Daniela Muradas Antunes
Pedro Augusto Gravatá Nicoli
Wanessa Susan de Oliveira Rodarte
Organização
A reforma trabalhista e o
direito individual do trabalho:
dos retrocessos às resistências
Anais do IV Encontro da RENAPEDTS
Volume 2
Belo Horizonte
2019
A REFORMA TRABALHISTA E O DIREITO INDIVIDUAL DO TRABALHO:
DOS RETROCESSOS ÀS RESISTÊNCIAS
Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Copyright © [2019] Initia Via Editora Ltda.
Rua dos Timbiras, nº 2250 – 1º andar, Lourdes
Belo Horizonte, MG - CEP 30140-061
www.initiavia.com
Editora-Chefe: Isolda Lins Ribeiro
Revisão: Organizadores e autores
Projeto gráfico e diagramação: Isabella Ramaciotti
Arte da capa: Organização
Imagem da capa: O Operário (1947), de Cândido Portinari
(cedida por Portinari Licensing Ltda.)
CC BY-NC-SA 4.0. Esta obra foi licenciada sob a “Atribuição Creative Commons Não-Comercial Compartilhamento Igual - 4.0 Internacional”. É possível compartilhá-la gratuitamente para fins não
comerciais, atribuindo o devido crédito e sob a mesma licença.
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
DE ACORDO COM ISBD
R332
A reforma trabalhista e o direito individual do trabalho [recurso
eletrônico] : dos retrocessos às resistências / organizado por Daniela
Muradas Antunes, Pedro Augusto Gravatá Nicoli, Wanessa Susan de Oliveira
Rodarte. - Belo Horizonte, MG : Initia Via, 2019. – (Anais do IV Encontro da
RENAPEDTS ; v.2)
434 p. ; PDF.
Inclui bibliografia e índice
ISBN: 978-85-9547-079-8 (Ebook)
ISBN: 978-85-9547-077-4 (Coleção)
1. Direito do trabalho. 2. Seguridade social. I. Antunes, Daniela Muradas.
II. Nicoli, Pedro Augusto Gravatá. III. Rodarte, Wanessa Susan de Oliveira.
IV. Título. V. Série.
2019-1774
CDU 344.01
CDU 34:31
Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410
Indice para catálogo sistemático:
1. Direito do trabalho 344.01
2. Direito do trabalho 34:31
DOI: 10.17931/95470798
A reforma trabalhista... • 3
Sumário
Agradecimentos
6
Apresentação
8
Carta Aberta do IV encontro da RENAPEDTS
10
Grupos de Pesquisa e Extensão integrantes da RENAPEDTS
12
A nova modalidade do contrato de trabalho intermitente
à luz da constituição federal de 1988
14
Joana Cristina Cardoso
A regulamentação do contrato de trabalho intermitente pela
Lei nº 13.467/17: o Brasil a caminho da institucionalização da
precariedade
46
Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva
Thiago Patrício Gondim
Nathalia Marbly Miranda Santos
Contrato intermitente e sobreaviso:
semelhanças, distinções e uso a fim de resgatar
a dignidade da pessoa humana
77
Helena Pontes dos Santos
Burnout: os impactos da reforma trabalhista no contexto da
contrarreforma psiquiátrica
89
Vinícius Alexander Gimenes Cidral
Normas de proteção ao trabalho humano
e suas vicissitudes em tempos de hegemonia global
do capital financeiro improdutivo
Márcio Toledo Gonçalves
Natália das Chagas Moura
109
4 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Trabalho decente, crise econômica e
reforma trabalhista no brasil:
uma leitura a partir da teoria do valor
e da crítica da forma jurídica
130
Leila Giovana Izidoro
Regiane de Moura Macedo
A economia solidária como meio de resistência
à precarização das relações de trabalho:
para ampliar o objeto do direito do trabalho,
a partir da articulação entre o princípio da solidariedade e
o princípio da proteção social
147
Everaldo Gaspar Lopes de Andrade
Raissa Saldanha Menezes Malagueta
Fernanda Barreto Lira
Entre a precarização e a repressão:
a gestão bélica da miséria no contexto
do retrocesso trabalhista
164
Gustavo Carneiro da Silva
Reforma trabalhista: um “ajuste justo” para quem?
183
Natália Das Chagas Moura
Maria Rosaria Barbato
Capitalismo flexível e periférico:
o sentido da reforma trabalhista no Brasil
e um balanço de seus resultados
210
Pietro Rodrigo Borsari
Pedro Daniel Blanco Alves
“Virtus in medio” ou “in veritas” – parte II
249
Lara Porto Renó
Mariana Benevides da Costa
Marilu Freitas
A contratação do “autônomo” da “reforma”
Fabrício Máximo Ramalho
265
A reforma trabalhista... • 5
Autônomo exclusivo e trabalho por plataformas digitais:
uma leitura crítica das possíveis implicações jurídicas
baseada no direito comparado
286
Amanda Foltram de O. Telles
Sidnei Machado
Trabalho autônomo exclusivo é falso autônomo
309
Sidnei Machado
Gabriela Varella de Oliveira
Thais Lara Guedes
Onde está o trabalhador informal na constituição?
Considerações sobre o trabalho autônomo na perspectiva
constitucional
334
Gabriela Cardoso Portella
Negociação individual no contrato de trabalho:
o fim da equiparação salarial para os empregados
“hipersuficientes”?
351
Phelippe Henrique Cordeiro Garcia
A terceirização do serviço público face à Lei 13.429/2017:
entre direito ao trabalho, liberdade de empresa e
discricionariedade do estado
375
Gabriel Percegona Santos
Sidnei Machado
Apontamentos sobre a precarização à brasileira
403
Alexandre Francisco Braga
As ferramentas do Direito Internacional
para a resistência do Direito do Trabalho
418
Marco Aurélio Serau Junior
Melissa de Albuquerque
In: ANTUNES, Daniela Muradas; NICOLI, Pedro Augusto Gravatá; RODARTE, Wanessa
Susan de Oliveira (org.). A reforma trabalhista e o direito individual do trabalho: dos
retrocessos às resistências. 1ª edição. Belo Horizonte: Initia Via, 2019 (Anais do IV
Encontro da RENAPEDTS, vol. 2). ISBN: 978-85-9547-079-8. DOI: 10.17931/95470798.
6 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
AGRADECIMENTOS
Os esforços de muitas pessoas foram necessários para que o IV
Encontro da RENAPEDTS pudesse acontecer em terras belorizontinas
e ser o estrondoso sucesso que cativou e encantou pesquisadoras, pesquisadores e extensionistas da área do Direito do Trabalho e Seguridade
Social de diferentes cantos do país. Assim, gostaríamos de agradecer, primeiramente, a toda a comissão organizadora do evento nas pessoas de
Bárbara Almeida Duarte, Cristiane dos Santos Silveira, Daniel de Faria
Galvão, Eugênio Delmaestro Corassa, Gabriella Martins Damasceno, João
Felipe Zini Cavalcante de Oliveira, Luiz Filipe da Silva, Marcos Paulo da
Silva Oliveira, Nara Abreu Santos, Raphael Machado de Castro, Rodrigo
Gondim Silva e Victor Hugo Criscuolo Boson, por todo o empenho e dedicação envolvidos na realização de incontáveis e, por vezes, aparentemente intermináveis atividades que possibilitaram a promoção, por nosso
evento, de tantos encontros e diálogos improváveis, importantes, produtivos e afetuosos.
Agradecemos a todas e todos os integrantes dos grupos de pesquisa e extensão da RENAPEDTS que se dispuseram a viajar, por vezes
distâncias significativas, para participarem do nosso evento e contribuírem com seu acontecimento a partir do aporte de seus olhares, vivências
e perspectivas únicos. Gostaríamos de agradecer, igualmente, as valiosas contribuições prestadas por Edur Velasco Arregui, Vanessa Andrade
de Barros, Yumi Garcia dos Santos, Deise Luiza da Silva Ferraz e Letícia
Cardoso Barreto com suas palestras, que provocaram a todas e todos nós
com instigantes reflexões acerca dos desafios que se impõem à regulação
jurídica do trabalho e da previdência social na atualidade. Aproveitamos
para agradecer ainda a todas as coordenadoras e todos os coordenadores
dos grupos de trabalho temáticos do IV Encontro da RENAPEDTS, que
conduziram, de forma brilhante, as atividades de seus grupos, instigando
e promovendo importantes discussões.
Não podemos nos esquecer de registrar que a realização do evento só foi possível graças à confiança e ao apoio financeiro da Coordenação
A reforma trabalhista... • 7
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), da PróReitoria de Extensão da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFMG e do Sindicato dos
Professores de Universidades Federais de Belo Horizonte, Montes Claros
e Ouro Branco (APUBH), que compreenderam a importância de se fortalecer o diálogo acadêmico interinstitucional em nosso país diante das
transformações que afetam e ameaçam afetar o mundo do trabalho brasileiro como o conhecemos. Por fim, expressamos nossa gratidão a todas e
a todos que elaboraram os artigos que compõem estes anais. Temos a certeza de que as reflexões apresentadas neles se revelam fundamentais para
o desenvolvimento do campo de estudos críticos do Direito do Trabalho
e Seguridade Social no Brasil e são um importante e corajoso marco de
resistência em tempos de amedrontadores retrocessos sociais.
Aysla Sabine Rocha Teixeira
Maria Cecília Máximo Teodoro
Daniela Muradas Antunes
Maria Rosaria Barbato
Flávio Malta Fleury
Pedro Augusto Gravatá Nicoli
Gustavo Marcel Filgueiras Lacerda
Wanessa Susan de Oliveira Rodarte
8 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
APRESENTAÇÃO
Estes anais apresentam as contribuições acadêmicas de docentes, discentes de graduação e de pós-graduação, integrantes de grupos
de pesquisa e extensão em Direito do Trabalho e Seguridade Social de
diferentes instituições de ensino superior brasileiras, apresentadas no IV
Encontro da Rede Nacional de Grupos de Pesquisa e Extensão em Direito
do Trabalho e Seguridade Social (RENAPEDTS), realizado nos dias 20
e 21 de setembro de 2018 em Belo Horizonte, na Faculdade de Direito e
Ciências do Estado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
e no campus Praça da Liberdade da Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais (PUC Minas).
O evento foi organizado e sediado pelos grupos de pesquisa
Trabalho e Resistências da UFMG e Retrabalhando o Direito da PUC
Minas, ambos integrantes da RENAPEDTS, e teve como tema central:
“Direitos sociais entre rupturas, crítica e reconstrução”. No dia 20 de setembro de 2018, o evento teve início com palestra de abertura intitulada
“O capitalismo do Século XXI e o Direito do Trabalho”, proferida pelo
Professor Edur Velasco Arregui, da Universidad Autónoma Metropolitana,
Azcapotzalco, do México. Em sequência, as coordenadoras e os coordenadores dos grupos de pesquisa e extensão da RENAPEDTS apresentaram, brevemente, relatos das atividades desenvolvidas por seus respectivos grupos ao longo do ano de 2018. O dia teve fim com a realização de
cerimônia de homenagem à Aldacy Rachid Coutinho, Professora Titular
de Direito do Trabalho aposentada da Universidade Federal do Paraná
(UFPR), em reconhecimento a sua trajetória acadêmica e profissional,
bem como a suas relevantes contribuições para os estudos críticos de
Direito do Trabalho no Brasil.
No dia 21 de setembro de 2018, foi realizada a mesa “Quatro olhares sobre o trabalho contemporâneo: perspectivas interdisciplinares”, que
teve como objetivo apresentar as perspectivas de pesquisa de professoras
da UFMG da sociologia, da psicologia e da economia que tangenciam e
envolvem questões relativas ao funcionamento do mundo contemporâneo
do trabalho. A mesa contou com a participação da Professora Vanessa
Andrade de Barros, do Departamento de Psicologia; Professora Yumi
A reforma trabalhista... • 9
Garcia dos Santos, do Departamento de Sociologia; Professora Deise Luiza
da Silva Ferraz, da Faculdade de Ciências Econômicas; e Professora Letícia
Cardoso Barreto, do Departamento de Psicologia. Ao final do segundo
dia de evento, foi realizada plenária com as integrantes e os integrantes
dos grupos de pesquisa e extensão da RENAPEDTS, na qual foram tratadas questões relativas ao funcionamento da Rede. Além disso, nos dois
dias do evento, foram realizados 12 grupos de trabalhos temáticos, nos
quais foram apresentados 163 trabalhos por pesquisadoras, pesquisadores
e extensionistas integrantes da Rede sobre temas como: normas, institutos e fundamentos jurídicos e históricos do Direito do Trabalho; reforma
trabalhista; reestruturação produtiva capitalista; sindicatos; gênero; raça;
acesso à justiça e direito processual do trabalho; saúde de trabalhadoras e
trabalhadores; dentre tantos outros.
Os artigos que compõem estes anais apresentam, portanto, à comunidade acadêmica e à sociedade civil brasileiras não só o teor das atividades de pesquisa e extensão desenvolvidas em importantes instituições
de ensino superior brasileiras, como resultam dos encontros e diálogos estabelecidos entre pesquisadoras, pesquisadores e extensionistas nos grupos de trabalho temáticos, nas palestras e nos intervalos entre palestras e
atividades do IV Encontro da RENAPEDTS. Desse modo, os artigos que
compõem estes anais nascem da cooperação acadêmica interinstitucional
e da construção coletiva de uma rede de pesquisa e extensão em Direito do
Trabalho e Seguridade Social. Sua leitura se revela fundamental para uma
compreensão crítica das reformas políticas, econômicas, sociais e jurídicas do mundo do trabalho e dos sistemas de seguridade social pautadas
por uma lógica neoliberal propostas no Brasil e em outros países do mundo no decorrer dos últimos anos, que atentam, aqui e alhures, contra direitos sociais duramente conquistados por trabalhadoras e trabalhadores.
Aysla Sabine Rocha Teixeira
Maria Cecília Máximo Teodoro
Daniela Muradas Antunes
Maria Rosaria Barbato
Flávio Malta Fleury
Pedro Augusto Gravatá Nicoli
Gustavo Marcel Filgueiras Lacerda
Wanessa Susan de Oliveira Rodarte
10 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
CARTA ABERTA DO
IV ENCONTRO DA RENAPEDTS
A Rede Nacional de Grupos de Pesquisa e Extensão em Direito
do Trabalho e Seguridade Social - RENAPEDTS, reunida em seu IV encontro, na cidade de Belo Horizonte, a partir dos estudos e pesquisas realizados pelos grupos que a compõem, e partindo do pressuposto de que
o debate acadêmico sério e profundo deve estar comprometido com uma
ordem social menos injusta, concentradora da renda e excludente, vem a
público se manifestar no seguinte sentido:
1.
2.
3.
4.
5.
A “reforma” trabalhista aprovada em 2017 foi resultado de um
processo que não respeitou os postulados jurídicos e políticos
democráticos.
Diante da pressa com que foi realizada e aprovada a “reforma”, o
texto final da lei desconsiderou, inclusive, os mínimos cuidados
com a linguagem e a técnica jurídica.
A “reforma” pretendeu unicamente atender aos interesses de grandes conglomerados econômicos, não se tratando, pois, de uma efetiva “reforma”.
Os efeitos já verificados da “reforma” são o aumento do desemprego, do subemprego e da precarização, a fragilização da atuação
sindical, a acumulação ainda maior da riqueza e a redução do financiamento da seguridade social, gerando desmonte do pacto de
solidariedade, que se acentua com a implementação de políticas de
austeridade decorrentes da aprovação da EC 95/16.
Outro grave problema da “reforma” foi o de impulsionar uma racionalidade econômica sobre as relações de trabalho, desprezando
o pressuposto, fixado na Constituição da República, da integração
política e da melhoria da condição social da classe trabalhadora, o
que se refletiu, inclusive, em recente decisão do STF, que pretendeu
A reforma trabalhista... • 11
6.
ampliar de forma ilimitada a intermediação de força de trabalho
(“terceirização”).
Estudos realizados por integrantes da RENAPEDTS demonstram,
igualmente, o aumento do sofrimento nas relações de trabalho, que
se amplia ainda mais pela vedação do acesso à justiça que a “reforma” também tentou promover.
Diante disso, a RENAPEDTS assume firme posição no sentido
da necessidade da imediata e urgente revogação das Leis 13.429/17 e
13.467/17.
Assume, ainda, que apenas a revogação das leis certamente não
bastará para que seja implementada uma efetiva política de integração social no país.
Rechaça, pois, toda forma de precarização e de intermediação de
força de trabalho, que têm provocado e aprofundado a redução de direitos, a invisibilidade, a misoginia e o racismo nas relações de trabalho.
Rechaça, ainda, todo discurso que de algum modo chancela, admite ou estimula qualquer forma de preconceito; propaga a xenofobia;
ignora, desconstitui ou ridiculariza as lutas das negras e negros, indígenas,
mulheres e LGBTI’s, bem como que apregoa e incentiva o ódio e a violência, real ou simbólica.
Reafirma, por fim, o compromisso de se colocar contrária a qualquer forma de retrocesso democrático e social, além de assumir, publicamente, a responsabilidade de preservar e fazer valer os preceitos constitucionais vigentes, notadamente os que buscam garantir, no âmbito das
relações de trabalho, constante melhoria das condições sociais de quem
vive do trabalho.
Belo Horizonte,
21 de setembro de 2018.
12 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
GRUPOS DE PESQUISA E EXTENSÃO
INTEGRANTES DA RENAPEDTS
Trabalho e Resistências (UFMG) – coordenadores Daniela Muradas
Antunes, Maria Rosaria Barbato e Pedro Augusto Gravatá Nicoli;
Retrabalhando o Direito – RED (PUC-Minas) – coordenadores Maria
Cecília Máximo Teodoro e Márcio Túlio Viana;
Configurações Institucionais e Relações de Trabalho (CIRT-UFRJ) – coordenadores Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva, Daniele Gabrich
Gueiros e Rodrigo de Lacerda Carelli;
Trabalho e Capital (GPTC - USP) – coordenadores Jorge Luiz Souto Maior
e Gustavo Seferian Scheffer Machado (orientadores acadêmicos Tarso de
Melo e Grijalbo Fernandes Coutinho);
Direito do Trabalho e Teoria Social Crítica (UFPE) – coordenadores
Juliana Teixeira Esteves, Everaldo Gaspar Lopes de Andrade e Hugo
Cavalcanti Melo Filho;
Trabalho, Seguridade Social e Processo: Diálogos e Críticas (UFES) – coordenadores Cláudio Jannotti da Rocha e Lorena Vasconcelos Porto;
Trabalho e Regulação no Estado Constitucional (UniBrasil/PR) – coordenador Leonardo Wandelli;
Grupo de Estudos e Defesa do Direito do Trabalho e do Processo
Trabalhista (GRUPE - UFC) – coordenador Francisco Gerson Marques
de Lima;
Acesso à Justiça na Perspectiva dos Direitos Humanos (FDV) – coordenador Carlos Henrique Bezerra Leite;
Grupo de Estudos em Direito do Trabalho – IPA (Instituto Porto Alegre)
– coordenador Almiro Eduardo de Almeida;
Grupo de Estudos Trabalho e Capital: retrocesso social e avanços possíveis (FEMARGS em parceria com a UFRGS) – coordenadora Valdete
Souto Severo;
A reforma trabalhista... • 13
Trabalho e Dignidade, Constituição e Transnacionalização (FURBBlumenau) – coordenadores Elsa Cristine Bevian e Oscar Krost;
Núcleo de Pesquisa e Extensão “O Trabalho além do Direito do Trabalho:
dimensões da clandestinidade jurídica laboral” (USP), coordenador
Guilherme Guimarães Feliciano;
Núcleo de estudos sobre teoria e prática da greve no direito sindical brasileiro contemporâneo (USP) – coordenador Flávio Roberto Batista;
Trabalho, Direito e Justiça (UFJF) – coordenadora Karen Artur;
Clínica de Direito do Trabalho – Trabalho e Direitos (UFPR) – coordenador Sidnei Machado;
Direito, Trabalho e Política (UNEB/UFBA) – coordenador Murilo
Carvalho Sampaio Oliveira;
Capitalismo, Trabalho e Direitos Fundamentais (UERJ) – coordenador
Ivan Garcia;
GT Mundos do Trabalho: impactos das reformas nas instituições públicas
(Cesit/UNICAMP) – coordenadora Magda Biavaschi;
Relações de trabalho, crítica, política e contemporaneidade (UFBA) - coordenadores Carlos Eduardo Soares de Freitas, Murilo Carvalho Sampaio
Oliveira e Renata Dutra.
14 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
A NOVA MODALIDADE DO CONTRATO
DE TRABALHO INTERMITENTE À LUZ DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
THE NEW MODALITY OF THE INTERMITTENT
LABOR CONTRACT IN THE LIGHT OF THE
FEDERAL CONSTITUTION OF 1988
Joana Cristina Cardoso1
Resumo: As formas de trabalho e prestação de trabalho foram se modificando no decorrer da história, de acordo com o contexto histórico, cultural,
religioso, entre outros. Dentre as diversas alterações, ocorreu a flexibilização
das formas de trabalho, da qual surgiu o contrato de trabalho intermitente.
Almeja-se analisar essa inovadora modalidade de contrato de trabalho, que
foi criada por meio da Lei nº 13.467/17, na qual o trabalhador se submete
à prestação de serviços e períodos de inatividade, subordinando-se ao empregador mesmo em períodos de inatividade. Essa nova figura contratual
introduzida no ordenamento jurídico se diferencia de outros tipos de contrato de trabalho já existentes na legislação trabalhista em diversos aspectos,
conforme assegurado pela Medida Provisória nº 808/17 e, posteriormente,
pela Portaria nº 349/18. A modalidade de contrato de intermitência será
analisada de forma crítica, demonstrando-se diversas controvérsias existentes à luz da Constituição Federal de 1988.
1
Graduada em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo, integrante do Grupo
de Estudos Processo, Trabalho e Previdência: Diálogos e Críticas (UFES, Vitória, Espírito
Santo, Brasil), podendo ser contatada pelo endereço eletrônico cardoso.joanac@gmail.
com.
In: ANTUNES, Daniela Muradas; NICOLI, Pedro Augusto Gravatá; RODARTE, Wanessa
Susan de Oliveira (org.).A reforma trabalhista e o direito individual do trabalho: dos
retrocessos às resistências. 1ª edição. Belo Horizonte: Initia Via, 2019 (Anais do IV
Encontro da RENAPEDTS, vol. 2). ISBN: 978-85-9547-079-8. DOI: 10.17931/95470798/
v2a01.
A reforma trabalhista... • 15
Palavras-chave: Direito do trabalho; Contrato de trabalho intermitente;
Flexibilização; Controvérsias; Constituição federal de 1988.
Abstract: The forms of work and the provision of work have been changing throughout history, according to the historical, cultural, religious context, among others. Among these changes, there was a flexibilization of the
forms of work, from which emerged the intermittent work contract. It is
hoped to analyze this innovative modality of work contract, which was created through Law 13467/17, in which he worker under goes the provision
of services and periods of inactivity, being subordinated to the employer
even in periods of inactivity. This new contractual figure introduced in the
legal system differs from the other existing types of employment contracts
in nacional labour legislation in several aspects, as shown by Provisional
Measure nº 808 of 2017 and, later, by Administrative Rule nº 349 of 2018. It
will be analyzed critically after the provisions of the Brazilian Constituition
of 1988, according to which existing controversies will be demonstrated.
Keywords: Labour rights; Contract of intermitente employment;
Flexibilization; Controversy; Federal Constitution of 1988.
*
1. Introdução
Ao longo do tempo, a sociedade se desenvolve em diversos aspectos. Diante desse progresso, foram necessárias diversas modificações sociais
ao novo contexto histórico, religioso, tecnológico, político, econômico, entre outros.
Essas diversas modificações, geraram a flexibilização das formas de
trabalho. Convém notar, que o Governo brasileiro afirmou ser necessária
a atualização da reforma do texto da Consolidação das Leis Trabalhistas
(CLT), do ano de 1943, digna de diversas alterações durante sua vigência,
sob um dos argumentos a possível redução da taxa de desemprego após a
flexibilização da CLT.
16 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Devido aos argumentos utilizados, ocorreu a Reforma Trabalhista
por meio da Lei nº 13.467/17, que alterou a acrescentou diversos dispositivos no CLT. Dentre as diversas inovações, foi introduzido no ordenamento
jurídico brasileiro uma nova modalidade do contrato de trabalho, denominada contrato de trabalho intermitente.
O conceito da nova figura contratual foi inserida no art. 443, § 3º, da
CLT e regulamentada pelo art. 452-A. Foi necessária a inserção do seu conceito, porque o contrato intermitente se distingue dos contratos de trabalho
anteriormente previstos na CLT, isto é, o contrato de trabalho intermitente
é aquele no qual a prestação de serviços não é contínua, ocorrendo com
alternância de prestação de serviços e de inatividade, com subordinação.
Cumpre destacar que, sob o argumento de retirar a rigidez da norma para acompanhar o desenvolvimento social, diversas lacunas foram
criadas no ordenamento jurídico pela Lei nº 13.467/17. Para melhor adequar a redação da Reforma Trabalhista e preencher os pontos obscuros, foi
elaborada a Medida Provisória (MP) nº 808/17 e Portaria do Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE) nº 349/18.
Além das diversas lacunas introduzidas no ordenamento jurídico,
verificou-se a inobservância de diversos princípios da Constituição Federal,
a exemplo dos princípios da dignidade humana, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, assim como o desrespeito aos direitos sociais estabelecidos no art. 7º da Carta Maior de 1988.
Propõe-se, neste estudo, aprofundar a pesquisa sobre o contrato de
trabalho intermitente e suas controvérsias quanto aos requisitos do contrato de trabalho, além de analisar os dispositivos inseridos e alterações realizadas pela Lei nº 13.467/17, pela MP nº 808/17 e pela Portaria nº 349/18
e, averiguar suas limitações e possíveis inconstitucionalidades acerca dos
direitos dos trabalhadores estabelecidos na Constituição Federal de 1988.
2. Histórico do direito do trabalho
2.1 No mundo
A evolução do direito do trabalho ocorreu de acordo com o delinear dos acontecimentos históricos, sempre se adaptando às necessidades da
época. Assim, as modificações do trabalho ocorriam com o intuito de acompanhar as circunstâncias políticas, econômicas, religiosas, entre outras.
A reforma trabalhista... • 17
O ser humano sempre trabalhou. Sua primeira experiência foi com
o intuito de se alimentar, uma vez que não possuía outras necessidades à
época do primitivismo da vida humana.
Com o passar do tempo, com o intuito de proporcionar segurança
contra animais predadores e de outros homens, começou-se a elaboração
de seus próprios armamentos, instrumentos esses elaborados para preservar sua integridade, desenvolvimento de forma mais adequada suas armas,
ao perceber que os restos mortais de animais se partiam com facilidade.
Desenvolveu-se, assim, a primeira atividade artesanal utilizadas em caças de
animais e lutas contra homens pertencentes à outras tribos (SÜSSEKIND,
2002).
2.1.1 Escravidão, servidão e corporações de ofício
Das lutas entre os homens de tribos e grupos diferentes restava a
morte para um deles, até perceberem a possibilidade de o vencedor escravizar o derrotado para aproveitar sua força ao trabalho. O grupo excessivo
de escravos conquistados nesses confrontos eram vendidos, trocados ou
alugados a fim de realizar serviços exaustivos para aqueles que tinham condições de pagar por sua força de trabalho à quem o submeteu ao regime da
escravidão (SÜSSEKIND, 2002).
Consoante noção cediça, a submissão de um ser humano ao outro
emerge da prática social na qual os vencedores do conflito entre as tribos da
época assumiam direitos de propriedade sobre o vencido, transformando-o
em escravo.
Segundo Maria Inês Moura S. A. da Cunha (2010), a economia neste sistema da escravidão era baseada na grande quantidade de exploração
da mão de obra dos escravos, marcado pela exploração de latifúndios. Ao
decorrer do tempo, tornou-se difícil adquirir mão de obra, uma vez que o
comércio de escravos custava um valor exorbitante, porque houve diminuição de guerras, principal fonte de prisioneiros.
Com o enfraquecimento da mão de obra escrava e o arrendamento
de terras, a população da cidade migrou para os campos em busca de sobrevivência, resultando no empobrecimento das cidades.
Posteriormente, a partir do século XI, na Baixa Idade Média, sobrevieram as cruzadas, pestes e invasões que evidenciaram o enfraquecimento
do feudalismo. Neste período, ocorreu o êxodo rural, processo de migração
18 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
dos servos para as cidades, a fim de possuírem condições mais dignas de
trabalho (CASSAR, 2016).
Ainda no período da Idade Média, surgiram as Corporações de
Ofício. Cada Corporação tinha um estatuto disciplinando relações de trabalho, mas, ainda assim, os direitos dos trabalhadores eram periféricos
(NASCIMENTO, 2014).
Um aspecto relevante das corporações de ofício é que quando um
artesão se tornava inválido ou viesse a falecer, as corporações amparavam
o artesão ou suas famílias (BARROS, 2013). Vislumbra-se, assim, o instinto
da previdência existente nos dias atuais.
O aprendiz devia obediência ao seu mestre, pessoa responsável em
lhe repassar os ensinamentos. Após o período de 5 (cinco) anos de aprendizado, o aprendiz se tornava companheiro ou oficial do mestre, podendo ser
mestre por meio da aprovação em uma prova que era paga. Aprovado nessa
avaliação, era denominado mestre e se desvinculava daquele que o ensinou
(CASSAR, 2016).
Como os companheiros dificilmente chegavam às maestrias, com o
intuito de proteger seus interesses, uniram-se criando as compagnonnage e
acirraram um conflito com os mestres. Iniciava-se, neste momento, a decadência das corporações de ofício (CASSAR, 2016).
A servidão começou a desaparecer apenas ao final da Idade Média,
nos séculos XVII e XVIII, ao passo que as corporações de ofícios foram
extinguidas por meio da Lei Chapelier, de 1791.
2.1.2. A transição para o capitalismo
De acordo com os ensinamentos de Carlos Henrique Bezerra Leite
(2016), o período pré-industrial foi dividido em três fases, quais sejam, a
fase da escravidão, na qual ocorreu a vinculação do homem ao homem; a
fase da servidão, cujo vínculo principal era do homem à terra; e, por fim, a
fase das corporações, momento em que o homem foi conectado à profissão.
Analisadas essas fases que se enfraqueceram com a evolução da
economia, política e religião, iniciou-se a Revolução Francesa e a Revolução
Industrial, cuja essência foi a busca pela liberdade do trabalhador frente aos
proprietários de indústrias, que exploravam de modo contínuo e desumano
os operários.
A reforma trabalhista... • 19
Neste cenário de industrialização, vários postos de trabalho foram
extintos, causando desemprego tanto na cidade quanto no campo. Nestas
circunstâncias, os trabalhadores se submetiam à receber salários insignificantes e uma carga excessiva de trabalho, de acordo com as condições impostas pelos proprietários das máquinas, não possuindo direitos.
Pelo exposto, Maurício Godinho Delgado assevera (2012, p. 87):
O Direito do Trabalho é, pois, produto cultural do século XIX e
das transformações econômicos-sociais e políticas ali vivenciadas.
Transformações todas que colocam a relação de trabalho subordinado como núcleo motor do processo produtivo característico daquela
sociedade.
Portanto, o direito do trabalho nasce juntamente com a sociedade
industrial e o trabalho dos assalariados, reafirmando o contrato de que o
direito trabalhista acompanha o desenvolvimento da sociedade em diversos
âmbitos.
Juntamente com o reconhecimento da liberdade quanto ao exercício de profissões, artes ou ofícios por meio de livres contratações, foram
criadas leis trabalhistas com o intuito de coibir abusos contra o proletariado,
que se utilizavam da mão de obra de menores e de mulheres, além do intuito de adquirir condições mínimas para o labor.
É cediço ressaltar que as primeiras Constituições a tratarem do direito do trabalho foram a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição
de Weimar, Alemã, de 1919.
No ano de 1919 foi assinado o Tratado de Versalhes, que previa a
criação da Organização Internacional do Trabalho – OIT –, com sede em
Genébra e representada por 10 países permanentes, no qual o Brasil está
incluso (CASTRO, 2013). A OIT surgiu com o objetivo de estudar e promover formas que melhorem as condições dos trabalhadores no mundo
(MORAES FILHO, 2014).
Além disso, em 1948 foi editada a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, estabelecendo variados direitos do trabalho que vislumbravam
status de um direito humanizado, a exemplo de férias remuneradas, limitações de jornada, entre outros.
Conforme expõe Carlos Henrique Bezerra Leite (2016), três foram
as razões do surgimento do direito do trabalho: econômica, pelo que se per-
20 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
cebe pela revolução industrial; política, como vislumbrado por meio da revolução francesa, cuja transformação do Estado liberal em Estado social foi
demonstrada pela intervenção do Estado nas relações de trabalho; e, jurídica, quando os próprios trabalhadores buscaram maior proteção. Essas motivações tiveram apoio da Igreja Católica, que preconizava o ideal de justiça
social e, influência das conjunturas marxistas, que pregava luta das classes
trabalhadores à ascensão política.
2.1.3. O conceito de direito do trabalho
O Direito do Trabalho, assim como apresentado, ultrapassa a visão
individualista e coletiva. Nessa acepção, Vólia Bomfim Cassar (2016, p.5)
conceitua o direito do trabalho como
Um sistema jurídico permeado por institutos, valores, regras e princípios dirigidos aos trabalhadores subordinados e assemelhados,
aos empregadores, empresas coligadas, tomadores de serviço, para
tutela do contrato mínimo de trabalho, das obrigações decorrentes
das relações de trabalho, das medidas que visam à proteção da sociedade trabalhadora, sempre norteadas pelos princípios constitucionais, principalmente o da dignidade da pessoa humana. Também
é recheado de normas destinadas aos sindicatos e associações representativas; à atenuação e forma de solução dos conflitos individuais,
coletivos e difusos, existentes entre capital e trabalho; à estabilização da economia social e à melhoria da condição social de todos os
relacionados.
O Direito do Trabalho surgiu como resposta política aos problemas
sociais apensados pelo capitalismo liberal, cujo momento buscava-se solucionar a crise social surgida após a Revolução Industrial (BARROS, 2013).
2.2. No Brasil
O Brasil sofreu diversas influências externas e internas em relação
ao direito do trabalho. Quanto as ações externas, pode-se mencionar as
transformações que ocorriam na Europa e o progresso da legislação trabalhista assegurando o direito do trabalhador. Em relação às interferências
internas, foram as inúmeras greves entre fins de 1800 e início de 1900, o
A reforma trabalhista... • 21
surto industrial que adveio da primeira Guerra Mundial, além da política trabalhista de Getúlio Vargas, representada pela Consolidação das Leis
Trabalhistas (NASCIMENTO, 2014).
As constituições anteriores à de 1988 já mencionavam o Direito do
Trabalho. Contudo, o viés social e democrático foi caracterizado na última
Constituição brasileira, cujo objetivo foi assegurar valores supremos de uma
sociedade fraterna, justa e sem preconceitos, baseada na harmonia social, e
com o intuito de solucionar as controvérsias de modo pacífico. Resguardou
o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o
bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça (LENZA, 2012).
2.3. O direito do trabalho à luz da Constituição Federal de 1988
Em 1988, a Constituição assegurou um novo contexto jurídico-institucional para o país, por meio da ampliação das liberdades e garantias
individuais (PONTUAL, 2018).Nesta perspectiva, o homem retoma como
principal figura a ser protegida, a concepção individualista e privatista é
marginalizada, adotando-se o coletivo, o social e a dignidade da pessoa humana. Flexibilizou-se os direitos trabalhistas (CASSAR, 2016).
A Carta Magna de 1988, em seu art. 7º, trouxe os direitos sociais
dos empregados urbanos e rurais, assim como outros que visaram melhores condições sociais da sociedade. Foi concedida maior proteção ao trabalhador, com o intuito de firmar a dignidade humana e a justiça social
(BEZERRA, 2017).
De forma esclarecedora, os artigos que tratam dos direitos do trabalho, precisamente do dispositivo 7ª ao 11, abarcam direitos conquistados
por toda a evolução histórica em prol da sociedade trabalhadora.
Acrescenta-se que a evolução econômica, política e religiosa perpassou por vários regimes e institutos, modificando-se de acordo com o decorrer da história do ser humano, tais como: escravidão, servidão, corporações de ofício, liberdade do homem pela Revolução Industrial e Revolução
Francesa.
22 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
2.3.1 A Consolidação das Leis Trabalhistas e sua reforma
Os direitos garantidos aos trabalhadores ao longo da evolução histórica encontravam-se dispersos em leis esparsas. Diante disso, vislumbrou-se a necessidade da criação de uma legislação que unificasse todas essas leis
referentes aos direitos trabalhistas já existentes no Estado brasileiro. Com
essa finalidade, foi criada a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), em 1º
de maio de 1943, por meio do Decreto-Lei nº 5.452.
De acordo com Carlos Henrique Bezerra Leite (2018), a CLT é equiparada à lei federal, sendo adotada à todos os empregados sem distinção da
natureza do trabalho técnico, manual ou intelectual. Este texto legislativo é
enriquecido pela legislação complementar e pela Constituição Federal. O
funcionamento da Justiça do Trabalho, legitimou a CLT como um sistema
de defesa dos direitos do trabalhador.
Com o advento da reforma trabalhista, cuja entrada em vigor ocorreu no dia 11 de novembro de 2017, diversos são os efeitos sobre a população brasileira, alguns deles ainda incertos e muito discutidos no sentido em
que uns defendem a liberdade do mercado, com um pensamento voltado
aos benefícios em prol do empresário, já outros apontam perdas de direitos
que o trabalhador tanto demorou para conquistar durante a história.
Convém notar que, a Reforma Trabalhista nasceu em 23 de dezembro de 2016, quando apresentado pelo Poder Executivo à Câmara dos
Deputados o Projeto de Lei nº 6.787/2016, cujo intuito foi alterar ou inserir
disposições ao Decreto-Lei nº 5.452/43, Consolidação das Leis do Trabalho,
e alterar o texto da Lei nº 6.019/74 que trata do Trabalho Temporário
(BRASIL, 2017).
É sobremodo importante assinalar que as alterações seriam realizadas com o objetivo de “aprimorar as relações de trabalho no Brasil, por meio
da valorização da negociação coletiva entre trabalhadores e empregados,
atualizar os mecanismos de combate à informalidade da mão-de-obra no
país”, além de atualizar o trabalho temporário (BRASIL, 2017).
O Projeto de Lei nº 6.787/2016 se referia aos seguintes artigos da
CLT: 47, 47-A, 58-A, 523-A, 611-A, 634 e 775, ou seja, este projeto tratava
da alteração de apenas sete artigos da CLT. Em contrapartida, foram apresentados diversas outras modificações. Deste modo, afirma Calos Henrique
Bezerra Leite (2018, p.37):
A reforma trabalhista... • 23
[...] o referido PL foi substancial e antidemocraticamente ampliado pelo Substitutivo apresentado pelo relator, Deputado Rogério
Marinho (PSDB-PE), que acrescentou e/ou modificou 97 (noventa
e sete) artigos da CLT, 3 (três) artigos da Lei 6.019/74, 1 (um) artigo
da Lei 8.036/90, 1 (um) artigo da Lei 8.213/91 e 1 (um) artigo da MP
2.226/2001.
Utilizando-se do argumento da necessidade de evolução das relações trabalhistas, a fim de acompanhar o crescimento da sociedade, Bezerra
Leite afirma que a proposta legislativa: “instituiu três princípios de proteção
ao Capital (liberdade, segurança jurídica e simplificação), invertendo os valores, os princípios e as regras de proteção ao trabalhador consagrados em
diversas normas internacionais e constitucionais” (2018).
Este Projeto de Lei originou a Lei Ordinária nº 13.467/2017, em 13
de julho de 2017, que entrou em vigência no dia 11 de novembro de 2017.
Alterações significativas foram realizadas, dentre elas a criação de mais um
tipo de contrato de trabalho, este denominado de trabalho intermitente, que
é abordado na CLT nos artigos 443, 452-A e 611-A.
Essa nova modalidade de contrato de trabalho criada pela Reforma
Trabalhista teve seus requisitos estabelecidos minuciosamente apenas pela
Medida Provisória nº 808, publicada três dias após a Lei nº 13.467/17 como
acordo realizado entre poder Executivo e Legislativo para publicação com o
intuito de ajustar pontos desta legislação.
Em virtude dessas considerações, cumpre examinarmos o contrato
de trabalho intermitente.
3. Contrato de trabalho intermitente
Antes da Reforma Trabalhista, inexistia regime parecido ao intermitente no ordenamento jurídico brasileiro. O contrato com o menor número de horas era o parcial com 25 horas semanais, que, por sua vez, foi
alterado pela Reforma, sendo ampliado para 30 horas semanais, conforme
prescreve o art. 58-A da CLT.
O trabalho de intermitência, também denominado por alguns autores como “contrato-zero” ou “bico oficial” (SILVA, 2017), enseja atingir
parcela de trabalhadores brasileiros que prestam serviços de modo descontinuado, isto é, de modo informal. Contudo, fica evidente o resquício do tra-
24 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
balho informal, uma vez que as pessoas que aderem a este tipo de contrato
de trabalho permanecem sem garantias legais (DIESSE, 2017).
3.1 Contrato de trabalho em geral
As formas de contrato de trabalho estão discriminadas no artigo
443 da CLT, que assim dispõe: “O contrato individual de trabalho poderá
ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente” (BRASIL).
Quanto ao conceito do contrato de trabalho, preleciona Alice
Monteiro de Barros quanto:
[...] é acordo expresso (escrito ou verbal) ou tácito firmado entre
uma pessoa física (empregado) e outra pessoa física, jurídica ou entidade (empregador), por meio do qual o primeiro se compromete a
executar, pessoalmente, em favor do segundo um serviço de natureza não eventual, mediante salário e subordinação jurídica [...] (2013,
p.185, grifo do autor).
Como se depreende, vislumbra-se que os requisitos caracterizadores do empregador e do empregado estão presentes nos arts. 2º, caput, e 3º,
caput, ambos da CLT. Sendo assim, o contrato de trabalho é abarcado pelas
seguintes características (FRANCO FILHO, 2018): reciprocidade, sucessividade, pessoalidade, onerosidade e subordinação jurídica.
Percebe-se, pois, que, este novo modelo contratual se difere daqueles já previstos na CLT anteriores à Reforma. Dentre suas características, destaca-se a ausência de habitualidade, um dos requisitos essenciais
para comprovação de relação jurídica do vínculo empregatício (SCHUCK,
2018).
Além disso, o contrato de trabalho pode ser caracterizado pelo prazo determinado ou indeterminado, de acordo com o “caput” do art. 443
da CLT. Além desses prazos já conhecidos pelo ordenamento jurídico, foi
acrescentado, por meio da Lei nº 13.467/17, o contrato de trabalho denominado intermitente. Contudo, não se configurou qual prazo contratual adotado por esta modalidade.
A reforma trabalhista... • 25
Sabe-se, pois que não é de prazo indeterminado, já que não possui
a característica de continuidade. Em contrapartida, não se pode afirmar que
é um contrato determinado, uma vez que o empregador pode determinar
que não necessita dos serviços do empregado, caso não haja demanda, por
exemplo, porém, isso não determina que o contrato entre as partes será
extinto. Busca-se demonstrar essas minúcias do contrato de intermitência
mais adiante.
3.2. Conceito de trabalho intermitente
A definição de trabalho intermitente foi introduzida pela Lei nº
13.467/17 no artigo 443, § 3º da CLT, que assim dispôs:
Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou
expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente.
(...)
§ 3o Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados
em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação
própria.
O contrato de trabalho intermitente se consubstancia em períodos
de trabalho que se alternam entre períodos de prestação de serviços e de
inatividade, nos quais apenas os períodos de trabalho, determinado em horas, dias ou meses, são contabilizados para a realização do pagamento do
trabalhador.
Percebe-se, portanto, que o trabalhador recebe apenas pelo lapso
temporal laborado, não sendo necessário a determinação de dia e horário
fixos de trabalho, podendo o empregador comunicá-lo apenas três dias antes da jornada laboral, de acordo com o art. 452-A, § 1º da CLT.
Conforme se depreende da redação do art. 443, § 3º da CLT, a prestação de serviços deve ser não contínua, mitigando, portanto, o requisito da
habitualidade da relação de emprego.
Em vista disso, verifica-se que o empregador contrata o serviço do
empregado e o mantém em casa sem receber, solicitando seu labor apenas
26 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
quando houver demanda, configurando como uma espécie de “correspondente”. (MIGLIORANZI; HABERMANN, 2017). Verifica-se, assim, a ociosidade laboral do empregado, que fica à disposição do empregador aguardando ser convocado para a prestação de serviços.
No mesmo sentido assevera Luciane Cardoso Barzotto (2017, p.
140-141), que
o empregador (empresa) faz um contrato com um trabalhador que
fica à sua disposição até ser ‘convocado’ ou chamado para o trabalho.
Unilateralmente, dependendo do interesse patronal, quando houver
necessidade da prestação de serviços, a empresa avisará o empregado com pelo menos três dias de antecedência. O profissional, então,
presta serviços à empresa pelo tempo estipulado, seja qual for este
período – três horas, por dois dias, duas semanas, durante um dois
dias numa semana ou até mesmo no mês [...].
Pelos ensinamentos de Barzotto, compreende-se alguns aspectos da
relação contratual entre empregador e empregado no contrato de intermitência. Este deverá estar à disposição daquele quando aceitar a convocação.
O regime do trabalho intermitente é abordado pela CLT nos artigos
443, 452-A e 611, dentre os quais o primeiro trata da relação jurídica em sua
substância; o segundo, sobre o trabalho intermitente; já o terceiro, delibera
sobre a prevalência da convenção coletiva e do acordo de trabalho (RABBI,
2017).
Em suma, a Lei da Reforma Trabalhista trouxe ao ordenamento
jurídico a modalidade de contrato intermitente, que havia sido regulamentado detalhadamente apenas pela Medida Provisória nº 808/2017. Nessa
perspectiva, Cassar (2018) assevera: “a Lei 13.467/17 acresceu à CLT os arts.
452-A e seguintes e alterou o seu art. 443 para criar o contrato intermitente.
Depois, a MP nº 808/17 alterou substancialmente esse contrato”.
A Lei nº 13.467/17 incluiu o art. 452-A na CLT contendo nove parágrafos. Com a edição da MP nº 808/2017 a redaçãodo art. 452-A foi alterado, acrescentando os mais cinco parágrafos, além de incluir os arts. 452-B
ao 452-H.
3.2.1. Vigência da Medida Provisória nº 808/17 e da Portaria nº
349/18
A reforma trabalhista... • 27
A Medida Provisória foi publicada três dias após a entrada em vigor da Lei da Reforma Trabalhista, em 11 de novembro de 2017. Sua edição ocorreu por motivo de realização de um acordo entre o Presidente da
República brasileira e o Senado Federal, com o intuito de viabilizar a aprovação da redação original da Lei nº 13.467/17 no Senado. Entrou em vigor
por meio de uma edição extra do Diário Oficial da União.
Neste contexto, válido destacar que a Medida Provisória possui força de lei e, conforme prescreve o art. 62 da Constituição Federal de 1988,
é adotada pelo Presidente da República em caso de relevância e urgência,
devendo ser submetida ao Congresso Nacional imediatamente.
Observa-se o § 3º do art. 62, o qual prescreve que as Medidas
Provisórias perderão sua eficácia, desde o momento da edição, se não forem convertidas em lei no prazo de 60 dias corridos. Contudo, este prazo pode ser prorrogado por igual período, devendo o Congresso Nacional
disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes
(BRASIL).
Percebe-se, contudo, que a Medida Provisória nº 808 ultrapassou
o prazo de 120 dias, ao se verificar o prazo de sua publicação. Isto ocorreu,
porque o § 4º do art. 62 da Carta Magna subscreve que a contagem do prazo
de 60 dias da MP inicia a partir da publicação, porém, é suspenso durante
os períodos de recesso do Congresso Nacional (BRASIL). Dessa forma, a
vigência da MP iniciou em 14 de novembro de 2017 e perdurou até dia 23
de abril de 2018, caducando no dia 24 de abril do ano corrente, já que não
foi transformada em lei no prazo adequado.
A MP nº 808/17 tratou minuciosamente do inovador contrato intermitente. Entretanto, após sua revogação passou a valer inteiramente a
redação Lei nº 13.467/17, mesmo com grandes lacunas sobre este tema, até
o momento em que foi publicada a Portaria nº 349/18 que restaura algumas
regras que foram abordadas pela MP nº 808/17.
O impasse quanto à aplicabilidade da Reforma Trabalhista para
contratos vigentes anteriores à ele, ficou sem amparo. A MP nº 808/17 tratava expressamente do assunto, afirmando aplicação imediata a todos os
contratos de trabalho. Para sanar essa questão foi proferido um despacho
pelo Ministério do Trabalho, o qual entendeu que mesmo com a perda da
eficácia do art. 2º da MP nº 808/17, não modifica o fato de que a Lei nº
13.467/17 seja aplicada de forma geral (LEITE, 2018).
28 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Para suprir parte das inseguranças como a mencionada acima, o
Ministério do Trabalho e Emprego editou uma Portaria de nº 349, de 23 de
maio de 2018, publicada no Diário Oficial da União em 24 de maio de 2018,
que estabelece regras voltadas à execução da Lei nº 13.467/17, no âmbito
das competências normativas do Ministério do Trabalho e Emprego, conforme art. 87, parágrafo único, inciso II, da Carta Constitucional de 1988.
O poder normativo permite ao administrador editar normas gerais
e abstratas, ou seja, o Poder Executivo não pode inovar a legislação. Detém
a função de explicação da lei, esclarecendo pontos vagos e imprecisos, a fim
de garantir segurança jurídica à relação jurídica do trabalho, atentando-se
para o princípio da legalidade e regras de competências (BRITO, 2018).
Dessa forma, as possíveis violações existentes à reserva legal quando editada a Portaria MTE nº 349/18 ainda serão verificadas, visto a sua
recente publicação.
Conforme assevera Tadeu Rover (2018), a Portaria MTE nº 349/18
entrou em vigor na data de sua publicação e trouxe alguns pontos do contrato de trabalho intermitente, editados pela redação da MP nº 808/17.
4. Análise crítica do inovador contrato de trabalho
O direito do trabalho nasceu protecionista e sofre modificações
constantes com a flexibilização das normas trabalhistas que interferem nos
direitos dos trabalhadores.
Dentre as diversas modificações na CLT, houve a inserção de uma
nova modalidade do contrato de trabalho, denominada contrato de trabalho intermitente. Em conformidade com os ensinamentos de Maurício
Godinho Delgado (2017), “[...] Trata-se de novíssima figura jurídica no ordenamento jurídico brasileiro, sem dúvida, mas claramente instigadora de
grave precarização no mundo do trabalho do país”, como será averiguado
adiante.
Ademais, o trabalho de intermitência se difere dos outros contratos
estabelecidos anteriormente na CLT em relação ao aspecto da subordinação, visto que a recusa do trabalhador em prestar serviços não descaracteriza a relação de emprego, pois a subordinação ainda se encontra presente na
relação contratual (PEREIRA, 2017).
Com efeito, além da mitigação dos requisitos essenciais do contrato
de trabalho previstos na CLT antecedentes à Lei nº 13.467/17, depreende-se
A reforma trabalhista... • 29
que essa nova modalidade de pacto laboral influenciou nos direitos assegurados ao trabalhador pela Constituição Federal de 1988.
À propósito, conforme leciona Homero Mateus da Silva (2017), o
trabalho intermitente
[...] poderá resolver os índices de desemprego do Brasil sem que as
pessoas tenham renda assegurada (nem vamos falar de dignidade
assegurada, pois isso já seria ir longe demais). Suponha, por hipótese, que um buffet costuma ter vaga para 20 garçons extras em eventos
de finais de semana, e, para sair da zona cinzenta em que se encontra
no campo trabalhista, faça cadastro com mais 100 garçons e os contrate sob a modalidade do contrato-zero. Esses 100 garçons estarão
no rol das pessoas empregadas – com registro em carteira – mas até
as mesas do salão já sabem que não haverá espaço para as cem pessoas de uma só vez. O propósito do registro é apenas blindar a empresa
da alegação de mão de obra clandestina e facilitar a comunicação
com os garçons cadastrados.
Utilizando-se do ensinamento supracitado, percebe-se que o problema do desemprego brasileiro é mitigado pela Reforma Trabalhista, uma
vez que parte dos trabalhadores que hoje se encontram na informalidade
poderão ter sua CTPS assinada, porém estarão à espera da convocação do
empregador. Neste sentido, os trabalhadores não perceberão salário para
assegurar às suas famílias condições mínimas de subsistência.
Diante disso, verifica-se a necessidade de analisar alguns dispositivos inseridos no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei nº 13.467/17, pela
MP nº 808/17 e pela Portaria nº 349/18, que contrariam os direitos fundamentais estabelecidos pela Carta Maior de 1988, também denominada de
Constituição Cidadã.
4.1. Abordagem crítica dos direitos dos trabalhadores no
regime do contrato intermitente à luz da Constituição Federal
de 1988
O trabalho intermitente é flexível e se adequa positivamente ao empregador, visto que se este considerar vantajoso que o trabalhador exerça
suas atividades por menos horas ou dias em determinada semana que o
movimento no estabelecimento for menor, terá a possibilidade de redu-
30 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
zir a solicitação de serviço do empregado, que receberá apenas pelo tempo trabalhado e não um salário mensal ajustado no contrato de trabalho
(MIGLIORANZI; HABERMANN, 2017).
Assim sendo, a imprevisibilidade da prestação de serviços à determinado empregador, por um lapso temporal pela jornada móvel variada e
tempo variável, beneficia a classe empresarial e se contrasta com o princípio
da proteção ao trabalhador. Nesta perspectiva, diversos benefícios ao empregador foram introduzidos ao ordenamento jurídico, no instante em que
foi afastada a rigidez da CLT.
Dito isso, vislumbra-se a necessidade de averiguar se o trabalho intermitente atende aos princípios norteadores do Direito do Trabalho que
estão estabelecidos no texto constitucional de 1988, isto é, se essa nova modalidade de pacto laboral preserva os princípios fundamentais, a exemplo
da dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa, conforme dispõe o art. 1º, III e IV da Constituição Federal.
Conforme preleciona Schuck (2018) foram identificadas três possíveis inconstitucionalidades no texto da Reforma Trabalhista quanto ao
contrato de trabalho intermitente, a saber: “a inexistência de garantia de
salário mínimo ao trabalhador intermitente; a transferência dos riscos do
empreendimento; a violação do direito constitucional às férias”.
Além dessas prováveis inconstitucionalidades, serão analisados outras controvérsias quanto ao direito do trabalhador frente ao novo contrato
de trabalho.
4.1.1. A inexistência da garantia do salário mínimo
O art. 443, §3º da CLT dispõe de uma característica peculiar ao trabalho intermitente. Neste tipo contratual o labor ocorre com alternância de
períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinado em horas,
dias ou meses.
O trabalhador percebe seu salário proporcionalmente ao tempo
trabalhado. Sendo assim, durante o período de inatividade, não receberá
seu salário.
Pela redação da Lei nº 13.467/17 o salário mínimo está previsto no
art. 452-A, “caput”, cuja redação firma que o pacto laboral deve especificar o
valor da hora de trabalho, “que não pode ser inferior ao valor da hora do sa-
A reforma trabalhista... • 31
lário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento
que exerçam a mesma função” (BRASIL).
Após a elaboração da MP nº 808/17, a redação do dispositivo acima
foi alterada, bem como haviam sido introduzidos incisos, no qual o inciso II
fazia referência ao salário mínimo. A Portaria nº 349/18 restabeleceu o texto
da MP nº 808/17, integrando ao texto a redação que era prevista no § 12, art.
452-A, pela MP mencionada.
Contudo, percebe-se que os dispositivos mencionados tratam do
salário mínimo na perspectiva da prestação de serviços. Ao analisar a percepção salarial no período de inatividade do trabalhador, asseverava o art.
452-C, § 2º, dispositivo acrescentado pela MP nº 808/17, que durante o
período de não ocorrência da prestação de serviços, não será considerado
tempo à disposição do trabalhador, tampouco será remunerado. Caso haja
remuneração no período de inatividade, restará descaracterizado o pacto
de intermitência. A Portaria nº 349/18 também restabeleceu a redação deste
dispositivo no art. 4º, §§ 1º e 2º.
Pelo exposto, vislumbra-se violação à garantia constitucional do salário mínimo, já que não é estabelecido garantia salarial no período de inatividade, estando o trabalhador desprovido de qualquer benefício salarial
enquanto fica à espera de um novo chamado do empregador.
Considerando o texto constitucional, os trabalhadores possuem salário mínimo garantido em lei, em periodicidade mensal, como previsto no
artigo 7º, IV e VII. No mesmo sentido advém o artigo 78 da CLT, assegurando ao trabalhador a garantia de uma remuneração diária nunca inferior
à do salário mínimo.
Verifica-se, ainda, a violação do art. 170, “caput” da Constituição
Federal, que trata da valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,
com o intuito de assegurar a todos existência digna, conforme ditames da
justiça social. Deve-se atentar quanto à conexão deste dispositivo ao art. 1º,
III e IV do texto constitucional, o qual propicia a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa.
Lenio Luiz Streck (2017) assevera, que
[...] à luz da Constituição de 1988, não há relação de emprego em
qualquer hipótese infraconstitucional em que não garantido o recebimento mensal do salário mínimo. Cindir o direito fundamental
ao salário mínimo como se fosse algo a ser medido em horas ou dias
32 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
é afrontar a máxima efetividade como princípio inerente à fundamentalidade material, em afronta à dignidade da pessoa humana
porque lhe atribuindo os riscos diários de garantia de um mínimo
de subsistência. Quando o artigo 7º dispõe sobre salário mínimo,
ele o faz numa perspectiva transindividual de periodicidade mensal
para dar previsibilidade à vida dos trabalhadores na realização de
suas diferentes atividades diárias (não apenas trabalho, mas também
lazer, convivência social e familiar, etc.). Tanto é assim que nenhum
benefício que substitua o salário-de-contribuição ou o rendimento
do trabalho do segurado da Previdência Social terá valor mensal inferior ao salário mínimo (Constituição de 1988, artigo 201, §2º).
A ANAMATRA (2017) aprovou o enunciado nº 74, posicionando-se no mesmo sentido do ensinamento acima mencionado.
Não se assegura ao trabalhador o atendimento de suas necessidades essenciais, em consequência promove-se desequilibro na vida pessoal e
profissional do trabalhador, que não tem a certeza da possibilidade de arcar
com suas despesas (SHUCK, 2018).
Pelos diversos aspectos mencionados, percebe-se como essa nova
modalidade de trabalho se tornou gravosa ao trabalhador por várias prováveis inconstitucionalidades, dentre elas, o desrespeito ao direito constitucional do salário mínimo, conforme previsto nos art. 1º, III e IV, art. 7º, IV
e VII e art. 170 da Constituição Federal.
4.1.2. A transferência de riscos do empreendimento ao trabalhador
Além da insegurança quanto ao salário mínimo, percebe-se a contradição desta nova modalidade de relação de emprego com o que estabelece os artigos 2º e 3º da CLT, no qual a responsabilidade dos riscos do
empreendimento deve ser do empregador e não do trabalhador como se
pretende repassar os artigos 443 e 452-A.
Conforme assevera SHUCK (2018),
em uma situação hipotética em que o empregador suporte em um
mês uma queda significativa de vendas, ele claramente não irá convocar o trabalhador intermitente, pois tal convocação, acompanhada da necessidade de remunerá-lo, importaria em maiores custos.
Diante disso, o empregado, que originariamente não escolheu assu-
A reforma trabalhista... • 33
mir os riscos da atividade econômica (escolheu apenas prestar serviços), passará a suportar tais riscos, que ficará evidenciado quando
não ocorrer sua convocação para o trabalho.
No mesmo sentido assevera a ANAMATRA (2017) por meio do
enunciado nº 91, o qual prescreve:
91. Dia e hora incertos para o labor e risco exclusivo do empregador.
Tempo à disposição é de efetivo serviço.
No contrato de trabalho intermitente, o período sem convocação
pelo empregador é de tempo à sua disposição e deve ser remunerado
como de efetivo serviço. Ônus das variações de demanda do empreendimento são exclusivos do empregador.
Portanto, a Reforma Trabalhista contraria o dispositivo previamente estabelecido, além de violar o art. 3º, I e III, e art. 170, “caput”, III e VIII,
ambos da Carta Maior de 1988 (SCHUCK, 2018), visto que a transferência
do risco ao empregado o limita ao que foi pactuado.
Fere-se, nesta perspectiva, o objetivo fundamental de uma sociedade livre, justa e solidária, na qual se destoa da erradicação da pobreza e da
marginalização, pois evidente está a desigualdade social e regional entre o
empregado e o empregador, no qual não se preserva o princípio da proteção
à parte vulnerável da relação de trabalho, distanciando-se do ideal de justiça
(OLIVEIRA, 2017).
4.1.3. A violação do direito constitucional às férias
Em relação ao período de férias destacado pelo § 9º, da Lei nº
13.467/17, configura-se que o trabalhador, após 12 (doze) meses de serviços
prestados, adquire o direito de usufruir um mês de férias nos próximos 12
(doze) meses subsequentes ao período aquisitivo.
A MP nº 808/17 acrescentava a possibilidade das férias serem usufruídas em até três períodos, nos termos dos § 1º e § 2º do art. 134 e mediante acordo prévio com o empregador. Essa possibilidade foi restabelecida pela Portaria nº 349/18.
Em relação à previsão da redação do dispositivo da Reforma
Trabalhista, verifica-se que, quando o trabalhador possui vários contratos
34 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
de intermitência, ou seja, caso esteja realizando mais de uma prestação de
serviço, enquanto usufruir férias de um empregador não necessariamente
estará de férias do outro empregador.
Portanto, o contrato de trabalho deixa de cumprir sua função social
de conceder dignidade à pessoa humana, um dos princípios fundamentais
da Constituição Federal de 1988 (PEREIRA, 2017).
Neste sentido, vislumbra-se violação dos princípios fundamentais
abarcados no art. 1º, III e IV do texto constitucional. Além disso, de acordo
com a redação expressa pela Reforma Trabalhista em relação ao direito de
férias, mitiga-se a garantia fundamental expressa na Constituição Federal
de 1988 como direito social dos trabalhadores, qual seja, o gozo das férias
anuais, estabelecido no art. 7º, XVII.
Por fim, vale salientar que a ANAMATRA também se posicionou
quanto à inconstitucionalidade deste dispositivo, conforme estabelecido no
enunciado nº 73 (ANAMATRA, 2017). Nesta perspectiva, evidente está a
inconstitucionalidade do art. 452-A, §9º da Lei nº 13.467/17e do art. 2º, § 1º
da Portaria 349/18.
4.1.4. Indenização pela extinção do contrato de trabalho e seguro
desemprego
Conforme previa o art. 452-E, § 1º, inserido na CLT pela MP nº
808/17, a extinção do contrato de trabalho intermitente, salvo as hipóteses
a que se referem os art. 482 e art. 483 da CLT, seriam devidas verbas rescisórias, quais sejam, o aviso prévio pela metade, assim como a indenização
sobre o saldo do FGTS; na integralidade, as demais verbas rescisórias. O
§1º estabelecia sobre a movimentação da conta vinculada ao trabalhador
no FGTS, limitando o empregado ao saque de 80% do valor dos depósitos
realizados.
Evidencia-se, neste aspecto, a violação dos direitos fundamentais
dos trabalhadores, estabelecidos no art. 7º, I e III, que tratam que a relação de emprego é protegida contra dispensa arbitrária ou sem justa causa
(STRECK, 2017).
Além disso, A MP nº 808/17 havia inserido na CLT o art. 452-E,
que tratava da extinção do contrato de trabalho intermitente, como mencionado. O §2º deste dispositivo tratava da não autorização do ingresso ao
Programa de Seguro-Desemprego, garantia esta constitucional determina-
A reforma trabalhista... • 35
da no art. 7º, II da Carta Maior (STRECK, 2017). A Portaria nº 349/18 nada
menciona sobre o assunto, assim como a Lei nº 13.467/17.
Evidencia-se a inconstitucionalidade do dispositivo mencionado
por negar aos trabalhadores intermitentes o direito de perceber o seguro-desemprego, ferindo, assim, o inciso II do art. 7º da Constituição Federal
de 1988 (SCALERCIO, 2017)
Vale salientar que tanto a indenização por extinção contratual como
o seguro desemprego não estão previstos no texto da Lei nº 13.467/17. Isto
é, no instante em que a MP nº 808/17 caducou, este dispositivo perdeu sua
eficácia. Além disso, não foi restabelecido pela Portaria nº 349/18. Sendo
assim, não há dispositivo referente à indenização quando extinto o contrato de trabalho e em relação ao seguro desemprego pela Lei da Reforma
Trabalhista.
4.1.5. Recolhimento da contribuição previdenciária
Quanto ao recolhimento da contribuição previdenciária e do FGTS
que deve ser recolhido pelo empregador, conforme estabelece o § 8º do artigo 452-A da Lei nº 13.467/17, percebe-se que o trabalhador poderá enfrentar dificuldades em se aposentar ao se subjugar ao regime de trabalho intermitente, pois caso não seja convocado regularmente para prestar serviços,
retardará o recolhimento de sua contribuição previdenciária, que deve ser
recolhido pelo empregador, conforme mencionado (PEREIRA, 2017). Essa
previsão também consta na Portaria nº 349/18, art. 6º.
A MP nº 808/17, introduzia o art. 911-A na CLT, que trazia a possibilidade de complementação da contribuição mensal por parte do trabalhador, isto é, caso não fosse recolhido pelo empregador o valor da contribuição mínima compatível com o salário mínimo referente ao Instituto
Nacional de Seguridade Social (INSS) e ao Fundo de Garantia por Tempo
de Serviço (FGTS), fica à cargo do próprio empregado a possibilidade de
recolhimento previdenciário adicional para atingir a contribuição mínima
mensal (KAORU, 2017). A Lei nº 13.467/17 e a Portaria nº 349/18 nada dispõe em relação do trabalhador recolhe a contribuição complementar.
Quando vigente a MP nº 808/17, percebia-se o ônus que o empregado possuiria de “custear a contribuição social como se autônomo fosse, a
fim de atingir o patamar do salário-mínimo naqueles meses que a atividade
não lhe rendeu sequer este valor” (NERI; FONTES, 2010).
36 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Essa propositura vai ao encontro do trabalho informal, na qual “a
não-contribuição trabalhista e previdenciária acaba por gerar um grupo de
indivíduos desprotegidos de choques como aqueles ligados à saúde e à maternidade bem como da situação esperada para a própria velhice” (NERI;
FONTES, 2010). Essa desproteção está clara, já que ainda não há legislação
regulamentando a contribuição do trabalhador que não perceber salário
mínimo mensal, além do modo de como será a sua complementação caso
não atinja a contribuição mínima por mês.
Além disso, atenta-se para a Lei nº 8.213/91, a qual prevê no art. 11,
I, que o empregado é assegurado obrigatório da Previdência Social. Deste
modo, evidente que a MP nº 808/17 negava a qualidade de empregado ao
trabalhador intermitente ao inserir no art. 911-A, seus §1º e §2º. O mesmo
ocorre pela Lei nº 13.467/17 que não menciona sobre a contribuição integral do trabalhador, caso ele perceba salário inferior ao mínimo em determinado mês.
Nessa perspectiva, assevera Jorge Souto Maior (2017):
Essa disparidade de milhões de pessoas recebendo menos que o salário mínimo e tendo o direito de auferir benefícios previdenciários
com valor equivalente ao salário mínimo representa um desequilíbrio pleno da base atuarial da Previdência Social, mesmo integrada ao conceito mais amplo de Seguridade Social, isto é, mesmo se
valendo de outros recursos. A proliferação da precarização, aberta
pela Lei nº 13.467/17, como reconhece a MP 808, gerará uma total
falência financeira do sistema previdenciário.
Outrossim, o legislador da MP nº 808/17 previa a faculdade do trabalhador em complementar a contribuição previdenciária. Todavia, caso
não a complementasse, não seria beneficiado pela Previdência Social, nos
termos do art. 201, § 2º da Carta Constitucional de 1988. Além disso, caso
não complementasse a contribuição previdenciária, o trabalhador perderia
o período de carência (MAIOR, 2017).
Sendo assim, a Lei nº 13.467/17 não legislou quanto ao valor faltante para complementar a contribuição previdenciária quando o trabalhador
não perceber mais de um salário mínimo mensal. Evidente está a mau elaboração da norma introduzida no ordenamento jurídico, a qual traz inse-
A reforma trabalhista... • 37
gurança ao trabalhador, infringindo o princípio da proteção do Direito do
Trabalho.
4.1.6. Multa desproporcional pelo descumprimento contratual de
uma das partes
O § 4º do art. 452-A que havia sido revogado pela MP nº 808/17
retornou a vigorar. Esse dispositivo cuida da multa pecuniária tanto para
o empregado como para o empregador que descumprir o que foi pactuado
entre as partes.
Vislumbra-se um contrato de baixos rendimentos, no qual 50%
(cinquenta por cento) do valor da prestação de serviços demonstra uma
penalidade ousada, quando não compensada. Nesta perspectiva, não se
esclareceu se essa sanção, quando preferível o valor da multa, poderá ser
retida na próxima diária ou deve ser pago antes da próxima prestação de
serviço (SILVA).
Pela Lei nº 13.467/17, evidente é a excessiva punição ao trabalhador
que ficava à disposição do trabalhador por tempo necessário sem perceber
salário algum (MIGLIORANZI; HABERMANN, 2017).
Em que pese, quando elaborada a MP nº 808/17, constatou-se que
a nova redação do dispositivo não afastava a possibilidade da multa, apenas
permitia que fosse acordado entre as partes (SCALERCIO, 2017). Contudo,
após a Medida Provisória ter caducado, a punição referente à 50% do período a ser trabalhado que deve ser paga por quem descumprir o pactuado,
volta a vigorar.
Com efeito, verifica-se a inconstitucionalidade desse dispositivo
conforme a contribuição apresentada na 2ª Jornada de Direito Material e
Processual do Trabalho, realizado pela Associação Nacional dos Magistrados
da Justiça do Trabalho – ANAMATRA (2017) –, que aprovou o enunciado de nº 87 demonstrando a inconstitucionalidade, por ferir os princípios
constitucionais como a dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho, a isonomia, a proteção do trabalhador e função social da empresa,
princípios estes assegurados pelo art. 1º, III e IV, art. 5º, “caput” e art. 7º,
todos da Carta Magna de 1988.
Por essa perspectiva, o trabalhador fica limitado à empresa, uma
vez que precisa estar à disposição quando necessário, isto é, ao tempo que
for solicitado pelo empregador, caso contrário, será penalizado.
38 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Ademais, a redação do § 4º do artigo 452-A não esclarece o que
seria o “justo motivo”, tonando-se, dessa forma, um quesito subjetivo da
relação empregatícia.
4.1.7. Queda da MP nº 808/17 e o fim da quarentena
A MP nº 808/17 criou a quarentena de 18 meses, período no qual
o empregado convencional não podia ser demitido e recontratado como
trabalhador intermitente, quando se tratava do mesmo empregador.
Vislumbrou-se que o período de quarentena seria uma proteção ao trabalhador ao tratar de uma precarização do serviço (ESTADÃO CONTEÚDO,
2017). Essa regra, valeria apenas até 31 de dezembro de 2020. Após essa data
a quarentena seria extinta, conforme estabelecia o art. 452-G da CLT.
Com o fim da MP nº 808/17 e o retorno integral da Lei nº 13.467/17,
os empregados ficam à mercê dos empregadores, visto à omissão da Reforma
Trabalhista, que não estabelece nenhum tipo de restrição aos empregados
demitidos recentemente.
Nesta perspectiva, percebe-se que o trabalhador fica vulnerável,
podendo ser dispensado pelo contrato de trabalho indeterminado e contratado pela modalidade de intermitência. Viola-se, portanto, o princípio
da proteção ao trabalhador e sua dependência em relação ao empregador.
4.2. Ações Diretas de Inconstitucionalidade
Diante da precarização das condições do trabalho demonstradas
pelo novo modelo contratual, denominado contrato intermitente, foram
averiguados pontos de inconstitucionalidades, que deram ensejo à ações
diretas de inconstitucionalidades interpostas no Supremo Tribunal Federal
para averiguar a validade desta norma frente à Constituição Federal de
1988. São elas: ADIs nº 5.806, 5.826 e 5.829 (LUCHETE, 2018).
A ADI nº 5.806 foi ajuizada pela Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Atividade Profissional dos Empregados na Prestação de
Serviços de Segurança Privada, Monitoramento, Ronda Motorizada e de
Controle Eletro-Eletrônico e Digital (Contrasp). Essa ação questiona o trabalho intermitente inserido no art. 443 da CLT.
A reforma trabalhista... • 39
Alega a Contrasp que, esta nova modalidade de contrato de trabalho, “trata-se de um instrumento de precarização, eis que, notoriamente, o
que se visa é a satisfação da demanda empresarial às custas do empregado”
(STF, 2017).
Essa ADI foi ajuizada no dia 27 de outubro de 2017, antes da entrada em vigor da Lei nº 13.467/17 e da elaboração da MP nº 808/17 e trouxe
dois objetos, quais sejam, o trabalho intermitente e o fim da compulsoriedade da contribuição sindical.
A ADI trata também da flexibilização do princípio da proteção
estabelecido pelo Direito do Trabalho, da violação à dignidade da pessoa
humana, ao valor social do trabalho e à justiça social da busca de pleno
emprego (SOUZA, 2017).
Outra ação interposta questionando o contrato de trabalho intermitente foi a ADI nº 5.826, cujo ajuizamento foi realizado pela Federação
Nacional de Combustíveis e Derivados de Petróleo (Fenepospetro).
Conforme estabelece a entidade, essa inovadora modalidade de trabalho
torna precária a relação de emprego, servindo para a realização de pagamentos inferiores ao salário mínimo (STF, 2017).
Além disso, a insegurança da percepção do salário, não satisfaz as
necessidades vitais do empregador e de sua família, a exemplo da moradia,
alimentação, educação, saúde e lazer. Constata-se, portanto, afronta ao art.
6º e art. 7º, IV e VI da Constituição Federal de 1988, além do princípio da
dignidade da pessoa humana, princípio da isonomia, duração da jornada
de trabalho e remuneração da prestação de serviços extraordinários, nos
termos do art. 7º, XIII e XVI do texto constitucional.
Ressalta-se que a ADI nº 5.826 foi ajuizada no período em que a
MP nº 808/17 vigorava. Nesta perspectiva, a Fenepospetro requereu a
[...] declaração de inconstitucionalidade dos artigos 443 (cabeça e
parágrafo 3º), 452-A (cabeça e parágrafos), 452-B, 452-D, 452-C,
452-E, 452-F, 452-G, 452-H e 911 (cabeça e parágrafos 1º e 2º), todos
da Consolidação das Leis do Trabalho (STF, 2017).
Por fim, em relação à ADI nº 5.829, foi ajuizada pela Federação
Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações e
Operadores de Mesas Telefônicas (Fenattel) apresentando diversos questionamentos quanto ao trabalho intermitente, dentre elas: a permissão do
40 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
salário inferior ao mínimo constitucional, afronta ao princípio da isonomia
e do retrocesso social.
Assim como a ADI nº 5.826, a ADI nº 5.829 cuida da ofensa à jornada de trabalho e remuneração mínima de 50% (cinquenta por cento) sob
a remuneração do serviço extraordinário, nos termos do art. 7, XIII e XVI
da Carta Maior.
Vale salientar que a Procuradora-Geral da República Raquel Elias
Ferreira Dodge opinou preliminarmente em seu parecer, em 27 de junho de
2018, pela extinção do processo sem resolução do mérito e pela improcedência dos pedidos das três ADIs. Sustentou sua decisão afirmando inexistir
“óbice à implementação da jornada intermitente, desde que garantida a remuneração do trabalho prestado na mesma razão do salário mínimo previsto para a jornada regular” (STF, 2018). Atualmente, os autos das ADIs estão
conclusos ao Relator Min. Edson Fachin.
Pelo exposto, diversos são os princípios apresentados pelas entidades que ajuizaram as ADIs, dentre eles se destacam o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio do retrocesso social, no qual os direitos
sociais já materializados na legislação não podem ser reduzidos, suprimidos, diminuídos, ainda que parcialmente (STF, 2017). Apresentam também
a violação ao princípio da isonomia, estabelecido no “caput” do art. 5º da
Constituição Federal, além da afronta aos direitos sociais estabelecidos no
art. 6º e 7º do mesmo ordenamento jurídico.
Válidos são os ajuizamentos das ADIs a fim de determinar as inconstitucionalidades apresentadas e verificadas no ordenamento jurídico
após a inserção do inovador contrato de trabalho.
5. Considerações finais
O presente trabalho teve como enfoque a análise do trabalho intermitente à luz da Constituição Federal de 1988, diante o texto original da Lei
nº 13.467/17 e sob a influência da MP nº 808/17 durante sua vigência e da
Portaria nº 349/18, recentemente elaborada pelo Ministério do Trabalho e
Emprego.
Sob o argumento de maior flexibilização da legislação para acompanhar o desenvolvimento social, o Governo brasileiro elaborou a Lei nº
13.467/17, introduzindo no ordenamento jurídico o contrato de trabalho
intermitente.
A reforma trabalhista... • 41
Várias foram as controvérsias inseridas no ordenamento jurídico
que vão de encontro à Carta Maior de 1988, mesmo após a elaboração da
MP nº 808/17 e da Portaria nº 349/18.
Essas controvérsias abordadas afrontam o art. 1º, III e IV, art. 3º I e
III, art. 5º, “caput”, art. 7º, I, II, III, IV, VII e XVII, art. 170, “caput”, III e VIII
e art. 201, § 2º, da Carta Constitucional de 1988. Caracteriza-se, assim, a
inconstitucionalidade de alguns dispositivos que tratam do contrato de trabalho intermitente, uma vez que não asseguram os direitos estabelecidos ao
trabalhador por meio da Constituição. Por verificar essas violações, foram
interpostas três Ações Diretas de Inconstitucionalidades, quais sejam, ADI
nº 5.806, ADI nº 5.826 e ADI nº 5829.
As inconstitucionalidades e controvérsias apresentadas ferem os direitos garantidos aos trabalhadores por meio de árdua conquista ao longo
da evolução da sociedade. Direitos estes que devem prevalecer sobre qualquer flexibilização trabalhista realizada para atualizar e modificar a legislação. Pensar diversamente é aceitar a violação dos princípios que asseguram a dignidade do ser humano em qualquer circunstância, como também
os valores sociais do trabalho conquistados ao longo do tempo pela classe
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46 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
A REGULAMENTAÇÃO DO CONTRATO
DE TRABALHO INTERMITENTE PELA LEI
Nº 13.467/17: O BRASIL A CAMINHO DA
INSTITUCIONALIZAÇÃO DA PRECARIEDADE1
THE REGULATION OF INTERMITENTE LABOR
CONTRACT BY LAW Nº 13.467/17: BRAZIL ON THE WAY
TO THE INSTITUCIONALIZATION OF PRECARITY
Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva2
Thiago Patrício Gondim3
Nathalia Marbly Miranda Santos4
1
Este artigo é uma versão revisada e atualizada da apresentada no IV Encontro da
RENAPEDTS e foi encaminhado para publicação no 5º volume da Revista de Direito do
Trabalho e Processo (ISSN 2595-5993).
2
Professora associada da Faculdade Nacional de Direito e do Programa de PósGraduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Doutora em
Ciências Jurídicas e mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio.
Coordenadora do grupo Configurações Institucionais e Relações de Trabalho – CIRT/
UFRJ. Desembargadora do Trabalho (TRT-1ª Região). Correio eletrônico: sayonara@direito.ufrj.br
3
Professor substituto de Direito do Trabalho da Universidade Federal do Rio de Janeiro –
UFRJ. Mestre em Teorias Jurídicas Contemporâneas pelo Programa de Pós-Graduação em
Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro – PPGD/UFRJ. Integrante do grupo de
pesquisa Configurações Institucionais e Relações de Trabalho – CIRT/UFRJ. Bacharel em
História pela UFF e em Direito pela UFRJ. Correio eletrônico: tpgondim@gmail.com
4
Graduanda em Direito pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do
Rio de Janeiro – UFRJ. Bolsista de Apoio Pedagógico da UFRJ. Integrante do grupo de
pesquisa Configurações Institucionais e Relações de Trabalho – CIRT/UFRJ. Correio eletrônico: nathaliamarbly@gmail.com
In: ANTUNES, Daniela Muradas; NICOLI, Pedro Augusto Gravatá; RODARTE, Wanessa
Susan de Oliveira (org.).A reforma trabalhista e o direito individual do trabalho: dos
retrocessos às resistências. 1ª edição. Belo Horizonte: Initia Via, 2019 (Anais do IV
Encontro da RENAPEDTS, vol. 2). ISBN: 978-85-9547-079-8. DOI: 10.17931/95470798/
v2a02.
A reforma trabalhista... • 47
Resumo: À luz dos referenciais analíticos provenientes do campo das ciências sociais que procuram apreender alguns fenômenos atinentes à dinâmica atual de um sistema capitalista de caráter neoliberal e globalizado,
como a flexibilidade do tempo de trabalho e a precarização das relações de
trabalho, o artigo examina os principais aspectos da regulamentação do
contrato de trabalho intermitente pela Lei nº 13.467/17, refletindo sobre
em que medida a criação do instituto está associada à imposição de um
novo padrão de organização do trabalho no país. Para tanto, seleciona-se
um material composto por obras dogmáticas, enunciados da 2ª Jornada de
Direito Processual e Material do Trabalho, ações diretas de inconstitucionalidade e documentos do processo legislativo que resultou na Reforma
Trabalhista com o objetivo de observar os sentidos atribuídos ao contrato
de trabalho intermitente no campo institucional.
Palavras-chave: Flexibilidade; Precarização; Trabalho intermitente;
Reforma trabalhista.
Abstract: Oriented by studies from the field of social sciences that seek to
apprehend some phenomena related to the currente dynamics of the capitalist system, such as the flexibility of working time and the precariousness of labor relations, the article examines the main aspects of the regulation of the intermittent labor contract by Law nº 13.467/17, reflecting on
the extent to which the creation of such institute is associated with the
imposition of a new standard of work organization in Brazil. The analysis
is based on dogmatic works, statements of the 2nd Journey of Procedural
and Material Labor Law, direct actions of unconstitutionality and documents of the legislative process that resulted in the Labor Reform, in order
to observe the meanings imputed to the contract of intermittent work in
the institutional field.
