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Jornal 'Voz da comunidade' completa 16 anos com tiragem 150 vezes maior: 'Conseguimos virar referência', diz Rene Silva

Criado em 2005 por um menino de apenas 11 anos do Complexo do Alemão, iniciativa virou ONG com times de jornalismo e responsabilidade social
Rene Silva (de camisa cinza), editor do 'Voz da Comunidade', com parte de sua equipe, no Morro do Adeus, no Alemão
Foto: Fabio Rossi
Rene Silva (de camisa cinza), editor do 'Voz da Comunidade', com parte de sua equipe, no Morro do Adeus, no Alemão Foto: Fabio Rossi

RIO — Rene Silva, morador do Morro do Adeus, no Complexo do Alemão, tinha 11 anos em 2005, quando lançou o “Voz da Comunidade”. O jornal era feito numa folha de papel ofício dobrada. Cem exemplares xerocados foram distribuídos à época no próprio Adeus, tendo como reportagem principal o esgoto a céu aberto numa rua da favela. Mas o periódico mensal foi crescendo. Passou a ser feito em papel A3, tabloide e tabloide estendido. E ganhou nome plural: “Voz das Comunidades”. No domingo, quando completará 16 anos, terá formato standard, 12 páginas e 15 mil exemplares (tiragem 150 vezes maior do que a primeira edição), que serão entregues no Alemão, no Complexo da Penha e no Morro do Vidigal. Na capa, o editor Rene, criança e aos 27 anos, e seu irmão Renato, de 25, ilustram a reportagem sobre o aniversário da publicação que “atua em diversas frentes com jornalismo e responsabilidade social”.

— O mais gratificante é que conseguimos tornar o “Voz” uma referência dentro das comunidades. As pessoas têm um canal, um espaço para falar e pedir, a fim de que possamos cobrar do poder público. Já reivindicamos várias questões em relação, por exemplo, à falta de iluminação pública, a esgoto a céu aberto, e a problemas de escassez e qualidade da água. Se acontece alguma coisa, positiva ou negativa, imediatamente os moradores sabem a quem recorrer — diz Rene.

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O jornalista — que não chegou a cursar Faculdade de Comunicação, interrompendo os estudos ao fim do ensino médio —, conta que a decisão de criar um jornal comunitário nasceu da leitura de publicações, quando ainda era aluno da Escola municipal Alcide Gasperi, em Higienópolis:

— Abria os jornais e nunca via a favela sendo representada de maneira positiva. Sempre via notícias ruins sobre mortes, tiroteios, tráfico. As comunidades têm muito mais coisas.

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Em dezembro de 2010, enquanto o Alemão era ocupado pelas Forças Armadas e pela PM, aos 16 anos, Rene tuitava em tempo real o passo a passo da operação, mudando a forma de se fazer jornalismo. Um pouco antes, a partir de 2019, quando o complexo passou a ter uma única facção do tráfico, o jornal foi se expandido pelas suas 13 comunidades. E, em 2015, deu outro passo: virou Organização Não Governamental (ONG).

— Hoje, temos times de responsabilidade social e jornalismo. Na pandemia, nosso time de responsabilidade social tem distribuído alimentos para famílias necessitadas. E a parte de jornalismo tem feito um trabalho de comunicação comunitária dentro das favelas onde atuamos — explica Rene.

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As reportagens do “Voz” são mais focadas nas comunidades do Alemão, da Penha e do Vidigal, onde a ONG atua. Contudo, assuntos de outras favelas não ficam de fora, havendo respeito ao trabalho, independentemente do facção que controla a área.

— Qualquer acontecimento em qualquer comunidade, a gente faz reportagem — orgulha-se o editor.

Rene Silva, editor do 'Voz da comunidade' Foto: Fabio Rossi / Agência O Globo
Rene Silva, editor do 'Voz da comunidade' Foto: Fabio Rossi / Agência O Globo

Aplicativo, site e redes

Além de jornal, com espaço publicitário, a ONG tem site, atua em todas as redes sociais e, no início da pandemia de Covid-19, criou um aplicativo para combater a desinformação sobre a doença. Ao longo do tempo, ganhou também parceiros, que fazem doações e divulgação nas redes, e atuam como mentores. Entre eles, artistas, como a cantora Preta Gil, que fez shows no Alemão e ajuda o “Voz” desde 2010. Outros colaboradores são os atores Fábio Porchat e Marcelo Adnet, a autora de novelas Gloria Perez, a ex-BBB Juliette e as jornalistas, Sônia Bridi e Flávia Oliveira.

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Pelo seu trabalho, o jovem editor recebeu prêmios nacionais e internacionais. Em 2012, carregou a tocha olímpica na cidade de Liverpool na véspera dos Jogos de Londres. E, no ano passado, sua história passou a ser contada no livro “Cabeças da periferia: Rene Silva ativismo digital e ação comunitária”.

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Dos cinco funcionários do início do “Voz”, incluindo seu irmão Renato, o jornal contrata hoje 28 pessoas, de 18 a 50 anos. Rene se orgulha ainda de ter incentivado a criação de outras publicações comunitárias:

— Nosso desafio, agora, é ampliar a ONG “Voz das Comunidades” para outros territórios e formar novos comunicadores comunitários.

A edição de 16º aniversário do jornal 'Voz das comunidade' Foto: Reprodução
A edição de 16º aniversário do jornal 'Voz das comunidade' Foto: Reprodução