Catedrático jubilado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
1. Organização política das tribus, árabes
1. As tribus da Arábia estavam divididas em "gentes",
recordando a antiga organização de Boma. A tribu do Khoreichitas, que povoava a região de Meca, compreendia várias "gentes", entre as quais a de Ebou-Hachims e a de Ebou-Sofiani. Meca era o centro religioso e m que era ado- rada a Kaaba (pedra preta) x. Os antepassados de Mahomet, o Profeta, (em árabe Mohammed, o "Louvado"); nascido e m 571 e falecido e m 632, e m conseqüência de u m a febre que apanhou na pere-
1. Segundo a tradição, primitivamente fixada no Céu, onde os
anjos, conduzidos pelo arcanjo Gabriel, iam fazer procissão em torno dela. A mesquita santa (Masdjid-el-Haron), construida por Seth, filho de Adão, destruída pelo dilúvio, foi reedificada por Abrahão, no próprio logar em que esteve prestes a sacrificar, a Jehovah, seu filho Isaac, e no mesmo local em que se elevava a mesquita de Seth. O ar- canjo Gabriel trouxe a Abrahão a pedra da Kaaba, que foi colocada no recinto da nova mesquita. Como cada u m a das tribus árabes tinha os seus deuses, e sen- do o templo da Kaaba o grande santuário, achavam-se aí representa- dos por estátuas ou imagens, u m grande número de divindades. Se- gundo os historiadores muçulmanos, aí se encontraram 360 imagens, entre as quais as de Cristo e da Virgem Maria, explicável porque di- versas tribus árabes se tinham convertido ao Cristianismo. Essa pedra não é senão u m dos números betiles. que em todos «os tempos foram adorados como divindades, pelos semitas. — 72 —
grinação a Meca, tinham aí dominado desde Qoussa (4.°
avô de Mahomet), que, após u m a luta sangrenta, tomou posse das chaves do Keabé, n u m tempo e m que o recinto respeitado — a extensão do terreno que veiu a formar de- pois a cidade de Meca — era ainda deshabitada. Qoussa fundou e povoou Meca. Abd-ul-Montaleb, o avô do Pro- feta, não tinha senão a administração da água do poço de Zem-Zem e a guarda das chaves do Keabé. O pai de Mahomet, Abd-Allah, que fazia o comércio de caravana com a Síria, morreu antes do nascimento do filho; e a m ã e Amina Mottaleb, pouco tempo depois. A educação do Profeta foi iniciada pelo avô; após a morte do mesmo, foi continuada por seu tio Abou-Taleb, que tam- bém fazia o comércio de caravanas. Deixando o serviço do tio para tomar a direção dos negócios de rica viuva de Meca, Khadija. Mahomet com ela se casou; tinha êle, então 25 anos.
2. A missão de Mahomet
Aos 40 anos, ele teve sua primeira revelação: o anjo
Gabriel lhe apareceu n u m a gruta e m que êle costumava retirar-se, e, anunciando-lhe sua missão, revelou-lhe os seus primeiros versículos do 96.° capítulo (surate) do Corão, e m que estão dispostos não na ordem cronológica, mas na da extensão. A missão do Profeta foi aceita imediatamente por sua mulher, por Ali, filho de Abou-Taleb, que Mahboet reco- lhera, por Abou-Behr e por Osman. O Profeta lhes deu o nome de mouslim ("devotado a Deus"); do plural dessa palavra resultou muçulmano. Islamismo vem de Islam, palavra árabe que significa "resignação". E m 621, Medina se converteu espontaneamente ao Islamismo. E os Ehou-Sofians, aproveitando-se da circuns- tância, declararam guerra a Mahomet, que, no entanto, pro- tegido por seu tio, Abou-Taleb, que sucedera a Abdu-él- — 73 —
Mutaleb, como chefe da gens, continuou a exercer sua mis-
são na cidade santa da Arábia idolatra. Morrendo o tio, o Profeta teve de emigrar; a cidade de Iatreb lhe abriu as portas, e, após a hegira (em árabe hidjret "fuga") se cha- m o u Medina, a cidade do Profeta (Medinétoul-Nebi). Conquistada Meca, Mahomet fez destruírem todos os ídolos. E m breve, dominou toda a Arábia e se decidiu a empreender a conquista do Egito, da Grécia e da Pérsia. U m dos sucessores imediatos do Profeta, Omar Faruk, es- tendeu, e m dez anos, o domínio do islamismo, dos confins da China ao estreito de Gibraltar. Hoje, o número dos islamitas é de mais ou menos 300.000.000.
