No congresso da União Nacional dos Estudantes de 1983, em Cabo Frio, cidade praieira do Rio de Janeiro, ocorreu um fato que marcou indelevelmente o evento. Não estou me referindo às discussões acaloradas protagonizadas pelas várias correntes políticas do movimento estudantil, mas a um simples cartaz colado nas portas dos alojamentos da estudantada ali presente. Um cartaz escrito à mão e prenhe de sentidos, ainda mais por se tratar de um convite inusitado, pelo menos para a turma do Piauí: um banho naturista numa das lindas praias da cidade. O alvoroço provocado foi enorme e imediato, com as delegações dos estados se reunindo a fim de debater o assunto. Afinal, o tema do nudismo, além de fugir da pauta da UNE, mexia com uma série de valores. Depois de pesar os prós e os contras, apenas uns cinco a sete piauienses, todos homens, resolvemos conferir a parada.

E o prazer não podia ter sido maior diante de tanta beleza, nascendo em cada um a sensação de termos chegado, enfim, ao almejado paraíso, de onde jamais deveríamos ter sido expulsos. Lá experimentamos o verdadeiro significado da palavra liberdade, já livres do cárcere das roupas e acariciados pela brisa. Nada mais emocionante que entrar pelado no mar, feito menino travesso, e deixar que a água salgada limpe as impurezas recônditas de nosso corpo. Vontade de não sair mais dali, virar peixe de vez e mergulhar sem destino. Mas deslumbramento mesmo, colírio para os olhos, foi presenciar a sensualidade da mulher brasileira, espontânea em mostrar “suas vergonhas, tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as nós muito bem olharmos, não se envergonhavam.”

Vexame pra valer, daqueles de corar o rosto, passamos quando as universitárias mineiras, talvez ignorando nossa secura, nos convidaram para uma partida de frescobol, o jogo com raquetes na praia. Com os “mastros” levantados e desfraldando bandeiras vermelhas, a saída foi recusar o convite alegando estarmos de partida por mares nunca dantes navegados. Logo, sem tempo suficiente para a prática esportiva na qual se “cultiva a amizade e o comprometimento nas jogadas”, segundo conceito da Federação Gaúcha de Frescobol. Se, para elas, o naturismo era algo normal, sem pudor em mostrar as partes íntimas, a coisa soava ainda estranha para nós, sobretudo, em momento de carência tão grande como aquele. Ao contrário do que imaginávamos, as pessoas se comportavam com espontaneidade, do jeito que vieram ao mundo, puras como crianças, isentas de maldade e outras intenções.

Hoje existem, no mundo e no Brasil, várias praias com o nudismo liberado, gerando emprego e renda a milhares de pessoas através do turismo. Em novembro de 2014, a título de ilustração, a Prefeitura do Rio sancionou lei oficializando a Praia do Abricó, na zona Oeste, como área de naturismo, dando amparo legal a sua prática de 20 anos. Caso alguém pense que isso está restrito somente ao Sudeste, engana-se redondamente, uma vez que o nudismo toma conta praticamente de todas as regiões do país. E precisa saber que tal prática não é modismo dos dias atuais, mas vem de longas datas, como é o caso da Praia de Tambaba, no interior da Paraíba, a primeira do Nordeste a ser oficializada ainda no distante ano de 1991, sendo também uma das poucas a proibir a entrada de homens solteiros. Daí eu indagar aos meus botões, quando tomado pelas lembranças de Cabo Frio, por que não separarmos um pedaço de nosso belo litoral piauiense ao naturismo. Sem dúvida, os amantes dessa prática e da liberdade iriam adorar bastante. Resta saber se o moralismo do Brasil atual, hipócrita e fundamentalista, que contamina o Piauí também, não apedrejaria tal iniciativa e seus defensores.