Keywords: Flexibility; Precarization; Intermittent work; Labor reform.
*
48 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
1. Introdução
O artigo, em sua primeira seção, apresenta a noção de flexibilidade do tempo de trabalho a partir de aportes teóricos do campo das ciências
sociais para observar a sua inserção na dinâmica atual de um capitalismo
de caráter neoliberal e globalizado, bem como as características inerentes
a tal noção que permitem a imposição de um novo padrão de organização do trabalho, em diálogo com as obras de Sadi dal Rosso e Richard
Sennett. Na segunda seção, aborda a relação entre as diversas formas de
flexibilidade, em especial a do tempo de trabalho, e a noção de precarização das condições de trabalho, ressaltando os efeitos deletérios da erosão
da jornada de trabalho em tempo integral para os diversos aspectos que
compõem a vida dos trabalhadores. Por fim, em sua última seção, examina as principais características da regulamentação do contrato de trabalho
intermitente pela Lei nº 13.467/17 a partir dos sentidos que lhe são atribuídos pelos juristas e outros agentes inseridos no campo institucional,
indagando-se em que medida tal modalidade contratual representaria a
conjugação de um trabalho flexível e precarizado.
2. A reconfiguração do sistema capitalista e o sentido da
flexibilidade do trabalho
O tempo de trabalho tem sido constantemente objeto de controle
e de embates no campo das relações de trabalho em sociedades capitalistas (DAL ROSSO, 2017, p. 9-10).5 A delimitação do labor em jornadas de
caráter integral, tal como prevaleceu, ao menos para parte dos trabalhadores, durante o Estado de Bem Estar-Social, resultou da deflagração de
movimentos coletivos por melhores condições de trabalho que reduziram
a exploração desenfreada da força de trabalho pelo capital (DAL ROSSO,
2017, p. 21-24). Entre os efeitos destas mobilizações consta a interferência
do Estado na distribuição dos horários de trabalho ao promover a regulamentação de uma jornada laboral comum aos trabalhadores.
De acordo com Dal Rosso (2017, p. 9-10), no sistema capitalista, as horas laborais constituem a essência da produção de valor. Deste modo, o controle do tempo de trabalho
torna-se condição de possibilidade, na contemporaneidade, para a realização do processo
de acumulação de riquezas nas mãos dos detentores do capital. Os trabalhadores, por sua
vez, neste quadro, lutam por direitos e pela emancipação.
5
A reforma trabalhista... • 49
Desse modo, o tempo integral de trabalho,6 ou a rotina, nem
sempre foram vistos como um mal a ser combatido. Ao contrário, a regulamentação deste tempo significou a conquista de direitos e garantias
sociais, assim como uma efetiva melhoria na qualidade de vida dos trabalhadores (DAL ROSSO, 2017, p. 21-38). É bem verdade que rotinas excessivamente rígidas, baseadas numa “ética de muito trabalho” (DAL ROSSO,
2017, p. 36-39) podem ser perniciosas aos trabalhadores por questões de
segurança e de saúde física e mental do trabalho. Por outro lado, o equacionamento de tempo com menos trabalho pode permitir o fortalecimento de relações socioafetivas e familiares, possibilitando a construção de
sólidas narrativas lineares de longo prazo que importam na moldura do
caráter pessoal dos trabalhadores inseridos em uma sociedade capitalista
(SENNETT, 2009).7
A intensificação das demandas do mercado por maior flexibilidade, de acordo com Harvey (2017, p. 140), tem raízes na incapacidade
do regime fordista-keynesiano de conter as tensões próprias do capitalismo, evidenciadas entre as décadas de 1960 e 1970 nos países capitalistas
centrais, impulsionando a transição do modelo de capitalismo fordista
para o de acumulação flexível, no bojo da ascensão do neoliberalismo.
Neste período, segundo a narrativa que se tornou hegemônica, o principal
obstáculo para a expansão do capital consistiria na rigidez crescente dos
compromissos assumidos pelo Estado. Com isso, buscava-se um modelo
produtivo que se adaptasse com mais facilidade às exigências de um capitalismo global e altamente tecnológico.
As consequências da reconfiguração do capitalismo, que ocorreu
a partir década de 1970, recaíram em larga escala sobre os trabalhadores,
uma vez que o mercado de trabalho sofreu uma intensa reestruturação
mediante a qual o patronato, aproveitando-se das altas taxas de desempre6
O tempo integral de trabalho, ou tempo-padrão, é aquele historicamente construído; se
refere à jornada normal de trabalho, que no Brasil é de 8 horas diárias e 44 horas semanais,
eventualmente acrescida de horas extras (DAL ROSSO, 2017, p. 21-22).
7
Caráter, na obra de Richard Sennett, relaciona-se com experiências subjetivas de longo
prazo: “É expresso pela lealdade e o compromisso mútuo, pela busca de metas a longo
prazo, ou pela prática de adiar a satisfação em troca de um fim futuro. Da confusão de sentimentos em que todos estamos em algum momento em particular, procuramos salvar e
manter alguns; esses sentimentos sustentáveis servirão a nossos caracteres. Caráter são os
traços pessoais a que damos valor em nós mesmos, e pelos quais buscamos que os outros
nos valorizem” (SENNETT, 2009, p.10).
50 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
go, impôs aos trabalhadores regimes e contratos de trabalho mais flexíveis,
com a diminuição do emprego do trabalho regular e o aumento do uso
de trabalho em tempo parcial, temporário ou subcontratado (HARVEY,
2017, p. 143). Embora os contratos flexíveis não despertem uma desaprovação imediata da classe trabalhadora, pois, por vezes, podem ser mutuamente benéficos, os efeitos agregados deste ímpeto flexibilizatório “quando se consideram a cobertura de seguro, os direitos de pensão, os níveis
salariais, e a segurança no emprego de modo algum parecem positivos
do ponto de vista da população trabalhadora como um todo”(HARVEY,
2017, p. 144).
Dal Rosso (2017, p. 79) sublinha que a virada paradigmática do
modelo de trabalho por tempo integral, característico do Estado de BemEstar Social, para as distribuições de tempo mais flexíveis não dá conta
da realidade dos países periféricos. A razão para isso é que, em muitos
deles, sequer se concluiu a transição plena para o padrão de jornadas de
tempo integral regulamentadas, como é o caso do Brasil, onde o processo seria de transição dos tempos não regulamentados para os tempos
regulamentados. Por este motivo, Dal Rosso diferencia a flexibilidade
pré-fordista, ou pré-regulamentação, e a flexibilidade pós-fordista, ou
pós-regulamentada.8
Para o autor, embora as práticas de flexibilidade pré-regulamentação já fossem largamente utilizadas no país muito antes desse momento
histórico,9 o avanço das políticas neoliberais a partir dos anos 1970 no
8
De acordo com Dal Rosso (2017, p. 61), a flexibilidade pré-fordista ou pré-regulamentação “teve lugar em condições de liberalismo amplo, em que o patronato toma as decisões
fundamentais antes da regulação estatal, bem como em situações anteriores ao assalariamento”. A flexibilidade pós-fordista ou pós-regulamentação, por sua vez, “acontece em
contraposição à regulamentação dos direitos do trabalho implementada pelo Estado ou
por acordos”.
9“
O processo gerou um padrão híbrido [no Brasil]: de um lado, a condição marcante em
âmbito internacional, oito horas diárias, seis dias por semana; de outro, uma imensa flexibilidade de duas horas extras ao dia e a possibilidade de compensação, as duas últimas regras dificilmente encontráveis em outros países” (DAL ROSSO, 2017, p. 48). Estabeleceuse um padrão de trabalho rígido e flexível ao mesmo tempo. Ainda, “as horas extras, o uso
de contrato temporário e o trabalho eventual, o sistema de diárias, os ‘contratos’ informais,
as ‘empreitadas’, entre outras modalidades, constituíram formas históricas de flexibilidade
que antecipam de muito a onda de flexibilização que teve lugar a partir dos anos 1990 no
Brasil, bem como operam conjuntamente com o trabalho regulamentado, dadas a incapacidade de fiscalização do Estado e também a baixa taxa de sindicalização. A essas situações
A reforma trabalhista... • 51
mundo e, no Brasil, principalmente nos anos 1990, estimulou a instrumentalização mais ampla da flexibilidade baseada na “otimização” do
tempo do trabalho, com o objetivo de reduzir o custo do trabalho e aumentar a competitividade e a produtividade. O efeito disso no mercado de
trabalho brasileiro, argumenta, foi a convivência entre formas de flexibilidade pré-regulamentação e pós-regulamentação.
O termo “capitalismo flexível”, por sua vez, é utilizado por Sennett
para designar uma fase na qual foi atacada a ideia de rotina e em que o
próprio sentido do trabalho foi ressignificado. Essa estrutura flexível, no
entanto, consubstancia apenas uma nova roupagem para velhas intenções
(SENNETT, 2009, p. 9). Para o autor, a flexibilidade, nesse contexto, nada
mais seria que uma armadilha que esconde práticas sistêmicas de controle
e poder, composta por três elementos estratégicos: i) a reinvenção descontínua das instituições; ii) especialização flexível; e iii) concentração sem
centralização (2009, p. 54-73).
A reinvenção descontínua das instituições parte da crença mercadológica moderna de que redes elásticas são mais fáceis de serem reinventadas, de modo que um sistema fragmentado comporta a possibilidade
de reformular “definitiva e irrevogavelmente as instituições” para que o
“presente se torne descontínuo com o passado” (SENNETT, 2009, p. 55).
Como exemplo desta característica encontram-se os processos de reengenharia empresarial, voltados para replanejar e enxugar instituições em
busca de maior eficiência. Não obstante essas práticas tenham se mostrado, em verdade, caóticas e improdutivas, elas cumprem um papel muito
importante na dinâmica do capitalismo flexível, pois ligam-se a volatilidade do mercado consumidor (SENNETT, 2009, p. 58-59).
Esta volatilidade do mercado consumidor impõe o que se chama de especialização flexível, isto é, um processo que coloca produtos no
mercado de forma cada vez mais rápida, tornando-se os fatores externos
determinantes na estrutura produtiva interna das empresas – em oposição
ao modelo de produção fordista (SENNETT, 2009, p. 61). A terceira característica que o autor demonstra – a concentração sem centralização – opera
pelo ilusório desfazimento da pirâmide hierárquica tradicional de poder e
concessão de uma falsa liberdade. Esta estratégia sugere uma fragmentação do controle do trabalho, porém, o que de fato ocorre é a concentração
flutuantes aplica-se o conceito de flexibilidade pré-regulamentada” (DAL ROSSO, 2017,
p. 49).
52 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
do controle pelo estabelecimento de metas de produção impossíveis. A estrutura institucional, ao contrário das pretensões de “desburocratização”,
torna-se mais complexa e menos transparente (2009, p. 67).
As três estratégias são empregadas conjuntamente no sistema de
produção flexível, por exemplo, na confabulação do “flexitempo”. Verificase a constituição de um mosaico de horários individualizados, em que
empregados de uma mesma empresa laboram em horários ou locais
completamente distintos, sendo tal situação possível graças ao avanço
das tecnologias da comunicação. Os trabalhadores são levados a crer que
possuem o controle sobre a programação flexível de seu tempo quando,
na realidade, este controle é exercido apenas por alguns poucos trabalhadores privilegiados (SENNETT, 2009, p. 68). Estudos demonstram que
trabalhadores que laboram em casa ou longe do escritório (em teletrabalho, por exemplo) podem ter o controle sobre o local de trabalho, mas
não adquirem maior controle sobre o trabalho em si, sendo muitas vezes mais supervisionados do que os trabalhadores em jornadas normais
(SENNETT, 2009, p. 66). Observa-se que os estudos de Sennett precedem
as tecnologias disruptivas típicas, a gig economy e a subordinação algorítmica que intensificam ainda mais o controle sobre o trabalho à distância.
No entanto, para Dal Rosso (2017, p. 44), o relato genérico sobre
a transição do modelo fordista/keynesiano de produção para o paradigma da acumulação flexível (ou capitalismo flexível), embora importante,
não é suficiente, por si só, à compreensão do processo de flexibilização
em sua complexidade. Segundo o autor, a questão da distribuição de jornadas de trabalho, e dos horários dentro dessas jornadas, ocupa um papel decisivo na produção e realização de valor, motivo pelo qual a opção
por flexibilidade precisa também ser analisada sob a ótica da teoria do
valor-trabalho.10
10
A teoria do valor-trabalho, concebida por Karl Marx, corresponde à concepção de que o
valor de uma mercadoria é definido pelo tempo de trabalho abstrato socialmente necessário empregado para produzi-la (DAL ROSSO, 2017, p. 93). O tempo de trabalho aparece
como uma questão decisiva na compreensão da teoria do valor. Dal Rosso explica (2017, p.
95) que o montante de valor produzido depende da produtividade do sistema de produção
e da intensidade de trabalho empregado no ato do labor. Neste esquema, é possível imaginar a redução de horas de labor com maior produção de valor, desde que o crescimento da
produtividade acompanhe o aumento da intensidade laboral (DAL ROSSO, 2017, p. 95).
É aí que a distribuição de horas de trabalho pode entrar como um fator a causar impactos
na produção de valores, permitindo a definição de horários de trabalho de acordo com
A reforma trabalhista... • 53
A concepção de flexibilidade que vigora hoje a coloca como estratégia empresarial de incremento da competitividade no cenário do capitalismo mundial, sem que haja quaisquer preocupações quanto aos efeitos
positivos ou negativos dessa flexibilidade sobre os trabalhadores. Assim,
“as diversas formas de flexibilidade passam a ocupar lugares estratégicos
nas decisões empresariais de crescimento, expansão e desenvolvimento”
(DAL ROSSO, 2017, p. 45). A flexibilidade, nesses termos, argumenta Sadi
Dal Rosso, deixa de ser um elemento da autonomia do trabalhador sobre
o seu tempo de trabalho para representar a sujeição deste tempo às necessidades empresariais. Transforma-se num mero instrumento neoliberal
de barateamento de custos da força do trabalho e de melhor aproveitamento das potencialidades dessa força de trabalho dentro da produção.
No contexto das políticas de austeridade, retornam os discursos
pela flexibilização das relações laborais amparados em fórmulas institucionais que ampliam a precariedade. O Estado ocupa papel ativo para estabelecer regras que flexibilizam relações jurídicas e processos produtivos,
seja mediante desregulamentação, seja pela redução dos patamares já adquiridos de direitos trabalhistas. No que concerne ao tempo de trabalho
e regimes laborais, Dal Rosso observa a criação de “atalhos por meio dos
quais os tempos e horários de trabalho se tornam mais adequados ao processo de acumulação do capital” (DAL ROSSO, 2017, p 65).
Uma análise do percurso de elaboração da Lei 13.467/2017 sugere
a tentativa de legalização de mecanismos de flexibilidade, até então ilícitos, praticados no país, ao mesmo tempo em que outras formas de flexibilidade provenientes de experiências ultraliberais são adotadas. Essas práticas, contudo, distanciam-se de arranjos capazes de favorecer também os
trabalhadores e atuam como instrumentos exclusivos de aprofundamento
do controle do capital sobre o tempo de vida.
3. Flexibilização e precarização do trabalho
Sennett (2009) tratou do sentimento de estar à deriva que o modelo neoliberal de trabalho flexível provoca nos indivíduos que trabalham.
O problema reside, segundo o autor, na impossibilidade dos trabalhadores
a conveniência da atividade econômica, ora rígidos, ora flexíveis, além de possibilitar a
conversão de horas de não trabalho em horas de trabalho.
54 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
criarem sólidas narrativas sobre sua trajetória, pois a flexibilidade fissura
as relações interpessoais e a relação com o próprio trabalho. Ela impede
o planejamento e a construção de vínculos socioafetivos que durem no
tempo. O trabalhador que precisa constantemente adaptar-se e readaptar-se às exigências do mercado pouco sabe sobre o seu trabalho, sobre
as pessoas com as quais trabalha e sobre si, distanciando-se de quaisquer
referências éticas
Salientar as consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo é a tônica do esforço teórico de Sennett, que articula a flexibilidade
no trabalho com dimensões morais e subjetivas dos indivíduos. Se por um
lado a velha ética do trabalho (que persiste hoje, porém com muito menos
força), pautada no uso autodisciplinado do tempo e no valor da satisfação
adiada, poderia também produzir consequências autodestrutivas ao caráter, a nova ética do trabalho ancorada na máxima da adaptabilidade do
trabalhador produz uma superficialidade degradante (SENNETT, 2009,
p. 118-119). Em suma, Sennett (2009) compreende que os arranjos flexíveis de produção e trabalho no novo capitalismo deterioram o caráter
individual dos trabalhadores porque o trabalho constitui uma dimensão
importante da identidade em uma sociedade capitalista. A flexibilidade,
nos moldes em que é imposta, sob as exigências de trabalhadores capazes
de assumir riscos e de se reinventar a todo tempo, confere uma qualidade
de superficialidade às suas relações consigo mesmos, com a coletividade e
com o próprio trabalho ao privá-los de experiências longas e duradouras,
relegando-os à incerteza, à indeterminação, à insegurança, à desorganização e ao descontrole sobre o seu tempo de trabalho e o seu tempo de vida.
No Brasil, Sadi Dal Rosso se volta à compreensão da flexibilidade
no modo como se trabalha, no quanto ou no quando se trabalha. O mecanismo da distribuição de horários de trabalho de maneira mais flexível
cria condições para diversas formas de flexibilização, tais como a flexibilização salarial, com rebaixamento do salário para a elevação dos lucros,
e redução do contingente de empregados, além de diluir os limites entre
os tempos de não trabalho e os tempos de trabalho, com a consequência
de que aqueles são constantemente invadidos por estes. De um lado, a flexibilidade de horas extras pode levar o trabalhador à exaustão; de outro,
a insuficiência de horas implica densidade do trabalho e a supressão do
tempo morto (DAL ROSSO, 2017, p. 271). Os efeitos disso podem servir
muito bem aos propósitos patronais no capitalismo de matizes ultralibe-
A reforma trabalhista... • 55
rais, mas têm impactos desastrosos sobre as condições de trabalho e sobre o próprio trabalhador, pois “a flexibilidade precariza o trabalho com a
retirada de direitos e com a criação de novas desigualdades entre grupos
sociais” (DAL ROSSO, 2017, p. 271).
A relação entre precarização, dominação e fragmentação de identidades de classe é a perspectiva para compreensão do fenômeno adotada,
dentre outros, por Graça Druck. A precarização, para a autora, se apresenta como uma estratégia de dominação social em que condições precárias de trabalho e emprego são impostas “frente a permanente ameaça
do desemprego estrutural” (2011, p. 41), criando uma concorrência entre
trabalhadores que leva à fragmentação da classe trabalhadora. Tal estratégia teria o objetivo de submeter os trabalhadores ao capital para que estes
aceitem as mudanças do trabalho como inevitáveis e inadiáveis – isto é,
como resultados naturais do novo capitalismo, e não como fruto de opções voltadas para manutenção das relações de submissão.
Estabelece-se, pois, as condições precárias de trabalho como regra, inclusive em países que não experimentaram plenamente o Estado
de Bem-Estar Social e não obtiveram uma universalização do trabalho
regulamentado. É o caso do Brasil onde a precarização das condições de
trabalho sempre foram bastante usuais (DRUCK, 2011, p.42-43). A autora considera que a precarização social do trabalho possui seis dimensões
distintas: i) vulnerabilidade estrutural e contratos de trabalho precários
sem proteção social; ii) intensificação do trabalho e terceirização; iii) insegurança e saúde no trabalho; iv) perda da identidade individual e coletiva;
v) fragilização da organização de trabalhadores; e vi) ataque às formas de
regulamentação do Estado e “crise do Direito do Trabalho”.
A massa de trabalhadores precarizados constitui-se, pois, num
grupo de trabalhadores heterogêneo, fragmentado e altamente vulnerável
(DRUCK, 2011, 47). As jornadas, em regra, intensas expõem os trabalhadores ao maior risco de acidentes e de adquirirem doenças decorrentes
do labor (DRUCK, 2011, 49). Soma-se a isso “o isolamento e a perda de
enraizamento, de vínculos, de inserção de uma perspectiva de identidade
coletiva, resultantes da descartabilidade, da desvalorização e da exclusão”
que enfraquece a capacidade de organização dos trabalhadores e esfacela
a identidade coletiva. Neste sentido, a Consolidação das Leis do Trabalho
– CLT passa a ser vista como uma velha e ultrapassada barreira à moder-
56 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
nização, se fazendo urgente a retirada dos encargos impostos para o livre
funcionamento do mercado (DRUCK, 2011, p. 52-53).
Para Giovanni Alves, a precarização estrutural do trabalho é uma
característica presente de um capitalismo flexível que se assenta na exploração da força de trabalho a fim de aumentar a produtividade e o lucro
(2013, p. 3-4). Em tal processo, segundo o autor, ocorre a desconstituição do “ser humano genérico”, ao se reduzir o trabalho vivo ao status de
mercadoria, negar espaço para as subjetividades humanas e se articular o
desmanche dos coletivos laborais (ALVES, 2013, p. 10-20).
No Direito do Trabalho, as fórmulas de precariedade são facilmente identificadas em certas modalidades contratuais ou modos de organização temporal ou espacial do labor, dentre as quais se destacam o
contrato por tempo parcial, o trabalho temporário, o teletrabalho, a terceirização, o banco de horas, entre outros. Tais arranjos cresceram nas
últimas décadas, o que é evidenciado por alterações normativas, mas, sobretudo, pelas próprias estatísticas do trabalho.
Sadi dal Rosso (2017, p. 171-264) estuda a configuração do mercado de trabalho brasileiro, as atividades nas quais estão alocados os trabalhadores submetidos à distribuição de horários flexíveis de trabalho e o
perfil desses trabalhadores que estão mais expostos às condições laborais
precárias a partir de uma análise comparativa dos dados fornecidos pelos
Censos Demográficos de 2000 e 2010, bem como da Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios – PNAD, ambos realizados pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística– IBGE.
O número de trabalhadores em jornadas inferiores a dezenove
horas ou menos dobrou, de 4,7% para 9,6% em 10 anos, atingindo em
2010 cinco milhões de trabalhadores, embora as comparações entre os
censos demográficos de 2000 e o de 2010 demonstrem também a tendência geral dos países periféricos de migração das jornadas pré-regulamentadas para jornadas de tempo rígido(DAL ROSSO, 2017, p. 177). Os
setores que empregaram mais trabalhadores em jornadas reduzidas são
bancos e finanças, educação, saúde, administração pública, informação e
comunicação, e empregos domésticos,11 enquanto que os setores primáDe 23% a 39,4% dos trabalhadores. Dal Rosso (2017, p. 203-207) os divide em três subgrupos: i) o primeiro une o setor de banco e finanças e o de informação e comunicação,
com jornadas de trabalho muito mal delimitadas ou sem limites, colocando-os sempre à
disposição do trabalho; ii) o segundo é construído pelos profissionais de educação e saúde,
11
A reforma trabalhista... • 57
rio e secundário, comércio, construção e transportes possuem as jornadas
mais longas.12 Quanto à faixa etária, as cargas de trabalho semanais de 39
horas ou menos são exercidas majoritariamente por jovens e idosos.13 Os
trabalhos parciais tem grande incidência também no universo de trabalho
desempenhado por mulheres (DAL ROSSO, 2017, p. 237). Relativamente
aos critérios de raça, parte significativa dos trabalhadores em horários flexíveis é formada por indivíduos pretos ou pardos (2017, p. 254).
Estas dimensões devem ser realçadas, já que permitem relacionar
as novas fórmulas contratuais ultraflexíveis adotadas na reforma trabalhista de 2017 com a precarização do trabalho e permitem indagar em
que medida a flexibilidade adotada pode vir a reforçar as discriminações
estruturais existentes na sociedade, em particular diante das desigualdades geradas a partir dos marcadores de gênero e raça. Este é um tema em
aberto, para o qual é necessário compreender a figura da intermitência e
do contrato de trabalho intermitente na forma em que foram introduzidos
no direito brasileiro.
4. O trabalho intermitente na Lei nº 13.467/17:
a institucionalização da precariedade
A Lei nº 13.467/17 alargou o conceito de contrato de trabalho ao
estabelecer no caput do artigo 443 da CLT a possibilidade do ajuste para
prestação de trabalho intermitente. Com as inclusões na CLT do parágra-
sendo que os professores do setor privado podem ser considerados “protótipos do trabalho flexível”, pois geralmente são pagos por hora , num setor marcado pela necessidade
extrema de adaptabilidade e que comporta altas taxas de instabilidade e rotatividade; iii)
o último subgrupo é composto por trabalhadores domésticos altamente subordinados aos
empregadores que frequentemente optam por trabalhar por diária.
12
Entre 29,5% e 36,3% dos trabalhadores nessas atividades cumprem jornadas excessivas
de quarenta e cinco horas ou mais. Estes trabalhadores costumam realizar muitas horas
extraordinárias (DAL ROSSO, 2017, p. 202),
13
“A idade aparece como um fator de distinção entre jovens autônomos que trabalham
trinta e nove horas ou menos no setor agrícola, no comércio, em transportes, em finanças,
em bancos, em educação – na qual, além dos autônomos, os assalariados se diferenciam
por idade –, em saúde, em administração pública e em serviços domésticos. Já idosos
exercem jornadas de trinta e nove horas ou menos aparecem entre autônomos no comércio, em finanças e bancos, em saúde e em serviços domésticos. [...] Jovens e idosos são os
grupos precarizados por cargas horárias insuficientes” (DAL ROSSO, 2017, p. 223).
58 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
fo 3º ao artigo 443 e do novo artigo 452-A foram instituídos o contrato de
trabalho intermitente e os procedimentos para sua formalização.
Os documentos legislativos14 produzidos durante o processo de
tramitação da Reforma Trabalhista no Congresso Nacional contêm uma
série de argumentos que foram mobilizados para apresentar uma posição favorável a tal medida. Entre eles, destaca-se a redução do desemprego, a ampliação da formalização do emprego, a contenção do ativismo
da Justiça do Trabalho, a valorização do sistema de negociação coletiva
e a possível diminuição do excessivo número de entidades sindicais. Tais
justificativas demonstram a tentativa dos poderes executivo e legislativo de construir uma narrativa de que a Reforma Trabalhista ampliaria a
proteção aos trabalhadores até então informais e valorizaria a autonomia
coletiva, atendendo a demandas históricas de uma parte do movimento
sindical e/ou corrigiria problemas pertinentes a uma estrutura sindical
apresentada como tendo caráter corporativista e com baixos níveis de
representatividade. Contudo, não obstante a tentativa de apropriação do
discurso da crítica às fórmulas jurídicas que estruturam o direito e as relações de trabalho no Brasil, diversos autores dos campos da sociologia,
da economia e do direito do trabalho redarguem que as reformas rumam
em outra direção, pois estão em sintonia com a crescente submissão da
organização do mercado de trabalho ao paradigma da flexibilidade, com
potencial de rebaixamento e precarização dos direitos.
Em relação ao contrato de trabalho intermitente, no parecer do
relator na Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei nº 6787/2016, deputado federal Rogério Marinho (PSDB/RN), afirma-se que tal modalidade
contratual é um dos mecanismos para “modernizar as relações de trabalho sem a promoção da precarização do emprego”, “reduzir a rigidez da
CLT”, “aumentar a competitividade do país no cenário internacional com
a atração de novos investimentos” e “gerar novos empregos”. Contudo, até
mesmo o relatório do parecer da Comissão de Assuntos Econômicos do
Senado Federal, de autoria do senador Ricardo Ferraço (PSDB/ES), embora aderisse ao discurso de que a instituição de tal contrato seria uma
medida destinada a reduzir os altos índices de rotatividade e “permitir
a inclusão no mercado de trabalho de jovens, mulheres e idosos”, recomendou a edição de medida provisória para a concessão de salvaguardas
Projeto de Lei nº 6787/16, Projeto de Lei da Câmara nº 38/17 e Parecer da Comissão de
Assuntos Sociais sobre o Projeto de Lei da Câmara nº 38/17.
14
A reforma trabalhista... • 59
ao trabalhador que evitassem a incidência de abusos e precarização e a
delimitação de setores econômicos em que o trabalho intermitente seria
permitido.
Porém, diante do acordo realizado entre o poder executivo e os
senadores da base governista para a aprovação com celeridade da Reforma
Trabalhista, as diversas emendas incorporadas ao Projeto de Lei originário durante a sua tramitação na Câmara dos Deputados que alteraram em
diversos pontos os textos da CLT e da Lei nº 6.019/74 não foram objeto
de nenhum veto no Senado sob a condição de que alguns reparos considerados necessários pelos senadores na regulamentação de determinados
dispositivos seriam feitos mediante edição de medida provisória.
Com o início da vigência da Reforma Trabalhista, o governo federal editou a Medida Provisória nº 808/17. Na exposição de motivos,
o executivo justifica a alteração do artigo 452-A e a inclusão dos artigos
452-B a 452-H ao texto da CLT relativos à regulamentação do trabalho
intermitente para apresentar o que seria “uma definição mais adequada
dos elementos que caracterizam o seu regime de contratação” e, assim,
distinguir com mais clareza tal modalidade de contrato de outras já previstas na legislação trabalhista, como o contrato por prazo determinado,
o contrato de trabalho temporário e o contrato a tempo parcial. Em 23 de
abril de 2018, com a caducidade da Medida Provisória nº 808/17 devido
ao decurso temporal, a CLT voltou a conter somente as alterações realizadas pela Lei nº 13.467/17. O Ministério do Trabalho, contudo, um mês
depois, com fundamento no inciso II, parágrafo único, do artigo 87 da
Constituição Federal, editou a Portaria nº 349, de 23 de maio de 2018,
e sob o argumento de estabelecer regras atinentes à execução da Lei nº
13.467/17, reproduziu em grande parte a redação apresentada pela MP nº
808/17 em relação à regulamentação do contrato de trabalho intermitente.
O cenário atual do direito do trabalho, diante da densidade das
alterações realizadas pela Lei nº 13.467/17 na CLT, evidencia uma série de
disputas em torno da interpretação e aplicação das normas que compõem
a Reforma Trabalhista com a produção de um vasto material formado por
obras cuja abordagem, em geral, é predominantemente dogmática ou teórica, servindo de objeto de análise para mapear o conteúdo dos principais confrontos, incluindo os argumentos mobilizados para justificar
determinada posição a partir da adoção de critérios hermenêuticos de
forma expressa ou implicitamente que delimitam o ponto de partida da
60 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
reflexão, e observar a tendência, por exemplo, do entendimento doutrinário sobre alguns institutos e categorias jurídicas. Especificamente, em
relação ao contrato de trabalho intermitente, verifica-se a partir do exame
de um conjunto de textos selecionados que analisam, mediante diferentes
perspectivas, a regulamentação formulada pela Reforma Trabalhista sobre o tema, a existência de conclusões que se aproximam ao permitirem
o estabelecimento de uma relação direta entre o formato conferido a tal
modalidade de contratação e a precarização das relações de trabalho.
A partir da interpretação literal do caput e do parágrafo 3º do artigo 443 da CLT, o trabalho intermitente é concebido como uma modalidade de contrato laboral que poderia ser, em tese, aplicado em qualquer atividade econômica, com exceção expressa dos aeronautas, para a regulação
da prestação laboral de modo subordinado, não exclusivo, descontínuo,
isto é, com alternância de períodos de trabalho e de inatividade, e a prazo
indeterminado. Em tal modalidade de contrato, os períodos de inatividade, também denominados de não trabalho, não são considerados tempo
à disposição do empregador, assegurando-se ao trabalhador intermitente
o gozo do direito ao salário somente nas ocasiões em que efetivamente se
ativar e laborar.
Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado (2017, p.
154-155) observam que o contrato de trabalho intermitente, nos moldes
em que foi proposto pela Lei nº 13.467/17, e caso seja realizada apenas
uma interpretação literal dos dispositivos que o regulamentam, pretende
romper com as noções de duração do trabalho (e de jornada) e de salário, concebidas como direitos constitutivos da estruturação do Direito do
Trabalho. Busca-se uma relação que amplia o tempo à disposição do empregador, porém sem os efeitos jurídicos deste tempo reconfigurado. Por
outro lado, afirmam que os novos preceitos normativos teriam a intenção
de criar um contrato de trabalho sem salário, afastando a definição deste
instituto enquanto “parcela contraprestativa devida e paga pelo empregador a seu empregado em virtude da existência do contrato de trabalho”.
Em contraponto, os autores propõem a realização de uma interpretação lógico-racional, sistemática e teleológica do artigo 443, caput e §
3º, combinado com o artigo 452-A da CLT, caput, e seus parágrafos e incisos, o que resulta na análise destes dispositivos à luz do artigo 78, caput e
parágrafo único, da CLT, e do artigo 7º, VII, da Constituição, concluindo-se que aos empregados que percebam remuneração variável, como seria
A reforma trabalhista... • 61
o caso dos trabalhadores intermitentes, é assegurada a garantia de salário
nunca inferior ao mínimo legal, inclusive para os meses contratuais sem
convocação para o trabalho.
No mesmo sentido, a 2ª Jornada de Direito Material e Processual
do Trabalho, promovida pela Associação Nacional dos Magistrados da
Justiça do Trabalho – ANAMATRA, em parceria com outras entidades,
produziu uma série de enunciados a partir do exame do texto da Lei nº
13.467/17 com destaque para o Enunciado nº 215 que concebe o exercício
do controle difuso de constitucionalidade e do controle de convencionalidade das leis e o uso de todos os métodos de interpretação e aplicação
das normas disponíveis, como procedimentos associados à obrigação dos
magistrados de cumprir e fazer cumprir a constituição e as leis, reputando
autoritária e antirrepublicana as ações políticas, midiáticas, administrativas ou correcionais que pretendam imputar ao juiz do trabalho o “dever” de interpretar a Lei nº 13.467/17 de modo exclusivamente literal/
gramatical. Em relação ao contrato de trabalho intermitente, e com base
nos procedimentos vinculados ao campo interpretativo expressos pelo
Enunciado nº 2, o Enunciado nº 7316 da 2ª Jornada considera inconstituEnunciado 2 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho. Interpretação e
aplicação da Lei 13.467/2017. Os juízes do trabalho, à maneira de todos os demais magistrados, em todos os ramos do judiciário, devem cumprir e fazer cumprir a constituição e
as leis, o que importa no exercício do controle difuso de constitucionalidade e no controle
de convencionalidade das leis, bem como no uso de todos os métodos de interpretação/
aplicação disponíveis. Nessa medida: I. Reputa-se autoritária e antirrepublicana toda ação
política, midiática, administrativa ou correicional que pretender imputar ao juiz do trabalho o “dever” de interpretar a Lei 13.467/2017 de modo exclusivamente literal/gramatical;
II. A interpretação judicial é atividade que tem por escopo o desvelamento do sentido e
do alcance da lei trabalhista. É função primordial do poder judiciário trabalhista julgar as
relações de trabalho e dizer o direito no caso concreto, observando o objetivo da República
Federativa do Brasil de construir uma sociedade mais justa e igualitária. Exegese dos artigos 1º, 2º, 3º, 5º, inciso XXXV, 60 e 93, IX e 114 da CRFB; III. Inconstitucionalidade do
§ 2º e do § 3º do artigo 8º da CLT e do artigo 611-A, §1º, da CLT. Será inconstitucional
qualquer norma que colime restringir a função judicial de interpretação da lei ou imunizar
o conteúdo dos acordos e convenções coletivas de trabalho da apreciação da justiça do
trabalho, inclusive quanto à sua constitucionalidade, convencionalidade, legalidade e conformidade com a ordem pública social. Não se admite qualquer interpretação que possa
elidir a garantia da inafastabilidade da jurisdição, ademais, por ofensa ao disposto no art.
114, I, da CF/88 e por incompatibilidade com os princípios da separação dos poderes, do
acesso a justiça e da independência funcional.
16
Enunciado 73 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho. Contrato
de trabalho intermitente: inconstitucionalidade. É inconstitucional o regime de trabalho
15
62 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
cional tal modalidade contratual por afrontar o direito fundamental do
trabalhador aos limites de duração do trabalho, ao décimo terceiro salário
e às férias remuneradas, enquanto o Enunciado nº 7417 adota o entendimento de que a proteção jurídica do salário mínimo, consagrada no artigo
7º, VII, da Constituição, se estende aos trabalhadores sob o regime de
trabalho intermitente.
Por meio de experiências estrangeiras, Roberta de Oliveira Souza
(2018, p. 399-401) observa que a regulamentação do contrato de trabalho
intermitente pela Lei nº 13.467/17, à luz da legislação italiana, não prevê
limites de idade e de jornada de trabalho que impediriam o uso irrestrito
deste instituto, bem como a concessão de uma indenização ao trabalhador
pelo tempo à disposição nos meses em que ele não foi convocado para
trabalhar e a vedação do uso deste tipo de contratação na administração
pública e para a substituição de empregados nas seguintes situações: (i)
no exercício do direito de greve; (ii) em decorrência de suspensão; (iii) em
virtude da redução da carga horária; e (iv) por conta de dispensa coletiva,
desde que os novos empregados tenham sido contratados para executar as
mesmas tarefas dos dispensados dentro do prazo de seis meses. Do mesmo modo, ao analisar a regulamentação do direito português sobre o trabalho intermitente, Aloysio Correa da Veiga (2018, p. 38-40) observa que
a aplicação deste regime jurídico circunscreve-se às atividades de natureza descontínua ou de intensidade variável das empresas, tendo definidos
normativamente os limites dos períodos de trabalho e de não-trabalho ao
longo do ano.
Diante disso, o Enunciado nº 9018 da 2ª Jornada estabelece restrições ao uso do contrato de trabalho intermitente. Em seus itens 1, 2 e 3,
intermitente previsto no art. 443, § 3º, e art. 452-A da CLT, por violação do art. 7º, I e
VII da Constituição da República e por afrontar o direito fundamental do trabalhador aos
limites de duração do trabalho, ao décimo terceiro salário e às férias remuneradas.
17
Enunciado 74 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho. Contrato de
trabalho intermitente: salário mínimo.A proteção jurídica do salário mínimo, consagrada
no art. 7º, VII, da Constituição da República, alcança os trabalhadores em regime de trabalho intermitente, previsto nos arts. 443, § 3º e 452-A da CLT, aos quais é também assegurado o direito à retribuição mínima mensal, independentemente da quantidade de dias
em que for convocado para trabalhar, respeitado o salário mínimo profissional, o salário
normativo, o salário convencional ou o piso regional.
18
Enunciado 90 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho. Contrato de
trabalho intermitente e demandas permanentes. I – É ilícita a contratação sob a forma de
trabalho intermitente para o atendimento de demanda permanente, contínua ou regular
A reforma trabalhista... • 63
respectivamente, afasta o emprego de tal modalidade contratual para o
atendimento de demanda permanente, contínua ou regular de trabalho,
dentro do volume normal de atividade da empresa, em decorrência da
substituição de posto de trabalho regular e permanente e por conta de
opção do empregador para adotar a escala móvel e variável de jornada.
Concomitantemente, em seu item 4, reconhece o direito subjetivo à convocação do empregado contratado sob o regime da intermitência, sendo
ilícita sua preterição ou a omissão do empregador.
Homero Batista Mateus da Silva (2017, p. 74) afirma que as características da regulamentação do contrato de trabalho intermitente podem promover, de modo artificial, a queda dos índices de desemprego
sem que as pessoas tenham renda assegurada. Veiga (2018, p. 46-7), por
sua vez, ressalta que a dinâmica do trabalho intermitente fere o princípio
da continuidade do contrato de trabalho, sendo que o fato do trabalhador
somente receber salário pelas horas efetivamente laboradas, em conjunto
com a descontinuidade da prestação de serviços, implica uma situação
de imprevisibilidade, instabilidade e insegurança que impede o trabalhador intermitente de realizar planos e projetos pessoais e profissionais, sem
contar os efeitos físicos e mentais da expectativa e incerteza geradas na
espera do “chamado” do empregador.19 Diante disso, o autor avalia que
o contrato de trabalho intermitente não apenas transfere o risco da atividade econômica ao empregado, como também permite que as empresas tenham sempre mão de obra disponível sem nenhum custo adicional
(VEIGA, 2018, p. 49).
de trabalho, dentro do volume normal de atividade da empresa. II – É ilegal a substituição
de posto de trabalho regular ou permanente pela contratação sob a forma de trabalho
intermitente. III – O empregador não pode optar pelo contrato de trabalho intermitente
para, sob esse regime jurídico, adotar a escala móvel e variável da jornada. IV – Presente
a necessidade de trabalho intermitente, o empregado contratado na forma do art. 443, §
3º, da CLT tem direito subjetivo à convocação, sendo ilícita sua preterição ou a omissão
do empregador.
19
De acordo com a Lei nº 13.467/17, que institui o contrato intermitente de trabalho, a
prestação de serviços pelo empregado fica condicionada à convocação pelo empregador,
que o chamará ao trabalho, por qualquer meio de comunicação eficaz, com, no mínimo,
três dias corridos de antecedência (art. 452-A, §1º). O trabalhador poderá recusar o serviço no prazo de um dia útil, o que não descaracteriza a subordinação (art. 452-A, §§ 2º e
3º, CLT). Uma vez aceita a oferta, ao se descumprir o acordado, seja empregador ou empregado, incide a obrigação de pagamento de uma multa de 50% do valor da remuneração
prevista, permitida a compensação em igual prazo (art. 452-A, §4º).
64 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
De acordo com parágrafo 6º do artigo 452 da CLT, ao final de cada
período de prestação de serviço, o empregado contratado sob o regime de
trabalho intermitente receberá o pagamento imediato da remuneração,
das frações correspondentes às férias proporcionais com acréscimo de um
terço, do décimo terceiro salário proporcional, do repouso semanal remunerado e dos adicionais legais, a exemplo, segundo Luciano Martinez,
do adicional de horas extraordinárias se houver a extrapolação do limite
diário da oitava hora de trabalho e do adicional noturno, se o serviço for
prestado entre 22h e 5h da manhã do dia seguinte (2017, p. 122). Ao considerar que o rol do parágrafo 6º não exaure os direitos dos trabalhadores
intermitentes, Cassar e Borges (2017, p. 69) estendem a estes os benefícios garantidos aos empregados contínuos, como vale-transporte e salário
família.
Em relação à forma de regulamentação do pagamento das férias,
os autores constatam que o empregado intermitente gozará de férias sem
receber e receberá as férias muito antes do seu gozo (CASSAR; BORGES,
2017, p. 69). Em hermenêutica apurada, Homero Silva (2017, p. 76) considera que a criação da figura jurídica das férias gozadas não remuneradas
fere a norma prevista no inciso XVII do artigo 7º da Constituição que garante ao trabalhador o gozo de férias anuais remuneradas com acréscimo
de um terço.
Com isso, caso se opte por uma interpretação estritamente literal
dos dispositivos legais que regulamentam o contrato de trabalho intermitente, observa-se a alta plasticidade desta modalidade de contratação para
atender exclusivamente os interesses do empregador, na medida em que
os trabalhadores intermitentes não possuem jornadas prefixadas e nem
podem prever com precisão o valor da sua remuneração e quando eles
irão recebê-la. Deste modo, o empregador passa a ter a possibilidade de
exercer um controle ainda mais intenso da atividade laborativa, cabendo-lhe a faculdade de distribuir as horas de trabalho que o empregado
deverá cumprir. A opção de recusa de prestação de serviço, por sua vez,
nos moldes em que tal contrato fora regulamentado, visa encobrir a total submissão do trabalhador ao empregador sob um manto de uma autonomia ilusória, posto que não aceitar a convocação significaria para o
trabalhador o total alijamento dos meios de garantia de sua subsistência.
Assim, o empregado é obrigado a estar sempre à disposição, pois se não
há trabalho não há salário, abrindo-se o caminho para a invasão sem res-
A reforma trabalhista... • 65
trições dos tempos de trabalho nos tempos de não trabalho (DAL ROSSO,
2017, p. 75-76).
Ao passo que o trabalhador em trabalho intermitente poderá enfrentar longos períodos sem ser chamado ao trabalho e, por conseguinte,
sem receber salário, poderá da mesma forma se ver obrigado a se vincular
a múltiplos contratos, resultando em horas de labor excessivas. De todo
jeito, o contrato de trabalho intermitente obstaculiza o planejamento dos
tempos de trabalho e dos tempos de não trabalho, o que é agravado pela
mitigação do direito às férias remuneradas. Ademais, o contrato de trabalho intermitente tem potencial de fragmentar a classe trabalhadora, ao
produzir diferenças entre trabalhadores intermitentes e os submetidos a
jornadas normais numa mesma empresa, além de permitir a diluição do
convívio interpessoal pelo eventual distanciamento desses trabalhadores
do espaço de trabalho por longos períodos. As indeterminações, incertezas e inseguranças aos quais são expostos podem ser danosas às suas
relações interpessoais e à maneira como compreendem o trabalho e a si
próprios, acabando por despojá-los do controle de suas vidas e de seu
trabalho, deixando-os à deriva.
Como reação à instituição do contrato de trabalho intermitente,
quatro ações diretas de inconstitucionalidades (ADIs nº 5.806, 5.826, 5.829
e 5.950) foram propostas por entidades sindicais, com o objetivo de declarar a inconstitucionalidade dos dispositivos legais que regulamentam tal
modalidade contratual, sendo recebidas pelo Supremo Tribunal Federal
– STF e distribuídas para o mesmo relator, o ministro Edson Fachin. A
ADInº 5806-DF, por exemplo, ajuizada em 27 de outubro de 2017 pela
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Atividade Profissional
dos Empregados na Prestação de Serviços de Segurança Privada, de
Monitoramento, Ronda Motorizada e de Controle Eletroeletrônico e
Digital – CONTRASP argumenta que o contrato de trabalho intermitente
nos moldes em que foi regulamentado pela Lei nº 13.467/17 viola uma
série de normas constitucionais que asseguram direitos fundamentais aos
trabalhadores, como o salário mínimo, o décimo terceiro salário, as férias,
o FGTS, o repouso semanal remunerado e a aposentadoria.
Em relação ao mercado de trabalho, o Ministério do Trabalho
– MTb, por meio do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
– CAGED, vinculado ao Programa de Disseminação das Estatísticas do
Trabalho – PDET, tem produzido e divulgado dados sobre o contrato de
66 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
trabalho intermitente entre novembro de 2017 e outubro de 2018 que permitem a formulação de um quadro provisório sobre a utilização de tal
modalidade com base em critérios como o número de admissões e sua
divisão por gênero, faixa etária, escolaridade e setor da economia,20 conforme se demonstra pelos seguintes gráficos:21
Gráfico 01. Fonte: MTb – CAGED. Elaborado pelos autores.
Os dados do CAGED não utilizam o critério cor/raça para a análise dos números sobre
o mercado de trabalho, incluindo o contrato de trabalho intermitente.
21
Em relação aos dados do CAGED, é necessário fazer as seguintes observações: (i) é
possível que os números estejam subnotificados, pois a sua produção depende da postura
ativa das empresas em registrarem regularmente tais movimentações; (ii) adotou-se como
base as tabelas cujo acesso é imediato na página principal do referido cadastro, descartando-se, assim, as tabelas em que estão compreendidas as declarações feitas em atraso; (iii)
algumas inconsistências pontuais foram observadas na comparação dos relatórios mensais, porém, não foram levadas em conta em virtude da impossibilidade de se confirmar as
razões de sua ocorrência e de prejudicarem a análise de algumas variáveis que se fundam
nos dados fornecidos no próprio mês e que não são replicados no mês posterior.
20
A reforma trabalhista... • 67
Gráfico 02. Fonte: MTb – CAGED. Elaborado pelos autores.
Gráfico 03. Fonte: MTb – CAGED. Elaborado pelos autores.
68 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Gráfico 04. Fonte: MTb – CAGED. Elaborado pelos autores.
Gráfico 05. Fonte: MTb – CAGED. Elaborado pelos autores.
A reforma trabalhista... • 69
Diante da recente regulamentação do contrato de trabalho intermitente, os dados provenientes do CAGED ainda são insuficientes para a
definição de um perfil consolidado dos trabalhadores submetidos a este
regime de trabalho, assim como para uma conclusão sobre os impactos
deste novo modo de contratação no mercado de trabalho. Porém, algumas
observações podem ser feitas a partir da análise dos referidos dados no
sentido de revelar uma tendência em relação às características de utilização do trabalho intermitente até o momento.
Pesquisadores vinculados ao Grupo de Trabalho sobre Reforma
Trabalhista IE/CESIT/UNICAMP, ao examinarem o saldo de empregos a partir dos dados do CAGED entre novembro de 2017 e julho de
2018, constatam que somente 50.545 mil postos de empregos formais foram produzidos desde a vigência da Reforma Trabalhista, sendo 78,4%
destes referentes a contratos “atípicos”, como o de trabalho intermitente
(OLIVEIRA; SOUZA; VAZQUEZ, 2018). Quanto ao último, eles observam que os setores de comércio e serviços, caracterizados pela maior rotatividade e por menores salários, concentram 62% das admissões, o que sugere, segundo tais pesquisadores, que as medidas para a “modernização”
do mercado de trabalho têm incidido nas ocupações que já eram as mais
vulneráveis,22 reduzindo a qualidade dos empregos formais ofertados.
O perfil dos trabalhadores intermitentes, por sua vez, é formado
por homens, de até 49 anos, com ensino médio completo ou incompleto, contratados, sobretudo, para trabalhar nos referidos setores da economia, conforme as informações provenientes dos Gráficos 2, 3, 4 e 5.
Tal constatação, no entanto, em comparação com a análise dos dados dos
Censos Demográficos de 2000 e 2010 por Sadi Dal Rosso, não permite a
associação do uso do trabalho intermitente e a intensificação das formas
de discriminação por gênero, faixa etária e cor/raça, conforme conclusão apresentada pelo autor em seu estudo. Ainda assim, esses resultados
contribuem para a problematização do tema, pois abrem espaço para a
formulação de novas hipóteses.
Ademais, a adesão do empresariado em relação ao contrato de
trabalho intermitente é baixa (Gráfico 1),23revelando que o processo de
Os autores citam as seguintes ocupações: assistente de vendas, servente de obras, alimentador de linha de produção, faxineiro, vigilante e garçom.
23
Embora próprio gráfico 1 apresente uma recente tendência de crescimento da admissão
por meio do contrato de trabalho intermitente desde julho de 2018. Ainda que tal tendên22
70 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
formalização do emprego, um dos principais argumentos mobilizados
pelos documentos legislativos examinados em favor da reforma, não foi
impulsionado de forma expressiva por esta modalidade contratual até o
momento, assim como a redução dos índices de desemprego,24 mesmo
com as ponderações sobre os possíveis efeitos do trabalho intermitente
nos dados referentes ao mercado de trabalho apresentadas em um momento anterior pelas obras analisadas neste artigo.
Estas primeiras informações são ainda insuficientes para uma
conclusão definitiva sobre qual será o perfil dos trabalhadores submetidos a jornadas deste tipo. No entanto, a breve análise dos primeiros dados disponíveis, aliada ao exame das regras que estruturam o contrato
intermitente e suas jornadas flexíveis conforme interpretação literal da Lei
13.467/17 indica um potencial precarizante que guarda o trabalho intermitente. Um grupo de trabalhadores já marginalizado, cujas ocupações
são reconhecidamente mal remuneradas e cujos direitos têm sido, muito
antes da reforma, fortemente violados, parece ser agora arrastado, pela
intermitência, para condições de trabalho ainda mais precárias, com menos garantias sociais previstas em lei e salários ainda mais baixos, especialmente os trabalhadores jovens, de baixa escolaridade, em profissões
ligadas ao setor de serviços e comércio.
5. Conclusão
A regulamentação e a dinâmica do trabalho intermitente ferem
o princípio da continuidade do contrato de trabalho, sendo que o fato do
trabalhador somente receber salário pelas horas efetivamente laboradas,
em conjunto com a descontinuidade da prestação de serviços, implica
uma situação de imprevisibilidade, instabilidade e insegurança que impede o trabalhador intermitente de realizar planos e projetos pessoais e
cia não apresente números muito altos, é necessário aponta-la e acompanhar o comportamento do mercado de trabalho nos próximos meses.
24
Nos últimos meses, embora os índices de desemprego tenham recuado, esta mudança decorre primordialmente da expansão do trabalho informal, a saber: ALVARENGA,
Darlan; SILVEIRA, Daniel. Desemprego tem 7ª queda seguida, mas ainda atinge 12,4
milhões de pessoas, diz o IBGE, G1, 29 nov. 2018. Disponível em:<https://g1.globo.com/
economia/noticia/2018/11/29/desemprego-recua-para-117-em-outubro-mas-ainda-atinge-124-milhoes-de-pessoas-diz-ibge.ghtml>. Acesso em: 06 dez. 2018.
A reforma trabalhista... • 71
profissionais, sem contar os efeitos físicos e mentais da expectativa e da
incerteza quanto aos projetos de vida.
A precarização pela flexibilização mercantiliza o labor humano e
o próprio trabalhador, estimulando a propagação de contratos precários
e condições precárias de trabalho que contribuem para a segmentação da
classe trabalhadora e isolamento das mulheres e homens que trabalham.
A neutralização de formas de resistência coletiva e do próprio convívio
social abre espaço à derrogação de direitos e ao rebaixamento de salários,
lastreados na ideia de dispensabilidade dos trabalhadores, os quais são
abandonados à instabilidade e à insegurança. Somada à desregulamentação das garantias sociais do trabalho, a precarização produz desigualdades
e discriminações em nome da produtividade e do lucro.
De toda sorte, a (difícil) compatibilização do contrato intermitente e da jornada flexível com as demais regras e princípios contidos no ordenamento jurídico é um desafio para os juristas. Compreender os riscos
que a precarização do trabalho traz para a sociedade e para a conformação
dos indivíduos e de suas personalidades é o primeiro passo para limitar
sua aplicação, para afastar sua generalização por diversos setores e atividades e para interpretar as disposições normativas à luz da Constituição, das
Convenções Internacionais e das obrigações assumidas pelo país no âmbito da Corte Interamericana de Direitos Humanos, mormente em prestígio
aos princípios do não retrocesso e da progressividade dos direitos econômicos, sociais e culturais. Intermitência na prestação laboral não deve
corresponder à intermitência dos direitos e da remuneração, pois quem
vive do trabalho, deve viver apesar do não trabalho.
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Leis do Trabalho, e a Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974, para dispor
sobre eleições de representantes dos trabalhadores no local de trabalho
e sobre trabalho temporário, e dá outras providências”. Parecer proferido
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maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Disponível em<http://www.planalto.
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A reforma trabalhista... • 73
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A reforma trabalhista... • 75
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Fórum, 2018.
A reforma trabalhista... • 77
CONTRATO INTERMITENTE E SOBREAVISO:
SEMELHANÇAS, DISTINÇÕES E USO A FIM DE
RESGATAR A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
CONTRACT “JUST IN TIME” AND SURVEY:
SIMILARITIES, DISTINCTIONS AND USE TO PROTECT
THE DIGNITY ORF THE HUMAN PERSON
Helena Pontes dos Santos1
Resumo: Uma das figuras novas trazidas pela “reforma” trabalhista é o
contrato intermitente. Com origem no “zero hours contract”, foi introduzido no Brasil sem o devido debate público, bem como explicações sobre
sua funcionalidade. No entanto, considerando-se a justificativa, contida
no relatório apresentado pelo Deputado Rogério Marinho (2017), de que
“o trabalho prestado nessa modalidade contratual poderá ser descontínuo
para que possa atender a demandas específicas de determinados setores, a
exemplo dos setores de bares e restaurantes ou de turismo” algumas questões surgem: se o escopo era atender a demanda específica de setores que
têm variações previsíveis de serviços, era necessária a introdução dessa
figura alienígena ao ordenamento pátrio considerando-se as já elastecidas
relações de emprego permitidas pela Lei 6.019 desde 1974? se o objetivo
era atender a determinado setor, não deveria, no bojo da regulamentação,
estar restrita a essas atividades econômicas o uso do polêmico e precarizante do contrato, reafirmando sua condição de exceção? se o que se tem
é necessidade de extranumerário para atender a necessidade de execu1
Bacharela em direito, estudante do curso de especialização em Direito do Trabalho na
FDUSP e membra do GPTC/USP (Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital). E-mail: helena.
pontes3103@gmail.com
In: ANTUNES, Daniela Muradas; NICOLI, Pedro Augusto Gravatá; RODARTE, Wanessa
Susan de Oliveira (org.).A reforma trabalhista e o direito individual do trabalho: dos
retrocessos às resistências. 1ª edição. Belo Horizonte: Initia Via, 2019 (Anais do IV
Encontro da RENAPEDTS, vol. 2). ISBN: 978-85-9547-079-8. DOI: 10.17931/95470798/
v2a03.
78 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
tarem serviços imprevistos ou para substituições de outros empregados
que faltem à escala, por que não se ampliou a utilização do empregado
em sobreaviso do serviço ferroviário para tais setores necessitados desse
tipo de mão de obra? Destarte, o objetivo desse artigo é, essencialmente,
comparar as duas figuras que nos parecem tão similares e antagônicas:
contrato intermitente e sobreaviso.
Palavras-chave: Reforma
Contrato intermitente.
trabalhista;
Neoliberalismo;
Sobreaviso;
Abstract: One of the new figures brought about by labor “reform” is the
intermittent contract. Based on zero hours contract, it was introduced in
Brazil without due public debate, as well as explanations about its functionality. However, considering the justification contained in the report
presented by Mr Rogério Marinho, that “the work provided in this contractual modality may be discontinuous in order to meet the specific demands of certain sectors, such as bars and restaurants or some questions
arise: if the scope was to meet the specific demand of sectors that have
predictable variations in services, was it necessary to introduce this alien
figure into the national order, considering the already established employment relationships permitted by Law 6.019 since 1974? if it was intended
to serve a particular sector, should it not be restricted to these economic
activities to use the controversial and precarious contract, reaffirming its
condition of exception? if it is necessary, it is superfluous to meet the need
to perform unforeseen services or to replace other employees who are
lacking in scale, why the use of the employee on notice of the railway service to such sectors in need of this type of hand of work. Thus, the purpose
of this article is essentially to compare the two figures that seem to us so
similar and antagonistic: intermittent contract and warning.
Keywords: Labor reform; Neoliberalism; Warning; Contracts “just in
time”.
*
A reforma trabalhista... • 79
1. Introdução
O contrato intermitente é figura estrangeira, trazida com a “reforma” para dentro do ordenamento trabalhista brasileiro quando nem
em seu lugar de origem é vista com bons olhos ou demonstrou trazer os
resultados prometidos: geração de novos postos de trabalho e segurança
jurídica.
Em matéria que trata do contrato zero horas inglês, nos traz a
seguinte colocação de Alice Martin,
Normalmente são mulheres, jovens e estrangeiros (os que trabalham neste
sistema). As pesquisas mostram que a essas pessoas é vendida a promessa
de maior flexibilidade no horário de trabalho, mas que, aos poucos, elas
vão percebendo que é uma falsa promessa. Porque um em cada três trabalhadores em contract zero reclamam de falta de tempo para si, o que não
acontece com aqueles que são empregados com contrato e vínculo. O que
nós estamos discutindo é que, para além da quantidade de pessoas empregadas, precisamos dar conta também da qualidade de vida dessas pessoas
(GONZALEZ, 2018).
O que se deve ter como alvo no que tange a políticas públicas
de geração de emprego é, acima de tudo, o pleno emprego e não as estatísticas positivas que passam a inserir contratos de trabalho precários
como se de empregos formais fossem- capazes de garantir o mínimo de
estabilidade e dignidade à classe geradora de riquezas –, afinal esse tipo
de condução irresponsável causa sérios danos a toda a sociedade, como se
pretende expor.
Ainda assim, como é sabido, foi introduzido à força, sem o longo, intenso e profundo debate prévio, no mínimo quadripartite (Estado,
trabalhadores ativos, empregadores e aposentados) imprescindível e que
se esperaria vivendo a normalidade do Estado Democrático de Direito
anunciado quando da promulgação da Constituição de 1988 e mantido,
ainda que tenhamos crítica a sua efetividade, sem que se colocasse em
dúvida até meados de 2015.
Passamos, pois, a analisar essa hedionda formatação de contrato
que é o intermitente, tendo por norte primeiramente a dignidade da pessoa humana - que deve ser protegida acima e antes de tudo pelo ordenamento jurídico.
80 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
De outro lado, figuras já conhecidas como o extranumerário, o
sobreaviso e a prontidão dos ferroviários, existentes há muitos anos na
legislação pátria que preservam as garantias constitucionais previstas às
pessoas trabalhadoras ao passo que resolvem o problema de excesso de
demanda e sazonalidade que a certas atividades econômicas é intrínseca
desonerando, em parte, a classe patronal sem que isso signifique lançar o
outro polo ao estado de penúria e vida consumida pela exaustão e espera2.
2. Desenvolvimento
Consigo um emprego, começa o emprego, me mato de tanto ralar
Acordo bem cedo, não tenho sossego nem tempo pra raciocinar
Não peço arrego, mas onde que eu chego se eu fico no mesmo lugar?
Brinquedo que o filho me pede, não tenho dinheiro pra dar!
Escola! Esmola!
Favela, cadeia!
Sem terra, enterra!
Sem renda, se renda!
(Gabriel, o Pensador)
Define-se esse contrato de trabalho em seu nascedouro, o Reino
Unido, como sendo o contrato de trabalho em que “eles (trabalhadores)
estão de plantão para trabalhar quando você (empresário) precisar deles;
você não tem que lhes dar trabalho; eles não têm de trabalhar quando solicitado” (MAEDA, 2017, p.113). Aí, o governo britânico ergue o véu ideológico para demonstrar com quem dialoga, quem lhe é próximo, a quem
serve – você, “amigo” empresário. Eles somos nós, pessoas trabalhadoras.
Ou seja, é a ideia de que há liberdade contratual, que nós sabemos
que não existe, no contrato de trabalho, porque quem tem a necessidade
de vender a sua força de trabalho não tem liberdade nenhuma. Que liberdade que há se as escolhas são aceitar as condições ou passar fome, afinal?
Portanto é tido como relação de emprego pela nova “lei” esse tipo
de contrato precário em que a eventualidade estaria presente, o trabalhador não teria o mínimo para subsistir assegurado, no qual não se vê garanO despertar da curiosidade para escrever esse artigo e surgiu graças a apresentação de
seminário sobre Trabalho Intermitente, na matéria Direito Individual do Trabalho I, em
aula ministrada pelo Dr. Paulo Eduardo Vieira de Oliveira, no curso de Especialização em
Direito do Trabalho, realizado pelas colegas de turma Elisa Maria Secco Andreoni, Iasmin
Pereira Góis, Mariana Moraes Vieira e Patrícia Soares Nicolini de Deus.
2
A reforma trabalhista... • 81
tido o pleno emprego e o risco do empreendimento é transferido à parte
obreira.
O que se observa ao estudar esse contrato é que, não fosse a própria “reforma” trabalhista toda imprestável por inconstitucional, ainda assim, seria verdadeiramente impossível, sem lançar mão de sofismas, a sua
implementação nesta parte. Neste assunto, contraria diversos princípios,
como o da proteção, da continuidade da relação de trabalho, do trabalho
decente, da dignidade da pessoa humana, da interpretação conforme a
constituição, da cidadania, do valor social do trabalho e do pleno emprego e o da vedação ao retrocesso social - principal pilar constitucional dos
direitos sociais.
Ao contrário de argumentos que defendem que “a necessidade do
reconhecimento e regulação de novas formas de relação de trabalho se
apresenta de qualquer forma, como uma modificação necessária, porque
a lei posta não alcança razoavelmente a realidade”, como Giredau (2018,
p. 69), pergunta-se: que nova forma de relação de trabalho é essa? Estamos
diante, tão simplesmente, na elevação do “bico” à qualidade de relação de
emprego para virar estatística positiva para um governo temerário, nada
além. Como nos lembra o Professor Jorge Luiz Souto Maior (2018) “é pão
com carne”! Não há nada de novo no contrato intermitente.
A definição apresentada pelo governo britânico para o contrato
intermitente, no entanto, revela muito e demonstra a nós, que agora enfrentamos essa terrível realidade, que 1) o contrato só traz vantagem para
um dos lados pois foi criado para favorecê-lo, ultraflexibilizando jornada
de trabalho; 2) o trabalhador fica a disposição do empregado aguardando
ser chamado para trabalhar quando aquele precisar, sem qualquer contrapartida; 3) considerando-se que o risco do negócio segue sendo do empregador, é ilegal e devem ser nulificados os atos praticados com o escopo
de desvirtuar ou fraudar os dispositivos da CLT, nos termos de seu artigo
9º, como o contrato em tela.
A realidade é que, por mais que o legislador brasileiro e os empregadores não aceitem, o contrato intermitente é inconstitucional pois
contraria os incisos II (seguro-desemprego), IV (salário mínimo), VII
(garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável), dentre outros e, principalmente, o trazido no caput
do art. 7º da CRFB, a vedação ao retrocesso social. Os Direitos Sociais,
82 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
nunca é muito lembrar e repetir o óbvio nesses nossos dias, pertence ao
título Dos Direitos e Garantias Fundamentais.
Devendo ser pactuado necessariamente por escrito, contento o
valor da hora de trabalho, ao contrário do que ocorre em países como
Espanha, Portugal e Itália, não apresenta qualquer grande limitação seja
quanto aos setores em que seriam permitidas esse tipo de contratação, seja
à idade de quem se contrata, seja ao tempo de contrato – tanto duração
propriamente dita quanto ao tempo que a empresa poderá fazer uso deste,
seja a proibição de chamada de trabalhadores intermitentes em período
de greve dos empregados efetivos.
Isso porque, se como expõe o empresariado brasileiro através
de seu representante, o Deputado Rogério Marinho, “o trabalho prestado nessa modalidade contratual poderá ser descontínuo para que possa
atender a demandas específicas de determinados setores, a exemplo dos
setores de bares e restaurantes ou de turismo” parece um enorme descuido, que a doutrina deveria corrigir não fosse a total imprestabilidade da
reforma, que só os aeronautas estejam excluídos desse tipo de jornada e
que a mesma não seja limitada a setores que efetivamente têm variações
de demanda.
Na educação, por exemplo, deveria ser, por lógica, proibido tal
contrato já que não se pode acreditar em aumento repentino de quantidade de aulas que permitisse a contratação de professores (que habitualmente já não são pagos pelo período de preparo de aulas, correção de provas
e trabalhos, mas tão somente pelo período em que se encontram dentro
da sala de aula), visto que não se trata de uma atividade sazonal ou com
grande variação da quantidade de serviços (MAEDA, 2017, p.120).
Ao expor uma coisa e legislar de outro modo, ou ao falar publicamente algo que se sabe não condizer com o que se procura aprovar, como
foi o caso, esconde o horrendo intuito de parte do empresariado - que
de nacional pouco tem visto sua ausência de compromisso com qualquer
projeto de nação e, ainda, por aqui não manterem os valores subtraídos
da ultra-exploração a que é submetida a classe trabalhadora (GOEKING,
2018)– de colocar a classe trabalhadora em condição instável seja pela
falta de uma jornada determinada ou remuneração pré-fixada.
Parece surreal que tenhamos hoje que vir a defender algo que é
garantido constitucionalmente a todos os membros da classe trabalhadora, o salário mínimo, e uma jornada quando o que deveria se estar deba-
A reforma trabalhista... • 83
tendo é a falta de efetividade tanto da promessa de um salário mínimo que
garanta uma vida digna ao trabalhador e sua família, quanto a diminuição
da jornada de trabalho de 8 horas diárias e 44 horas semanais para patamares verdadeiramente civilizatórios que permitissem que trabalhadores
e trabalhadoras se envolvessem na educação e cuidado de seus filhos, no
seus desenvolvimentos intelectual e cultural e na prática necessária, por
revigorante e imprescindível a condição humana, de socialização real,
em contraposição a esta - forçada e virtual - através de redes sociais e
WhatsApp.
Como pontua Maurício Godinho Delgado, o objetivo é afastar e
restringir ao trabalhador o acesso às normas de ordem pública que se referem a jornada de trabalho e ao salário mínimo “colocando o trabalhador
em situação de profunda insegurança, quer quanto à efetiva duração do
trabalho, quer quanto à sua efetiva remuneração” (DELGADO, 2018, p.
668).
Segundo Alex J. Wood e Brendam Burchell, em análise à realidade
do zero-hours contract inglês, o maior problema desse tipo de contrato é a
falta de previsibilidade de quantas horas se irá trabalhar naquele mês pois
isso gera nas pessoas trabalhadores ansiedade, estresse e falta de possibilidade de planejamento da vida pessoal, como de horas de lazer, estudos e
sociabilização (WOOD; BURCHELL apud MAEDA, 2017. p. 117).
Além disso, considerando-se que apesar de a recusa do empregado não ser tida como ato de insubordinação, mantendo-se o contrato de
emprego, sabemos que dificilmente o empregador chamará ao empregado
que recusar qualquer chamado uma vez sequer. Deste modo, a liberdade
que o empregado tem de prestar serviço para vários empregadores demonstra-se falaciosa pois se mantiver com vários empregadores relação
de empregado intermitente, fatalmente falhará com algum que o deixará
de chamar futuramente. Deste modo, faticamente, o empregado manterá
esse contrato com um empregador, na ansiedade de não perder oportunidade de trabalho.
Esse empregador, no entanto, terá se livrado do pagamento de
várias parcelas como o trabalho em feriados, intervalos intra e interjornada, repouso semanal remunerado, bem como tempo a disposição da
parte contratante. Não há de esquecer que isso reflete negativamente na
arrecadação da Receita Federal, considerando a natureza salarial de certas
verbas.
84 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Ademais, por meio da rigorosa correlação que fixa entre o estrito trabalho prestado e o estrito salário devido, não só viabiliza eliminar (ou restringir) diversas parcelas e garantias inerentes à contratação empregatícia
padrão, tais como, por exemplo, tempo à disposição, intervalos intra e
interjornadas, descansos semanais remunerados, descansos em feriados
(DELGADO, 2018, p. 668).
Deste modo, sendo absolutamente inconstitucional uma relação
de emprego em que se receba menos do que o salário mínimo, poder-se-ia aplicar as regras do sobreaviso aos possíveis contratos de emprego
realizados sob essa máscara terrível que é o contrato intermitente, com o
fito de restituir o respeito a princípios tão caros ao Estado Democrático
de Direito como o Princípio da Interpretação conforme a Constituição,
Cidadania e Dignidade da Pessoa Humana, do Valor Social do Trabalho e
do Pleno Emprego, bem como da Vedação do Retrocesso Social.
No que se refere a dignidade da pessoa humana, define Ingo
Wolgang Sarlet (2001, p. 60)
Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva
de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido,
um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa
tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como
venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida
saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos.
2.1. Mulheres, negras, negros e jovens
O contrato intermitente, não se pode deixar de pontuar, acaba
atingindo em especial jovens, negras, negros e mulheres. Eram já estes a maioria dos que viviam de “bicos” e vivem de trabalho informais
(VALENTE, 2018) e, desse modo, o que temos são os mesmos alvos sendo
atingidos pela mesma munição só que dessa vez com um outro nome.
Na pesquisa que saiu dia 13/09/2018 no site Brasil Debate
(VASQUEZ, 2018), se verifica quem são as categorias em que cresceu a
contratação intermitente, verifica-se que são assistente de vendas, serven-
A reforma trabalhista... • 85
tes de obras, alimentador de linha de produção, faxineiro, vigilante e garçom. Parece, considerando esses dados, que pouco se modificou no que se
refere a perfil do trabalhador intermitente verificado em pesquisa datada
de novembro de 2017(TOMAZELLI, 2018): continuam a ser formado por
uma maioria mulheres, negros e jovens devido, a baixa remuneração.
Toda vez que verificamos uma ideia nova, é essencial como Bertolt
Brecht (1990, p.199) alerta em trecho do coro “Elogio do Revolucionário”, que
se pergunte: “A quem serve essa ideia?”. Definitivamente o contrato intermitente não serve à classe trabalhadora, a nenhuma parte da classe trabalhadora e todo discurso que se coloca nesse sentido, em especial de que
ele favorece, de que é benéfico para as mulheres deve ser efetivamente
contradito; deve ser efetivamente refutado pois não é uma realidade, não
é uma verdade.
Tomando, a título de amostragem as mulheres, estas não precisam de trabalhos a tempo parcial ou contratos intermitentes para terem
mais tempo para ficarem com seus filhos e se dedicarem ao trabalho doméstico gratuito. O que as mulheres trabalhadoras precisam é de creches,
restaurantes e lavanderias públicas para que possam trabalhar e esse seu
trabalho passe a ser feito de modo profissional e não gratuito.
Todo trabalhador deve ter direito ao trabalho digno, que lhe garanta possibilidade de existência digna e plena. Toda figura que relativiza
isso, em verdade, por mais flores que venha, não favorece.
Ele vem simplesmente para precarizar ainda mais os parcos postos de trabalhos que são oferecidos para negras, negros, mulheres e jovens
no Brasil (mas não só).
2.2. Extranumerário, sobreaviso e prontidão: a dignidade da
pessoa humana salvaguardada
Entende-se que, de fato, há algumas empresas que necessitam
dessa flexibilidade, como consta da justificativa, inclusive, do relator da
Reforma Trabalhista, de que setores como o de hotelaria, bares e restaurantes. Para esse necessidade, no entanto, nós já temos alternativas dentro
da legislação trabalhista pré “reforma”.
Para tanto é essencial que compreenda-se a potencialidade das
figuras do sobreaviso, prontidão e do extranumerário previsto na CLT,
86 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
no art, 244, relacionadas ao ferroviário e que podem ser estendidas para
outras categorias em que se subdivide a classe trabalhadora.
Os extranumerários não são trabalhadores empregados, mas são
trabalhadores em vias de serem contratados e que, portanto, podem prestar serviços no formato de prontidão para o empregador.
Já o serviço em jornada de sobreaviso, devem ser prestado por
pessoas que sejam empregadas efetivas do empregador.
A diferença do sobreaviso para a prontidão é que nesta o empregado fica 12 horas a disposição do empregador dentro do seu estabelecimento, enquanto o que está em sobreaviso fica em sua residência aguardando ser chamado – quando necessário - pelo empregador.
Essas três figuras resolvem de modo equânime a equação que se
impõe entre a garantia do mínimo existencial e a necessidade de alguns
setores empresariais, por conta da atividade que desenvolvem, de que haja
alguma flexibilidade maior, sem que isso resulte em considerável subtração de direitos da parte obreira.
3. Considerações finais
Não é possível, pois, que considerando a história recente da humanidade e, principalmente, a vergonhosa história brasileira de escravidão, voltaremos a deixar de colocar o ser humano como valor central
da sociedade, do ordenamento jurídico e, contrariando a Convenção da
Filadélfia, trataremos o trabalho humano como mera mercadoria.
Virado ao contrário o Direito do Trabalho, passará a ser o Direito
do Empresário, como nos lembra o Professor Marcio Tulio Viana(2018).
Regular relações de trabalho precárias para as vestir com o manto
de legalidade do pleno emprego não dará resultado distinto que o observado na fábula do “Rei nu”. Recusar-se a fazer parte do coro dos que
elogiam a bela capa nova do rei é medida de que impõe, tanto quando a de
não aceitar o contrato de trabalho intermitente como relação de emprego.
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A reforma trabalhista... • 87
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direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1145/1078. Acesso
em 10/07/2018.
A reforma trabalhista... • 89
BURNOUT: OS IMPACTOS DA REFORMA TRABALHISTA
NO CONTEXTO DA CONTRARREFORMA PSIQUIÁTRICA
BURNOUT: THE IMPACTS OF BRAZILIAN LABOR REFORM
IN THE PSYCHIATRIC COUNTER-REFORMATION CONTEXT
Vinícius Alexander Gimenes Cidral1
Resumo: Em 1990, a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e
a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgaram a Declaração de
Caracas, que propôs a reestruturação da assistência psiquiátrica nos países latino-americanos. Onze anos depois, é aprovada a Lei Federal 10.216
que assegura a proteção e os direitos das pessoas em tratamento. Da legislação em questão, origina-se a Política de Saúde Mental a qual, em suma,
visa garantir o cuidado através de serviços substitutivos e laicos. Em 2017,
o então coordenador nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas
do Ministério da Saúde, Quirino Cordeiro, defendeu a expansão de leitos
em hospitais psiquiátricos e um iminente retorno ao modelo manicomial.
A defesa se dá em um contexto de robustos cortes orçamentários por meio
de portarias ministeriais às políticas alternativas. Concomitantemente,
tem-se a Reforma Trabalhista. Segundo dados da OMS, somente a depressão afeta cerca de 340 milhões de pessoas e causa 850 mil suicídios
por ano em todo o mundo. No Brasil, são cerca de 13 milhões de depressivos. Atualmente, a depressão é apontada como a quinta maior questão
Graduando (2015/2019) do curso de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR),
membro do Grupo de Pesquisa Clínica de Direitos Fundamentais (CDT-UFPR) - Trabalho
e Direitos, sob coordenação do Sidnei Machado. Membro do NUDT-UFPR (Núcleo
Discente de Direito do Trabalho da UFPR) e estagiário do MPT-PR. Email: viniciusgcidral@gmail.com
1
In: ANTUNES, Daniela Muradas; NICOLI, Pedro Augusto Gravatá; RODARTE, Wanessa
Susan de Oliveira (org.).A reforma trabalhista e o direito individual do trabalho: dos
retrocessos às resistências. 1ª edição. Belo Horizonte: Initia Via, 2019 (Anais do IV
Encontro da RENAPEDTS, vol. 2). ISBN: 978-85-9547-079-8. DOI: 10.17931/95470798/
v2a04.
90 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
de saúde pública pela OMS. Em 2020, alçará o segundo lugar, sendo a
patologia que mais incapacita para o trabalho. É notório que o ambiente
laboral tem profunda ligação com a saúde mental dos trabalhadores que
o vivenciam. Diante disso, o intuito do presente trabalho é situar o trabalhador tanto no contexto reformista quanto contrarreformista e delinear,
ainda que timidamente, o grave problema de saúde pública que surge da
junção de ambos.
Palavras-chave: Reforma Trabalhista; Contrarreforma Psiquiátrica; Saúde
Mental; Saúde Pública; Classe Trabalhadora; Direito à Saúde.
Abstract: In 1990, the Pan American Health Organization (PAHO) and
the World Health Organization (WHO) issued the Caracas Declaration,
which proposes a reform in psychiatric care in Latin American countries. Eleven years later, a Federal Law was edited to protect people in
treatment. Based on these legislation, a political subject health care was
created to ensure the care through secular and substitutive services. In
2017, the national coordinator of Mental Health, Alcohol and other
Drugs of the Ministry of Health, Quirino Cordeiro, defended the expansion of psychiatric health systems and an imminent return to the asylum
model. Concomitantly, there is a Brazilian Labor Reform. According do
WHO data, only depression is a several problem to 340 million people
and causes 850 thousand suicides a year in the world. In Brazil, there are
about 13 million depressives. In 2020, it will award the second most dangerous public health problem position, appearing as the pathology that
more incapacitates for work. It is evident that the work environment has
a deep connection with the mental health of the workers who experience
it. Therefore, the intention of the present article is to situate the worker in
the labor reform and psychiatric counter-reformation and delineate the
serious public health problem that arises from the combination of both.
Key words: Labor Reform; Psychiatric Counter-Reformation; Mental
Health; Public Health; Working Class; Right to Health.
*
A reforma trabalhista... • 91
1. Introdução
A complexidade atinente ao tema da saúde mental advém, sobretudo, da zona limítrofe em que se encontra. Se, por um lado, o sujeito é o
objeto em análise, por outro, os processos de subjetivação que o caracterizam são, também, resultado da assimilação individual não voluntária dos
discursos hegemônicos que o atravessam e das condições sociais em que
se encontra. Nesse sentido, transtornos mentais delineiam um desajuste
entre a autopercepção do sujeito e sua identidade social, com consequências psicossociais e psicossomáticas ao indivíduo que, em larga escala,
viram força motriz de um problema conjuntural.
No ambiente laboral, o tecnicismo das relações de trabalho apregoa um aspecto objetivo na avaliação do sujeito que trabalha. Assim, nas
relações de trabalho ali existentes, quando o aspecto substancial da vida
do sujeito não é considerado, ocorre a gradual supressão da perspectiva
autoperceptiva. A consequência direta é a dissonância entre a autorrealização e a realização profissional. Nesse sentido, Christophe Dejours,
médico do trabalho, doutor em Medicina e membro da “L’Association
Psychanalytique de France”, cunhou o termo psicodinâmica do trabalho
para tratar dessa relação. Em seus escritos e entrevistas, analisa as relações sujeito-trabalho que possuem o sofrimento como cerne de possíveis
descompensações psicossomáticas. A tese adotada por ele é a da centralidade do trabalho, caracterizando o exercício da atividade laboral como
elemento constitutivo do conflito entre organização do trabalho e funcionamento psíquico, para além dos limites do causalismo. A psicodinâmica
do trabalho é gênero do qual a psicopatologia do trabalho é espécie e ambas
são cunhadas pelo médico filósofo para explorar o caráter potencialmente
patogênico do trabalho.
Segundo dados da OMS, somente a depressão afeta cerca de 322
milhões de pessoas (OMS, 2017, p. 8). e causa aproximadamente 788 mil
suicídios por ano em todo o mundo. (OMS, 2017, p. 21). No Brasil, são
cerca de 11,5 milhões de depressivos. (OMS, 2017, p. 18) Atualmente, a
depressão é apontada pela mesma organização como a patologia que mais
incapacita para o trabalho. (OPAS, 2017). Diante do quadro gravíssimo
em que se inserem os temas de saúde mental e relação de trabalho, sejam
correlacionados, sejam considerados isoladamente, figura como dever de
países sob o regime do Estado Democrático de Direito promover políticas
92 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
públicas com o intuito de humanizar tanto as relações de trabalho quanto
o trato de saúde mental, vez que a dignidade da pessoa humana é princípio basilar da CF88.
Nesse sentido, dois anos após a promulgação da Constituição
de 88, a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e a Organização
Mundial da Saúde (OMS) divulgaram um documento intitulado: A reestruturação da atenção psiquiátrica na América Latina: uma nova política
para os serviços de Saúde Mental, que ficou conhecido como a Declaração
de Caracas e teve o Brasil como público-alvo. O documento, na prática,
forneceu o aval institucional e justificativa ideológica para os movimentos
de reforma psiquiátrica latino-americanos. Os reformistas perceberam o
fracasso do modelo manicomial no continente e buscaram soluções técnicas para além do hospitalocentrismo. O modelo assistencial entende a
saúde mental do indivíduo como consequencial à realidade em que se
insere, culminando com manifestações metabólicas. Nessa perspectiva, o
internamento é extremamente prejudicial, pois figura simplesmente como
demonstração do poder psiquiátrico, fugindo dos reais motivos que ocasionam as doenças mentais. É preciso entender as causas sociais que desencadeiam o desajuste psicossomático e tratá-las, também, por meio de
políticas públicas assistenciais.