3. A religião muçulmana
A religião cristã tem em vista apenas a moral: "Daí
a César o que é de César e a Deus o que é de Deus", disse Jesus Cristo. A religião muçulmana, porém, reúne o es- piritual e o temporal, pois contém u m a legislação completa, fundada na revelação; é o Corão, dividido e m 132 capítulos (sureta), subdivididos e m versículos (ayets). Foi ditado e m vida de Mahomet. Escreveram-nos sobre papiros, ossos de ombros de carneiros e peles de camelos. N o califado de Abou-Behr, sucessor imediato do Profeta, foi feita u m a edição completa desse livro.
4. As fontes de legislação muçulmana
As fontes da legislação muçulmana são: a) o Corão;
b) a conduta do Profeta (Sunna) (ou Jadis = tradição); c) a opinião unânime dos sucessores imediatos do Profeta, a qual foi dada e m concilio (Idjimâ), tendo importância capital a das três primeiras gerações islamitas: a dos com- panheiros do Profeta (Ashab); a dos adeptos (Tabün) os que conheceram os companheiros; a dos seguidores (ta- — 74 —
basí), que conheceram os adeptos; d) a analogia admitida
pelos jurisconsultos (Kiyassifrghá). A conduta do Profeta (unnat) era representada por suas palavras e atos e a aprovação explícita ou tácita que êle" dava às palavras e atos de outrem. Dela ha seis repositó- rios autênticos. O califa Ornar Faruk, por exemplo, não distribuíra, aos guerreiros do Islam, as terra da Síria: con- firmou-as aos antigos proprietários e sujeitou-as a u m im- posto superior ao dízimo. Levantando-se murmúrios, o califa reuniu o concilio e perguntou, aos "companheiros", se tinham conhecimento da forma pela qual o Profeta tinha disposto das terras pertencentes aos israelitas de Haiber. Eles responderam que Mahomet confirmara os antigos pro- prietários na posse das terras, impondo, porém u m imposto maior do que o dízimo e proporcional à fertilidade do solo. E assim foi reconhecido que as disposições tomadas pelo califa eram perfeitamente legais. A analogia admitida pelos jurisconsultos consistia e m aplicar, a u m fato novo ou conhecido, porém não ainda juridicamente apreciado, a norma referente a u m outro fato já legalmente qualificado. A aguardente, por exemplo, era desconhecida no Hedjaz, e não se encontra, nas fontes pri- meiras, nenhuma disposição, proibindo-lhe o uso. Os ju- risconsultos do Islam lhe aplicaram as disposições legais contidas no Corão, sobre o vinho, admitindo analogia, com o mesmo, dos efeitos tóxicos da nova bebida.
5. A lei muçulmana
A lei é o conjunto de ordens que o legislador dirige
ao homem. Os deveres que ela impõe compreendem os para com o Criador e os para com os semelhantes, todos resultantes dos direitos de Deus sobre os homens. Os deveres do h o m e m para com Deus são designados como "imposições piedosas" (teúelufati ibadéyé), e compre- endem quatro seções: a) a primeira abrange aqueles — 75 —
cuja omissão cria, meste mundo, u m dano que afeta apenas
a sociedade — a contribuição da esmola, o dízimo e o dízimo aumentado (Também o muçulmano deve pagá-lo, quando adquire terras ao m e s m o sujeitas); b) a segunda, aqueles cuja omissão acarreta dano para a sociedade e para o indivíduo — a peregrinação, a guerra santa; c) a terceira, aqueles que, não cumpridos, não acarretam, neste mundo, nenhum dano, quer à sociedade quer ao indivíduo — a purificação, a prece, o jejum; d) a quarta, aqueles que incumbem a toda a sociedade islamita, mas que basta sejam cumpridas por alguns — o enterro dos mortos, a prece pelo repouso de suas almas.
