, interpretação e comparação podemos perceber também que a qualidade de vida do docente não mudou, o professor continua em dobrados horários e agora com a mudança para o ensino híbrido tornou a saúde ainda mais sensível levando muitos professores a não suportar as condições de trabalho, e a falta de possibilidades da ensino aprendizagem, afetando diretamente seu olhar e seus pensamentos provocando desânimo, sentimento de incapacidade, frustração e medo, aumentando os afastamentos em todo o ano de 2020 e inicio de 2021”. Como conclusão desse ponto percebemos que, fazendo as mesmas coisas, elas terão a tendência de piorar, principalmente se isso forem problemas que causam o adoecimento mental. Se queremos mudanças primeiro precisamos mudar de maneira efetiva. Entendemos que essa mudança não pode ser só do governo, ou secretarias, ou mesmo professores, alunos e familiares, pelo contrário entendemos que todos podem contribuir para que haja Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2

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mudanças nessa realidade da saúde daquele que faz acontecer a educação, pois assim teremos uma nação de cidadãos melhores.

CONCLUSÃO Essa pesquisa nos permitiu alcançar informações essenciais sobre a análise da depressão em professores com depressão na cidade de Santos, São Paulo, que além de nos apresentar diversas riquezas de conhecimento nos possibilitou ter um olhar para o futuro de maneira pragmática e objetiva, também nos trouxe várias possibilidade de falarmos sobre a qualidade de vida do professor, e propormos ações efetivas para melhorar esse ponto de necessidade na cidade de Santos. Nesta obra apontamos para as carências que o professor tem enfrentado no seu dia a dia quando se vê no meio de um processo depressivo. Nessa avaliação foi possível ter um olhar analítico diante das reais situações que o ambiente e as práticas desequilibradas acabam gerando na vida do docente, e principalmente em suas práticas pedagógicas dentro dessa cidade. Diante da análise do material pesquisado, podemos concluir que a depressão tem efeitos desastrosos, no desenvolvimento da prática pedagógica de professores nas escolas de Santos SP. Que o processo ensino aprendizagem, tanto na vida do professor como no aluno, passam por um estado de descontrole, impedindo com que esses atores da educação consigam alcançar seus objetivos. Além disso tivemos no ano de 2020 a pandemia do COVID19, agravando ainda os níveis de ansiedade e depressão, por causa de mudanças emergenciais do presencial para o online sem qualquer condição de estrutura e formação dos professores. Diante de tamanho desafio e transformações precisamos entender que o retorno das aulas será algo dentro de um processo, pois a estrutura precisa ser desenvolvida de maneira integral tanto para o professor quanto para o aluno. As vacinas são um proposta preventiva que tem gerado um certa segurança para a saúde, principalmente emocional, mais nosso desafio é achar um equilíbrio para a saúde da educação, dentro de um processo efetivo do ensino aprendizado, onde os professores, alunos e familiares possam se desenvolver de maneira saudável e satisfatória. No fechamento desta investigação pudemos analisar com mais propriedade e aprofundamento a realidade da depressão do docente em suas práticas pedagógicas, comparar e interpretar a tese de 2018 com essa pesquisa e entender que somente houve um agravamento da condição de saúde do professor e que as ações foram tímidas ou inexistentes diante de tamanho desafio.

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Quero ainda propôs mais pesquisas para perceber como se pode ajudar o docente a se comprometer com sua saúde, os governos e secretárias a criarem políticas de proteção emocional ao professor, mais o pior é propor saídas do caos social que se encontram as famílias e as próximas gerações.

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SOBRE OS ORGANIZADORES Liege Coutinho Goulart Dornellas

Doutora em Educação pela UFES (2016-2020). Mestre em Educação pela UFJF (2009-2011) e Especialista em Treinamento Desportivo (2003). Graduada em Licenciatura Plena em Educação Física pela UFJF (2002). Graduada em Licenciatura em Pedagogia pela UNIUBE (2016). Integrante como pesquisadora externa do Núcleo de Estudos Educação Física, Corpo e Sociedade (NECOS) vinculado a UFJF-GV. Coordenadora do Projeto de Pesquisa ?Jogos Estudantis Valadarense: uma investigação da política pública setorial de esporte e lazer entre os anos de 2000 a 2020”, aprovado pelo CEP- 45285021.9.0000.5156. Possui experiência como docente (substituta) no curso de Bacharelado em Educação Física na UFJF/GV (2018-2019). Ministrando as disciplinas. Dimensões Éticas e Filosóficas da Educação Física, Estudos do Lazer, Política Pública do Esporte e Lazer e Recreação e Jogos e Natação. Docente titular na UNIPAC- GV, (desde 2008), com experiência nas seguintes disciplinas no curso de Licenciatura em Educação Física: Fundamentos Metodológicos dos Esportes Aquáticos, Didática da Educação Física, Estágio Supervisionado I-Educação Física Infantil e Ciclo Inicial, Estágio Supervisionado I- Ciclo da préadolescência e da Adolescência, Ensino de Educação Física para Portadores de Necessidades Especiais, Educação Física para Portadores de Necessidades Especiais, Prática de Ensino III, Educação Física para Portadores de necessidades Especiais e Prática Pedagógica com ênfase em Educação para Portadores de Necessidades Especiais, Treinamento Desportivo, Organização de Eventos escolares, Projeto de Pesquisa em Educação Física, Políticas Educacionais da Educação Básica, Educação Física nos anos finais no Ensino Fundamental e Método e Normalização de Trabalhos acadêmicos( nos cursos de Pedagogia, Bacharelado em Educação Física, Administração, Ciências Contábeis e Enfermagem). Experiência no cargo de Analista Educacional da SRE-MG na cidade de Governador Valadares (2014-2015) e no cargo administrativo de Assistente de Supervisão de Estágio (2011-2013) e Assessor II-B (2013). Compõe o Conselho Editorial da Editora Científica Digital. É docente de Educação Física, efetiva, da Secretaria Estadual de Educação-SEE do Estado de Minas Gerais desde 2002.. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1556776085970712