Ocorre que, em 2017, o então coordenador nacional de Saúde
Mental, Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde, Quirino Cordeiro,
defendeu o retorno ao modelo manicomial enfatizando a necessidade de
expandir leitos em hospitais psiquiátricos. Muito embora a afirmação expresse um plano de governo e não, necessariamente, de Estado, ela se situa em um contexto político-jurídico de retirada de direitos e retrocessos
sociais. Assim, o retorno ao modelo manicomial é um perigo iminente,
cujas consequências se mostram devastadoras.
A Lei 13.467/17, conhecida como Reforma Trabalhista, aliada à
Lei da Terceirização e o acórdão do STF que reconhece a constitucionalidade da terceirização da atividade-fim são as principais expressões do
retrocesso no tocante às relações de trabalho. Na prática, o rearranjo legislativo figura como um câncer em metástase no caráter protetivo do direito
do trabalho, conferindo total insegurança jurídica ao trabalhador o que,
por si só, já afeta significativamente sua saúde mental. As mudanças na
jornada e no meio ambiente do trabalho são as mais significativas e prejudiciais à saúde mental.
A reforma trabalhista... • 93
Retomando o médico francês, ao falar sobre a exploração do trabalhador no período pós-guerra, aduz que, em um primeiro momento,
é “como se os mecanismos invisíveis da exploração exigissem, para serem evidenciados, uma demonstração dos seus efeitos visíveis no corpo”
(DEJOURS, 1987, p. 21) Para ele, “tudo se daria como se as condições de
trabalho nocivas só atingissem o corpo após tê-lo submetido, domesticado e adestrado como a um cavalo de tração. Docilidade que, como vamos ver, depende de uma estratégia inicialmente concernente ao aparelho
mental, para dele anular as resistências que ele opõe, espontaneamente, à
exploração” (DEJOURS, 1987, p. 21).
Essa submissão, domesticação e adestramento prévios do corpo
bem como a posterior tentativa de anulação das estratégias mentais espontâneas de resistência do corpo frente à exploração são estratégias de
biopoder. Em larga escala, esse controle é exercido na dinâmica das populações pelo próprio Estado através de suas próprias instituições como o
cárcere e manicômio.
Diante do panorama estabelecido, o intuito do presente artigo é
situar o trabalhador tanto na psicodinâmica do trabalho, como um sujeito
que resiste a um ambiente potencialmente psicopatológico, quanto na dinâmica biopolítica, existindo como alvo de estratégias estatais de controle.
Nesse cenário, a reforma trabalhista figura como um instrumento jurídico
perigoso, dado que muitos dispositivos inseridos ao ordenamento e o arranjo político-jurídico que se formou em torno das alterações favorecem
um cenário de precarização do trabalho e aumenta a vulnerabilidade do
trabalhador, sobretudo em seu aspecto mental. A situação se apresenta
mais grave quando os principais órgãos internacionais de proteção à saúde e de combate a precarização do trabalho, isto é, a OMS e a OIT demonstram veemente preocupação, respectivamente, com a depressão, que
já é considerada a principal causa de problemas de saúde e incapacidade
em todo o mundo e com a precarização do trabalho no Brasil.
2. Política de saúde mental brasileira: uma breve análise
O processo de Reforma Psiquiátrica tem início, no Brasil, nos
anos 70. As proposições reformistas ocorrem no contexto de eclosão do
“movimento sanitário” que tinha como intuito substituir o modelo manicomial por modelos de atenção e gestão nas práticas de saúde, com o
94 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
intuito de defender a saúde coletiva e dar protagonismo, nos processos de
gestão e produção de tecnologias de cuidado, aos próprios trabalhadores
e usuários dos serviços de saúde.
Ainda que se situe, também, no aduzido contexto pátrio, o processo reformista brasileiro faz parte de um front internacional de reformas institucionais com o intuito de superar a violência asilar. Nos anos
finais da década de 70, de um lado, restava evidente o fracasso do modelo
centrado no hospital psiquiátrico e, de outro, a crise impulsionava a proposição de modelos assistenciais alternativos por movimentos sociais de
diversas sortes, aglutinados pela defesa dos direitos de pacientes psiquiátricos. Diante disso, a reforma psiquiátrica se mostra como um processo
político complexo, cujos atores sociais extrapolam as instituições estatais
que participaram do processo de edição de leis e institucionalização de
políticas governamentais.
É preciso entender a reforma como um processo de irradiação extrainstitucional. As alterações atingiram as esferas federal, estadual e municipal seja nos meios acadêmicos, seja nas associações de cuidado tanto
ao sujeito com desajustes psicossomáticos aos familiares, nos conselhos
profissionais, nos serviços de saúde privados e em movimentos sociais no
geral. O intuito era adentrar nas esferas do imaginário social e da opinião
pública. Assim, o movimento reformista deve ser assimilado como um
conjunto de transformações de saberes, valores culturais e sociais, que impulsionaram práticas humanizadas. É no seio do cotidiano institucional,
da prestação alternativa de serviços e da rede de relações interpessoais
que a Reforma psiquiatra ganha corpo – ou corpos – e procura avançar, a
despeito dos desafios inerentes a sua implementação.
A crítica ao modelo hospitalocêntrico toma contornos efetivos em 1978, quando surge o Movimento dos Trabalhadores em Saúde
Mental (MTSM). O movimento consistia na junção pragmática de trabalhadores integrantes do movimento sanitário, sindicalistas, associações
de familiares, membros de associações de profissionais e indivíduos com
vasto histórico de internações psiquiátricas. O front, por meio de diversos campos de luta, protagoniza a construção do caminho reformista por
meio de incessantes manifestações contrárias à violência para com os internos manicomiais em decorrência do poder psiquiátrico; o estigma do
paciente psiquiátrico e a denúncia da mercantilização da loucura, sobretudo em virtude da hegemonia de uma rede privada de tratamento aos
A reforma trabalhista... • 95
“anormais”. Desse modo, a superação do modelo alvo de críticas só poderia ser feita mediante construção coletiva. (BRASIL. Ministério da Saúde.
Secretaria de Atenção à Saúde. Coordenação Geral de Saúde Mental e
Outras Drogas. Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil.
Documento apresentado à Conferência Regional de Reforma dos Serviços
de Saúde Mental: 15 anos depois de Caracas. Brasília: OPAS, 2005)
A inspiração desinstitucionalizadora no tocante à psiquiatria
veio, sobretudo, da experiência italiana. O viés veementemente crítico às
instituições psiquiátricas e a ascensão das críticas ao manicômio no país
proporcionaram, ao movimento reformista brasileiro, a ruptura paradigmática. Nesse sentido, a Colônia Juliano Moreira, asilo situado no Rio
de Janeiro que contava com mais de 2.000 internos no início dos anos
80 passa a ser alvo de severas críticas. Há o surgimento das primeiras
propostas e ações para a reorientação da assistência. Em 1987 é realizada
a I Conferência Nacional de Saúde Mental, também no Rio de Janeiro.
Concomitantemente, o II Congresso Nacional do MTSM, realizado em
Bauru, São Paulo adota o lema “Por uma sociedade sem manicômios”.
Na época, o maior manicômio pátrio, o Hospital Colônia, de Barbacena
(MG), matou mais de 60 mil pessoas e vendia os corpos para faculdades
de medicina do País – tema do livro “Holocausto Brasileiro”, da jornalista
Daniela Arbex. (BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. MINISTÉRIO DA
JUSTIÇA. Reforma Psiquiátrica e Manicômios Judiciários: Relatório Final
do Seminário Nacional para a Reorientação dos Hospitais de Custódia e
Tratamento Psiquiátrico. Brasília, Ministério da Saúde, 2002).
O processo de desinstitucionalização, então, segue propondo a
redução de leitos e a avaliação anual dos hospitais como forma de impulsionar a reforma e quantificar os abusos que ocorria em seu interior. A
principal estratégia era a da redução progressiva dos hospitais de grande
porte. Foi criado, então, o Programa Nacional de Avaliação do Sistema
Hospitalar/Psiquiatria (PNASH/Psiquiatria), o Programa Anual de
Reestruturação da Assistência Hospitalar Psiquiátrica no SUS (PRH), o
Programa de Volta para Casa e a expansão de serviços como os Centros de
Atenção Psicossocial e as Residências Terapêuticas, viabilizando a redução de milhares de leitos psiquiátricos no país e propiciando o fechamento
de diversos hospitais psiquiátricos.
Nesse processo, os manicômios Judiciários se tornaram um importante desafio para a Reforma, dado o aspecto legal em que se ancorava.
96 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
O movimento reformista seguiu com a instituição da rede de cuidados
na comunidade. Para tanto, evidenciou a importância e pertinência dos
conceitos de rede, território e autonomia na construção da rede de atendimento. Não com ressalvas, o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) teve
um papel estratégico, sobretudo na descentralização do tratamento e da
inserção perante a comunidade. A saúde Mental na atenção primária, por
meio da articulação com o programa de saúde da família, buscou ampliar
o alcance da assistência para o âmbito familiar. Desse solo, surge também
a rede de saúde mental para a infância e adolescência.
Em 1990, a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e a
Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgaram um documento intitulado: A reestruturação da atenção psiquiátrica na América Latina:
uma nova política para os serviços de Saúde Mental, que ficou conhecido
como a Declaração de Caracas e teve o Brasil como público-alvo. O intuito era legitimar institucional e ideologicamente o processo de reforma
manicomial que se assentava. Onze anos depois, é aprovada a Lei Federal
10.216/01 que assegura a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais, dando primazia ao modelo assistencial no trato da saúde
mental.
Dispõe o art. 1º do referido diploma legal que:
Art. 1o Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, de que trata esta Lei, são assegurados sem qualquer
forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos
econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu
transtorno, ou qualquer outra.
Primordialmente, o legislador teve por objetivo assegurar os direitos fundamentais inerentes à dignidade da pessoa humana, independentemente de sua condição patológica. Trata-se de um processo de humanização a figura do paciente em tratamento perante o ordenamento,
desgastada pelo estigma e desconhecimento sociais que permeiam a pessoa acometida por doenças mentais.
No artigo seguinte, há um rol exemplificativo dos direitos relativos à pessoa portadora de transtorno mental. Muito embora se apresente
de forma taxativa, a norma infraconstitucional é hierarquicamente infe-
A reforma trabalhista... • 97
rior aos princípios e direitos fundamentais dos quais decorrem. Assim, a
proteção ao portador de distúrbios mentais deve se dar, antes de tudo, em
observância ao texto da Carta Magna e, sobretudo, aos princípios e normas constitucionais atinentes aos direitos à saúde e dignidade.
Art. 2o Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza,
a pessoa e seus familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados no parágrafo único deste artigo.
Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno
mental:
I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades;
II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de
beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção
na família, no trabalho e na comunidade;
III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;
IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas;
V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária;
VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;
VII - receber o maior número de informações a respeito de sua
doença e de seu tratamento;
VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;
IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.
É possível notar a relação existente entre garantia de direitos e o
trato humanizado. Nesse sentido, o modelo assistencial não figura apenas
como um modelo facultativo ao sistema manicomial, mas como substitutivo e de superação. É vedado retroceder na seara dos direitos adquiridos
e os incisos mencionados elencam os métodos alternativos de tratamento
a status de direitos adquiridos.
Dessa forma, por ser dever do Estado Democrático de Direito
promover, de forma contrafática, mudanças fáticas na realidade social, o
art. 3º da aduzida Lei atribui ao Estado a responsabilidade de desenvolver
políticas públicas que viabilizem assistência humanizada às pessoas em
tratamento.
98 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
o
Art. 3 É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de
saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da
família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim
entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde
aos portadores de transtornos mentais.
Da legislação em questão, origina-se a Política de Saúde Mental
a qual, em suma, visa garantir o cuidado ao paciente através de serviços
substitutivos aos hospitais psiquiátricos.
A iminência do retorno ao sistema manicomial, por meio de portarias que limitam os gastos com sistemas assistenciais e precarização no
repasse de verbas tem sido denunciada por diversas entidades institucionais ligadas à luta manicomial. A iminência de um grave problema de
saúde pública embasa tal preocupação manifesta.
3. A precarização e a iminente contrarreforma psiquiátrica
Em Setembro de 2017, o Sistema Único de Saúde (SUS) anunciou
que a discussão em torno da expansão de leitos em hospitais psiquiátricos
no País voltaria a ser considerada. A iniciativa foi defendida por representantes de secretarias municipais e estaduais de saúde e sugerida pelo
Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (CONASS), em
reunião com o Ministério da Saúde e o Conselho Nacional de Secretários
Municipais de Saúde (CONASEMS). Com a publicação da portaria nº
3.588, alterou-se significativamente a política de saúde mental.
À época, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) publicou uma
recomendação pedindo que o Ministério da Saúde (MS) revogasse a
Portaria nº 3.588, que altera a Política Nacional de Saúde Mental.
A portaria incluiu novamente o hospital psiquiátrico na Rede de
atenção Psicossocial (RAPS) e aumentou o valor da diária de internação
paga aos hospitais psiquiátricos. Ademais, estabeleceu o aumento de leitos
psiquiátricos de 15% para 20% bem como aumentou do número mínimo
de 4 para 8 leitos de saúde mental em hospital geral para recebimento de
custeio. Dentre outras, estipulou a exigência de taxa de ocupação de 80%
em leitos de saúde mental em hospital geral, como condicionante para
recebimento de recursos de custeio.
A reforma trabalhista... • 99
Por fim, o documento preconiza o retorno de serviços obsoletos,
como as unidades ambulatoriais especializadas, quando as equipes do
NASF, Saúde da Família e do CAPS poderiam ser incrementadas e ampliadas para atender a esta demanda.
4. O poder psiquiátrico e a biopolítica
Em um primeiro momento, é preciso situar a medicina como um
ente legítimo a classificar quantitativa e qualitativamente a situação do
paciente a ponto de produzir diagnósticos específicos a cada situação. Isso
ocorre na localização de fraturas ou lesões ao longo do corpo e na medicalização dos sintomas relativos às dores. Há, portanto, a legitimidade para
realizar diagnósticos absolutos.
Na psiquiatria manicomial, porém, os diagnósticos não estão
pautados tão somente nos aspectos biológicos no organismo humano.
Nos diagnósticos psiquiátricos, nos quais percebe-se a ausência de corpo
ou lesões físicas, é legítimo produzir diagnósticos baseado em um código
binário de normalidade-anormalidade que escapam o alcance do campo
das ciências biológicas, mas, por estarem no campo da medicina, detém a
legitimidade do caráter absoluto de seus diagnósticos. Na lógica manicomial, os cuidados de acompanhamento clínico possuem caráter punitivo
e focam na adequação do comportamento.
Assim, o diagnóstico não estará pautado em anomalias que se
percebem em tecidos ou órgãos. Na realidade, ocorre a atribuição do caráter anormal a condutas, hábitos e ações, não só do paciente, mas também
de sua árvore genealógica e sua rede afetiva, dado que o interrogatório é
um instrumento para a constatação de anormalidades. Em larga escala,
ocorre a patologização de condutas - ou consequências psicossomáticas
perante a resistência a determinado contexto - comuns a determinados
grupos, dado que os sintomas patologizados são mazelas sociais.
Dessa forma, o hospital psiquiátrico público se mostra como uma
instituição total pela qual o Estado toma para si a competência de reeducar o indivíduo em tratamento para reinseri-lo à sociedade, tal como as
instituições carcerárias.
Contudo, diferentemente da pessoa que foi imputada penalmente por conduta enquadrada em determinado tipo penal, a pessoa portadora de doença mental é submetida a um exame médico inerentemente
100 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
político. Muito embora os abolicionistas penais, cujas lutas em muito se
aglutinam às lutas antimanicomiais, e criminólogos partidários da teoria
do labelling approach considerem o caráter inerentemente político das prisões, não entraremos na seara. Limitarei a comparação à competência do
Estado em utilizar o poder de tal forma, a despeito das reais justificativas.
Assim, a autoridade médica a qual é investido o poder absoluto
do diagnóstico possui aspectos não biológicos para agravar ou atenuar
um diagnóstico médico. A legitimidade do diagnóstico se ancora na representação hormonal e comportamental que a exposição a determinado
contexto ocasiona no corpo. Frisa-se que não se trata, por óbvio, de interesses políticos escusos e pessoais entre médico perante paciente, mas
de atividade com intento biopolítico de legitimação de um discurso que
atribui normalidade a determinados comportamentos e anormalidade a
outros sob a égide da autoridade médica. Em suma, percebe-se a produção do discurso médico em prol de um intento (bio)político.
Para Foucault,
As disciplinas lidavam praticamente com o indivíduo e com seu
corpo. Não é exatamente com a sociedade que se lida nessa nova
tecnologia de poder [...] É um novo corpo: corpo múltiplo, corpo
com inúmeras cabeças, se não infinito pelo menos necessariamente numerável. É a noção de “população”. A biopolítica lida com a
população, e a população como problema político, como problema
a um só tempo científico e político, como problema biológico e
como problema de poder [...] (FOUCAULT, 1999, p. 292-293).
Dirigindo-se a uma população, o Estado biopolítico governa pessoas, não como súditos submetidos a um poder central, mas indivíduos
que participam de modo ativo da produção da vida coletiva. O controle
sobre o corpo ocorre por meio do biopoder no interior das instituições
totais.
Em suma, por biopolítica entende-se a capacidade e legitimidade
do Estado em controlar o corpo dos cidadãos e fazer disso uma política
de Estado por meio de suas próprias instituições, como o manicômio. O
interrogatório é um instrumento institucional que ocorre, como o aval do
Estado, em hospitais psiquiátricos.
A reforma trabalhista... • 101
Dessa forma, o retorno ao sistema manicomial seria devastador
no contexto político-jurídico em que se insere as relações de trabalho.
Sendo reconhecido que certos hábitos possuem caráter de anormalidade
e que eles são comuns a determinados grupos sociais marginalizados, é
possível relacionar a precarização do trabalho com a extenuação desses
hábitos, que em sua maioria são consequências do esforço mental em resistir à exploração.
5. A psicopatologia do trabalho
Hodiernamente, o mundo do trabalho passa por significativas
alterações, sobretudo em razão das respostas as sucessivas crises do capital, expressas na reestruturação produtiva na era da ação flexível e na
globalização. São significativos, assim, fenômenos como o desemprego estrutural, um imenso contingente de trabalhadores em situações precárias
de trabalho e uma ampliação da degradação da relação entre homem e
natureza. (ANTUNES, 2002).
Diante disso, muito se diz sobre a superação do trabalho como
elemento central para a constituição da subjetividade, o que não se mostra
verídico. Muito embora os discursos hegemônicos que moldam corpos e
populações sejam cruciais para a formação de subjetividades, os corpos
dissidentes em relação aos aparatos discursivos ainda são precarizados no
modus operandi capitalista. A loucura de mostra como uma inadequação ao sujeito padrão discursivo. Assim, a precarização ao “anormal” foucaultiano ocorre, sobretudo, por meio do trabalho, seja pelo estigma que
antecede a contratação, seja pelo assédio moral e sexual no ambiente de
trabalho, seja pelas mazelas que o desemprego e a consequente falta de
assistência pode ocasionar.
Para tanto, é preciso retomar Marx ao referir que,
Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua própria
ação, impulsiona, regula e controla o intercambio material com a
natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas forças.
Põe em movimento as forças naturais de seu corpo – braços, pernas, cabeças e mãos – a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando assim
102 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica a sua própria natureza. Desenvolve as potencialidades nela
adormecidas e submete ao seu domínio o jogo das forças naturais
(MARX, 2012, p. 211).
Sendo assim, no ambiente laboral, o tecnicismo das relações de
trabalho apregoa um aspecto objetivo na avaliação do sujeito que trabalha, dado que a modificação hodierna da natureza se dá sob uma sistemática cada vez maior. Assim, nas relações de trabalho ali existentes, quando
o aspecto substancial do sujeito não é considerado, ocorre a gradual supressão da perspectiva autoperceptiva. A consequência direta é a dissonância entre a autorrealização e a realização profissional. Nesse sentido, Christophe Dejours, médico do trabalho, e membro da “L’Association
Psychanalytique de France”, cunhou o termo psicodinâmica do trabalho
para tratar dessa relação.
Em seus escritos e entrevistas, analisa as relações sujeito-trabalho
que possuem o sofrimento como cerne de possíveis descompensações psicossomáticas. A tese adotada por ele é a da centralidade do trabalho, caracterizando o exercício da atividade laboral como elemento constitutivo
do conflito entre organização do trabalho e funcionamento psíquico, para
além dos limites do causalismo. A psicodinâmica do trabalho é gênero do
qual psicopatologia do trabalho é espécie e ambas são cunhadas pelo médico filósofo para explorar o caráter potencialmente patogênico do trabalho
(DEJOURS, 1987, p. 25-26).
Ao falar sobre a exploração do trabalhador no período pós-guerra, Dejours aduz que, em um primeiro momento, é “como se os mecanismos invisíveis da exploração exigissem, para serem evidenciados, uma
demonstração dos seus efeitos visíveis no corpo” (DEJOURS, 1987, p. 21).
Para ele, “tudo se daria como se as condições de trabalho nocivas só atingissem o corpo após tê-lo submetido, domesticado e adestrado como a
um cavalo de tração. Docilidade que, como vamos ver, depende de uma
estratégia inicialmente concernente ao aparelho mental, para dele anular
as resistências que ele opõe, espontaneamente, à exploração” (DEJOURS,
1987, p. 21).
As resistências mentais ao ambiente de trabalho, portanto, são extenuadas nos períodos históricos seguintes. A busca pela produtividade
a qualquer custo – ou sem custo algum – faz com que se aumentem as
A reforma trabalhista... • 103
estratégias de expropriação do mais-valor, adentrando ao aspecto mental
do trabalhador.
A centralidade do trabalho na construção da subjetividade passa a ser a centralidade de si perante o trabalho. Assim, o teletrabalho, as
jornadas extenuantes, a eventualidade das relações de trabalho, a insegurança jurídica no tocante à tutela jurisdicional do trabalho enquanto
direito fundamental e os problemas decorrentes da junção são elementos
impeditivos do sucesso pessoal forjado sob o mito da meritocracia.
Destarte, o rearranjo político-jurídico que se formou em torno da
Reforma Trabalhista altera não só a dinâmica do trabalho, mas a dinâmica das subjetividades da classe trabalhadora, por meio da (tentativa de)
controle do aparato mental. Quando o trabalhador se vê impossibilitado
de adequar-se ao exigido pelo ambiente laboral e o sofrimento psíquico
se torna incontrolável, mas necessário dada sua condição de classe, há a
percepção de doenças mentais. Não à toa, há o correspondente patológico
da “Síndrome de Burnout” especificamente aos casos de esgotamento físico e mental em razão das condições laborativas. Não à toa, também, há
crescimento significativo de manifestações da doença.
6. A reforma trabalhista e o rearranjo político-jurídico
A Carta Magna de 1988 reconheceu o trabalho como um direito
fundamental. Desde então, o trabalhador restou amplamente protegido
pela ampla produção doutrinária, jurisprudencial que se fez em torno do
reconhecimento disparidade de poder tácita entre empregado e empregador. Assim, reiterou-se o direito do trabalho como matéria protetiva com
vistas a garantir direitos ao trabalhador e reparar a desigualdade material
entre ambos.
Com o advento da reforma trabalhista, aspectos imprescindíveis
ao caráter protetivo do direito juslaboral foram modificados. As principais mudanças foram no tocante à jornada de trabalho que passou a ser
desvinculada da saúde do trabalhador. Ademais, o ordenamento permitiu
a jornada de 12 horas, ainda que em casos excepcionais.
Dentre todas as alterações, contudo, a possibilidade da terceirização irrestrita é a que mais produz insegurança jurídica. A nebulosidade
em reconhecer vínculo empregatício cria condições para que o trabalha-
104 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
dor não consiga acessar a jurisdição trabalhista para garantir direitos e
reivindicar seu cumprimento.
A terceirização é uma ferramenta de gestão de empresas. Ela pode
ser total ou parcial, interna ou externa. Na externa, utiliza-se o termo outsourcing. A grande discussão se dá com relação à possibilidade de ser feita
à atividade-meio ou à atividade-fim. A terceirização veio no Brasil com
o fito de reduzir os custos, como uma forma de subcontratação. No país,
ela se aproximou da ideia de marchange. De início, a Lei nº 6.019/74 foi
deturpada para permitir, por via jurisprudencial, a terceirização. A Lei nº
13.429/17 expressamente dispõe a respeito da terceirização.
Em 1990, o Tribunal Superior do Trabalho edita a súmula 331:
Súmula 331 do TST. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS.
LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens
V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e
31.05.2011 I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador
dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de
03.01.1974). II - A contratação irregular de trabalhador, mediante
empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da
Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II,
da CF/1988). III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a
contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983)
e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente
a pessoalidade e a subordinação direta. IV - O inadimplemento
das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e
conste também do título executivo judicial. V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada
a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º
8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço
como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de
mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela
empresa regularmente contratada. VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes
da condenação referentes ao período da prestação laboral.
A reforma trabalhista... • 105
Essa súmula impede a terceirização da atividade-fim, permitindo
apenas na atividade-meio. Ela revogou o teor da súmula 256 do TST, que
dispunha:
Súmula 25 do TST. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS.
LEGALIDADE (cancelada) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância,
previstos nas Leis nºs 6.019, de 03.01.1974, e 7.102, de 20.06.1983,
é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos
serviços.
Com relação à terceirização da atividade-fim, o STF reviu a súmula 331 do TST por violação ao princípio da legalidade. Em paralelo, foi
promulgada a Lei nº 13.429/17 e a reforma trabalhista. Aquela lei dispunha a respeito da terceirização de atividades específicas. Por sua vez, a reforma expressamente dispôs quanto à atividade-fim e permitiu a quarteirização, que é a terceirização em cadeia. Vê-se, portanto, que a tendência
é a permissão à terceirização irrestrita. A isso recaem críticas por se cair
no marcanghe e de haver violação ao direito privado pelo art. 966 do CC.
Na Administração Pública, o Decreto nº 9.507/17 também permite a terceirização da atividade-fim. Contudo, pode ser reputado inconstitucional por violação à necessidade de concurso público dos servidores
disposta no art. 37 da Constituição. A equiparação de direitos na terceirização é incompleta. Há uma quarentena na contratação como terceirizado
do empregado que é demitido da empresa. Só há responsabilidade pelo
meio ambiente do trabalho quando o serviço é prestado nas dependências
das tomadoras de serviços. Ainda, há responsabilidade econômica subsidiária da tomadora de serviços em relação à prestadora de serviço. Apenas
dívidas tributárias e afins ensejam responsabilidade solidária.
Na prática, a terceirização torna nebulosa a caracterização do
vínculo empregatício entre empregado e empregador, de forma a conferir
insegurança jurídica ao trabalhador que busca a eficácia de seus direitos.
Na impossibilidade de transpô-los à realidade fática, perdura os impactos
à saúde mental de sujeitos de direito cuja tutela vem se mostrando cada
vez mais precária.
106 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
7. Considerações finais
Diante do exposto, é possível situar a reforma trabalhista em um
contexto mais amplo. Com a iminência do retorno ao sistema manicomial
e os índices preocupantes no concernente ao aumento significativo dos
casos de depressão de demais transtornos mentais, é preciso ficar atento
ao caráter biopolítico tanto da reforma trabalhista quanto da contrarreforma psiquiátrica.
Assim, faz-se necessário alertar o problema de saúde pública que
o rearranjo político-jurídico que se formou no tangente à precarização do
trabalho e o descaso para com o trato humanitário da saúde mental pode
ocasionar a longo prazo.
Ainda que limitado em seu conteúdo, o presente artigo procurou demonstrar a relação existente entre os temas expostos, a ponto de
apresentar os impactos da reforma trabalhista em seu aspecto mais amplo. O alcance territorial e temporal das medidas aparentam ter severas
consequências.
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A reforma trabalhista... • 109
NORMAS DE PROTEÇÃO AO TRABALHO HUMANO
E SUAS VICISSITUDES EM TEMPOS DE HEGEMONIA
GLOBAL DO CAPITAL FINANCEIRO IMPRODUTIVO
LEGAL PROTECTION OF HUMAN LABOUR AND
ITS VICISSITUDES IN GLOBAL HEGEMONY TIMES
OF IMPRODUCTIVE FINANCIAL CAPITAL
Márcio Toledo Gonçalves1
Natália das Chagas Moura2
Resumo: O artigo examina a reforma trabalhista no contexto das dinâmicas de extração de valor do capitalismo contemporâneo. O setor produtivo da economia, responsável por geração de renda e emprego, foi paulatinamente sendo colonizado pelo capitalismo financeiro e especulativo, o
qual desestimula a produção, uma vez que investir em bolsas de valores
e títulos das dívidas públicas é mais rentável que investir no setor industrial. Esse processo aprofunda as desigualdades sociais, impactando na
desconstrução das normas protetivas do trabalho. Nessa nova arquitetura
do poder, os Estados soberanos passam a funcionar como ordenadores do
1
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Mestrando
em Direito do Trabalho na Universidade Federal de Minas Gerais sob a orientação do prof.
Pedro Augusto Gravatá Nicoli, na Área de Concentração “Direito e Justiça”, na Linha de
Pesquisa “História, Poder e Liberdade”. Juiz do Trabalho titular da 33ª Vara do Trabalho de
Belo Horizonte no Tribunal Regional da Terceira Região. E-mail: mttoledo7@gmail.com
2
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Mestranda
em Direito do Trabalho na Universidade Federal de Minas Gerais sob a orientação da
profª. Maria Rosaria Barbato, na Área de Concentração “Direito e Justiça”, na Linha de
Pesquisa “História, Poder e Liberdade”. Advogada especializada em Direito e Processo do
Trabalho pela PUC-Minas. E-mail: natmoura7@hotmail.com
In: ANTUNES, Daniela Muradas; NICOLI, Pedro Augusto Gravatá; RODARTE, Wanessa
Susan de Oliveira (org.).A reforma trabalhista e o direito individual do trabalho: dos
retrocessos às resistências. 1ª edição. Belo Horizonte: Initia Via, 2019 (Anais do IV
Encontro da RENAPEDTS, vol. 2). ISBN: 978-85-9547-079-8. DOI: 10.17931/95470798/
v2a05.
110 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
mercado, atuando como agentes econômicos na lógica empresarial. Dessa
forma, pretende-se investigar como o mercado neoliberal organiza suas
instituições para construir sua estrutura de regulação do trabalho humano adequada aos seus objetivos. Para tanto, examina-se os mecanismos
utilizados para esse fim, incluindo o próprio papel desempenhado pelo
Estado e o funcionamento dos oligopólios sistêmicos como representantes estruturantes do capitalismo improdutivo. Não se almeja, com este ensaio, um exame acerca das inúmeras inconstitucionalidades das quais é
padecedora a reforma trabalhista. Finalmente, o artigo vale-se da análise
bibliográfica com aporte teórico adequado ao tema examinado.
Palavras-chave: Reforma trabalhista; Desregulamentação; Neoliberalismo;
Estado; “Darwinismo normativo”.
Abstract: The article examines labour reform in the context of the dynamics of value extraction of contemporary capitalism. The productive sector
of the economy, which is responsible for generating income and employment, has been gradually colonized by financial and speculative capitalism, which discourages production, since investing in stock exchanges
and public debt securities is more profitable than investing in the industrial sector. This process deepens the social inequalities, impacting on the
deconstruction of the labour protective norms. In this new architecture of
power, sovereign states begin to function as market players, acting as economic agents in business logic. In this way, the objective is to investigate
how the neoliberal market organizes its institutions to build its structure
of regulation of human labour suits your objectives. In order to do this, we
examine the mechanisms used for this purpose, including the role played
by the State itself and the functioning of systemic oligopolies as structuring representatives of unproductive capitalism. This essay does not aim at
examining the many unconstitutionalities of the labour reform. Finally,
this article used the bibliographical analysis with adequate theoretical input to the subject examined.
Keywords: Labour reform; Deregulation; Neoliberalism; State; “Normative
Darwinism”.
A reforma trabalhista... • 111
1. Introdução
A análise da conjuntura global permite as seguintes constatações:
i. de um lado, uma economia globalizada sob a predominância do capital
financeiro organizado em oligopólios sistêmicos atuando de forma desregulamentada e, em outra banda, cerca de duzentas nações atuando de
forma fragmentada e sob um processo contínuo de perda da capacidade regulatória; ii. vertiginoso processo de concentração de renda e aprofundamento da pobreza no mundo; iii. crise da economia capitalista cuja
duração pode ser medida em décadas; iv. esfacelamento das tradicionais
instituições do Estado Democrático de Direito e um processo contínuo
de construção de formas jurídicas de exceção como expressão da institucionalidade neoliberal; v. expansão da racionalidade neoliberal centrada
na ideia de sujeito como empresa-de-si norteado por uma subjetividade
baseada em valores de eficiência econômica e individualismo e, vi. processo de desregulamentação das normas de proteção ao trabalho humano e
aprofundamento da precarização.
O capitalismo financeiro global aperfeiçoou e aprofundou os mecanismos de apropriação de excedente. Durante o período que vai da década de 1940 até 1970 a dinâmica de apropriação de mais-valor tinha no
Estado o grande protagonista mediador e gerenciador do processo. Tal
mediação era exercida na perspectiva de possibilitar acesso de pequena
parte do excedente social às massas trabalhadoras através de políticas sociais de ampla envergadura e regulação do mercado de trabalho em patamares civilizatórios. Esse modelo assegurava a acumulação numa perspectiva de incorporação e controle das instâncias que tradicionalmente na
história do capitalismo sempre contestaram as bases do sistema capitalista.
Naquela conjuntura, tal estratégia tinha grande importância na
medida em que vigorava aquilo que o historiador Eric Hobsbawm (1995,
p. 552) denominou como “uma ameaça política digna de crédito ao sistema”, vale dizer, a ameaça representada pelo bloco socialista. A partir da
década de 1980, em meio a mais uma crise cíclica do capitalismo, o Estado
paulatinamente deixou de exercer esse papel e o mercado assumiu o protagonismo construindo um capitalismo sem reciprocidade e impondo outras formas de extração de valor. Em síntese: um capitalismo sem controle
civilizatório. Foi nesse período, após a derrocada da experiência socialista,
112 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
que teve início o maior movimento político do mercado no sentido da
destruição da estrutura sindical do período anterior.
A atual lógica de funcionamento do capitalismo financeiro conduz à predominância do sistema especulativo sobre o sistema produtivo.
No capitalismo financeiro global, os agentes econômicos representados
pelos oligopólios sistêmicos promovem a maior concentração de rendas e
riquezas, provocando maiores índices de desigualdades sociais.
Nesse cenário em que a arquitetura do poder é comandada pelo
capital improdutivo, os Estados soberanos passaram a integrar essa governança global na condição de promotores da concentração de renda, bem
como gestores da dívida pública.
Contata-se, portanto, haver uma colonização dos recursos produtivos e dos Estados pelo capital financeiro. Investimentos no setor produtivo são necessários para aquecer o mercado interno, gerar empregos
e distribuir renda. O Estado, por sua vez, embora desde as suas origens
tenha funcionado como mediador da extração do mais-valor, tem adotado graves políticas de austeridade, às quais expõem os trabalhadores a
condições de trabalho cada vez mais degradantes e precarizantes.
A partir desse contexto econômico e político, pretende-se com
este ensaio examinar o processo de desconstrução das normas protetivas
do trabalho, para situar a reforma trabalhista na conjuntura desse movimento global do neoliberalismo, identificar as razões da desregulamentação e suas dramáticas consequências sociais. Utilizar-se-á como método
da pesquisa a análise bibliográfica, especialmente as pesquisas realizadas
por Ladislau Dowbor acerca do funcionamento do capitalismo improdutivo, a partir da constituição de grandes oligopólios e da captura do poder
político.
2. A lógica de funcionamento do capitalismo sob a hegemonia
do capital financeiro
O trabalho humano produtivo e estranhado submetido ao processo básico de extração de mais-valia ainda é a forma geral de produção de valor, ou seja, de produção de riqueza social. Entretanto, algumas
outras formas de apropriação foram potencializadas. As apropriações do
excedente nesse capitalismo global e financeiro são complexas e foram
estruturadas de inúmeras maneiras a partir de um processo vertiginoso
A reforma trabalhista... • 113
de concentração de capital expressa no poder de oligopólios sistêmicos.
Assim, é a partir dessa concentração que se deve analisar as formas de
operacionalização desse capitalismo, inclusive quanto às formas de desconstrução das normas de proteção ao trabalho humano, tendo a reforma
trabalhista como um de seus capítulos.
A tendência oligopolista, essa característica básica do sistema capitalista, a partir do fim do período keynesiano entra em outra fase. Com
o advento do que se convencionou denominar neoliberalismo, verifica-se uma contínua desregulamentação, destacando-se o setor financeiro.
A desregulamentação desse setor inaugurou o início de um processo de
concentração de renda e capital sob hegemonia financeira sem paralelo na
história do capitalismo.
Ladislau Dowbor (2017, p. 22) menciona que a partir da década
de 1980 o “capitalismo entra na fase de dominação dos intermediários
financeiros sobre os processos produtivos – o rabo passa a abanar o cachorro (the tail wags the dog), conforme expressão usada por americanos
– e isso passa a aprofundar a desigualdade.”
O ponto central da atual crise do capitalismo consiste na colonização do capital financeiro sobre os setores produtivos, aqueles que são
responsáveis pela economia real. Essa hegemonia do capital financeiro
nasceu do contínuo processo de desregulamentação econômica iniciado
na década de 1980. Para Dowbor (2017, p. 34) o “sistema financeiro não
só drena como não financia a produção”.
O problema é que não se verifica no interior do capitalismo uma
disputa entre setores produtivos e setores financeiros. Esses últimos colonizaram os primeiros via controle acionário e se tornaram hegemônicos.
Suas dinâmicas são baseadas na financeirização do processo produtivo.
Nesse sentido Dowbor (2017, p. 33) menciona que a “aplicação financeira
rende mais do que o investimento produtivo”. Para o autor, enquanto o
“PIB mundial cresce num ritmo situado entre 1% e 2.5%” as aplicações
financeiras “rendem acima de 5% e frequentemente muito mais.” Tal drenagem de valores do sistema produtivo alimenta a roda do mercado financeiro improdutivo em proporções descomunais. Partes de tais valores
são direcionados para os diversos paraísos fiscais existentes em inúmeras
regiões do globo. Trata-se de recursos não declarados e fora da possibilidade tributária dos Estados.
114 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Maurício Godinho Delgado (2006, p. 16) também constata a
hegemonia financeiro-especulativa: “trata-se, agora, do capital substantivamente especulativo, que gera sua reprodução essencialmente com o
próprio jogo de inversões financeiras, sem compromisso relevante com a
noção de produção, tão cara às fases anteriores do capitalismo”.
Em pesquisas do Tax Justice Network, citadas por Dowbor (2017,
p. 84), estima-se que entre 21 e 32 trilhões de dólares (estoque acumulado e não fluxo) estejam protegidos em paraísos fiscais. Aqui vale lembrar
apenas para efeito de dimensionar as magnitudes de valores, que o PIB
mundial é da ordem de 80 trilhões.
Para a compreensão desse processo é importante explicitar a
magnitude dessa concentração econômico-financeira. Segundo Dowbor
(2017, p. 41), uma pesquisa intitulada “A Rede de Controle Corporativo
Global” realizada pelo Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica
(ETH) logrou revelar uma ampla e profunda radiografia das redes de corporações que dominam o mercado mundial. Tal estudo teve por base um
amplo banco de dados e sua metodologia consistiu em examinar as 43 mil
corporações mais importantes do planeta, selecionadas dentre 30 milhões
de empresas. A pesquisa consistiu em mapear “como elas se relacionam:
o peso econômico de cada entidade, a sua rede de conexões, os fluxos
financeiros e em que empresas têm participação que permitem controle
indireto.” (DOWBOR, 2017, p. 41). Esse estudo revelou que tais corporações transnacionais:
Formam uma gigantesca estrutura em forma de gravata borboleta
(bow-tie), e que uma grande parte do controle flui para um núcleo
(core) pequeno e fortemente articulado de instituições financeiras.
Este núcleo pode ser visto como uma “superentidade” (super-entity), o que levanta questões importantes tanto para pesquisadores
como para os que traçam políticas. (DOWBOR, 2017, p. 42).
A partir da metáfora sugerida por Dowbor, o modelo da teia de
participação acionária que se apresenta sobre a forma de gravata borboleta revela uma imensa estrutura de controle em rede. Um só agente corporativo, ao longo do processo de concentração de capital, operando por
inúmeras formas, constitui um fabuloso campo de controle e de poder
corporativo que simplesmente desconstitui a dinâmica de concorrência
A reforma trabalhista... • 115
própria do período capitalista anterior. Nesse sentido, o estudo revela
quem detêm maior controle no topo dessa rede, vale dizer, quem compõe o núcleo, o superpoderoso “nó da gravata borboleta”. O modelo da
pesquisa que produziu tal formato “analisa o rendimento operacional e o
valor econômico das corporações, detalha as tomadas mútuas de participação e ações (mutual cross-shareholdings) identificando as unidades mais
fortemente conectadas dentro da rede.” (DOWBOR, 2017, p. 43).
Essa metodologia revelou uma vertiginosa concentração e controle na organização da rede de corporações. Nas pesquisas apontadas por
Ladislau Dowbor “apenas 737 dos principais atores (top-holders) acumulam 80% do controle sobre o valor de todas as empresas transnacionais
(ETN). Isso significa que o controle em rede (network control) é distribuído de maneira muito mais desigual do que a riqueza.” Na visão do autor
trata-se de um dado “de grande importância para o próprio conceito de
arquitetura do poder.” (DOWBOR, 2017, p. 44).
Ao longo de um processo histórico muito curto verificou-se uma
radical dinâmica de fusões e incorporações que transformaram o capitalismo concorrencial em um capitalismo regido por um sistema de oligopólios sistêmicos nas várias cadeias produtivas.
Dowbor (2017, p. 44) usa o termo “superentidade” para classificar
o poder desse pequeno núcleo de controle sobre a rede.
Glattfelder, um dos pesquisadores do projeto, citado por Ladislau
Dowbor (2017, p. 45), sintetiza tal concentração da seguinte forma: “com
efeito, menos de 1% das empresas consegue controlar 40% de toda a rede”.
A maioria desses players corporativos é composta de instituições financeiras. Das 50 maiores corporações, impressionantes 45 são instituições
financeiras, ou seja, 90% das corporações sistêmicas pertencem ao sistema
financeiro, revelando claramente o desiquilíbrio e a concentração de renda
no setor financeiro. Trata-se de uma “deformação estrutural do sistema”,
uma estrutura que coloca o capital financeiro no centro do sistema produtivo de forma a impedir a existência de um processo econômico produtivo
de valor. Desde Adam Smith, teórico da economia clássica e considerado
pai do liberalismo econômico, que o valor em uma economia encontra-se
centrado na categoria trabalho. Todavia, nesses tempos de neoliberalismo,
nossos liberais constroem um sistema baseado na supremacia do capital
especulativo contra o capital produtivo.
116 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Essa grande arquitetura do capital global financeirizado tem implicações decisivas para a economia do planeta. Podem ser destacadas as
que se referem à instabilidade financeira sistêmica como primeiro efeito.
Dowbor (20147, p. 48) menciona que não se trata mais de pensar que tais
“grandes grupos financeiros são demasiado grandes para quebrar” mas
sim que “é o sistema que é grande e poderoso demais para que não sejamos obrigados a manter seus privilégios” e menciona ainda que quanto mais “uma rede financeira é muito densamente conectada fica sujeita ao risco sistêmico”. Continua o autor: “em tempos ruins as empresas
entram em desespero simultaneamente.” A tal propósito, como exemplo,
vale lembrar a operação de salvamento e resgate colocada em prática pelo
Estado norte-americano para evitar a derrocada de inúmeros bancos e de
financeiras quando da crise do subprime desencadeada em 2008. Tal crise
foi motivada pela concessão sem limites de créditos imobiliários de alto
risco, num ambiente de absoluta desregulamentação do sistema financeiro que permitia a transferência de créditos hipotecários em série com a
transferência de riscos para outras contrapartes ou operadores financeiros. (KRUGMAN, 2009, p. 155 ).
Como se viu, os estudos do Instituto Federal Suíço de Pesquisa
Tecnológica (ETH) evidenciam a deformação estrutural do sistema expresso em uma forte tendência de dominação geral dos sistemas especulativos sobre os sistemas produtivos. (DOWBOR, 2017, p. 48). No capitalismo financeiro global, desregulado e tecnológico com altíssima capacidade
de conectividade sistêmica, operando sem noção de espaço e pautado pela
imaterialidade dos meios de troca, essa deformação estrutural representa
sempre o risco de mais crises sistêmicas.
Os agentes econômicos representados pelos oligopólios sistêmicos predominantemente financeiros passam a operar numa perspectiva
que não encontra qualquer freio (nem por parte do Estado, nem por parte
dos movimentos sociais) à dinâmica de acumulação e expropriação do
trabalho humano, construindo, em escala global, a maior maquinaria de
concentração de renda e exclusão.
Como será demonstrado adiante esse processo conduziu a um
contínuo enfraquecimento dos Estados e de sua capacidade de regulação do trabalho humano, promovendo severas desregulamentações, que
se iniciaram no mundo do mercado das finanças e se expandiram para
todos os setores de sociabilidade, incluindo as normas de proteção do tra-
A reforma trabalhista... • 117
balho humano. Em poucas palavras: trata-se de uma desregulamentação
sistêmica.
3. A lógica da governança corporativa
Para além da análise das corporações sistêmicas em suas complexas perspectivas organizacionais interempresariais, afigura-se importante
examinar a complexidade intraempresarial, suas consequências e impactos na regulação do trabalho.
Ladislau Dowbor (2017, p. 61) relata pesquisa feita pela
Universidade de Oxford e outras instituições acadêmicas denominada “The Intrafirm Complexity of Systemically Important Financial
Institutions”3 que estudou as formas de administração interna das “28
principais instituições financeiras mundiais, o ‘núcleo do núcleo’ relativamente às 147 corporações estudadas pelo ETH Suíço”. Segundo o autor,
essas 28 corporações sistêmicas gerenciam cada uma, em média, um capital consolidado em torno de 1.82 trilhões de dólares para aquelas que
se constituem como bancos e de 0.61 trilhão de dólares para as seguradoras. Comparativamente, o PIB do brasileiro, em 2015 situou-se em torno
de 1.6 trilhão. No conjunto, tais gigantes corporativos gerenciam algo em
torno de 50 trilhões de dólares, “o equivalente à totalidade das dívidas
públicas do planeta e a três quartos do PIB mundial.” (DOWBOR, 2017,
p. 59). Apenas para se ter dimensão da magnitude desses valores, o PIB
norte-americano foi de 15 trilhões em dados de 2015.
Nas informações de Dowbor (2017, p. 61), tais conglomerados
sistêmicos “controlam milhares de empresas, em dezenas de países e ultrapassando frequentemente a centena de setores e atividades econômicas.
São galáxias com capacidade extremamente limitada de acompanhamento e gerenciamento interno.” Exatamente nesse ponto situa-se um dos graves problemas dessas “galáxias”, qual seja, a capacidade extremante limitada de administrar estruturas tão vastas e complexas.
Nesse sentido, Dowbor (2017, p. 70) menciona que o resultado
financeiro configura-se como o único critério utilizado pela matriz situada predominantemente nos Estados Unidos ou no âmbito da União
Tradução livre: “A Complexidade Intrafirma das Instituições Financeiras Sistemicamente
Importantes”.
3
118 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Europeia. “A uma distante filial, subordinada a um quinto ou sexto nível
de holdings financeiras, esses gestores impõem a rentabilidade que ela deverá atingir. Pouco importa o resto (...) Na prática quem acaba mandando
nas corporações é o departamento financeiro.”
A propósito, é bem interessante observar o discurso ideológico
dos agentes do capital e defensores do Estado mínimo que criticam o que
denominam como “certo gigantismo do Estado e sua ineficiência administrativa”. Nada se diz acerca dos graves problemas presentes na caótica
governança corporativa desses gigantes sistêmicos que determinam os
destinos do mundo.
Importa aos gestores apenas como único critério atingir metas
de rentabilidade e, portanto, sua permanência à frente das estruturas de
poder dessas corporações. Questões referentes a impactos ambientais ou
direitos trabalhistas permanecem em segundo plano nessa perspectiva de
administração financeira.
Na concepção de Dowbor, essas corporações estelares sistêmicas
são “simplesmente ingovernáveis em termos de assegurar a coerência das
atividades com os interesses da sociedade (...) Na visão de Joseph Stiglitz
trancaram-se em objetivos estreitos e de curto prazo, travando a economia.” (DOWBOR, 2017, p. 73- 74).
Esse predomínio do capital financeiro não coloniza apenas o capital produtivo, carro chefe do capitalismo que vigorou até a década de
1980, mas também o próprio Estado. O mercado neoliberal não só captura o Estado sob o mecanismo das dívidas públicas como imprime-lhe
uma lógica empresarial Nesse contexto, esse Estado torna-se um ativo
protagonista da desregulamentação das normas protetivas do trabalho
humano.
4. Financeirização e apropriação dos recursos públicos
As corporações gestoras das grandes fortunas desenvolveram um
sistema em escala mundial de apropriação social de valor através da colonização das dívidas públicas dos Estados, que passaram a se constituir
como um mecanismo de drenagem dos impostos recolhidos pela população tendo como destinatários os detentores de vertiginosas fortunas.
O Estado se coloca como instrumento de concentração de renda
e expropriação de excedente social por parte do grande capital financeiro
A reforma trabalhista... • 119
global. Esse processo pode ser claramente verificado não só pela expansão
da dívida pública, mas também pelos processos de elevação da remuneração desse capital.
Contudo, a colonização do Estado sob a dinâmica do neoliberalismo não se limita ao mecanismo da dívida pública. O novo papel
destinado ao Estado pelo neoliberalismo compreende o Estado como
fundamental, como constitutivo e ordenador do mercado. O Estado no
neoliberalismo “perde sua soberania” e age como qualquer agente econômico. A relação do Estado com as instituições internacionais representantes do capital global financeirizado define-se como relação de subordinação. O Estado passou a ser gerenciador de políticas que são forjadas
em escala global e que estão fora de sua soberania, constituindo-se como
o grande gestor local de interesses globais do capital, cujas instâncias são
representadas por instituições como: Fundo Monetário Internacional,
Organização Mundial do Comércio, Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico, agências de risco, entre outros organismos
internacionais.
Entretanto, além dessa subordinação às instâncias de poder representativas do capital financeiro, outro movimento pode ser observado.
Internamente, esse Estado passou a se situar como empresa privada, integrando-se no espaço das trocas aos demais integrantes e agentes econômicos do mercado como sócio dos oligopólios. Mais do que isso, em seu
funcionamento interno, incorpora todas as práticas próprias das empresas
privadas em disputa no mercado, em outras palavras, as terceirizações,
regulação por agências especiais, auditorias externas, flexibilização de
pessoal, indicadores de desempenho e produtividade. Na visão de Dardot
e Laval (2016, p. 302) tudo “em nome da adaptação do Estado à realidade do mercado e da globalização”. Todas essas atividades estatais passam
por um processo de financeirização conduzido pela própria máquina do
Estado ou por parcerias com a iniciativa privada. Numa expressão: a era
do Estado do Bem-estar do Capital.
No lugar do Estado mínimo do liberalismo, tem-se um Estado
que constrói e estrutura o mercado ao mesmo tempo em que a ele se incorpora como partícipe das relações de trocas. Sabe-se que o Estado sempre avalizou o processo de extração de valor praticado pelo capital, mas o
que se tem no neoliberalismo é um Estado que imprime políticas públicas
de fortalecimento direto do mercado, que vão desde grandes processos de
120 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
privatizações, não só de atividades econômicas nas quais intervinha, mas
também quanto às próprias atividades públicas tradicionais, como saúde,
educação, seguridade social, moradia, segurança, transporte, além de estabelecer uma sistemática de autorregulação das atividades do mercado.
Privatização total de tudo, incluindo as relações sociais, mas ao
mesmo tempo um Estado “forte”, no sentido de garantidor do protagonismo do capital autorregulado e sem limites. Segundo Dardot e Laval (2016,
p. 303), “concorrência e espírito de empresa são as duas palavras-chave da
prática governamental neoliberal.”
Essa captura do Estado, destituindo-o de sua soberania plena, em
face de mecanismos financeiros de alcance global praticados num ambiente macroeconômico de estagnação dos investimentos produtivos,
provocados pela dinâmica financeirizada do capital produz impactos humanos em escala de rebaixamento civilizatório. Esses impactos são percebidos diretamente no rebaixamento dramático do estatuto de proteção do
trabalho humano.
5. Reforma trabalhista no contexto do neoliberalismo
Não se pretende realizar um exame normativo/interpretativo
dos novos dispositivos legais, mas situar essa que é a mais significativa
e abrupta reforma legislativa da história da CLT no contexto das novas
formas de organização da reprodução material.
Os caminhos ou descaminhos das normas de proteção ao trabalho humano devem ser examinados nesse contexto do neoliberalismo e de
sua “proposta” para a sociedade. Como menciona Pedro Augusto Gravatá
Nicoli (2016, p. 164) referindo-se ao sistema de proteção ao trabalho humano e suas transformações, foram “todos engolidos por uma onda que
espalha a precariedade por todos os domínios da vida, despolitizando-a
na chave de uma individualidade radical.” De certa forma, a já malfadada
reforma trabalhista é um capítulo-síntese dessa conjuntura.
Valdete Souto Severo, ao analisar a interpretação do princípio da
proteção e a aplicação da reforma trabalhista, afirma:
A ‘reforma’ trabalhista, que surge dentro de um contexto de exceção, tem claro objetivo de fragilizar completamente a proteção
que informa e justifica o Direito do Trabalho. Afeta tanto o direito
A reforma trabalhista... • 121
material quanto processual do trabalho e prejudica, em diversos
aspectos, não apenas o padrão de direitos constitucionais estabelecidos em favor do trabalhador, mas a própria estrutura de Estado
edificada a partir de 1988. E pior é que essa lei nada mais é do que
parte de um movimento bem mais amplo e claramente direcionado à eliminação do pouco que conseguimos concretizar em termos
de Estado Social. (SEVERO, 2017, p. 29).
Uma conjuntura pós-golpe de Estado parlamentar permitiu a
abertura de uma “janela de oportunidades” para a efetivação do desmonte
dos direitos sociais e dentre essas, umas das mais significativas realizações
foi a reforma trabalhista. Foi um momento de realização dos lucros e dividendos das grandes corporações sistêmicas que impuseram uma modificação nos parâmetros normativos de proteção ao trabalho humano que
permitiram o aumento da margem de extração de valor. Enfim, a reforma
trabalhista, como expressão do avanço das políticas neoliberais provocou
um rebaixamento do patamar de inserção dos trabalhadores no sociometabolismo capitalista.
Para Jorge Luiz Souto Maior a aprovação da “reforma”4 trabalhista
(Lei 13.467/2017),
Foi, por assim dizer, uma demonstração explícita de poder do setor
econômico, e, para o governo, nada mais que uma possibilidade de
sobrevida, o que, inclusive vai se concretizar, em 02/08/2017, com
a rejeição da denúncia contra Temer, na Câmara dos Deputados,
o que, aproveitando-se do cenário despudoradamente anti-democrático e de explicitação de poder, se perfez dentro da lógica do
vale-tudo. Com o mercado satisfeito, a negociata a céu aberto feita
pelo governo para conseguir os votos necessários à rejeição da denúncia, refletida em concessões econômicas e por meio de ameaças
e castigos, não gerou qualquer constrangimento na classe dominante. (MAIOR, 2017, p. 27).
Esse autor sugere grafar “reforma” entre aspas, pois a seu ver, “a Lei n. 13.467/17, ademais,
não propõe uma reforma e tratá-la como tal acaba obscurecendo o seu percurso histórico,
que não pode ser esquecido e muito menos legitimado. Ora, a Lei em questão é fruto da
atuação de um governo que chegou ao poder apenas porque firmou o compromisso de
satisfazer os interesses do grande capital e que a cada instante de instabilidade provocada
pela Lava Jato buscou justificativa para se manter no poder reafirmando seu compromisso
em realizar as ditas ‘reformas impopulares’, reformas trabalhista e previdenciária e o congelamento de gastos sociais (‘PEC do fim do mundo’)” (MAIOR, 2017, on-line).
4
122 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Buscando esse objetivo, esse conjunto normativo opera em cinco
eixos normativos: i. redução quanto ao circuito dos direitos individuais; ii.
imposição de restrições quanto à sobrevivência financeira das entidades
sindicais; iii. mudanças no padrão de negociação coletiva que passaram
a admitir a possibilidade da supremacia do negociado sob o legislado; iv.
terceirização irrestrita e v. severa restrição de acesso ao judiciário.
No caso da terceirização há que ressaltar não só seu caráter de
aprofundamento da precarização do trabalho humano, mas também seu
potencial de provocar desorganização em toda a estrutura sindical e no
conjunto de normas heterônomas de regulação dos contratos de trabalho.
O Judiciário, especialmente por sua instância máxima, o STF, logrou ir
mais longe do que o próprio parlamento, autorizando a terceirização sem
limites, conforme as decisões do julgamento do recurso extraordinário
n. 958252 e da ADPF n. 324 publicadas no dia 31/08/2018. Um exemplo
claro da perspectiva do papel do Estado como condutor da precarização
e desregulamentação de maior envergadura e profundidade do mercado
de trabalho.
Como já mencionado, não se afigura como objetivo desse artigo
construir um exame acerca da legalidade ou inconstitucionalidade desse novo conjunto normativo. Portanto, não se pretende fazer um exame
das incontáveis inconstitucionalidades e antinomias das quais o apressado
texto da reforma é padecedor, mas situá-lo na conjuntura do capitalismo
contemporâneo.
Quanto aos cinco itens acima mencionados, ainda é prematura
qualquer avaliação que se pretenda definitiva. A aprovação da reforma
por si só significa uma histórica derrota da classe-que-vive-do-trabalho (ANTUNES, 2015, p. 101). Trata-se de um processo em andamento.
Entretanto, algumas avaliações preliminares já podem ser feitas.
Na lição do poeta bretão “o tempo presente e o tempo passado
estão ambos, talvez, presentes no tempo futuro”5, todavia, a história não
possui uma seta apontando para um futuro sempre melhor do que o presente ou o passado. As condições do capitalismo contemporâneo, como
relatado nos capítulos precedentes, apontam para um aprofundamento
das formas de expropriação de valor do trabalho humano. E os processos
sociais e políticos que conduzem à barbárie não podem ser descartados.
5
Parte integrante do poema Quatro Quartetos de autoria de Thomas Stearns Eliot.
A reforma trabalhista... • 123
O avanço tecnológico não tem sido um fator de reversão dessa
tendência. Até porque, o crescimento das formas autocráticas de sociabilidade sobre as instituições do antigo Estado Democrático de Direito têm
aprofundado as apropriações dos progressos tecnológicos pelos interesses
privados em suas perspectivas de formulação de novas e mais profundas
formas de apropriação do valor do trabalho humano.
Nesse sentido, vale observar e analisar alguns fatores determinantes que indicam um futuro pouco promissor para uma sociabilidade baseada na centralidade do trabalho protegido e regulado.
Pode-se mencionar a derrocada da maior narrativa de solidariedade construída pelo gênio humano, a revolução socialista, que animou
por mais de 150 anos esperanças na conquista de uma sociedade justa. Por
mais que a experiência do socialismo soviético tenha resultado em processos de carnificina, a existência do bloco soviético funcionou, durante
todo o período, como importante fator no mundo capitalista para a manutenção de estratégias de incorporação e pacificação da classe trabalhadora
pela via do acesso a direitos sociais. O fim da experiência do chamado
socialismo real proporcionou um mote ideológico sem precedentes para
as representações do mercado e teve um efeito simbólico extremamente
negativo no seio dos movimentos sociais.
Há uma proximidade histórica entre esse acontecimento e o início da hegemonia cultural das forças do mercado. A partir da década de
1980 o discurso neoliberal ganha força e se dissemina pelo globo levando a mensagem da agenda neoliberal. Mas, mais do que uma agenda de
propostas econômicas para organização da sociedade, o neoliberalismo
inaugurou uma nova racionalidade para a totalidade social centrada nos
valores da empresa como ideais do sujeito-trabalhador. Em síntese: a
construção de um mercado que transcende a esfera produtiva e se coloca
no palco da cultura em geral.
É nessa atmosfera cultural que tem operacionalidade o severo ataque, seguido do desmonte das representações de trabalhadores. As entidades sindicais se movem no terreno das perspectivas do individualismo.
Em parte os valores da solidariedade de classe deixam de ter operacionalidade, não só em virtude das dramáticas mudanças estruturais da classe
trabalhadora (terceirizações, redução do trabalho produtivo e aumento
significativo do trabalho improdutivo, e outras) que dificultaram as identidades de classe (classe para si) mas também em função de outras dinâ-
124 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
micas, valendo citar, a hegemonia do discurso neoliberal e as políticas do
mercado e do Estado de destruição sistemática das organizações de trabalhadores. Esse, seguramente, é um dos sentidos da reforma trabalhista.
Outra análise importante é a que se refere ao decisivo papel do
Estado nesse contexto. Como explicitado acima, o Estado, no neoliberalismo, deixa de ser o grande mediador do processo de extração de valor
que vigorou durante o período keynesiano e passa a funcionar segundo
uma racionalidade neoliberal, incorporando as premissas do mercado em
sua dinâmica operacional. Assiste-se a um longo processo de desconstrução de todas as políticas sociais. O Estado passa a ter uma função de player
quase privado no universo do mercado neoliberal. Um Estado cuja lógica
é a do mundo privatizado em todas as suas dimensões. Ao fim esse Estado
se torna o Estado do bem Estar do capital. Nesse contexto, o Estado abandona o papel de grande mediador.
Note-se que todas as instâncias e poderes do Estado tiveram um
fundamental papel na construção e aprovação da reforma, cada qual atuando segundo suas especialidades. Essa atuação do Estado descartou toda
e qualquer possibilidade de mediação na construção desse novo universo
normativo, revelando esse novo papel do Estado de operar como player
privado. O antigo mediador sai de cena e abandona as ordas de trabalhadores atomizados e deixados no campo deserto do capital, qual Vladimir
e Estragon em Esperando Godot.6 Não que o Estado algum dia tenha estado do lado do trabalho nessa disputa entre capital e trabalho, até porque
o Estado contemporâneo é a forma ontológica da sociabilidade do capital. Mas ao aderir ao capitalismo sem reciprocidades esse Estado adota
a agenda da desregulamentação e da concentração de renda próprias do
capitalismo do nosso tempo.
O capitalismo sob a roupagem da centralidade das finanças fictícias sobre o mundo real, com seu nível vertiginoso de desregulamentação, produz possibilidades de crises sistêmicas. Tais crises provocadas por
bolhas financeiras localizadas atingem todo o globo apresentando como
efeito colateral ataques aos sistemas de proteção ao trabalho como forEsperando Godot é uma peça de teatro de autoria de Samuel Becket. Os dois protagonistas, Vladimir e Estragon, maltrapilhos, esperam dia após dia, junto a uma árvore desfolhada e numa cena desolada, ao chamado de um certo senhor Godot, que prima por não
aparecer no horário sempre marcado.
6
A reforma trabalhista... • 125
ma de compensação de perdas geradas pela própria irracionalidade do
sistema.
Além disso, o próprio papel do Estado nesse período contribui
para essa dinâmica perversa ao direcionar grandes aportes de reservas em
operações de salvamento aos oligopólios em detrimento de políticas sociais e fortalecimento de normas de proteção ao trabalho.
Como já mencionado, esse Estado participa ativamente das lógicas da desregulamentação propostas pelo mercado. Um exemplo dramático do poder exercido pelos oligopólios sistêmicos globais e suas representações internacionais sobre os Estados soberanos e sua capacidade/poder
de ditar normas e políticas públicas pode ser constatado e descrito a partir
do que Alain Supiot denomina, muito apropriadamente, como “darwinismo normativo”. (SUPIOT, 2014, p. 58).
Segundo Supiot, o mercado neoliberal analisa as várias ordens jurídicas planetárias a partir do critério de competitividade. O Direito interno dos países é examinado como produto, como mercadoria no universo
das trocas internacionais. Na competição internacional existem ordens
jurídicas que atendem mais às exigências de concorrência e rendimento
financeiro do que outras. Uma perspectiva próxima à ideia de darwinismo
social de Hayek, que “confiava na seleção natural dos sistemas normativos
pela prática da concorrência dos direitos e das culturas em escala internacional.” (SUPIOT, 2014, p. 58). Ora, aqui cabe uma reflexão acerca dessas
preciosas considerações de Alain Supiot. Se a força de trabalho humano
é mercadoria no âmbito do capitalismo, aliás, a mercadoria das mercadorias, justamente porque produz valor através do que Marx denomina
mais-valia7, nada mais lógico dentro da dinâmica de acumulação do sistema capitalista, que sempre aponta no sentido da concentração oligopolizada, do que transformar também em mercadorias as ordens normativas
protetivas ou reguladoras do trabalho humano.
No âmbito da União Europeia (essa grande construção arquitetônica de organização política e econômica do capital global), o Tribunal
de Justiça das Comunidades Europeias consagrou essa ideia de direitos
nacionais como mercadorias competitivas no palco das disputas internacionais. O Tribunal entende que uma empresa tem o direito de evitar e
7
Karl Marx desenvolve a categoria mais-valia no capítulo I, intitulado A Mercadoria do
livro O Capital: crítica da economia política. MARX, Karl, O Capital: crítica da economia
política. Boitempo, 2013, p. 113-146.
126 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
afastar a aplicação de regras do país onde ela exerce todas as suas atividades, registrando-se em outro Estado, cujas regras sejam menos restritivas
ao capital. (SUPIOT, 2014, p. 59).
Alain Supiot descreve a atuação do Banco Mundial no sentido de
auxiliar os grandes oligopólios sistêmicos a fazerem suas escolhas nesse “mercado internacional de normas”. O Banco publica, desde 2004, um
relatório avaliando a estrutura de direitos de 178 (cento e setenta e oito)
Estados sob a ótica estrita da eficácia econômica. Esse relatório contém
indicadores e quadros comparativos das normas reguladoras do trabalho
humano no mundo, apontando “dificuldade de prolongamento ou de redução da duração do trabalho, dificuldade econômica de demissão de um
trabalhador, custos de um emprego, custos de uma demissão” e por fim,
“índice de inflexibilidade do emprego.” (SUPIOT, 2014, p. 60).
Quanto a esse último, trata-se de verdadeira penalidade aos
Estados que regulam protetivamente o trabalho humano, valendo citar
alguns exemplos mencionados por Supiot do que o Banco Mundial considera como “não competitivo”: “salários mínimos julgados pelo Banco
muito elevados (20 dólares por mês é, dessa forma, julgado muito elevado
para os países africanos), programa e luta contra a discriminação racial ou
sexual”, entre outros pontos (SUPIOT, 2014, p. 60).
A reforma trabalhista de certa forma está inserida na lógica desse
darwinismo normativo. Essa grande bolsa de valores global, palco das negociações de uma nova mercadoria denominada “ordens jurídicas internas” promoverá a contínua eliminação das ordens jurídicas “menos aptas
a satisfazer as expectativas financeiras dos investidores.” (SUPIOT, 2014,
p. 61). Portanto, a reforma trabalhista não se afigura somente como uma
demanda do capital interno, mas de demandas do capital internacional
que impõe sua agenda de profundos retrocessos sociais.
Vale lembrar que, não por acaso, no acordo de Marrakesh, que
instituiu os estatutos da Organização Mundial do Comércio (OMC), “os
seres humanos desapareceram da lista e objetivos destinados à economia
e ao comércio, e, com eles, qualquer referência a sua liberdade, a sua segurança econômica e a sua vida espiritual.” (SUPIOT, 2014, p. 56-57).
Supiot faz um alerta de profundo valor: “A luta de classes, das raças, e dos indivíduos pode existir como um fato histórico. Estabelecer essa
luta como um princípio fundador da ordem jurídica é negar a possibili-
A reforma trabalhista... • 127
dade dessa ordem e programar a degradação humana.” (SUPIOT, 2014,
p. 67).
Apesar de toda essa conjuntura de longo prazo e suas perspectivas
desfavoráveis, algumas dessas experiências têm começado a ser revistas
em função dos seus desastrosos resultados. Alguns países como é o caso
da Espanha já ensaiam alguns passos nesse sentido.
Repensar e buscar soluções para os graves problemas ocasionados
pela desregulamentação de normas trabalhistas constitui-se em um dos
grandes desafios do nosso tempo. Mas fundamentalmente as organizações de trabalhadores e a sociedade precisam repensar novas formas de
organização de todo esse universo de trabalhadores submetidos a todas
essas novas formas de extração de valor. Novas experiências de organização daqueles que vivem do trabalho precisam ser reinventadas como
forma de constituição de um novo contraponto ao poder sem limites do
capital financeiro.
6. Considerações finais
A reforma trabalhista significa o avanço das políticas neoliberais
e provoca um rebaixamento do patamar de inserção dos trabalhadores
no sociometabolismo capitalista, atendendo assim às novas dinâmicas de
aprofundamento das formas de extração de valores sobre o trabalho humano. Num contexto de concentração de renda e propriedade em escala
mundial provocado pela desregulamentação e perda de centralidade do
Estado regulador, a estrutura normativa de proteção ao trabalho humano
aparece como mais uma fronteira a ser conquistada.
Experiências em alguns países têm demonstrado que a adoção de
normas menos protetivas do trabalho humano não conduziram a resultados econômicos positivos, pelo contrário, acarretaram maior concentração de renda, além de não terem recuperado a empregabilidade. Portanto,
o “mercado de normas”, tendo a inflexibilidade dos direitos trabalhistas
como um fator impeditivo de investimento, apresenta-se como um severo
retrocesso social.
A sociedade precisa repensar novas formas de organização para
construir novas instituições capazes de evitar tal desregulamentação e
manter um patamar civilizatório mínimo. Tal tarefa irá desafiar a criatividade das instâncias representativas da classe trabalhadora, as quais foram
128 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
profundamente atingidas em suas organizações pelo radical processo de
hegemonia do sistema financeiro e especulativo.
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130 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
TRABALHO DECENTE, CRISE ECONÔMICA
E REFORMA TRABALHISTA NO BRASIL:
UMA LEITURA A PARTIR DA TEORIA DO VALOR
E DA CRÍTICA DA FORMA JURÍDICA
DECENT WORK, ECONOMIC CRISIS AND LABOUR
REFORM IN BRAZIL: A READING FROM THE THEORY
OF VALUE AND THE CRITIQUE OF LEGAL FORM
Leila Giovana Izidoro1
Regiane de Moura Macedo2
Resumo: O artigo realiza uma análise crítica do conceito de trabalho decente, proposto pela Organização Internacional do Trabalho, refletindo sobre
os limites e possibilidades da luta jurídica, especialmente em contextos de
crises econômicas. Para isso, será dado enfoque à aprovação da chamada
Reforma Trabalhista (Lei 13467/2017) no Brasil, relacionando-a ao contexto do capitalismo internacional. A partir do referencial teórico da crítica da
forma jurídica pachukaniana e da teoria do valor marxiana, pretendemos
1
Especialista em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo. Mestranda no Programa de Pós-graduação em Direitos Humanos da Universidade
de São Paulo. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior,
CAPES, Brasil. Integrante do Núcleo de estudos sobre teoria e prática da greve no direito
sindical brasileiro contemporâneo (NETEPGreve). Email: leila.izidoro@gmail.com.
2
Especialista em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo. Mestranda em Direito do Trabalho e Seguridade Social pelo programa de pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Advogada. Integrante do
Núcleo de estudos sobre teoria e prática da greve no direito sindical brasileiro contemporâneo (NETEPGreve) da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Email:
regianemmadv@gmail.com.
In: ANTUNES, Daniela Muradas; NICOLI, Pedro Augusto Gravatá; RODARTE, Wanessa
Susan de Oliveira (org.).A reforma trabalhista e o direito individual do trabalho: dos
retrocessos às resistências. 1ª edição. Belo Horizonte: Initia Via, 2019 (Anais do IV
Encontro da RENAPEDTS, vol. 2). ISBN: 978-85-9547-079-8. DOI: 10.17931/95470798/
v2a06.
A reforma trabalhista... • 131
demonstrar que as normas jurídicas em questão são resultados de políticas
trabalhistas que possuem uma determinação material, e que o direito localiza-se como um mecanismo de reprodução das relações de produção no
capitalismo.
Palavras-chave: Trabalho decente; Reforma trabalhista; Crise econômica;
OIT; Forma jurídica.
Abstract: The article critically analyzes the concept of decent work developed by the International Labor Organization, reflecting the limits and possibilities of legal struggle, especially in contexts of economic crisis. For this,
a focus will be given to the approval of the so-called Labor Reform (Law
13467/2017) in Brazil, relating it to the context of international capitalism.
From the theoretical reference of Pachukanis’ critique of legal form and the
Marxist theory of value, we intend to demonstrate that the legal norms in
question are the results of labor policies that have a material determination,
and that law is located as a mechanism of reproduction of relations of production in capitalism
Keywords: Decent work; Labour reform; Economic crisis; ILO; Legal form.
*
1. Introdução
O objetivo deste artigo é realizar uma análise crítica do conceito de
trabalho decente, desenvolvido pela Organização Internacional do Trabalho
(OIT), e utilizado na base principiológica do Direito do Trabalho. Para tal,
adotaremos como referencial teórico a crítica da forma jurídica pachukaniana e a teoria do valor marxiana, numa perspectiva de emancipação da
classe trabalhadora e de superação da exploração.
Nossa investigação se concentrará, especialmente, no contexto brasileiro e na aprovação da chamada Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017),
relacionando-a com o cenário internacional. Para isso, utilizaremos como
base o relatório publicado pela OIT, em outubro de 2015, intitulado Labour
132 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
market reforms since the crisis: Drivers and consequences, no qual são analisados fatores determinantes e consequências a curto prazo das reformas
trabalhistas implementadas em 111 países, no período de 2008 a 2014.
Elegemos tal documento dada a sua importância ao identificar os primeiros
movimentos dos Estados nacionais em resposta aos efeitos da crise inaugurada em 2008.
Por meio do suporte teórico e metodológico, esperamos abordar
os elementos causais da referida reforma e as tendências identificáveis em
termos de transformações no mundo do trabalho. A partir desse cenário,
pretendemos demonstrar a hipótese de que as normas jurídicas em questão
são resultados de políticas trabalhistas que possuem uma determinação material, e que o direito localiza-se como um mecanismo de reprodução das
relações de produção no capitalismo.
Nesse sentido, o artigo será desenvolvido em quatro partes. A primeira delas analisará o conceito de trabalho decente, propriamente dito, e
questionará seu uso a partir da crítica marxista da economia política, que
entende que, no modo de produção capitalista, a força de trabalho é a mercadoria dotada de um valor de uso peculiar, pois gera valor. Intentaremos,
a partir desse argumento, demonstrar como a mercadoria força de trabalho
se relaciona com os períodos de crise no capitalismo, o que nos demonstra a
fragilidade do conceito construído pela OIT e a insuficiência dos patamares
idealizados, em termos de proteção ao trabalho e aos trabalhadores, o que
ficará claro com a análise proposta na segunda parte do trabalho,na qual
abordaremos o contexto de desregulamentação trabalhista e de adoção de
políticas neoliberais em contextos de crises.
Na terceira parte, aprofundaremos o tema a fim de entendê-lo na atual realidade brasileira, sobretudo com a aprovação da Reforma
Trabalhista. No transcorrer do artigo, buscaremos estabelecer alguns argumentos que elucidem as bases que sustentam tais alterações legislativas. Por
fim, na quarta e última parte, esboçaremos algumas considerações acerca
da relação entre os conceitos trabalhados ao longo do texto para instigar a
reflexão à respeito dos limites e potencialidades da luta pelos patamares almejados pelo trabalho decente, no marco de desconstrução das conquistas
em termos de proteção social.
A reforma trabalhista... • 133
2. “O trabalho não é uma mercadoria”: o conceito de trabalho
decente e a teoria do valor em Marx
O conceito de trabalho decente foi formalizado pela OIT em 1999
e sintetiza a missão histórica da instituição: “trabalho não é mercadoria”, já
inscrito na Constituição de sua criação em 1919. Segundo Evju (2013), a
primeira vez que a máxima “trabalho não é mercadoria” foi usada, nesses
termos, foi com a Clayton Act, lei aprovada em 1914 para remediar as deficiências das leis anti-monopólios Sherman Antitrust de 1890, contra práticas
empresariais que prejudicavam os consumidores. A American Federation
of Labor (AFL) vinha pressionando pela inclusão de dispositivos que excluissem a aplicação da legislação antitruste aos sindicatos. A máxima foi
incluída como primeira sentença na Seção 6 da Clayton Act.
O trabalho de um ser humano não é uma mercadoria ou um artigo
de comércio. Nada contido nas leis antitruste deve ser interpretado
de forma a proibir a existência e o funcionamento de organizações
trabalhistas, agrícolas ou de horticultura, instituídas para fins de
ajuda mútua, e não ter capital social ou ser conduzido para lucro,
ou proibir ou restringir membros de tais organizações de realizar
legitimamente os seus objetos legítimos; nem essas organizações,
ou os seus membros, devem ser detidos ou interpretados como ilegais combinações ou conspirações na restrição do comércio, sob as
leis antimonopólio. (§ 6, CLAYTON ACT, 15 U.S.C. § 17, tradução
nossa)
Embora não haja prova concreta de que o contexto dos EUA tenha
relação com o europeu, a campanha subsequente da AFL para reforma foi
encabeçada por Samuel Gompers, co-fundador e presidente da federação.
Pode ser que a formulação da máxima, “o trabalho não é uma mercadoria” tenha sido cunhada durante esta campanha. Cinco anos mais tarde,
Gompers fez parte da delegação dos EUA na Conferência de Paz e nas negociações do Tratado de Versalhes, que, entre outros pontos, criou a OIT
(EVJU, 2013, p. 228).
Seja qual for a origem do famoso slogan que data da criação da
OIT, fato é que a mercantilização do trabalho é uma expressão frequente no
discurso do Direito do Trabalho, que representa uma preocupação constan-
134 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
te com a flexibilização e precarização da proteção social aos trabalhadores,
além de estar relacionada a concepções do Direito do Trabalho em crise.
Nesse mesmo sentido, a concepção de trabalho decente sintetiza
o ideal da OIT em promover um trabalho produtivo e de qualidade, com
dignidade humana, e que se constitui como condição fundamental para superar a pobreza e reduzir desigualdades sociais, além de garantir governabilidade democrática e desenvolvimento sustentável3. Essas características
expressam-se, segundo Laís Abramo, pela convergência de quatro objetivos
estratégicos, quais sejam, a promoção dos direitos no trabalho, a geração
de empregos produtivos e de qualidade, a extensão da proteção social e o
fortalecimento do diálogo social. (ABRAMO, p. 27)
Não iremos nos ater a cada uma das definições elencadas acima sobre o conceito de trabalho decente, porém algumas delas, em especial, nos
chamam a atenção: a ideia de “dignidade humana” e de “desenvolvimento
sustentável”. Na nossa interpretação, a noção de dignidade humana relaciona-se à uma concepção humanista de um mínimo existencial, a partir
do qual é considerada uma vida humana decente, embora tal “dignidade”
não resolva o problema da existência da desigualdade de uma sociedade de
classes, e sequer se revele palpável em um contexto econômico e social de
apropriação individual da riqueza produzida socialmente.
Já o desenvolvimento sustentável pode ser entendido de uma forma
mais conservadora, em que o “trabalho decente” é utilizado como forma de
sustentar o status quo do modo de produção capitalista4.
Não é necessário extrapolar as margens da dogmática jurídica para
encontrar, na literatura, o reconhecimento a função de relativa estabilização
das relações sociais e reprodução da sociabilidade capitalista, conferida ao
Direito Trabalho, marco em que se coloca o conceito de “trabalho decente”.
Encontramos, em Maurício Godinho Delgado:
Retomando-se o exame das funções juslaborativas gerais, é evidente que seria ingenuidade negar-se que o Direito do Trabalho
não tenha, também e de modo concomitante, uma função política
conservadora. Esta existe à medida que esse ramo jurídico especiaTrabalho decente. OIT Brasília. Temas. Disponível em: www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-decente/lang--pt/index.htm Acessado em 08 ago. 2018.
4
Podemos entender até como uma nova forma de sociabilização do capital, que garante a
sua continuidade, inclusive no discurso do desenvolvimento sustentável visando a “preservação” da natureza (LAMOSA, 2010).
3
A reforma trabalhista... • 135
lizado confere legitimidade política e cultural à relação de produção básica da sociedade contemporânea. O reconhecimento dessa
função, entretanto, não invalida o diagnóstico de que a normatividade autônoma e heterônoma justrabalhista é que assegurou, ao
longo dos dois últimos séculos, a elevação do padrão de gestão das
relações empregatícias existentes e do próprio nível econômico
conferido à retribuição paga aos trabalhadores por sua inserção no
processo produtivo. (DELGADO, 2017, p. 58)
É possível encontrar relação entre o conceito trabalho decente e o
instituto do dumping social5, este mais claramente relacionado à sustentabilidade das relações econômicas, na medida em que pretende a criminalização de práticas de concorrência desleal, transportado para a esfera das
relações de trabalho. Nesse sentido, identifica-se a prática de sonegação de
direitos trabalhistas como constituinte da concorrência desleal, da medida
em que reduz os custos de produção, favorecendo a posição do infrator no
mercado, o que desafia o sistema mercantil e nega efetividade aos patamares mínimos civilizatórios, preconizados pelo conceito de trabalho decente.