6. Partes constitutivas da legislação muçulmana
As partes constitutivas da legislação muçulmana (mer-
châuat = cousas da lei) são e m número de cinco: 1) as cren- ças (itigadat); 2) as práticas religiosas (ibadat); 3) as obri gações e contratos (melat); 4) as ações puníveis (uquabát), 5) as expiações (keferat). As crenças são e m número de cinco: 1) e m Deus (Allahuiman); 2) nos anjos (Meliaikeyeiman); 3) nos livros santos (Kitaba iman); 4) no Profeta (Ressoulé iman); 5) no Juízo final (Yeomul-ah-reté iman). As práticas religiosas são e m número de cinco, dividi- das e m três categorias: a) os atos de piedade exclusiva- mente corpóreos: 1) a prece (selint); 2) o jejum (savm); 3) a guerra santa (djehad); b) os atos de piedade exclusi- vamente pecuniários; 4) a contribuição da esmola (zekate), à qual se liga o dízimo (ouckre); c) os atos de piedade, de caráter mixto (corpóreos e pecuniários); 5) a peregrinação (Hadje). As obrigações e contratos são e m número de cinco: 1) os com equivalência (maüavazat); 2) os casamentos (mu- nakadat); 3) o parentesco (mouhassemat); 4) os depósitos {amanat); 5) as associações (cherekat). — 76 —
As ações puníveis com penas graves são e m número
de cinco; 1) o assassínio com premeditação (gatli gasdi), punível com a pena de talião (gisses); 2) o roubo qualifi- cado (Sirgat), punido com perda da m ã o (Gat Yed); 3) o adultério (Zina), punido segundo as condições dos cul- pados, pela lapidação (Redjm) ou a bastonada (djeldè); 4) o insulto à honra das mulheres (gagf,) punido com oitenta bastonadas; 5) a abjuração (irtidad), punido com a morte (gatl). As expiações são e m número de cinco: 1) a pelo assas- sinato (kefareti — gatl); 2) pelo insulto à mulher legítima, empregando-se expressões que assimilam a esposa a u m a parenta próxima, tal como a mãe (kefareti — kahar) — é u m a renúncia às relações legais do h o m e m com a esposa; 3) a pela ruptura irregular do jejum (kefareti iftar); 4) a pelo juramento islado (kefareti jemin); 5) a pelos erros cometidos durante a peregrinação (kefareti-khatiati-hadje)
7. Concepções religiosas e éticas
Deus é o juiz do homem. Êle ordena as ações belas.
"As ações feias" são proibidas. A beleza e a feiúra são o efeito das apreciações e juizos da razão humana, ou o resultado das apreciações do Juiz (Deus), expressas pela lei que os profetas revelaram aos povos? Diversas opiniões foram manifestadas, entre as quais a de Hassan ei Basri, o chefe da escola ultra-conser- vadora, para quem a beleza e a feiúra são os efeitos (assars), da ordem do legislador, isto é, u m a ação é bela porque Deus a recomendou, feia, porque êle a proibiu. Nos primeiros tempos, as funções de juiz foram exer- cidas pelo próprio Profeta e pelos quatro califas que lhe sucederam. O califa delega seus direitos judicantes a u m h o m e m sábio, experimentado e de u m a conduta ilibada, cuja consciência foi formada segundo os preceitos da reli- gião e da moral. — 77 —
O sábio que exerce as funções de pretor (mufti), e que
por suas opiniões doutrinárias (fetava = fórmulas), guia o juiz no cumprimento de suas funções, deve ter conheci- mento profundo da língua árabe, que é a língua do direito, além de outros conhecimentos especificados.