Ticiano Azevedo Bastos

Mestre em Educação Matemática pela Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP (2019), especialista em Educação Matemática pelo Centro Universitário de Caratinga - UNEC (2006) e graduado em Matemática, licenciatura plena, pela Universidade Vale do Rio Doce - UNIVALE (2004). Desde o ano de 2004 atuo na área da Educação, com experiência na docência de Matemática no Ensino Básico - Ensino Fundamental I e II e Ensino Médio e no Ensino Superior na docência das disciplinas de Álgebra Linear, Cálculo Integral e Diferencial, Estatística e Probabilidade, Fundamentos de Matemática, Geometria Analítica, Matemática Financeira, Matemática Discreta e Pré Cálculo. Realizo pesquisas na área da Educação Matemática relacionadas à Modelagem Matemática. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2182344910469487

Daniel dos Reis Pedrosa

Psicólogo, formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2011), com Pós-graduação Lato Sensu em Gestão de Pessoas pela Universidade Cândido Mendes, com Curso Livre de Filosofia pela Faculdade São Luiz de Brusque/SC e Licenciatura Plena em Filosofia pela FAERPI, com formação em Coaching Psichology pela Academia do Psicólogo, aluno regular do Mestrado em Administração pela Unihorizontes. Tem experiência na área de Gestão de Pessoas e Carreira, atuando principalmente no Desenvolvimento de Pessoas por meio de competências. Sua formação acadêmica e profissional de destacam nos seguintes temas: capacitação, motivação e desenvolvimento, gestão por competências, avaliação e qualificação. Atualmente exerce a função de Diretor de Administração e Desenvolvimento de Pessoas, junto à Pró-reitoria de Gestão de Pessoas do IFMG e ocupa o cargo efetivo de Assistente em Administração no Instituto Federal Minas Gerais - IFMG, Reitoria, em Belo Horizonte - MG. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7673234879496025 Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2


ÍNDICE REMISSIVO

ÍNDICE REMISSIVO A

E

Alfabetização: 100, 101, 102, 105, 110, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 118, 119, 164

Educação: 13, 14, 21, 23, 24, 25, 27, 28, 29, 30, 31, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 45, 46, 47, 48, 50, 51, 52, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 84, 85, 86, 93, 95, 99, 100, 101, 102, 105, 108, 109, 110, 117, 118, 119, 120, 121, 122, 124, 125, 126, 127, 130, 133, 134, 136, 138, 141, 143, 144, 145, 152, 153, 154, 155, 156, 157, 158, 159, 160, 161, 162, 163, 164, 165, 166, 167, 168, 169, 170, 171, 172, 173, 174, 175, 176, 177, 183, 184, 185, 187, 188, 189, 196, 203, 204, 205, 207, 208, 209, 210, 211, 213, 214, 215, 216, 217, 219, 221, 226, 227, 230, 231, 232, 233

Aluminum: 147, 148, 149, 150, 151 Ambiente Escolar: 116, 166, 169, 171, 173, 189, 213, 214, 225 Aprendizagem: 29, 31, 33, 34, 35, 37, 51, 58, 61, 68, 71, 72, 73, 74, 75, 79, 82, 85, 91, 95, 98, 101, 102, 103, 105, 109, 110, 112, 113, 115, 117, 119, 122, 124, 125, 133, 155, 156, 160, 161, 162, 164, 166, 169, 171, 173, 174, 175, 176, 178, 179, 180, 181, 182, 183, 184, 185, 186, 187, 188, 189, 208, 210, 211, 213, 214, 216, 220, 221, 225, 226, 227, 230, 231, 232

C

Educação Física: 77, 120, 121, 122, 124, 127, 205 Educação Infantil: 76, 100, 101, 102, 105, 108, 109, 110, 126, 176, 205, 210