Vejamos:
Assim, o meio ambiente de trabalho decente apresenta-se no decorrer do tempo, mais distante da realidade, sendo que a terceirização ilegal contribui imensamente para não concretização de
direitos trabalhistas, pois ao transferir responsabilidades empregatícias às empresas interpostas visa eximir-se das responsabilidades
advindas do contrato de trabalho. Nesta conjectura fomenta-se o
dumping social que representa a concorrência desleal, com a produção de bens a custo inferior ao do mercado, fruto de suprimentos dos direitos trabalhistas e consequentemente promotor de desigualdades. (SILVA. BERNARDINELI, 2016: 239-269)
Verifica-se que o sentido de sustentabilidade relaciona-se à pretensão de tornar as relações de trabalho no sistema capitalista capazes de se
manterem e reproduzirem-se ao longo do tempo, para o que são necessários
mecanismos de limitação à exploração, sob pena de torná-la tão insuportável quanto inviável.
Santos (2015) sumariza o conceito de dumping social empregado pela doutrina justrabalhista, e ainda reúne ementas de diversos regionais, que enfrentam no tema do artigo.
5
136 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Resgatamos que o próprio direito atua como elemento de mediação
necessário sociabilidade capitalista, fundada na troca mercantil, ao passo
que constitui-se um sofisticado mecanismo de reprodução dessas relações.
Para Althusser, um Aparelho Ideológico do Estado, que pelo mecanismo de
interpelação, alça os sujeitos à condição de objeto e reprodução das relações
sociais.
Ainda assim, tais argumentos não são suficientes para uma análise
mais profunda do termo trabalho decente. Sendo a própria noção de trabalho decente uma abstração, pressupõe, de toda sorte, entendermos quais são
as relações materiais concretas de trabalho as quais ela remete.
É nesse sentido que nos parecem úteis os apontamentos de Karl
Marx sobre a teoria do valor trabalho em sua crítica da economia política. Uma de suas principais categorias de análise é a de mercadoria. Marx
inaugura sua crítica da economia política pela mercadoria, por identificá-la
como a forma elementar do processo do Capital. Trata-se, a mercadoria, de
um objeto que satisfaz necessidades humanas, diretamente, pelas qualidades de que dispõe (um sapato para calçar e proteger os pés do frio e irregularidades do solo) ou indiretamente, como meio de produção (MARX, 2017,
p. 57), e reúne o valor de uso, enquanto expressão de sua utilidade e veículo
material do valor de troca, sendo este, a relação quantitativa entre valores
de uso e expressão do trabalho socialmente necessário para produção da
mercadoria6.
O autor coloca em evidência o duplo caráter do trabalho, distinguindo o trabalho concreto do trabalho abstrato, sendo este último repreNas palavras de Marx (MARX, 2017: p. 61): “Um valor de uso um bem só possui, portanto, valor, porque nele está corporificado, materializado, trabalho humano abstrato. Como
medir a grandeza de seu valor? Por meio da quantidade da ‘substância criadora de valor’
nele contida, o trabalho. A quantidade de trabalho, por sua vez, mede-se pelo tempo de sua
duração, e o tempo de trabalho, por frações do tempo, como hora, dia, etc. (...) Todavia,
o trabalho que constitui a substância dos valores é o trabalho humano homogêneo, dispêndio de idêntica força de trabalho. Toda força de trabalho da sociedade - que se revela
nos valores do mundo das mercadorias - vale, aqui, por força de trabalho única, embora se
constitua de inúmeras forças de trabalho individuais. cada uma dessas forças individuais
de trabalho se equipara às demais, na medida em que se possua o caráter de uma força
média de trabalho social e atue como essa força média, precisando, portanto, apenas de
tempo de trabalho em média necessário ou socialmente necessário para a produção de
uma mercadoria. Tempo de trabalho socialmente necessário é o tempo de trabalho requerido para produzir-se um valor de uso qualquer, nas condições de produção socialmente
normais existentes e com grau social médio de destreza e intensidade do trabalho.”
6
A reforma trabalhista... • 137
sentado pela mercadoria força de trabalho, que possui valor de uso e valor
de troca (RUBIN, 1987, p. 146). O que caracteriza o trabalho abstrato é a
abstração das formas concretas de trabalho, relação social básica entre produtores mercantis separados, que se efetiva na troca, enquanto categoria
social do sistema produtivo (RUBIN, 1987, p. 165).
Dessa forma, a partir da perspectiva histórica da divisão social
do trabalho, é também possível estabelecer uma magnitude determinada
quanto ao trabalho abstrato. Marx estabelece referida quantificação a partir do tempo de trabalho (RUBIN, 1987, p. 172), e coloca a intensidade do
trabalho como categoria complementar, o que evidencia a distinção entre
trabalho fisiológico e trabalho abstrato.
“A relação básica da sociedade mercantil, a relação entre os possuidores de mercadorias, reduz-se à relação em que o homem só entra na
posse do trabalho alheio, desprendendo-se dos produtos do seu” (RUBIN,
1987, p. 30). Dessa forma, a força de trabalho é a mercadoria peculiar que
distingue as relações de produção do sistema capitalista:
Se no modo de produção escravista a extração de trabalho de uma
classe por outra estava ligada à violência e à coação e no modo de
produção feudal tal relação se dava por meio de vínculos pessoais reforçados por aspectos religiosos, na sociedade capitalista o
mesmo se dá por um contrato. É exatamente nesse sentido que é
possível falar em generalização da troca mercantil. O trabalhador é
tornado livre pela ordem jurídica burguesa, em dois sentidos: livre
para comprar e vender mercadorias, constituindo para si direitos
e obrigações, unicamente por meio de sua força de vontade; e livre
da propriedade dos meios de produção, que lhe atribuiria o ‘penoso’ encargo social de dirigi-la em prol da manutenção material da
comunidade. diante desta dupla liberdade, o trabalhador negociará
a única mercadoria que se encontra à sua disposição: sua própria
força de trabalho. (BATISTA, 2013: 175)
Outro conceito importante das obras de Marx é o de alienação.
Segundo o autor, o trabalho é exterior ao homem, é forçado e não satisfaz as
suas necessidade, se constituindo apenas em um meio de receber um salário para garantir sua sobrevivência (MARX, 2004, p. 2). Dessa forma, para
a economia política, o homem só existiria enquanto trabalhador em pleno
exercício de suas atividades produtivas.
138 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Temos, portanto, que a premissa do trabalho decente, ao afastar o
caráter mercantil de que é dotada a força de trabalho no capitalismo, restringe-se a argumento retórico, totalmente desprovido de materialidade, o
que não basta para os fins deste estudo preliminar. Ao contrário, o conceito
de decência do trabalho afronta a própria concepção de trabalho como estranhado e alienado. Conforme Marx:
O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O
trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais
mercadorias cria. (MARX, 2004, p. 80)
Ainda, de acordo com Pachukanis (2017), a forma-mercadoria só
se realiza completamente por meio da forma jurídica, sendo esta apenas
abstração das “relações de fato entre pessoas contrapostas umas às outras
como produtoras de mercadorias” (PACHUKANIS, 2017, p; 232).
Assim, a utopia humanista propagandeada pela Organização
Internacional do Trabalho, por meio do ideal do trabalho decente, utiliza-se
também da abstração da forma jurídica por meio do direito do trabalho.
Tais instrumentos se revelam como ideológicos e são lastreados pela concepção da equivalência, mecanismo que trata de suposta igualdade entre
compradores e vendedores e que viabiliza a subtração da força de trabalho
da classe trabalhadora.
Como mercadoria que é no capitalismo, a força de trabalho é dotada de características particulares, representadas pelo seu valor de uso e
seu valor de troca. É o trabalho que gera valor, de maneira que a jornada de trabalho é composta pelo tempo de trabalho necessário, ou seja, o
tempo de trabalho empregado na recomposição e reprodução da força de
trabalho, e o tempo de trabalho excedente, o que caracteriza a mais valia,
objeto de expropriação do capitalista, ou aquilo que constituirá sua riqueza,
oriunda do despojamento do tempo de trabalho (vida) do trabalhador, não
remunerado.
Quanto mais restrito o tempo de trabalho necessário, ou seja, quanto menos custosa é a reprodução da força de trabalho, mais riquezas são
apropriadas pelo capitalista, ou maior é sua taxa de lucro, o que é determinante em um sistema cuja dinâmica é marcada pela queda tendencial da
taxa de lucro ou crise.
A reforma trabalhista... • 139
Sobre o tema crise, sabemos que a literatura marxista é controvertida, havendo autores que identificam na obra marxiana uma teoria das
crises, como inerente ao movimento do próprio capital, enquanto outros
autores apontam que a obra marxiana não trouxe um tratamento sistematizado quanto ao tema.
Entendermos que a obra marxiana possui uma teoria das crises, em
que a crise é parte constitutiva do movimento do próprio capital. Segundo
Batista (2018: p. 1660), é possível identificar n’O capital, ao menos dois
fatores determinantes na teoria das crise. O primeiro diz respeito à identificação, realizada por Marx, do caráter violento das crises, que integram a
dialética imanente aos processos de produção e circulação.7 Ou seja, as contradições presentes no processo de circulação e produção, integradas como
um todo, irrompem crises violentas, com parte de um mecanismo de recomposição, ou reequilíbrio das contradições envolvidas (BATISTA, 2018:
p.1662). O autor também identifica, na obra marxiana, um segundo caráter
determinante na teoria das crises, circunscrito numa apreciação histórica
do movimento do capital: seu caráter cíclico (BATISTA, 2018: p. 1663).
É nesse sentido que uma das medidas de recomposição das taxas
de lucro é a redução do tempo de trabalho necessário, o que se efetiva pelo
ataque aos direitos sociais dos trabalhadores, como será demonstrado com
dados empíricos a partir da seção seguinte.
3. Desregulamentação
panorama internacional
trabalhista
e
crise
econômica:
De acordo com o relatório Labour market reforms since the crisis:
Drivers and consequences, no período de 2008 a 2014, houve uma intensificação na promoção de reformas normativas no campo da regulação do
mercado de trabalho. Dessas reformas, 92% constituíram mudanças permanentes na legislação, “o que sugere que a crise levou a uma mudança
7
O fato de que a conjugação de todas as forças de trabalho individuais para a constituição
de um processo de trabalho social, que será responsável por toda a reprodução social, seja
mediado por processos de compra e venda de mercadorias, inclusive a própria força de
trabalho tornada mercadoria, coloca os processos de produção e de circulação em uma
unidade dialética cuja ruptura, causada pela autonomização externa excessiva entre processos imanentemente unitários, somente pode se dar de forma violenta (BATISTA, 2018,
p.1662).
140 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
de longo prazo na regulação do mercado de trabalho em todo o mundo”
(ADASCALITEI, 2016, p. 6). A maior parte das alterações trazidas por essas
reformas atingiram contratos permanentes (30%) e a negociação coletiva
(27%).
No âmbito da desregulamentação, 74% das alterações versavam sobre horas de trabalho, 65% tratavam de contratos de trabalho temporários,
62% de demissões coletivas e 28% para novas formas de contratação, tendentes à flexibilização (ADASCALITEI, 2016, p. 07). Segundo o estudo, nos
países de economia desenvolvida, foram adotadas alterações que atingiram
os contratos permanentes, enquanto nas economias em desenvolvimento
foram realizadas alterações legislativas especialmente no âmbito da negociação coletiva.
Em tempos de crise, os governos implementaram reformas desregulatórias do mercado de trabalho, simultaneamente a “medidas de consolidação orçamental”(ADASCALITEI, 2016, p. 14). Parece-nos correto
concluir, a partir dos dados sistematizados, que os Estados nacionais implementaram alterações na legislação trabalhista em momentos de crise
no mercado de trabalho mas, sobretudo, que as medidas de alteração da
legislação trabalhista são acompanhadas de medidas que visam, via de regra, controle de gastos no orçamento público, o que impacta no orçamento
disponível para a efetivação dos serviços públicos à população.
Assim há uma ação positiva dos Estados no sentido de assegurar
os interesses da parcela detentora do poder econômico nos momentos de
crise, especialmente ceifando direitos sociais, seja pela mudança da legislação trabalhista, seja pelos cortes no orçamento público. Em curtas palavras,
a conta da crise econômica é imposta aos trabalhadores, é o que veremos
também no contexto nacional.
4. Crise econômica no Brasil: legislação trabalhista e mercado
de trabalho
No cenário de profundas alterações no mundo do trabalho, se insere a reforma trabalhista brasileira. A Lei 13.467/2017 não foi a primeira
medida estatal em resposta à crise inaugurada em 20088, mas, com base
Podemos localizar uma série de medidas que já vinham sendo adotadas a partir de 2014.
Uma lista completa pode ser encontrada em SOUTO MAIOR, 2017.
8
A reforma trabalhista... • 141
nela, podemos indicar, em comparação com estudo formulado por Dragos
Adascalitei e Clemente Pignatti Morano, que houveram significativas alterações no âmbito dos contratos permanentes, temporários, outras formas
de trabalho, instituições de negociação coletiva, desligamentos coletivos e
jornada de trabalho. Sua intrínseca relação com a resposta do Estado nacional, como gestor dos negócios da burguesia, à crise econômica: a Reforma
Trabalhista, atendendo aos interesses do grande capital, subtrai direitos dos
trabalhadores a fim de reduzir o “custo trabalho”, para manutenção ou ampliação das taxas de lucro.
As mudanças promovidas no âmbito da negociação coletiva, e no
contexto geral da regulação do trabalho, não fortalecem os sujeitos coletivos, ao contrário, desagregam os trabalhadores, enfraquecem sua organização sindical e o desarmam frente a ação do capital. É possível constatar modificações que atingem contratos permanentes e temporários de trabalho,
atingindo a proteção à remuneração em diversos aspectos.
A Reforma trabalhista brasileira estabelece formas de contratação
em que o trabalhador efetivamente assume os riscos da atividade empresarial, como no trabalho intermitente (artigo 443, §3º CLT). Ainda, tenta afastar a caracterização do vínculo de emprego na contratação de trabalhadores “autônomos”, quando “cumpridas por este todas as formalidades legais”
(artigo 442-B CLT). Também regulamenta o teletrabalho, no capítulo II-A,
excluindo esses trabalhadores do regime de jornada (artigo 62, III CLT),
negando-lhes o direito a horas extras, intervalos e adicional noturno, entre
diversas outras alterações, todas prejudiciais aos trabalhadores.
A extinção da contribuição sindical obrigatória, com a manutenção dos demais pilares da estrutura sindical (a unicidade e a investidura
sindical), a retirada de atribuições essenciais dos sindicatos e a inclusão da
possibilidade de negociação individual e de representação por empresa desvinculada dos sindicatos dos trabalhadores são medidas que enfraquecem a
organização coletiva dos trabalhadores. Além disso, a Reforma Trabalhista
prevê a prevalência do negociado sobre o legislado (artigo 611-A CLT), não
de maneira paradoxal, mas em perfeita consonância com o intuito de desconstrução dos patamares protetivos conquistados pela classe trabalhadora.
Ademais, vedou, expressamente, a ultratividade das normas coletivas, de modo que as condições estabelecidas por negociação se exaurem
ao término da vigência da norma, independentemente da fiação de novas
142 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
condições, fragilizando a estabilidade e o equilíbrio econômico das relações
de emprego (artigo 614, §3º CLT).
A reforma trabalhista incluiu nova redação ao artigo 4º da CLT, o
§2º, que deixou de computar na jornada de trabalho o período destinado à
alimentação, estudo, higiene pessoal e troca de uniforme quando não houver obrigatoriedade na empresa. O tempo despendido pelo trabalhador em
condução fornecida pelo empregador, para chegar ao trabalho, em local de
difícil acesso, ou não servido por transporte público regular, conhecido por
jornada in itinere, deixou de integrar a jornada de trabalho.
Com a alteração da redação do artigo 59 da CLT, passou a prever a
possibilidade de banco de horas por acordo individual escrito, com a compensação no interregno de 6 (seis) meses, ou acordo individual tácito ou
escrito, para compensação no mesmo mês de trabalho. Também prevê a
possibilidade de estipulação de turnos de 12x36 mediante acordo individual escrito, inclusive no trabalho doméstico (artigo 59-A CLT), considerando
pagos e compensados o trabalho noturno (artigo 73, §5º CLT) e os feriados
(artigo 70 CLT) na remuneração mensal.
Essas são apenas algumas das tantas alterações substanciais trazidas
pela Lei 13.467/2017. Os dados demonstram que a Reforma Trabalhista aumentou o desemprego e a informalidade:
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
em dezembro do ano passado, a população ocupada era de 92,1
milhões de brasileiros e os trabalhadores informais (sem carteira
ou trabalho por conta própria) representavam 37,1% do total, ou
34,2 milhões, superando o contingente formal, que somava 33,3
milhões. De acordo com o instituto, foi a primeira vez na história
que o número de trabalhadores sem carteira assinada superou o
conjunto de empregados formais.9
Na Justiça do Trabalho, estima-se uma redução de mais de 50% no
número de processos distribuídos10. A redução dos processos se dá pelas
9
Reforma Trabalhista gera desemprego e impede acesso à justiça, dizem debatedores.
Senado notícias. 14 maio 2018. Disponível em : <https://www12.senado.leg.br/noticias/
noticias/materias/2018/05/14/reforma-trabalhista-gera-desemprego-e-impede-acesso-a-justica-dizem-debatedores>. Acessado em 24/08/2018.
10
Após reforma, número de novos processos trabalhistas caiu pela metade. Carta Capital,
Brasília, 1 maio 2018. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/politica/Apos-
A reforma trabalhista... • 143
medidas que impedem o acesso à justiça, e não pela efetividade dos direitos
sociais. Estamos diante de um dos maiores retrocessos em termos de legislação social na história dos trabalhadores brasileiros.
Tal retrocesso em termos de direitos sociais, em seu aspecto jurídico, é colocado como essencial para garantir a reprodução das relações
sociais de produção em períodos de crise. Dessa forma, o jurídico cede ao
econômico e ao político, o que, dito de outra forma, reforça a necessidade
de a classe trabalhadora não ver na luta por direitos um fim em si mesmo.
É claro que o contexto de perda de garantias legais relacionadas à
disciplina do trabalho afeta a vida individual de uma coletividade de trabalhadores. No entanto, o que pretendemos argumentar, e isso ficará mais
evidente na seção seguinte, é que a classe trabalhadora deve estabelecer táticas e estratégias que vão além da luta por direitos, que é limitada em seu
potencial transformador e que tem seus impulsos e seus freios.
5. Equivalência, luta por direitos e a resposta da classe
trabalhadora: apontamentos que não se encerram em uma
conclusão
Em tempos de crise econômica, as primeiras medidas dos Estados
nacionais, gestores dos interesses do capital, expressam-se em ataques a direitos sociais. Esse é um fato que, no entanto, não nos autoriza a manter um
programa que limite-se a defesa dos direitos, como mecanismo de reprodução das relações capitalistas de produção.
Dessa forma, podemos concluir que as alterações legislativas observadas pelo estudo Labour market reforms since the crisis: Drivers and
consequences e pela Lei 13.467/2017, se analisadas à luz da teoria do valor
marxiana, evidenciam a ampliação da extração da mais-valia para os capitalistas, por meio da ampliação do trabalho abstrato, com a prorrogação da
jornada, intensificação do trabalho e redução do custo da reprodução das
relações sociais.
Portanto, em contextos de crises cíclicas do capital, é necessário que
reflitamos sobre os próprios mecanismos de “sustentabilidade” do modo de
produção capitalista, isto é, de suas formas de reprodução e de produção
reforma-numero-de-novos-processos-trabalhistas-caiu-pela-metade>.
24/08/2018.
Acessado
em
144 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
constantes. Isso nos leva a questionar os limites e as possibilidades da luta
jurídica, pois normas jurídicas são resultados de políticas que possuem determinação material.
Se o direito localiza-se como um mecanismo de reprodução das relações de produção no capitalismo, nunca revelam-se tão atuais as palavras
de Marx e Engels, n’O Manifesto: “Tudo o que era sólido e estável se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profano e os homens são finalmente
obrigados a encarar sem ilusões a sua posição social e as suas relações com
outros homens” (MARX, ENGELS: 43).
Assim, o conceito de trabalho decente, abstratamente considerado,
representa, para a classe trabalhadora, a sua sujeição e perpétua à apropriação individual do que por ela é socialmente produzido, ao passo que revela-se um objeto desprovido de generalidade e inalcançável sob a moldura do
sistema social e econômico vigente.
O trabalho, no capitalismo, não será decente, economicamente
produtivo e socialmente sustentável, pois é reduzido à mercadoria. Ao menor sinal de crise, o trabalho sofre desvalorização, com a retirada de direitos
e restrição a serviços sociais, como medidas primárias à recomposição da
taxa de lucro dos capitalistas.
A emancipação da classe trabalhadora e de toda a humanidade requer a superação do trabalho alienado, da apropriação individual da riqueza socialmente produzida, o que não se dá pela luta jurídica, ou luta por
direitos, mas pela superação do próprio Direito, em determinado patamar,
como um mecanismo de reprodução das relações mercantis.
Não significa dizer que devemos abandonar a luta por direitos, mas
sim fazer da luta por direitos um mecanismo de avanço da consciência de
classe e organização dos trabalhadores. À partir de seu grau de consciência
de entendimento conduzir a luta de modo a explorar e evidenciar as contradições do sistema econômico e social e apontar a necessidade de construção
de uma alternativa que supere suas contradições.
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A reforma trabalhista... • 147
A ECONOMIA SOLIDÁRIA COMO MEIO DE RESISTÊNCIA
À PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO:
PARA AMPLIAR O OBJETO DO DIREITO DO TRABALHO,
A PARTIR DA ARTICULAÇÃO ENTRE O PRINCÍPIO DA
SOLIDARIEDADE E O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO SOCIAL
THE SOLIDARY ECONOMY AS A MEANS OF RESISTANCE
TO THE PRECARIZATION OF WORK RELATIONS: TO
BROADEN THE SCOPE OF LABOR LAW, BASED ON THE
ARTICULATION BETWEEN THE PRINCIPLE OF SOLIDARITY
AND THE PRINCIPLE OF SOCIAL PROTECTION.
Everaldo Gaspar Lopes de Andrade1
Raissa Saldanha Menezes Malagueta2
Fernanda Barreto Lira3
Resumo: O presente artigo objetiva revisitar a teoria jurídico-trabalhista
crítica, diante do atual cenário de hiperprecarização das relações de trabalho, para denunciar a imposição dos valores e da ideologia da classe
dominante. Segue a trilha da redefinição/deslocação do objeto do direito
do trabalho - para além do trabalho livre/subordinado - e incluir outras
Doutor em Direito. Universidade de Deusto-Espanha. Professor adjunto da Faculdade de
Direito do Recife – graduação, mestrado e doutorado, e integrante do Grupo de Estudo e
Pesquisa em Direito do Trabalho e Teoria Social Crítica (Recife/PE/Brasil). E mail: egasparandrade@uol.com.br
2
Mestranda em Direito no Programa de Pós Graduação em Direito da Universidade
Federal de Pernambuco. Integrante do Grupo de Estudo e Pesquisa em Direito do Trabalho
e Teoria Social Crítica (Recife/PE/Brasil). E mail: raissasaldanhamenezes@gmail.com
3
Doutora em Direito. Universidade Federal de Pernambuco. Professora Colaboradora
no Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPE. Integrante do Grupo de Estudo
e Pesquisa em Direito do Trabalho e Teoria Social Crítica (Recife/PE/Brasil). Servidora
Pública do Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região. E-mail: fernandablira@gmail.
com
1
In: ANTUNES, Daniela Muradas; NICOLI, Pedro Augusto Gravatá; RODARTE, Wanessa
Susan de Oliveira (org.).A reforma trabalhista e o direito individual do trabalho: dos
retrocessos às resistências. 1ª edição. Belo Horizonte: Initia Via, 2019 (Anais do IV
Encontro da RENAPEDTS, vol. 2). ISBN: 978-85-9547-079-8. DOI: 10.17931/95470798/
v2a07.
148 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
alternativas de trabalho e rendas compatíveis com a dignidade humana,
especialmente aquelas que decorrem da Economia Solidária/Social. Busca
ressignificar o Princípio da Solidariedade, articulando-o com o Princípio
da Proteção Social. Neste sentido, procura ressignificar o conceito de solidariedade como fruto e derrocada do ultraliberalismo global, para abarcar, a partir dos conflitos individuais e coletivos de trabalho, os sentidos
da emancipação social. Na medida em que a sociedade moderna gira em
torno da circulação de mercadoria – da subordinação da força do trabalho ao capital -, pretende redefinir o Direito à Cidade, na concepção de
Lefebvrè, enquanto espaço construído pelo homem em que se reproduzem, ao mesmo tempo, as desigualdades sociais sustentadas por aquela
ideologia e os instrumentos de resistência provenientes da luta de classe.
Palavras-chave: Economia solidária; Instrumento de resistência; Espaço
de resistência; Direito à cidade; Teoria social crítica.
Abstract: The present article aims to revisit the critical legal-labor theory,
in the face of the current scenario of hyperprecarization of labor relations, to denounce the imposition of the values and ideology of the ruling
class. It follows the path of redefinition / displacement of the object of
labor law - in addition to free / subordinate labor - and includes other
work alternatives and incomes compatible with human dignity, especially
those derived from the Solidary / Social Economy. It seeks to re-signify the Principle of Solidarity, articulating it with the Principle of Social
Protection. In this sense, it seeks to re-signify the concept of solidarity
as the fruit and overthrow of global ultraliberalism, to encompass, from
individual and collective labor conflicts, the meanings of social emancipation. Insofar as modern society revolves around the circulation of commodities - from the subordination of the labor force to capital - it seeks
to redefine the Right to the City, in the conception of Lefebvrè, as a space
constructed by the man in which the social inequalities sustained by that
ideology and the instruments of resistance from the class strugglethey are
reproduced at the same time.
Keywords: Solidary economy; Instrument of resistance; Space of resistance; Right to the city; Critical social theory.
A reforma trabalhista... • 149
1. A crítica ao discurso filosófico da modernidade: as relações
de trabalho enquanto relações de poder
Vivem-se, hoje, tempos difíceis. Tempos de desamor, de crise de
valores, de objetivação do subjetivo, de liquidez de relações, de pessoas e
de sentimentos. De egoísmo, egocentrismo e falta de solidariedade. De
ausência de cuidado com o outro, de descarte e substituição, de fragilidade. E tudo isso de forma clara, consciente e determinada. Inclusive, e
principalmente, no mundo do trabalho.
São inegáveis as transformações pelas quais vem passando as relações sociais, especialmente no campo das relações produtivas e laborais, enquanto braço indivisível dos diversos aspectos e campos de análise
da sociedade contemporânea, denominada, por alguns teóricos, como
pós-moderna.
Considera-se, no esteio dos argumentos desenvolvidos pelo coautor deste texto (2014), o conceito de pós modernidade impreciso, já que
pode levar à ideia de sucessão de fases, de superação da época da modernidade, o que, de fato, não ocorreu. Na verdade, uma análise mais atenta
demonstra que o que houve foi um aumento da complexidade social, gradativo, em progressão geométrica, mas de forma espiral, com avanços e
retornos, em forma elíptica, entremeados de pontos de intersecção, com a
ampliação das interferências entre os vários subsistemas sociais, de forma
caótica e desestruturada (no sentido da alopoiese defendida e definida por
MARCELO NEVES: 1992).
Isto porque a modernidade se caracterizou, justamente, pela tentativa social de enquadrar os valores eleitos por aquele determinado grupo
social (dependendo do corte epistemológico no tempo/espaço), impondo-lhe inclusive a respectiva posição hierárquica, a fim de fundamentar
e resguardar a manutenção da ideologia dominante. O estabelecimento
dos chamados “absolutos universais” de ZYGMUNT BAUMAN (2001) é
fruto desta tentativa, uma vez que antes dela não existiam de forma consciente e organizada, e muito menos havia uma preocupação científica e
doutrinária em estabelecer marcos teóricos fundantes, a fim de justificar o
pensamento dominante da classe que estava no poder.
Era preciso, pois, difundir os valores e a ideologia da classe dominante (in casu, a burguesa) por todos os centros de poder, ou centros de
comando sociais, dos quais emanavam as ordens a serem cumpridas pelo
150 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
restante da sociedade, de forma impositiva e verticalizada. Paralelamente,
só seria possível o assentamento da ideologia se estes valores fossem absorvidos, introspectados pelos sujeitos-destinatários como corretos e desejáveis. A adesão (ou aderência) subjetiva traria a cimentação necessária
ao estabelecimento da nova ordem desejada, e isso só seria possível com
o auxílio dos filósofos e estudiosos, que encaparam o trabalho de criar e
divulgar as bases teóricas justificadoras e hábeis à manutenção da ordem
que se pretende dominante.
Atente-se para o fato de que, como salienta uma das autores desta
artigo (LIRA: 2015) as relações de trabalho instituídas na modernidade datadas e não transhistóricas -, são relações de poder. É que a burguesia
não veio para ser hegemônica num determinado país ou região, veio para
ser hegemônica no mundo. Eis a razão pela qual se valeu dos filósofos
para traçar uma ética omnicompreensiva, como, em seguida, valeu-se dos
juristas para traçar, as regras jurídicas sobre as quais as pessoas e a sociedade deveriam seguir.
O trabalho contraditoriamente livre/subordinado, instituído para
disciplinar relações ontologicamente desiguais, só poderia permanecer
na medida em que as classes dominadas se apropriassem dos valores das
classes dominantes, daí o Hino da Fábrica Moderna, a Evangelização do
chamado “trabalho livre”. Uma arquitetura político-jurídica que serviu de
base para UNIVERSALISAR/LEGITIMAR o modo de produção capitalista que, por seu turno, subordina a força do trabalho ao capital.
2. A heterogenização/complexificação, fragmentação/
desprolaterização do trabalho industrial fabril
Aqui se pretende realçar, primeiro, o fato de a teoria jurídico-trabalhista clássica tratar fenômenos como terceirização, desregulamentação
das relações de trabalho como causa das metamorfoses em curso e da
clandestinização das relações de trabalho. No entanto, são elas consequências, sobretudo, da passagem do sistema fordista para o sistema de acumulação flexível; reflexos de uma etapa ainda mais complexa e sofisticada,
A reforma trabalhista... • 151
que reúne as forças produtivas e as relações de produção, no cenário do
capitalismo ultraliberal4 (HARVEY: 2012).
Parte-se, assim, do pressuposto teórico de que os valores eleitos
como imperativos categóricos universais não são fruto de uma evolução
natural, mas impostos conscientemente e de forma externa pela ideologia
dominante. Em cada época, os centros de poder são usados para transmitir e cristalizar subjetiva e objetivamente os valores pretendidos pela classe
dominante. Assim o foi no início da modernidade, com a ascensão da
burguesia. Assim o foi em cada transformação do capitalismo, que se torna mais agressivo a cada crise cíclica, inclusive quando atingiu o denominado ultraliberalismo global. E assim está sendo nesta época de imposição
de precarizações, de supostas “flexibilizações”, de retirada de direitos e de
retrocesso social, que nada mais refletem senão a superior hierarquização
dos valores da mais-valia burguesa, e da lucratividade, sobre a proteção e
a dignidade humana.
A heterogenização/complexificação, fragmentação/desprolaterização do trabalho industrial fabril denunciada por RICARDO ANTUNES
(2015) tem gerado uma clandestinização sem precedentes nas relações de
trabalho contemporâneas. Daí a urgência de denunciar os valores e a ideologia da classe dominante, responsável direta por esta tragédia social, e a
importância da desconstrução da figura do “trabalho livre/subordinado”,
pretendida também por um dos autores deste texto, em diversos de seus
títulos, e que embasa as análises e linhas doutrinárias consideradas pelos
estudiosos do Programa de Pós Graduação em Direito do Trabalho da
UFPE e, especialmente, pelo Grupo de Pesquisa Direito do Trabalho e
Teoria Social Crítica.
É preciso ter em conta que se trata, em verdade, de uma figura
aporética criada artificialmente, e alçada ao posto de matiz vertebral de
todas as relações laborais, e ainda do próprio ramo jurídico que foi criado
para justificá-la. A opção burguesa por este modelo foi consciente, não
evolutiva, e objetivou justificar o modelo de relação laboral pretendido,
enquanto espinha dorsal da criação do próprio direito do trabalho e, em
Neste sentido, o pensamento desenvolvido por um dos autores deste artigo, EVERALDO
GASPAR DE ANDRADE, no artigo “As relações individuais e coletivas de trabalho no
contexto da dualização do assalariado, da teoria organizacional crítica e das teorias dos
movimentos sociais: para uma reconfiguração hermenêutica sobre o fenômeno terceirização” (2014)
4
152 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
última análise, da própria noção de poder, já que a relação de trabalho é
de subordinação, antes de tudo, uma relação de poder.
3. A obsolescência da teoria jurídico-trabalhista clássica:
entre o contorno da crise e a economia social e solidária
proposta pela teoria jurídico-trabalhista crítica
3.1. A obsolescência da teoria jurídico-trabalhista clássica
A contemporaneidade trouxe, ainda, profundas transformações,
por meio de instrumentos como a parassubordinação e a flexissegurança, criando uma falsa sensação de maior proteção e menos subordinação, quando, na verdade, a subordinação estrutural e econômica é cada
vez maior e mais agressiva, atingindo níveis alarmantes de desigualdade,
concentração de renda e de poder. Há uma imposição objetiva e subjetiva para que o indivíduo, de forma consciente, pretenda inserir-se, de
qualquer forma e sob quaisquer condições, neste modo de relacionar-se
imposto pelo capitalismo liberal, aderindo aos valores dominantes e reduzindo, cada vez mais, sua liberdade criativa, sua subjetividade.
Neste ponto, vale lembrar o que diz FOUCAULT (2006) sobre a
docilidade dos corpos, e a necessidade de normalização e normatização
dos comportamentos, tornando-os previsíveis e ajustados à formatação
social pretendida, comportamento que se repete desde o início do capitalismo liberal até o momento atual de hiperprecarização das relações,
especialmente com a imposição da Lei 13.467/2017, conhecida como reforma trabalhista, e a recentíssima liberação da terceirização para todas
as atividades, inclusive as finalísticas, revelando clara opção política do
Supremo Tribunal Federal em seu julgamento.
Neste contexto, urge analisar e reconhecer os discursos teóricos
que são perpetrados pela classe dominante para adesão subjetiva dos destinatários aos seus valores, nem sempre verídicos e reais, quando confrontados cientificamente. O trabalho formal assalariado, objeto central da
proteção jurídica trabalhista, não corresponde hoje à principal forma de
inserção social, ocupando espaço minoritário, em detrimento dos diversos modelos de subempregos, dos desempregados, dos não-empregáveis,
dos associados e dos trabalhadores que, tendo alcançado nível de formação acadêmica diferenciada, já não se submetem à subordinação em sen-
A reforma trabalhista... • 153
tido clássico, e que, ao largo, exercem atividade cada vez mais controlada
e subordinada pelo mercado, pelo modelo e por auto cobranças derivadas
da captura da subjetividade.
Neste novo panorama, é preciso atentar para novas formas de resistência aos modelos implantados, especialmente quando exercidas de
forma coletiva, e com a utilização de novos instrumentos e meios de comunicação, de forma a criar um novo contraponto à altura do ultraliberalismo global, da hiperprecarização de direitos, do esvaziamento da segurança das relações laborais e do desprezo à subjetividade do trabalhador.
Urge, assim, redefinir o próprio direito do trabalho, desconstruindo a base ideológica sobre o qual fora construído, ampliando o seu objeto,
para além do superado trabalho livre/subordinado, inclusive no que se refere ao trabalho associado, verdadeiramente livre e potencialmente dignificante, capaz de emancipar efetivamente aquele que sobre ele se debruça,
os seus e o espaço que ocupa.
3.2 Economia social e solidária. a proposta da teoria jurídicotrabalhista crítica
Para tanto, é preciso resgatar princípios desvalorizados na sociedade, primordialmente o Princípio da Solidariedade, ressignificando-o
para que possa reassumir lugar de destaque como arcabouço teórico de
legitimação de novas relações laborais, inclusive – e especialmente – através do fomento da Economia Solidária.
Desta forma, o vínculo social solidário, e o princípio que o embasa, mostra-se como uma excelente alternativa de resposta e/ou resistência
à ânsia capitalista contemporânea. Historicamente, vê-se que a economia
solidária já foi utilizada diversas outras vezes como instrumento de luta e
emancipação contra hegemônica:
Muito embora o tema Economia Social ou Solidária se encontre
inserido nas diversas correntes do pensamento socialista, desde o
socialismo utópico, ele transita, do ponto de vista teórico, também
no âmbito do projeto neossocial-democrata. Naquele, desde os
primórdios do socialismo utópico às experiências anarquistas; no
segundo, desde as cooperativas de produção e suas diversas experiências, tal como defendia o padre Vincent (VICENTE: 1984), en-
154 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
quanto alternativas para combater simultaneamente o liberalismo,
o socialismo e o anarquismo (ANDRADE: 2014, 137).
Paul Singer, referência no estudo e implementação das experiências de economia solidária no Brasil, em conferência sobre o tema, chegou
a defender o caráter revolucionário desta opção, para quem “a história levou a economia solidária a ser uma das revoluções que eu chamo de revoluções tranquilas, sem brigas, mas que estão em muitos lugares do mundo,
mudando o mundo”.5 Inspirada pelo socialismo, enquanto crítica ao capitalismo, revela-se essencialmente democrática, podendo ser entendida,
ainda segundo o autor, como a realização da democracia no trabalho.
O capitalismo seria, pois, incompatível com a democracia pura.
Daí questionar-se, inclusive, se há ou já houve algum Estado realmente
democrático no mundo, ou, em análise interna, se o Brasil já fora, em
algum tempo histórico, efetivamente democrático. Cremos que não, especialmente quando se considera a democracia como cooperação solidária
entre os cidadãos, que exercem o poder de forma direta e apenas segundo
os interesses gerais.
O fim do socialismo real, materializado pela queda do Muro de
Berlim, findou a existência de qualquer resistência à expansão e hegemonia capitalista, agora globalizado, financeirizado e ainda mais cruel. No
entanto, a solidariedade, enquanto cooperação e democracia, nasce do
próprio capitalismo, de forma inerente e igualmente globalizada. Quanto
mais predatório, quanto maior a desigualdade e a exploração do homem
pelo capital, maior a necessidade deles de unirem e reestabelecerem o vínculo de solidariedade, como forma de sobrevivência. Cabe a nós fomentarmos e possibilitarmos essa união solidária.
Ainda, a economia solidária deve ser entendida como um complexo movimento político e social, e não como mera forma de obtenção de
renda. Há, por trás da opção por este modelo, caracterizado basicamente
pela horizontalidade e autogestão, com relações baseadas na democracia
e cooperação, e pela ausência de competição, uma opção política, social
e cultural consciente, que vai além da forma de produzir e comercializar,
para atingir os campos da sustentabilidade, da proteção coletiva das minorias e dos mais fragilizados, do consumo consciente, da proteção do
Conferência de encerramento do I CONPES, proferida em 19 de junho de 2015.
SINGER, PAUL: 2015, in SOUZA, ANDRÉ RICARDO DE e ZANIN, MARIA: 2017
5
A reforma trabalhista... • 155
meio ambiente, da melhoria da qualidade de vida individual e coletiva,
através da organização da comunidade em torno da atividade econômica
mais relevante de cada lugar. Muda-se o paradigma da competição para o
da cooperação, e esta alteração, alicerçada no princípio da solidariedade
social, permite o fortalecimento coletivo e cria uma forte barreira à precarização imposta pela ideologia da classe dominante.
A economia solidária vem sendo utilizada como instrumento de
resistência ao capitalismo espoliante nas mais variadas épocas. Nos últimos anos, assumiu características polivalentes, sempre baseada na autogestão, e, embora exercida, primordialmente, por trabalhadores de baixa
renda e minorias, é crescente a sua utilização por outros setores produtivos. Sobre o tema, LUIZ INÁCIO GERMANY GAIGER, historiador e
sociólogo gaúcho que se debruça ardentemente:
Na paisagem social dos últimos anos, é visível a presença crescente de grupos informais, associações e empresas de trabalhadores,
organizadas em bases cooperativas e em regime de autogestão.
Embora sua forma mais comum sejam as cooperativas (de produção, prestação de serviços, comercialização ou crédito), tais princípios têm sido observados em distintas organizações econômicas,
num verdadeiro poliformismo institucional, de empreendimentos
situados em diferentes setores produtivos – da produção familiar
à indústria de transformação – envolvendo diversas categorias de
trabalhadores (GAIGER: 2016, on line).
Na realidade, vive-se uma verdadeira reinvenção da economia solidária. Permanecem os princípios da autogestão e da democracia, porém
ampliados e englobando conceitos como sustentabilidade, responsabilidade ambiental e pessoal, incentivo aos produtos locais e ao pequeno produtor, organicidade, e tantas outras formas de proteção do produtor, de
sua família, da comunidade em que está inserido e do meio ambiente que
o cerca, com ênfase no princípio da solidariedade social, como forma de
emancipação individual e coletiva, e modo de resistência ligado aos novos
movimentos sociais e políticos, em resposta à reestruturação do capital
financeiro global e das novas relações de trabalho.
Sobre a escala crescente deste tipo de economia, tem-se que:
156 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
O aparecimento, em escala crescente, de empreendimentos populares baseados na livre associação, no trabalho cooperativo e na
autogestão, é hoje fato indiscutível em nossa paisagem social, ademais de ser um fenômeno observado em muitos países, há pelo
menos uma década. Essas iniciativas econômicas representam uma
opção ponderável para os segmentos sociais de baixa renda, fortemente atingidos pelo quadro de desocupação estrutural e pelo
empobrecimento (GAIGER, 2005).
Também afirma o autor referenciado que:
em contraposição à economia do capital, em que o fruto do trabalho e o produtor direto estão apartados, a economia popular solidária estaria a caminho de constituir-se numa economia do trabalho
[...] Os empreendimentos solidários buscam fazer da cooperação
uma alavanca que sustente o seu desempenho e os qualifique como
agentes, a título pleno, da economia contemporânea. Preocupamse com a eficiência e com a realização de benefícios que garantam
a sua viabilidade financeira. Almejam ultrapassar o nível de subsistência e manejar estratégias de crescimento (GAIGER, 2005: 5).
3.3. As proposições teórico-dogmáticas para sua consolidação/
expansão nos caminhos de uma produção não capitalista
Não obstante, para que a economia solidária seja efetivamente capaz de atuar como instrumento de resistência hábil à força do capitalismo
ultraliberal globalizado e feroz (já que, até agora, ele não conta com um
adversário à altura), é preciso que haja um arcabouço teórico e ideológico
forte o suficiente para conseguir a aderência subjetiva dos sujeitos.
É preciso entender a eleição de outras formas de estruturas laborais que se encontram fora do sistema capitalista como concorrencial,
ou seja, como opção ideológica ao fomento de outras formas de trabalho que estejam fora do sistema capitalista, para além dele, acuidando-se
para o fato de que, muitas vezes, o próprio capitalismo, ao prever o potencial destrutivo de determinado fator ou instituto, apropria-se do mesmo, inserindo-o em suas entranhas e fazendo-o perder a própria natureza
revolucionária.
A reforma trabalhista... • 157
O aparecimento destes outros espaços e atores sociais, à margem
do capitalismo e do próprio direito do trabalho, implica, como defendido
pelo coautor deste texto, no reconhecimento de um outro ambiente social,
marginalizado, não identificado e não legitimado pelo direito do trabalho tradicional. Neste outro espectro, desenvolvem-se novos contingentes
de “atividades empresariais fundadas na autogestão, na solidariedade e
na democratização das relações de trabalho, como: o voluntariado e toda
uma variedade de organizações não governamentais; o cooperativismo; as
empresas de economia social; a possibilidade de regular a informalidade;
as diversas alternativas de intercâmbio de produtos, serviços e convivência social, separadas do tradicional sistema capitalista; as novas opções de
seguridade social, baseadas numa equitativa distribuição de rendas, para
manter a dignidade das pessoas, sobretudo para aquelas que não terão a
possibilidade de conquistar um trabalho ou uma ocupação configurada
dentro das versões tradicionais”( ANDRADE: 2005, p. 255).
O próprio surgimento da economia solidária remete à resistência, tendo sido criada pelos próprios operários, nos primórdios do capitalismo industrial, como forma de resposta à extrema pobreza e ao alto
grau de desemprego resultantes da inserção desenfreada e desregulamentada de máquinas e motores a vapor. Para BOAVENTURA DE SOUSA
SANTOS (2005, p.80), “as cooperativas eram tentativas por parte dos trabalhadores de recuperar trabalho e autonomia econômica, aproveitando
as novas forças produtivas. Sua estruturação obedecia aos valores básicos
do movimento operário de igualdade e democracia, sintetizados na ideologia do socialismo”. E todo esse movimento trouxe coesão, força, e reconhecimento de auto importância, expandido e fortalecendo sindicatos e o
movimento de luta por direitos.
É, pois, fruto inerente do próprio sistema a ser combatido, mas
para tanto precisa alijar-se dele. Isto porque, mesmo sendo hegemônico
(hoje, de forma absolutamente global), o capitalismo não impederia o
nascimento de outros modos de produção, por ser incapaz de abarcar em
si toda a população economicamente ativa (e, para nós, também a inativa,
enquanto desempregados e não empregáveis). Ainda para aquele autor, a
economia solidária cresce em função das crises cíclicas do próprio sistema
capitalista, e pode ser viabilizada como alternativa real através da conscientização e engajamento social. (SANTOS: 2015).
158 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Assim, a resistência só virá de forma ativa e consciente, através da
luta social. É preciso fomentar os novos vínculos, reduzir a competitividade, focar na solidariedade e sair do círculo opressor do ultraliberalismo
global, ampliando o cânone protetivo do direito do trabalho para além do
trabalho dogmatizado que não é livre, e só é (ultra) subordinado. E ainda,
também a atuação sindical deve ser ampliada, para abarcar igualmente
os trabalhadores associados, especialmente em conjunto com os novos
movimentos sociais, unindo-se em uma rede de proteção e força revolucionária capaz de recuperar a dignidade do trabalhador, em seu sentido
amplíssimo.
Daí a opção deste estudo em eleger o Princípio da Solidariedade
como a priori de toda a reinvenção proposta, como forma de possibilitar a
mitigação da subordinação direta enquanto elemento necessário à proteção do direito do trabalho, escasseando, ainda, a força punjante da subordinação perversa que aumenta a pressão capitalista e retira do trabalhador
a sua voluntariedade, os seus desejos e a sua própria humanidade.
Apesar de pouco prestigiado, justamente por ir de encontro às bases do próprio capitalismo ultra competitivo e explorador, este princípio
resgata os vínculos sociais de cooperação e democracia, e o fato de já ter
sido eleito pelo legislador constituinte como direito fundamental aumenta
exponencialmente a sua capacidade de resistência.
INGO WOLFGANG SARLET (2006), ao classificar em dimensões progressivas acumulativas os direitos fundamentais, define os direitos de solidariedade (ao lado dos da fraternidade) como de terceira
dimensão, visando a proteção dos variados grupos humanos, de forma
profusa, e portanto de titularidade coletiva ou difusa, com implicação
universal (ou, no mínimo transindividual), e responsabilidade igualmente universalizada.
Desta forma, sugere-se, neste estudo, a utilização do caráter de
mundialização dos direitos de solidariedade (e, consequentemente, do
princípio que a ele se refere), como arcabouço teórico para a resistência
à altura ao capitalismo liberal igualmente mundializado. E, em consequência, diante da existência deste sustentáculo teórico, analisar as reais
possibilidades de utilização da Economia Solidária, em seus contornos
contemporâneos, como instrumento de efetivação da solidariedade em
face do capitalismo.
A reforma trabalhista... • 159
Por conseguinte, o próprio conceito de solidariedade precisa ser
revisitado e redimensionado, especialmente sob a ótica social, comunitária, enquanto proteção e fortalecimento coletivo da comunidade, e do
espaço que a cerca, de forma sustentável, buscando a emancipação e a realização subjetiva do trabalhador. A seu turno, também a resistência deve
ser coletivizada e globalizada, para que se possa oferecer um contraponto
à altura do ultraliberalismo global. Se não há fronteiras para o trabalho,
para o capital ou para o lucro, não pode haver limitação ao exercício da
resistência à opressão, nem mesmo espacial.
3.4. O direito à cidade como espaço de resistência. para
reinventar a luta emancipatória
Neste ínterim, necessário um pouco mais de cautela acerca do
conceito de espaço, e o que se entende sobre ele. HENRI LEFEBVRE
(2008), filósofo e sociólogo francês, referência no que se passou a designar
“direito à cidade”, título de uma de suas obras mais festejadas, atenta para
o fato de que é preciso sair do senso comum espacial, para quem o espaço
é apenas físico, inerte e objetivo, indo muito além da questão geográfica.
Para este autor, o qual traz consigo o conceito de Espaço de Resistência, é
preciso atentar para a importância do espaço, enquanto ente ativo, efetivamente produzido pelo homem, e que reflete a vida e as questões sociais.
No que tange à influência do capitalismo sobre os espaços urbanos, numa ótica marxista não ortodoxa, com protagonismo no sujeito, o
autor traz à luz a noção de espaço de resistência, em seus amplos significados, enquanto espaço geográfico, político, social e econômico. Defende
que o espaço é produzido pelo homem, e reproduz as lutas entre capital e
trabalho, as desigualdades, a luta de classes, e a opção por resistir à imposição da ideologia dominante. E coloca novamente nas mãos do proletariado, tradicional ou contemporâneo, o protagonismo na luta revolucionária em face do capitalismo.
A idéia de espaço deve ser, pois, ampliada, para inserir aspectos
políticos, econômicos e sociais. O espaço não é fixo nem inerte, não é
fornecido à coletividade, mas produzido por ela. E, nesta produção do
espaço, refletem-se as lutas entre capital e trabalho, as desigualdades, a
luta de classes, e a opção por resistir à imposição da ideologia dominante.
Neste sentido:
160 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Atualmente, tornando-se centro de decisão ou antes agrupando os
centros de decisão, a cidade moderna intensifica, organizando-a,
a exploração de toda a sociedade (não apenas da classe operária
como também de outras classes sociais não dominantes). Isto é dizer que ela não é um lugar passivo da produção ou da concentração
dos capitais, mas sim que o urbano intervém como tal na produção
(nos meios de produção) (LEFEBVRE: 2008).
Ainda, ao discorrer sobre a produção do espaço urbano pós industrialização, é claro ao incluir na morfologia dos espaços a questão dos
meios de produção e da exploração do trabalho social, para quem o centro
urbano faz parte dos meios de produção:
O duplo processo de industrialização e de urbanização perde todo
o seu sentido se não se concebe a sociedade urbana como objetivo e finalidade da industrialização, se se subordina a vida urbana
ao crescimento industrial. Este fornece as condições e os meios da
sociedade urbana. Proclame-se a racionalidade industrial como
necessária e como suficiente e se estará destruindo o sentido (a
orientação, o objetivo) do processo. A industrialização produz a
urbanização inicialmente de modo negativo (explosão da cidade
tradicional, de sua morfologia, de sua realidade prático-sensível).
Após o que, está-se perto da obra. A sociedade urbana começa
sobre as ruínas da cidade antiga e de sua vizinhança agrária. No
decorrer dessas mudanças, a relação entre a industrialização e a
urbanização se transforma. A cidade deixa de ser o recipiente, e repectáculo passivo dos produtos e da produção. O centro da decisão,
aquilo da realidade urbana que subsiste e se fortalece na sua deslocação, entra a partir de então para os meios da produção e para os
dispositivos da exploração do trabalho social por aqueles que detém
a informação, a cultura, os próprios poderes de decisão. Só uma
teoria permite utilizar os dados práticos e realizar efetivamente a
sociedade urbana (LEVEBVRE: 2008,138).
E segue, mais à frente, pontuando que a exclusão demográfica
espacial dos trabalhadores, mais tarde, fora misturada à exclusão econômica-social, retirando-lhes a capacidade de enfrentar o capitalismo, e
que, somente o reconhecimento dos direitos emancipatórios, dentre eles
o direito ao trabalho (digno) e à cidade (à vida urbana) trará de volta a
A reforma trabalhista... • 161
força de luta revolucionária característica da classe operária, tradicional
ou contemporânea. Neste sentido:
A classe operária sofre as consequências da explosão das antigas
morfologias. Ela é vítima da segregação, estratégia de classe permitida por essa explosão. (...) A antiga miséria proletária se atenua
e tende a desaparecer nos grandes países industriais. Uma nova
miséria se estende, que toca principalmente o proletariado sem
poupar outras camadas e classes sociais: a miséria do habitat, a miséria do habitante submetido a uma cotidianidade organizada (na
e pela sociedade burocrática do consumo dirigido). Para aqueles
que ainda duvidariam de sua existência como classe, a segregação
e a miséria em seu ‘habitat’ designam na pratica a classe operária.
Em condições difíceis, no seio dessa sociedade que não pode opor-se completamente a eles e que no entanto lhes barra a passagem,
certos direitos abrem caminho, direitos que definem a civilização
(...). Mudariam a realidade se entrassem para a pratica social: direito ao trabalho, à instrução, à educação, à saúde, à habitação, aos
lazeres, à vida. Entre esses direitos em formação figura o direito à
cidade (não à cidade arcaica, mas à vida urbana (...)(LEFEBVRE:
2008).
Cabe, pois, ao proletariado o papel de resistência e de luta revolucionária. Neste sentido:
Só o proletariado pode investir sua atividade social e política na realização da sociedade urbana. Só ele também pode renovar o sentido da atividade produtora e criadora (...). Isso exige, ao lado da
revolução econômica, (planificação orientada para as necessidades
sociais) e da revolução política (controle democrático do aparelho
estatal, autogestão generalizada), uma revolução cultural permanente (LEFEBVRE: 2008).
E nesta necessidade preemente de democracia e autogestão como
arma de resistência, a opção pela economia solidária, utilizada tradicionalmente pelos excluídos como forma de proteção, é redimensionada,
para abarcar novos setores produtivos até ser coletivizada enquanto movimento político de resistência e proteção do trabalho, do sujeito e do local
onde vive e produz, ressignificando a subordinação e ampliando o objeto
162 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
do direito do trabalho para, desconstruindo a teoria jurídica tradicional,
incluir o trabalho associado em sua proteção, enquanto forma de trabalho
efetivamente emancipatório e subjetivamente dignificante. Ao lado da garantia de uma renda mínima universal, que possibilite a subsistencia digna, o homem será realmente livre para para escolher como, onde, quando
e se irá ocupar-se no trabalho.
O fomento da economia solidária revela-se, assim, meio capaz de
trazer a emancipação política, econômica, coletiva e subjetiva do homem.
Como já dito, o próprio capitalismo força a intervenção e o surgimento
deste tipo de vínculo solidário, como mecanismo de sobrevivência, sobretudo através do desemprego e dos empregos precarizados. E como o desemprego é criado de forma intencional pelo neoliberalismo, aumentando
exponencialmente a subordinação estrutural, impõe-se a solidariedade
para sobrevivência e preservação das próprias vidas humanas.
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A reforma trabalhista... • 163
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Fundação Perseu Abramo, 2002.
164 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
ENTRE A PRECARIZAÇÃO E A REPRESSÃO: A
GESTÃO BÉLICA DA MISÉRIA NO CONTEXTO
DO RETROCESSO TRABALHISTA
BETWEEN PRECARIZATION AND REPRESSION:
THE WARLIKE MANAGEMENT OF MISERY IN
THE CONTEXT OF LABOR SETBACK
Gustavo Carneiro da Silva1
Resumo: Partindo do marco teórico materialista de Georg Rusche e Otto
Kirchheimer e dos escritos de Loïc Wacquant, o presente artigo busca realizar um breve histórico da atuação dos aparatos repressivos do Estado
brasileiro desde a década de 1990, para então analisar as correlações entre
aprofundamento do desmonte das proteções sociais trabalhistas no Brasil
após 2014 e o aumento da violência estatal no período. Por fim, busca
fazer alguns apontamentos sobre as categorias mobilizadas pelo discurso repressivo do Estado e as mudanças ocorridas com a reestruturação
produtiva imposta pelo neoliberalismo e os recentes ataques aos direitos
sociais no Brasil.
Palavras-chave: Repressão; Encarceramento; Precarização; Trabalho.
Abstract: Starting from the materialist theoretical framework proposed by
Georg Rusche and Otto Kirchheimer and the writings of Loïc Wacquant,
1
Filiação Institucional: Universidade de São Paulo (USP) – São Paulo, SP, Brasil. Grupo
de Pesquisa: Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital. Titulação Acadêmica: Bacharel em
História. Vínculo Profissional: Servidor público da educação em São Paulo. E-mail: gustavo.carneiro.silva@usp.br
In: ANTUNES, Daniela Muradas; NICOLI, Pedro Augusto Gravatá; RODARTE, Wanessa
Susan de Oliveira (org.).A reforma trabalhista e o direito individual do trabalho: dos
retrocessos às resistências. 1ª edição. Belo Horizonte: Initia Via, 2019 (Anais do IV
Encontro da RENAPEDTS, vol. 2). ISBN: 978-85-9547-079-8. DOI: 10.17931/95470798/
v2a08.
A reforma trabalhista... • 165
this article seeks to provide a brief history of the Brazilian state’s repressive apparatus since the 1990s, in order to analyze the correlation between
the dismantling of social protections in Brazil after 2014 and the increase
in state violence in the period. Finally, it seeks to make some notes about
the categories mobilized by the repressive discourse of the state and the
changes that occurred with the productive restructuring imposed by neoliberalism and the recent attacks on social rights in Brazil.
Keywords: Repression; Emprisionement; Precarization; Labor.
*
Em homenagem a Marielle Franco
e Anderson Gomes
- não esquecemos.
1. Proteção social e sistema punitivo no brasil contemporâneo
Os estudos dos sistemas punitivos são realizados, em sua grande maioria, de maneira imbricada ao estudo dos delitos, dada a relação
de causa e efeito estabelecida entre ambas as dimensões pela concepção dominante. No entanto, conforme afirmaram Georg Rusche e Otto
Kirschheimer, apenas o estudo da pena como fenômeno independente,
livre do escopo jurídico e ideológico que a transforma em uma simples
consequência do delito, é capaz de desnudar seu verdadeiro desenvolvimento histórico e, principalmente, suas verdadeiras funções. Conforme
o próprio autor, “todo sistema de produção tende a descobrir as formas
punitivas que correspondem às suas relações de produção” (RUSCHE;
KIRCHHEIMER, 2004, p. 19-20), sendo tarefa daquele que se debruça
sobre o tema encontrar as determinações que regem o sistema punitivo a
partir da economia política, para que assim possa ser possível estabelecer
o lugar real ocupado pelas penas na totalidade social.
A partir dessa compreensão, o presente trabalho terá como objetivo jogar luz às movimentações do sistema punitivo brasileiro no contexto de crise que se acentuou no país após 2014, especialmente após a
deposição da presidenta Dilma Rousseff em 2015. Além do marco teórico
166 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
proposto por Rusche e Kirchheimer, julgamos ser de grande importância para o assunto em discussão a perspectiva de análise aberta por Loïc
Wacquant, que busca compreender as mudanças na formatação do Estado
com a crise do Estado social que se estabeleceu no pós-guerra nos Estados
Unidos, relacionando o desmonte dos mecanismos de proteção social do
país entre as décadas de 1970 e 1980 com a emergência do encarceramento
em massa no mesmo período. Teríamos no período a passagem do Estado
social estadunidense para o Estado neoliberal, marcado pela destruição
das políticas sociais e pelo proporcional crescimento do sistema punitivo.
De acordo com o autor, “à atrofia deliberada do Estado social corresponde
a hipertrofia distópica do Estado penal: a miséria e a extinção de um têm
como contrapartida direta e necessária a grandeza e a prosperidade insolente do outro” (WACQUANT, 2001, p. 88).
Ao contrário dos Estados Unidos, o Brasil, por conta de sua inserção dependente no capitalismo internacional, nunca teve a implantação plena de um Estado social, e mesmo o processo de neoliberalização
passa por idas e vindas nas últimas três décadas (BATISTA, 2015, p. 628).
No entanto, o fortalecimento das lutas sociais no Brasil no período final
da Ditadura Militar, do qual o maior símbolo são as greves metalúrgicas
do final da década de 1970, fez com que uma série de conquistas sociais
fossem positivadas na Constituição Federal de 1988, fazendo deste um
documento heterogêneo composto tanto por avanços sociais importantes
como também por traços profundamente conservadores, decorrentes do
caráter negociado da redemocratização brasileira.
Ao longo da década de 1990, os governos brasileiros se empenharam em negar as conquistas sociais presentes no texto constitucional, buscando abrir caminho para a implantação de um projeto neoliberal no país.
Conforme síntese de Behring e Boschetti sobre a política levada a frente
pelos governos do período, com destaque para os mandatos de Fernando
Henrique Cardoso:
Reformando-se o Estado, com ênfase especial nas privatizações e
na previdência social, e, acima de tudo, desprezando as conquistas
de 1988 no terreno da seguridade social e outros - a carta constitucional era vista como perdulária e atrasada -, estaria aberto o
caminho para o novo “projeto de modernidade”. (BEHRING &
BOSCHETTI, 2011, p. 148).
A reforma trabalhista... • 167
Fernando Henrique Cardoso é sucedido na presidência do Brasil
por um ciclo de governos do Partido dos Trabalhadores, que mantém o
cerne do projeto econômico que orientava o Estado brasileiro na última
década. Apesar dos programas sociais criados durante os governos petistas e do ciclo de crescimento respaldado na alta do preço das commodities em nível internacional, foram preservados os pressupostos assentados
pela macroeconomia do Plano Real, mantendo-se a desigualdade estrutural, a superexploração do trabalho e a vulnerabilidade diante das movimentações do mercado financeiro. Em suma, “as tendências estruturais
responsáveis pela perpetuação da pobreza e da desigualdade social não
foram alteradas” (SAMPAIO JR., 2017, p. 145).
Esse quadro é muito bem ilustrado pela manutenção do processo
de dilapidação do fundo público de financiamento da seguridade social
em prol do pagamento de juros da dívida pública, decorrente da financeirização crescente da economia nas últimas décadas (MACHADO;
MENDES; CARNUT, 2018, p. 361). Como exemplos, temos o fortalecimento das renúncias fiscais em saúde, mecanismo de desfinanciamento da saúde pública e de beneficiamento do setor privado através de renúncias fiscais em gastos com saúde, que passou de R$ 8,6 bilhões em
2003 para R$ 25,4 bilhões em 2013 (OCKÉ-REIS & GAMA, 2016), e a
Desvinculação de Receitas da União (DRU), importante fonte de desidratação do orçamento da seguridade social criada em 1994 com o objetivo
de desvincular as receitas destinadas constitucionalmente para esse fim, e
renovada sucessivamente desde então através de emendas constitucionais.
No mesmo período, acompanhando o enfraquecimento das conquistas sociais da década de 1980 e a formatação do Estado brasileiro sob
o tripé macroeconômico do Plano Real, pudemos ver um recrudescimento da violência estatal. A década de 1990 foi marcada por episódios como
o Massacre do Carandirú, em 1992, e o Massacre de Eldorado dos Carajás,
em 1996. Um dos elementos que melhor ilustram a escalada de violência
por parte do Estado brasileiro no período é o crescimento da população
carcerária, visto que a pena privativa de liberdade, vista como ultima ratio pela teoria penalista liberal, passa por uma crescente banalização no
período. Mesmo com as insuficiências estatísticas referentes ao tema, especialmente antes do início da publicação do Levantamento Nacional de
Informações Penitenciárias (Infopen) em 2006, podemos ver a curva do
168 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
encarceramento brasileiro durante esses anos, marcada por um crescimento constante e vertiginoso, como demonstra o gráfico abaixo:
Assim, a população carcerária do país passou de 90 mil em 1990,
segundo os dados oficiais, para 622,2 mil em 2014. De acordo com o último Infopen, em 2016 tínhamos mais de 726,7 mil presos no país, conformando a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas
de Estados Unidos e China. Em que pese a presença majoritariamente
masculina no sistema prisional brasileiro, as taxas de encarceramento feminino são ainda mais assustadoras durante o período: enquanto a taxa
total de aprisionamento cresceu 119% entre 2000 e 2014, a taxa de encarceramento feminino cresceu 460%. Entre homens e mulheres, o perfil do
alvo preferencial do sistema punitivo é semelhante, dando a tônica do uso
do encarceramento em massa como mecanismo de gestão da miséria no
país: jovens, pobres e negros e negras.
Somado ao encarceramento, a escalada de violência dos sistemas penais subterrâneos, isto é, das agências penais executivas que exercem uma espécie de poder punitivo paralelo em sua prática cotidiana
(ZAFFARONI; BATISTA; ALAGIA; SLOKAR, 2011, p. 53), também foi
um dado crescente no período, como mostram as grandes cifras da letalidade policial em todo o país. Essa violência também foi patrocinada
A reforma trabalhista... • 169
pelos governos do período, inclusive durante o ciclo de poder do Partido
dos Trabalhadores, como a banalização do emprego das Forças Armadas
em atividades de segurança pública, através da prerrogativa presidencial
de emitir decretos de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), e a política de
ocupação territorial dos morros cariocas pelas forças de segurança através
da instalação das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs), iniciada pelo
governo do RJ em 2008 com grande apoio do governo de Luiz Inácio Lula
da Silva. Sobre as UPPs, sintetiza Marielle Franco:
A abordagem das incursões policiais nas favelas é substituída pela
ocupação do território. Mas tal ocupação não é do conjunto do
Estado, com direitos, serviços, investimentos, e muito menos com
instrumentos de participação. A ocupação é policial, com a caracterização militarista que predomina na polícia do Brasil. Está
justamente aí o predomínio da política já em curso, pois o que é
reforçado mais uma vez é uma investida aos pobres, com repressão
e punição. Ou seja, ainda que se tenha um elemento pontual de
diferença, alterando as incursões pela ocupação, tal especificidade
não se constituiu como uma política que se diferencie significativamente da atual relação do Estado com as favelas. (FRANCO, 2014).
Diante disso, entendemos que tanto a busca de Rusche e
Kirchheimer pelos determinantes do sistema punitivo oriundos da economia política, como o esforço de Loïc Wacquant para compreender o
processo de formatação do Estado neoliberal e seus novos métodos de
gestão da pobreza através do encarceramento, se mantém importantes
para compreendermos a correlação entre o crescimento do sistema punitivo e os ataques às proteções sociais do Brasil após a década de 1990.
Assentadas essas ideias, nos cabe agora contextualizar as mudanças ocorridas no Brasil após o aprofundamento da crise atual, em especial a partir
de 2014, para então realizar apontamentos sobre a situação do sistema
punitivo nesse quadro.
2. O golpe institucional de 2015: aceleração do ajuste
A partir de 2014, os efeitos da profunda crise econômica aberta
em 2008 começam a ser sentidos com mais clareza no Brasil. A contração
da economia chinesa e a perspectiva de aumento dos juros nos Estados
170 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Unidos deixam a economia brasileira à deriva, após anos de crescimento respaldado em aspectos conjunturais da economia internacional e no
aprofundamento de mecanismos de dependência do país. Diante do novo
contexto, as pressões por um ajuste neoliberal mais draconiano aumentam, tendo como objetivos centrais, segundo Plínio de Arruda Sampaio
Jr.:
Adequar a economia às novas tendências da divisão internacional
do trabalho; adaptar a sociedade e as instituições nacionais às novas exigências do capital internacional; e ajustar o nível tradicional
de vida dos trabalhadores aos novos imperativos da exploração capitalista. (SAMPAIO JR., 2017, p. 211)
O governo de Dilma Rousseff, recém eleita para seu segundo
mandato, busca se adequar a tais pressões tomando uma série de medidas
no sentido de tal ajuste neoliberal, como a limitação do seguro-desemprego através (Lei n. 13.134/2014) e a permissão para que o capital estrangeiro tivesse liberdade de investir no setor de assistência à saúde (Lei
n. 13.097/2015). Tal movimento é ilustrado pela nomeação de Joaquim
Levy para o Ministério Fazenda, ex-economista chefe do Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão do governo Fernando Henrique
Cardoso e ex-diretor superintendente do Banco Bradesco.
O ajuste imposto pelo governo, no entanto, não atende ao grau de
intensidade e velocidade exigidos por distintas frações do capital diante da
crise econômica, dando início à uma profunda crise política no país que
culmina em uma unidade de ação das frações burguesas, conseguindo
depor Dilma Rousseff em agosto de 2016. Assim, demonstrando a blindagem da democracia neoliberal aos anseios populares (DEMIER, 2017,
p. 14), 54,5 milhões de votos são duplamente ignorados pelo sistema político brasileiro, primeiro na implementação de um programa totalmente
alheio ao que havia sido propagandeado durante as eleições pelo partido
vencedor, e depois na deposição sem fundamentação jurídica de uma presidenta eleita por pressão das frações dominantes do capital. Assume a
presidência, então, o vice-presidente Michel Temer, cacifado para o posto
após seu partido, PMDB, lançar um documento intitulado “Uma Ponte
Para o Futuro”, no qual deixa claro seu comprometimento com o ajuste
A reforma trabalhista... • 171
fiscal e as contrarreformas desejadas pelas frações do capital que deram a
tônica desse processo político.
Após o golpe institucional, o novo governo coloca em prática as
reformas anti-populares prometidas anteriormente. Entre as inúmeras
medidas com esse caráter, temos os três cavalos de batalha eleitos por
Michel Temer e seus apoiadores como as reformas necessárias para que
o ajuste fosse exitoso. A reforma da previdência é um deles, medida essa
que não pôde ser aprovada dada a fragilidade do governo, atolado em escândalos de corrupção e a menor taxa de aprovação da história. Outro foi
o Novo Regime Fiscal, implementado através da Emenda Constitucional
n. 95/2016, apelidado de “PEC do Fim do Mundo” por significar o congelamento completo dos gastos sociais em favor do capital financeiro por
20 anos, instituindo uma austeridade permanente, independentemente da
conjuntura econômica do momento.
A outra medida eleita como central pelo novo governo ilegítimo,
objeto de maior atenção no presente trabalho, foi a destruição das proteções sociais garantidas pela legislação trabalhista brasileira através da Lei
n. 13.467/2017, apelidada por seus defensores de “Reforma Trabalhista”.
Aprovada sob um governo empossado mediante um golpe, a toque de caixa por um Congresso de legitimidade questionável, eivada de aspectos de
ilegitimidade já muito bem apontados por autores como Jorge Luiz Souto
Maior (2017), a nova lei tem como objetivo reverter o processo de constitucionalização do direito do trabalho ocorrido no período anterior, em
especial a partir da jurisprudência e da doutrina, eliminando quaisquer
entraves normativos para o aprofundamento da exploração do trabalho
no Brasil.
Diante do exposto, analisaremos agora as movimentações ocorridas no campo do sistema punitivo durante o período aberto com as
eleições de 2014 e, principalmente, com a deposição da presidenta Dilma
Rousseff, buscando relacioná-las com os demais ataques às proteções sociais ocorridos, em especial a Lei n 13.467/2017.
3. A gestão bélica da miséria na era do retrocesso social
Após as eleições polarizadas de 2014, Dilma Rousseff assume seu
segundo mandato em 2015. Em conjunto com o comprometimento com o
ajuste fiscal, conforme mencionado anteriormente, o novo governo anun-
172 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
cia como uma de suas principais metas o Plano Nacional de Segurança
Pública. Propagandeado como novidade, o plano se apresentou como
um museu de grandes novidades, sendo estruturado em torno do fortalecimento da lógica bélica que impera nas políticas de segurança pública
brasileira das últimas décadas. Apesar de fazer menção à necessidade de
reinserção social dos presos e de melhoria do sistema prisional, o plano
não demonstrava qualquer proposta relacionada à lógica do confronto
responsável pelo encarceramento em massa e pela enorme violência estatal dos últimos anos. Conforme comunicação do próprio Partido dos
Trabalhadores,
o projeto pretende fortalecer as fronteiras, combater as organizações criminosas, garantir a melhoria do sistema prisional, a segurança pública para grandes eventos, a criação do Sistema Nacional
de Informação em Segurança Pública, o enfrentamento às drogas e
a redução da criminalidade. (CAMBRAIA, 2015).
No âmbito do “enfrentamento às drogas”, José Eduardo Cardozo,
à frente do Ministério da Justiça, afirmou que “precisamos tratar como
criminosos e narcotraficantes com rigor e os usuários de drogas devem
ser tratados com reinserção social” (CAMBRAIA, 2015), mantendo o
discurso de tolerância zero com os traficantes enquanto trata os usuários
como problemas de saúde. Esse discurso, sem endereçar a questão racial
e de classe por trás dos estereótipos do “traficante perigoso” e do “usuário
dependente” construídos na América Latina a partir da década de 1970
(DEL OLMO, 1990, p. 47), acaba fortalecendo a dicotomia entre um estereótipo criminalizador endereçado aos pobres e negros (ainda que portadores de pouca quantidade de substância proibida, apenas para o uso), e
um estereótipo da dependência endereçado aos brancos ricos e de classe
média.
Mesmo com relação aos usuários, o governo demonstrou o abandono de qualquer perspectiva inclusiva com a Resolução 01/2015 do
Conselho Nacional de Políticas Sobre Drogas, vinculado ao Ministério da
Justiça. Na referida resolução, buscou-se a regulamentação das comunidades terapêuticas no âmbito do Sistema Nacional de Políticas Públicas
sobre Drogas (Sisnad), alçando-as ao posto de possíveis concretizadoras
de políticas públicas, permitindo inclusive a transferência de recursos pú-
A reforma trabalhista... • 173
blicos para as mesmas. Essa medida aprofunda a lógica de privatização
do cuidado, desobrigando o governo de propor uma política pública realmente inclusiva para o atendimento dos usuários, priorizando, dentro
da lógica do ajuste fiscal já mencionado, sua transformação em fonte de
lucro para agentes privados. A medida torna-se ainda mais preocupante
quando vemos as inúmeras denúncias de violações de direitos humanos
feitas contra tais estabelecimentos, como demonstra relatório emitido
pelo Conselho Federal de Psicologia:
A realidade encontrada evidencia questões, convoca à reflexão e
exige uma tomada de posição por parte do Estado e da sociedade
brasileira. O que se faz, a assistência que vem sendo ofertada, na
maioria desses lugares, fundamenta-se em princípios que contrariam os pressupostos que orientam as políticas públicas, a saber:
o respeito à cidadania dos usuários. (...) Amplamente divulgadas
como a solução para o problema das drogas, essas instituições se
inscrevem no campo das práticas sociais invisíveis ou subterrâneas. (...) Há claros indícios de violação de direitos humanos em todos os relatos. De forma acintosa ou sutil, esta prática social tem
como pilar a banalização dos direitos dos internos. (CONSELHO
FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2011, p. 189).
Em fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal dá mais uma
contribuição à relativização das garantias penais e ao fortalecimento do
autoritarismo estatal no Brasil através do julgamento do HC 126.292.
Preso à lógica utilitarista imposta pela Operação Lava Jato e pelos grandes veículos de imprensa, no referido julgamento o STF desconsiderou o
texto claro do art. 5º, LVII, da Constituição Federal, validando a execução
provisória da pena de privação de liberdade diante de sentença condenatória proferida em segunda instância (IBCCRIM, 2016). Em documento
endereçado posteriormente aos ministros do STF, as Defensorias Públicas
de São Paulo e Rio de Janeiro demonstram os efeitos colaterais da referida decisão sobre uma série de acusados que perderiam sua liberdade já
com a decisão em segunda instância, mesmo com as chances de ter tal
decisão revertida nos tribunais superiores. Das decisões analisadas pelas
Defensorias, 49% tiveram o habeas corpus concedido pelos tribunais superiores. Em uma decisão baseada na casuística e na pressão midiática, o
STF atentou contra uma garantia fundamental, levando à perda da liber-
174 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
dade de inúmeras pessoas que poderiam ter decisões favoráveis em seus
recursos, agravando ainda mais o problema carcerário no país.
Em maio de 2016, após votação na Câmara dos Deputados, Dilma
Rousseff é afastada da presidência através do golpe institucional que seria
consumado em agosto do mesmo ano, com a votação final do processo de impeachment pelo Senado Federal. O novo governo, comandado
por Michel Temer, dá a tônica de como seria tratada a questão da segurança pública e do encarceramento em massa já no primeiro dia, ao nomear Alexandre de Moraes para o Ministério da Justiça. Ex-Secretário
da Segurança Pública de São Paulo, ele tem como característica um discurso extremamente repressor, com sua gestão à frente da Secretaria de
Segurança Pública de São Paulo tendo sido marcada por operações policiais midiáticas, elevação nos índices de letalidade e de violência policial no estado, e leniência frente a episódios como a chacina de Osasco e
Barueri em 2015. Pouco depois de assumir o Ministério, ainda em maio
de 2016, Alexandre de Moraes mostrou seu cartão de visitas em uma entrevista coletiva, ao defender a medida inconstitucional de pôr fim à progressão de regime para os condenados por crimes hediondos, entre os
quais o tráfico de drogas, tipo penal responsável por 28% das prisões no
Brasil (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2018).
Uma das medidas de Alexandre de Moraes à frente do Ministério
da Justiça foi a indicação de Roberto Allegretti, coronel da reserva da
Polícia Militar de São Paulo, para o comando da Secretaria Nacional de
Política sobre Drogas. A indicação de um militar para chefiar a pasta responsável pela política de drogas do Ministério da Justiça evidencia o aprofundamento da lógica de tratamento da questão das drogas como assunto
unicamente dos aparatos de segurança. Tal perspectiva encontrou grande
ressonância em diversos locais do Brasil, como por exemplo no município
de São Paulo, onde o prefeito João Dória (PSDB, partido da base do governo Michel Temer) desmontou as políticas de saúde e assistência social
levadas a frente sob o programa De Braços Abertos da gestão anterior,
empreendendo uma escalada repressiva contra os dependentes de crack
nas áreas centrais da cidade, que envolveu de internações compulsórias à
demolição de um prédio com os moradores ainda dentro do edifício.
Sob o novo governo, a atuação do Ministério da Justiça foi marcada também por uma blindagem ainda maior ao controle externo. O
Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, antigo órgão
A reforma trabalhista... • 175
do Ministério voltado à colaboração com especialistas de diversas áreas,
foi esvaziado de suas atribuições. A insistência do Ministério em ignorar
os apontamentos feitos pelo Conselho, como no decreto de indulto de
2016, um dos mais restritos do ponto de vista das liberdades individuais desde a Constituição de 1988, levou à renúncia de sete conselheiros
em fevereiro de 2017, coroando uma gestão ministerial denominada pelo
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais como a institucionalização do
caos (IBCCRIM, 2017).
No âmbito legislativo, a base governista também começou a se
movimentar para aprovar legislações orientadas pelo recrudescimento da
repressão. Nesse contexto, por exemplo, novas movimentações ocorreram com projetos como a PEC n. 33/2012, de autoria do senador Aloysio
Nunes (PSDB), que visa reduzir a maioridade penal no Brasil e teve como
relator nomeado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado o
parlamentar Ricardo Ferraço (PSDB), também responsável pela relatoria
da Lei n. 13.467/2017 (a “reforma” trabalhista).
Também foi editado o Decreto Presidencial de 17/01/2017, autorizando a entrada das Forças Armadas nos presídios brasileiros no contexto
dos grandes conflitos das facções nas unidades penitenciárias do Norte e
Nordeste. Tais conflitos deram origem ao “maior espetáculo de horror da
história brasileira recente” (PAES MANSO; NUNES DIAS, 2018, p. 34),
de acordo com a literatura sobre o tema, com 56 mortes em um conflito
no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) no Amazonas, no primeiro dia de 2017. A crise penitenciária, fruto de uma política desumana
de encarceramento em massa aliada ao completo descaso do Estado brasileiro frente à população por ele privada de liberdade, tinha como resposta
o aprofundamento das mesmas medidas que a criaram, sendo tratadas
com mais discursos populistas de tolerância zero, mais militarização, e
ainda menos permeabilidade dos órgãos oficiais às demandas das entidades que atuam na área, como nas 16 medidas contra o encarceramento em
massa propostas por mais de 50 entidades em 2017 (IBCCRIM, 2017b).
Em fevereiro de 2018, em meio a uma intensa campanha midiática em torno de uma suposta perda de controle do estado do Rio de Janeiro
para o crime (ainda que as estatísticas criminais do período não tenham
refletido isso), o governo tomou a medida mais grave de toda sua gestão no tocante à segurança pública: por meio do Decreto n. 9.288/2018,
Michel Temer decreta intervenção federal no Rio de Janeiro, nomeando
176 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
para o cargo de interventor o general do Exército Walter Souza Braga
Netto. Com isso, o Exército passa a ter comando direto todo o aparato
de segurança pública do estado, em uma medida questionada por sua
inconstitucionalidade.
Até o meados do mês de agosto de 2018, os números da intervenção federal eram assustadores, de acordo com o Observatório da
Intervenção: 88 violações aos direitos humanos; 607 mortes decorrentes
de atuação policial; 235 operações nas favelas do Rio de Janeiro, marcadas pela violência e pelo cerceamento de direitos básicos da população
moradora, como o próprio direito de ir em vir; e 44 agentes de segurança
mortos. Até o mesmo momento, um ano e seis meses depois do início da
intervenção, ainda permanecia impossível mensurar o montante de recursos públicos gastos no empreendimento, dada a completa falta de transparência do Estado com a ausência da prestação de contas.
Foi sob a tutela da intervenção federal que o Rio de Janeiro foi
palco de um crime bárbaro que se tornou símbolo do desgoverno brasileiro em sua política bélica de segurança pública. Em 14 de março de
2018, foram executados de maneira brutal, em uma via pública de grande
movimento na capital carioca, a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes. Dona da quinta maior votação para a Câmara dos
Vereadores do Rio de Janeiro, Marielle teve uma carreira política marcada
pela denúncia das graves violações cometidas pelo aparato de segurança do estado. Quatro dias antes de ser morta, Marielle havia denunciado
publicamente as violações cometidas por membros do 41° Batalhão da
Polícia Militar contra os moradores da comunidade do Acari, palco de
uma chacina brutal no mesmo ano. Quase seis meses depois do crime,
as investigações aparentam estar longe de uma conclusão, em que pese
o crescimento dos indícios de participação de agentes do Estado em sua
execução.
4. Apontamentos sobre a relação entre a precarização
trabalhista e a criação do inimigo interno
Feito o apanhado anterior dos (des)caminhos tomados pelo atual
governo, faremos agora breves apontamentos sobre um dos fundamentos
da política de segurança pública narrada, que é a criação da figura de um
inimigo interno que deve ser exterminado pelas forças de segurança ou
A reforma trabalhista... • 177
neutralizado pelo sistema prisional, e os retrocessos trabalhistas levados à
frente pelo mesmo governo.