8. Divisão do mundo muçulmano
O mundo muçulmano está dividido entre os Sunnitas
e os Chutas ou Imamitas: os primeiros reconhecem os cali- fas, na ordem de sua sucessão histórica, enquanto que os segundos somente admitem, como califas legítimos, o genro e primo do Profeta, Ali, quarto califa, e seus descendentes. A Sunna se divide e m quatro escolas ou ritos, assim chamadas do nome de seus fundadores ou imann (beira do templo, chefe ou guia) — 1.°) hanefita ou janefita, por Abou Hanifa (702-772), que domina no antigo império otomano, na Ásia Central, no Pakistão, e entre os muçul- manos da índia; 2.°) malekita, por Malek (722-795), na África do Norte francesa, 3.°) chafeita, por Mhafei (772-826), na Insulíndia; e 4.°) hambalita, por Hambal (786-863), na Arábia central e oriental e no Alfganistão. Entre as seitas que os sunitas consideram heréticas, estão os chutas ou xiitas, sectários de Ali, no Irã e nos estabelecimentos franceses da índia; os náhabitas, na Ará- bia saudita, que não admitem como fontes do direito apenas' o Corão e a Sunnah, e os abaditas, ou harigitas, estreita- mente ligados aos vahabitas, na costa da África Oriental, no Zanzibar e e m parte da África do Norte francesa (MzaK e Djerba).
9. Aplicação do direito muçulmano
Aos muçulmanos exclusivamente, nos países em que
dominem, se aplica o direito muçulmano; aos não muçul- manos, o direito positivo, devendo eles pagar u m im- — 78 —
posto de capitação, e m sinal de submissão, ou dependência,,
não podendo ter propriedade, mas apenas posse, embora hereditária e transmissível, e ocupando u m a posição diver- sa no direito criminal, quanto à pena e ao testemunho. Perde-se a qualidade de muçulmano pela apostasia, mas readquire-se pela volta aos cultos muçulmanos. U m prazo de três dias é concedido ao apóstata, para retratar-se. Fin- do esse prazo, sem retratação, êle é morto, e seus bens passam para o Tesouro Público, exceto se for escravo, e m cujo caso pertencem a seu senhor. O direito muçulmano admite a poligamia: o h o m e m pode ter quatro mulheres legítimas, com certos direitos e honras, além das concubinas, se êle não se comprometeu a ficar monógamo, bígamo ou trígamo. Os homens são constrangidos ao casamento por meio da prisão e da chibata, quando impúberes. Sendo púberes e sãos de corpo e de es- pírito, é mister o consentimento. A consumação do casa- mento dos impúberes é diferida para a puberdade. É proibido o casamento entre u m muçulmano e u m não m u - çulmano, cessando a proibição, para as mulheres muçul- manas, após a morte do marido, ou o divórcio. Os impe- dimentos matrimoniais são: a) na linha reta, seja a parentesco legítimo ou ilegítimo; b) entre os criados pela m e s m a ama e esta, assim como entre seus ascendentes e descendentes; c) entre sogra e genro, sogro e nora, madrasta e genro, padrasto e nora, os quais prevalecem mesmo após a morte ou o divórcio; d) na linha colateral, até o 3.a grau; e) o fato de u m h o m e m ter quatro esposas, e o de a mulher ter sido pejada por outro, que não o futuro ma- rido. Se o marido tem mais de u m a mulher, cada u m a tem direito a u m a habitação separada. O único regime de bens admitido é o da separação. O casamento é nulo, se existe algum dos impedimentos apontados. E é anulável se não foi livremente consentido, se contraído com pessoa de condição inferior, se devia ser autorizado, e não foi, se foram feitas estipulações contrá- rias ao fim do casamento, etc. — 79 —
O casamento se dissolve pela morte, apostasia, repúdio-