Chemistry Teaching: 147, 150 Cognição: 179, 180, 181, 182, 184, 188, 189 Combate à Pandemia: 66, 68, 78 Competências: 30, 32, 56, 57, 58, 68, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 116, 155, 171, 172, 175, 189, 207, 208, 209, 211, 212, 213, 214, 215, 216 Concepção Pedagógica: 121 Crianças Transgênero: 191, 192, 196, 199, 204, 205

Educação Integral: 65, 66, 68, 69, 70, 71, 72, 74, 75, 77, 80, 217 Educação Matemática: 130, 143, 144 Educador Social: 53, 54, 55, 56, 57, 59, 61, 62, 63, 64 Emoção: 71, 179, 180, 181, 182, 183, 186, 187, 188, 189

Desenvolvimento Pedagógico: 207

Ensino: 23, 27, 29, 31, 34, 35, 51, 52, 57, 58, 59, 60, 69, 71, 72, 76, 77, 82, 83, 84, 85, 87, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 103, 105, 110, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 118, 122, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 129, 130, 133, 134, 135, 136, 137, 138, 140, 141, 142, 143, 144, 145, 152, 155, 160, 161, 162, 164, 168, 169, 171, 173, 174, 175, 176, 177, 179, 180, 181, 182, 183, 184, 185, 186, 187, 188, 189, 191, 192, 196, 207, 209, 210, 211, 213, 214, 216, 219, 220, 221, 222, 223, 225, 226, 227, 230, 231, 232, 233

Didática da História: 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 92, 93, 95, 96, 97

Ensino de Aritmética: 128, 129, 130, 133, 135, 136, 137, 138, 141, 142, 144

Currículo da Cidade: 65, 66, 67, 70, 78, 80

D Democratização: 61, 166, 167, 168, 170, 171, 172, 174, 175, 176 Depressão: 218, 219, 220, 221, 222, 223, 224, 225, 226, 227, 228, 229, 230, 231, 232, 233

Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios - Volume 2


ÍNDICE REMISSIVO Estudos Culturais: 14, 15, 17, 22, 23, 24, 25, 70, 80

Neurociência: 179, 180, 182, 183, 184, 185, 186, 188, 189

Exclusão: 33, 41, 50, 51, 154, 157, 159, 161, 163, 174, 184

P

Extensão Universitária: 53, 54, 55, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63

F Fascismo: 38, 39, 40, 41, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 52 Formação de Professores: 26, 27, 30, 34, 36, 37, 127, 136, 203

G Gênero: 40, 70, 90, 160, 191, 192, 193, 194, 195, 196, 197, 198, 199, 200, 201, 202, 203, 204, 205 Gestão Democrática: 72, 165, 166, 168, 169, 170, 171, 172, 174, 175, 176, 177 Gestão do Conhecimento: 206, 207, 208, 209, 213, 214, 215, 216, 217

Patriotismo: 82, 83, 85, 86, 87, 88, 89, 92, 93, 96, 97, 99 Pedagogia Construtivista: 166 Política Educacional: 27, 36, 114, 158 Prática Pedagógica: 66, 69, 71, 79, 101, 110, 117, 118, 136, 166, 188, 218, 219, 221, 222, 230, 231, 232, 233 Professor: 31, 32, 49, 69, 83, 85, 89, 92, 94, 95, 96, 97, 102, 105, 112, 115, 117, 123, 124, 125, 137, 140, 141, 161, 180, 181, 184, 185, 186, 187, 189, 219, 220, 221, 222, 223, 224, 225, 226, 227, 228, 229, 230, 231, 232, 233

R Racismo: 16, 38, 39, 41, 45, 46, 48, 50

High School: 147, 149, 151

Relações: 18, 19, 20, 22, 24, 28, 34, 39, 45, 54, 56, 67, 68, 71, 73, 75, 76, 77, 78, 79, 93, 95, 103, 108, 109, 131, 159, 168, 171, 173, 174, 176, 185, 187, 188, 189, 192, 194, 198, 201, 204, 212, 213, 215, 224

História da Matemática: 129, 130, 131, 143, 144, 145

S

H

I

Saúde: 60, 68, 72, 79, 80, 123, 124, 127, 152, 211, 212, 219, 220, 221, 222, 223, 224, 226, 228, 229, 231, 232, 233

Iftm: 146, 147, 148, 150 Inclusão: 32, 56, 58, 122, 136, 154, 156, 159, 160, 161, 162, 163, 164, 169, 184, 226 Infância: 61, 190, 191, 192, 194, 195, 196, 199, 204, 205

L Letramento: 111, 112, 113, 115, 116, 117, 119

M

T Tecnologia: 18, 19, 32, 34, 43, 60, 115, 116, 161, 188, 210, 213, 217, 219, 221, 226 Transgeneridade: 190, 191, 192, 204

U Udicentro: 146, 147, 150

Métodos: 27, 30, 96, 114, 115, 119, 129, 130, 132, 133, 137, 138, 140, 141, 142, 163, 172, 179, 186, 208, 217, 222, 233 Modernidade: 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 24, 25, 49, 59, 62, 64, 124

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