A reestruturação produtiva que vem ocorrendo desde a década
de 1990 teve um profundo impacto sobre o cotidiano das famílias dos
estratos mais pobres da sociedade. Se as gerações que imigraram para os
grandes centros urbanos no contexto das décadas de 1970 e 1980 buscaram no emprego industrial a estabilidade e a ascensão econômica gradual,
tais aspirações foram abaladas com o novo paradigma trabalhista que é
introduzido a partir da década de 1990.
A alta do desemprego, da rotatividade laboral e da precarização
dos postos de trabalho fez com que as gerações mais novas se vissem sem
as mesmas perspectivas que guiaram a vida de seus pais, sendo obrigadas
a buscarem outros meios de ascensão social (FELTRAN, 2011, p. 104).
Nesse contexto, temos no mesmo período o crescimento da adesão de
jovens às fileiras da economia ilícita, impulsionada pela conjunção da degradação do mercado de trabalho com a expansão do consumo de cocaína, capaz de oferecer um lucro rápido e uma ascensão social inalcançável por outros meios para a juventude das comunidades mais vulneráveis
(BATISTA, 2003, p. 93).
No mesmo contexto, ganha força o discurso criminalizador calcado na dualidade entre o estereótipo do “trabalhador” e o do “criminoso”.
Dentro dessa lógica, o “trabalhador” deve ser defendido da figura do “criminoso”, devendo o último ser alvo das políticas estatais de neutralização.
Enquanto o “trabalhador” é portador de direitos, o “criminoso” não tem
qualquer direito, visto colocar em risco o modo de vida daqueles que vivem suas vidas de maneira honesta, transformando-se no inimigo a ser
combatido em uma verdadeira guerra interna (CARVALHO, 2010, p. 20).
Operando dentro desse binômio, as forças repressivas do Estado
operam a partir do fator genérico de tais categorias, ampliando-as e retraindo-as de acordo com o contexto. Em muitos casos, são enquadrados na categoria dos “criminosos” famílias ou comunidades inteiras, com
qualquer relação com o crime, por mais tênue e indireta que seja, servindo
como justificativa para as mais diversas violações dos direitos. Nesse quadro, abordagens truculentas, invasões de domicílio, detenções injustas e
até mesmo a perda da vida se tornam um perigo constante para aqueles
que recebem tal etiqueta social, na qual elementos como classe social, cor
178 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
da pele e local de moradia definem quais serão os alvos prioritários da
ação policial (DAVIS, 2003, p. 113).
Diante disso, entendemos que o retrocesso trabalhista levado
a frente pelo governo de Michel Temer, em especial através da Lei n.
13.467/2017 e da ampliação da terceirização através da Lei n. 13.429/2017,
tende a agravar tais problemas. Figuras como o trabalho intermitente, o
trabalho terceirizado irrestrito e as dispensas em massa sem necessidade
de negociação com a entidade sindical tendem a agravar ainda mais a precarização do trabalho no Brasil. Diante de tamanha degradação do mercado de trabalho formal, a alternativa pelas redes das economias ilícitas
se mostra ainda mais fortalecida, como demonstram as experiências da
década de 1990. Conforme afirma Gabriel Feltran,
quando o trabalho é reduzido a ganho, passa a se situar no mesmo
registro de quaisquer atividades que ofertem renda. Assim, o trabalho, nos ambientes em que essa figuração avança, tende a rever
seu sentido de coesão de uma comunidade (os ‘trabalhadores’) e,
consequentemente, deixa de estruturar um projeto comum. Essa
revisão é ainda mais notável quando se observa que seu oposto
passa a operar: o próprio tráfico de drogas passa a nomear suas
atividades a partir do léxico do trabalho (‘a firma’, ‘o gerente’, ‘os
turnos’, ‘os patrões’); os meninos que traficam drogas chamam sua
atividade de ‘trabalho’ - o que é muitíssimo recorrente nas periferias e cada vez mais compreensível. (FELTRAN, 2011, p. 167).
Além disso, é flagrante a contradição entre o discurso impulsionador da repressão estatal e as medidas do mesmo Estado no campo das
relações de trabalho. O primeiro se mantém estruturado em torno da contraposição entre “trabalhadores” e “bandidos”, apelando para a lógica do
inimigo interno a ser combatido, como demonstram as medidas expostas
na seção anterior do presente trabalho. Por outro lado, as medidas do governo no campo trabalhista levam a um crescimento da rotatividade laboral e da degradação do mercado de trabalho, enfraquecendo a categoria
do “trabalhador” na medida em que transforma aquele que depende da
venda de sua força de trabalho em uma espécie de empreendedor de si
mesmo, que deve se contentar com o privilégio da servidão de ter um emprego precário enquanto existe um mar de desempregados esperando por
A reforma trabalhista... • 179
uma vaga. Assim, os discursos emanados do Estado colocam a população
mais vulnerável em uma linha tênue entre a precarização e a repressão.
5. Considerações finais
Pensamos que a resolução dessa aparente contradição dos discursos estatais, por dentro do direcionamento imposto pelas forças que
regem o Estado brasileiro, não pode ser outro que o alargamento do discurso repressivo, com a criminalização e a repressão surgindo como contenção diante do caos social que se avizinha com a desregulamentação das
relações trabalhistas no país e a destruição dos mecanismos estatais de
proteção social. O contexto eleitoral que vivido em 2018 demonstrou que
a continuidade e o aprofundamento desse quadro, estão garantidos. Da
esquerda à direita, salvo raríssimas exceções, as propostas sobre temas de
segurança públicas giraram em torno da política do medo e da reprodução da lógica punitivista (BORGES & JARDIM, 2018). Ganhou o candidato que mais representava o fortalecimento da violência estatal contra os
pobres. A gestão bélica da miséria se mantém mais vigente do que nunca.
Referências bibliográficas
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União, 18/01/2017.
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31/03/2017.
BRASIL. Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017. Diário Oficial da União,
14/07/2017.
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União, 16/02/2018.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Habeas Corpus nº 126.292.
Julgamento em 17/02/2016. Diário Oficial da Justiça, 17/05/2016.
A reforma trabalhista... • 183
REFORMA TRABALHISTA:
UM “AJUSTE JUSTO” PARA QUEM?
LABOUR REFORM: A “FAIR ADJUSTMENT” FOR WHOM?
Natália Das Chagas Moura1
Maria Rosaria Barbato2
RESUMO: Afigura-se importante averiguar as reais motivações que conceberam a reforma trabalhista e os atores econômicos e políticos envolvidos com a célere tramitação da Lei 13.467/2017 no Congresso Nacional.
Vislumbra-se nas centenas de dispositivos celetistas alterados ou inseridos pela lei o anseio de flexibilizar e desregulamentar direitos trabalhistas
em consonância com preceitos neoliberais norteados pela concorrência,
produtividade e acumulação de renda e riquezas. O contrato de trabalho
intermitente ilustra esse afinado ajuste das políticas públicas e econômicas
com o ideário do capital neoliberal, especialmente, na sua especificidade
de fetichizar ainda mais a natureza do salário. Neste estudo, almeja-se investigar se o receituário proposto pelo Banco Mundial (BIRD) em dois
relatórios, acerca dos gastos públicos e da agenda da produtividade, publicados em novembro de 2017 e março de 2018, respectivamente, está
em harmonia com as razões que engendraram alterações tão desastrosas
1
Mestranda em Direito do Trabalho na Universidade Federal de Minas Gerais sob a orientação da profª. Maria Rosaria Barbato, na Área de Concentração “Direito e Justiça”, na
Linha de Pesquisa “História, Poder e Liberdade”. Advogada especializada em Direito e
Processo do Trabalho pela PUC-Minas. E-mail: natmoura7@hotmail.com
2
Doutora em Direito. Professora Adjunta. Subchefe do Departamento de Direito do
Trabalho e Introdução ao Estudo do Direito. Professora do corpo permanente do Programa
de Pós-Graduação de Direito da UFMG e membro do colegiado. E-mail: mr_barbato@
hotmail.it
In: ANTUNES, Daniela Muradas; NICOLI, Pedro Augusto Gravatá; RODARTE, Wanessa
Susan de Oliveira (org.).A reforma trabalhista e o direito individual do trabalho: dos
retrocessos às resistências. 1ª edição. Belo Horizonte: Initia Via, 2019 (Anais do IV
Encontro da RENAPEDTS, vol. 2). ISBN: 978-85-9547-079-8. DOI: 10.17931/95470798/
v2a09.
184 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
em termos de retirada de direitos e prejuízos para os trabalhadores. Valese, para tanto, da análise dos relatórios oficiais publicados por este Banco
sobre dados, pesquisas, direitos, programas sociais, políticas públicas e
econômicas, pelo exame de bibliografia com aporte teórico adequado ao
tema examinado, e, ainda, serão analisados dispositivos legais.
Palavras-chave: Reforma Trabalhista; Neoliberalismo; Banco Mundial
(BIRD); Contrato de Trabalho Intermitente; Caráter Fetichista do Salário.
Abstract: It is important to ascertain the real motivations that conceived
of the labour reform and the economic and political actors involved in the
speedy process of Law 13.467/2017 in the National Congress. The desire
to flexibilize and deregulate labour rights in line with neoliberal precepts
guided by competition, productivity and accumulation of income and
wealth is seen in the hundreds of provisions that have been amended or
inserted by the law. The intermittent labour contract illustrates this refined adjustment of public and economic policies to the ideology of neoliberal capital, especially in its specificity to further fetishize the nature of
wages. In this study, it is sought to investigate whether the World Bank
(IBRD) proposed budget in two reports on public expenditures and the
productivity agenda, published in november 2017 and march 2018, respectively, is in harmony with the reasons that led to such changes disastrous in terms of withdrawal of rights and at the expense of workers. The
analysis of the official reports published by this Bank on data, research,
rights, social programs, public and economic policies, analysis of bibliography with a theoretical input appropriate to the subject examined, and
will also analyze articles of law.
Keywords: Labour Reform. Neoliberalism. World Bank (IBRD).
Intermittent Labour Contract. Further Fetishize of Wages.
*
A reforma trabalhista... • 185
1. Introdução
A Lei 13.467/2017 é a controversa e contestada lei da reforma
trabalhista. Trata-se de uma lei aprovada sem o diálogo com instâncias
representativas dos trabalhadores e com a sociedade civil, sendo, portanto, altamente autoritária, acarretando sérias implicações nos contratos de
trabalho.
A reforma trabalhista foi abalizada por preceitos neoliberais em
que os princípios concorrenciais e de produtividade prevaleceram como
norteadores das relações trabalhistas. Para Dardot e Laval (2016, p. 17) “o
neoliberalismo pode ser definido como o conjunto de discursos, práticas
e dispositivos que determinam um novo modo de governo dos homens
segundo o princípio universal da concorrência. Verifica-se um aprofundamento da coisificação do trabalhador, como ocorre, por exemplo, no
contrato de trabalho intermitente e na ausência da comutatividade contratual3. Nesse tipo de contrato, legalizado pela reforma trabalhista, o trabalhador não tem ciência prévia de quantas horas trabalhará em determinado dia, semana ou mês, ou quantos dias ou semanas laborará em
certo mês, consequentemente, não é a ele precisado quanto auferirá de
remuneração, podendo ocorrer a inusitada situação de receber menos que
um salário mínimo em determinado mês. Consequentemente acarreta insegurança pessoal e financeira, apesar de o trabalhador ser formalmente
contratado por variados empregadores.
Torna-se imprescindível investigar as reais motivações que engendraram a reforma das leis trabalhistas, e, especialmente, revelar os
atores internacionais interessados numa profunda flexibilização e desregulamentação do Direito do Trabalho brasileiro, para que se possa desmistificar o mantra de que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) era
uma velha senhora e não mais passível de regulamentar a relação capital
trabalho, sendo desnecessário, portanto, “modernizá-la” e atualizá-la conforme os princípios neoliberais.
O principal objetivo perseguido pelos atores políticos e econômicos envolvidos com a célere aprovação da lei da reforma trabalhista
foi o de implantar políticas públicas e econômicas de austeridade, com a
Entende-se por comutatividade contratual o conhecimento das partes de suas obrigações
e direitos na oportunidade da conclusão do contrato
3
186 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
consequente redução de gastos públicos e aumento da competitividade
empresarial promovida por uma intensa agenda de produtividade.
Nesse diapasão, ressalta-se a importância de denunciar o antigo e
recorrente ataque que o capital internacional promove em face do Direito
do Trabalho, ao culpabilizá-lo pelo desemprego, alta rotatividade e baixos
salários, subvertendo a lógica de sua finalidade e especialidade.
Pretende-se, portanto, demonstrar como a reforma trabalhista
cumpriu o receituário neoliberal ao legalizar o contrato intermitente (art.
443 §3º c/c art. 452-A da CLT), permitindo que o trabalhador possa estar
formalmente contratado, mas não receber absolutamente nenhum valor
em contrapartida. Esse tipo de contrato também denominado zero hora
evidencia ainda mais o caráter fetichista do salário, ao passo que torna invisível o trabalho não pago, expressão máxima da mais valia. Utilizar-se-á
como método da pesquisa a análise bibliográfica, sobretudo os ensinamentos de Marx, de dados legislativos, bem como os relatórios oficiais do
Banco Mundial sobre a redução dos gastos públicos no Brasil e da agenda
da produtividade, do crescimento e do emprego.
2. A reforma trabalhista e os interesses neoliberais
Um dos objetivos da reforma que consta, inclusive, de sua justificativa, consiste na necessidade de modernização da Consolidação das
Leis do Trabalho, ao fundamento de ter se tornado uma lei anacrônica. Tal
argumento é falacioso ao se considerar que, conquanto esta consolidação
de leis tenha sido publicada em 1943, sofreu centenas de alterações, tendo
sido, portanto, atualizada ao longo do tempo.
As medidas, propostas com argumentos encantadores, representam, no final das contas, um cavalo de Tróia. A finalidade declarada, entre outras, como o canto das sereias, é a modernização,
cortina de fumaça atrás da qual se esconde a tendência de compatibilizar as relações de trabalho com as necessidades da empresa, que
cada vez mais pressiona os trabalhadores para aceitar condições
precárias. (BARBATO, 2018 apud DA SILVA, 2018, p. 6).
Em pesquisa realizada por Jorge Luiz Souto Maior, apenas duas
centenas de artigos da CLT não sofreram alterações legislativas ou não
A reforma trabalhista... • 187
foram interpretados via jurisprudência desde a publicação da CLT até a
publicação da lei da reforma trabalhista:
Dos 921 artigos que constavam da CLT, em 1943, somente 625 diziam respeito aos direitos trabalhistas propriamente ditos, pois os
demais regulavam o processo do trabalho. Desses 625, apenas 255
não foram revogados ou alterados total ou parcialmente de maneira
expressa por leis posteriores, editadas nos mais diversos governos;
e 65 não foram recepcionados pela Constituição de 1988, como reconhece doutrina e jurisprudência, expressamente. Os 188 artigos
restantes estão integrados a institutos que passaram, considerando
o conjunto normativo, por diversas modificações. (MAIOR, 2017).
A conjuntura política no país que permitiu a aprovação em tempo
recorde da reforma trabalhista foi articulada pelo setor econômico, representado por partidos políticos franqueadores do impeachment, e blindados por uma mídia conservadora e de classe.
A reforma trabalhista foi gestada, primordialmente, para reduzir
custos e encargos do empresariado em detrimento dos valores sociais e
democráticos que estruturam o país como um Estado Democrático de
Direito.
Um problema identificado nesse rápido processo de aprovação
dessa legislação deletéria para a classe que trabalha foi a parca resistência
oposta aos gerenciadores e detentores do capital. Nesse aspecto, Dardot e
Laval (2016, p. 7) apontam que o neoliberalismo não é apenas uma ideologia, mas uma política econômica que “ampliou sua influência ao mundo
inteiro, estendendo a lógica do capital a todas as relações sociais e a todas
as esferas da vida”. Ademais ressaltam o sofrimento causado aos trabalhadores pela subjetivação neoliberal, a qual se funda na “generalização da
concorrência como norma de conduta e da empresa”, e advertem acerca
dos efeitos subjetivos para a sociedade neoliberal ao aderir aos princípios
neoliberais:
Não devemos ignorar as mutações subjetivas provocadas pelo neoliberalismo que operam no sentido do egoísmo social, da negação da solidariedade e da redistribuição e que podem desembocar
em movimentos reacionários ou até mesmo neofascistas. As condições de um confronto de grande amplitude entre lógicas con-
188 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
trárias e forças adversas em escala mundial estão se avolumando.
(DARDOT; LAVAL, 2016, p. 9).
Em verdade, a reforma trabalhista se constitui como um projeto das classes dominantes que estão majoritariamente representadas
nos poderes executivo e legislativo, sobretudo, após o impeachment da
Presidenta Dilma Rousseff em 2016, haja vista a agilidade com que aprovaram essa lei.
Há longos anos fora desnudada a sobreposição da classe dominante sobre os desprovidos dos meios de produção. Em 1846 Marx
e Engels concluíram A ideologia alemã, obra que apresentou a definição
clássica de dominação ideológica, nesse sentido:
As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes; isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. A classe
que tem à sua disposição os meios de produção material dispõe,
ao mesmo tempo, dos meios de produção espiritual, o que faz
com que a ela sejam submetidas, ao mesmo tempo e em média, as
ideias daqueles aos quais faltam os meios de produção espiritual.
(MARX, 1993, p. 72).
Marx e Engels acertadamente revelam que as ideias dominantes
de cada época são as ideias da classe dominante. Por mais resistência que
a classe trabalhadora apresente, foi sempre muito custoso se opor aos interesses do capital.
Em crítica contundente ao relatório da reforma trabalhista apresentado à Câmara dos Deputados pelo deputado federal pelo PSDB
Rogério Marinho, Maria Rosaria Barbato ensina:
Para o relator da reforma na Câmara, Marinho, a mesma seria
fruto daquilo que os alemães definem como o zeitgeist, espírito do
tempo. Entretanto, com todo respeito ao relator, o verdadeiro sentido da palavra alemã, zeitgeist, expressa um conjunto dominante
de ideias e crenças cuja expressão é de responsabilidade com relação ao tempo em que se vive e um compromisso com a história.
Natalino Irti, jurista italiano discípulo de Emilio Betti, alertava no
seu texto “A idade da codificação” que as normas jurídicas andam
por um caminho de descompromisso com a história, “se tornando
A reforma trabalhista... • 189
expressão de vontade de grupos de poder econômico, técnico e político, cuja racionalidade não tem outro referente que a funcionalidade das normas em relação a determinados escopos”. (BARBATO,
2018 apud DA SILVA, 2018, p. 7).
Para Jorge Luiz Souto Maior a reforma trabalhista significou uma
derrota para a classe trabalhadora, ao passo que boa parte dela, na concepção desse autor, sequer compreendeu seu real alcance:
A ‘reforma’ trabalhista foi, declaradamente, um efeito da luta de
classes, mas uma luta em que apenas um dos lados, o grande capital, apresentou realmente as suas armas, já que, do outro lado, o
que havia eram trabalhadores e desempregados pulverizados, uma
parte dos quais demonstrou sim uma grande disposição de luta,
nas maiores paralisações em muitos anos, mas não a organização
coletiva e sindical dedicada a levar essa disposição adiante, e outra
parte dos quais envolvidos no projeto individual básico da sobrevivência, partindo de um grau tão duro de precarização das condições de trabalho e de vida que não pôde nem mesmo visualizar
a tempo a dimensão do ataque que sofria. (MAIOR, 2017, p. 15).
A reforma trabalhista foi norteada por interesses neoliberais, representados pela voracidade do capital financeiro internacional. A própria rapidez com que aprovaram a lei da reforma traduz-se na ausência
de diálogo democrático com os trabalhadores e suas instâncias representativas. Segundo Dardot e Laval (2016, p. 8) “o sistema neoliberal está nos
fazendo entrar na era pós-democrática”.
Esses autores revelam como o sistema neoliberal se arquiteta
em torno de forças internacionais e nacionais para gerenciar as forças
econômicas:
O sistema neoliberal é instaurado por forças e poderes que se apoiam
uns nos outros em nível nacional e internacional. Oligarquias burocráticas e políticas, multinacionais, atores financeiros e grandes
organismos econômicos internacionais formam uma coalização
de poderes concretos que exercem certa função política em escala mundial. Hoje, a relação de forças pende inegavelmente a favor
desse bloco oligárquico. Além dos fatores sociológicos e políticos,
os próprios móbeis subjetivos da mobilização são enfraquecidos
190 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
pelo sistema neoliberal: a ação coletiva se tornou mais difícil, porque os indivíduos são submetidos a um regime de concorrência em
todos os níveis. As formas de gestão na empresa, o desemprego e
a precariedade, a dívida e a avaliação, são poderosas alavancas de
concorrência interindividual e definem novos modos de subjetivação. A polarização entre os que desistem e os que são bem-sucedidos mina a solidariedade e a cidadania. Abstenção eleitoral,
dessindicalização, racismo, tudo parece conduzir à destruição das
condições do coletivo e, por consequência, ao enfraquecimento da
capacidade de agir contra o neoliberalismo. (DARDOT; LAVAL,
2016, p. 8-9).
A lei 13.467/2017 foi publicada em 14 de julho de 2017, com vacatio legis de 120 dias, logo, entrou em vigor em 11 de novembro de 2017.
O Direito do Trabalho brasileiro é comumente apontado por organismos internacionais como um direito forte e inflexível. Os índices de
desemprego, salários baixos, assim como a rotatividade de empregos são
creditados na conta da legislação trabalhista, em face da suposta rigidez
normativa e dos princípios protetivos do Direito do Trabalho.
A culpabilização do Direito do Trabalho pelas mazelas que afligem os trabalhadores remonta há longos anos. Existe uma tendência à criminalização desse direito social que foi criado exatamente para proteger
os trabalhadores das forças desproporcionais do capital. Em síntese, como
bem ressaltado por Tarso Genro, ao prefaciar o livro de Antonio Baylos,
Direito do Trabalho: modelo para armar, o Direito do trabalho foi eleito o
“inimigo número um do neoliberalismo” (GENRO, 1999 apud BAYLOS,
1999, p.18).
Contudo, as verdadeiras razões pelas quais o Direito do Trabalho
foi criado são, muitas vezes, desprezadas. Valdete Souto Severo (2017, p.
30) ressalta que “a proteção que faz surgir o Direito do Trabalho é a proteção contra a exploração econômica, mas é também, desde o início, o reconhecimento social de que essa relação implica uma troca desigual: tempo
de vida/força física em troca de remuneração/valor monetário.”
Afigura-se, entretanto, imprescindível demonstrar as reais motivações que engendraram a reforma das leis trabalhistas, tais como, exemplificativamente, a Lei nº. 13.429 (Lei da terceirização) em março de 2017,
a Lei n.º 13.446 (Rentabilidade de contas FGTS) em maio de 2017, a Lei
nº 13.456 (Prazo de vigência do Programa Seguro-Emprego) em junho de
A reforma trabalhista... • 191
2017 e a Lei n.º 13.467 (conhecida como a Lei da Reforma trabalhista) em
julho de 2017.
Essa série sequenciada de alterações legislativas foi articulada em
afinado concerto entre os poderes legislativo e executivo, resguardados
pela suprema corte, com o objetivo de cumprir o receituário neoliberal
internacional visando implantar políticas públicas e políticas econômicas
de austeridade (KLIASS, 2018).
Apontar os atores internacionais que estão à frente dessa governança global torna-se indispensável para compreender acerca de quais
interesses a reforma trabalhista foi gestada e implementada.
Maurício Godinho Delgado denuncia a atuação concertada de
organismos internacionais, em sua maioria, entidades bancárias oficiais,
baseada num ideário ultraliberal e monetarista, da qual emana uma série
de orientações econômicas e de políticas públicas, buscando disciplinar o
mercado mundial. Nesse sentido ensina:
São os organismos que contam com forte influência no conjunto do sistema econômico e político, agindo não somente com
entidades de poderoso calibre monetário, mas ainda como instituições reguladoras do próprio sistema financeiro internacional.
Curiosamente, são instituições financeiras do tipo imperial ou
semi-imperial, que propagam a desregulamentação econômico-financeira ao longo da terra, naquilo que se contraponha às próprias
regras e receituários que estipulam. Postam-se como liberais no
que tange à desregulamentação de regras e defesas contrárias ao
ideário que propagam; porém tornam-se inflexíveis, rigorosíssimas
e altamente interventivas no que diz respeito à implementação da
agenda financeira e anti-social que estipulam. Neste rol, situam-se,
ilustrativamente, o Banco Mundial (BIRD), o Fundo Monetário
Internacional (FMI), o Banco de Compensações Internacionais
(BIS), o Banco Interamericano de Desenvolvimento Econômico
(BID), além de outras entidades afins. (DELGADO, 2006, p. 85).
Tornou-se notório o receituário conhecido como Consenso de
Washington, em 1989, seguido da publicação em 1991 do relatório sobre
o desenvolvimento mundial do Banco Mundial, os quais buscavam firmar
prescrições de políticas e reformas propostas pelos organismos multila-
192 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
terais na renegociação das dívidas externas dos países da América Latina
(DELGADO, 2006, p. 95).
As políticas de austeridade promovem reformas que pressionam
por um “Direito do Trabalho de exceção”:
A narrativa brasileira, que é, também, com as devidas diferenças,
a de muitos outros países, se insere num contexto mais amplo, em
que as políticas de austeridade, impostas pela sobrevivência do sistema econômico e financeiro, têm estimulado reformas que pressionam por um Direito do Trabalho de exceção, cujo objetivo é
proporcionar a transferência em cascata de custos e responsabilidades da produção para a sociedade.
De forma análoga, em décadas anteriores, países europeus passaram por reformas semelhantes, invasivas e precarizantes, que afetaram profundamente o seu tecido social, ao argumento de que o
relatório da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico de 1994 (acolhido como guia pelas grandes instituições como Fundo Monetário, Banco Central Europeu, Comissão
Europeia) apontou a rigidez trabalhista como causa do desemprego na Europa. Sob essa perspectiva, foram impostas rigorosas
políticas de austeridade pela União Europeia aos países-membros.
A estratégia aprofundou as desigualdades já existentes e, como
posteriormente constatado, não trouxe o suposto crescimento
econômico esperado, revelando a falência da política da Troïka
por cujas consequências os países europeus ainda estão pagando.
(BARBATO, 2018 apud DA SILVA, 2018, p. 5).
Alain Supiot cunhou a expressão darwinismo normativo para demonstrar como os organismos internacionais manipulam e arquitetam as
legislações trabalhistas em benefício do capital, fazendo do Direito uma
mercadoria num “mercado de normas” como vem ocorrendo todos os
anos quando o Banco Mundial publica seu programa Doing Business:
“A respeito do Mercado Total, o Direito (assim como a religião,
as ideias e as artes) é considerado como um produto competitivo em escala mundial, no qual agiria a seleção natural das ordens
jurídicas mais adaptadas à exigência do rendimento financeiro.
(...) A fim de ajudar os ‘consumidores de direito’ a fazerem sua escolha neste ‘mercado de normas’, o Banco Mundial publica todos
os anos, desde 2004, no âmbito de seu programa Doing Business,
A reforma trabalhista... • 193
um relatório avaliando os direitos nacionais, tendo por referência
a eficácia econômica. A base de dados cifrado assim mostrados é
destinada a fornecer as ‘medidas objetivas’ do Direito de cento e
setenta e oito países (rebatizados como ‘economias’). Ela contém,
essencialmente, indicadores estatísticos da ‘inflexibilidade’ dos direitos trabalhistas desses países.” (SUPIOT, 2012 p. 58-59).
3. Os “ajustes” do Banco Mundial
Nesse mesmo intercâmbio de influências neoliberais, em 2015
o então Ministro da Fazenda, Joaquim Levy, encomendou ao Banco
Mundial um estudo acerca da qualidade dos gastos públicos do governo
federal. Paulo Kliass referiu-se a esse documento oficial como o “receituário do desastre” que promoverá um “austericídio” (KLIASS, 2017).
Apenas dez dias após a vigência da lei da reforma trabalhista o
Banco Mundial publicou importante relatório oficial: Um Ajuste Justo:
Análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil (BRASIL, 2017).
A mais importante conclusão desse relatório foi no sentido de que
“o governo brasileiro gasta mais do que pode e, além disso, gasta mal”
(BANCO MUNIDAL, 2017, p. 7).
Em suma, esse relatório afiança as flexibilizações e desregulamentações promovidas pela Lei 13.467/2017.
Nas palavras de KLIASS (2017) o relatório do Banco Mundial é
“uma agenda de aprofundamento do desmonte que vem sendo promovido em nossa estrutura de direitos sociais. É também uma agenda de
ampliação da destruição das bases de potencial recuperação de uma estratégia desenvolvimentista em nosso País”.
KLIASS, sinteticamente, expõe os principais ataques sugeridos
pelo Banco Mundial, além da proposta, é claro, da necessidade de uma
reforma previdenciária:
O documento continua difundindo heresias por muitas outras esferas da administração pública. Assim, ele sugere o fim da gratuidade no ensino superior; a redução das despesas com servidores
públicos; mudanças no sistema de proteção social (abono salarial,
seguro desemprego e acesso ao FGTS); fim da obrigatoriedade de
os municípios gastarem 25% de sua receita em educação; redução
drástica nos gastos com saúde, em especial com o SUS; eliminação
194 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
dos incentivos fiscais para micro e pequenas empresas (SIMPLES);
entre tantas outras maldades (KLIAS, 2017).
No que tange aos direitos trabalhistas o cinismo que estampa esse
relatório é revelado nas primeiras linhas do documento oficial, o qual estabelece como estratégia “desenhar e implementar um “ajuste justo” que
coloque as contas fiscais do Brasil de volta em uma trajetória sustentável, ao mesmo tempo em que protege os pobres, é um grande desafio.”
(BANCO MUNIDAL, 2017, p. 1).
Registra-se que em diversos países foram adotadas políticas de
austeridade seguidas de reformas trabalhistas visando, dentre outros objetivos, aumentar a competitividade empresarial, promover o crescimento
do emprego e combater o desemprego. No entanto, conforme informações apresentadas por Marcio Pochmann, a Organização Internacional
do Trabalho ao analisar resultados recentes das reformas trabalhistas na
experiência internacional em 110 países constatou que:
Reformas trabalhistas realizadas em 110 países entre 2008 e 2014
envolveram 643 mudanças nos sistemas laborais nacionais, sendo
50% das mudanças efetuadas para proteger e 50% para liberar o
funcionamento do mercado de trabalho.
Conclusões: 1. Não houve efeito estatístico relevante sobre o nível
de emprego. 2. O desemprego, em contrapartida, seguiu inalterado. 3. Mudanças protetoras do mercado de trabalho contiveram
a precarizaçãodo emprego, ao contrário daquelas liberalizantes.
(POCHMANN, 2017).
Nessas mesmas pesquisas, Pochmann informa que o Fórum
Econômico Mundial concluiu que “o movimento de flexibilização do
mercado de trabalho nos países não tem sido acompanhado da elevação
da competitividade” (POCHMANN, 2017).
O relatório do Banco Mundial preenche suas páginas com inverdades e contradições visando convencer o cidadão brasileiro de que a multiplicidade de programas de apoio ao mercado de trabalho e assistência
social desestimula famílias mais pobres a buscarem seu próprio sustento:
A proteção social é um sistema integrado de assistência social,
programas para o mercado de trabalho e sistemas previdenciários.
A reforma trabalhista... • 195
Esses elementos interagem para proteger os indivíduos em momentos de necessidade e influenciam as escolhas das pessoas e a
produtividade do trabalho. No Brasil, há muitos programas, mas
a coordenação entre eles é insuficiente, o que gera duplicidade de
esforços e ineficiências, pois recursos são transferidos aos não pobres. Os programas são, em sua maioria, elaborados isoladamente,
sem considerar sua interação. As sobreposições são muitas, com
milhões de famílias aptas a receberem vários benefícios que atendem aos mesmos objetivos, ao passo que as lacunas de cobertura
deixam outros domicílios em situação de pobreza. A multiplicidade e incoerência dos instrumentos geram riscos de gastos excessivos e podem reduzir os incentivos para que as famílias mais pobres
busquem seu próprio sustento no mercado de trabalho. (BANCO
MUNDIAL, 2017, p. 87).
Esse mesmo relatório concluiu que os atuais programas para o
mercado de trabalho introduzem incentivos perversos que resultam em
baixa produtividade. Para tanto apontou o seguro desemprego como causador do alto nível de rotatividade entre emprego e desemprego. Além
disso, arrematou subvertendo a finalidade dos programas sociais:
Os trabalhadores possuem altos incentivos para serem demitidos e
acessarem os benefícios substanciais resultantes da demissão. Por
outro lado, a inflexibilidade dos contratos de trabalho e a alta incidência de ações trabalhistas incentivam os empregadores a realizar acordos de demissão e recontratar os funcionários sob regras
diferentes, em vez de tentar renegociar seus contratos“ (BANCO
MUNDIAL, 2017, p. 95-96).
Após o apontamento das críticas aos programas sociais brasileiros, o relatório apresentou a seguinte agenda de políticas públicas denominadas “opções para melhorar o apoio aos desempregados: FGTS e
Seguro-Desemprego”:
136. Seria possível introduzir mudanças nos parâmetros do FGTS e
do Seguro-Desemprego para reduzir os incentivos perversos e melhorar sua eficácia. A medida mais importante e urgente seria o sequenciamento do acesso aos dois programas. Em vez de permitir
o acesso simultâneo às contas de FGTS e ao Seguro-Desemprego
196 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
após uma demissão não voluntária, o sistema poderia exigir que
os trabalhadores esgotassem seu saldo de FGTS antes de se beneficiarem do Seguro-Desemprego. Poderia ser imposto um limite
aos saques mensais do FGTS durante o período de desemprego, e
tal limite sofreria reduções ao longo do tempo. A maior parte dos
programas de apoio a desempregados inclui uma taxa de reposição
decrescente durante o período total de pagamento. Exigir que os
trabalhadores esgotem suas contas de FGTS criaria uma urgência
que neutralizaria o “risco moral” de apoio financeiro durante o período de desemprego.
137. O Seguro-Desemprego poderia sustentar o FGTS e oferecer mais
apoio aos que ganham menos. A proposta também tem o mérito
de reservar recursos do fundo de riscos compartilhados (ou seja,
o FAT, que, como todos os tipos de seguro social, pode observar
déficits entre contribuições e pagamento, que são sustentados por
transferências orçamentárias) para os que, mais provavelmente, esgotarão seus saldos de FGTS antes de encontrar outro emprego.
Esse grupo inclui pessoas cujas qualificações são menos procuradas pelo mercado, trabalhadores de mais baixa renda que não conseguem acumular grandes saldos em suas contas individuais, ou
pessoas que passaram por repetidas demissões. Conforme ocorre
em países que combinam poupanças individuais com fundos de
riscos compartilhados, o número de vezes que um indivíduo pode
acessar os benefícios de tal fundo poderia ser limitado em determinado período. Além disso, o acesso poderia ser condicionado à
intensidade da busca por um novo emprego, à aceitação de ofertas de trabalho, ou à participação em programas de treinamento,
aconselhamento ou apoio, bem como à combinação desses serviços públicos de apoio ao desempregado.
138. A coordenação entre o FGTS e o Seguro-Desemprego ofereceria
às famílias um conjunto de ferramentas mais resilientes para administrar uma série de riscos ao emprego. Em qualquer país – mesmo
em períodos de crescimento e estabilidade econômica – há um
nível eficiente de rotatividade, à medida que os trabalhadores trocam de emprego e que as empresas abrem ou fecham suas portas.
Contudo, no Brasil a rotatividade parece ser excessiva, o que reduz
os incentivos para investir em formação continuada e, portanto,
impede o aumento da produtividade. O sequenciamento do acesso
ao FGTS e ao Seguro-Desemprego poderia contribuir para a produtividade ao apoiar a mobilidade dos funcionários em situações
de choque idiossincráticas e aumentar esse apoio nos períodos
A reforma trabalhista... • 197
mais longos de desemprego, ou quando o choque para a economia
for sistêmico, como se verifica após longas recessões ou crises econômicas. O sistema misto de proteção ao desempregado do Chile,
por exemplo, inclui gatilhos que podem estender o período total
de pagamento quando o índice de desemprego no país superar determinado nível. (BANCO MUNDIAL, 2017, p. 100). (destaque no
original).
Vê-se que a agenda de políticas públicas e econômicas coaduna-se,
em sua plenitude, com os interesses do capital financeiro internacional,
haja vista a esterilização dos recursos financeiros promovida por grandes
corporações financeiras, pois como bem pontuado por Ladislau Dowbor:
O sistema financeiro passou a usar e drenar o sistema produtivo,
em vez de dinamizá-lo (...) Por enquanto interessa-nos constatar
que os recursos existem, mas a sua produtividade é esterilizada por
um sistema generalizado de especulação que drena as capacidades
de investir na economia real. Igualmente importante, os próprios
recursos públicos, ou seja os nossos impostos, alimentam hoje esta
máquina. (DOWBOR, 2017, p. 32-33).
Amparado por essa mesma lógica conservadora de redução de
gastos públicos, o Banco Mundial prescreveu para o Brasil uma série de
ajustes nas políticas de condução de programas sociais e direitos trabalhistas, parte dos quais, infelizmente, o Governo brasileiro já acatou com
as alterações nas leis trabalhistas no ano de 2017.
Maurício Godinho Delgado destaca a uniformização ultraliberal
das burocracias estatais, sobretudo nos países periféricos como forma de
preservar a hegemonia cultural do neoliberalismo:
O pensamento econômico liberalista extremado – com seu receituário esterilizante do potencial de atuação do Estado, inclusive
quanto a investimentos públicos, de desregulação generalizada dos
distintos segmentos da economia, de elevação persistente do rendimento do capital financeiro, de contração radical do crédito às
empresas e aos consumidores, de debilitação dos níveis de crescimento econômico e de emprego –, todo este pensamento unitário
de manifesto conteúdo anti-social passa a ter influência cada vez
mais nas burocracias estatais. (DELGADO, 2006, p. 92).
198 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Muito importante, também, para demonstrar os interesses envolvidos na aprovação célere da reforma trabalhista com o objetivo de colocar o Brasil em situação de disputa no competitivo “mercado de normas”
internacionais, atrativo ao capital financeiro internacional, traz-se à baila
outro relatório oficial do Banco Mundial, denominado, “Emprego e crescimento: a agenda da produtividade”.
Esse relatório foi publicado em 07 de março de 2018 e dentre
as principais proposições desse documento oficial estão o aumento da
abertura comercial do Brasil e a redução dos salários dos trabalhadores.
(BANCO MUNDIAL, 2018, p. 32; 67).
O discurso adotado nesse relatório está afinado com a agenda do
neoliberalismo e do capitalismo improdutivo, pois segundo DOWBOR
(2017, p. 91) a atual lógica de acumulação do capital não financia a produção e não investe em políticas sociais, portanto, não gera empregos e não
promove o consumo interno.
Conforme consta do resumo do relatório do Banco Mundial “este
relatório analisa alguns dos fatores que podem estar por trás desse cenário
de baixa produtividade no Brasil”. Esse organismo multilateral sugere alterar a relação entre as empresas e o Estado “passando de uma relação de
vantagens e privilégios para uma relação que busque nivelar o mercado,
incentivando a iniciativa e apoiando trabalhadores e empresas que se ajustam às demandas do mercado”. (BANCO MUNDIAL, 2018, p. 3).
O capítulo quatro desse documento oficial expõe as causas do baixo crescimento da produtividade e da necessidade de melhorar o funcionamento dos mercados financeiro e de trabalho.
A avaliação de Paulo Kliass (2018) sobre este relatório revelou que
a conclusão do Banco Mundial consiste numa contradição do que seria
necessário para a recuperação da economia e a geração de emprego como
forma de contornar as políticas de “autericídio”. Nas palavras do autor, “o
diagnóstico do banco e suas sugestões vão exatamente na contramão de
tudo aquilo que nos parece necessário para recuperar nosso país”. E mais,
segundo Kliass:
O Banco Mundial insiste em retornar aos velhos tempos das recomendações da ortodoxia. Tudo elaborado na mais absoluta sintonia com os interesses dos países do centro do capitalismo, com o
intuito de manter a distância com relação aos países chamados pe-
A reforma trabalhista... • 199
riféricos. Mas, então o que fazer para aumentar a produtividade da
economia e superar as dificuldades atuais? A tecnocracia baseada
em Washington não tem dúvidas: o caminho passa por dois tipos
de medidas. São elas: i) reduzir os níveis salariais dos trabalhadores; e, ii) aumentar a abertura comercial do Brasil para com o resto
do mundo. Uma loucura! (KLIASS, 2018).
A primeira proposição do Banco para agenda do crescimento é
a abertura comercial do país, pois, segundo o relatório “em comparação
a outros países, a abertura comercial do Brasil é limitada e reflete uma
posição de política altamente intervencionista e protetora” (BANCO
MUNDIAL, 2018, p. 32).
Para Kliass (2018),
O Banco tenta nos iludir com o falso argumento de que a abertura
comercial também teria o efeito de colaborar para a redução das
desigualdades de renda. Mas é amplamente sabido que o principal
fator para a inclusão e diminuição das disparidades foi a recuperação dos salários, bem como a melhoria e a ampliação do acesso aos
serviços públicos.
A segunda medida apontada pelo Banco Mundial para a retomada da produtividade no Brasil, visando fomentar a agenda do crescimento,
consiste na revisão das políticas de salário mínimo, pois segundo as informações desse banco, os “salários mínimos elevados e obrigatórios elevam
os custos dos trabalhadores menos qualificados, incentivando a substituição do trabalho por tecnologias que economizam mão-de-obra ou empurrando os trabalhadores para a informalidade”. (BANCO MUNDIAL,
2018, p. 67). No que tange à legislação trabalhista a conclusão do relatório
é, no mínimo, simplista:
Em relação às leis trabalhistas, pesquisas recentes do Banco
Mundial indicam que, nos municípios brasileiros que aplicam essas leis com mais rigor, os trabalhadores pouco qualificados que
realizam tarefas rotineiras e manuais são prejudicados quando as
empresas adotam novas tecnologias digitais; já os trabalhadores altamente especializados, que realizam tarefas não-rotineiras e cognitivas, são beneficiados. Em outras palavras, as leis que deveriam
proteger os trabalhadores dos efeitos da concorrência e da atua-
200 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
lização tecnológica acabam prejudicando os pouco qualificados e
exacerbando as desigualdades. (BANCO MUNDIAL, 2018, p. 67).
Imprescindível ressaltar as proposições do Banco Mundial acerca
das reformas das leis trabalhistas, pois são eivadas de preceitos neoliberais, impondo a concorrência e o mercado como parâmetros das relações
sociais em detrimento dos direitos trabalhistas e humanos.
No ano passado, o Brasil começou a enfrentar as deficiências de
suas políticas de mercado de trabalho. Em 2017, o Brasil adotou
mudanças importantes em suas leis trabalhistas.66 O governo espera que essas mudanças - juntamente com uma nova lei que abre
mais espaço para a terceirização e contratos de trabalho temporário
- deem mais flexibilidade aos contratos firmados entre empregadores e trabalhadores, incentivando a criação de novos empregos e
oportunidades de aprendizado no local de trabalho. As mudanças
também visam abrir mais espaço para negociações coletivas nas
empresas, abolindo as contribuições sindicais obrigatórias e tornando os sindicatos mais ágeis e passivos de responsabilização.
Espera-se que as reformas facilitem os ajustes das empresas e criem
novas oportunidades, especialmente para os menos qualificados,
oferecendo opções alternativas de emprego formal. Também se
espera que as reformas tornem as relações no local de trabalho
menos adversas e diminuam a judicialização abusiva, limitando
o alcance da jurisdição e atribuindo custos para desincentivar litígios frívolos ou oportunistas. A necessidade de concorrer pelas
contribuições pode deixar os sindicatos mais sensíveis às necessidades dos trabalhadores. Com o tempo, o maior alinhamento entre
empregos e empregados e relações mais cooperativas nos locais de
trabalho devem aumentar o tempo de permanência no emprego,
baixar a (alta) taxa de rotatividade de mão-de-obra e aumentar a
produtividade e o aprendizado no local de trabalho. No entanto,
ainda não está claro se as reformas de 2017 na educação e no mercado de trabalho do Brasil serão suficientes para ajudar o país a enfrentar os desafios das rápidas mudanças tecnológicas e a mitigar
os potenciais efeitos negativos da integração dos mercados externo e interno sobre grupos específicos de trabalhadores. (BANCO
MUNDIAL, 2018, p. 68).
A reforma trabalhista... • 201
4. O contrato de trabalho intermitente e a reforma trabalhista
Foram mais de duzentos dispositivos da CLT modificados ou inseridos pela Lei 13.467/2017, no entanto, em razão da vasta discussão possível em razão de tantas alterações, elege-se como parâmetro para situar a
reforma trabalhista na lógica normativa neoliberal, o contrato de trabalho
intermitente, em especial, por atender aos anseios propostos pelo relatório do Banco Mundial de redução de salários.
Utiliza-se do contrato intermitente para ilustrar o quanto a reforma trabalhista atingiu os trabalhadores de formas distintas. O trabalho
intermitente promove uma profunda disjunção subjetiva entre os trabalhadores intermitentes, haja vista que não se constituem em uma categoria
homogênea, pois, em grande parte, possuem formação e qualificação profissionais distintas, além de não terem condições similares de vida oriundas da mesma profissão. Isso é um problema grave para a coalização dos
trabalhadores em torno de interesses comuns e para se colocarem como
resistência constituída e organizada.
Outra questão que se verifica com a legalização do trabalho intermitente reside nas consequências do não reconhecimento de si do
próprio trabalhador, ao passo que, em um mesmo dia, na condição de
trabalhador intermitente, pode exercer tarefas variadas tais como, ser motorista de uma empresa de aplicativo de transporte, garçom numa loja do
McDonald’s, e entregador de pipoca em um cinema. Desse modo, vislumbra-se o trabalhador intermitente como um trabalhador sem identidade,
em prejuízo da consciência de classe, o que torna uma quase objeção para
a articulação em torno de uma classe em defesa dos interesses coletivos4.
Patrícia Maeda (2017, p. 323) apresenta importante argumento jurídico passível de constituir a inconstitucionalidade do contrato de
trabalho intermitente, além de outras inconstitucionalidades verificáveis,
ao aduzir que esse contrato afronta a dignidade humana ao considerar
o trabalhador como “mero objeto, como ferramenta, equipamento, ma4
Para maior aprofundamento acerca da relação entre reconhecimento e fortalecimento
sindical cfr. BARBATO, Maria Rosaria; MAIOLINI, Danielle Mendes. Novas perspectivas
de atuação do sindicato como ator social: entre a redistribuição e o reconhecimento na luta
pela Justiça Social. In: SALEME, Edson Ricardo; BARACAT, Eduardo Milleo; BARBATO,
Maria Rosaria (Coord.). Direito do trabalho e meio ambiente do trabalho//(Recurso eletrônico on-line) organização CONPEDI/UNICURITIBA, 2016, p. 6-21.
202 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
quinário, à disposição da atividade econômica empresarial”. Argumenta
ainda que esse tipo de contrato causa enorme insegurança ao trabalhador,
pois “não há comutatividade no contrato de trabalho intermitente, pois
o empregado não sabe o quanto vai trabalhar, em que dias, e, portanto, o
quanto receberá como salário. Nem mesmo o contrato civil permite este
desnível entre as obrigações e os deveres das partes”.
A inserção do contrato de trabalho intermitente na legislação
trabalhista pátria está em consonância com os princípios neoliberais que
nortearam a aprovação da Lei 13.467/2017, em especial, por remunerar
o trabalhador apenas pelo tempo realmente trabalhado, extirpando das
obrigações do empregador o pagamento pelo tempo à disposição.
Segundo a norma celetista, “considera-se como intermitente
o Contrato de Trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação
de serviços e de inatividade” (art. 443, §3º da CLT).
Dentre as disposições normativas que disciplinam esse novo tipo
de contrato de trabalho (artigo 452-A da CLT e seus nove parágrafos)
destaca-se a criação de uma penalidade pecuniária, segundo a qual, “aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte que descumprir,
sem justo motivo, pagará à outra parte, no prazo de trinta dias, multa de
50% (cinquenta por cento) da remuneração que seria devida, permitida a
compensação em igual prazo” (art. 452-A, §4º da CLT).
Trata-se de uma multa pelo descumprimento do avençado entre as partes. Contudo, torna-se imprescindível destacar que em caso de
descumprimento da obrigação por parte do empregador, dificilmente o
trabalhador irá requerer a aplicação da penalidade, por temer a dispensa
do emprego. Ademais, é mais provável que essa multa seja aplicada ao
trabalhador por não comparecer ao trabalho após ter se obrigado, pois
o empregador detém um amplo cadastro de reservas, assim, uma vez
ofertado o trabalho para determinado trabalhador, dificilmente irá descontratar, em face da “pessoalidade mitigada” característica do trabalho
intermitente, haja vista a altíssima rotatividade de trabalhadores realizando as mesmas tarefas e atividades para algumas empresas. Vê-se, que a
inserção dessa penalidade vai ao encontro das disposições do relatório do
Banco Mundial que recomenda a desburocratização e flexibilização do
contrato de trabalho, pois, segundo o Banco, “os empregadores no Brasil
sofrem muito mais restrições do que em outros países em relação ao uso
A reforma trabalhista... • 203
de mão-de-obra terceirizada e contratos de trabalho fixos e temporários”
(BANCO MUNDIAL, 2018, p. 67).
Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado (2017, p.
154) criticam esta tipologia contratual, pois na concepção dos autores,
caso os dispositivos legais sejam lidos literalmente conduzirão ao rompimento “de dois direitos e garantias justrabalhistas importantes, que são da
estrutura central do Direito do Trabalho: a noção de duração do trabalho
(e de jornada) e a noção de salário”.
No contrato de trabalho intermitente o trabalhador pode estar
formalmente contratado, mas não receber nenhum valor em contrapartida, caso não tenha prestado serviço, haja vista que o contrato pode permanecer válido em períodos de inatividade. Exatamente por essas razões
que o contrato de trabalho intermitente é também conhecido como contrato zero hora. Esse novo tipo de contrato, excepciona-se da regra geral
do contrato de trabalho ordinário, em que o trabalhador está à disposição
do empregador quando se encontra aguardando ou executando ordens,
nos termos do art. 4º da CLT. Ademais, como o trabalhador nesse contrato intermitente recebe apenas pelas horas efetivamente trabalhadas há
uma transferência de riscos do empreendimento para o trabalhador em
contradição ao disposto do art. 2º da mesma lei, mas, em contrapartida,
alinham-se às diretrizes propostas pelo Banco Mundial, quais sejam, o
aumento da produtividade e a redução de salários.
Para Homero Batista Mateus Da Silva (2017, p. 73) a lei da reforma trabalhista oficializou o “bico” e o contrato-zero. Segundo o autor “a
ideia do art. 452-B (sic) nada mais é do que a elaboração de um cadastro
com os dados do empregado para, se houver trabalho, ele ser acionado,
mas sem o compromisso de ser chamado e sem o compromisso de atender
ao chamado”. Esse tipo de contratação consiste numa violência contratual
ao vincular o trabalhador a um contrato, em que ele é o único que, na
realidade, terá obrigações a cumprir.
Uma especificidade do contrato de trabalho intermitente refere-se às férias, pois segundo o parágrafo nono do art. 452-A da CLT é assegurado o direito ao gozo das férias, conquanto não seja resguardada a devida remuneração do período usufruído. Logo, a legislação preservou, tão
somente, o direito do trabalhador de não ser convocado para o trabalho,
como bem observado por Patrícia Maeda (2017, p. 317). Também nesse
aspecto resta cristalino o prejuízo do trabalhador intermitente que teve
204 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
seu direito de férias esvaziado em contrariedade à Constituição Federal
que estabelece o direito a férias remuneradas. Essa previsão normativa
coaduna-se com o receituário ultraliberal do Banco Mundial (2018, p. 67)
que sugere que “salários mínimos elevados e obrigatórios elevam os custos dos trabalhadores menos qualificados, incentivando a substituição do
trabalho por tecnologias que economizam mão-de-obra ou empurrando
os trabalhadores para a informalidade”, especialmente, quando se verifica que os trabalhadores intermitentes são exatamente esses trabalhadores
mais precarizados e com qualificação profissional deficiente.
O contrato de trabalho intermitente cria, portanto, a figura do
trabalhador ultraflexível e evidencia ainda mais o caráter fetichista do salário. (MARX, 2015, p. 610).
Marx fazia duras críticas ao salário como remuneração da força
de trabalho, uma vez que oculta parte do trabalho prestado e não pago,
sobretudo no trabalho remunerado por hora e o sobretrabalho.
Com a inserção do contrato de trabalho intermitente, essa fetichização do salário se aprofundou, ao passo que no contrato de trabalho
ordinário o tempo à disposição era remunerado. Já no trabalho intermitente, o trabalhador mantém-se como formalmente contratado, mas, apesar de estar à disposição do empregador, pode ter o salário totalmente não
pago, caso não haja efetiva prestação de serviços. Ademais, embora haja
previsão legal de observar o pagamento do salário mínimo hora (art. 425A, §5º, CLT), a insegurança jurídica e financeira é manifesta, uma vez que
não se garante o recebimento do salário mínimo mensal, ao trabalhador
que laborar poucas ou nenhuma hora em determinado mês.
Marx (2015, p. 609) examinou como o valor e o preço da força
de trabalho se apresenta na forma transformada como salário. Para tanto
evidenciava o fetiche do valor do trabalho, ou seja, demonstrava o quanto a força de trabalho é remunerada na realidade, e o quanto, ela cria de
mais-valor. No que tange ao salário por hora e o sobretrabalho, dispunha:
Se o salário por hora é fixado de maneira que o capitalista não se
vê obrigado a pagar um salário diário ou semanal, mas somente
as horas de trabalho durante as quais ele decida ocupar o trabalhador, ele poderá ocupá-lo por um tempo inferior ao que serviu
originalmente de base para o cálculo do salário por hora ou para a
unidade de medida do preço do trabalho. Sendo essa unidade de
A reforma trabalhista... • 205
medida determinada pela proporção valor diário da força de trabalho/ jornada de trabalho de um dado número de horas, ela perde
naturalmente todo sentido assim que a jornada de trabalho deixa
de contar um número determinado de horas. A conexão entre o
trabalho pago e o não pago é suprimida. O capitalista pode, agora,
extrair do trabalhador uma determinada quantidade de mais-trabalho, sem conceder-lhe o tempo de trabalho necessário para sua
autoconservação. Pode eliminar toda regularidade da ocupação e,
de acordo com sua comodidade, arbítrio e interesse momentâneo,
fazer com que o sobretrabalho mais monstruoso se alterne com a
desocupação relativa ou total. Pode, sob o pretexto de pagar o “preço normal do trabalho”, prolongar anormalmente a jornada de trabalho sem que haja qualquer compensação correspondente para o
trabalhador. Isso explica a rebelião (1860) absolutamente racional
dos trabalhadores londrinos, empregados no setor de construção,
contra a tentativa dos capitalistas de impor-lhes esse salário por
hora. A limitação legal da jornada de trabalho põe fim a esse abuso,
embora não, naturalmente, ao subemprego resultante da concorrência da maquinaria, da variação na qualidade dos trabalhadores
empregados e das crises parciais e gerais. (Marx, 2015, p. 616).
Na análise do “salário por peça” Marx (2015, p. 621) o identificava
como uma variação do salário por tempo: “o salário por peça não é senão
uma forma modificada do salário por tempo, assim como o salário por
tempo, a forma modificada do valor ou preço da força de trabalho”.
Para Marx (2015, p. 622) “a diferença de forma no pagamento do
salário não modifica em nada sua essência”, em outras palavras, o caráter
fetichizado de encobrir o trabalho não pago subsiste tanto no salário por
tempo quanto no salário por peça. Em síntese, segundo as concepções
do autor “a forma do salário por peça é tão irracional quanto a do salário
por tempo (...) e que o salário por peça, portanto, não é mais do que uma
forma modificada do salário por tempo”. (Marx, 2015, p. 623).
Importante registrar que além do trabalho intermitente ser remunerado apenas pelas horas efetivamente trabalhadas, não raro os contratos
intermitentes referem-se a tarefas e atividades remuneradas por produtividade, o que corrobora a conclusão marxiana do caráter fetichista do
salário tanto na sua forma salário por tempo, como no salário por peça.
5. Considerações finais
206 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Os interesses nacionais não foram contemplados nas prescrições
dos relatórios do Banco Mundial examinados. Pelo contrário a geração de
renda e riqueza, a retomada do crescimento econômico e a geração de empregos dependem da preservação do mercado interno, da distribuição de
renda, da valorização do salário mínimo, dos incentivos para a iniciativa
privada e da promoção de programas sociais de combate à fome, à miséria
e do acesso à moradia.
Os ajustes recomendados pelo Banco Mundial ao Brasil referem-se a uma série de políticas de austeridade a serem implantadas pelo
Estado, haja vista que a proposta visa a redução de gastos públicos com
programas sociais, a não sobreposição dos programas seguro desemprego
e FGTS, a redução de investimento na educação superior com a herética
proposta do fim do ensino superior gratuito, a redução nos gastos com
saúde, além da diminuição de despesas com servidores públicos.
Como demonstrado, a reforma trabalhista foi pautada por interesses neoliberais e gerenciada por organismos internacionais. A legalização do contrato intermitente, em sintonia com a redução de salários e
com a flexibilização de direitos trabalhistas, é parte importante da adesão
às medidas de austeridade propostas pelo Banco Mundial.
Ademais tanto a Organização Internacional do Trabalho quanto o Fórum Econômico Mundial, ao examinar experiências recentes de
reformas trabalhistas em cento e dez países concluíram que não houve
aumento do nível de emprego, que as flexibilizações não tiveram como
consequência o aumento da competitividade, além do desemprego ter seguido inalterado. Dessa forma, o próprio histórico econômico e social de
inúmeros países que adotaram medidas de austeridade demonstra não se
tratar do melhor caminho a ser percorrido, uma vez que não se alcançaram os objetivos pretendidos.
Repensar a experiência vivenciada por outros povos afigura-se
importante meio de resistência como forma de construir aportes teóricos
consistentes para enfrentar as alterações nas leis trabalhistas.
Como bem cunhado por Paulo Kliass trata-se de um verdadeiro
“austericídio”, pois a adesão das políticas neoliberais e a imposição da lógica econômica internacional desagua na constituição de uma sociedade
também neoliberal, regida pelos princípios da concorrência e da produtividade. Como consequência: a resistência é minada em face do desenla-
A reforma trabalhista... • 207
çamento dos vínculos de solidariedade que são, por si só, antagônicos aos
preceitos neoliberais.
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gasto público no Brasil: Volume I: síntese (Português). Disponível em
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210 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
CAPITALISMO FLEXÍVEL E PERIFÉRICO:
O SENTIDO DA REFORMA TRABALHISTA NO
BRASIL E UM BALANÇO DE SEUS RESULTADOS
FLEXIBLE AND PERIPHERAL CAPITALISM: THE MEANING OF
LABOR REFORM IN BRAZIL AND A BALANCE OF ITS RESULTS
Pietro Rodrigo Borsari1
Pedro Daniel Blanco Alves2
Resumo: O presente trabalho objetiva, a partir da articulação entre o movimento do capitalismo contemporâneo e sua versão periférica brasileira
com a conjuntura econômica e política do Brasil no momento histórico da
aprovação da Lei 13.467/2017, oferecer uma interpretação do sentido da
“reforma trabalhista” de 2017, apresentando um balanço parcial de seus impactos para a classe trabalhadora.
Palavras-chave: Reforma trabalhista brasileira;
Desemprego; Política econômica; Macroeconomia.
Lei
13.467/2017;
Abstract: This paper aims, based on the articulation between the contemporary capitalist movement and its Brazilian peripheral version with the
economic and political conjuncture of Brazil at the historical moment of the
1
Economista e Matemático. Mestre e Doutorando em Desenvolvimento Econômico na
área de Economia Social e do Trabalho pela Unicamp. Coordenador do Grupo de Trabalho
da Reforma Trabalhista do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho,
Campinas/SP. E-mail: pietrorb@gmail.com
2
Advogado. Pós-graduando em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Unicamp.
Especialista em Direito do Trabalho pela USP, onde integra o Grupo de Pesquisa Trabalho
e Capital, São Paulo/SP. E-mail: pedrodbalves@gmail.com
In: ANTUNES, Daniela Muradas; NICOLI, Pedro Augusto Gravatá; RODARTE, Wanessa
Susan de Oliveira (org.).A reforma trabalhista e o direito individual do trabalho: dos
retrocessos às resistências. 1ª edição. Belo Horizonte: Initia Via, 2019 (Anais do IV
Encontro da RENAPEDTS, vol. 2). ISBN: 978-85-9547-079-8. DOI: 10.17931/95470798/
v2a10.
A reforma trabalhista... • 211
approval of law 13.467/2017, to offer an interpretation of the meaning 2014
“labor reform”, presenting a partial balance of its impacts for the working
class.
Keywords: Brazilian labor reform; Law 13.467/2017; Unemployment;
Economic policy; Macroeconomics.
*
1. Introdução
No seio do capitalismo contemporâneo, marcado por suas formas
de acumulação flexíveis em que as relações de trabalho são continuamente
tensionadas para se adequarem às formas de acumulação do capital, encontra-se a faceta periférica do sistema, como é o caso da economia brasileira,
constituída por um excedente estrutural de mão de obra, baixos salários,
heterogeneidade ocupacional, desigualdade social e regional e elevada taxa
de informalidade do trabalho. A partir desse pano de fundo estrutural, é
possível dizer que mudanças potencialmente significativas se encontram
previstas como decorrência da Lei 13.467/2017 para a sociedade brasileira.
De todas as “reformas” já ocorridas na legislação trabalhista desde
o regime civil-empresarial-militar, a de 2017 corresponde à mais contundente, alterando-a com profundidade. Em sua brevíssima tramitação legislativa, prometeu a recuperação dos crescentes níveis de desemprego, por
este fato responsabilizando o ordenamento jurídico até então vigente, “rígido” e “não moderno”, como se houvesse uma relação direta entre direitos
sociais e a conjuntura encontrada na economia. Diz o relatório do projeto
de lei3, assinado por seu relator na Câmara, que “a legislação trabalhista” seria “geradora de injustiças, estimulando o desemprego e a informalidade”, a
partir do que a nova lei viria a contribuir “para gerar mais empregos formais
e para movimentar a economia”, sem o comprometimento dos “direitos tão
duramente alcançados pela classe trabalhadora”.
Contudo, um ano após a aprovação da lei, a recuperação econômica e a geração de empregos não podem ser verificadas na leitura dos dados
Relatório da comissão especial destinada a proferir parecer ao projeto de lei nº 6.787/2016,
do Poder Executivo, elaborado pelo relator deputado Rogério Marinho.
3
212 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
disponíveis. Essa constatação corrobora com o que diversos estudos comparados e a teoria macroeconômica heterodoxa já sustentavam, isto é, que
não há relação direta possível entre flexibilização da legislação trabalhista e
taxa de desemprego. Não obstante, um balanço parcial da “reforma” já pode
ser realizado considerando aspectos que vão além do saldo de empregos.
Ainda que determinados efeitos só poderão ser adequadamente percebidos a partir de um decorrer de tempo mais longo, bem como diante de um
cenário de crescimento econômico futuro, há, no entanto, outros resultados que já apontam para aquilo que a literatura crítica à reforma trabalhista
anunciava: a diminuição de direitos e a precarização das relações de trabalho constituem seu eixo central.
2. Morfologia do capitalismo contemporâneo
Esta seção tem por objetivo sintetizar a morfologia do capitalismo contemporâneo nos países centrais para, assim, enquadrar a economia
brasileira no âmbito do movimento mais geral de acumulação de capital.
A relevância deste preâmbulo se dá pela impossibilidade de se compreender por completo os tensionamentos do capital na periferia do sistema sem
que se articule com suas tendências mais gerais e a divisão internacional do
trabalho.
Por um lapso temporal singelo, o capitalismo no centro do sistema
mostrava traços virtuosos e domesticados na era do fordismo4. A regulação
pública das relações de trabalho, a repressão dos movimentos de capitais
e o trauma das guerras pareciam dar sustentação ao ciclo de crescimento
observados nas economias de capitalismo avançado nas três décadas que
sucederam a segunda guerra mundial. Porém, não tardou muito e as limitações da valorização do capital naquelas condições se tornavam evidentes:
inflação persistente, Estados endividados e queda da rentabilidade das empresas são alguns dos sinais de esgotamento do período, que culminou no
4
O padrão fordista de produção, que foi sendo conformado ao longo do século XX, tem
como elementos característicos a produção em massa e em série, marcada pelo uso de
linhas de montagem e produtos com certo grau de homogeneidade; o controle de tempos e atividades por meio de cronômetro (taylorismo); a fragmentação do trabalho e das
funções; a drástica separação entre concepção e execução do trabalho; as fábricas concentradas e verticalizadas; a consolidação do trabalhador coletivo fabril não especializado
(ANTUNES, 2002, p. 25).
A reforma trabalhista... • 213
abandono unilateral da conversibilidade do dólar em ouro por parte dos
Estados Unidos em 1973.
A crise que se instaurava diante do acirramento global da concorrência no último terço do século XX exigia formas de enfrentamento
e saídas por parte dos blocos de interesse transnacionais (BIT)5, que articularam uma reestruturação produtiva na forma predominante da produção em redes ou cadeias globais de produção, engendrando um processo
de acumulação flexível (1992) – toyotismo – em que poder de mercado e
poder político são indissociáveis. Tais cadeias se caracterizam por forte desverticalização da produção, integração entre os participantes, concentração
das empresas líderes nas atividades de maior valor agregado e assimetria e
centralização do poder. Esse movimento é retroalimentado pelas mudanças
na governança corporativa das principais empresas transnacionais (ETN),
processo conhecido como financeirização da corporação não financeira6,
com crescente importância dos ativos intangíveis e financeiros na receita e
na própria estratégia das ETN, marcado também pela elevada distribuição
de lucros aos acionistas via dividendos e recompras de ações – ideologia
de maximização do valor ao acionista. O que se pretende mostrar é que
a reconfiguração do capital engendrou uma dinâmica em que o processo
produtivo e do trabalho se tornou ainda mais vulnerável, repercutindo no
aumento da polarização e precarização do trabalho nas partes mais frágeis
das cadeias produtivas, ou seja, nas regiões periféricas do sistema.
A manifestação originária das cadeias globais de produção remonta
à década 1980, quando empresas sediadas nos Estados Unidos, no Japão e,
mais tarde, na Europa Ocidental, adotaram a estratégia de desverticalização, que consistia em se concentrar nas atividades de maior valor agregado
(pesquisa, desenvolvimento, design, marca, marketing, posse de patentes e
propriedade intelectual, etc.) e se desfazer de grande parte das atividades
de manufatura de produtos acabados por meio de terceirização e subcontratação para regiões com menores custos produtivos (COX; WARTENBE,
Os blocos de interesse transnacionais são compostos por empresas transnacionais financeiras e não financeiras, Estados-nação e outros atores relevantes (COX; WARTENBE,
2018).
6
O uso de subcontratações, terceirizações e subsidiárias ganharia, assim, novo impulso
com a financeirização, pois esta fomenta o movimento em direção à desagregação das
unidades, dado que a lógica das finanças permite que cada parte possa ser vista como um
centro de lucro – e assim ser referenciada no mercado financeiro (FAVEREAU, 2016, p.
27-28).
5
214 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
2018). A integração ou não dos diferentes países à forma de produção em
rede reconfigurou a divisão internacional do trabalho, de acordo com a posição alcançada em cada de cadeia de produção. O que se observa, em geral, é a transferência da manufatura para a Ásia, Europa Oriental e algumas
partes da América Latina (México, principalmente), sendo que a apropriação de elos mais importantes da cadeia de valor ficou bastante restrita a
novos participantes – Coreia do Sul e Formosa –, permanecendo, portanto
sob o comando das grandes potências capitalistas, como Estados Unidos,
Alemanha, Japão, Inglaterra e França.
O caso mais emblemático do novo paradigma pode ser encontrado
nos EUA e na Inglaterra, em que o modelo estratégico de crescimento da
corporação baseado em reter lucro e reinvestir foi perdendo espaço para a
nova estratégia de focar nas competências essenciais e maximizar o valor
ao acionista (LAZONICK; O’SULLIVAN, 2000; MILBERG; WINKLER,
2009). As grandes empresas, inclinadas a comandar as cadeias globais de
valor, a realizar operações de subcontratação e a reduzir os custos e constrangimentos da própria produção, se imbuíram da lógica e dos critérios
das finanças no sentido de priorizar os retornos de curto prazo e expurgarem tanto quanto possível os riscos associados ao negócio para fora – terceirização, offshoring, etc., que, em última instância, recai sobre os trabalhadores mais suscetíveis. Para poder otimizar a descentralização produtiva,
essas corporações dependem “da reunião centralizada de fluxos de caixa e
do investimento deles em ativos líquidos para uma realocação mais fácil do
capital” (GUTTMAN, 2008, p. 14), o que expressa a relação simbiótica entre
globalização produtiva e financeirização na corporação não financeira.
Com o processo acentuado de transnacionalização das operações
de produção nas últimas décadas, obviamente as estratégias das corporações transnacionais não mais se restringem aos seus países de origem e, ao
empreenderem o deslocamento da produção e aproximação dos mercados
de consumo, incitam a disputa entre as diferentes nações a fim de elegerem
o ambiente mais hospitaleiro para suas instalações, em termos de impostos,
regulação do trabalho, custo do trabalho e outros benefícios. Há, portanto,
um ciclo vicioso em que o capital é usado para conseguir poder político e
este é instrumento para se fazer mais capital (ZINGALES, 2017). A competição intercapitalista acontece, então, não somente em preço e qualidade,
mas também em regulação. Porém, conquanto a busca por menores preços
e melhor qualidade possa estar associada à melhoria do padrão de vida da
A reforma trabalhista... • 215
população, a disputa por regulação favorável, por sua vez, cria uma corrida
em direção “ao fundo do poço”, no sentido de que para atrair os investimentos dessas empresas em seus territórios, os países teriam que achatar cada
vez mais os custos trabalhistas e benefícios fiscais. Precisamente, aqui se
enquadram os tensionamentos em torno da reforma trabalhista no Brasil,
que não datam da presente década, mas dos anos 1990.
As transformações apontadas fazem parte do modo de acumulação
flexível do capital, termo empregado por Harvey (1992) para caracterizar
um processo que se opõe à rigidez do modelo fordista e se baseia na flexilibização dos processos produtivos de trabalho, engendrando novas formas
de gestão, novos mercados de produtos e novas formas de oferta de serviços
financeiros. Em síntese: inovações organizacionais, tecnológicas, comerciais e financeiras (HARVEY, 1992, p. 141). Um dos principais eixos da nova
estratégia das empresas, a partir dos anos 1980 foi, justamente, a flexibilidade. Para Boltanski e Chiapello (2009), a flexibilidade pode ser decomposta
entre flexibilidade interna e externa. A interna corresponderia à profunda
transformação do trabalho e das técnicas de trabalho no interior das organizações, desdobramento em trabalhadores polivalentes, com capacidade de
autocontrole e de desenvolvimento de autonomia. A flexibilidade externa
diz respeito à flexibilidade quantitativa para ajustar o volume de mão de
obra adequada para cada momento da atividade econômica e é alcançada
por meios de contratos “frágeis” (de fácil rompimento), uso abundante de
subcontratações e com as horas de trabalho das mais flexíveis possível (part
time, bancos de horas, escalas variáveis, contrato temporário, contrato intermitente, etc.).
O argumento central desta seção é, portanto, que a acumulação
flexível descrita – produção flexível, formação de cadeias de produção desverticalizadas, financeirização, subcontratação, etc. – requer, na medida em
que se desenvolve, a flexibilização tanto do sistema produtivo (máquinas e
equipamentos versáteis, de ajustes rápidos e simplificados) quanto das relações de trabalho, pois somente por intermédio de uma força de trabalho
flexível que se conseguiria atender aos objetivos de uma produção flexível.
Objetivamente, contratos, jornadas e remunerações do trabalho devem ser
flexibilizados para adequarem-se ao movimento geral da acumulação vigente. Assim, em uma estrutura enxuta, em relação ao tamanho médio das
plantas produtivas e em termos de quadro de trabalhadores, mobilizam-se
os operários de acordo com as oscilações de demanda, por meio do uso
216 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
de horas extras e formas atípicas de contratação, como o trabalho temporário e as subcontratações, por exemplo. Portanto, os direitos também devem ser flexibilizados, observando-se uma desregulamentação do direito
do trabalho, instrumentalizando o capital para operar conforme a nova fase
(ANTUNES, 2002).
3. A acumulação flexível e a periferia do sistema capitalista
A morfologia do capital sintetizada até aqui diz respeito, fundamentalmente, aos países de capitalismo avançado e suas formas de enfrentamento da crise do capital que se iniciou a partir do último terço do século
XX. No entanto, a reconfiguração observada traz implicações para os outros
países na medida em que ocorrem as aberturas comerciais, produtivas e
financeiras em cada economia. O que é importante ter em conta é que os
impactos para o trabalho oriundos dos movimentos e tensionamentos do
capital são distintos entre os países do centro e os da periferia do capitalismo, onde se encontra o Brasil. Oliveira (2003) postula a dupla determinação
que deve ser levada em conta no estudo do desenvolvimento de um país:
em primeira instância pela estrutura social e econômica do passado (não
são mero reflexo da economia mundial) e, em última instância, pela etapa
do capitalismo mundial (levando em conta o grau de avanço do capitalismo
nas nações dominantes).
Com efeito, a estrutura social e econômica do passado remonta
para um país agrário, primário exportador dependente da demanda externa, com elevada exclusão social e desigualdade, escravista e que passou
por um intenso processo de industrialização ao longo do século XX – em
especial, no período 1930-1980 – em que não deu conta de incorporar o
processo como um todo, ou seja, disputar na fronteira tecnológica com investimentos em pesquisa e desenvolvimento e geração de novas tecnologias, além da convivência inseparável de formas arcaicas ou pré-capitalistas de produção e reprodução social com formas modernas ou capitalistas.
Esse conjunto sintético de traços históricos da sociedade e economia brasileira implicam determinadas características estruturais para o mercado
de trabalho, indispensáveis para compreender a relevância das alterações
impostas pela reforma trabalhista. Para destacar as principais, o mercado
de trabalho brasileiro é marcado por um excedente estrutural de mão de
obra, por baixos salários, pela heterogeneidade ocupacional e, também, por
A reforma trabalhista... • 217
elevada informalidade, ilegalidade e rotatividade do trabalho (OLIVEIRA;
HENRIQUE, 2010; KREIN; BIAVASCHI, 2015).
O excedente de mão de obra é estrutural na economia brasileira por
ser uma característica jamais superada pelo país, traduzindo-se na oferta
ilimitada de trabalho que dá condição para a manutenção dos salários em
níveis baixos (OLIVEIRA; HENRIQUE, 2010). A condição de vida no campo da população rural e a estrutura fundiária que reproduz a grande propriedade foram alguns dos principais fatores responsáveis pela dificuldade
do campo em reter a população e suavizar o ritmo de migração e urbanização das cidades. O êxodo rural entre as décadas de 1950 e 1980 foi de uma
intensidade brutal, levando mais de 35 milhões de brasileiros a “tentarem” a
vida na cidade nesse curto intervalo de tempo (IBIDEM). A enorme quantidade de pessoas em busca de meios de sobrevivência nas cidades, combinada com a estrutura produtiva e a frágil representação sindical, submetia a
classe trabalhadora a aceitar salários baixos nos empregos que conseguiam,
frequentemente em situação de informalidade e desproteção social.
A elevada taxa de informalidade – trabalhadores por conta própria
sem CNPJ e empregados sem carteira de trabalho assinada – e a alta rotatividade do mercado de trabalho brasileiro são expressões de sua flexibilidade e constituem aspectos estruturais em que a reforma trabalhista não
se propõe a enfrentar, muito pelo contrário, traz medidas que atuam no
sentido de ampliar a flexibilidade do trabalho. Diante da dificuldade de encontrar um emprego com registro formal ou de formalizar um trabalho por
conta própria, uma parcela significativa da população brasileira se produz
socialmente mediante um cenário de vulnerabilidade. A alta rotatividade,
por sua vez, reflete a capacidade do capital em se desfazer do trabalhador
tão rapidamente quanto lhe for conveniente e, no momento seguinte, contratar novamente, de acordo com a flutuação da atividade econômica (demanda) do setor.
A heterogeneidade ocupacional é verificada na distribuição dos
trabalhadores de forma desigual entre setores de alta e baixa produtividade
do trabalho, resultando em disparidades salariais, ainda que haja predominância dos baixos salários. De um lado, uma parcela da sociedade está empregada em ocupações que exigem média ou alta qualificação, em setores
de maior produtividade, na iniciativa privada ou no setor público. De outro
lado, uma fração muito mais expressiva da população se ocupa de trabalhos
em setores de baixa produtividade e intensivo em mão de obra, oscilando
218 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
entre o formal e o informal, com reduzidos salários e elevada insegurança
no emprego – tanto na permanência quanto na remuneração. Há, no Brasil,
por exemplo, (1) mais de 6 milhões de pessoas que se ocupam de serviços
domésticos para sobreviverem, que correspondia a aproximadamente 7%
da população ocupada e média de R$ 822,00 por mês em 2014; (2) quase
10 milhões de ocupados no setor de agricultura (e aquicultura), no mesmo
ano, recebendo R$ 1.186,00, em média (PNAD Contínua 2º trimestre 2018,
IBGE, Tabelas geradas pelo Sistema SIDRA). O destaque para o ano 2014 é
justamente para sublinhar o argumento de que mesmo no “auge” do ciclo
virtuoso do mercado de trabalho do período recente, as características estruturais do mesmo não foram superadas.
Isto posto, a questão de maior importância e complexidade é entender quais são as resultantes da interação entre o movimento contemporâneo
mais geral do capital (Seção 1) e a estrutura social, econômica e do trabalho
no Brasil. Seguramente, não há resposta simples para esse problema. Para
nosso propósito, apontar alguns aspectos mais fundamentais que oferecem
suporte à interpretação do sentido da reforma trabalhista parece suficiente.
Nesse sentido, destacaremos três elementos a serem sucintamente discutidos no restante desta seção e também na seguinte (Seção 3): (1) diferentemente de grande parte dos países europeus, dos EUA, entre outros, as
formas de contrato de trabalho atípicas (trabalho temporário e part-time,
por exemplo), que são compatíveis com a facilidade de ajuste da força de
trabalho ensejada pela acumulação flexível e financeirizada, não assumiram papel relevante na dinâmica do mercado de trabalho formal brasileiro;
(2) com o acirramento da competição intercapitalista a nível global e suas
consequentes transformações já resumidas, a questão do desenvolvimento
socioeconômico ganha novos contornos e a Lei 13.467 não oferece qualquer
enfrentamento no sentido de elevar a competitividade da economia brasileira ou estimular o seu mercado interno; (3) o tensionamento do capital
por condições de acumulação mais adequadas ao seu caráter flexível, financeirizado, desverticalizado e centralizado encontra, no Brasil, na década de
1980, um momento da política e do sindicalismo singular e bastante diferente do que passava em outros países.
A reforma trabalhista... • 219
3.1. A já flexível relação de trabalho no Brasil
Um dos dramas dos mercados de trabalho da Europa, cujos casos
paradigmáticos são Espanha, Portugal, Polônia e Holanda, são os contratos
de trabalho temporário ou part-time que, diante do contrato por tempo indeterminado, se apresentam como formas atípicas de contratação. Os trabalhadores que trabalham sob os contratos atípicos geralmente enfrentam
problemas da ordem da subutilização de sua capacidade de trabalho, o que
costuma implicar em uma remuneração abaixo da desejada. Ainda, a fragilidade desses contratos acentua o grau de incerteza quanto ao futuro do
trabalhador, visto que os contratos temporários carregam em si um prazo
de encerramento e, no caso dos contratos por tempo parcial, a facilidade
de ajuste do empregador é muito mais acentuada, portanto é um contrato
marcado por alta rotatividade.
Essas formas de contratação costumam assumir traços de precariedade, como nos casos em que os exemplos acima são mais frequentes
(Polônia, Portugal, Espanha), embora nesses países a flexibilidade ensejada
pelos contratos atípicos de trabalho não resulte necessariamente em rebaixamento salarial ou desproteção social (Holanda). Em pesquisa realizada
pelo Eurofound7 (2015), os trabalhadores foram perguntados quanto ao
motivo de estarem empregados em contratos temporários, entre os anos de
2001 e 2012, para 27 países da União Europeia (UE 27). Cerca de 1/5 das
respostas apontava a condição de treinamento ou de período probatório, ou
seja, não seria necessariamente a escolha do trabalhador, mas uma questão transitória na perspectiva de um contrato por tempo indeterminado.
Menos de 15% disse que não estava buscando um emprego com contrato
por tempo indeterminado. Todavia, a resposta predominante (por volta de
65%) se refere ao fato de que os trabalhadores não conseguiam encontrar
empregos com contrato por tempo indeterminado e, por essa razão, aceitaram um contrato temporário. Isto elucida o caráter indesejável desse tipo
de contrato, inclusive no mercado de trabalho Europeu que, via de regra,
apresenta uma estruturação e salários acima da média do caso brasileiro.
No Brasil, a forma predominante de contratação é de contrato por
tempo indeterminado, representando 79,3% do total de contratos em 2016,
conforme os últimos dados públicos da RAIS, expostos da Tabela 1. Em
7
European foundation for the improvement of living and working conditions.
220 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
seguida, aparece a vínculo empregatício estatutário efetivo, com 16,72% no
mesmo ano. Juntos, esses vínculos correspondem aos chamados contratos
típicos e são a regra do mercado de trabalho formal brasileiro, visto que
totalizam 96% de todos os vínculos. Ou seja, apesar dos contratos atípicos serem mais precários em relação aos contratos típicos – menor tempo
médio de permanência no emprego, menor rendimento médio, com mais
presença de mulheres, jovens e pessoas com baixa escolaridade, como mostra Krein et al. (2018) –, eles não assumem a mesma importância relativa
do que na maioria dos países Europeus, Estados Unidos, Austrália, Chile e
outros países latino-americanos.
Tabela 1. Vínculos empregatícios ativos em 31/dez, por tipo de vínculo
Tipo de vínculo
2002
empregatício
Nº
CLT
Estatutário
2014
2016
Partic.
Nº
Partic.
Nº
Partic.
