O esporte de alto rendimento e a saúde mental de atletas

O esporte de alto rendimento e a saúde mental de atletas

O mês reservado para conscientização popular quanto à prevenção do suicídio e valorização dos artifícios de proteção da saúde mental leva os estudantes e pesquisadores do direito desportivo a pensarem de que maneira, em suas profissões, poderão contribuir com o debate e tornar o esporte um meio de preservação e fortalecimento da construção psicológica de um cidadão.

         Para tal, é necessário observar  os problemas sociais que envolvem o esporte e as suas formas de investimento de uma maneira geral, além de analisar casos individuais de atletas de alto rendimento – e aqui, somente deles poderemos falar, dada a notoriedade e publicização de suas situações pessoais – que passaram dificuldades ao longo de suas carreiras em razão de problemas psicológicos.

         Começando pela discussão sobre os atletas, basta olharmos poucas semanas para trás e percebermos a situação pela qual passou a atleta Simone Biles, da seleção estadunidense de ginástica, que a levou a desistir das finais do salto e das barras assimétricas nas olimpíadas de Tóquio. A ginasta, melhor do mundo na modalidade, percebeu que estava com dificuldades relacionadas a sua saúde mental e optou por não competir.

Tal situação foi objeto de crítica por parte de algumas pessoas, mas demonstra a importância de pensarmos o desenvolvimento desportivo aliado à preparação e preservação do estado psicológico do atleta.

         Outros dois conhecidos casos são os dos atletas Vitinho, da equipe de futebol do Flamengo, e Kevin Love, atleta de basquete da NBA.

No caso de Vitinho, o atleta declarou que parou de usar as redes sociais por perceber que o contato com os fãs estava lhe fazendo mal, de forma que há alguns anos o atleta buscou ajuda profissional para lhe auxiliar a  superar as pressões advindas de sua profissão.

Já no caso de Kevin Love, o jogador se manifestou sobre como lidou com ataques de pânico durante a temporada de 2017-2018, demonstrando a grande necessidade de se falar sobre o assunto, tanto profissionalmente, como para toda a sociedade:

“Eu estava desviando porque não queria que ninguém soubesse. (...) Existe um estigma em torno disso. Mas agora, eu tenho um ditado: ‘Somente admitindo quem você é, você consegue o que deseja’. Então joguei todas as minhas cartas e apenas disse: ‘É isso que você recebe'. Mas, naquele tempo – até que você possa admitir o que realmente está acontecendo – você está em buraco em que está vendado. Pensei: ‘Não quero que mais ninguém conte a minha história'”

         Essas situações individuais pelas quais passam os atletas, embora haja uma grande influência de histórias particulares de cada um, também são fruto de problemas sociais que estão enraizados no esporte, oriundos dos modelos de organização desportiva de cada país e também do foco de investimento entre as três dimensões do esporte que cada sociedade oferece, que, conjuntamente, fomentam um ambiente que põe sobre o atleta de alto rendimento uma pressão por vezes insustentável. 

         Tendo como foco o Brasil, dentre inúmeras questões que poderiam ser levantadas, aanálise do modelo de organização e investimento esportivo voltado para oesporte-performance (ou de Alto Rendimento) possui efeitos extremamente nocivos na construção da sociedade e no aspecto psicológico de cada um dos brasileiros que, em algum momento de sua vida, escolhe ou às vezes possui como única opção se valer de tal área para crescimento pessoal e profissional.

         Ao introjetar a cada cidadão que o valor maior no esporte não é a educação que ele propõe ou a pura participação com o intuito de praticar boa saúde, mas sim a valorização dos grandes talentos e o consequente desprezo daqueles que não atingem um alto nível de desempenho esportivo, a sociedade transforma o esporte em um instrumento que, em detrimento do desenvolvimento da cidadania e valores correlatos em benefício do praticante, busca o alto desempenho a qualquer custo.  A promoção de práticas como a hipercompetitividade e a normalização de perseguições e críticas exacerbadas a atletas que não chegam a atingir a excelência esperada pelos consumidores de conteúdo esportivo, além da própria mercantilização do esporte e a ideia do desempenho esportivo como produto para uma sociedade capitalista, são falhas no modelo de organização desportiva que construímos em nossa sociedade.

Essas situações provocam nas pessoas, especialmente nos atletas, problemas que se arrastam ao longo de sua vida inteira e, caso não haja a devida assistência e suporte profissional, poderão ocasionar questões sérias de saúde mental, que surgem em situações como as descritas acimas para os atletas de alto rendimento, mas também para cidadãos que vivem o meio do esporte em algum momento de suas histórias.

Certamente que pensar, repensar e alterar o modelo existente, de maneira a contribuir para a formação de uma sociedade mais saudável por meio do esporte, não só fisicamente, mas principalmente levando em conta o fator psicológico, com a preservação do ser humano e valorização da vida de todos, deve ser um dos objetivos centrais do pensador do direito desportivo.


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