(talak), pelo divórcio por mútuo consentimento, e por de- cisão judicial. A mulher não se pode divorciar senão com autoriza- ção de seu marido, ou do juiz, ou ainda com u m resgate aceito pelo marido. O pai pode reconhecer o filho. Basta o reconhecimen- to para se estabelecer a filiação, se ratificado pelo filho, sendo êle capaz. 0 reconhecimento pode ser tácito, resul- tando da conduta do pai para com o filho. A mulher pode reconhecer u m filho, sem pai nem m ã e conhecidos. O menor púbere pode dispor de sua pessoa, mas so- mente aos 25 anos pode gerir seus bens, salvo sendo reco- nhecido apto. A puberdade é presumida aos 15 anos, para ambos os sexos, no rito hanefita; aos 18 anos, no malekita; aos 15 anos para os homens e aos 9 anos para as mulheres, no rito chiita. O direito de sucessões é muito complicado, compreen- dendo três categorias de herdeiros, cada u m a subdividida e m ordens ou classes. O varão tem u m quinhão igual ao de duas mulheres. Não ha o direito de representação. Não se admite a sucessão contratual. Pode a pessoa dispor de seus bens, por atos inter vivos, mesmo e m benefício de quem pertença a religião diferente, salvo se por doação com o fim de fraudar a proibição de legar a u m estrangeiro mais do que a terça parte dos bens da herança. A vocação he- reditária e estabelecida e m favor dos parentes, do cônjuge sobrevivente, do senhor e m relação ao liberto, e, na ausência de herdeiros, ao Tesouro Público (Beit ai hal). O direito de u m herdeiro eventual pode ser reduzido ou suprimido pela existência de outro herdeiro, mas não podem ser excluídos completamente os pais, os filhos e o cônjuge. O testador não pode modificar a ordem da sucessão, nem testar e m favor de algum herdeiro que tiver no momento de sua mor- te; e o legado, e m havendo herdeiros, não pode exceder a terça parte da herança. O direito das obrigações, amplamente desenvolvido pelos jurisconsultos, não está no Corão. Recomenda-se que — 80 —
os contratos sejam por escrito e com testemunhas, eqüiva-
lendo o testemunho de duas mulheres ao de u m varão. O casamento, o wafh (corresponde a u m a fundação), o tes- tamento, figuram entre os contratos. É proibido o emprés- timo a juros. É vedada qualquer cláusula que vise fraudar a interdição da usura, do jogo, da especulação ou mesmo própria a encorajar litígios, desvendar a fraude, a se obri- gar levianamente, a assumir-se obrigação estranha ao con- trato ou sem causa, ou que permita o não cumprimento da obrigação. São ilícitas as estipulações que impõem u m a obri- gação sem interesse para u m dos contratantes, como a de não revender o animal, a de emancipar o escravo adqui- rido ou executar u m a obrigação e m proveito de terceiro, bem assim as que conferem vantagem, sem equivalente, as que são estranhas à natureza do contrato no qual figuram (Por ex., compra de fazenda, sob a condição de que o ven- dedor fará u m manto, pois combina o contrato de locação de serviços com o de venda; mas a venda da fechadura pode ser subordinada à sua colocação pelo vendedor, por isso que se trata de cláusula conforme à natureza do con- trato) . O Corão e o Sunnah reconhecem a plena propriedade das terras mortas (aadia), que o trabalho faz voltarem à vida: "Se alguém restituir à vida u m a terra, diz Mahomet, ela lhe pertence"1. H a os bens W a k o u f 2 — móveis ou imóveis, atribuíd*ós gratuitamente, durante u m período determinado ou perpè- tuamente, por u m ou mais muçulmanos maiores, a u m ou mais muçulmanos maiores, a u m ou mais muçulmanos, ou a família muçulmana e a seus descendentes, ou a u m a tribu muçulmana, ou a u m a fundação pia do culto muçulmano, ou a u m a obra qualquer de interesse geral para o culto muçulmano. Esses bens são inalienáveis e os beneficiários
1. Terras mortas são as rurais, que não pertencem a particula-
res, nem ao conjunto dos súditos do soberano. Essas terras perten- cem a Deus. 2. Singular, wakf. N a África do Norte são chamados habbous. — 81 —
mão tem senão o gôso, salvo cláusula contrária. Entre os
direitos reais figuram a superfície e o direito de retenção. O penhor se aplica também aos imóveis (não têm a hipo- teca, nem o privilégio do vendedor, que substituem pela cláusula de retrovenda (não admitida no direito chiita). A lei islamita não é exclusiva e m suas aplicações; ela aceita todas as verdades. Assim, o direito natural e as leis romanas, nada tendo de contráiro ao Corão, são aceitas. Sendo os países muçulmanos muito diferentes quanto à sua civilização e situação econômica, devem apresentar variações costumeiras e jurisprudênciais, o que foi verifi- cado por Morand e Melliot, nas coleções desses direitos, que descobriram.