21.758.316
75,89%
39.186.985
79,48%
36.232.407
79,30%
5.263.383
18,36%
7.768.118
15,68%
7.641.533
16,72%
1.099.116
3,83%
1.241.009
2,76%
949.913
2,08%
Temporário
114.092
0,40%
71.454
0,16%
58.022
0,13%
Servidor Público
demissível
Avulso
183.737
0,64%
156.502
0,39%
109.409
0,24%
CLT Determinado
195.044
0,68%
380.920
0,78%
348.201
0,76%
Diretor
11.535
0,04%
18.496
0,05%
16.123
0,04%
44.981
0,16%
386.736
0,70%
335.772
0,73%
28.670.204
100,00%
49.210.220
100,00%
45.691.380
100,00%
Contratos especiais
setor público
Total
Fonte: RAIS/MTE. Elaboração própria. Nota: Exclusive contrato aprendiz.
O que se pretende mostrar é a característica já flexível do mercado
de trabalho brasileiro, mesmo antes da lei 13.467/2017, que se expressa fundamentalmente nas formas de elevadas taxas de rotatividade no mercado de
trabalho formal e do enorme grau de informalidade e ilegalidade do mercado de trabalho como um todo.
A rotatividade expressa o grau em que os vínculos de emprego resistem às oscilações dos ciclos de atividade da economia, ou seja, quando a
economia desacelera, qual a capacidade de retenção dos empregos, no tempo, por parte das empresas? Uma taxa de rotatividade elevada indica que
A reforma trabalhista... • 221
essa capacidade é baixa, não por “maldade” do capital, mas por um desenho
institucional de regulação do trabalho que não desestimula suficientemente
o empregador a preservar o emprego por um tempo maior, até que a economia volte a aquecer.
Segundo a metodologia de cálculo do DIEESE, a taxa de rotatividade do mercado de trabalho formal é determinada pelo menor de duas
razões em dado período: total de admissões sobre o estoque total de empregos formais ou total de desligamentos sobre o mesmo estoque. Na última
década, a taxa de rotatividade descontada esteve ligeiramente acima, em
média, dos 40%, como pode ser observado no Gráfico 1. Nesse sentido, rotatividade e flexibilidade do mercado de trabalho guardam relação estrita,
pois a alta taxa de rotatividade do assalariado formal expressa que o capital
já goza de ampla liberdade para romper o vínculo de emprego (KREIN;
BIAVASCHI, 2015).
Gráfico 1. Taxa de rotatividade descontada, vínculos celetistas, 2009-2016
Fonte: Rais/MTE. Elaboração própria. Nota: a taxa de rotatividade descontada exclui os desligamentos por falecimento, aposentadoria, transferência e demissão a pedido do trabalhador.
222 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
A flexibilidade do mercado de trabalho brasileiro se expressa também sob a forma de informalidade. No setor privado, no 2º trimestre de
2018, dos 50 milhões de empregados, aproximadamente um terço trabalho
era sem carteira assinada; dentre os 23 milhões de trabalhadores por conta
própria, apenas 4,4 milhões (19,3%) possuem CNPJ8; dos 4,3 milhões de
empregadores, mais de 20% operam sem CNPJ. Acrescentam-se, ainda, as
relações de emprego disfarçadas – fraudulentas, ilegais – em que estão presentes os elementos constitutivos de uma relação de trabalho (prestação de
trabalho pessoal, a outrem, de forma não eventual, subordinada e remunerada), mas o trabalhador não é contratado como um trabalhador formal. Ao
invés, o empregador utiliza-se de subterfúgios para burlar tal condição de
relação de emprego, dentre os quais se destacam a contratação como pessoa
jurídica9 (PJ) e os falsos cooperados10. Em especial, o caso dos empregados
disfarçados de PJ é o mais significativo, com uma aproximação podendo
ser obtida a partir dos dados da RAIS: o total de PJ sem empregados (ou
inativo) foi de mais de 4 milhões para o ano de 2016; além dos mais de 7
milhões de Microempreendedores Individuais (Portal do Empreendedor, total de empresas optantes no SIMEI em agosto/2018), que não se sabe ao certo
qual parcela corresponde a relação de emprego disfarçada ou não.
Esses números se apresentam como um traço distintivo dos mercados de trabalho tipicamente desestruturados da periferia capitalista, em
particular do Brasil e da América Latina. Portanto, quando o movimento
mais geral do capital – conforme descrito na Seção 1, com seu caráter financeirizado, flexível, organizado fundamentalmente por blocos de interesse e
grandes empresas transnacionais na forma de cadeias globais de valor – se
expande para a periferia nas constantes reconfigurações da divisão internacional do trabalho, acaba por encontrar formas pretéritas de organização
da produção em grandes proporções que convivem simbioticamente, com
formas mais modernas, padrão típico de países de capitalismo atrasado.
Vale dizer, há uma parcela dos trabalhadores por conta própria que contribuem para a
previdência social mesmo sem ter CNPJ, o que diminui o grau de desproteção social para
esses trabalhadores informais.
9
Processo conhecido como “pejotização”. Ver Krein et al. (2018, p. 48-50).
10
Trata-se da situação em que uma cooperativa é utilizada como intermediária para fornecer ao beneficiário da força de trabalho atividades típicas de uma relação de emprego
direta, sem que os princípios do cooperativismo sejam observados (KREIN; BIAVASCHI,
2015, p. 12).
8
A reforma trabalhista... • 223
A reforma trabalhista busca ampliar a liberdade de ação dos empregadores em ajustar a força de trabalho de acordo com os ciclos de atividade
dos negócios, tratando de transmitir ainda mais o caráter flexível do modo
de produção contemporâneo para o trabalho: a acumulação de capital flexível requer, tanto quanto possível, que todas as variáveis associadas ao processo produtivo sejam subordinadas e adaptáveis ao seu próprio ritmo de
produção. Pressupõe-se, assim, a força de trabalho como outra mercadoria
qualquer: a proteção social aparece, diante do capital, como formas de rigidezes para sua liberdade de ação. Ampliar a flexibilidade das relações de trabalho significa legalizar práticas que já acontecem na ilegalidade e expandir
os dispositivos de ajuste da força de trabalho (novas modalidades de contratação mais voláteis e maior possibilidade de manuseio do tempo do trabalho), de modo a formar uma espécie de cardápio (KREIN et al. 2018, p. 120)
de opções para o empregador, de acordo com as necessidades específicas
de cada negócio ou setor. Parte das práticas de ilegalidade e informalidade
do mercado de trabalho brasileiro, mais recorrentes nas pequenas e médias
empresas, são trazidas pela reforma trabalhista, portanto, para dentro dos
marcos legais e colocadas à disposição de todos os empregadores.
3.2. Redução dos custos do trabalho e competitividade
Um dos argumentos centrais dos defensores da reforma trabalhista
referia-se ao “ganho de competitividade” que a mesma geraria, pois com a
“adequação” das leis trabalhistas de acordo com as “relações modernas de
produção”, as empresas conseguiriam ser mais competitivas no cenário externo. O que está implícito nesse raciocínio é que a reforma proporcionaria
uma redução de custos do trabalho. O que se ignora nessa formulação, no
entanto, é o significado de competição via rebaixamento dos custos com o
trabalhador nos termos do desenvolvimento socioeconômico de uma nação. Dois simples exemplos ilustram o ponto a que queremos chegar: (i)
o trabalhador alemão está, ao mesmo tempo, entre os mais produtivos e
mais caros do mundo, ou seja, custos do trabalho não guardam uma relação
direta com competitividade; portanto, é necessário levar em conta outras
dimensões de uma economia – muito mais complexas – se deseja-se elevar
a produtividade média do trabalhador brasileiro e engendrar uma dinâmica de ganho de competitividade nos marcos do capitalismo contemporâneo; (ii) as remunerações médias dos trabalhadores de empresas como a
224 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Embraer estão entre as maiores empresas brasileiras, o que não impede que
ela seja a terceira maior empresa do setor aeroespacial do mundo.
A dinâmica de concorrência levada a cabo pelas principais potências e suas empresas transnacionais dita os parâmetros de integração das
demais economias em relação à estrutura global de produção. Quando um
país opta por uma inserção nas cadeias globais de produção fundada nos
setores de atividade econômica intensivos em mão de obra, ou seja, os setores têxteis, de alimentos ou de calçados, por exemplo, no fundo, trata-se de
uma competição com outros países produtores desses mesmos bens, como
Vietnã, Bangladesh ou Paquistão, em que o preço da força de trabalho acaba sendo, de fato, fator decisivo. No entanto, uma inserção dessa qualidade
abdica de qualquer projeto de desenvolvimento possível para um país de
tamanho continental que já passou por um largo processo de industrialização, ainda que sem dar conta de estrutura uma dinâmica própria de financiamento e geração de tecnologia de ponta. De fato, a concorrência via
salários é uma competição “espúria” (GIMENEZ; SANTOS, 2018), tendo
em vista o elevado poder das empresas líderes das cadeias globais de valor
e sua capacidade de transferir grande parte dos riscos do negócio, forçar o
rebaixamento dos custos do trabalho e espremer tanto quanto possível as
margens de lucro das empresas localizadas nas etapas de menor valor agregado da cadeia. Logo, o estabelecimento de condições mais atrativas para o
capital internacional se instalar nos países periféricos em termos de isenção
fiscal e esvaziamento da regulação do trabalho, por exemplo, ensejam um
processo de disputa entre países que caminha no sentido de uma “corrida
para o fundo do poço”11.
3.3. Circuitos de acumulação do capital e custos do trabalho
A transnacionalização das grandes empresas dos países de capitalismo avançado a e a financeirização da economia (Seção 1) são movimentos do capital em sua incessante busca de valorização. Determinadas
características favorecem a consecução de sua “lei geral” – a acumulação,
nos termos de Marx – e, portanto, são desejadas e, frequentemente, forçadas
nos espaços de atuação do capital, seja na esfera produtiva, comercial ou financeira. No circuito do capital comercial, o que importa é a livre circulação
11
O termo mais difundido na literatura econômica é, no inglês, race to the bottom.
A reforma trabalhista... • 225
de mercadorias entre os países, ou seja, que as importações e exportações
sejam livres, idealmente, de restrições ou tributações por parte dos Estados.
Trata-se da abertura comercial. No circuito do capital-dinheiro, almeja-se
a mobilidade de capitais sem que o Estado coloque empecilhos para o ir e
vir do capital em sua forma mais líquida. Esses dois processos ganharam os
nomes contemporâneos de, respectivamente, abertura comercial e abertura
financeira ou abertura das contas de capitais, e assumiram a agenda da maioria dos países periféricos a partir do último quarto do século XX, em que
os órgãos multilaterais (Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial)
exigiam tais condicionalidades para a concessão de empréstimos e refinanciamentos às economias endividadas.
No entanto, é precisamente no circuito da produção que a acumulação do capital mais se beneficia de medidas que promovam um rebaixamento dos custos do trabalho que, no limite, pode alcançar apenas o mínimo necessário para a reprodução social da força de trabalho. As medidas
podem ser as mais diversas possíveis, como a qualificação da mão de obra
por parte do Estado ou a supressão de direitos trabalhistas. Não obstante, no
caso da Lei 13.467/2017, embora haja diferentes dispositivos que reduzem
os custos trabalhistas direta12 ou indiretamente13, seu sentido mais geral é
da acentuada flexibilização das relações de trabalho, que pode ser traduzida
no brutal aumento de poder do capital na determinação das condições de
contratação, uso e remuneração do trabalho (KREIN; BALTAR, 2013).
Se no capitalismo contemporâneo, conforme entendido neste ensaio, o capital promove o tensionamento de adequação das relações de trabalho à sua forma de acumulação flexível e financeirizada nos territórios em
que atua, por que foi somente em 201714 que tantas demandas latentes por
flexibilização foram implementadas, nos termos da Lei 13.467/2017? Esta
pergunta buscará ser respondida na seção seguinte.
Exemplo: suspensão da obrigatoriedade do pagamento da jornada in itinere.
Exemplo: obstrução do acesso dos trabalhadores à Justiça do Trabalho.
14
Vale dizer, uma série de alterações legais na regulação do trabalho já ocorreram na década
de 1990 (FILGUEIRAS, 2012) e, em menor medida, nos anos 2000 (KREIN; BIAVASCHI,
2015). No entanto, as medidas podem ser consideradas tímidas perto da profunda alteração empreendida na Lei 13.467/2017.
12
13
226 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
4. Por que agora? Economia política e síntese dos fatores
conjunturais
Por mais que as décadas de 1980, 1990 e 2000 tenham sido marcadas por diversas investidas sobre os direitos sociais, conquanto abrigassem historicamente a promulgação e amadurecimento institucional da
Constituição Federal de 1988, por meio da qual pactuaram-se nacionalmente as bases de uma sociedade democrática com profunda consistência
em relação à capilaridade dos direitos fundamentais, não houve até a consolidação do golpe de 2016 um cenário conjuntural em que pudesse ser viabilizada transformação tão contundente da regulação do trabalho no país.
A “reforma trabalhista” de 2017 é fruto direto das condições oportunizadas pela presença bélica do conjunto de instituições que mitigaram,
com fiel e permanente apoio midiático, a ação dos movimentos sociais e
sindicais, pautadas pela política econômica de austeridade que permeou o
segundo mandato de Dilma Rousseff. No período, um indicador da atuação institucional na coarctação da resistência sindical pôde ser conferido no
campo de tensionamento jurisdicional, como no caso, dentre numerosos
exemplos, da decisão do STF no recurso extraordinário 693.456/RJ (com
repercussão geral), em que foi considerado constitucional o corte de ponto
de servidores públicos que aderissem à greve, ou na decisão monocrática
proferida na reclamação 24.597/SP, proibindo-se a greve dos servidores do
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.
A política de austeridade implementada no período, por meio, dentre outros aspectos, da contração de gastos públicos (de 12,8% em 2014 para
2,1% em 2015) e com a reformulação de regras de acesso a benefícios sociais
– tais quais pensão por morte, auxílio doença, seguro-desemprego e seguro
defeso, alteradas pelas MPs 664 e 665/2014 –, além de se mostrar incapaz,
como objetivado, de conter o déficit público, convertendo a desaceleração
econômica já observada em 2014 na profunda recessão dos anos consecutivos, representando a maior crise do país no século XX, fracassou em
relação à estabilização das variáveis macroeconômicas, refletindo em uma
dramática ampliação do desemprego, com consequente redução da renda e
ampliação da desigualdade (MELLO; ROSSI, 2018, p. 273-279).
Compreendendo-se, portanto, a questão da regulação do emprego,
patente na reforma da legislação trabalhista, como um traço conjuntural
da economia política, eis que de maneira reiterada é associada pela linha
A reforma trabalhista... • 227
ortodoxa (à qual o presente estudo não guarda relação) aos elevados índices
de desocupação (FERREIRA, 2014, p. 9-10), a presente seção visa destacar
os principais elementos conjunturais que viabilizaram a profunda reformulação da CLT e sua tramitação acelerada no Congresso, privilegiando os
aspectos econômico, político e de organização dos trabalhadores.
4.1 Aspectos econômicos
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua
(PNAD Contínua 2º trimestre 2018, IBGE, Tabelas geradas pelo Sistema
SIDRA) indicam um crescimento vertiginoso da taxa de desocupação15
entre o 4º trimestre de 2014, quando 6,5% da força de trabalho encontrava-se desocupada (estimativa de 6,4 milhões de pessoas), e o 1º trimestre
de 2017, quando a desocupação foi de 13,7% (atingindo 14,1 milhões). A
variável apresentou uma sensível queda ao longo de 2017, fechando o ano
com 11,8% de desocupação, taxa semelhante ao encontrado no mesmo período de 2016.
Tais índices assemelham o período recente da economia brasileira a
marcos dramáticos de sua forma de inserção na globalização. Interpretando
o desemprego no Brasil metropolitano desde 1979, Pochmann (2015) analisa que a escalada nesses indicadores entre os anos de 1981-1983 e ao longo
da década de 1990, quando apresentou um movimento explosivo, decorreram, respectivamente, da crise da dívida externa e da integração passiva do
país à globalização financeira. O primeiro período de desemprego analisado
pelo autor (1981-1983) foi marcado por um programa de ajuste exportador que interrompeu o ciclo de industrialização iniciado nos anos 1930,
gerando um perturbador cenário para a população desocupada, que ainda
não era beneficiada pelo seguro-desemprego, implantado apenas em 1986.
Com a saída do país da recessão, foi possível manter o desemprego numa
taxa relativamente baixa até o fim dos anos 1980. O segundo período, correspondente à década de 1990, contempla o momento em que o programa
de ajuste econômico orientado pelo Consenso de Washington agravou o
desemprego no país em proporções nunca observadas, sendo diretamente
acompanhado pela abertura comercial e financeira. Tal cenário só veio a
modificar-se a partir de meados dos anos 2000, com a reversão das políticas
15
Percentual de pessoas desocupadas em relação ao total de pessoas na força de trabalho.
228 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
de corte neoliberal anteriormente adotadas, momento também oportunizado, como salienta Carneiro (2018, p. 18) pelos preços das commodities e pelas exportações líquidas, seguido pelo crescimento do consumo – expansão
do crédito e contínuo aumento real do salário mínimo – e ampliação dos
investimentos. Para Pochmann, cujo estudo é de 2015, o crescimento do
desemprego a partir daquele ano deveu-se à adoção de políticas de austeridade que levaram o país à recessão, definindo o terceiro período mais grave
das últimas três décadas.
Com a crise, o processo anterior de aumento de empregos formais
é revertido, ao ponto da evolução do nível emprego sem CTPS superar, ao
final de 2017, a evolução do emprego com CTPS, no período que se inicia
em 2012 ilustrado no Gráfico 2. No caso dos trabalhadores por conta própria (23,1 milhões no 2º trimestre de 2018), seu acréscimo em momentos
de crise costuma ser sinal de precariedade, pois, na falta de encontrar um
emprego, o trabalhador busca outra forma de sobrevivência a despeito de
maiores planejamentos, experiências ou perspectivas de sucesso na nova
ocupação. Com efeito, cerca de 80% dos trabalhadores por conta própria
não possuem CNPJ e alcançam um rendimento médio de apenas 41% daqueles com CNPJ. Isso expressa a desarticulação acelerada do mercado de
trabalho brasileiro no momento de aprovação da reforma e, de lá para cá, o
quadro é de manutenção desse patamar.
Gráfico 2. Evolução do emprego privado com e sem
CTPS e do trabalho por conta própria, 2012-2018
Fonte: IBGE, PNADC. Elaboração própria. Nota: dados até o 2º trimestre de 2018.
A reforma trabalhista... • 229
Tais sinais conjunturais formaram um contexto de fragilização da
barganha por parte dos trabalhadores, que tiveram mitigada a sua resistência às medidas de flexibilização do projeto de lei. Com efeito, a promessa de
criação de postos de trabalho formal, presente no discurso do governo e dos
parlamentares apoiadores da reforma, difundido amplamente pela mídia
sem o confronto com posições antagônicas, não passou por um processo de
crítica suficientemente capaz de barrar a sua aprovação.
4.2 Aspectos políticos
Numa perspectiva histórica, não é difícil identificar o estabelecimento de contundentes modificações nas relações de trabalho em períodos caracterizados pela ruptura no processo democrático. Foi assim com
os golpes de 1964, responsável por inundar o país com o autoritarismo da
ditadura civil-empresarial-militar vigente até 1985, e de 2016, organizado
por setores representativos do grande capital e da mídia, impondo ao país a
hegemonia de políticas relacionadas a um notório retrocesso social.
A chamada “reforma trabalhista”, apelido atribuído à Lei
13.467/2017, teve a sua origem legislativa proposta poucos meses depois do
afastamento definitivo de Dilma Rousseff da presidência da república, no
último dia de atividade legislativa de 2016. O projeto de lei foi protocolado
sob o número 6.787, e até o início de sua tramitação legislativa, em fevereiro
de 2017, com o retorno do expediente do Congresso, foi objeto da articulação que lhe deu os contornos que viriam a caracterizá-lo até julho daquele
ano, findado seu percurso legislativo.
Há de se ter em conta que a versão inicial do projeto de lei propôs
a alteração, incorporação ou revogação de 19 artigos da CLT e da lei do trabalho temporário (6.019/1974), que meses antes já havia sido alterada substancialmente pela Lei 13.429/2017, ato oportunista que dissimulou completamente o objeto jurídico do trabalho temporário ao pretender instituir
cadeias ilimitadas de subcontratação de serviços, legalizando a terceirização
sem peias no país. Essas poucas, porém contundentes, propostas encaminhadas inicialmente no âmbito do PL 6.787 converteram-se em 114 artigos
afetados pela “reforma” em sua versão definitiva, chegando a alcançar as leis
do FGTS (8.036/1990), do INSS (8.212/1991) e a MP 2.226/2001, que trata
do recurso de revista.
230 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Cronologicamente, é evidente que a “reforma trabalhista” tramitou
“a toque de caixa”, durante um período dramático para a política brasileira, em que uma grave crise institucional tornava incerta a própria permanência do presidente da república empossado a partir da consolidação do
golpe parlamentar de 2016. Durante os meses de fevereiro a abril, quando
o projeto de lei tramitou pela Câmara dos Deputados, recebeu emendas
que o reformularam por completo, ampliando exaustivamente as matérias
da redação original. Isso deveu-se à intensa atividade patrocinada por grupos ligados ao grande capital, tais quais a CNI16 (2012), responsáveis por
endossar o projeto legislativo com proposições que há muito já circulavam
em espaços de articulação voltados à flexibilização da legislação trabalhista,
tão embora não tenham assumido formalmente a autoria da “reforma”. Há
notícias de que, além da CNI, outras organizações, como a Confederação
Nacional do Transporte (CNT), a Associação Nacional do Transporte
de Cargas e Logística (NTC&Logística) e a Confederação Nacional das
Instituições Financeiras (CNF), também participaram ativa e diretamente
na elaboração de emendas encaminhadas ao projeto de lei (MAGALHÃES
et al., 2017).17
O PLC 38, denominação do projeto de lei no Senado, tramitou entre os meses de maio a julho de 2017, quando foi aprovado sem que fosse
absorvida qualquer uma das 864 emendas submetidas pelos parlamentares,
integralmente rejeitadas. Desse total, 810 emendas (93,75%) foram encaminhadas por senadores que votaram contra a aprovação do projeto de lei,
enquanto apenas 49 (5,67%) foram assinadas por senadores que se posicioPor ocasião da proximidade das eleições, a CNI lançou publicamente a campanha
“Propostas da indústria para as eleições 2018”, apresentando 43 cadernos temáticos contemplando temas diversos da política pública. No segmento das “relações de trabalho”
(proposta 18), a entidade apresenta 12 propostas direcionadas à alteração da regulação
dos seguintes temas: trabalho de aprendizes, portadores com deficiência e gestantes, além
de aspectos relacionados à fiscalização, ao FGTS e sua multa (no caso de dispensa imotivada) e extensão da jornada aos domingos e feriados. Em relação à área “previdenciária e
SST” (proposta 19), torna públicas 10 propostas ligadas aos seguintes segmentos: acesso
a informações sobre afastamentos, perícia médica, acidentes do trabalho, aposentadorias
especiais, processo previdenciário, reformulação da metodologia do nexo técnico epidemiológico previdenciário (NTEP) e modificação das normas regulamentadoras (NRs) de
saúde e segurança (CNI, 2018).
17
A matéria chegou a apontar que “há emendas cujo autor original, nos metadados dos
arquivos, consta como TST – presumidamente o Tribunal Superior do Trabalho, inclusive
considerando o conteúdo das emendas”.
16
A reforma trabalhista... • 231
naram a favor, refletindo a evidente maior disposição por parte da oposição
em debatê-lo e impugná-lo18.
Tal conjuntura é muito bem cristalizada na carta assinada pelo chefe do executivo (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2017), destinada aos
parlamentares por meio do senador Romero Jucá (PMDB/RR), em que propõe a omissão da casa revisora quanto ao projeto de lei em troca de “vetos
e da edição de uma medida provisória” que contemplassem pontos tensionados e “ajustes sugeridos durante todo o debate no Senado”. Sancionada
sem qualquer veto, a Lei 13.467 foi realmente modificada pela MP 808, de
novembro de 2017, que, para além de não tocar nos pontos nevrálgicos da
“reforma”, perdeu a sua vigência em abril de 2018, quando não foi convertida em lei pelo Congresso Nacional.
Em sua vigência de 5 meses, a MP afetou 17 artigos da CLT, lidos no
debate público como alguns dos dispositivos mais repudiados materialmente, tais quais o acordo individual para a jornada 12x36, os parâmetros para
fixação do dano extrapatrimonial baseados no salário, o trabalho da gestante em ambiente insalubre, o autônomo exclusivo, o trabalho intermitente,
algumas peculiaridades dos prêmios e gorjetas, a representação dos empregados no local de trabalho, além de alguns aspectos da preponderância do
negociado sobre o legislado e recolhimentos previdenciários. Pontos que,
apesar de terem sido considerados urgentes pelo próprio governo federal
na exposição de motivos da medida provisória19, foram negligenciados pelo
legislativo, mesmo não correspondendo aos principais eixos da lei.
Ademais, para uma leitura mais afinada da conjuntura de aprovação da lei, há de se ter em conta que mais de 91% dos cidadãos ouvidos pelo
Senado em relação ao PLC manifestaram-se contrariamente à sua aprovação (172.166 indivíduos), e apenas 9% dos participantes da consulta pública (16.789) apoiaram o projeto. A amostra reflete bem a posição da sociedade diante da “reforma”, assinalando a sua explícita falta de legitimidade
(SENADO, 2017).
Conforme análise realizada pelos autores a partir da tramitação do projeto de lei obtida
no site do Senado.
19
“12. A iminente entrada em eficácia da referida Lei, em 11 de novembro de 2017, requer
imediata ação dos poderes Executivo e Legislativo, razões que reforçam os preceitos de
urgência e relevância desta Medida Provisória.”
18
232 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
4.3. Capacidade de resistência da classe trabalhadora
Segundo dados do Sistema de Acompanhamento de Greves (SAG)
do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
(DIEESE, 2019), as décadas de 1990 e 2010 foram marcadas por movimento de significativo crescimento das greves classificadas como defensivas,
isto é, aquelas caracterizadas “pela defesa de condições de trabalho vigentes, pelo respeito a condições mínimas de trabalho, saúde e segurança ou
contra o descumprimento de direitos estabelecidos em acordo, convenção
coletiva ou legislação” (aproximando-se dos 80% em 1999 e dos 85% em
2015), como mostra o Gráfico 3, ao passo que as de caráter propositivo, que
“propõem novas conquistas ou ampliação das já asseguradas”, ocupam uma
posição preponderante na década de 2000, alcançando cerca de 80% das
greves do ano 201020.
Tais dados indicam que o movimento sindical organiza as suas
pautas segundo a conjuntura, expressando os níveis de resistência possíveis a cada época. Em 1994, mais de 80% das greves possuíram caráter propositivo, número que retraiu-se para menos de 35% em 1998, no auge do
processo de abertura comercial e financeira gerido pela política econômica
neoliberal, comparável apenas, no período analisado, com os anos de 2016
em diante, em que o Poder Judiciário atuou com grande peso coercitivo
sobre as greves, restringindo-as21.
Sobre a definição das greves quanto ao seu caráter (defensivo ou propositivo): DIEESE,
2017, p. 4.
21
Para um estudo aprofundado sobre a postura do Judiciário frente às greves “políticas”,
ver Baboin (2013).
20
A reforma trabalhista... • 233
Gráfico 3. Greves, segundo caráter das reivindicações, 1994-2017
Fonte: DIEESE (2019), Sistema de Acompanhamento
de Greves (SAG). Elaboração própria.
É importante ter em conta que em 28 de abril de 2017, na semana em que o PL 6.787 foi aprovado na Câmara dos Deputados, ocorreu a
greve geral de maior abrangência da história brasileira, com adesão de 40
milhões de trabalhadores de todo o país em paralisações registradas em 150
cidades. Dista de um século da primeira greve geral realizada no país, em
1917. A pauta de reivindicações posicionou-se contra as reformas trabalhista e previdenciária, esta última uma proposta de emenda constitucional
(nº 287/2016) também apresentada pelo executivo após a consolidação do
golpe parlamentar de 2016.
Após divergências ocasionadas pela negociação de parte das centrais sindicais com o governo em relação à possibilidade de manutenção da
contribuição sindical via medida provisória22, não foi possível a viabilização de uma segunda greve geral, inicialmente prevista para o dia 30 de junho de 2017. Segundo noticiado, após alinhamento com a União Geral dos
Trabalhadores (UGT), Nova Central e Central dos Sindicatos Brasileiros
(CSB) em torno da possibilidade de negociação da MP com o governo, a
Força Sindical considerou que o movimento previsto para aquele dia não
O que não ocorreu, inclusive via MP 808. Mantiveram-se as alterações dos arts. 545, 578,
579 e 582 da CLT.
22
234 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
seria uma “greve geral”, mas “paralisação nacional, de acordo com a força de
cada central” (SEABRA, 2017).
5 Balanço parcial da reforma trabalhista
A Lei 13.467 completou nove meses de vigência em julho de 2018,
mês cujos dados públicos divulgados são os mais recentes23 no momento
de escrita deste ensaio. O balanço aqui proposto se trata, evidentemente, de
uma análise conjuntural. Em síntese, os resultados apresentados apontam
que (1) a promessa de geração de empregos associada à implementação da
lei não se sustenta, como já havia sido alertado por críticos da reforma à luz
da teoria macroeconômica e de comparações internacionais24; (2) a taxa de
subutilização se coloca como uma das medidas mais adequadas para revelar
a dinâmica do emprego pós reforma; (3) ainda é cedo para avaliar grande
parte dos efeitos da lei sobre a dinâmica do mercado de trabalho, visto que a
economia ainda se encontra pouco aquecida e somente mediante um novo
ciclo de crescimento do nível de atividade que determinadas mudanças se
apresentarão; (4) algumas questões já apresentam um potencial duradouro,
como os casos de obstrução do acesso à justiça, rescisão por acordo mútuo
e queda do financiamento sindical.
A taxa de desocupação no último trimestre de 2017, mês do início
da vigência da Lei 13.467, estava em 11,8% e, nos dois trimestres consecutivos, a taxa passou para 13,1% e 12,4%. Essa oscilação, per se, não é capaz
de revelar nada diretamente sobre a reforma trabalhista, senão o fato de que
ela não pode ser motor de geração de emprego, papel reservado à dinâmica macroeconômica de aumento de demanda agregada e de investimentos,
vis-à-vis a estrutura produtiva. Com efeito, a premissa dos formuladores e
dos defensores da reforma é que o rebaixamento dos custos do trabalho induziria, per se, a criação de novos postos de trabalho, o que certamente não
se verificou – do contrário, haveria uma queda significativa e inequívoca da
taxa de desocupação ao longo dos primeiros meses de implementação da
lei. A segunda observação a ser feita é a evolução recente da taxa de desoOs dados para o mês de julho se referem ao Cadastro Geral de Empregados e
Desempregados (CAGED), que acompanha o setor formal do mercado de trabalho. Para
a PNADC, que apura o todo (formal e informal), os últimos dados divulgados são do segundo trimestre de 2018 (abr-mai-jun).
24
Ver Krein, Gimenez e Santos (2018), por exemplo.
23
A reforma trabalhista... • 235
cupação, que apresentou uma trajetória ascendente desde 2015, como pode
ser observado no Gráfico 4.
Gráfico 4. Taxa de desocupação trimestral, 2012-2018
Fonte: IBGE, PNADC. Elaboração própria. Nota: dados até o 2º trimestre de 2018.
Ainda se tratando da evolução recente do mercado de trabalho – e
contemplando o período da reforma –, observa-se um passivo no estoque
de empregos “celetistas” que se inicia após 2014, de acordo com dados do
CAGED apresentados no Gráfico 5. Em julho de 2018, o total de trabalhadores no emprego formal era de 38,3 milhões, relativamente estável quando comparado com o mesmo mês do ano anterior, porém 2,7 milhões de
pessoas a menos desde 2014. Isso expressa a desarticulação acelerada do
mercado de trabalho brasileiro no momento de aprovação da reforma e, de
lá para cá, o quadro é de manutenção desse patamar.
236 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Gráfico 5. Estoque de emprego formal, julho de cada ano, 2010-2018
Fonte:CAGED, MTE. Elaboração própria.
Mediante as diversas alterações na CLT promovidas pela reforma,
a contraposição entre emprego formal e informal ganha novos contornos.
Historicamente, o emprego com carteira assinada correspondeu a um nível
de proteção social superior àqueles sem carteira, seja em termos de remuneração, acesso aos direitos trabalhistas ou estabilidade no emprego. Com a
reforma, algumas fronteiras são borradas, na medida em que determinadas
características típicas da informalidade são trazidas para dentro do emprego formal. Por exemplo, modalidades de contratação como o contrato intermitente, o contrato por tempo parcial ou o teletrabalho podem, a despeito
de eventualmente “incrementar” a taxa de ocupação, ocultar o caráter de
subocupação associado a esses trabalhos.
Nesse sentido, uma medida que tem expressado de maneira mais
adequada o cenário do mercado de trabalho brasileiro é a taxa de subutilização da força de trabalho. Segundo o IBGE (AGÊNCIA IBGE, 2018), a
taxa congrega as pessoas desocupadas, subocupadas por insuficiência de
horas trabalhadas25 e a força de trabalho potencial (desalentados ou não) e
25
Trabalham menos de 40 horas semanais e gostariam de trabalhar mais.
A reforma trabalhista... • 237
foi estimada em 24,5% no 2º trimestre de 2018, maior nível para esse mesmo trimestre na série histórica comparável que se inicia em 2012, conforme
Gráfico 6. Ou seja, para além das pessoas desocupadas (12,9 milhões), deve-se ter em conta os subocupados por insuficiência de horas (6,6 milhões),
os desalentados (4,8 milhões) e a outra parcela da força potencial (3,2 milhões)26, totalizando 27,6 milhões de brasileiros no 2º trimestre de 2018.
Gráfico 6. Taxa de subocupação, segundo trimestre, 2012-2018
Fonte: IBGE (PNADC). Elaboração própria.
Os contratos de trabalho intermitente – introduzido pela reforma –
e por tempo parcial – alterado pela reforma no sentido de ampliar as possibilidades de sua utilização – representam algumas das formas mais flexíveis
de contratação possíveis nos marcos da legislação trabalhista brasileira. No
entanto, sua adesão ainda é extremamente tímida diante das expectativas
dos formuladores da reforma: esperavam-se 2 milhões de novos postos de
trabalho sob a forma dos contratos “com a regulamentação de contratos
de teletrabalho, jornada intermitente e jornada parcial” (EXAME, 2018)
26
A força potencial é composta por pessoas em idade ativa desalentadas e não desalentados. A parcela desalentada se refere às pessoas que não estavam procurando emprego nos
30 dias anteriores à pesquisa do IBGE por não terem expectativas de encontrar trabalho,
porém, nos 6 meses antecedentes, procuraram. A segunda parcela corresponde às que não
estavam ocupadas nem desocupadas, e tampouco procuraram emprego, mas “possuíam
um potencial de se transformarem em força de trabalho” (IBGE, 2016).
238 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
nos dois primeiros anos de vigência da Lei 13.467. Após nove meses de implementação da reforma – com dados divulgados pelo CAGED até julho
de 2018, sem considerar o teletrabalho –, o saldo de contratos de trabalho
intermitente é de 26,3 mil e para o contrato por tempo parcial 13,3 mil, o
que totaliza menos de 40 mil novos postos de trabalho nessas modalidades,
conforme evolução exposta no Gráfico 7. Ainda que se faça uma estimativa
bastante otimista, considerando um crescimento de 50% de saldo de novos
empregos por mês, ao final de 2019 a geração de empregos por contrato de
intermitente seria de 178 mil postos e para o contrato por tempo parcial de
pouco menos de 100 mil, o que corresponderia a menos de 15% da expectativa do Governo.
Gráfico 7. Saldo mensal de emprego por contrato de trabalho intermitente
e por contrato de trabalho por tempo parcial, nov/2017 – jul/2018
Fonte: CAGED, MTE. Elaboração própria.
Se por um lado, como defendemos aqui, essas formas de contratação
e as demais alterações promovidas pela lei 13.467 que operam no sentido de
flexibilização das relações de trabalho não carregam em si a possibilidade de
serem o motor ou facilitadoras da retomada do crescimento econômico, da
geração de empregos, de ganhos de produtividade ou de competitividade,
por outro não nos parece adequado subestimar o potencial de crescimento
das mesmas. A nossa hipótese é que o grau de adesão dos empregadores
A reforma trabalhista... • 239
em relação ao contrato intermitente ou por tempo parcial só vai poder ser
verificado na medida em que a economia retomar seu crescimento, pois é
absolutamente possível que uma parcela considerável dos novos empregos
formais vindouros que, sob os marcos legais anteriores à reforma, viriam
sob a forma de contratos por tempo indeterminado, passam a ser estabelecidos nos parâmetros dos novos contratos flexíveis aqui tratados. Neste caso,
a retomada da geração de empregos, que tem como causa principal fatores
externos ao mercado de trabalho – dinâmica de produção, renda e investimento –, aconteceria acompanhada de um processo de substituição de parte dos contratos por tempo indeterminado. A magnitude dessa substituição
só é possível de ser determinada a posteriori, a depender do que for mais
interessante para cada setor ou empresa, de acordo com o novo cardápio de
opções de gestão da força de trabalho promovido pela reforma.
Os contratos de trabalho intermitente, no mês de julho de 2018,
concentraram-se nos setores de serviço (mais da metade), indústria, comércio e construção civil (a outra metade distribuída entre esses três últimos
setores), fundamentalmente. As ocupações mais frequentes foram assistentes de vendas, alimentador de linha de produção, recepcionista de casas de
espetáculo, servente de obras, faxineiro, garçom, etc. Mais de 90% dos empregados sob essa modalidade possuíam escolaridade até o ensino médio
(CAGED, MTE).
No caso dos contratos por tempo parcial, mais de 50% se dava no
comércio, para o mesmo mês de julho, e se também se concentrava em ocupações pouco qualificadas, como operador de caixa, auxiliar de escritório
em geral, repositor de mercadorias e recepcionista. Em relação à escolaridade, o nível superior completo aparece com incidência significativa (26,7%),
quando comparado com os trabalhadores de contrato intermitente. Ainda,
a presença da mulher supera a do homem (61,6%) nos contratos por tempo parcial, o que guarda nítida relação com a divisão sexual do trabalho
(IBIDEM).
Diferentemente das tendências ainda não definidas da adesão de
contratos por tempo parcial ou intermitentes, o desligamento por acordo
mútuo – outra inovação da Lei 13.467 – apresenta sinais mais contundentes
de crescimento. Desde a vigência da reforma, foram 94,6 mil desligamentos operados nesses termos, como mostra o Gráfico 8. Concentram-se no
setor de serviço (48,4%), no comércio (23,8%) e na indústria (16,7%) e em
ocupações como a de vendedor de comércio varejista, auxiliar de escritó-
240 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
rio, assistente administrativo, motorista de caminhão, faxineiro e vigilante
(IBIDEM).
Gráfico 8. Desligamentos por acordo mútuo, nov/2017 – jul/2018
Fonte: CAGED, MTE. Elaboração própria.
Outra consequência direta da Lei 13.467 foi a drástica redução nominal do número de ações ajuizadas perante a Justiça do Trabalho a partir de
novembro de 2017, quando do início de sua vigência. Um de seus evidentes
motes foi a criação de obstáculos para a propositura de novas reclamações,
o que é inequivocamente lido no esvaziamento da gratuidade processual
das demandas. Com a nova sistemática, cuja inconstitucionalidade já foi
arguida por diversas entidades junto ao STF27, o autor da ação trabalhista,
que é invariavelmente o trabalhador lesado numa relação de emprego, se
sucumbente, passou a ter de suportar, ainda que beneficiário da justiça gratuita, os honorários periciais e do advogado da parte adversária se caso não
for considerada procedente a pretensão postulada28.
Conforme ilustrado no Gráfico 9, adiante, com dados de 2013 a
julho de 2018 (TST, 2014; 2015; 2016; 2017; 2018), as ações ajuizadas na
1ª instância alcançaram a marca superior de 290.973 entradas (acima da
27
Como a própria Procuradoria-Geral da República, com o ajuizamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.766 no mês imediatamente consecutivo à sanção da Lei
13.467.
28
Além de outros prejuízos correlacionados à limitação do acesso à justiça, analisados com
grande profundidade nas coletâneas “Resistência” (volumes 1 e 2), organizadas por Souto
Maior e Severo (2017; 2018).
A reforma trabalhista... • 241
média) em novembro de 2017, quando passou a viger a “reforma”, despencando para 85.357 no mês consecutivo (muito abaixo da média). Ambos os
movimentos deveram-se (1) ao ingresso de um maior volume de ações antes da “virada” da lei, sendo preservados os direitos à gratuidade processual
e, (2) em dezembro, à instabilidade jurídica (diante de flagrantes inconstitucionalidades) e adaptação à nova realidade processual, represando-se parte
significativa dos processos.
Em 2018, cujos dados foram atualizados pelo TST até julho, houve
um significativo movimento de recuperação do ajuizamento de novas ações,
atingindo-se 156.452 reclamações naquele mês, o que demonstra um maior
domínio da comunidade jurídica em relação aos temas da “reforma”, cujas
inconstitucionalidades vieram a ser suscitadas de maneira difusa (diante do
próprio juiz do trabalho). Tais embates de interpretação da validade da lei
foram em grande medida fomentados pelo enérgico pronunciamento da
Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra)29,
que de maneira histórica interpretou parte considerável da “reforma” como
inconstitucional.
Gráfico 9. Novas ações trabalhistas na 1ª instância, 2013-2018
Fonte: TST, Coordenadoria de Estatística e Pesquisa.
Elaboração própria. Nota: dados até julho/2018.
Em sua 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, reunida em Brasília nos
dias 9 e 10 de outubro de 2017 com magistrados trabalhistas de todo o país.
29
242 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Em que pese o decréscimo do número de ações trabalhistas, imediatamente comemorado pela grande mídia, como se a redução nominal
do volume de reclamatórias representasse uma melhoria social, é evidente
que tais índices não correspondem ao fim do antagonismo entre capital e
trabalho, ou que os direitos trabalhistas vieram a ser respeitados, o que, segundo os defensores da reforma, viria a refletir-se nas novas ações. Num
cenário em que é patente que as ações decorrem do “excessivo descumprimento das normas de proteção ao trabalhador”, como aponta Biavaschi
(CUBAS, 2018), é evidente que o decréscimo dos números de litigiosidade
não corresponde a nada além do que um nítido obstáculo para o seu processamento, na medida em que a violação de direitos é patente no cotidiano
das relações de trabalho no Brasil.
Em relação aos impactos da Lei 13.467 nas formas de organização
dos trabalhadores, o fim da contribuição sindical compulsória (com as alterações dos artigos 545, 578, 579 e 582 da CLT), tem efeitos diretos no financiamento das entidades representativas da classe trabalhadora. Há dados
que indicam um decréscimo de 80% na arrecadação sindical no 1º trimestre
de 2018, quando receberam R$ 34,6 milhões; no mesmo período do ano anterior, receberam R$ 170 milhões (CUT, 2018). Tais desdobramentos para o
movimento sindical estão sendo acompanhados pelas entidades, e os dados
acerca da limitação de seu financiamento ainda se encontram em processo
de organização.
6. Considerações finais
A Lei 13.467/2017, conhecida como “reforma trabalhista”, deve ser
interpretada mediante o desenvolvimento lógico-histórico do capitalismo,
cuja forma de acumulação contemporânea é altamente flexível e financeirizada e sua morfologia produtiva está organizada fundamentalmente a
partir de cadeias globais de valor, com assimetria entre os participantes e
poder fortemente centralizado nas grandes empresas transnacionais líderes. Diante da acumulação flexível, os blocos de interesse transnacionais
tensionam os espaços em que atuam no sentido de adequá-los ao processo
de valorização do capital, implicando, no caso da produção, a permanente
flexibilização das relações de trabalho de modo a permitir que o capital goze
de plena liberdade de atuação no manejo da força de trabalho (contratação,
jornada e remuneração) conforme o ritmo de produção e de atividade eco-
A reforma trabalhista... • 243
nômica. Em outras palavras, acumulação flexível requer relações de trabalho flexível. E, na medida em que as formas de contratação, de orquestração
da jornada e de remuneração do trabalho são adequadas às formas de produção vigentes, maior o espaço para o capital transferir os riscos inerentes
dos ciclos econômicos para os trabalhadores.
Diante deste panorama mais geral do movimento do capitalismo
flexível e financeirizado contemporâneo, localiza-se a interação com a periferia do sistema e, em particular, o Brasil. Não é possível, portanto, entender a reforma trabalhista em apreender como a parte interage com o todo.
A flexibilização das relações de trabalho na periferia é percebida de forma
bastante peculiar em economias marcadas por um excedente estrutural de
mão de obra, baixos salários, alta desigualdade social, heterogeneidade ocupacional e produtiva, elevadas taxas de rotatividade, informalidade e ilegalidade. O episódio da aprovação da Lei 13.467 representou, no Brasil, o
avanço mais abrupto e profundo no processo de flexibilização das relações
de trabalho já em curso no país desde a década de 1990. Somente é possível
compreender o porquê de sua aprovação ocorrer neste momento (2017) sob
a forma, celeridade e intensidade observadas se tomarmos em consideração
os aspectos conjunturais e de economia política em que o Brasil se encontra
quando da formulação da reforma e sua tramitação.
Após nove meses de vigência da Lei 13.467, a promessa de geração de empregos associada não se sustenta, como já havia sido alertado por
críticos da reforma por meio da teoria macroeconômica e de comparações
internacionais. Nossa hipótese é que grande parte dos efeitos da lei sobre
a dinâmica do mercado de trabalho só poderão ser percebidos e avaliados
quando a economia experimentar um novo ciclo de crescimento. No entanto, algumas questões já apresentam um potencial duradouro, como os
casos de obstrução do acesso à justiça, rescisão por acordo mútuo e queda
do financiamento sindical. Vale dizer que, ainda, em meio às novas formas
de contratação – contrato de trabalho intermitente, por exemplo – a taxa de
subutilização da força de trabalho parece medida de suma importância para
identificar aspectos velados do desemprego pós reforma trabalhista.
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A reforma trabalhista... • 249
“VIRTUS IN MEDIO” OU “IN VERITAS” – PARTE II
VIRTUS IN MEDIO OR IN VERITAS – PART II
Lara Porto Renó1
Mariana Benevides da Costa2
Marilu Freitas3
Resumo: Este estudo, desde sua introdução, questiona a veracidade da autonomia do trabalhador autônomo exclusivo. Em seu desenvolvimento,
destrinça as formas de prestação do trabalho, enfrentando-as, adiante,
mais detalhadamente e em cotejo com figuras do direito comparado, até
fixar tratar-se modalidade de precarização do trabalho, dentro, inclusive,
de um panorama de divisão internacional do trabalho.
Palavras-chave: Trabalhador autônomo exclusivo; Neoliberalismo;
Precarização.
1
Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital – GPTC. Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo – São Paulo/SP – Brasil. Especialista em Direito do Trabalho pela Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo. Servidora pública do Tribunal Regional do Trabalho
da 2.ª Região – larajob@hotmail.com
2
Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital – GPTC. Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo – São Paulo/SP – Brasil. Especialista em Direito do Trabalho pela Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo. Advogada trabalhista – m.bene.costa@gmail.com
3
Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital (ex-integrante). Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo – São Paulo/SP – Brasil. Doutora em Direito do Trabalho pela
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Advogada trabalhista – freitascoutinhoadv@hotmail.com
In: ANTUNES, Daniela Muradas; NICOLI, Pedro Augusto Gravatá; RODARTE, Wanessa
Susan de Oliveira (org.).A reforma trabalhista e o direito individual do trabalho: dos
retrocessos às resistências. 1ª edição. Belo Horizonte: Initia Via, 2019 (Anais do IV
Encontro da RENAPEDTS, vol. 2). ISBN: 978-85-9547-079-8. DOI: 10.17931/95470798/
v2a11.
250 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Abstract: This study, from its introduction, questions the veracity of the
autonomy of the exclusive autonomous worker. In its development, it defines the ways in which work is provided, confronting them in a more
detailed way, and comparing them with figures from comparative law, until it fixes a modality of labor precarization, even within a panorama of
international division of work.
Keywords: Exclusive autonomous worker; Neoliberalism; Precarisation.
*
1. Introdução
O que se esconde por trás dos insurgentes e diferentes modelamentos jurídicos de parassubordinação do trabalhador? Qual é seu móvel
filosófico, para não dizer ideológico? E seu móvel econômico? O que, efetivamente, eles traduzem? Partindo desse fio de meada, a presente formulação, ainda que de modo perfunctório, pretende refletir sobre o aludido
instituto jurídico e suas variações ibero-americanas, a saber, o trabalho
autônomo dependente e o trabalho autônomo exclusivo, taxinomizando
dito conjunto na atual contextura sociohistórica e econômica, em especial, sob a perspectiva da divisão internacional do trabalho.
Veja-se, pois.
2. Uma necessária contextualização sociológica
No Brasil, é fato incontroverso a reestruturação produtiva do
modo de produção capitalista, de forma paulatina, em diferentes setores econômicos, a partir dos anos 1990 (ANTUNES, 2013). No aspecto
estritamente trabalhista, data, igualmente, dessa época, a instauração do
discurso modernizador das relações de trabalho, a acusação da legislação trabalhista brasileira – dita envelhecida e oriunda do corporativismo
fascista –, a sustentação da livre negociação das condições de trabalho4,
A propósito, fala-se da tentativa - então, frustrada - de alterar a redação do art.
618, da Consolidação das Leis do Trabalho, pelo Projeto de Lei da Câmara nº 134/2001,
para insertar, no conteúdo desse dispositivo legal, a possibilidade da negociação coletiva
se sobrepor à legislação trabalhista heterônoma.
4
A reforma trabalhista... • 251
a tentativa de importação de modelos alienígenas de regulação das relações de trabalho, a incriminação do chamado “Custo Brasil” – reduzido,
no particular, apenas às prestações econômicas e sociais do trabalho, sem
qualquer alusão à elevadíssima carga tributária que incide, no País, para
empregadores e trabalhadores, acrescente-se.
Mas, dita narrativa não sobreveio isolada, verificando-se, a esse
tempo, também, um recrudescimento tanto das chamadas demissões voluntárias de trabalhadores, como, também, da simultânea difusão da ideologia empreendedorista nas mídias impressas e faladas, numa espécie
de camuflada combinação do capital com o próprio capital, na qual, as
empresas, por meio das indenizações pagas aos obreiros – de regra antigos
e, em certos casos, até, pré aposentáveis –, conferiam ao mercado e a esse
futuro empreendedor – na verdade, um trabalhador desempregado – os
recursos financeiros para o estabelecimento, por parte dos mesmos, de
um negócio próprio.
Nesse sentido, a persistente veiculação de dados comparativos
entre o (baixo) empreendedorismo no Brasil e em outros países do mundo – no mais das vezes, países das economias centrais e, portanto, com
maiores taxas de empreendimentos registrados –, além de um programa
de divulgação dos serviços do SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às
Micro e Pequenas Empresas –, estimulando a população – massivamente,
composta de trabalhadores assalariados – a empreender, seja pela abertura de novas empresas, seja pela adesão/representação de franquias já
consolidadas. Referida atuação se coloca a partir do governo Collor de
Mello, encontrando seu ápice no governo FHC, no qual – é fato notório –,
registraram-se altos descensos nos índices de empregabilidade do Brasil.
No transcurso desse lapso temporal, sem se afastar da paulatina
implantação e desenvolvimento do flexível modelo de gestão toyotista no
mundo do trabalho, o cenário empregatício brasileiro viveu uma trajetória de ascensão e queda, até, chegar aos dias atuais, quando atinge a casa
de mais de treze milhões de trabalhadores desempregados, equivalentes a
mais de 12% (doze por cento) da população economicamente ativa, isto,
com acréscimo de cerca de trinta milhões de trabalhadores informais,
além de uma legislação trabalhista já inteiramente flexibilizada, por conta
da Lei n.º 13.467, de 13 de julho de 2017, no bojo da qual, a partir do art.
442-B, da CLT, tenta-se introduzir, como nova forma de contratação, o
252 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
trabalho autônomo exclusivo, que é a modalidade brasileira e, portanto,
ibero-americana de parassubordinação.
3. Das formas de prestação do trabalho
Classicamente, os juslaboristas têm se empenhado ao redor dos
trabalhadores subordinados, em contraposição aos trabalhadores autônomos. Entre uns e outros, até a (contra) reforma trabalhista, encontravam-se os avulsos – mais próximos, faticamente, dos subordinados – e
os eventuais – mais próximos, faticamente, dos autônomos. Relevante,
elementar e fundamental para o Direito do Trabalho, referida dicotomia
permanece e constitui a baliza para as tuitivas construções jurídicas que
lhe são próprias, nada obstante o soerguimento do trabalhador autônomo
exclusivo, a partir da Lei n.º 13.467, de 13 de julho de 2017.
Nessa medida, são subordinados os trabalhadores que atuam sob
subordinação jurídica do empregador, ou seja, sob seu poder de direção e
controle, sem assunção dos riscos patronais. Autônomos, por sua vez, são
os trabalhadores que atuam de forma independente, como senhores do
próprio trabalho, exercendo sua atividade laboral por conta própria, de
forma contínua, sem vínculo empregatício com o tomador de seu serviço
e sem qualquer fiscalização sobre o mesmo, responsabilizando-se ele próprio, trabalhador autônomo, pelos riscos de sua atividade.
Em sua origem, os trabalhadores autônomos não são trabalhadores desregulamentados, possuindo, de regra, estatutos e conselhos profissionais. Legislativamente, seu trabalho também pode ser disciplinado
pelo Código Civil e por legislação civil esparsa. Exemplos tradicionais de
trabalhadores autônomos são os médicos, os odontólogos, os engenheiros
e os advogados, muito embora o grupo também albergue produtores rurais, comerciantes e artesãos, ilustrativamente.
E, como um remate, o destaque para os distintos debates havidos quanto à subordinação jurídica do empregado, questionando-se se
subordinação técnica, ou se subordinação econômica, até, finalmente,
identificar-se como sendo subordinação meramente jurídica, diante da
qual, o trabalhador livre se coloca sob o poder diretivo do empregador,
apenas durante o lapso de sua atividade laboral empregatícia, suportando
eventuais penalidades, quando houver o cometimento de faltas, conforme
taxativamente enumerado pelo art. 482, da CLT.
A reforma trabalhista... • 253
Referida compreensão, anote-se, ela é intrínseca ao modo de
produção e reprodução econômica da sociedade capitalista, que, muito
embora não admita, no plano da aparência, o trabalho escravo em seus
domínios, paradoxalmente, no plano da essência, realiza-o diariamente,
durante certo número de horas da jornada diária, conforme necessário
para a extração do “mais-valor”, que nada mais é senão trabalho realizado
e não pago, apesar do caráter oneroso do contrato de trabalho. Dentro do
trabalho livre capitalista, portanto, o dissimulado embutimento do trabalho escravo.
Ademais, como já expresso alhures, ao lado dessa disposição dicotômica, lançando mão da velha teoria marxista do exército de reserva, o
atual engendramento do capitalismo faz surgir trabalhadores parassubordinados, trabalhadores informais e trabalhadores desempregados, mormente nos países periféricos, em especial, nos do chamado Eixo Sul, tardos de industrialização e desenvolvimento tecnológico e ainda voltados
para o fornecimento mundial de commodities agrícolas e minerais.
Assim, como já se disse antes, no Brasil atual, contabilizam-se
mais de treze milhões de trabalhadores desempregados, o que impacta,
necessariamente e s.m.j., no assentamento jurídico e político da (contra)
reforma trabalhista, enquanto legislação desregulamentadora e flexibilizadora de direitos laborais, nascida, aliás, entre outros engodos, sob a falsa
justificativa da geração de novos empregos.
Sobre o trabalho informal, este corresponde àquele que é executado diretamente pelo trabalhador, sem vínculo empregatício, nem proteção legal ou social e em condições de trabalho duvidosas, para não dizer
indecentes. O perfil dos trabalhadores informais no Brasil é heterogêneo,
podendo, inclusive, encerrar trabalhadores que subcontratem outros trabalhadores, igualmente informais. O Professor Ricardo Antunes, citando
Alves e Tavares (ANTUNES, 2013), tece tipologização que os sistematiza
em trabalhadores informais tradicionais, subdivididos em informais menos instáveis (costureiras e pedreiros, p. ex.) e informais mais instáveis
ou ocasionais, tal como o trabalhador desempregado, enquanto procura
um novo posto de trabalho formal. Estes informais ocasionais também
podem ser trabalhadores empregados na realização de um trabalho extra,
uma espécie de “bico”, nas horas de folga, para incremento da renda familiar (ANTUNES, 2013).
254 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Entrementes, segundo a OIT – Organização Internacional do
Trabalho –, em estudo divulgado no mês abril/2018, as taxas de informalidade no mundo são elevadíssimas, alcançando cerca de 61% (sessenta
e um por cento) da população mundial trabalhadora, algo em torno de
dois bilhões de pessoas. Na África, por exemplo, mais de 85% (oitenta
e cinco por cento) do emprego é informal, enquanto, na Europa, apenas
pouco mais de 25% (vinte e cinco por cento). No continente americano,
cerca de quarenta por cento dos trabalhadores são informais, sendo 53%
(cinquenta e três por cento) destes, na América Latina. No Brasil, o índice
de informalidade no emprego total é de 46% (quarenta e seis por cento),
atingindo um número maior de homens, 37% (trinta e sete por cento), do
que de mulheres, 21,5% (vinte e um por cento e meio) (OIT, 2018).
De já, o levantamento desses indicadores deixa entrever a divisão
internacional do trabalho, considerando que a produção de commodities
parece ocorrer mais mediante trabalho informal, estando na base deste
acontecimento, sob a perspectiva dos trabalhadores, a baixa escolaridade
dos mesmos, sua falta de qualificação profissional e, também, a falta de
outras oportunidades e meios de subsistência (OIT, 2018). Na perspectiva
dos empreendedores, tal se opera, em razão da cultura escravista, forjada desde o tempo dos descobrimentos e das navegações, desdobrando-se,
desde então, até a atual conformação expulsória de latinos americanos,
africanos e leste-asiáticos do acesso ao trabalho decente, à cidadania e ao
consumo de bens e serviços em padrões compatíveis com os recursos naturais existentes nos respectivos países.
4. Trabalho parassubordinado e trabalho autônomo exclusivo
Antes de tratar especificamente do chamado trabalho autônomo
exclusivo, falar-se-á do trabalho parassubordinado, aqui, tomado como
gênero, do qual, o primeiro nos parece espécie, considerando a patente similitude entre ambos e a nítida inspiração da figura nacional, na figura do
direito estrangeiro. Igualmente ao trabalho autônomo exclusivo, no Brasil,
o trabalho autônomo dependente, na Espanha.
Nessa conformidade, é o trabalho parassubordinado uma espécie de zona “grise”, entre o trabalho autônomo e o trabalho subordinado.
Exemplos clássicos das atividades laborais situadas nessa região cinzenta
são a representação comercial e a corretagem imobiliária, certificando-se,
A reforma trabalhista... • 255
também, a existência das chamadas relações de colaboração (SILVA, 2002).
A principal característica dos trabalhadores autônomos dependentes ou
parassubordinados é o desenvolvimento de sua atividade profissional em
colaboração com o destinatário do serviço, de forma a operar-se uma mitigação da proteção social garantida aos empregados subordinados.
Entrementes, no trabalho parassubordinado (SILVA, 2002), o trabalhador presta serviço pessoalmente, desempenhando suas atividades
com autonomia e independência, utilizando seus próprios instrumentos
de trabalho, de maneira contínua, mas se integrando e colaborando com a
organização produtiva do tomador de serviços, com quem estabelece vínculo de substancial dependência. Referidas relações de trabalho, portanto,
são marcadas por uma forte dependência econômica entre o trabalhador
parassubordinado e o tomador de serviços, retratando a sua debilidade
contratual e a consequente necessidade de uma proteção mais incisiva
por parte do Direito, inclusive no plano das compensações pecuniárias
(SILVA, 2002). Nesse sentido, a lavra do Prof. Otávio Pinto e Silva:
Conforme explica Guiseppe Ferraro, o elemento de conexão entre as várias
relações de trabalho parassubordinado pode ser genericamente descrito
como um vínculo de dependência substancial e de disparidade contratual
que se estabelece entre o prestador dos serviços e o sujeito que usufrui
dessa prestação. Esse vínculo de dependência é semelhante ao que une
empregado e empregador, a ponto de justificar a existência de garantias
compensatórias equivalentes (SILVA, 2002).
Na Itália, onde a Lei Biaggi inaugura dita construção, o trabalho
parassubordinado é chamado de co-co-co, em referência à colaboração,
à coordenação e à continuidade, reconhecendo-se aos trabalhadores os
seguintes direitos: a) sujeição ao processo de trabalho; b) aplicação de
juros e correção monetária equivalente aos dos créditos trabalhistas; c)
irrenunciabilidade e intransacionabilidade de direitos imperativos; d)
seguro obrigatório contra acidentes do trabalho e doenças profissionais; e) liberdade sindical e direito de greve; f) cobertura previdenciária
(NASCIMENTO, 2015).
Na Espanha, o art. 11, do Estatuto do Trabalho Autônomo, define
o trabalhador parassubordinado como sendo aquele que desenvolve uma
atividade econômica ou profissional a título lucrativo, de forma pessoal
e habitual, predominantemente para uma pessoa física ou jurídica, de-
256 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
nominada cliente, do qual depende economicamente por perceber dele,
pelo menos, 75% (setenta e cinco por cento) de sua fonte de rendimento.
A legislação espanhola confere a essa modalidade de trabalhadores férias
anuais de 18 (dezoito) dias e uma indenização contratual por perdas e danos, em caso de rescisão, por parte da empresa. O obreiro não tem direito
a décimo terceiro salário (NASCIMENTO, 2015).
Na perspectiva sociológica, todas essas formas jurídicas têm em
comum serem resultantes da reorganização produtiva do capital, do neoliberalismo, da intensificação da globalização econômica, do incremento
da concorrência empresarial e da nova necessidade empresarial de reduzir custos, manifestando-se mais fortemente em países marginais, inclusive, no tocante à geopolítica europeia, como são os casos de Portugal,
da Espanha e, até, da Itália. Do mesmo modo, ou ela se perfila em disciplinamento legislativo próprio – hipótese da Itália e da Espanha –, ou no
disciplinamento das chamadas reformas trabalhistas, reformas tais, como
as que foram encetadas em Portugal, no México e, mais recentemente, no
Brasil.
Com a reforma trabalhista brasileira, tombada na Lei n.º 13.467,
de 13 de julho de 2017, inova o ordenamento pátrio e introduz o chamado
trabalho autônomo exclusivo, no art. 442-B, da CLT. Referido dispositivo
legal foi alterado pela Medida Provisória n.º 808, de 14 de novembro de
2017, tendo sua redação original repristinada, em razão da queda da transitória norma retro. No particular, atual e textualmente, diz o art. 442-B,
da CLT:
Art. 442-B. A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma
contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art.
3o desta Consolidação. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
E, dessas palavras, salvo engano, a instituição de uma regra jurídica confusa, sem o condão de afastar o clássico regramento para o trabalho
autônomo, que permanece em vigor, apesar do nítido propósito normativo de afastar a caracterização de relação individual de emprego de certas
situações fáticas bastante evidentes. Pela cláusula disposta, pelo simples
nomen iuris, quer o legislador modifica a natureza das coisas, desconsiderando o fato do contrato de emprego ser um contrato realidade.
A reforma trabalhista... • 257
Segundo Saulo Tarcísio de Carvalho Fontes (FONTES, 2017),
cuida-se de prática legislativa repetida, verificada no regramento do art.
442, parágrafo único, da CLT, quando disciplina a relação de trabalho nas
cooperativas. Ad litteram:
[...] Nas alterações normativas dos últimos anos o legislador tem sido reincidente nesta prática, como evidencia a norma inserta na CLT que trata
do não reconhecimento da relação de emprego entre cooperados e cooperativas e entre cooperados e tomadores de serviços de cooperativas. [...]
O objetivo é sempre o mesmo, estabelecer barreiras legais para evitar a ‘infiltração’ do Direito do Trabalho, em relações jurídicas nas quais se pretende, com cumprimento de certas formalidades, excluir do prestadores de
serviço a condição de empregado e, consequentemente, afastar os direitos
que lhes seriam constitucional e legalmente assegurados. [...] (FONTES,
2017).
Referida norma, no entanto, desconsidera a tutela constitucional
da relação individual de emprego (FONTES, 2017), nos moldes do art.
7.º, da Constituição Federal, desconsiderando, ainda, assentada construção jurisprudencial e doutrinária, segundo a qual, uma vez constada a
subordinação jurídica do obreiro, mediante existência de direção patronal
e controle da sua atuação profissional, não importa que se lhe designe de
trabalhador autônomo: constatada a sua subordinação jurídica, ele será
um empregado, ou seja, um trabalhador juridicamente subordinado a seu
empregador. Só e tão somente só.
Nesse sentido, a lavra ilustre do Prof. Manoel Carlos Toledo Filho
(TOLEDO FILHO et al., 2018), para quem, por outras palavras, dito dispositivo legal suscita insegurança jurídica e abre margem para diferentes
defraudações e precarização do contrato individual de trabalho. Alude, então, o referido Mestre ao Enunciado 52, da 2.ª Jornada de Direito Material
e Processual do Trabalho da Anamatra, cujos termos assentam que:
TRABALHADOR AUTÔNOMO EXCLUSIVO E PRIMAZIA
DA REALIDADE. PRIMAZIA DA REALIDADE SOBRE A
FORMA. É a primazia da realidade, e não a formalidade exteriorizada de atos e negócios jurídicos, que deve ser considerada para o
reconhecimento do vínculo de emprego (arts. 2.º e 3.º da CLT) ou
de trabalho autônomo (art. 442-B da CLT).
258 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
A Portaria MTB n.º 349, de 23 de maio de 2018 (EXTRA, 2018),
regulamenta o instituto do trabalho autônomo exclusivo, na esteira do que
dizia a respeito a Medida Provisória 808, de 14 de novembro de 2017.
Exemplificando certas categorias profissionais, cujo trabalho lhe parece
conveniente, diz que não configura vínculo empregatício o trabalhador
autônomo exclusivo com um só contrato. Permite-se que ele se escuse
da realização de certas atividades e se estabelece que, em caso de efetiva
subordinação, ele deve ser reconhecido como empregado.
5. Da causa do trabalho autônomo exclusivo
Efetuadas tais digressões, chega-se ao ponto alto da presente intervenção, qual seja, o de compreender o leitmotiv dessa previsão normativa do trabalho autônomo exclusivo, a sua essência, ou veritas, conforme
suscitado desde a epígrafe correspondente. Sucede que, no plano da fática
realidade, com a reestruturação produtiva ocorrida nas organizações empresariais, visando ampliar a lucratividade e intensificar qualitativamente
a força de trabalho, certas plantas de trabalho foram dissolvidas, situando-se suas células de produção no exterior das empresas, com a (pseudo)
atribuição de autonomia ao trabalho ali realizado.
No particular, poder-se-iam citar diferentes ramos da produção
econômica, no campo, ou na cidade, mas opta o presente texto, à guisa
de ilustração, pela observação mais detalhada dos acontecimentos com
a indústria calçadista, no município de Franca, São Paulo, sem embargo
de citações à realidade cotidiana de outras categorias de trabalhadores,
como, por exemplo, os trabalhadores ditos autônomos, das plataformas
virtuais de prestação de serviços, também designados de trabalhadores
uberizados.
Ora, nessa medida, desde fins do século XIX, a mencionada cidade de Franca constitui famoso polo calçadista brasileiro, em cujo setor
industrial, a reorganização produtiva passa a se operar no final dos anos
1990, a partir de quando, certos recintos de produção foram deliberadamente destacados das empresas matrizes e passaram a ter lugar de modo
afastado, quanto aos pontos de vista geográfico e funcional (COSTA,
2014).
Noutras palavras, o que se diz é que, em certas fábricas calçadistas, certos segmentos das linhas de produção foram pseudo extintos,
A reforma trabalhista... • 259
deixando de operar no interior das mesmas, transferidos, não raro, para
a residência de seus trabalhadores, trabalhadores esses, demitidos das
mesmas indústrias calçadistas e logo recontratados pelos mesmos empreendimentos, para a realização das mesmas atividades, agora, em bancas
próprias de sapataria, de forma pseudo autônoma.
Entrementes, no setor, identificam-se diferentes espécies de trabalhadores autônomos, com ou sem banca própria de trabalho (COSTA,
2014). Todos eles, no entanto, atuam para uma, ou, no máximo, duas empresas, seguindo suas determinações fabris e seu controle de qualidade,
tudo, evidenciando a existência de autênticos vínculos empregatícios, independentemente de sua designação ou modelamento jurídico (COSTA,
2014). É a realidade do contrato individual de emprego exsurgindo dos
fatos da vida e se impondo.
Todavia, apesar da subordinação efetivamente existente nessas
relações de trabalho, os obreiros em questão são tratados pelas empresas
produtoras de calçados como se empresários autônomos fossem, como se
elas não lhes fizessem pressão por produtividade e como se esses trabalhadores pudessem dispor do próprio tempo e da direção das respectivas
atividades. E tudo isto só ocorre, porque, atuando nessas células manufatureiras isoladas, o custo social desses obreiros junto às empresas destinatárias de seu trabalho fica bastante reduzido, quando comparado a um
empregado regular, com Carteira de Trabalho assinada (COSTA, 2014).
Em suas células manufatureiras domiciliares de produção, os trabalhadores recebem remuneração por produtividade, conforme o número
de pares de sapatos produzido (COSTA, 2014), sem direito a adicionais
de hora extra e de insabridade, descanso semanal remunerado, férias, décimo-terceiro, abonos, etc. Essa realidade, inclusive, pode ser apontada
como exemplo da terceirização indireta.
E validando o exemplo fático acima, relato do Professor Ricardo
Antunes (ANTUNES, 2013), cuja elevada ilustração diz que:
[...] o setor calçadista vivenciou [...] ampliação do trabalho em domicílio, nas pequenas unidades produtivas etc., o que contribuiu
para o agravamento das condições de trabalho, uma vez que boa
parte desse trabalho é realizada em locais precários e improvisados, dentro e fora das casas, alterando o espaço familiar a suas condições de vivência.
260 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
A pesquisa constatou [...], também, uma degradação dos direitos sociais
do trabalho, que se ampliou em função da externalização e da terceirização da produção. Direitos conquistados, como o descanso semanal remunerado, férias, o 13.º salário, aposentadoria, etc. tornaram-se mais facilmente burláveis (ANTUNES, 2013).
Logo, é por este conjunto de razões que também exsurge o chamado trabalhador autônomo exclusivo, de delineamento previsto na Lei
n.º 13.467, de 13 de julho de 2017 – a (contra) reforma trabalhista –, com
pretensa diferenciação de forma, quando comparado com o trabalhador
autônomo tradicional. Na verdade, não se trata de uma figura medianeira, como sugerem os paladinos dessa modalidade de trabalho parassubordinado. Trata-se, sim, de autêntica forma legislada de precarização da
atividade laboral e de retirada de direitos de um rol de trabalhadores a
tanto premido, humilhado mesmo, tendo em vista as elevadas taxas de desemprego ora existentes. E, retornando à indagação inicial do título suso,
assevera-se que virtus in veritas e que, sim, tal é a fiel expressão a emergir
desta pesquisa.
De resto, o registro de que, perscrutados setores produtivos outros, quanto ao trabalho autônomo, conclusões assemelhadas devem se
colocar, por exemplo, no atualíssimo e momentoso caso dos trabalhadores uberizados, cujo eidos do debate consiste em saber se eles são trabalhadores autônomos, que, livremente, vinculam-se ao aplicativo virtual
de uma startup, ou se eles são trabalhadores subordinados e precarizados, subtraídos em seus direitos sociais e atraídos para o trabalho gerido
mediante plataformas digitais, devido ao desemprego e à informalidade
reinantes nesta quadra histórica e, também, à propagada ideia de empreendedorismo e de autonomia laboral, enfim.
Eis a opção política dos países centrais para o gerenciamento capitalista dos países periféricos, em especial daqueles integrantes do chamado Eixo Sul-Sul, no âmbito do qual, situam-se nações realmente muito
abastadas, quanto a recursos naturais e extensão territorial, produtoras,
como já se disse antes, de commodities minerais e agrícolas para o mercado global, como, p.ex., o petróleo, inclusive, o pré-sal, outros minerais e
variegados produtos agropecuários. E, nos lindes da divisão internacional
do trabalho, infere-se que a preciosidade dessas commodities devem ser
A reforma trabalhista... • 261
extraídas e/ou produzidas com base no trabalho precarizado, sendo o trabalho autônomo exclusivo, só mais um espectro da modalidade.
E, para robustecer essa tese, dados estatísticos de publicação
periódica recente (FORBES, 2018), demonstrando a concentração do
trabalho autônomo nas economias emergentes, ou subdesenvolvidas,
enquanto, ao mesmo tempo, nas nações desenvolvidas, a população economicamente ativa se assenta em postos de trabalho mais estáveis e com
direitos trabalhistas observados. O Brasil, por exemplo, em ranqueamento
de 2016, ocupa a terceira posição mundial, em número de trabalhadores
autônomos, com cerca de 32,9% (trinta e dois, vírgula nove por cento) de
sua população economicamente ativa, ao passo que, nos Estados Unidos,
apenas 6% (seis por cento) da população economicamente ativa assim se
apresenta (FORBES, 2018).
Outrossim, ao lado do trabalho terceirizado e do trabalho intermitente, o trabalho autônomo exclusivo também se presta à majoração da
exploração da mão de obra trabalhadora, representando intensificação do
trabalho, do ponto de vista quantitativo, porque esses trabalhadores não
se limitam a jornadas de trabalho de oito horas/dia, como, também, intensificação do trabalho qualitativo, porque, como pseudo empreendedores,
eles também buscam dar o melhor de si, para fidelizar o cliente.
Ainda, tal como as duas outras figuras citadas, o trabalho autônomo exclusivo também desestrutura a solidariedade operária, diferenciando e isolando parte da classe trabalhadora, de forma a dificultar o
natural reconhecimento entre os trabalhadores, no concernente a suas
dificuldades, modo de vida e condições de trabalho, reconhecimento esse,
responsável pelo gregarismo entre os mesmos e pelo desenvolvimento de
lutas coletivas e difusas, para a melhoria dos direitos trabalhistas.
A propósito, torna-se ao exemplo dos trabalhadores da indústria
calçadista, destacados do interior fabril, para serem alocados em bancas
próprias de trabalho, sejam formais, ou informais, nenhum deles congrega amiúde com os operários do “chão de fábrica”, digamos assim, situando-se separados da convivência e, até mesmo, isolados, com alguns,
dos quais, considerando-se empresários, enquanto outros se reconhecem
como obreiros precários e desamparados, sujeitos a condições de trabalho
opressoras e unilateralmente favorecedoras, apenas, dos seus tomadores
de serviço, a quem se submetem, quietos e sem reclamar.
262 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Finalmente, falta de higiene e de segurança do trabalho, assim
como a ocorrência de pequenos acidentes subnotificados também são
eventos corriqueiros nas bancas sapateiras autônomas, sem contar as
intercorrências previdenciárias, já que, pelas excessivas despesas para o
trabalho, seus obreiros deixam de contribuir para o regime geral de previdência, gerando, desde já, a expectativa de uma geração laboral, que, na
velhice, ficará ou desamparada, ou à mercê de benefícios estatais outros –
p. ex., o benefício assistencial da renda mensal vitalícia –, onerando toda
a sociedade.
6. Conclusão
Ex positis, revolve-se às introdutórias indagações, para dizer que,
oculta sob as formas parassubordinadas trabalho e sob o ideário do empreendedorismo, encontra-se a vetusta prática capitalista de dissimular-se
a si e se apresentar sob aparentes novas formas, no velho intuito de incrementar a exploração da força de trabalho humana, para elevar os patamares de mais valor e de realização do capital.
Entrementes, ainda que se apresente sob o rótulo do financeirismo globalizado e apátrida, ainda que se valha da robótica e da automação – diversa da autonomização aqui estudada –, o capitalismo, enquanto
modo de produção e reprodução socioeconômica, ainda assim, em sua
base atual, exige que se processe a mercadorização do trabalho humano, constitutivo de capital variável e, não, de capital fixo, tais como são
maquinarias e robôs. E essa exigência se opera, para fins da formação de
um mercado consumidor, imprescindível à realização do capital, conforme o ciclo de produção respectivo, descrito nas máximas marxianas d’O
Capital. Igualmente, o capitalismo não olvida certas práticas históricas e
intrísecas, de repetição inequívoca, como é o caso da formação do chamado exército de reserva, que se verifica no Brasil atual, ante o elevado
índice de desemprego e de informalidade laboral, para gerir, mediante
chantagem para com a classe trabalhadora, a formulação e a implantação
bem sucedida dessa nova legislação do trabalho, no bojo da qual, entre
tantas outras desproteções trabalhistas, encontra-se o trabalho autônomo
exclusivo.
E referenciada figura, por sua vez, nada mais traduz, senão, a representação de um trabalhador legislativamente precarizado e aviltado
A reforma trabalhista... • 263
em seus direitos e segurança jurídica, quando da venda de sua força de
trabalho, isto, sabe-se a mancheias, para o propósito elementar de elevação da lucratividade e, também, para o propósito de, em conjunto com a
terceirização e com o trabalho intermitente, seccionar a classe trabalhadora, diversificá-la aparentemente e desuni-la, com vistas ao favorecimento
da desconstrução dos direitos humanos fundamentais sociais.
Sem dúvida, a atual autonomização exposta para os trabalhadores brasileiros, na esteira dos modelos italiano e ibérico, nada mais
é, senão um processo tendencial de precarização estrutural do trabalho
(ANTUNES, 2013), não podendo, conseguintemente, ser encarada como
uma figura jurídica novel, mas, sim, de enquadramento na tradicional taxinomização da relação de emprego, conforme indicativo do Enunciado
52, da 2.ª Jornada da Anamatra, já citado.
Nessa linha, então, o importante é atuar combativamente, buscando destruir toda e qualquer tentativa doutrinária de reconfigurar o trabalho autônomo, para identificá-lo com o trabalho autônomo exclusivo,
este, já se viu, de nítida feição parassubordinada. E, no particular, é certo
que o trabalho parassubordinado contraria a ordem jurídica juslaboral
brasileira, inexistindo na mesma, onde todo trabalho prestado em favor
de outrem será ou autônomo genuíno, ou subordinado genuíno, com base
nas condições fáticas, independentemente do nomen iuris que se confira
ao liame contratual. Só e tão somente só.
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A reforma trabalhista... • 265
A CONTRATAÇÃO DO “AUTÔNOMO” DA “REFORMA”
THE HIRING OF THE “AUTONOMOUS” OF THE “REFORM”
Fabrício Máximo Ramalho1
Resumo: Sancionada em 13 de julho de 2017, vigente desde 11 de novembro
de 2017, a lei nº 13.467, que ficou conhecida como “reforma” trabalhista,
trouxe, entre tantos outros retrocessos nas relações laborais no Brasil, a possibilidade de contratação de uma pessoa que trabalha com exclusividade,
de forma contínua, mas que lhe seja afastada a qualidade de empregado
prevista no art. 3º da CLT. Tal personagem ganhou o apelido de “autônomo
exclusivo”. Nesse sentido, o presente artigo buscará apresentar uma breve
abordagem sobre alguns dos argumentos dos defensores da aprovação desta
lei em relação ao tema “contratação do autônomo”, denunciando quais foram os seus reais objetivos.
Palavras-chave: Contratação do autônomo; “Reforma” trabalhista;
Empregado; Relação de emprego.
Abstract: The law Nº. 13,467, which became known as labor “reform”, was
enacted on July 13, 2017, effective November 11, 2017, and among other
setbacks in labor relations in Brazil, brought the possibility of hiring person
1
Advogado. Bacharel em Direito pela Faculdade Zumbi dos Palmares (2009-2013).
Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera-UNIDERP
(2014-2015) e em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da USP (2016-2017).
Pós-Graduando em Economia do Trabalho e Sindicalismo pelo Instituto de Economia
da UNICAMP (2018-2019). Membro do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital - GPTC
(2016-2019) da Faculdade de Direito da USP, São Paulo/SP, Brasil. E-mail: fabriciomax2@
gmail.com.
In: ANTUNES, Daniela Muradas; NICOLI, Pedro Augusto Gravatá; RODARTE, Wanessa
Susan de Oliveira (org.).A reforma trabalhista e o direito individual do trabalho: dos
retrocessos às resistências. 1ª edição. Belo Horizonte: Initia Via, 2019 (Anais do IV
Encontro da RENAPEDTS, vol. 2). ISBN: 978-85-9547-079-8. DOI: 10.17931/95470798/
v2a12.
266 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
who works with exclusivity, continuously, but without having the status of
employee provided for in art. 3 of the CLT. Such a character earned the
nickname “exclusive autonomous.” In this sense, the present article will seek
to present a brief approach on some of the arguments of the proponents of
the approval of this law in relation to the topic “hiring the autonomous”,
denouncing their real objectives.
Keywords: Autonomous
Employment relationship.
contracting;
Labor
“reform”;
Employee;
*
1. Introdução
Sancionada em 13 de julho de 2017, vigente desde 11 de novembro de 2017, a lei nº 13.467, ficou conhecida como a “reforma” trabalhista.
Para que tal lei fosse aprovada, seus defensores chegaram a prometer que ela
“contribuirá para gerar mais empregos formais e para movimentar a economia”. Alegou-se que havia muita rigidez na CLT, o que deixava “à margem
da cobertura legal uma parcela imensa de trabalhadores, em especial, os
desempregados e o trabalhadores submetidos ao trabalho informal”.2
Chama a atenção o fato de que não há qualquer evidência de que o
mero advento de uma lei seja responsável pela geração de empregos.
Em outro trecho do PL 6.787/2016 houve uma perversa afirmação
que culpava os próprios trabalhadores pelo desemprego, pois existiriam “os
que têm tudo – emprego, salário, direitos trabalhistas e previdenciários – e
os que nada têm – os informais e os desempregados”.
Trata-se de uma manifestação de ideias trazidas pelos chamados
“Novos Keynesianos”, os quais, ao explicar as “formas de rigidez dos salários”, citando os modelos de “barganha salarial” (insiders versus outsiders),
alegam que quando os trabalhadores organizados com seus sindicatos pressionam os empresários por aumentos de salários, mantendo-os acima do
nível compatível com desemprego zero, eles causariam desemprego no resto
da economia, como bem pontuado por FERREIRA (2014, p. 4). Os trabaConforme constou no relatório do projeto de lei nº 6.787, de 2016, assinado pelo relator,
deputado federal Rogério Marinho (PSDB/RN).
2
A reforma trabalhista... • 267
lhadores já empregados e sindicalizados (os insiders) ganhariam às custas
dos que estão à margem do mercado de trabalho (os outsiders). Um dos
equívocos dos “Novos Keynesianos” (e, bem assim dizer, daqueles que defenderam com unhas e dentes a “reforma” trabalhista) é acreditar que explicação da existência de desemprego centra-se ao âmbito do mercado de
trabalho. Não analisam outros mercados nos quais os capitalistas tomam
suas decisões de investimento, olvidando-se que o desemprego involuntário decorre da própria natureza da economia capitalista. (FERREIRA, 2014,
p. 2; 4-5)
Mais perversa ainda, e até mesmo contradizendo parte dos próprios desejos dos defensores da “reforma” trabalhista, é, entre tantos outros retrocessos nas relações laborais no Brasil agora “legitimados” pela lei
13.467/2017, a possibilidade de contratar uma pessoa que trabalha com exclusividade, de forma contínua, sem que esta tenha a qualidade de empregado prevista no art. 3º da CLT.
Tal personagem, formal, prevista agora no art. 442-B da CLT, recebeu os apelidos de “autônomo exclusivo”, “autônomo contínuo”, “autônomo
permanente”, entre outros.
Pretende-se fazer uma breve análise de tal figura criada pelo atual
governo golpista, apontando a inconsistência do discurso registrado para a
aprovação da “reforma” trabalhista, bem como o verdadeiro objetivo de tal
criação.
2. Algumas considerações sobre a relação de emprego e o
trabalho autônomo
O capitalismo, desde o século XIX, foi bastante contestado, sofrendo críticas sobre sua estrutura e dinâmica de operação, em face da enorme
desigualdade social que propiciava. Parte dessas críticas teve conteúdo e objetivos revolucionários, propondo a superação do próprio sistema, enquanto outras críticas seguiram uma linha meramente reformista da sociedade e
economia então vigentes. Ambas convergiram em torno da essencialidade
do valor-trabalho, de tal modo que tal convergência encontraria no século XX seu momento ideal de realização. O pensamento crítico radical do
capitalismo, formulado a partir do século XIX, tendo, em Marx e Engels,
sua principal base teórica, encontrou-se, no século XX, com vertentes reformistas desse sistema socioeconômico, que angariaram forte prestígio após a
268 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
brutal crise de 1929, tendo em John Maynard Keynes a base teórica importante dessas vertentes, ao menos no plano da economia, como bem relatado
por DELGADO (2015, p. 30).
Nas décadas seguintes, arquitetou-se o chamado Estado de bem-estar social, que iria se constituir no ponto máximo de distribuição renda
e poder já vivenciado pelo sistema capitalista desde suas origens. A matriz
cultural, então consolidada neste período, teve como um de seus postulados
fundamentais o primado do trabalho na sociedade capitalista. A centralidade do trabalho – e, em especial, sua forma mais articulada e comum no capitalismo, o emprego – tornou-se o epicentro de organização da vida social
e da economia, um dos instrumentos mais relevantes de afirmação do ser
humano, no plano de sua própria individualidade, de sua inserção familiar,
social e econômica (DELGADO, 2015, p. 31).
Nesse passo, por meio da centralidade do trabalho e do emprego, a
nova matriz cultural submetia a dinâmica econômica do capitalismo a certa
função social, ao mesmo tempo que restringia as tendências autofágicas,
destrutivas, irracionais e desigualitárias que a história comprovou serem
inerentes ao dinamismo normal desse sistema econômico. Detectou-se que
o emprego – qual seja: o trabalho regulado, submetido a um feixe jurídico
de proteções e garantias expressivas – por ser assecuratório de certo patamar de garantias ao ser humano, constitui-se no mais importante veículo
de afirmação socioeconômica da maioria dos indivíduos na sociedade capitalista, sendo, desse modo, o mais relevante instrumento de afirmação da
democracia na vida social (DELGADO, 2015, p. 31).
O emprego assalariado formal, segundo POCHMANN (2002, p.
98), representa o que de melhor capitalismo brasileiro tem constituído para
a sua classe trabalhadora, pois vem acompanhado de um conjunto de normas de proteção social e trabalhista.
A relação de emprego é a prestação de serviços do empregado para
o empregador, a exploração da força de trabalho no sistema capitalista de
uma forma determinada. A relação de emprego é composta, pela majoritária doutrina trabalhista, por 5 elementos (pressupostos3 ou elementos fáticos-jurídicos4), tratando-se de um trabalho realizado: 1º) por pessoa física
(natural); 2º) com pessoalidade; 3º) não eventualmente; 4º) com subordinação; e 5º) com onerosidade. Esses elementos ocorrem no mundo dos fatos,
3
4
Nomenclatura adotada por Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena.
Nomenclatura adotada por Mauricio Godinho Delgado.
A reforma trabalhista... • 269
existindo independentemente do Direito, por isso elementos fáticos. Porém,
em face de sua relevância sociojurídica, estes elementos são captados pelo
Direito, que lhes confere efeitos compatíveis. Não são criação jurídica,
mas simples reconhecimento pelo Direito de realidades fáticas relevantes
(DELGADO, 2017, p. 314).
A centralidade do emprego no capitalismo passou a ser severamente fustigada, sobretudo na década de 1970, com o recrudescimento da
corrente ultraliberal de análise e conformação da economia, da sociedade
e do Estado, segundo as versões capitaneadas por Friedrich Hayek, Milton
Friedman e subsequentes divulgadores.
Falando do Brasil, foi possível perceber um movimento de retrocesso no campo legislativo trabalhista já a partir do golpe de 1964. Conforme
histórico realizado por (SOUTO MAIOR, 2017, p. 543), com a eclosão do
golpe de 1964, a atuação legislativa do governo, visando atender aos ditames
de uma política econômica de cunho liberal, pensada por Roberto Campos
e requerida pelo capital internacional, passou a repercutir na construção
teórica do Direito do Trabalho, o que se verificou sobretudo nos debates
travados acerca da criação do FGTS, que buscava eliminar a estabilidade
no emprego.
Atualmente, no Brasil, há um certo enaltecimento do chamado “empreendedorismo”, do trabalho prestado pelos MEIs (Micro Empreendedores
Individuais), PJs (Pessoas Jurídicas) etc. As palavras de ordem têm sido
“modernidade”, “novas tendências”, “novos paradigmas” etc., meras estratégias de liberar o capital dos limites que lhe foram impostos pelo Direito
Social.
Segundo SOUTO MAIOR, os tais “empreendedores” são na verdade pequena parcela da classe média burguesa, que possui uma qualificação
diferenciada que lhes permite desenvolver uma atividade por conta própria,
o que, afinal, é uma aspiração natural no contexto da sociedade capitalista,
citando as explicações da jurista italiana SANSEVERINO.
Esses “empreendedores” abandonam a condição de empregados,
pela qual vendiam a sua força de trabalho, para explorarem, sem
intermediários, as suas potencialidades de trabalho, usufruindo, livremente, junto ao mercado consumidor, o proveito econômico de
seu trabalho. Tornam-se autônomos, mas, não raro, para incremento
de sua atividade, acabam utilizando mão-de-obra alheia, passando a
270 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
ostentar, eles próprios, a condição de empregadores, conforme também esclarece Riva Sanseverino [...]
O empreendedor, verdadeiramente autônomo, deixa de ser empregado, mas ele próprio cria outros empregados, isto sem falar, por
óbvio, da situação em que o próprio “empreendedor” apenas ostenta, formalmente, tal condição, sendo, na verdade, um empregado.
(SOUTO MAIOR, 2007, p. 20-21)
Ao fazer uma distinção do trabalho subordinado e do autônomo,
SANSEVERINO descreve o seguinte:
Havendo atividade produtiva organizada em forma de empresa, o
seu titular há de servir-se de mão-de-obra alheia, que sendo destituída de capacidade técnica e econômica para assumir riscos, coloca
à disposição de outrem esses serviços, livrando-se, assim, dos referidos riscos. A presença de massas de trabalhadores subordinados
atende, às exigências da técnica produtiva e do seu natural progresso
e, a seu turno, o trabalhador autônomo e, também com maior razão,
o empresário representam, em certo sentido, o resultado de seleção
natural na luta pela vida.
Por outro lado, na evolução da história, o trabalho demonstra certa tendência a se tornar autônomo. De fato, o evolver da civilização
exerce influência direta sobre o desenvolvimento da personalidade,
também sob o aspecto de suas manifestações econômicas, tanto
que, ao lado das grandes empresas concentradas, existem as pequenas e médias, hoje, em grande número, e representam muitos países, como na Itália, o núcleo central da economia do país. De igual
modo, ao lado da tendência da economia política que divisa o futuro
no desfrute ao máximo do progresso técnico – o qual somente pode
ser realizado por meio de grandes empresas – outras tendências se
manifestam contrárias concentração da atividade econômica, e consideram preferível seja dado impulso às médias e pequenas empresas. O incremento do artesanato e o fracionamento do latifúndio
constituem realizações práticas desta última tendência.
Todavia, também as médias e pequenas empresas necessitam, sempre, de trabalhadores subordinados, e, malgrado o grande desenvolvimento da civilização e do individualismo, haverá sempre uma parte respeitável de trabalhadores que prefere, ou a isso é constrangida,
a não suportar os riscos inerentes ao trabalho autônomo, optando
pelo serviço prestado a outrem. (SANSEVERINO, 1976, p. 56-57)
A reforma trabalhista... • 271
Ela resume a autonomia na auto-organização do trabalho, além do
risco e do resultado. Nas suas palavras: “Autonomia do trabalhador significa
que a organização do trabalho concentra-se nele”. O trabalho deve separar-se do exercício da empresa. O trabalhador autônomo executa a obra ou
o serviço com trabalho predominantemente próprio, ao passo que o empresário é, sobretudo, um organizador do trabalho alheio, e “exercita como
profissional” uma atividade econômica organizada visando à produção ou à
troca e bens e serviços. (SANSEVERINO, 1976, p. 52-53)
Para LICATA, autor também italiano: “Autônomo é o trabalhador
que desenvolve sua atividade com organização própria, iniciativa e discricionariedade, além da escolha do lugar, do modo, do tempo e da forma de
execução”, conforme apontado por VILHENA (2005, p. 532).
A questão que se pode fazer é: teria ou deveria ter tais características, o tal “autônomo” projetado pelos defensores da “reforma” trabalhista?
3. A empresa que contrata o “autônomo” com exclusividade,
de forma contínua
O art. 442-B da CLT, inserido pela Lei 13.467, de 13/07/2017, assim estabelece: “A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as
formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não,
afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º desta Consolidação”.
A CLT, no seu art. 3°, conceitua o empregado nos seguintes termos:
“Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.
O art. 2° da CLT conceitua o empregador como a empresa, nos seguintes
termos: “Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que,
assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a
prestação pessoal de serviço”.
O legislador reformista, ao fazer tal inserção na CLT, pretendeu
permitir que a empresa (o empregador) possa contratar o “autônomo”, que
não terá a qualidade de empregado, não obstante exista a exclusividade e a
continuidade em tal contratação.
Tais requisitos, o da exclusividade e o da continuidade, vale frisar,
são importantíssimos para o desenvolvimento das atividades empresariais.
Em Dissertação apresentada à Faculdade Nacional de Direito da
Universidade do Brasil para provimento da Cadeira de Direito do Trabalho,
272 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
tratando do que se convencionou chamar teoria da empresa, MORAES
FILHO (1957, p. 180-181) concluiu que a empresa é “a organização do trabalho alheio, sob o regime de subordinação hierárquica, tendo em vista a
produção de determinado bem econômico”. “A maior ou menor complexidade da organização não a desnatura”, continua o autor, “sejam quais forem
o volume e a importância do conjunto de coisas e pessoas, de bens materiais
ou imateriais, necessários à sua consecução, ao pleno êxito dos seus propósitos”, já que o “que importa sempre é esta diferenciação social mínima,
entre direção e execução, com o objetivo de produzir para o mercado”.
SOUTO MAIOR (2008, p. 124; 127-128) informa que não se deve
ter medo de adotar a definição legal no sentido de ser a empresa o ente
empregador: “Verdade que a relação de emprego forma-se, também, fora
do âmbito de uma atividade empresarial, mas é nesta que, em geral, as relações entre o capital e o trabalho se reproduzem”. Para este autor, a empresa,
no sentido jurídico, trata-se de uma atividade, um empreendimento, que
possui caráter econômico, exigindo capital e visualizando lucro (ou um fim
específico, com relevância econômica), que se instaura de forma organizada e hierárquica, fazendo pressupor, portanto, exploração de mão-de-obra
alheia, que se exerce por um empresário profissional (pessoa física) ou uma
sociedade empresarial (pessoa jurídica), e cujas finalidades atingem-se com
a produção ou a circulação de bens ou serviços. O tratamento da empresa,
sob a perspectiva do Direito do Trabalho, é o de, simplesmente, evitar que
os arranjos societários e empresariais representem uma fórmula mágica
para se negar a efetividade aos direitos trabalhistas. Assim, será a empresa
o empregador daqueles que se inserem em seu contexto, prestando serviços
de forma não eventual, subordinada e remunerada.
Assim, a constatação de que a empresa é o ente empregador traz
grande repercussão prática, na medida em que vincula os interesses do empregado, diretamente, à empresa, entendida no seu contexto mais amplo:
capital, atividade, empresário e estabelecimento, conforme destaca SOUTO
MAIOR. Esse conjunto de bens se liga ao empregado, em razão do trabalho que este exerce em prol do empreendimento, gerando consequências
importantes:
1ª) a de que esses bens são as garantias naturais do cumprimento
das obrigações trabalhistas que decorrem da exploração do trabalho
alheio;
A reforma trabalhista... • 273
2ª) a de que o empresário (ou administrador) não pode subordinar
o empregado numa perspectiva particular, mas somente dentro do
contexto da necessidade empresarial (os comandos sobre o empregado devem ser sempre motivados, inserindo-se nesse contexto a própria manifestação de vontade da cessação do vínculo empregatício);
3ª) a de que o empregado, tanto quanto o empresário, inserem-se na
atividade empresarial, passando a integrar-lhe de forma essencial e
com igual importância; e
4ª) a de que a vinculação jurídica do trabalho ao capital passará por
cima de todas as fórmulas jurídicas que buscam obscurecer esta
vinculação, que não será uma vinculação direta, pessoal, determinada pela subordinação hierárquica, mas pela inserção do trabalho
no contexto (cadeia) da reprodução econômica. (SOUTO MAIOR,
2008, p. 128)
A possibilidade de contratar alguém que trabalhe com exclusividade e de forma contínua, portanto, é de extrema valia para a empresa
contratante, já que ela necessita de previsibilidade no desempenho de sua
atividade.
Nesse sentido, tratando da direção da prestação de serviços conferida ao empregador, VILHENA (2005, p. 258-259) informa que: “A organização e a coordenação constituem-se, via de regra, de atitudes impessoalmente dirigidas e dizem respeito às linhas gerais do desenvolvimento da
atividade empresária”. “A substância da vida empresária”, explica o jurista,
“não se explica sem previsão, e previsão significa a garantia dos meios com
que conta ou de que necessita a empresa para manter e regular marcha seus
negócios e sua atividade” .
Insiste-se: o poder diretivo revela-se pela natureza objetiva do vínculo, através do qual o empregador conta de modo permanente e até
virtualmente com a atividade-trabalho daquela pessoa que participa
da atividade da empresa.
O poder diretivo não se detém, em sua qualificação jurídica, portanto, apenas no comando, no controle, na coordenação e na organização dos fatores
da produção. Estende-se a todos aqueles atos de previsão que, sobre o trabalho de outrem, implica em garantia dos meios de manter-se a regular a
atividade do processo produtivo ou de troca de bens e serviços.
Sob o prisma geral da estrutura e da dinâmica empresárias, o poder diretivo
compreende a efetiva e a potencial disponibilidade dos meios de produção e
neles está, certamente, incluída a atividade-trabalho de outrem.
274 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
[...]
A ordem jurídica, ao reconhecer poder diretivo do empregador e ao tutelá-lo, nada mais fez do que assegurar-lhe os meios do regular desenvolvimento de sua atividade.
Esse poder é, antes de tudo, poder-função: atividade sobre atividade. Em
seguida, é teleológico: visa a fins, como a regular prestação de trabalho e a
garantia de sua continuidade. (VILHENA, 2005 p. 259-262)
Assumir a existência da relação de emprego é de interesse não só do
trabalhador, mas também da empresa:
Nesse sentido, ademais, assumir a existência da relação de emprego
em uma dada a relação de trabalho é de interesse igualmente na empresa, pois que esta necessita ter uma previsão da conduta que espera
do trabalhador. Não é possível formar-se um sistema de produção
capitalista sem uma previsão desta natureza. Não é possível, por
exemplo, ter um restaurante e não saber, de antemão, se o cozinheiro
vai, ou não, comparecer para trabalhar. Se o restaurante o considera
um trabalhador autônomo, ele vai trabalhar se quiser, até porque só
recebe se trabalhar. Por outro lado, se o restaurante considera, como
deve, aliás, que o cozinheiro é seu empregado, estabiliza-se a relação
e, então, poderá contar com obrigação do cozinheiro de comparecer,
sendo que o descumprimento de uma obrigação gera conseqüências
em sua órbita jurídica, tais como, por exemplo, o desconto do salário
pela falta ao serviço e à perda de outros direitos conforme o caso
(DSR, férias etc.) (SOUTO MAIOR, 2008, p. 50)
A continuidade e a exclusividade na contratação do “autônomo” da
“reforma” trabalhista revelam, assim, que a empresa que o contrata possui
necessidade permanente da mão de obra para o seu empreendimento.
E o legislador reformista quer nos fazer acreditar que tal contrato
não corresponderia à relação de emprego.
3. Conhecendo o “autônomo” da “reforma”
A lei 13.467, de 13/07/2017 – a malfadada “reforma” trabalhista –
introduziu na CLT o art. 442-B, dispondo, como já mencionado, que a contratação do “autônomo”, cumpridas por este todas as formalidades legais,
A reforma trabalhista... • 275
com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de
empregado prevista no art. 3º da CLT.
A lei não especificou quais seriam as tais “formalidade legais” que
fariam deste trabalhador um autônomo e não um empregado. E mais: criou
um requisito – a exclusividade – que, além de não existir para o trabalhador
subordinado, faz menos sentido para o trabalhador autônomo, visto que este
teria, em tese, autonomia para realizar contratos com outros contratantes.
O recado principal no dispositivo legal, contudo, foi dado: que ele,
o trabalhador (“autônomo”) apenas não tenha a qualidade de empregado.
Analisemos algumas das justificativas dos defensores da “reforma”
trabalhista para a criação desta figura:
A proposição também altera o art. 442-B da CLT proposta pelo PLC,
que prevê que o autônomo não é empregado da empresa, ainda que
preste serviços de forma exclusiva e contínua. Alguns setores da economia necessitam dessa previsão, como o de transporte de cargas,
em que milhares de motoristas prestam serviço a empresas preservando sua condição de autônomo. O dispositivo não afasta a competência da Justiça do Trabalho para determinar o vínculo de “falsos
autônomos” em caso de fraude.
Assim, a mudança tem o potencial de reduzir a insegurança jurídica
e ampliar oportunidades e formalização de autônomos, sem precarização. [...]
Adicionalmente, a Constituição prevê como um dos princípios da
ordem econômica o tratamento favorecido para empresas de pequeno porte, conforme o art. 170, inciso IX. O trabalho autônomo é o
germe das micro e pequenas empresas, de modo que sua atuação
deve ser estimulada, e não inviabilizada sob a permanente ameaça
de qualificar-se como vínculo empregatício qualquer relação estabelecida com profissionais autônomos5.
Em tais justificativas demonstra-se que o tal “autônomo” oscilaria
entre ser um quase empregado e um quase empregador. Fez-se questão de
enfatizar que ele “não é empregado da empresa, ainda que preste serviços
de forma exclusiva e contínua” e que ele representa “o germe das micro e
pequenas empresas”.
Conforme constou no relatório do projeto de lei da câmara nº 38, de 2017, assinado pelo
relator, senador Ricardo Ferraço (PSDB/ES).
5
276 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
As justificativas de que “o autônomo não é empregado da empresa,
ainda que preste serviços de forma exclusiva e contínua” e que alguns “setores da economia necessitam dessa previsão, como o de transporte de cargas,
em que milhares de motoristas prestam serviço a empresas preservando sua
condição de autônomo” desmascara parte das intenções do legislador reformista. E o exemplo citado, do setor de transporte de cargas, não poderia ser
melhor. Ou pior, a depender de qual for o ponto de vista.
Em pouco menos de 1 ano após a aprovação da Lei 13.467/2017,
houve uma forte paralisação das atividades de transporte de mercadorias,
a greve dos caminhoneiros. Em artigo de publicado por FILGUEIRAS e
KREIN, ainda em meio à greve, os autores apontaram que não obstante os
debates relacionados ao movimento estivessem focando os preços dos combustíveis e a gestão da Petrobrás, o que é relevante, algo essencial que não
aparecia nas discussões era a forma de regulação do trabalho no transporte
rodoviário de cargas, uma raiz da crise.
O modo como muitas empresas organizam os trabalhadores que
transportam as mercadorias é muito interessante para os seus negócios sob diferentes aspectos, dentre eles, a tendência a externalizar
os conflitos distributivos inerentes à produção baseada no trabalho
assalariado.
Ao invés de contratar trabalhadores formalmente como empregados, empresas que distribuem suas mercadorias ou aquelas especializadas em transporte de carga contratam centenas de milhares de
motoristas como se fossem autônomos (via pessoa física ou jurídica). Essa estratégia não é exclusividade do setor, nem se restringe ao
Brasil. Pelo contrário, é um expediente que tem se expandido em
várias atividades e em diversas partes do mundo. No nosso país, com
a crise do emprego nos últimos anos, essa forma de contratação tem
crescido no conjunto do mercado de trabalho.
Não se pode confundir o verdadeiro trabalhador autônomo, aquele não
submetido ao arbítrio alheio, com a estratégia de contratação na qual as empresas não admitem sua condição de empregadoras. Motorista autônomo,
de fato, é aquele que presta serviços para diferentes clientes, sem depender,
nem estar subordinado, a nenhum deles. Por exemplo, autônomo é aquele
motorista para o qual você liga uma vez para fazer o carreto de sua geladeira.
Existem muitos trabalhadores com esse perfil, mas eles não são a maioria,
nem os protagonistas do transporte de cargas no Brasil. (FILGUEIRAS;
KREIN, 2018)
A reforma trabalhista... • 277
Destacaram os articulistas que quem dita a dinâmica do setor são
as empresas, sejam elas donas das cargas ou firmas especializadas no próprio transporte, contratando e gerindo centenas de milhares de trabalhadores para realizar as atividades de distribuição, sendo comum motoristas
supostamente autônomos (muitas vezes contratados como pessoas jurídicas) trabalharem sempre para a mesma empresa e com exclusividade, em
horário e com preços de frete unilateralmente impostos pela contratante.
O pagamento desses motoristas depende exclusivamente do número de fretes realizados, e seu trabalho é meticulosamente monitorado por satélite/
GPS. As empresas também dirigem as atividades impondo prazos exíguos e
multas para atrasos. Em suma, há uma série de evidências da completa falta
de autonomia desses “autônomos”.
É possível ter uma ideia da dimensão da gestão do trabalho via contratação de motoristas sem formalização do vínculo de emprego por
meio de dados das Fiscalizações do Ministério do Trabalho. Para
ilustrar, em 2012, auditorias em apenas 9 empresas de transporte de
carga identificaram que 92.654 motoristas de caminhão trabalharam
como empregados sem carteira assinada, sendo irregularmente contratados como “autônomos” pessoas físicas ou vinculados a 20.458
pessoas jurídicas terceirizadas.
Ao contratar motoristas sem admitir sua condição de empregadoras, as empresas não cumprem nenhum direito trabalhista. Assim,
tornam a vida desses trabalhadores completamente inseguras, sem
sequer uma renda mínima (um salário básico) para sobreviver. O
frete, que, de fato, constitui o salário desses trabalhadores, costuma
não obedecer qualquer parâmetro mínimo. Também não há descanso remunerado, férias, etc.
O motorista se sente completamente dependente da execução de
cada serviço, e por isso tende a trabalhar mais e descansar menos.
[...]
A questão, do ponto de vista da gestão do trabalho, é que o trabalhador contratado como autônomo tende a ser ainda mais subordinado
à empresa, pois sua relação é completamente precária e cada frete
pode ser o último.
Mas não para por aí. À negação dos direitos trabalhistas se soma a
transferência dos custos dos insumos (combustível, pneus, manutenção, etc.) aos trabalhadores ditos autônomos. Desse modo, além
de não ter renda certa, os motoristas têm que cobrir os custos inerentes à atividade, radicalizando sua insegurança. As empresas gas-
278 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
tam menos, correm menos risco e têm um trabalhador ainda mais
dócil laborando em seu benefício.(FILGUEIRAS; KREIN, 2018)
Vale registrar aqui, também, uma decisão liminar monocrática na
Ação Direta de Constitucionalidade nº 48, em que o ministro do STF Luís
Roberto Barroso suspendeu todas as ações que envolvem a aplicação da Lei
nº 11.442/2007, que regula o Transporte Rodoviário de Cargas e prevê a
possibilidade de contratação do denominado Transportador Autônomo
de Cargas (TAC) por Empresa de Transporte Rodoviário de Cargas (ETC).
CARELLI denuncia tal decisão, que é, nas suas palavras “de gravidade
ímpar”:
Entre outros problemas, em descompasso com a doutrina mundial
e a jurisprudência dos países civilizados, ela simplesmente, de forma
atécnica, inverte toda a lógica do Direito do Trabalho, podendo causar efeitos que vão muito além do caso de transportadores de carga.
O ministro inicia sua decisão dizendo que a citada lei regulamentou a contratação de transportadores autônomos pelas empresas,
permitindo a terceirização na atividade-fim e, aqui, incorrendo no
primeiro erro, afirmou que o dispositivo legal “afastou a configuração de vínculo de emprego nessa hipótese.” O ministro, no corpo
da decisão, passa então a um exercício kafkiano de analisar os elementos da relação de emprego na norma em tese, para dizer que,
em relação a transportador autônomo, seja na categoria agregado ou
independente, não estão presentes os requisitos da relação de emprego. (CARELLI, 2018)
Enfatiza CARELLI que o Direito do Trabalho é construído, em
todo o mundo, com base no Princípio da Primazia da Realidade sobre a
forma, estando previsto no art. 9º da Recomendação nº 198 da Organização
Internacional do Trabalho que a determinação da existência de tal relação
deve ser guiada primeiramente pelos fatos relacionados com o tipo de trabalho e a remuneração do trabalhador, não resistindo como a relação é caracterizada em qualquer acordo contrário, contratual ou que possa ter sido
acordado entre as partes.
Esse dispositivo está previsto expressamente no art. 9º da
Consolidação das Leis do Trabalho. Assim, não há afastamento prévio da existência de relação de emprego na assinatura ou previsão
A reforma trabalhista... • 279
legal de qualquer outra forma contratual: caso se encontrem, na
realidade, presentes os requisitos da relação de emprego, essa relação prevalecerá, não importando o que esteja escrito no contrato ou
disposto em lei sobre outra forma de contratação. Isso é de grande
obviedade: só existe uma fraude a um tipo de contrato se esse contrato for existente de forma lícita. A fraude é justamente o disfarce
em outro tipo de contrato, legalmente previsto, para ocultar a sua
verdadeira natureza para fins de burla à lei. É o que a Organização
Internacional do Trabalho chama de “relações de trabalho disfarçadas” (art. 4, b, Recomendação nº 198). Você só se disfarça de algo se
esse algo existir.
Como ocorre todos os dias na Justiça do Trabalho, em cada ação é
verificada se a forma contratual aplicada corresponde à realidade, a
partir dos elementos da relação de emprego em concreto. Analisa-se
se os fatos correspondem ao contrato e não o nome ou os elementos
formais do contrato. O contrato de trabalho, como diz a máxima, é
contrato-realidade. Ou seja, a presunção de validade de um contrato
de trabalho é sempre relativa, jamais pode ser absoluta.
E assim se dá em todo o mundo, em sentido completamente oposto
ao decidido pelo ministro Barroso (CARELLI, 2018).
Conforme constou no relatório do PLC 38/2017, o dispositivo que
trouxe a figura do “autônomo exclusivo” não afasta a competência da Justiça
do Trabalho para determinar o vínculo de “falsos autônomos” em caso de
fraude. Ao indicarem que existem os “falsos autônomos”, os defensores da
“reforma” trabalhista reconhecem que existem os “verdadeiros autônomos”.
Questiona-se: quem é o “autônomo” da “reforma” trabalhista?
Em Projeto de Pesquisa do CESIT – Centro de Estudos Sindicais
e de Economia do Trabalho – em que foram apresentados subsídios para
a discussão sobre a reforma trabalhista no Brasil, no Texto de Discussão nº
1, onde foram investigadas experiências internacionais, verificou-se – para
citar aqui apenas um dos países que tiveram reforma semelhante nos últimos anos – que na Espanha é “crescente a preocupação com a utilização
dos contratos de trabalho autônomos, que parecem estar sendo utilizados
para substituir os contratos de trabalho regulares; ou seja, o falso autônomo”. Neste país, estima-se que 13% dos autônomos trabalham quase que
exclusivamente para um empregador, caracterizando o que também pode
ser chamado de “falso-autônomo”. Tal transformação – de uma relação de
trabalho para uma relação mercantil – traz implicações, como modificações
280 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
na proteção social, férias remuneradas e benefícios como o seguro desemprego (SALAS; PERNÍAS, 2017, p. 9-11).
No Brasil, a situação não é muito diferente, como já não é há um
bom tempo. Existem os assalariados disfarçados. Em pesquisa realizada no
início dos anos 1980, CACCIAMALI já havia registrado o seguinte:
Destaca-se que alguns trabalhadores que, aparentemente, podem ser considerados conta própria estão, de fato, vinculados a um único empregador.
É o caso de vendedores ambulantes (cachorro quente, sorvete etc.), vendedores de maior qualificação (máquinas, seguro-saúde, imóveis, costureiras
a domicílio, coladores de plásticos sub-contratados por firmas etc.). Estes
casos são considerados (neste trabalho) como assalariados disfarçados optando-se pela categorização desses trabalhadores nas subcategorias correspondentes em assalariados. (CACCIAMALI1982, 1982, p. 70)
Uma prática que já está consolidada no mercado de trabalho brasileiro é a utilização do trabalho autônomo como parte da estratégia utilizada
por empregadores, geralmente em uma relação triangular, para viabilizar
uma redução de custos e permitir rápidos ajustes ao ambiente das atuais
transformações econômicas e de reestruturação da produção de bens e serviços, segundo KREIN (2007, p. 179).
Tratando daquilo que pode ser considerado como uma relação de
emprego disfarçada, KREIN aponta que, do ponto de vista das relações de
trabalho, uma novidade é a crescente subsunção da atividade de parte dos
autônomos à dinâmica de reorganização e valorização do capital, na perspectiva de propiciar uma maior flexibilização do mercado de trabalho.
Nesse sentido, o “autônomo perde a sua autonomia”, e o seu trabalho passa
a ser ditado por quem o contrata, tornando-se um trabalhador por conta
alheia. É isso que caracterizamos como relação de emprego disfarçada no
trabalho autônomo. O autônomo é, nesse caso, um proletarizado, ao ficar
subordinado, mesmo sendo dono do seu instrumento do trabalho ou sendo um profissional especializado que não está contratado como assalariado.
(KREIN, 2007, p. 179)
Em Revista publicada logo após a aprovação da lei 13.467/2017
pelo Instituto de Economia da UNICAMP e pelo CESIT, há críticas contundentes ao “autônomo” da “reforma”, demonstrando uma das incoerências já
mencionadas quanto à criação de empregos:
A reforma trabalhista... • 281
[...] o projeto recém-aprovado introduz um artigo (Art. 442-B) para
afirmar que a contratação de trabalhador supostamente autônomo,
cumpridas as formalidades legais, “com ou sem exclusividade, de
forma contínua ou não”, afasta a qualidade de empregado. A inclusão desse artigo pode ser compreendida como a legalização da pejotização do trabalhador e a legalização da eliminação de todos os
direitos garantidos pela CLT. Esse artigo busca restringir o conceito
de empregado, o que implica, de fato, excluir um vasto contingente
da classe trabalhadora da proteção do direito trabalhista, possibilitando que qualquer trabalhador se torne uma pessoa autônoma,
independentemente de sua dedicação e assiduidade. Os pilares que
estruturam o reconhecimento de vínculo empregatício são assim
eliminados, o que torna cabível a pergunta: para que registrar um
trabalhador se é legal contratá-lo como autônomo? (GALVÃO et al.,
2017, p. 47-48)
Com tal dispositivo legal, a “reforma” possibilita uma séria desestruturação do mercado de trabalho formal, na medida em que trabalhadores que hoje são contratados pela CLT, ou seja, que são empregados, têm
diante de si a perspectiva da demissão e de sua transformação em trabalhadores autônomos, o que inclusive acarretará queda na arrecadação das
contribuições previdenciárias (GALVÃO et al., 2017, p. 48).
Na tentativa de corrigir dispositivos da “reforma” trabalhista, o governo golpista Temer editou a medida provisória nº 808, em 14/11/2017,
acrescentando ao art. 442-B da CLT os seguintes parágrafos:
§ 1º É vedada a celebração de cláusula de exclusividade no contrato
previsto no caput.
§ 2º Não caracteriza a qualidade de empregado prevista no art. 3º
o fato de o autônomo prestar serviços a apenas um tomador de
serviços.
§ 3º O autônomo poderá prestar serviços de qualquer natureza a outros tomadores de serviços que exerçam ou não a mesma atividade
econômica, sob qualquer modalidade de contrato de trabalho, inclusive como autônomo.
§ 4º Fica garantida ao autônomo a possibilidade de recusa de realizar atividade demandada pelo contratante, garantida a aplicação de
cláusula de penalidade prevista em contrato.
§ 5º Motoristas, representantes comerciais, corretores de imóveis,
parceiros, e trabalhadores de outras categorias profissionais regula-
282 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
das por leis específicas relacionadas a atividades compatíveis com
o contrato autônomo, desde que cumpridos os requisitos do caput,
não possuirão a qualidade de empregado prevista o art. 3º.
§ 6º Presente a subordinação jurídica, será reconhecido o vínculo
empregatício.
§ 7º O disposto no caput se aplica ao autônomo, ainda que exerça
atividade relacionada ao negócio da empresa contratante.
Como se verifica, quanto mais se tenta fazer uma distinção entre
o “autônomo” da “reforma” (supostamente um trabalhador por conta própria) e um empregado (trabalhador assalariado) mais eles ficam parecidos,
senão idênticos na prática laboral.
Verifica-se, também, que o legislador reformista chegou a tentar
“legitimar” os demais casos de negação da relação de emprego previstos
na legislação brasileira, como se, de uma hora para outra, a relação capital
e trabalho tivesse deixado de existir, como se imediatamente toda a riqueza
no modo de produção capitalista passasse a ser construída por autônomos,
parceiros e demais trabalhadores que, não obstante tenham seus profissionais reguladas por leis específicas, são inseridos na lógica da produção capitalista, prestando serviços como verdadeiros empregados. A MP 808/2017,
contudo, não foi ratificada pelo congresso.
O fato é que, com ou sem a MP, o âmago das mudanças pretendidas se manteve: “incentivar a utilização de contratos de trabalho autônomo
como forma de gestão do trabalho e ampliar o arbítrio do empregador sobre
a gestão do tempo de trabalho daqueles trabalhadores contratados como
empregados” (FILGUEIRAS; BISPO; COUTINHO, 2018, p. 129).
Pouco tempo se passou ainda desde a criação do tal “autônomo”
inserido na CLT, sendo necessário fazer uma pesquisa mais aprofundada,
com dados etc., para dizer quem é, de fato, na prática, tal figura. Mas é possível dizer que ele está inserido dentro de um amplo “cardápio” de opções
de contratação da “reforma” trabalhista, algo que foi feito pelos empresários
para os empresários.
4. Considerações finais
A “reforma” trabalhista está longe de diminuir o problema do desemprego no Brasil. Isto não será resolvido no âmbito da microeconomia,
A reforma trabalhista... • 283
centrando-se tão somente no mercado de trabalho, tampouco com a edição
de uma lei retrógrada como é a 13.467. Caso o governo brasileiro queira, de
fato, solucionar o problema do desemprego que assola o país atualmente,
deverá o Estado primordialmente assumir o seu papel como protagonista e
enfrentar este problema como uma questão macroeconômica, o que, portanto, exige políticas macroeconômicas, voltadas a outros mercados, não
somente ao de trabalho.
No entanto, se por um lado a “reforma”, por si, não pode explicar
a geração de empregos na sociedade capitalista, por outro lado, não resta qualquer dúvida, ela ampliou o poder dos empresários, empregadores,
que terão maior liberdade para determinar as condições de contratação, estando inserido nesse “cardápio” o “autônomo exclusivo”, o “autônomo” da
“reforma”.
Uma das alegações para a criação de tal figura foi a de que alguns
setores da economia necessitavam de uma previsão legal para que o “autônomo não fosse empregado da empresa”, ainda que ele prestasse serviços de
forma exclusiva e contínua. Editou-se, contudo, uma lei geral, permitindo
que todas as empresas contratassem referido “autônomo”, o qual terá seu
trabalho inserido na atividade empresarial sem receber o conjunto de contrapartidas do Direito Social destinado àquele que possui a qualidade de
empregado.
O “autônomo” da “reforma” é uma ficção jurídica, criada para existir formalmente. Qualquer trabalhador poderia ser um “autônomo”, trabalhando de forma contínua, exclusiva, desde que cumpridas formalidades,
numa nítida tentativa de apagar e escrever a realidade de outra forma, como
se de uma hora para a outra as empresas não mais explorassem o trabalho
alheio.
Assim, pode se dizer que muitos dos empregados de hoje poderão
ser os autônomos de amanhã, sem que sua realidade efetivamente se altere.
Continuarão tendo o seu trabalho explorado pelos agentes contratadores de
sua força de trabalho, mantendo-se a subordinação do trabalho ao capital,
característica do modo de produção capitalista. Ao mesmo tempo, os empregados remanescentes tendem a concorrer com os autônomos e também
com os desempregados. Estes últimos somente existiriam porque os primeiros não aceitam flexibilizar/reduzir um “pouquinho” dos seus direitos6.
Em entrevista ao Jornal Folha de S.Paulo, publicada em 07/11/2017, o então presidente
do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra da Silva Martins Filho, disse que não con6
284 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Como se sabe, embora não abordado de forma detalhada neste trabalho, a “reforma” trabalhista criou um “cardápio” de contratos precários,
o que inclui a figura do “autônomo”, um trabalhador que pode trabalhar de
forma contínua, e até exclusiva, para o contratante (empresa), sem quaisquer dos direitos e garantias conferidos aos empregados. Trata-se, sem dúvida, de um rebaixamento da condição humana daqueles que têm o trabalho explorado.
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286 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
AUTÔNOMO EXCLUSIVO E TRABALHO POR
PLATAFORMAS DIGITAIS: UMA LEITURA CRÍTICA
DAS POSSÍVEIS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS
BASEADA NO DIREITO COMPARADO
EXCLUSIVE SELF EMPLOYED AND WORK FOR DIGITAL
PLATFORMS: A CRITICAL READING OF POSSIBLE
LEGAL IMPLICATIONS BASED IN COMPARATIVE LAW
Amanda Foltram de O.Telles1
Sidnei Machado2
Resumo O Direito do Trabalho sofreu alterações paradigmáticas com a edição da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017). Trataremos neste artigo
especificamente de dois pontos: a figura do autônomo exclusivo, constante
no art. 442-B da CLT, dispositivo incluído pela reforma, e a questão das plataformas digitais. O novo dispositivo da CLT indica a possibilidade de haver
a contratação de autônomo com exclusividade, ou seja, um autônomo que
1
Graduanda do 4º ano do curso de Direito na Universidade Federal do Paraná
(2015/2019). Bolsista Extensionista da Clínica de Direitos Fundamentais do Trabalho da
UFPR (2018). Pesquisadora voluntária na IC denominada “A Reforma Trabalhista e a (Re)
Contratualização Do Direito Do Trabalho” (BANPESQ: 2018027053). Pesquisadora da
Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista (REMIR – Trabalho). Email:
amandafoltram@gmail.com
2
Professor Adjunto de Direito do Trabalho na graduação do Curso de Direito da
Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professor Permanente do Programa de PósGraduação em Direito da UFPR (Capes 6). Doutorado em Direito (UFPR), com pós-doutorado na Université Paris Nanterre. Líder do Grupo de Pesquisa Clínica de Direito
do Trabalho (CDT-UFPR) - Trabalho e Direitos. É membro do Núcleo de Pesquisa
Constitucionalismo e Democracia e do Grupo de Pesquisa Trabalho e Sociedade (GETS).
Email: sidneimachado.ufpr@gmail.com
In: ANTUNES, Daniela Muradas; NICOLI, Pedro Augusto Gravatá; RODARTE, Wanessa
Susan de Oliveira (org.).A reforma trabalhista e o direito individual do trabalho: dos
retrocessos às resistências. 1ª edição. Belo Horizonte: Initia Via, 2019 (Anais do IV
Encontro da RENAPEDTS, vol. 2). ISBN: 978-85-9547-079-8. DOI: 10.17931/95470798/
v2a13.
A reforma trabalhista... • 287
prestaria serviços apenas e tão somente a determinada empresa ou grupo
empresarial, incorrendo na flexibilização de um dos elementos que caracterizariam o vínculo de emprego, qual seja, o da subordinação, ressaltando
que é “inegável a dificuldade de uma definição jurídica coerente para a noção de subordinação, já que fundada a partir de um conceito sociológico e
heterogêneo: o assalariado” (MACHADO, 2009, p. 29). A título de informação, a Medida Provisória 808/2017, que perdeu sua eficácia em 23 de Abril
de 2018, havia alterado o dispositivo do art. 442-B da CLT, exprimindo
que seria “vedada a celebração de cláusula de exclusividade” (BRASIL,
2017, art. 442-B). Porém, findou a vigência de tal medida sem que fosse
convertida em lei, retornando ao estágio original proposto que diz que “a
contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais,
com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade
de empregado prevista no art. 3o desta Consolidação” (BRASIL, Lei 13.467,
2017, art. 442-B). Paralelamente, temos em voga o fenômeno das plataformas digitais, que vêm sendo amplamente difundidas e utilizadas. Tais
plataformas revolucionaram a forma de prestação de serviços e, também,
de trabalho, pois surgiram figuras estranhas ao Direito do Trabalho, com
grau alto de autodeterminação e, ao mesmo tempo, de dependência. Feita
estas primeiras considerações, o presente artigo visa identificar se a figura
do Autônomo Exclusivo virá a ser utilizada como possível argumento para
descartar vínculo empregatício dos trabalhadores que aderem tais plataformas, bem como busca identificar focos de discussão em outras partes do
mundo para analisar os argumentos decisórios utilizados quanto ao vínculo
dessa nova modalidade de trabalhador, já que ainda há escassa jurisprudência nacional acerca do assunto, sem entendimento ainda pacificado pelas
Cortes Superiores brasileiras.
Palavras-chave: Reforma trabalhista; Autônomo exclusivo; Plataformas
digitais.
Abstract: The Labor Law has undergone paradigmatic changes with the edition of the Labor Reform (Law nº 13.467 / 2017). We will deal in this article specifically with two points: the exclusive autonomous figure, constant
in art. 442-B of the CLT, a device included in the reform, and the issue of
digital platforms. The new CLT device indicates the possibility of contracting autonomously with exclusivity, that is, an autonomous that would ren-
288 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
der services only and only to a certain company or business group, incurring in the flexibilization of one of the elements that would characterize
the employment bond, namely that of subordination, emphasizing that the
difficulty of a coherent juridical definition for the notion of subordination
is undeniable, since it is based on a sociological and heterogeneous concept: the wage earner “(MACHADO, 2009, page 29). As an information,
Provisional Measure 808/2017, which became ineffective on April 23, 2018,
had changed the provision of art. 442-B of the CLT, stating that it would be
“forbidden to conclude an exclusivity clause in the contract provided for
in the caput”. However, it ended the validity of such a measure without being converted into law, returning to the original stage proposed that says
“the hiring of the autonomous, fulfilled by this all legal formalities, with or
without exclusivity, continuously or not, quality of employee set forth in art.
3rd of this Consolidation “. At the same time, we have in vogue the phenomenon of digital platforms, which have been widely disseminated and
used. Such platforms have revolutionized the way services are provided, and
also work, since there have been figures strange to Labor Law, with a high
degree of self-determination and, at the same time, dependency. Based on
these first considerations, the present article aims to identify if the figure of
the Autonomous Exclusivo will be used as a possible argument to discard
the employment relationship of the workers that adhere to such platforms,
as well as to identify focus areas in other parts of the world to analyze the
arguments decisions on the link of this new form of worker, since there is
still little national jurisprudence on the subject, without understanding still
pacified by the Brazilian High Courts.
Keywords: Labor reform; Exclusive self employed; Digital platforms.
*
1. Introdução
Passamos por alterações estruturais na sociedade nacional e internacional de maneira abrupta. A legislação trabalhista, por ser um reflexo do
momento histórico, também sofreu alterações, juntamente com o contexto
fático das relações de trabalho.
A reforma trabalhista... • 289
As mudanças foram expressivas nas diferentes revoluções industriais e, agora, novamente com a então Quarta Revolução Industrial que,
segundo SCHWAB,:
É caracterizada por uma internet mais ubíqua e móvel, por sensores menores e mais poderosos que se tornaram mais baratos e pela
inteligência artificial e aprendizagem automática (ou aprendizado
de máquina). As tecnologias digitais, fundamentadas no computador, software e redes, não são novas, mas estão causando rupturas
à terceira revolução industrial; estão se tornando mais sofisticadas
e integradas e, consequentemente, transformando a sociedade e a
economia global. (2016, documento eletrônico/sem paginação)
Agora, além de o progresso tecnológico despertar o receio da substituição do homem pela máquina, há algo a mais, está ocorrendo algo inimaginável pelos autores clássicos, tal fenômeno novo advém das Plataformas
Digitais, pois agora além da questão da substituição do trabalhador por
uma máquina, há a “contratação” de trabalhadores por “máquinas”, no
caso, softwares e algoritmos, como exemplo, temos as plataformas do Uber,
UberEats, Glovo, Amazon Mechanical Turk, etc. É a abstração máxima da
figura do empregador. Disto resultam problemas, decorrentes principalmente das incertezas provenientes dessa revolução tecnológica que possui
diversas singularidades. Tais dúvidas se refletem no âmbito jurídico e abrem
a discussão também dentro do Direito do Trabalho que busca identificar
essa nova classe trabalhadora proveniente das plataformas digitais.
O presente trabalho busca, portanto, entender tal fenômeno, associando a figura do autônomo exclusivo com as novidades advindas das
Plataformas Digitais. Para tanto este trabalho se subdivide em tópicos. No
primeiro trataremos sobre a figura do autônomo exclusivo: o que é, o que se
pretendeu com seu surgimento, suas possibilidades de existência, enfim, o
que a nova doutrina tem tratado acerca do assunto. O segundo tópico tratará acerca das Plataformas Digitais: o que são, como funcionam. Enfim, será
um panorama geral de tal fenômeno. Trataremos, ainda dentro do segundo
tópico, a questão de alguns requisitos que configuram vínculo (pessoalidade, onerosidade, não-eventualidade e subordinação) e se estão presentes,
mesmo que de forma diferenciada, nas relações de trabalho advindas destas plataformas. Por fim, trataremos no último tópico dos posicionamentos
290 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
existente na Espanha sobre a questão do vínculo de emprego de trabalhadores de plataformas, bem como a situação no Brasil, ainda que com poucos
precedentes sobre o tema.
2. Um Frankenstein denominado “autônomo exclusivo”
Mas quem poderá conceber os horrores dessa
obra secreta, cuja grandeza só era igualada pelos
atos da mais baixa e fria desumanidade
(SHELLEY, 1994, p. 5).
O termo Frankenstein condiz com o que parece ter pretendido o
legislador com a inserção da figura do autônomo exclusivo, pois já parte
da premissa de duas palavras totalmente incoerentes quando usadas em
conjunto, como fossem de “corpos” distintos, mas que o legislador buscou
juntá-las forçosamente, dando vida a um “ser” estranho ao mundo, no caso,
ao mundo do Direito do Trabalho.
O art. 442-B da CLT, proveniente da Lei nº 13.467/2017, estabeleceu que “a contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a
qualidade de empregado prevista no art. 3o desta Consolidação” (BRASIL,
Decreto-Lei 5.452, 1943, art. 442-B). A parte final do caput do artigo transforma, como que por encanto, qualquer possibilidade de vínculo empregatício, em inexistente.
Maurício Godinho e Gabriella Godinho indignam-se ao tratar do
assunto em sua obra sobre a reforma, dizendo que “a interpretação literal
do preceito normativo conduziria ao absurdo, sem dúvida. Ela traduziria a
ideia de um profissional contratado formalmente como autônomo, porém,
na prática, cumprindo o seu contrato com todos os elementos fático-jurídicos da relação de emprego, podendo ser considerado, juridicamente, como
efetivo autônomo” (2017, p. 152).
Esta modalidade, inserida forçosamente pela reforma trabalhista,
gerou controvérsias, inclusive dentre os magistrados do trabalho, tanto é
que houve fixação de tese de Ordem nº 41 na Plenária Final do Congresso
Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (CONAMAT):
A reforma trabalhista... • 291
AUTÔNOMO
EXCLUSIVO.
DESPROFISSIONALIZAÇÃO.
IMPEDIMENTO À SINDICALIZAÇÃO E À NEGOCIAÇÃO
COLETIVA. VIOLAÇÃO DA CONVENÇÃO 98 DA OIT. A redação
dada pela reforma trabalhista ao art. 442-B da CLT, com a criação do
autônomo exclusivo, de forma contínua ou não, prioriza a pejotização
e gera a desprofissionalização das categorias, o que viola a Convenção
98 da OIT, alínea “a”, ao subordinar o emprego de um trabalhador à
condição de não se filiar a um sindicato ou deixar de fazer parte de
um sindicato. Nesse contexto, o art. 442-B da CLT deve ser interpretado no sentido da existência de contrato de trabalho, quando houver
prestação de serviços de modo exclusivo ou não, com a ausência de autonomia e presença dos requisitos do contrato de trabalho (art. 9º, 2º e
3º da CLT), afastando-se a pejotização para possibilitar que o empregado faça jus aos benefícios previstos para a categoria profissional a
qual pertence, valorizando a sua sindicalização e a negociação coletiva que traga condição mais benéfica aos trabalhadores. Assunto de
extrema preocupação para o mundo do trabalho é possibilidade de
ampliação do trabalho autônomo, apenas para mascarar a relação
de emprego, livrando o empregador de cumprir os direitos previstos
nas normas coletivas da categoria e as demais obrigações contratuais. O incentivo à pejotização, desprofissionaliza as categorias e afasta os trabalhadores da sindicalização e da negociação coletiva, o que
viola a Convenção 98 da OIT. (ANAMATRA. Teses - Plenária Final)
A pejotização é um fenômeno em que o empregador exige do seu
empregado, aquele que fornece o serviço, que constitua uma pessoa jurídica
com o objetivo de prestar seus serviços. Para tal, o empregador contrata
com uma pessoa jurídica que lhe garante os mesmos serviços que uma pessoa física, entretanto, o vínculo de emprego não é reconhecido. O art. 442-B
da CLT vem para tentar legitimar esta situação, para tentar impossibilitar
e engessar a caracterização de vínculo empregatício. Porém, os tribunais
têm entendimento de que isto não é possível, tanto é que a tese fixada no
CONAMAT vai no sentido de impedir a legitimação desse tipo de fraude.
Ainda, o entendimento recente do Tribunal Superior do Trabalho
(TST) indica que “o princípio da primazia da realidade informa que, no
Direito do Trabalho, a relação jurídica existente entre as partes não é qualificada pelo instrumento jurídico que lhe dá suporte, mas pela realidade fática efetivamente vivenciada pelos atores sociais dessa relação” (TST, 2018,
on-line). Assim, “a simples existência de um contrato civil comercial, for-
292 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
malmente válido, não é suficiente para afastar o reconhecimento do vínculo
de emprego, quando presentes os requisitos previstos nos artigos 2º e 3º da
CLT (BRASIL, Decreto-Lei 5.452, 1943).
Soma-se a este fenômeno, ainda, o enfraquecimento da sindicalização e à negociação coletiva. A Convenção 98 (International Labour
Organization - ILO, Convenção 98 da OIT, 1949) citada na tese do
CONAMAT dispõe em seu art. 1º, alínea “a”:
Art. 1º — 1. Os trabalhadores deverão gozar de proteção adequada
contra quaisquer atos atentatórios à liberdade sindical em matéria de
emprego. 2. Tal proteção deverá, particularmente, aplicar-se a atos
destinados a:
a) subordinar o emprego de um trabalhador à condição de não se
filiar a um sindicato ou deixar de fazer parte de um sindicato; (...)
O legislador pode alegar que não teve a intenção de legitimar a pejotização, que, em verdade, colocou no artigo 442-B a frase “cumpridas por
este todas as formalidades legais”, portanto que os requisitos de autônomo
devem ser cumpridos e que a exclusividade seria advinda de lei específica
para a função que permitiria tal exclusividade, como no caso da lei dos representantes comerciais. Mas a questão é que o artigo ficou aberto a interpretações, deixou margem grande para erros, o que traz uma insegurança
jurídica enorme.
A situação, portanto, é crítica e, segundo o economista da
UNICAMP, José Dari Krein:
A reforma procura dar respaldo legal a práticas já existentes no mercado de trabalho e oferecer um novo cardápio de opções para os empregadores ajustarem a quantidade e os custos do trabalho às suas
necessidades. Neste sentido, a reforma estimula a contratação atípica
e introduz o contrato intermitente e o autônomo permanente. O objetivo é proporcionar maior liberdade para as empresas na gestão da
força de trabalho, ampliando seus poderes para manejar a utilização
do trabalho de acordo apenas com suas necessidades, nos elementos
centrais da relação de emprego: modalidades de contratação, remuneração do trabalho e jornada de trabalho. (KREIN et al, 2018, p. 56)
A reforma trabalhista... • 293
Interessante notar que países que tem a fama de não possuírem
direitos trabalhistas, como os Estados Unidos da América (EUA) podem
acrescentar nessa questão. Recentemente os americanos reconheceram a
pejotização de profissionais de strip tease, que eram empregadas mascaradas por meio de contrato de autonomia. Elas recebiam apenas gorjetas e
taxas pelos seus “shows” e, após a configuração do vínculo pelas cortes estadunidenses, as danceterias foram obrigadas a pagar a elas o salário mínimo
estadual de todo o período trabalhado, mais horas extras e perdas e danos.
Cássio Casagrande em sua matéria para o site JOTA, disse que “o
argumento de muito “reformadores” era o de que deveríamos adotar o modelo “flexível” dos EUA”, mas que esse “modelo “flexível” não é assim tão
flexível e que o Poder Judiciário dos EUA, no exercício da jurisdição trabalhista, não se deixa enganar por fraudes estapafúrdias, que aqui são tidas
como “modernidade”” (JOTA, 2018).
Sendo assim, parece que a arquitetura da Reforma Trabalhista brasileira foi pensada no intuito de fragilizar a classe trabalhadora e os institutos que a protegem e a embasam, legitimando situações que antes eram
duramente combatidas.
Porém, ainda que a legislação vá em um sentido, a jurisprudência
dos tribunais e o entendimento dos magistrados e estudiosos em geral, vai
na contraposição, indicando que, encontrando sinais de fraude, o vínculo
poderá ser configurado.
2.1. Possibilidade de aplicação do contrato de autônomo
exclusivo para os trabalhadores de plataformas digitais
No tópico seguinte será tratado o fenômeno das plataformas digitais que, segundo Alex Moazed e Nicholas Johnson, criam comunidades e
mercados por meio dos quais os seus usuários podem interagir e contratar
(FRAZÃO, 2017 apud MOAZED e JOHNSON, 2016).
A Lei nº 4.886/65 que regula as atividades dos representantes comerciais autônomos indica no seu art. 27 a possibilidade de exclusividade
em certos casos, principalmente no que tange a zona territorial, por exemplo, a exclusividade de vender o produto “X” naquela área, sem poder, o
mesmo representante, apresentar produto “Y” semelhante para aquela mesma região, ou seja, selaria exclusividade contratual para a representação comercial de apenas um tipo de produto.
294 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Pode ser que de forma análoga isso funcione com os trabalhadores
aderentes de plataformas. Isso porque, o que se observa agora é praticamente uma competição predatória, por exemplo, os aplicativos do Uber e do
99Pop disputam preços em territórios da cidade e, muitas vezes os trabalhadores utilizam ambas as plataformas e vão aceitando as corridas conforme
tem demanda.
Sendo assim, o que se vislumbra é a possibilidade de realização de
uma legislação específica para tais trabalhadores, tal qual a dos representantes comerciais autônomos. Nesse caso, poderia haver contrato de exclusividade, por exemplo, os trabalhadores que aderem a plataforma da Uber não
poderão trabalhar em outra plataforma, como a do 99Pop.
Mas a caracterização como autônomo deve preencher os requisitos
legais e o que se observa, em geral, é que os motoristas, motoboys e ciclistas
dessas plataformas acabam por depender delas e, se houver a possibilidade de exclusividade, essa situação de dependência se acentuaria. A questão
aqui é tentar adiantar um problema, identificá-lo e tentar combatê-lo, seria
uma prevenção.
Vejamos o art. 1º da lei dos representantes comerciais (BRASIL. Lei
4.886, 1965):
Art . 1º Exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica
ou a pessoa física, sem relação de emprêgo, que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a
realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos,
para, transmití-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios. (grifo)
Sendo assim, é certo que mesmo para os representantes comerciais
que possuem lei específica, se identificada relação de emprego, a legislação
aplicável será a trabalhista por haver vínculo empregatício. O mesmo poderá se aplicar aos trabalhadores das plataformas.
Em sequência trataremos de cada ponto que poderia caracterizar
vínculo de emprego dos trabalhadores de plataforma, identificando se é
“trabalho por pessoa física, com pessoalidade, não eventualidade, subordinação e onerosidade” (GODINHO, GODINHO, 2017, p. 153).
A reforma trabalhista... • 295
2.1.1. Do trabalho por pessoa física
A realização do cadastro nessas plataformas é por meio de cadastro
com CPF e demais dados, ou seja, deve ser realizado por pessoa física, sem
possibilidade, ainda, para o cadastro de empresa. Isso se tratando dos aplicativos Uber3, UberEats4, 99Pop5 e Rappi6.
2.1.2. Da pessoalidade
Fora isso há a questão da pessoalidade, pois o cadastro é efetuado
em nome da pessoa e somente ela quem deve realizar a prestação de serviços. O sistema, ainda, possui caráter personalíssimo, tanto é que possui viés
reputacional. A depender da classificação dos usuários ao motoristas, este
pode conseguir mais benefícios mediante o aplicativo, como o repasse de
mais corridas que os que possuem classificação inferior.
2.1.3. Da não-eventualidade
O aplicativo oferece flexibilidade, mas também oferece a possibilidade de trabalhar de forma ilimitada, são duas faces da mesma moeda e
que devem ter cada uma um reflexo distinto, protegendo os que devem ser
3
Uber - O site informa ser necessário para o cadastro foto da Carteira Nacional de
Habilitação (CNH), com a observação “Exerce atividade remunerada – EAR”, uma foto
do certificado de registro e licenciamento de veículo (CRLV), uma foto para o perfil.
Disponível em: <https://www.uber.com/pt-BR/drive/resources/uber-eats-documentos-necessarios/> Acesso em 11 de Novembro de 2018.
4
UberEats - O site informa que para cadastrar tem que ter a foto da CNH com a observação “EAR” ou “Exerce Atividade Remunerada”, certificado de Registro e Licenciamento
do Veículo para motociclistas e CNH ou RG e Cadastro de Pessoa Física para ciclistas.
Disponível em: <https://www.uber.com/pt-BR/drive/resources/uber-eats-documentos-necessarios/> Acesso em 11 de Novembro de 2018.
5
99Pop - No site está escrito que para realizar o cadastro deve conter em mãos Documento
de identidade (RG), CNH com EAR (Exerce Atividade Remunerada), CRLV (Certificado
de Registro e Licenciamento do Veículo) e Foto de rosto. Disponível em: <https://motoristas.99pop.com.br/seja-motorista-pop-search/?utm_source=google&utm_medium=cpc&utm_campaing=PD_DRV_PRF_GL_SRC_CNV_ALL_BR-Concorrencia&utm_term=Uber_Motorista> Acesso: 11 de Novembro de 2018.
6
Rappi - o motorista parceiro tem que se cadastrar com Documento de identidade (RG),
CNH, Foto de rosto. Disponível em: < https://soyrappi.com/faq >. Acesso: 03 de Junho de
2019.
296 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
protegidos de forma efetiva. A questão da não-eventualidade é resolvida
conforme dito acima, identificando facilmente via o controle do aplicativo
os motoristas que trabalham de forma eventual e os que fazem disso sua
profissão.
2.1.4. Da subordinação
A subordinação “entendida como sujeição à disciplina, às ordens e
à direção do empregador (poder de direção), não deu conta de responder às
diversas condições e formas de prestação pessoal de serviço”. (MACHADO,
2009, p. 41)
Isso porque, segundo Sidnei Machado (2009), há situações intermediárias que não se classificariam no modelo binário, ou seja, que não
seriam nem situação de dependência (subordinação), nem independência
(autonomia), seriam as chamadas formas intermediárias, “situações híbridas”. A conceituação de subordinação de forma mais ampla e eficiente seria não mais atrelada a dependência, que limita a incidência protetiva do
Direito do Trabalho, mas sim atrelada a ideia de um trabalho por conta de
outrem, ideia essa adotada por alguns países, tais como o que iremos analisar em momento posterior, mas que ainda não é difundida nos precedentes
brasileiros.
No caso dos trabalhadores aderentes a plataformas digitais, a subordinação se dá pelo algoritmo, é uma ideia nova, decorrente da Revolução
Informacional, que impactou o modelo produtivo através de novas tecnologias. Neste sentido, segundo Carlo Cosentino (2018, p. 335),
As mudanças não ocorreram apenas na forma de execução das tarefas, mas também, no uso do poder diretivo do empregador. A era
digital possibilita novas alternativas de comunicação entre o trabalho e o capital. A relação anteriormente restrita ao espaço físico das
corporações migra, em grande parte, para o mundo virtual. (...) As
corporações utilizam-se da tecnologia para aumentar o controle sobre os trabalhadores, através da instalação de câmeras no ambiente
de trabalho, monitoramento de informações processadas, recebidas
e enviadas a instalação de softwares que registram minuciosamente
a produtividade, etc. Tudo isso acentua o seu poder diretivo e amplia
a subordinação do empregado.
A reforma trabalhista... • 297
Sendo assim, a subordinação via aplicativos existe, portanto, a ideia
passada pelo slogan de tais aplicativos de “seja o seu próprio chefe” é ilusória, pois a mais-valia existe e a subordinação também, muito mais atrelada
à ideia de trabalhar por conta de “outrem” que, no caso, é um software com
muito mais possibilidades de controlar seus aderentes do que um encarregado com poderes diretivos.
2.1.5. Da onerosidade
Ainda, quanto ao requisito onerosidade, a parte final do caput do
art. 3º da CLT indica que empregado é aquele que além dos outros requisitos, recebe uma contraprestação pecuniária, o salário. Ocorre que tal conceito é mais limitado, o correto seria a expressão “remuneração”, pois mais
abrangente e contemplativa.
Quanto aos trabalhadores por aplicativo, em geral, o conceito de
remuneração básica perde o sentido, já que o valor ganho pelo trabalhador
varia de acordo com o número de corridas, ou seja, varia de acordo com sua
“produtividade”. Não há um valor fixo estipulado.
Lembrando que a reforma trabalhista legitimou esse modelo de recebimento por produtividade, indicando que essa modalidade de remuneração pode até mesmo ser menor que o salário mínimo. Essa possibilidade
está prevista no inciso IX, do artigo 611-A da CLT, redação dada pela reforma, porém o caput indica ser necessário disposição em Convenção Coletiva
para que ocorra essa possibilidade.
Sendo assim, ainda que variável, há remuneração para os trabalhadores de plataforma, mesmo que somente por produtividade, o que não
deixa de incorrer na ideia de onerosidade.
3. O fenômeno das plataformas digitais
O que se pretende neste tópico é uma rápida contextualização do
que se entende por plataformas digitais e como funcionam, reunindo as
doutrinas especializadas no assunto para, então, passar para a análise do
tópico seguinte quando ao entendimento do Tribunal Espanhol e nacional.
Tratar de novas relações de trabalho no contexto atual é uma tarefa
delicada, pois a cada dia surgem novos formatos e situações peculiares. Na
298 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
maioria das vezes a legislação não consegue acompanhar, havendo até mesmo certo engessamento das mesmas com relação às novidades que refletem
nas relações sociais e, por consequência, nas relações de trabalho.
As plataformas digitais são um desses fenômenos que a legislação
está penando em conseguir acompanhar, ficando, em geral, a cargo da discricionariedade do magistrado de primeiro grau, bem como da jurisprudência, para definir algumas controvérsias que surgem com o ajuizamento
de ações dessa nova classe de trabalhadores.
Sobre esse fenômeno das plataformas intermediadoras de serviços,
Claus Schwab (2016, documento eletrônico/sem paginação) preceitua:
O entendimento comum desse fenômeno é a capacidade, geralmente possibilitada pela tecnologia, de que entidades (indivíduos ou organizações) compartilharão o uso de um bem/ativo físico, ou compartilharão/prestarão um serviço, em um nível de eficiência que,
anteriormente, era muito mais baixo ou talvez impossível. A partilha
de bens ou serviços é geralmente habilitada por mercados on-line,
serviços dos aplicativos/localização do celular ou outras plataformas
tecnológicas. Estes reduziram tanto os custos de transação e fricção
do sistema a ponto de haver ganho econômico para todos os envolvidos, dividido em incrementos muito menores.
Ainda, neste sentido, André Zipperer (2018, p. 39) indica que,
A economia de intermediação online de serviços e bens como aqui
chamamos ou “economia do compartilhamento” como aceito pela
maioria da ainda rara doutrina é um termo-guarda que abrange uma
série de negócios completamente diferentes (embora todos compartilhem a ideia de usar uma plataforma online para combinar oferta e
demanda). Trata-se, de fenômeno característico do uso de plataformas online que permitem a terceirização de serviços e acesso temporário a bens e serviços, possibilitando a diminuição dos custos de
transação.
A economia de compartilhamento (sharing economy) baseia-se
em plataformas informacionais que promovem o encontro de duas variáveis clássicas do mercado: a oferta e a procura (COSENTINO, 2018). O
que parece é que as tecnologias digitais de hoje estão nos levando de volta
a comportamentos comuns de compartilhamento, auto-emprego e formas
A reforma trabalhista... • 299
de troca baseada na comunidade que existia no passado (CONSENTINO,
2018, apud SUNDARARAJAN, 2016, p. 5)
Sendo assim, o fenômeno atual e ao mesmo tempo antigo, nos faz
entrar em uma reflexão a respeito dos seus trabalhadores, gerando controvérsias e discussões ao redor de todo mundo, já que a nova modalidade
de cooperação “tem duas características jamais observadas anteriormente
na história da humanidade. Trata-se de uma cooperação virtual e global”
(CONSENTINO, 2018, p. 205).
Portanto, de suma importância a análise de foco de discussão diverso do brasileiro, em país que já possui amadurecimento da jurisprudência,
ou seja, do entendimento acerca de trabalhadores de plataformas.
4. O entendimento do tribunal espanhol e brasileiro
A dúvida proveniente dessa efervescência de novas relações de trabalho tem chegado aos tribunais via ações judiciais. O Brasil possui alguns
casos julgados, porém ainda não há entendimento pacificado, restando a
tais trabalhadores uma espécie de limbo jurídico.
Há ao redor do mundo diversos países que possuem entendimentos variáveis acerca do fenômeno de trabalhadores de plataformas. Neste
artigo trataremos especificamente do entendimento espanhol e de entendimentos esparsos constantes no Brasil, pois o amadurecimento de ideias
constante no Tribunal Espanhol poderá nos servir de base jurisprudencial
em momento futuro.
4.1. Espanha
Para a análise do entendimento espanhol, utilizaremos o seguinte
precedente:
SUMÁRIO: Contrato de emprego e aluguel de serviços. Delivery.
Atividade que consiste na distribuição de alimentos preparados em
restaurantes a domicílio ou no local de trabalho do cliente. Cessação
do trabalhador devido à falta de disponibilidade. Improcedência.
Concorrem no caso, as notas características de alienação e dependência característica da relação de trabalho. Assim, ficou provado,
em termos de dependência, que o autor trabalhava de acordo com
300 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
as instruções do réu nas condições fixadas unilateralmente pelo
mesmo. É claro que o trabalhador, após ingressar na empresa, teve
que baixar o aplicativo desenvolvido e gerenciado por esta em seu
celular, recebendo uma autorização e, com ela, um usuário e senha
pessoal para acessá-lo, e ainda deveria fazer parte da aplicação «telegram-riders Valência», cujo criador e administrador é a própria
empresa. Além disso, foi a própria organização empresarial que
decidiu a área em que o trabalhador tinha que desempenhar suas
funções. Quanto ao horário, sendo certo que o trabalhador ofertava à companhia os intervalos de tempo que queria trabalhar, também pode-se dizer que esses intervalos tinham que estar dentro
do horário previamente estabelecido pela ré. No que diz respeito
ao serviço de entrega, a empregadora dava instruções específicas
ao pessoal de entrega as quais tinham que ser levadas a rigor, fixando tempos e normas de comportamento que esses tinham que
cumprir. Consta, também, que, no início do turno atribuído aos
trabalhadores, esses tinham que ir para o local fixado pela empresa para que esta lhes atribuísse serviços através da plataforma, devendo retornar a este local cada vez que finalizassem um serviço.
Além disso, a empregadora estava a todo momento monitorando
o local em que se encontrava o trabalhador, a quem podia pedir
explicações sobre o serviço, mantendo o controle do tempo de
cada distribuição. Além disso, está provado que, uma vez atribuída
uma entrega a um trabalhador, se este não pudesse realizá-la, precisava encontrar outro trabalhador para substituí-lo, precisando,
para isso, de prévia autorização do réu. Sendo assim, o trabalhador
carecia de liberdade, dentro de sua agenda, para recusar pedidos.
Ademais, o trabalhador que desejasse interromper temporariamente a prestação de serviços, deveria notificar a empresa com
duas semanas de antecedência. Está provado, da mesma forma,
que o trabalhador, ainda que trouxesse sua bicicleta ou moto e seu
celular para trabalhar, não tinha organização empresarial, sendo
a empresa proprietária da plataforma virtual com o nome comercial Deliveroo que, através de uma aplicação de computador - APP
- organizava a atividade empresarial. Não impede a existência de
dependência acima referida o fato alegado pela demandada de que
o trabalhador poderia subcontratar o trabalho, na medida que a
prova realizada demonstrou que a subcontratação foi totalmente
residual, sem evidência de que o trabalhador (autor) fez uso dela
em algum momento, resultando, além disso, da leitura do contrato,
que a subcontratação dos serviços acordados com terceiros exigia
A reforma trabalhista... • 301
autorização da empresa por escrito. Quanto à alienação, é um fato
incontestável que foi a empresa que decidiu o preço dos serviços
realizados pelo trabalhador, sendo que a empresa elaborava a fatura correspondente. Além disso, a empresa estabelecia as condições dos restaurantes aderidos e dos clientes a quem prestava seus
serviços, desconhecendo o trabalhador quais eram os restaurantes
que a cada momento estavam aderidos na plataforma, bem como a
identidade dos clientes que solicitavam seus serviços. Também era
a empresa que fixava o preço dos serviços para os clientes e cobrava
estes através da plataforma, não estando permitido ao trabalhador
a percepção de quantidade alguma em dinheiro, exceto o repassado. Devendo concluir, portanto, a existência de uma relação de trabalho entre as partes e a consequente competência da ordem social
da jurisdição para conhecer a pretensão exercida. 7 (Juzgado De Lo
Tradução livre dos autores. Texto original: “SUMÁRIO: Contrato de trabajo y arrendamiento de servicios. Deliveroo. Actividad consistente en el reparto y distribución de comida preparada de restaurantes a domicilio o en la oficina de trabajo del cliente. Cese
del trabajador por falta de disponibilidad. Improcedencia. Concurren en el caso las notas
características de ajenidad y dependencia propias de la relación laboral. Así, se ha probado
en cuanto a la dependencia, que el demandante trabajaba siguiendo las instrucciones de
la demandada bajo las condiciones fijadas unilateralmente por la misma. Consta que el
trabajador, tras ingresar en la empresa, debía descargarse la aplicación desarrollada y gestionada por esta en su teléfono móvil, recibiendo una autorización y, con ella, un usuario
y una contraseña personal para poder acceder a la misma, y debía formar parte de la aplicación «telegram-riders Valencia», cuyo creador y administrador es la empresa. Además,
era la propia organización la que decidía la zona en la que el trabajador debía desempeñar
sus funciones. En cuanto al horario, siendo cierto que el trabajador ofertaba a la compañía
las franjas horarias en las que quería trabajar, también lo es que esas franjas tenían que
estar dentro del horario previamente establecido por la demandada. Respecto al servicio
de reparto, la empleadora daba instrucciones concretas a los repartidores sobre la forma
en que este se tenía que llevar a cabo, fijando tiempos y normas de comportamiento que
estos debían cumplir. Consta, así mismo, que al inicio del turno asignado los trabajadores
debían acudir al lugar fijado por la empresa para que esta les asignara servicios a través
de la plataforma, debiendo retornar a esta cada vez que finalizaban un servicio. Además,
la empleadora tenía en todo momento geolocalizado al trabajador, a quien podía pedir
explicaciones sobre el servicio, llevando un control de tiempos de cada reparto. Así mismo,
se ha probado que si una vez asignado un repartidor a un turno de reparto por la empresa,
este precisaba encontrar a otro trabajador que le sustituyera, necesitaba la previa autorización de aquella. Por otra parte, el trabajador carecía de libertad, dentro de su horario,
para rechazar pedidos. Además, el trabajador que quisiese dejar temporalmente de prestar
servicios, debía comunicarlo a la empresa con dos semanas de antelación. Se ha probado,
así mismo, que el trabajador, aún cuando aportaba para el trabajo su bicicleta y su teléfono
móvil, carecía de organización empresarial, siendo la empresa la titular de la plataforma
virtual con el nombre comercial Deliveroo en la que, a través de una aplicación informáti-
7
302 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Social De Valencia Núm. 6. Sentencia 244/2018, de 1 de junio de
2018, Rec. n.º 633/2017).
A decisão acima transcrita foi uma das principais da Espanha
quanto ao tema, sendo proferida no Recurso nº 633/2017. A Sentença nº
244/2018 de 01 de Junho de 2018 resultou na decisão do Tribunal Social
nº 6º de Valência na Espanha, que afirmou haver indícios de características
de alienação e dependência na relação entre os trabalhadores do aplicativo
Deliveroo com esta plataforma, que faz a intermediação da entrega de produtos alimentícios. Os argumentos para caracterizar o vínculo de emprego
foram vários, como veremos a seguir.
Primeiramente, o Tribunal salientou que era o aplicativo que decidia a área em que o trabalhador tinha que desempenhar suas funções e era
a plataforma que dava instruções específicas para que os motoristas despachassem a comida, bem como era a plataforma que definia horários e
formas de comportamentos que os trabalhadores deveriam seguir de forma
rigorosa. A decisão destacou também que era a plataforma Deliveroo que
decidia o preço dos serviços prestados e que os trabalhadores não poderiam
receber por fora de maneira alguma, apenas poderiam receber o que lhes
fosse repassado pelo aplicativo.
ca -APP-, se organizaba la actividad empresarial. No obsta a la existencia de dependencia
antes referida, el hecho alegado por la demandada de que el trabajador pudiera subcontratar el trabajo, por cuanto de la prueba practicada, ha quedado acreditado que la subcontratación era totalmente residual, sin que conste que el trabajador hiciera uso de ella en
momento alguno, resultando, además, de la lectura del contrato, que la subcontratación de
los servicios acordados con terceros requería previa autorización de la empresa por escrito.
En cuanto a la ajenidad, es un hecho no controvertido que era la empresa la que decidía el
precio de los servicios realizados por el trabajador que este percibía con independencia del
cobro por parte de la empresa, y tras la elaboración por parte de esta de la factura correspondiente. Además, la empresa establecía las condiciones de los restaurantes adheridos
y de los clientes a los que prestaba sus servicios, desconociendo el trabajador cuales eran
los restaurantes que en cada momento estaban adheridos a la plataforma y la identidad de
los clientes que solicitaban sus servicios. También era la empresa la que fijaba el precio del
servicio a los clientes y cobraba este a través de la aplicación, no estando permitida al trabajador la percepción de cantidad alguna en metálico, salvo la propina. Debe concluirse,
por tanto, la existencia de relación laboral entre las partes y la consiguiente competencia
del orden social de la jurisdicción para conocer de la pretensión ejercitada” (LABORALSOCIAL. Disponível em <https://www.laboral-social.com/sites/laboral-social.com/files/
NSJ058529_0.pdf>. Acesso em 07 de Setembro de 2018).
A reforma trabalhista... • 303
Ainda, o trabalhador não teria liberdade para recusar ordens, caso
contrário poderia ser punido e até mesmo desligado do aplicativo. Soma-se
a isso que para que pudesse interromper temporariamente a prestação de
serviços deveria notificar a empresa com duas semanas de antecedência.
A empresa de plataforma Deliveroo tentou alegar que terceirizava
os serviços, porém, o Tribunal buscou as características do contrato de trabalho para averiguar se realmente era disso que se tratava. Por fim, acabou
por reconhecer o vínculo empregatício do autor, para tanto, destacou dois
artigos do Estatuto de los Trabajadores (ET), o art. 1 que trata a quem será
aplicada as leis trabalhistas dizendo que “la presente ley será de aplicación a
los trabajadores que voluntariamente presten sus servicios retribuidos por
cuenta ajena y dentro del ámbito de organización y dirección de otra persona, física o jurídica, denominada empleador o empresário” (Estatuto de Los
Trabajadores, 2011, art. 1º) e o art. 8.1 que trata do contrato de trabalhado
indicando que “el contrato de trabajo se podrá celebrar por escrito o de palabra. Se presumirá existente entre todo el que presta un servicio por cuenta
y dentro del ámbito de organización y dirección de otro y el que lo recibe a
cambio de una retribución a aquél”.
Sendo assim, por ser o Estatuto dos Trabalhadores direcionado a
todos os trabalhadores que de forma voluntária prestem seus serviços e possuam uma contraposição monetária por conta alheia, no caso, do empregador que pode ser pessoa física ou jurídica, denominado de empregador
ou mesmo de empresário. Enquanto que o art. 8 indica que o contrato de
trabalho pode ser expresso ou tácito, ou seja, ainda que não formalizado
será presumido caso exista prestação de serviços por conta ou dentro do
âmbito organizacional ou mesmo sob a direção de outro, de quem recebe
uma contraprestação pecuniária.
Por fim, o tribunal de Valência declarou que por ter sido caracterizado como empregado, a despedida foi sem justa causa, condenando
a ROOFOODS Spain SL (Deliveroo) ou a pagar uma indenização de setecentos euros ou a realizar a reintegração do trabalhador na plataforma,
nas mesmas condições em que se encontrava. Logo, a decisão “amarrou” o
restante dos aderentes destas plataformas, considerando-os como trabalhadores por conta de outrem e não trabalhadores individuais.
304 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
4.2. Brasil
O Brasil ainda não possui jurisprudência pacificada a respeito da
caracterização de vínculo empregatício de trabalhadores de plataforma. Há
apenas algumas decisões de algumas turmas de segunda instância de tribunais regionais, mas o tema ainda não chegou no Tribunal Superior do
Trabalho, nem no Supremo Tribunal Federal, portanto, sem repercussão
geral.
A título de verificação dos argumentos, traz-se à baila alguns pontos
da decisão de segunda instância do TRT-2ª Região de relatoria da desembargadora Sueli Tomé da Ponte no processo nº 1001574-25.2016.5.02.0026.
Segundo a relatora “os meios tecnológicos servem para aprimorar e facilitar
o modo de vida das pessoas. E, atuando o motorista em nome da empresa,
e sendo ela também responsável por eventuais irregularidades que possam
ser cometidas pelo condutor, cabe a ela estabelecer as regras de procedimento na execução dos serviços, o que não se confunde com o poder diretivo do empregador. A partir do momento em que o motorista se cadastrar
na plataforma do UBER, adere a diversas cláusulas a fim de que a prestação
dos serviços também seja uniforme e com qualidade” (CONJUR, Íntegra
Acórdão, online). Seguindo um raciocínio mais privatista da relação estabelecida, indicando se tratar não de uma relação trabalhista, mas sim contratual e que mesmo tendo procedimentos a serem seguidos, que este não se
confundiria com o poder diretivo, mas sim algo utilizado para que haja um
padrão na prestação dos serviços.
Ainda, há decisões que concederam o vínculo, como a proferida
no Processo nº 0011359-34.2016.5.03.0112 em 13 de fevereiro de 2017
pelo o juiz da 33ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, Márcio Toledo
Gonçalves, que reconheceu o vínculo de emprego entre a empresa Uber
do Brasil Tecnologia Ltda e o motorista do aplicativo (CONJUR, Sentença,
2017, online), que posteriormente foi revertida em grau recursal, não
concedendo o vínculo (CONJUR, Íntegra Acórdão Processo nº 001135934.2016.5.03.0112, online).
Logo, no Brasil parece que o entendimento que se vislumbra inicialmente é no sentido de considerar os trabalhadores de plataformas como
autônomos, porém isso traz consequências, pois ao classificá-los como tal o
Estado terá que tributá-los e realizar uma série de outras providências.