10. O método para o estudo do direito
Imami-Azam (Numan) foi o primeiro criador do mé-
todo para o estudo do direito muçulmano. Ele distingue as ciências da revelação das nascidas da razão, represen- tando estas os conhecimentos que por ela se adquirem, independentemente àa revelação. As ciências da revelação compreendem: a) Ciência da linguagem, ou instrumentária, e b) as Ciências da legisla- ção. As ciências da legislação1 compreendem: 1) Ciência das fontes: a) Ciência do Corão (Ciência da leitura do Corão e Ciência dos comentários do Corão); b) Ciência da conduta do Profeta; II) Ciências deduzidas das fontes: a) Ciência das crenças e das convicções religiosas-Ciência da unidade de Deus e Ciência dos atributos de Deus; b) Ci- ências das legislações (fiqh): aa) teoria do direito; bb) aplicações do direito.
1. Legislação, diz Imame-Azam, é o conhecimento pelo homem, de
seus direitos e deveres. Manifet é o conhecimento aprofundado, exato, « que se obtém — segundo a escola dos jurisconsultos hanefitas — çpelo estudo da ciência do direito.
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As aplicações do direito se referem às ações humanas:
a) tendo u m caráter religioso ou social (prece, jejum, con- tribuição da esmola, guerra santa, direito de paz e de guer- ra, peregrinação; b) tendo u m caráter privado: aa) rela- tivas aos vivos (casamento, obrigações e contratos (direito civil e comercial), penas (direito penal); bb) relativas aos mortos (direito das sucessões); c) tendo u m caráter mixto (o dízimo). Imami-Azam introduziu, no ensino do direito, a filoso- fia e a moral. A primeira (metafísica) ensina a conhecer as relações entre o h o m e m e Deus e as entre o h o m e m e os outros seres. A moral faz conhecer as relações regulares e corretas que devem existir quer entre os que vivem e m sociedade, quer entre o indivíduo e a sociedade: ela forma a consciência do h o m e m e a do juiz e a fortifica, de forma que u m a e outra se tornem capazes de distinguir a beleza (legalidade) da feiúra (ilegalidade).
11. Importância do estudo do direito
O profeta, em vida, deu a mais alta importância ao
estudo do direito, estabelecendo disposições e m favor dos que a êle se dedicam, dispensando-os de participar da guerra santa (djehad) e procurando prestigiá-los no seio cta sociedade, como se vê pelos dois hadis: "Deus, quando quer favorecer u m dos seus escravos, o faz apreender o direito" — (Palavra por palavra — "faz dele u m juriscon- sulto (feqih); " U m jurisconsulto é mais forte contra Satanás, do que mil ignorantes, e m ato de prece".
12. Fechada a porta da interpretação
No século X, naturalmente para evitar a formação de
novos ritos, foi fechada a porta da interpretação., Desde então o direito muçulmano vem sendo ensinado de acordo — 83 —
com as obras escritas no século XIV. C o m o diz Seignette.2
"O islamismo voltou as costas ao futuro e a face ao passa- do". Espíritos cultos têm encarecido a necessidade de se per- mitirem novos desenvolvimentos ao direito, com as cautelas aconselháveis, lembrando que a interpretação já admitira que, através da letra da lei, se procurasse o seu espírito, bem assim reconhecendo princípios, como o da necessidade e o do bem público.
13. Código nos países muçulmanos
Em alguns países muçulmanos, já se organizaram Có-
digos Civis gerais ou parciais: na Turquia e na Pérsia, Código geral; na Albânia foi adotado, em 1927, o projeto franco-italiano do Código único das Obrigações; no Líbano, u m Código de Obrigações e Contratos, estabelecido em 1932, por M. Josserand; e u m Código de Propriedade Imobiliária (aplicável também à Síria), e m 1939, e u m Código de Co- mércio, e m 1946; e m Marrocos, quanto ao Direito das Obri- gações; no Egito, e m 1948, u m Código Civil novo, adotado igualmente pela Síria. O que interessa, porém, não é conhecer os Códigos, com roupagens ocidentais, mas o direito muçulmano, que tem caracteres originais como se viu, e que requer estudo, para se poder comparar a orientação diversa seguida quanto ao Direito, no mundo muçulmano.