A reforma trabalhista... • 305
5. Considerações finais
Ricardo Antunes já na década de 90 previu algumas consequências
das alterações das formas de trabalho. Dentre elas, destacou que haveria um
“aumento acentuado das inúmeras formas de subproletarização ou precarização do trabalho, decorrentes da expansão do trabalho parcial temporário,
subcontratado, terceirizado” (ANTUNES, 1999, p. 190). Disse ainda, que
a classe trabalhadora iria se fragmentar, heterogeneizar e se complexificar
ainda mais e que haveria novas formas de adequação da produção conforme a lógica do mercado. Nada mais atual para encerrar o presente artigo.
O mundo hoje muda em uma velocidade nunca vista antes em nenhuma das Revoluções Industriais anteriores. A legislação pena em acompanhar essas mudanças, é o caso das plataformas digitais, que revolucionaram a forma de realização de trabalho humano. A ideia de seres humanos
serem contratados por “máquinas” (algoritmos) é algo nunca visto antes, o
que causa grandes dúvidas acerca do presente e do futuro dos trabalhadores
aderentes destas plataformas.
Precisamos, portanto, montar teses e realizar a conformação de
conceitos inexistentes para conseguirmos dar conta das constantes metamorfoses e, assim, proteger nossa classe trabalhadora, que continua viva,
porém modificada.
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306 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
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das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º
de maio de 1943, e as Leis n º 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de
11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a
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A reforma trabalhista... • 307
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308 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
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A reforma trabalhista... • 309
TRABALHO AUTÔNOMO EXCLUSIVO
É FALSO AUTÔNOMO
EXCLUSIVE SELF-EMPLOYMENT IS
FALSE SELF-EMPLOYMENT
Sidnei Machado1
Gabriela Varella de Oliveira2
Thais Lara Guedes3
Resumo: A chamada Lei da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017), vigente desde 11 de novembro de 2017, acrescentou à Consolidação das Leis
do Trabalho o Art. 442-B, alterando a forma de contratação de trabalhadores autônomos e possibilitando que estes prestem serviços com exclusividade e continuidade sem reconhecimento do vínculo empregatício.
Ocorre que, com a referida mudança acarretada pela Lei nº 13.467/2017,
as contratações de trabalhadores autônomos exclusivos poderão legitimar
o desvirtuamento do vínculo empregatício, estimulando a contratação de
pessoas jurídicas de forma fraudulenta, a fim de afastar o vínculo de emCoordenador Grupo de pesquisa “Clínica de Direito do Trabalho -Trabalho e Direitos”,
da Universidade Federal do Paraná, sediada em Curitiba, Paraná, Brasil. Mestre e Doutor
em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná. Professor de Direito
do Trabalho e da Seguridade na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná.
Advogodo. E-mail: sidneimchd@gmail.com
2
Integrante do Grupo de pesquisa “Clínica de Direito do Trabalho -Trabalho e Direitos”,
da Universidade Federal do Paraná, sediada em Curitiba, Paraná, Brasil. Graduada em
Direito pela Universidade Federal do Paraná. Advogada Sindical. E-mail: gvarelladeoliveira@gmail.com
3
Integrante do Grupo de pesquisa “Clínica de Direito do Trabalho -Trabalho e Direitos”,
da Universidade Federal do Paraná, sediada em Curitiba, Paraná, Brasil. Graduanda em
Direito pela Universidade Federal do Paraná. E-mail: thaislg@live.com
1
In: ANTUNES, Daniela Muradas; NICOLI, Pedro Augusto Gravatá; RODARTE, Wanessa
Susan de Oliveira (org.).A reforma trabalhista e o direito individual do trabalho: dos
retrocessos às resistências. 1ª edição. Belo Horizonte: Initia Via, 2019 (Anais do IV
Encontro da RENAPEDTS, vol. 2). ISBN: 978-85-9547-079-8. DOI: 10.17931/95470798/
v2a14.
310 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
prego e, assim, afastar dos trabalhadores as proteções e garantias destinadas
pelo Direito do Trabalho àqueles que se adéquam à condição de empregado.
Assim, diante da inclusão do trabalho autônomo exclusivo e contínuo pela
Reforma Trabalhista e do crescimento do número de trabalhadores autônomos em razão das novas configurações do trabalho, se faz relevante para os
trabalhadores e juristas compreender qual o posicionamento adotado pelo
Tribunal Superior do Trabalho em relação ao trabalho autônomo exclusivo
e, ainda, de que maneira tal posicionamento se modificou em decorrência
da aprovação da Lei nº 13.467/2017.
Palavras-chave: Trabalho autônomo; Exclusividade; Vínculo empregatício.
Abstract: The so-called Labor Reform Law (Law no. 13.467/17), in force
since November 11, 2017, added to the Consolidation of Labor Laws the
Art. 442-B, changing the way of hiring self-employed workers and enabling
them to provide services with exclusivity and continuity without recognition of the employment relationship. It occurs that with the aforementioned
change entailed by Law no. 13467/2017, the hiring of exclusive autonomous
workers may legitimize the distortion of the employment relationship, stimulating the hiring of legal entities in a fraudulent way, in order to eliminate
the employment bond and, thus, to exclude workers from the protections
and guarantees provided by labor law to those who qualify as employees.
Thus, in view of the inclusion of autonomous exclusive work by the Labor
Reform and the growth of the number of self-employed workers due to the
new work configuration, it is relevant for workers and jurists to understand
the position adopted by the Superior Labor Court in relation to the exclusive autonomous work and also, in what way this positioning was modified
as a result of the approval of Law 13467/2017.
Keywords: Self-employment; Exclusivity; Employment relationship.
*
A reforma trabalhista... • 311
1. Introdução
Antes mesmo dos retrocessos legislativos que atingiram o Direito
do Trabalho após a configuração de um novo cenário político decorrente do
impeachment da presidenta Dilma Roussef, se mostrava inegável a existência de um movimento significativo de aumento do número de trabalhadores que prestam serviços de forma autônoma no Brasil.
A chamada Lei da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), vigente desde 11 de novembro de 2017, acrescentou à Consolidação das leis do
Trabalho o Art. 442-B, alterando a forma de contratação de trabalhadores
autônomos e possibilitando que estes prestem serviços com exclusividade
e continuidade sem reconhecimento do vínculo empregatício, favorecendo
ainda mais a ampliação dessa natureza de contratação.
Ocorre que, com o acréscimo do referido artigo pela Reforma
Trabalhista, as contratações de trabalhadores autônomos exclusivos podem
acabar legitimando o desvirtuamento do vínculo empregatício, estimulando ainda mais a pejotização e, assim, retirando os direitos e garantias às
quais os trabalhadores autônomos teriam acesso se configurado o vínculo
empregatício - modalidade de relação de trabalho que condiz com a orientação política da Constituição Federal de 1988 e em torno da qual o Direito
do Trabalho se estruturou.
Assim, o foco do presente artigo é investigar o conceito jurídico
de trabalho autônomo e a possibilidade (ou não) de configuração de vínculo empregatício em casos de trabalho autônomo exclusivo, conforme as
decisões coletadas do Tribunais Regionais do Trabalho da 9ª região e do
Tribunal Superior do Trabalho, utilizando-se o recorte temporal compreendido entre 2013 e 2018, a fim de analisar o impacto ocasionado pela Lei
13.467/2017 (Lei da Reforma Trabalhista).
2. Da caracterização do vínculo empregatício e do trabalho
autônomo
Dentro do âmbito das relações de trabalho, que podem ser definidas como “relações jurídicas caracterizadas por terem sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor humano
(DELGADO, 2016, p. 290)” se encontram diversas modalidades, dentre
elas a relação de emprego, categoria mais utilizada na pactuação de traba-
312 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
lho desde o surgimento do capitalismo (DELGADO, 2016, p. 290), razão
pela qual se estruturou, em volta desta, o Direito do Trabalho, permeado de
princípios, regras e características próprias, que visam proteger a parte que
não detém poder para impor sua vontade dentro da relação jurídica laboral,
qual seja, o empregado.
A Consolidação das Leis do Trabalho, que rege, de forma majoritária, as relações de emprego, determina, em seu Art. 3º, a definição de
empregado, nos seguintes termos:
Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência
deste e mediante salário.
Parágrafo único - Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual,
técnico e manual.
Considerando-se a definição legal, a doutrina explorou de maneira
mais profunda de que forma se dá a caracterização da relação empregatícia
através da conjugação de certos elementos fático-jurídicos, definidos por
Mauricio Godinho Delgado (2016, p. 190), sinteticamente, como:
a) A prestação de trabalho por pessoa física a um tomador. Tal
requisito, entretanto, pode deixar de ser imprescindível se restar evidente que a prestação de trabalho, embora tenha sido
feita por pessoa jurídica, diga respeito apenas a uma pessoa
física (DELGADO, 2016, p. 301), caso em que o primeiro elemento fático-empregatício se fará presente, ainda que o prestador seja pessoa jurídica.
b) Prestação efetuada com pessoalidade pelo trabalhador, ou
seja, por parte do empregador, a prestação deve ter caráter infungível, salvo exceções em que a substituição é possível sem
que seja descaracterizada a pessoalidade (DELGADO, 2016,
p. 302).
c) Prestação efetuada com não eventualidade, de forma que o
trabalho prestado tenha caráter de permanência (DELGADO,
2016, p. 303), remetendo-se à noção de continuidade.
A reforma trabalhista... • 313
d) Prestação efetuada com onerosidade, o que pressupõe que em
contrapartida à realização do trabalho economicamente mensurável, deve haver o pagamento da remuneração.
e) Prestação efetuada com subordinação ao tomador de serviços.
Contudo, embora a caracterização da relação de emprego resulte,
em regra, da síntese dos cinco elementos apresentados, a subordinação é o
que ganha maior relevância na conformação do tipo legal da relação empregatícia pela doutrina, em especial para o presente estudo, pois sua presença/
ausência é o principal meio pelo qual se diferencia a relação de emprego da
relação de trabalho autônomo.
Por essa razão, a noção de subordinação será problematizada, posteriormente, dentro da condição de elemento imprescindível para a definição da natureza do vínculo de trabalho.
Quanto à regulação do trabalho autônomo, a Consolidação das
Leis do Trabalho não contempla conceito expresso, tendo em vista que esse
não se insere, a princípio, em seu âmbito de proteção.
Contudo, tal definição pode ser extraída do Art. 3º da CLT como
configuração contrária à presença dos elementos necessários para a caracterização da relação de emprego, ou seja, quando ausente a síntese dos elementos caracterizadores do vínculo de emprego, e, em especial, a subordinação, presente a relação de trabalho autônomo.
O conceito de empregador previsto no Art. 2º, caput, da CLT4 também agrega para a caracterização do trabalhador autônomo, em especial no
que diz respeito à assunção dos riscos da atividade, pois, em contrapartida
à liberdade de atuação, o autônomo arca com os riscos decorrentes dos serviços prestados, os quais são assumidos, na relação de emprego típica, pelo
empregador (BULGUERONI, 2011, p. 178).
Cabe ressaltar que a doutrina entende que a referida inexistência
de elucidação dos elementos que caracterizariam o trabalho autônomo pela
legislação trabalhista brasileira é suprida, em parte, pelo direito previdenciário, na medida em que Regulamento da Previdência Social (RPS – Decreto
nº 3.048/99), ao classificar os contribuintes individuais elenca trabalhadores
eventuais como “quem presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego” e, ainda,
Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os
riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
4
314 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
trabalhadores autônomos como “a pessoa física que exerce, por conta própria, atividade econômica de natureza urbana, com fins lucrativos ou não”.
Entretanto, a regulação previdenciária do trabalho autônomo se
restringe a esse âmbito, de forma que o fato de o trabalhador se enquadrar
como autônomo não confere a certeza de que a prestação de serviço será
interpretada como autônoma para fins de aplicação da legislação trabalhista
(BULGUERONI, 2011, p. 179).
Portanto, a definição de trabalho autônomo não é explanada de forma clara pelo ordenamento jurídico, o que dificulta sua caracterização.
Contudo, a doutrina majoritária se posiciona no sentido de que,
para além da ausência dos demais requisitos que caracterizam da relação de
emprego, a configuração do trabalho autônomo se dá em face da ausência
de subordinação, que pode ser entendida como detentora de diversas definições, de acordo com a corrente doutrinária a ser seguida.
Para Maurício Godinho Delgado (2016, p. 311), a subordinação
consiste na “situação jurídica derivada do contrato de trabalho, pela qual
o empregado compromete-se a acolher o poder de direção empresarial no
modo de realização de sua prestação de serviços”, o autor, ainda, compartilha de definição de Amauri Mascaro Nascimento (1989, p. 103), para quem
a subordinação se trata de uma “situação em que se encontra o trabalhador,
decorrente da limitação contratual da autonomia de sua vontade, para o
fim de transferir ao empregador o poder de direção sobre a atividade que
desempenhará”.
De acordo com Delgado (2016, p. 311), a subordinação deve ser
encarada sob um prisma objetivo pelo Direito do Trabalho, de forma que
atua sobre a realização da prestação e não sobre a pessoa do trabalhador,
considerando, então, incorreta a visão subjetiva do fenômeno.
Portanto, para Delgado (2016, p. 312), a natureza jurídica da subordinação é de caráter jurídico, ainda que tendo por suporte e fundamento
originário a assimetria social da sociedade capitalista, tendo em vista que
deriva do assentimento das partes em relação ao contrato de trabalho, ou
seja, para Delgado, é em razão do contrato que a subordinação se estabelece.
Contudo, em face das novas configurações do trabalho5, a noção
explanada não parece ser a mais adequada, pois deixa de considerar o presente estado de subordinação para além do contrato ou da prestação objeCom novos modos de produção, descentralizados, que exigem um trabalho individualizado com novas competências e um novo espírito de responsabilidade no trabalho, for5
A reforma trabalhista... • 315
tiva em que se encontram os trabalhadores, razão pela qual se adota tese
diversa para a conceituação de subordinação como elemento configurador
da relação de emprego ou de trabalho autônomo.
Para Sidnei Machado (2009, p. 115), a subordinação da subjetividade do trabalhador, que decorre dessa nova organização produtiva e cultura
empresarial requer um instrumental que também possa compreender a vasta propagação da sujeição.
Tal renovação, para o autor, se daria através de uma
(...) nova reestruturação normativa no sentido amplo, que a concebe
como um modelo aberto à compreensão hermenêutica que se pode
reconhecer como um trabalho dependente e subordinado que reclama proteção do direito estatal do trabalho (MACHADO, 2009,
p. 166)
Desse modo, a ideia de subordinação jurídica deve ser redefinida a
fim de reconhecer a possibilidade de existência de um estado de subordinação em todas as atividades de natureza pessoal (MACHADO, 2009, p. 116),
ou seja, muito mais ampla e contínua, no seguinte sentido:
O que antes justificava uma dependência econômica do operário
hipossuficiente, agora se pode perfeitamente estender essa dependência para grande parte dos trabalhadores no mercado de trabalho que, apesar de não mais se sujeitarem ao controle pessoal rígido,
se encontram vinculados a um estado de dependência econômica
e também jurídica àqueles que lhe tomam trabalho. A maior autonomia vem acompanhada de uma maior dependência econômica, provocando não uma subordinação jurídica pela submissão ao
poder hierárquico e disciplinar, mas um estado de subordinação
(MACHADO, 2009, p. 127).
Ou seja, de acordo com a tese que parece ser mais adequada, após
as mudanças ocorridas na estruturação das relações de trabalho, a dependência6 do trabalhador – parte que não detém a possibilidade de fazer valer
jaram uma “autonomia controlada”. MUCKENBERRGER, Ulrich. Travait: horizon, 2000.
Reflexions pour une redefinition des relations de travail, p. 626. In: Sidnei Machado.
6
Inerente ao trabalho autônomo clássico estava a total independência na execução dos
serviços prestados, já no trabalho autônomo chamado de segunda geração, embora o trabalhador conserve, em parte, seu poder de auto-organização, sofre limitações decorrentes
316 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
sua vontade na relação de trabalho – não geraria somente efeitos econômicos ou jurídicos, mas sim um estado de subordinação que permeia o sujeito
como um todo.
Assim, em razão de tais mudanças, o conceito de subordinação
deve ser ressignificado, a fim de abarcar as novas configurações de dependência do trabalhador, incluindo-se, muitas vezes, como dependente, o trabalhador autônomo.
Ademais, em decorrência do surgimento de novas modalidades de
trabalho autônomo, em certos casos dependente - e, de certa forma, subordinado - para além da dificuldade de classificação, a separação estanque das
relações de trabalho categorizadas ou como vínculo de emprego ou como
trabalho autônomo acabam por excluir, em regra, os trabalhadores autônomos dependentes do espectro de proteção criado pelo Direito do Trabalho
como produto da ideia de que
(...) enquanto no contrato de emprego os ganhos da atividade, a
mais-valia ou acumulo das riquezas produzidas são direcionados
em benefício do empregador (e coordenado/dirigido por este), no
trabalho “autônomo”, a priori, a prestação de serviços não reuniria
as características fundamentais que justificariam a hipossuficiencia
contratual do trabalhador, pois este não estaria sujeito a ordens e comandos ou inserido nas atividades produtivas do contratante, dentro outros requisitos, fatos que submeteria a relação ás regras gerais
do Direito Civil (...) (GOULART, 2012, p. 109)
Entretanto, com o aparecimento de novas modalidades de trabalho
autônomo, este não deve mais ser, em todos os casos, categorizado como
completamente independente - ausente a subordinação – e, nem tampouco
enquadrado de pronto como vínculo de emprego diante da existência de
certo nível de dependência e subordinação de natureza jurídica.
A fim de problematizar a questão do trabalho autônomo no ordenamento jurídico brasileiro após a introdução das novas formas de organização produtiva, se faz relevante a análise da regulamentação do trabalho
autônomo no ordenamento jurídico espanhol.
de razões técnicas, operacionais, ou mesmo por condições socioeconômicas da relação
instaurada (BULGUERONI, 2011, p 41). Em razão de tais mudanças na configuração do
trabalho autônomo, se faz ainda mais insuficiente a regulação apresentada pelo ordenamento jurídico brasileiro.
A reforma trabalhista... • 317
2.1 Experiência espanhola de regulamentação do trabalho
autônomo
Em vias opostas à ideia de que o trabalho autônomo se configuraria
sempre como insubordinado e independente e à ausência de definição legal
deste no ordenamento jurídico brasileiro - que acaba por dificultar a extensão das normas protetivas do Direito do Trabalho ao trabalho autônomo
- na última década, alguns países europeus aprovaram leis que regulamentaram de forma clara a prestação de serviço autônoma e instituíram, de
maneira formal, modalidades de trabalho que fogem à separação estanque
entre vínculo de emprego e trabalho autônomo.
Tomando-se por base o exemplo espanhol, em 11 de julho de 2007
passou a valer a Lei nº 20, chamada “Estatuto do Trabalho Autônomo”, a
qual positivou a regulamentação do chamado trabalho autônomo chamado
dependente e sistematizou a regulação do trabalho autônomo.
O Art. 1º da referida lei define o trabalhador autônomo como:
a las personas físicas que realicen de forma habitual, personal, directa, por cuentapropia y fuera del ámbito de dirección y organización
de otra persona, una actividad económica o profesional a título lucrativo, den o no ocupación a trabajadores por cuenta ajena. Esta
actividad autónoma o por cuenta propia podrá realizarse a tiempo
completo o a tiempo parcial.
No que diz respeito aos trabalhadores autônomos dependentes, o
Art. 11 da Lei nº 20/07 os define como:
son aquéllos que realizan una actividad económica o profesional a
título lucrativo y de forma habitual, personal, directa y predominante para una persona física o jurídica, denominada cliente, del que
dependen económicamente por percibir de él, al menos, el 75 por
ciento de sus ingresos por rendimientos de trabajo y de actividades
económicas o profesionales7.
Ou seja, os trabalhadores autônomos dependentes são aqueles que não se enquadram
como empregados em sentido estrito, mas dependem economicamente de quem os contrata, não se configurando, também, uma relação de prestação de serviço essencialmente
autônoma.
7
318 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Claramente, o ordenamento jurídico espanhol utiliza da noção de
dependência para definir se a relação de trabalho se enquadra como trabalho autônomo ou trabalho dependente, este, que prescinde de proteção
jurídica mais efetiva do que nos casos de trabalho autônomo “independente”, pois, conforme explicitado pelo Preâmbulo da lei se trata de um “um
colectivo de trabajadores autônomos que, no obstante su autonomia funcional, desarrollan su actividad cun uma fuerte y casi exclusiva dependencia
económica del empresario que los contrata”.
Considera-se que a inserção do trabalhador autônomo dependente na legislação espanhola representou, em última análise, “o reconhecimento formal de categoria de prestadores que imiscuem elementos de
subordinação e autonomia em um mesmo contrato de trabalho, atuando
de maneira habitual e coordenada em relação ao tomador de serviços (...)
(BULGUERONI, 2011, p. 100)”, além de servir como um instrumento de
freio à fraude do mascaramento do vínculo de emprego via contratação de
prestação de serviços autônoma.
A Lei nº 20/07, ademais, garante aos trabalhadores autônomos os
direitos fundamentais e liberdades públicas garantidos na Constituição espanhola e nos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pela
Espanha (Art. 4º), e ainda, confere o direito à liberdade profissional, à livre
concorrência, de propriedade intelectual, à intimidade, à proteção de sua
saúde e segurança, à proteção contra assédio sexual (GOMES; BERTOLIN,
2016 p. 87).
No que diz respeito aos trabalhadores autônomos dependentes, o
Estatuto espanhol institui uma espécie de contrato coletivo denominado
“acuerdo de interes profesional” (Art. 13) a ser negociado entre as associações de tais trabalhadores e as empresas que atuam na área de interesse
(GOMES; BERTOLIN, 2016 p. 87).
Dentre as condições mínimas de trabalho que dispõem, encontram-se as férias anuais, limitação de jornada, normas de proteção contra o
fim do contrato sem justa causa, entre outras. No que diz respeito à última
disposição, se a relação contratual se extinguir sem justa causa, o trabalhador autônomo dependente terá direito à indenização (GOMES; BERTOLIN,
2016 p. 87). Portanto, o trabalhador autônomo, quando dependente, não se
encontra completamente desprotegido pelo ordenamento jurídico.
O ordenamento jurídico espanhol, portanto, instituiu regulamentação própria e proteção jurídica que parece ser mais adequada para
A reforma trabalhista... • 319
o trabalho autônomo, em especial em uma configuração social na qual as
modalidades de vínculos de trabalho são, muitas vezes, não tão claras na
realidade quanto o são nas normas.
Contudo, a legislação brasileira ainda reluta em estender os direitos trabalhistas aos trabalhadores autônomos, e, quando há proteção, não é
aquela proporcionada pela esfera do Direito do Trabalho, mas sim a proteção garantida pelo Código Civil a toda e qualquer relação através da qual
qualquer pessoa pode colocar seus serviços à disposição.
Ademais, as novas disposições decorrentes da Reforma Trabalhista
de 2017, além de não resolver o problema da ausência de definição legal e,
logo, de proteção ao trabalho autônomo, ainda propiciam o mascaramento
do vínculo de emprego de forma fraudulenta, conforme será exposto no
tópico a seguir.
3. Alterações trazidas pela reforma trabalhista no que diz
respeito ao trabalho autônomo
A Reforma Trabalhista de 2017 – Lei nº 13.467 – inseriu no Art.
442, que trata da caracterização do contrato de trabalho, o Art. 442-B, a fim
de determinar que a contratação do trabalho autônomo – ainda que com
exclusividade e de forma contínua - afasta da relação de emprego o vínculo
empregatício, nos seguintes termos:
Art. 442-B. A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as
formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua
ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3o desta
Consolidação. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
Não parecem restar dúvidas a respeito da pretensão de dificultar,
com a inserção do artigo, a caracterização do vínculo de emprego, tentando-se estabelecer, por vias legais, a figura de um contrato de trabalho autônomo que destoa da própria natureza desta modalidade de vínculo.
A inserção do Art. 442-B na Consolidação das Leis do Trabalho se
coloca, logo, como mais um artifício para a busca pela redução do preço da
320 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
mão de obra8 através do distanciamento da caracterização do vínculo de
emprego, que enseja proteção jurídica para o trabalhador.
Portanto, ao contrário do que ocorreu no ordenamento jurídico espanhol, no qual a definição legal do trabalhador autônomo considerou que
pode haver dependência e subordinação deste ao tomador de serviços, lhes
estendendo garantias próprias do Direito do Trabalho, o Art. 442-B da CLT
limitou-se a permitir a irrestrita contratação de trabalhadores autônomos,
sem estender a eles qualquer direito protetivo.
Nesse mesmo sentido, Paulo Roberto Lemgruber Ebert (2017, p.
167), compartilhando do entendimento explanado aponta que, de acordo
com a redação dada pela Lei nº 13.467/2017 ao artigo 442-B da CLT, o mero
preenchimento dos requisitos formais para a configuração do contrato de
prestação de serviços, previstos nos artigos 593 a 609 do Código Civil, bastaria para afastar o enquadramento do trabalhador no conceito jurídico de
empregado, a constar do artigo 3º da CLT.
E continua, afirmando que nesse sistema seria possível estabelecer,
por exemplo, contratos de prestação de serviços a submeterem o suposto autônomo a jornadas superiores aos limites estabelecidos no artigo 7º,
XIII, da Constituição Federal, com remuneração inferior ao salário mínimo
e sem as demais garantias constitucionais asseguradas à generalidade dos
empregados (EBERT, 2017, p. 167).
No mesmo sentido, Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves
Delgado (2017, p. 152) afirmam que
A interpretação literal do preceito normativo conduziria ao absurdo, sem dúvida. Ela traduziria a ideia de um profissional contratado formalmente como autônomo, porém, na prática, cumprindo
o seu contrato com todos os elementos fático-jurídicos da relação
8
Redução do custo da mão de obra, esta,com o objetivo de obtenção de vantagens na
precificação dos produtos nacionais no mercado internacional,bem como à atração de investimentos produtivos e aescolha, por parte do empresariado, daqueles ordenamentos
jurídicos trabalhistas menos onerosos (EBERT, 2017, p. 166). Tal fenômeno é descrevido
por Alain Sapiot como: “El establecimiento de este ‘mercado de productos legislativos’
debeconducir a laeliminaciónprogresiva de los sistemas normativos menos aptos para
satisfacerlas expectativas financieras de los inversores. Por tanto a competición a la que
se entreganlas empresas bajo laégida de los mercados financieros no deberíalimitarse a
la esfera económica, sino convertirseenel principio de organización de la esfera jurídica
(SUPIOT, 2011, p. 61-68)”.
A reforma trabalhista... • 321
de emprego, poder ser considerado, juridicamente, como efetivo
autônomo.
Contudo, para a doutrina majoritária, se o trabalhador for contratado como autônomo, mas cumprir o contrato com os elementos do vínculo de emprego, deverá ser tido, do ponto de vista fático e jurídico, como
real empregado (DELGADO; DELGADO, 2017, p. 152), pois o que se faz
relevante para a caracterização da relação de emprego são os elementos fáticos, de acordo com o cerne do princípio da primazia da realidade, e não o
acordo formal pactuado entre as partes.
Na mesma toada, Homero Batista (2017, p. 35) invoca o mesmo
princípio da primazia da realidade como instrumento de invalidação do
Art. 442-B afirmando que a única forma de interpretação do dispositivo
seria dizer que “não haverá relação de emprego, salvo se houver relação de
emprego”, pois
(...) o legislador parece impressionado com o cumprimento das “formalidades legais”, ignorando que o direito do trabalho enaltece o
princípio da primazia da realidade e, como tal, essas formalidades
serão analisadas em conjunto com os elementos de fato que permearam a relação. Em caso de colisão entre a forma e o conteúdo, este
sempre prevalecerá sobre aquela (Homero, 2017, p. 35).
Para além da aplicação do princípio da primazia da realidade, a inserção do Art. 442-B na Consolidação do Trabalho parece demonstrar caráter inconstitucional, na medida em que contraria a Constituição Federal
não somente no que diz respeito aos preceitos constitucionais relacionados
à tutela do trabalho, elencados no artigo 7º, mas também “a partir de uma
análise à luz da fórmula política dispersa ao longo dos dispositivos, a denotar o substrato ideológico que confere identidade à lei maior e que vincula
objetivamente todo o ordenamento jurídico (EBERT, 2017, p. 168)”.
Tal identidade que estabeleceu a prevalência da configuração da
relação de emprego, em face de outras relações de trabalho, tendo em vista
que aquela atrai para si a incidência de normas protetivas do trabalhador.
Desse modo,
sendo a legislação infraconstitucional, segundo o constitucionalismo contemporâneo, um instrumento destinado à concretização dos
322 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
fins políticos, dos objetivos institucionais e dos direitos fundamentais previstos nas constituições, deve o legislador ordinário elaborá-la em estrita observância ao conteúdo institucional emanado dos
princípios consagrados na lei maior e ao escopo de regulamentação
por eles delimitado (EBERT, 2017, p. 174)
Diante do exposto, a única interpretação constitucionalmente adequada a ser conferida ao artigo 442-B da CLT é aquela que possibilita a
contratação de trabalhadores autônomos nos casos em que o trabalhador
detêm, efetivamente, os meios de produção necessários à realização de suas
atividades e que organiza, de forma discricionária, os insumos e a metodologia necessários à prestação dos serviços (EBERT, 2017, p. 179), ou seja,
quando a verdadeira relação de trabalho autônomo se configura, ausentes a
dependência e a subordinação em sentido amplo.
O trabalho deverá ser classificado como autônomo, então, quando
o indivíduo “não está vinculado à estrutura diretiva, disciplinar, econômica
e técnica de uma ou mais empresas e que possui, por isso mesmo, margem preponderante de liberdade para negociar preços e condições com seus
clientes” (EBERT, 2017, p. 179), e não nos moldes instituídos pela Reforma
Trabalhista.
Após análise do entendimento doutrinário acerca da caracterização do vínculo de emprego e do trabalho autônomo, passa-se à realização
de um exame jurisprudencial acerca do tema.
4. Análise jurisprudencial das decisões do TST acerca da
prestação de serviços de forma exclusiva pelo trabalhador
autônomo
O objetivo da pesquisa jurisprudencial é analisar o posicionamento
do Tribunal Superior do Trabalho em relação à exclusividade na prestação
de serviços pelo autônomo e investigar o conceito jurídico de trabalho autônomo. Para tanto, será utilizada a metodologia de análise das decisões, de
modo que a pesquisa será dividida em três fases.
A primeira fase consiste na coleta de informações sobre as decisões
do Tribunal Superior do Trabalho (TST), relativas ao trabalho autônomo
com exclusividade, do período dos últimos cinco anos (2013 a 2018). Na
segunda fase será realizado o tratamento das informações coletadas, reu-
A reforma trabalhista... • 323
nindo-as em um banco de dados e, por fim, será realizada a análise dos
fundamentos utilizados nas decisões judiciais.
A pesquisa jurisprudencial foi realizada no sítio oficial do Tribunal
Superior do Trabalho, buscando acórdãos de processos julgados no período
de 01/09/2017 a 31/08/2018, com as seguintes palavras-chave “autônomo e
exclusividade e vínculo adj empregatício e pessoa adj jurídica”. Ressalte-se
que a escolha dessas palavras-chave se deu em razão de sua reiterada utilização ao tratar sobre o tema.
Dessa maneira, chegou-se a um total de 110 decisões, porém, na
maioria dos acórdãos não fora apreciado o pedido de revisão quanto ao
reconhecimento do vínculo empregatício do trabalhador autônomo por ser
necessário o reexame de fatos e provas, procedimento vedado nesta instância recursal, no teor da Súmula 126 do TST.
Gráfico I - Conteúdo das decisões do TST (01/09/17 a 31/08/18)
De acordo com o Gráfico I, apenas 0,91% das decisões tratavam especificamente sobre a exclusividade na prestação de serviços, sendo que as
demais decisões versavam sobre: impedimento previsto na Súmula 126 do
TST (55,45%); não preenchimento dos pressupostos de admissibilidade do
recurso (17,27%); distribuição quanto ao ônus da prova (5,45%); não confi-
324 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
guração de negativa de prestação jurisdicional (3,64%); e assuntos não relacionados à pesquisa (17,27%), tais como casos de terceirização, enquadramento na condição de bancário, prescrição, trabalho externo, entre outros.
Acerca da exclusividade, o Tribunal Superior do Trabalho se manifestou expressamente sobre o tema, ao decidir que não configura dolo
a omissão de existência de relação empregatícia com outro empregador
concomitantemente com o vínculo de emprego vindicado na reclamação
trabalhista matriz, porque a exclusividade não é requisito da relação de emprego, não havendo impedimento para a existência concomitante de dois
contratos de trabalho. Vejamos:
Primeiro, a omissão do referido liame empregatício não impediu
ou impossibilitou a produção de prova pela ora Autora na reclamação trabalhista de origem, na qual figurou como Reclamada, a fim
de provar a prestação de serviços como autônomo, fato impeditivo
do direito do Reclamante alegado em contestação na ação matriz.
Segundo, não há impedimento legal para a existência concomitante de dois contratos de trabalho por empregado de iniciativa privada, fato inclusive expressamente considerado na decisão rescindenda ao consignar que “a exclusividade não é requisito da relação
de emprego”, bem como “fato de o reclamante fazer também serviço particular seu nas dependências da empresa não afasta a sua
condição de empregado da ré, pois, se o segundo reclamado, em
razão da sua proximidade com o autor, anuía com tal situação” (fl.
10 do sequencial nº 3). (Processo: RO - 11014-16.2016.5.03.0000
Data de Julgamento: 05/06/2018, Relator Ministro: Emmanoel
Pereira, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data
de Publicação: DEJT 08/06/2018)
Do mesmo modo, em outro caso, o TST se manifestou expressamente sobre a exclusividade na prestação de serviços, afirmando que este
elemento não é requisito necessário do contrato de trabalho, não sendo, portanto, fator relevante para a caracterização ou não do vínculo de emprego:
(...) A controvérsia reside em se definir a natureza jurídica do vínculo firmado entre a ré e a autora e a questão da exclusividade na
prestação dos serviços. A formação do vínculo empregatício ocorrerá se na relação havida entre as partes estiverem presentes os requisitos contidos no art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho
A reforma trabalhista... • 325
- CLT, quais sejam: a subordinação, a pessoalidade, a continuidade, a imparcialidade e a onerosidade. Ressalta-se que a exclusividade na prestação dos serviços não é requisito necessário do
contrato de trabalho. (Processo: AIRR – 10580-94.2014.5.01.0471, Data
de Julgamento: 21/02/2018, Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra
Belmonte, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 23/02/2018)
Ademais, nas decisões do TST, em regra, são colacionados trechos
de decisões dos tribunais regionais, sendo possível verificar o posicionamento destes em relação à exclusividade na prestação de serviços: em todas
as decisões que se manifestaram quanto ao tema, as turmas dos tribunais
afirmaram que a exclusividade não é fator determinante para a configuração de um vínculo de emprego, tendo em vista que a CLT não lista a exclusividade como requisito caracterizador da relação de emprego.
Quanto ao conceito de trabalho autônomo, apenas duas decisões
do TST versavam sobre o tema, ambas no seguinte sentido:
(...) a diferenciação central entre o trabalhador autônomo e o empregado situa-se na subordinação. Fundamentalmente, trabalho
autônomo é aquele que se realiza sem subordinação do trabalhador ao tomador de serviços. Autonomia é um conceito antitético
ao de subordinação. Enquanto esta traduz a circunstância juridicamente assentada de que o trabalhador acolhe a direção empresarial
no tocante ao modo de concretização cotidiana de seus serviços,
a autonomia traduz a noção de que o próprio prestador é quem
estabelece e concretiza, cotidianamente, a forma de realização dos
serviços que pactuou prestar. Na subordinação jurídica, a direção
central do modo cotidiano de prestação de serviços transfere-se
ao tomador; na autonomia, a direção central do modo cotidiano
de prestação de serviços preserva-se com o prestador de trabalho
(RR - 1187-63.2012.5.04.0009 Data de Julgamento: 21/08/2018, Relator
Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT
24/08/2018)
Portanto, em regra, o TST – ao subscrever o entendimento majoritários dos Tribunais Regionais do Trabalho – adota posicionamento no
sentido de que a presença de exclusividade não se coloca como elemento
essencial do vínculo de emprego.
326 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Nesse sentido, ainda que ausente a condição de exclusividade, poderá ocorrer a caracterização do vínculo de emprego, ou seja, se nem do empregado se pode exigir exclusividade para caracterização do vínculo, mais
absurda ainda seria a desconsideração do vínculo de emprego nos casos
em que existe trabalho exclusivo e dependente de somente um empregador.
Ademais, assim como a doutrina, a jurisprudência do Tribunal
Superior do Trabalho também adota o entendimento de que, ao contrário da exclusividade, o elemento subordinação se faz imprescindível para a
configuração do vínculo de emprego ou da prestação de serviços autônoma.
5. Considerações finais
A partir da investigação teórica e da pesquisa jurisprudencial, tem-se que nem sequer se faz presente no ordenamento jurídico a definição expressa de trabalho autônomo, quanto mais a regulamentação das inúmeras
espécies de trabalho decorrentes dessa modalidade existentes no plano da
realidade.
A doutrina, a fim de encaixar as relações de trabalho em um ou
outro modelo, adota como tese majoritária a existência ou não de subordinação em sua acepção jurídica, e não de exclusividade para a caracterização
do vínculo de emprego.
Nesse sentido, se não se pode determinar que para que se mostre o
vínculo de emprego se faz necessária a existência de exclusividade, a prestação de serviço autônoma exclusiva se coloca como um verdadeiro absurdo
instituído pela Reforma Trabalhista de 2017.
Assim, em uma perspectiva de ausência de regulamentação legal
das inúmeras modalidades de trabalho autônomo e em que a jurisprudência
adota o conceito de subordinação como determinante para a caracterização
das modalidades de relação de trabalho, se mostra ainda mais necessária a
ressignificação do conceito de subordinação, a fim de que a proteção social
se estenda ao maior número de trabalhadores.
Referências bibliográficas
BATISTA, Homero. Comentários à Reforma Trabalhista. Edição 2017. Jul.
2017.
A reforma trabalhista... • 327
BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a
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gov.br/ccivil_03/Decreto- Lei/Del5452.htm. Acesso em: 30 ago. 2018.
BRASIL. Decreto no 3.048, de 6 de maio de 1999. Aprova o regulamento da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3048.htm. Acesso em: 30 ago.
2018.
BULGUERONI, Renata Orsi. Trabalho Autônomo Dependente:
Experiências Italiana e Espanhola e a Realidade Brasileira. 204f. Dissertação
de Mestrado – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 15ª ed. São
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DELGADO, Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A Reforma
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EBERT, Paulo Roberto Lemgruber. O trabalho autônomo na reforma trabalhista e a fórmula política da Constituição federal de 1988. Revista Ltr:
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GOMES, A. B. M.; BERTOLIN, P. T. M. Desafios para a Regulação:
Trabalho Autônomo e o Direito do Trabalho. Curitiba: Revista do Direito
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GOULART, Rodrigo Fortunato. Trabalhador Autônomo e Contrato de
Emprego. Curitiba: Juruá, 2012.
MACHADO, SIDNEI. A noção de subordinação jurídica. São Paulo: LTr,
2009.
MUCKENBERRGER, Ulrich. Reflexions pour une redefinition des relations de travail. Travait: horizon, 2000.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 14 ed.
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SUPIOT, Alain.Trad: TERRÉ. Jordi. El Espíritu de Filadelfia. La justicia
social frenteal Mercado total. Barcelona: Península, 2011.
328 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
ANEXO I - LISTA DOS PROCESSOS ANALISADOS NO TST
NÚMERO DOS AUTOS
CONTEÚDO DA DECISÃO
1
Processo: AIRR - 10142-11.2015.5.01.0026 Data de Julgamento:
29/08/2018, Relator Ministro: Alexandre Luiz Ramos, 4ª Turma, Data de
Publicação: DEJT 31/08/2018.
Súmula 126 do TST
2
Processo: ED-AIRR - 1116-11.2015.5.02.0042
Decisão de embargos de
declaração
3
Processo: Ag-RR - 1495-88.2011.5.06.0006 Data de Julgamento:
21/08/2018, Relatora Ministra: Maria Helena Mallmann, 2ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 24/08/2018.
Súmula 126 do TST
4
Processo: RR - 1187-63.2012.5.04.0009 Data de Julgamento:
21/08/2018, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 3ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 24/08/2018.
Súmula 126 do TST
5
Processo AIRR - 11721-69.2014.5.01.0077 Data de Julgamento:
21/08/2018, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 3ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 24/08/2018
Súmula 126 do TST
6
Processo: AIRR - 1001674-59.2016.5.02.0323 Data de Julgamento:
15/08/2018, Relator Ministro: Douglas Alencar Rodrigues, 5ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 17/08/2018.
Súmula 126 do TST
7
Processo: RR - 162500-60.2009.5.02.0052 Data de Julgamento:
15/08/2018, Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, 3ª
Turma, Data de Publicação: DEJT 17/08/2018.
Irrelevância dos preceitos
de lei que impedem a
declaração do vínculo com
corretores de seguro.
8
Processo: AIRR - 822-19.2016.5.17.0005 Data de Julgamento:
15/08/2018, Relatora Desembargadora Convocada: Cilene Ferreira Amaro Santos, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 17/08/2018.
Não preenchimento dos
requisitos de admissibilidade
do recurso
9
Processo: AIRR - 191-05.2015.5.02.0013 Data de Julgamento:
08/08/2018, Relatora Ministra: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, 8ª Turma,
Data de Publicação: DEJT 10/08/2018.
Súmula 126 do TST
10
Processo: AIRR - 2879-95.2013.5.02.0081 Data de Julgamento:
08/08/2018, Relatora Ministra: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, 8ª Turma,
Data de Publicação: DEJT 10/08/2018.
Súmula 126 do TST
11
Processo: ARR - 163-92.2010.5.04.0001 Data de Julgamento:
08/08/2018, Relator Ministro: Walmir Oliveira da Costa, 1ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 10/08/2018.
Honorários assistenciais
12
Processo: RO - 8072-57.2011.5.04.0000 Data de Julgamento:
07/08/2018, Relatora Ministra: Delaíde Miranda Arantes, Subseção
II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT
10/08/2018.
Não preenchimento dos
requisitos de admissibilidade
do recurso
13
Processo: AIRR - 10934-90.2016.5.03.0149 Data de Julgamento:
07/08/2018, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma,
Data de Publicação: DEJT 10/08/2018.
Ônus da prova
14
Processo: AIRR - 10091-84.2013.5.01.0247 Data de Julgamento:
07/08/2018, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma,
Data de Publicação: DEJT 10/08/2018.
Irrelevância dos preceitos
de lei que impedem a
declaração do vínculo com
corretores de seguro.
15
Processo: AIRR - 11226-54.2016.5.03.0059 Data de Julgamento:
08/08/2018, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 3ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 10/08/2018.
Súmula 126 do TST
16
Processo: AIRR - 100536-94.2016.5.01.0037 Data de Julgamento:
27/06/2018, Relator Ministro: Alexandre Luiz Ramos, 4ª Turma, Data de
Publicação: DEJT 03/08/2018.
Súmula 126 do TST
17
Processo: RR - 716-93.2013.5.08.0011 Data de Julgamento: 27/06/2018,
Relator Ministro: Walmir Oliveira da Costa, 1ª Turma, Data de Publicação:
DEJT 02/07/2018.
Súmula 126 do TST
A reforma trabalhista... • 329
18
Processo: AIRR - 11782-71.2014.5.15.0001 Data de Julgamento:
26/06/2018, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma,
Data de Publicação: DEJT 29/06/2018.
Súmula 126 do TST
19
Processo: RR - 460-23.2013.5.08.0118 Data de Julgamento: 26/06/2018,
Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 29/06/2018.
Não preenchimento dos
requisitos de admissibilidade
do recurso
20
Processo: RR - 1287-40.2011.5.01.0040 Data de Julgamento:
26/06/2018, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 7ª
Turma, Data de Publicação: DEJT 29/06/2018.
Súmula 126 do TST
21
Processo: ARR - 2316-18.2010.5.02.0078 Data de Julgamento:
20/06/2018, Relator Ministro: Guilherme Augusto Caputo Bastos, 4ª
Turma, Data de Publicação: DEJT 29/06/2018.
Súmula 126 do TST
22
Processo: Ag-AIRR - 10857-36.2014.5.01.0431 Data de Julgamento:
26/06/2018, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 3ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 29/06/2018.
Súmula 126 do TST
23
Processo: AIRR - 243-72.2015.5.05.0027 Data de Julgamento:
20/06/2018, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de
Publicação: DEJT 22/06/2018.
Súmula 126 do TST
24
Processo: RR - 322400-84.2002.5.09.0002 Data de Julgamento:
20/06/2018, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma,
Data de Publicação: DEJT 22/06/2018.
Não preenchimento dos
requisitos de admissibilidade
do recurso
25
Processo: AIRR - 11618-38.2016.5.03.0012 Data de Julgamento:
20/06/2018, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 3ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 22/06/2018.
Súmula 126 do TST
26
Processo: Ag-AIRR - 1815-27.2013.5.03.0015 Data de Julgamento:
13/06/2018, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 7ª
Turma, Data de Publicação: DEJT 15/06/2018.
Terceirização
27
Processo: RR - 1503-62.2012.5.08.0107 Data de Julgamento:
13/06/2018, Relatora Ministra: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, 8ª Turma,
Data de Publicação: DEJT 15/06/2018.
Súmula 126 do TST
28
Processo: RR - 189-33.2011.5.05.0032 Data de Julgamento: 06/06/2018,
Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 7ª Turma, Data de
Publicação: DEJT 15/06/2018.
Terceirização
29
Processo: ARR - 10575-44.2016.5.03.0084 Data de Julgamento:
06/06/2018, Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª
Turma, Data de Publicação: DEJT 15/06/2018.
Ônus da prova
30
Processo: ARR - 1220-53.2012.5.04.0009 Data de Julgamento:
06/06/2018, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de
Publicação: DEJT 08/06/2018.
Não configuração de negativa
de prestação jurisdicional
31
Processo: RO - 11014-16.2016.5.03.0000 Data de Julgamento:
05/06/2018, Relator Ministro: Emmanoel Pereira, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 08/06/2018.
Exclusividade - Omissão de
contrato de trabalho com
outro empregador.
32
Processo: AIRR - 133540-17.1998.5.10.0001 Data de Julgamento:
29/05/2018, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma,
Data de Publicação: DEJT 08/06/2018.
Natureza autárquica do Conselho Regional de Medicina
33
Processo: AIRR - 1941-86.2015.5.07.0018 Data de Julgamento:
30/05/2018, Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, 6ª Turma,
Data de Publicação: DEJT 08/06/2018.
Súmula 126 do TST
34
Processo: AIRR - 123-06.2016.5.14.0007 Data de Julgamento:
30/05/2018, Relatora Desembargadora Convocada: Cilene Ferreira Amaro Santos, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 08/06/2018.
Súmula 126 do TST
35
Processo: AIRR - 323-67.2016.5.23.0005 Data de Julgamento:
23/05/2018, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de
Publicação: DEJT 25/05/2018.
Súmula 126 do TST
36
Processo: ARR - 10630-61.2014.5.01.0038 Data de Julgamento:
23/05/2018, Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª
Turma, Data de Publicação: DEJT 25/05/2018.
Súmula 126 do TST
37
Processo: AIRR - 11444-40.2015.5.03.0149 Data de Julgamento:
23/05/2018, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 3ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 25/05/2018.
Súmula 126 do TST
330 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
38
Processo: AIRR - 2304-95.2012.5.03.0016 Data de Julgamento:
16/05/2018, Relator Ministro: Márcio Eurico Vitral Amaro, 8ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 18/05/2018.
Trabalhador externo
39
Processo: AIRR - 11097-53.2016.5.18.0052 Data de Julgamento:
16/05/2018, Relator Ministro: Márcio Eurico Vitral Amaro, 8ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 18/05/2018.
Súmula 126 do TST
40
Processo: ARR - 50800-45.2011.5.17.0132 Data de Julgamento:
16/05/2018, Relator Ministro: Walmir Oliveira da Costa, 1ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 18/05/2018.
Não preenchimento dos
requisitos de admissibilidade
do recurso
41
Processo: RR - 79-80.2013.5.23.0026 Data de Julgamento: 08/05/2018,
Relatora Ministra: Maria Helena Mallmann, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 11/05/2018.
Terceirização
42
Processo: AIRR - 1000833-75.2014.5.02.0342 Data de Julgamento:
09/05/2018, Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, 6ª Turma,
Data de Publicação: DEJT 11/05/2018.
Não preenchimento dos
requisitos de admissibilidade
do recurso
43
Processo: AIRR - 10555-04.2015.5.01.0065 Data de Julgamento:
02/05/2018, Relatora Desembargadora Convocada: Cilene Ferreira Amaro Santos, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 04/05/2018.
Não preenchimento dos
requisitos de admissibilidade
do recurso
44
Processo: E-RR - 618300-68.2007.5.09.0024 Data de Julgamento:
19/04/2018, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Subseção
I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT
27/04/2018.
Enquadramento na condição
de bancário
45
Processo: AIRR - 10385-22.2015.5.15.0007 Data de Julgamento:
18/04/2018, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma,
Data de Publicação: DEJT 27/04/2018.
Terceirização
46
Processo: RR - 853-13.2011.5.04.0252 Data de Julgamento: 18/04/2018,
Relatora Ministra: Maria Helena Mallmann, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 27/04/2018.
Súmula 126 do TST
47
Processo: AIRR - 1452-70.2015.5.07.0011 Data de Julgamento:
18/04/2018, Relator Desembargador Convocado: Ubirajara Carlos Mendes, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 27/04/2018.
Súmula 126 do TST
48
Processo: AIRR - 737-15.2014.5.09.0041 Data de Julgamento:
25/04/2018, Relatora Desembargadora Convocada: Cilene Ferreira Amaro Santos, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 27/04/2018.
Não preenchimento dos
requisitos de admissibilidade
do recurso
49
Processo: AIRR - 11716-24.2016.5.03.0044 Data de Julgamento:
25/04/2018, Relatora Desembargadora Convocada: Cilene Ferreira Amaro Santos, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 27/04/2018.
Terceirização
50
Processo: RR - 160700-67.2013.5.17.0010 Data de Julgamento:
18/04/2018, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma,
Data de Publicação: DEJT 20/04/2018.
Súmula 126 do TST
51
Processo: AIRR - 1700-83.2012.5.01.0051 Data de Julgamento:
18/04/2018, Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, 6ª Turma,
Data de Publicação: DEJT 20/04/2018.
Súmula 126 do TST
52
Processo: AgR-AIRR - 1311-87.2013.5.09.0133 Data de Julgamento:
11/04/2018, Relator Ministro: Emmanoel Pereira, 1ª Turma, Data de
Publicação: DEJT 13/04/2018.
Não preenchimento dos
requisitos de admissibilidade
do recurso
53
Processo: Ag-AIRR - 1713-17.2014.5.17.0003 Data de Julgamento:
04/04/2018, Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann, 1ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 06/04/2018.
Súmula 126 do TST
54
Processo: AIRR - 2952-37.2014.5.02.0015 Data de Julgamento:
04/04/2018, Relatora Desembargadora Convocada: Cilene Ferreira Amaro Santos, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 06/04/2018.
Não preenchimento dos
requisitos de admissibilidade
do recurso
55
Processo: AIRR - 25-44.2016.5.21.0001 Data de Julgamento:
14/03/2018, Relatora Ministra: Maria Helena Mallmann, 2ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 16/03/2018.
Súmula 126 do TST
56
Processo: AIRR - 92-18.2014.5.02.0030 Data de Julgamento:
14/03/2018, Relatora Desembargadora Convocada: Cilene Ferreira Amaro Santos, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 16/03/2018.
Não preenchimento dos
requisitos de admissibilidade
do recurso
57
Processo: RR - 1192-23.2012.5.03.0071 Data de Julgamento:
07/03/2018, Relatora Ministra: Kátia Magalhães Arruda, 6ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 09/03/2018.
Enquadramento na condição
de bancário
A reforma trabalhista... • 331
58
Processo: ARR - 603-36.2011.5.04.0104 Data de Julgamento:
28/02/2018, Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, 3ª
Turma, Data de Publicação: DEJT 02/03/2018.
Súmula 126 do TST
59
Processo: AIRR - 10937-60.2015.5.01.0044 Data de Julgamento:
28/02/2018, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de
Publicação: DEJT 02/03/2018.
Súmula 126 do TST
60
Processo: AIRR - 687-78.2014.5.06.0006 Data de Julgamento:
28/02/2018, Relator Ministro: Douglas Alencar Rodrigues, 5ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 02/03/2018.
Súmula 126 do TST
61
Processo: AIRR - 10896-88.2016.5.15.0070 Data de Julgamento:
28/02/2018, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma,
Data de Publicação: DEJT 02/03/2018.
Não preenchimento dos
requisitos de admissibilidade
do recurso
62
Processo: AIRR - 11632-91.2014.5.18.0103 Data de Julgamento:
28/02/2018, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma,
Data de Publicação: DEJT 02/03/2018.
Súmula 126 do TST
63
Processo: AIRR - 11033-85.2015.5.01.0073 Data de Julgamento:
21/02/2018, Relator Ministro: Douglas Alencar Rodrigues, 5ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 02/03/2018.
Súmula 126 do TST
64
Processo: ARR - 1388-45.2014.5.17.0002 Data de Julgamento:
21/02/2018, Relatora Ministra: Maria Helena Mallmann, 2ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 02/03/2018.
Súmula 126 do TST
65
Processo: AIRR - 959-03.2015.5.09.0411 Data de Julgamento:
21/02/2018, Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª
Turma, Data de Publicação: DEJT 23/02/2018.
Terceirização
66
Processo: AIRR - 10580-94.2014.5.01.0471 Data de Julgamento:
21/02/2018, Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, 3ª
Turma, Data de Publicação: DEJT 23/02/2018.
Súmula 126 TST
67
Processo: AIRR - 1430-43.2013.5.09.0652 Data de Julgamento:
07/02/2018, Relatora Ministra: Maria Helena Mallmann, 2ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 09/02/2018
Não preenchimento dos
requisitos de admissibilidade
do recurso
68
Processo: AIRR - 766-35.2016.5.06.0411 Data de Julgamento:
13/12/2017, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de
Publicação: DEJT 19/12/2017.
Não preenchimento dos
requisitos de admissibilidade
do recurso
69
Processo: ARR - 109400-13.2009.5.03.0005 Data de Julgamento:
13/12/2017, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma,
Data de Publicação: DEJT 15/12/2017.
Terceirização
70
Processo: ARR - 2539-62.2014.5.02.0067 Data de Julgamento:
06/12/2017, Relatora Desembargadora Convocada: Cilene Ferreira Amaro Santos, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 15/12/2017.
Incidência da multa do art.
477 da CLT
71
Processo: AIRR - 257-64.2015.5.09.0053 Data de Julgamento:
06/12/2017, Relatora Desembargadora Convocada: Cilene Ferreira Amaro Santos, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 15/12/2017.
Não preenchimento dos
requisitos de admissibilidade
do recurso
72
Processo: ARR - 20697-97.2014.5.04.0201 Data de Julgamento:
29/11/2017, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma,
Data de Publicação: DEJT 01/12/2017.
Súmula 126 do TST
73
Processo: RR - 70-48.2011.5.15.0047 Data de Julgamento: 29/11/2017,
Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, 3ª Turma, Data de
Publicação: DEJT 01/12/2017.
Não configuração de negativa
de prestação jurisdicional
74
Processo: Ag-ARR - 156500-31.2009.5.03.0015 Data de Julgamento:
22/11/2017, Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann, 1ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 24/11/2017.
Súmula 126 do TST
75
Processo: RR - 1899-82.2012.5.02.0373 Data de Julgamento:
22/11/2017, Relator Ministro: João Batista Brito Pereira, 5ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 24/11/2017.
Súmula 126 do TST
76
Processo: RR - 871-70.2012.5.11.0004 Data de Julgamento: 22/11/2017,
Relatora Ministra: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, 8ª Turma, Data de
Publicação: DEJT 24/11/2017.
Não configuração de negativa
de prestação jurisdicional
77
Processo: ARR - 2655100-94.2007.5.09.0013 Data de Julgamento:
08/11/2017, Relator Ministro: Cláudio Mascarenhas Brandão, 7ª Turma,
Data de Publicação: DEJT 17/11/2017.
Súmula 126 do TST
332 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
78
Processo: AIRR - 10697-43.2013.5.08.0207 Data de Julgamento:
08/11/2017, Relator Ministro: João Oreste Dalazen, 4ª Turma, Data de
Publicação: DEJT 17/11/2017.
Ônus da prova
79
Processo: AIRR - 1300-78.2015.5.02.0005 Data de Julgamento:
08/11/2017, Relatora Desembargadora Convocada: Cilene Ferreira Amaro Santos, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 10/11/2017.
Súmula 126 do TST
80
Processo: AIRR - 156000-29.2009.5.01.0044 Data de Julgamento:
08/11/2017, Relator Ministro: João Batista Brito Pereira, 5ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 10/11/2017.
Não preenchimento dos
requisitos de admissibilidade
do recurso
81
Processo: AIRR - 1400-83.2015.5.09.0863 Data de Julgamento:
07/11/2017, Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª
Turma, Data de Publicação: DEJT 10/11/2017.
Súmula 126 do TST
82
Processo: Ag-AIRR - 10625-77.2013.5.18.0013 Data de Julgamento:
07/11/2017, Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, 3ª
Turma, Data de Publicação: DEJT 10/11/2017.
Súmula 126 do TST
83
Processo: ARR - 1000900-70.2006.5.09.0004 Data de Julgamento:
25/10/2017, Relator Ministro: Guilherme Augusto Caputo Bastos, 5ª
Turma, Data de Publicação: DEJT 27/10/2017.
Súmula 126 do TST
84
Processo: RR - 449800-17.2007.5.09.0872 Data de Julgamento:
25/10/2017, Relator Ministro: Walmir Oliveira da Costa, 1ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 27/10/2017.
Não preenchimento dos
requisitos de admissibilidade
do recurso
85
Processo: AIRR - 899-22.2013.5.09.0016 Data de Julgamento:
18/10/2017, Relator Ministro: Douglas Alencar Rodrigues, 5ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 27/10/2017.
Súmula 126 do TST
86
Processo: AIRR - 1069-75.2014.5.09.0010 Data de Julgamento:
25/10/2017, Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª
Turma, Data de Publicação: DEJT 27/10/2017.
Súmula 126 do TST
87
Processo: AIRR - 2961-73.2014.5.02.0055 Data de Julgamento:
25/10/2017, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 3ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 27/10/2017.
Súmula 126 do TST
88
Processo: ED-ARR - 1744-23.2014.5.09.0015 Data de Julgamento:
18/10/2017, Relatora Ministra: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, 8ª Turma,
Data de Publicação: DEJT 20/10/2017.
Decisão de embargos de
declaração
89
Processo: AIRR - 1303-93.2015.5.17.0141 Data de Julgamento:
11/10/2017, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma,
Data de Publicação: DEJT 20/10/2017.
Súmula 126 do TST
90
Processo: AIRR - 854-72.2014.5.10.0010 Data de Julgamento:
11/10/2017, Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª
Turma, Data de Publicação: DEJT 20/10/2017.
Terceirização
91
Processo: AIRR - 20093-42.2014.5.04.0006 Data de Julgamento:
11/10/2017, Relator Ministro: Márcio Eurico Vitral Amaro, 8ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 16/10/2017.
Súmula 126 do TST
92
Processo: AIRR - 941-87.2014.5.02.0030 Data de Julgamento:
04/10/2017, Relatora Ministra: Delaíde Miranda Arantes, 2ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 13/10/2017.
Súmula 126 do TST
93
Processo: AIRR - 762-62.2013.5.09.0041 Data de Julgamento:
04/10/2017, Relator Ministro: Márcio Eurico Vitral Amaro, 8ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 06/10/2017.
Não preenchimento dos
requisitos de admissibilidade
do recurso
94
Processo: AIRR - 1687-61.2012.5.09.0019 Data de Julgamento:
27/09/2017, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de
Publicação: DEJT 29/09/2017.
Súmula 126 do TST
95
Processo: E-ED-RR - 507-64.2011.5.04.0122 Data de Julgamento:
21/09/2017, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Subseção
I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT
29/09/2017.
Prescrição bienal de trabalhador avulso
96
Processo: AIRR - 139-34.2013.5.15.0072 Data de Julgamento:
20/09/2017, Relator Ministro: Fernando Eizo Ono, 4ª Turma, Data de
Publicação: DEJT 29/09/2017.
Ônus da prova
97
Processo: AgR-AIRR - 686-96.2015.5.02.0062 Data de Julgamento:
27/09/2017, Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, 3ª
Turma, Data de Publicação: DEJT 29/09/2017.
Súmula 126 do TST
A reforma trabalhista... • 333
98
Processo: RR - 1078-26.2010.5.01.0034 Data de Julgamento:
27/09/2017, Relatora Ministra: Kátia Magalhães Arruda, 6ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 29/09/2017.
Não preenchimento dos
requisitos de admissibilidade
do recurso
99
Processo: AIRR - 892-69.2012.5.03.0036 Data de Julgamento:
27/09/2017, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 3ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 29/09/2017.
Súmula 126 do TST
100
Processo: AIRR - 2700-96.2008.5.04.0303 Data de Julgamento:
20/09/2017, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de
Publicação: DEJT 22/09/2017.
Súmula 126 do TST
101
Processo: Ag-AIRR - 10285-70.2014.5.15.0082 Data de Julgamento:
20/09/2017, Relator Ministro: Guilherme Augusto Caputo Bastos, 5ª
Turma, Data de Publicação: DEJT 22/09/2017.
Súmula 126 do TST
102
Processo: RR - 67800-69.2007.5.17.0012 Data de Julgamento:
20/09/2017, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma,
Data de Publicação: DEJT 22/09/2017.
Súmula 126 do TST
103
Processo: ARR - 74-51.2010.5.03.0113 Data de Julgamento: 20/09/2017,
Relator Ministro: Márcio Eurico Vitral Amaro, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 22/09/2017.
Súmula 126 do TST
104
Processo: RR - 1102-50.2014.5.09.0015 Data de Julgamento:
13/09/2017, Relatora Ministra: Delaíde Miranda Arantes, 2ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 22/09/2017.
Súmula 126 do TST
105
Processo: AIRR - 1964-90.2012.5.03.0004 Data de Julgamento:
20/09/2017, Relatora Ministra: Kátia Magalhães Arruda, 6ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 22/09/2017.
Súmula 126 do TST
106
Processo: RR - 182100-71.2008.5.02.0062 Data de Julgamento:
06/09/2017, Relatora Ministra: Delaíde Miranda Arantes, 2ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 15/09/2017.
Ônus da prova
107
Processo: AgR-AIRR - 305-49.2011.5.10.0016 Data de Julgamento:
13/09/2017, Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, 3ª
Turma, Data de Publicação: DEJT 15/09/2017.
Ônus da prova
108
Processo: AIRR - 1825-57.2012.5.01.0243 Data de Julgamento:
13/09/2017, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 3ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 15/09/2017.
Súmula 126 do TST
109
Processo: AIRR - 615-06.2015.5.03.0050 Data de Julgamento:
13/09/2017, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 3ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 15/09/2017.
Súmula 126 do TST
110
Processo: AIRR - 636-04.2014.5.02.0063 Data de Julgamento:
06/09/2017, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma, Data de
Publicação: DEJT 15/09/2017.
Não preenchimento dos
requisitos de admissibilidade
do recurso
334 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
ONDE ESTÁ O TRABALHADOR
INFORMAL NA CONSTITUIÇÃO?
CONSIDERAÇÕES SOBRE O TRABALHO
AUTÔNOMO NA PERSPECTIVA CONSTITUCIONAL
THE PLACE OF THE INFORMAL WORKER IN THE
CONSTITUTION CONSIDERATIONS ABOUT SELFEMPLOYMENT UNDER A CONSTITUTIONAL PERSPECTIVE
Gabriela Cardoso Portella1
Resumo: A concepção tradicional de informalidade está vinculada a ideia
de um contingente de trabalhadores homogêneo, pouco qualificado e recém-saído do campo, exclusivo de países subdesenvolvidos. A relação entre o informal e o formal é, entretanto, simbiótica (OLIVEIRA, 1972). Com
a reestruturação produtiva, o problema da informalidade atingiu também
o primeiro mundo o desemprego se tornou estrutural. As relações produtivas e de trabalho foram reconfiguradas sob a insígnia da flexibilização,
e a noção de informalidade foi ressignificada. Os informais constituem
um grupo extremamente heterogêneo, em que trabalhadores altamente
especializados e bem remunerados coexistem com trabalhadores de pouca instrução e condições laborativas precárias (DRUCK, 2011). No contexto da desregulamentação, a típica relação salarial fordista, representada
pelo contrato de trabalho por tempo indeterminado, perde espaço para
modalidades atípicas de contratação (KREIN, 2018). As alterações legisla1
Mestranda em Direitos Humanos e Democracia pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR). Pós-graduada lato sensu em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de
Direito Constitucional (ABDConst). Integrante do grupo de pesquisa Clínica de Direito
do Trabalho: Trabalho e Direitos (UFPR). E-mail: gabrielacportella@gmail.com
In: ANTUNES, Daniela Muradas; NICOLI, Pedro Augusto Gravatá; RODARTE, Wanessa
Susan de Oliveira (org.).A reforma trabalhista e o direito individual do trabalho: dos
retrocessos às resistências. 1ª edição. Belo Horizonte: Initia Via, 2019 (Anais do IV
Encontro da RENAPEDTS, vol. 2). ISBN: 978-85-9547-079-8. DOI: 10.17931/95470798/
v2a15.
A reforma trabalhista... • 335
tivas operacionalizadas pela Lei n. 13.467/2017 vêm, nesse sentido, redesenhar as relações trabalhistas, criando espaços cuja regulação representa
um novo desafio ao Direito do Trabalho. O discurso da crise e da excepcionalidade são empregados para justificar medidas de desmantelamento
sistemático dos direitos sociais fundamentais garantidos no âmbito do
constitucionalismo social. A introdução e o fomento de contratos atípicos trazidos pela Lei n. 13.467/2017, em especial a figura do trabalhador
autônomo, viola o espírito da Constituição (BAYLOS, 2012), e implica
processo de desconstitucionalização (FERRAJOLI, 2014), no qual o trabalho perde a posição privilegiada e o reconhecimento de seu valor social
conferidos pela lei fundamental e passa a ser compreendido na esfera dos
contratos privados, esvaziando-se assim o seu conceito político.
Palavras-chave: Informalidade, Contratos atípicos, Trabalho autônomo
Desconstitucionalização.
Abstract: The traditional conception of informality is linked to idea of a
uniform group of workers, poorly qualified and recently arriving from the
countryside, exclusively from underdeveloped countries. The relationship
between formal and informal is, therefore, symbiotic (OLIVEIRA, 1972).
With the productive reorganization, the issue with informality reached
also the first world countries, the unemployment became constructional.
The productive and labor relationships were reshaped under the banner
of flexibility, and the meaning of informality was reasigned. Informal
workers constitute an extremely heterogeneous group, where highly specialized and well paid personal coexist with poorly educated and poorly
paid coworkers (DRUCK, 2011). In the subject of deregulation, the typical
fordist salary regimen, represented by the indefinite work contract, give
room to atypical hiring practices (KREIN, 2018). The legislative changes
inducted by the law no. 13.467/2017 arrive in, that sense, redesigning the
labor relationships, creating spaces where regulations represent new challenges to Labor Law. The discourse about the crisis and the exceptionalism are employed to justify the actions of systematically dismantling the
underlying social rights granted in the scope of social constitutionalism.
The introduction and the promotion of atypical contracts brought in by
law no. 13.467/2017 particularly in the shape of the self-employed worker,
violates the spirit of the constitution (BAYLOS, 2012), and implicates the
336 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
process of deconstitutionalization (FERRAJOLI, 2014), in which the labor
loses the privileged position and recognition for your social values given
by fundamental law and passes into being comprised in the sphere of private contracts, therefore emptying itself from your political connotations.
Key-words: Informality,
Deconstitutionalization.
Atypical
contracts,
Self-employment,
*
1. Introdução
A reforma trabalhista operacionalizada pela Lei n. 13.467/2017
no Brasil, inserida num contexto mundial de desmantelamento de direitos
sociais, se caracteriza pelo aumento da liberdade empresarial no manejo
do trabalho, de modo a atender seus interesses quanto ao uso da mão de
obra, ao passo em que reduz a proteção social do trabalhador, redefinindo
o papel do Estado e estimulando a sujeição, cada vez mais inevitável, às
necessidades do capital. É possível cogitar que a norma legal atingiu o espírito da Constituição em um de seus mais caros elementos: a valorização
social do trabalho, esvaziando-lhe. O intuito deste artigo é analisar como
a reforma favorece a desconstrução da proteção constitucional do trabalho por meio da introdução ou fomento de modalidades de contratação
ditas atípicas, em especial o trabalho autônomo.
2. Constituição e crise
Vive-se um tempo de lutas por direitos que, embora já declarados,
concedidos ou conquistados, têm sua reivindicação necessária em face do
cenário de crise que se instaura. Conforme leciona BAYLOS (2013, p. 19),
direitos e democracia são conquistas históricas inseparáveis, afinal, esta
última não pode ser resumida ao procedimento de participação dos cidadãos nos processos eleitorais, mas deve se estender à imposição de conteúdos específicos em forma de direitos subjetivos ou prestações públicas
referentes ao trabalho e ao emprego, à educação, à informação, à saúde e
à vida. Tais direitos fundamentais são referenciados em múltiplas fontes,
A reforma trabalhista... • 337
entre as quais o autor evidencia as constituições nacionais, as cartas europeias de direitos e as declarações de direitos universais, com especial
relevância daquelas direcionadas ao trabalho.
Observa-se, porém, que o edifício histórico-normativo dos direitos fundamentais vem sendo atacado sob o pretexto da crise econômica.
Implicitamente, há a consideração de que o sistema de direitos existente
na democracia constitui um luxo que não pode ser preservado em tempos críticos, de modo que a excepcionalidade social é empregada para
justificar as medidas introduzidas em tais períodos, tendentes a fazer desaparecer o cenário regular de direitos e liberdades. A ação dos sujeitos
político-financeiros na aplicação das políticas de austeridade ignoram os
requisitos democráticos na produção de regras de direito – ignoram deliberadamente a necessária observância dos direitos fundamentais nacional
e internacionalmente consagrados (BAYLOS, 2013, p. 20).
De acordo com PÉREZ (2014, p. 152), no período pós-guerra
predominou nos Estados avançados europeus o constitucionalismo democrático-social, o qual proporcionou o controle político da economia e
a garantia efetiva dos direitos sociais de cidadania. O constitucionalismo
social possui a pretensão político-institucional de submeter a economia
a serviço da sociedade, bem como de garantir efetivamente todos os direitos fundamentais e, em especial, incorporar às constituições direitos
sociais, realizar políticas de redistribuição e democratizar e pluralizar a
ordem política e socioeconômica. Fundamental, pois, à consolidação da
cidadania social e do Direito Social do Trabalho como peças-chave do
sistema político do Estado Social assentado em normas fundamentais.
A partir da década de setenta, porém, sucederam-se transformações qualitativas sobre a Constituição material das sociedades europeias,
levando ao declínio do Estado Social nacional e dos pressupostos fundamentais de ordem econômica e social que constituíram a base do compromisso democrático-social keynesiano. Assistiu-se a uma virada nas relações entre poder público e mercado, numa racionalidade completamente
distinta daquela que existia no marco do constitucionalismo democrático
social. No marco da globalização e da crise econômica, a centralidade do
mercado coloca em questão se o Direito é, de fato, instrumento de transformação social democraticamente legítima (PÉREZ, 2014, p. 144).
Observa-se, assim, a emergência de um constitucionalismo frágil,
do tipo neoliberal, que subordina a Constituição Social às exigências da
338 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Constituição Econômica. PÉREZ (2014, p. 143) destaca que tal processo
é impulsionado pelas instituições políticas da União Europeia e facilitada por seu déficit democrático, vez que esta carece de um marco político
e normativo suficiente à garantia dos direitos fundamentais, em especial
os sociais. Para BAYLOS (2013, p. 20), é contraditório que a governança econômica implantada na União Europeia seja oposta aos princípios
indicados para a política social europeia. Seria mais adequado que a regulação dos direitos sociais partisse da premissa de não-regressividade,
impedindo-se, assim, a redução de nível de proteção reconhecido nos ordenamentos internos dos países-membros. O que se observa, no entanto,
é o predomínio da Constituição Econômica material sobre a fragilizada
Constituição Social.
A crise econômica, cujas causas residem no modelo de capitalismo especulativo predominante nas últimas décadas, é trazida como
fundamento para o desmantelamento sistemático dos direitos sociais
fundamentais garantidos no âmbito do constitucionalismo social. Com as
reformas modernizadoras e racionalizadoras do modelo social europeu,
houve a redefinição do Estado social de Direito em Estado de competência
econômica/Estado mercado e a mercantilização dos direitos sociais. Em
termos constitucionais, promoveu-se a transformação da Constituição democrático-social garantista do trabalho em uma Constituição Social flexível e debilitada do trabalho, completamente subordinada à Constituição
Econômica, de forte orientação neoliberal (PÉREZ, 2014, p. 149).
Eis um contexto favorável à realização de mudanças tácitas e
também reformas dos textos constitucionais no marco de uma situação
materialmente de exceção, embora não declarada, em que há a ruptura
do constitucionalismo do Estado Social. Tal ruptura é especialmente expressiva diante da tensão entre o constitucionalismo democrático social
que edificou o Estado Social e o surgimento de uma nova realidade constitucional da integração, no âmbito da União Europeia. Trata-se de uma
fase de transição das formas de organização política da sociedade, na qual
o direito constitucional não pode ser reduzido a um simples universo de
normas, mas tem que ser compreendido de maneira mais ampla, abrangendo a realidade constitucional e a Constituição material (PÉREZ, 2014,
p. 151).
Já no contexto latino-americano, GARGARELLA (2016, p. 27)
afirma que foi no século XX que o direito constitucional se voltou a resol-
A reforma trabalhista... • 339
ver fundamentalmente questões políticas e sociais, as quais haviam sido
explicitamente deixadas de lado durante o século fundacional do constitucionalismo latino-americano. A mudança de paradigma não se deveu,
por óbvio, à voluntariedade das classes dirigentes, mas sim a um largo
processo marcado pela crise política e por lutas sociais. Os novos tempos
foram marcados pela crescente mobilização dos segmentos subalternos,
os quais questionavam o caráter repressivo dos governos e o contexto político e social que os vitimava.
Dois foram os fatores de relevância neste momento de ruptura: a chegada efetiva e progressiva do sufrágio universal e Constituição
do México de 1917. A Constituição Mexicana representou um fato histórico para o constitucionalismo mundial, por se tratar da primeira lei
fundamental a incorporar de forma explícita e extensa significativa rol
de direitos sociais. Inaugurou-se ali o constitucionalismo social, que passaria a ser marca de identidade do constitucionalismo latino-americano
(GARGARELLA, 2016, p. 29).
O constitucionalista pondera, no entanto, que a mudança observada na previsão de direitos não se estendeu à organização do poder
sob o novo paradigma. Por um lado, verificou-se a abertura de direitos
constitucionais; por outro, uma organização constitucional do poder
ainda mais concentrada: “la clase obrera ingresó por primera vez em la
Constitución, pero que lo hizo exclusivamente a través de la sección de los
derechos, y no a partir de la decisiva área referida a la organización del
poder” (GARGARELLA, 2016, p. 31). Assim, as reformas constitucionais
latino-americanas se destacaram pela introdução de direitos em seu texto,
porém, deixaram a sala de máquinas fechada à classe trabalhadora.
Nesta perspectiva, reivindica-se a recuperação da Constituição ao
povo, colocando-o efetivamente no centro do cenário constitucional, com
a operacionalização de reformas voltadas à modificação dos organismos
de poder. Sugere como um caminho possível: i) a revitalização do Poder
Judiciário, com ampliação do acesso à justiça e radical abertura deste poder, a exemplo das reformas ocorridas na Costa Rica e na Colômbia, que
abrem as portas para decisões inéditas em matéria social; ii) a recuperação do protagonismo do Poder Legislativo, realocando-o para o centro do
processo de tomada de decisões democráticas; iii) a real escuta dos grupos em situação de desvantagem, um direito de consulta prévia àqueles
que são diretamente afetados pelas tomadas de decisões, como no caso de
340 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
conflitos entre povos indígenas e interesses pela aceleração da exploração
de recursos primários por determinados governos, principal fonte atual
de conflitos da América Latina (GARGARELLA, 2016, p. 49).
Porém, diante do cenário crítico de flexibilização de direitos e
submissão da Constituição Social aos interesses mercadológicos, como
viabilizar o protagonismo do povo na Constituição? Não se estaria, ao
contrário, alijando a maior parte do povo dos direitos e garantias ali presentes, através de reformas legislativas tendentes ao esvaziamento do texto constitucional? Alterações legislativas estas que, a exemplo da reforma
trabalhista brasileira, ocorrem a despeito da baixa legitimidade do governo em vigência e da sub-representação do povo no Poder Legislativo,
em evidente contramão da proposta trazida por GARGARELLA. Ainda,
reforma esta tendente à limitação do acesso à justiça e levada a cabo sem
o debate público efetivo, que inclua a voz daqueles a quem mais afeta: os
trabalhadores.
Há, assim, a percepção de que a reforma atinge o espírito constitucional de valorização do trabalho, consistindo em processo de desconstitucionalização, conforme se versará adiante.
3. O processo de desconstitucionalização
Em sua obra Poderes Selvagens, FERRAJOLI (2014) trata do processo de desconstitucionalização que reputa estar em curso no sistema
político italiano. O aspecto mais grave deste processo é a rejeição manifestada pela classe governante ao próprio constitucionalismo, ou seja, aos
limites e vínculos constitucionais impostos às instituições representativas.
De acordo com o autor, “uma democracia pode ser derrubada sem golpes
de estado formais se os princípios dela forem de fato violados ou contestados, sem que suas violações suscitem rebeliões ou ao menos dissenso”
(FERRAJOLI, 2014, p. 14). Daí que, na ausência de limites e controles,
os poderes tendem a se concentrar e a se acumular em formas absolutas,
transmutando-se, na ausência de regras, em poderes selvagens.
Importa compreender, na esteira de suas considerações, que a
concepção formal de democracia, embora absolutamente necessária, é
insuficiente, pois não identifica toda as condições na presença das quais
um sistema político pode ser qualificado como uma democracia constitucional. Neste sentido, o constitucionalismo rígido operou uma importante
A reforma trabalhista... • 341
ruptura, ao trazer a noção de que os poderes são vinculados não apenas às
formas, mas também à substância de seu exercício, limitada pela esfera
do indecisível, constituída por direitos de liberdade e sociais. Trata-se da
dimensão substancial da democracia.
Em qualquer democracia constitucional, é inevitável a existência de certo grau fisiológico de inefetividade e ilegitimidade, em razão
do caráter normativo das suas fontes de legitimação, caracterizado pela
ocorrência de determinas lacunas e antinomias. Além de certo limite, todavia, o grau de inefetividade do paradigma constitucional pode tornar-se
patológico, redundando na desconstitucionalização, constatada na Itália:
o projeto de desconstitucionalização manifestou-se nas propostas
de lei destinadas a reduzir a liberdade de imprensa em matéria de
interceptações e de direito de greve, e também nas propostas de
modificar a identidade de nossa democracia, superando o incipit
da Constituição Italiana, segundo o qual ‘A Itália é uma república
fundada no trabalho’ e o princípio estabelecido pelo artigo 41 segundo o qual “a iniciativa econômica privada não se pode desenvolver em desacordo com a utilidade social ou de modo a causar
dano à segurança, à liberdade e à dignidade humana” (FERRAJOLI,
2014, p. 31).
O autor também identificou como pertencentes ao processo de
desconstitucionalização as leis limitadoras de direitos a imigrantes, a redução das garantias jurisdicionais dos direitos trabalhadores, a agressão
aos sindicatos e a a precarização do trabalho e, portanto das condições de
vida de milhões de pessoas (FERRAJOLI, 2014).
BAYLOS (2013, p. 35) recorre à noção de desconstitucionalização
ao tratar das reformas legislativas do mercado de trabalho em relação à
constituição democrática. Segundo o autor, este é um conceito que representa o processo de decisões de autoridades públicas – em especial as
governamentais – que dissolvem a ordem institucional prevista por meio
de violações graves e contínuas à letra e ao espírito da constituição. Fala-se
de constituições abdicativas ou desconstitucionalizantes, isto é, marcos
constitucionais que, como consequência à ofensiva neoliberal, renunciam
ao seu potencial democratizante, tanto no campo político, quanto no econômico, e se transmudam em algo completamente diverso. Tal processo
de desconstitucionalização também pode ser compreendido, por outro
342 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
lado, como uma reconstitucionalização em sentido autoritário, uma sucessão de eventos tendente a deformar a estrutura dos direitos constitucionais e de sua função político-democrática.
O conceito de desconstitucionalização é utilizado no sentido de
privação dos atributos constitucionais que correspondem ao trabalho
como categoria política assim reconhecida na norma fundamental. Nas
Constituições das democracias ocidentais europeias, lembra o autor, o
trabalho representa um valor político fundamental. O trabalho não é um
fato privado, mas sim um fenômeno social e político que funda a legitimidade da Constituição em um sentido material, isto é, o funcionamento
concreto da vida em sociedade e seus equilíbrios de poder. No Estado
Social se plasma o compromisso entre a racionalidade do capital e a tutela
do trabalho (BAYLOS, 2013, p. 36).
É possível aplicar apropriadamente a noção de desconstitucionalização ao processo da reforma trabalhista. Neste processo, o trabalho é
deslocado da posição que lhe é concedida pela Constituição, e passa a ser
progressivamente compreendido na esfera dos contratos privados, regido
como um fato particular pelos interesses das empresas e regras do mercado. O trabalho como categoria política, condição de assalariamento e modelo de integração e identidade, a partir do qual se erige um núcleo protetivo de direitos ao sujeito, resta esvaziado, frente ao incentivo da adoção
de modalidades de contratação atípicas e do aumento da informalidade2.
4. Informalidade: um breve retrato
Conceituar informalidade é tarefa árdua. O termo foi cunhado
em um estudo desenvolvido pela Organização Internacional do Trabalho
em 1972, a respeito das condições de trabalho no Quênia, e a partir de
então passou a ser utilizado de forma sistemática. Nele, os setores formal
e informal foram diferenciados pelo relacionamento do primeiro com o
Segundo dados do IBGE, a taxa de desocupação no segundo trimestre de 2018 ficou
estável em relação ao trimestre anterior, porém houve significativa redução do emprego
com qualidade, que permanece em queda. Em relação ao mesmo período de 2017, houve
um aumento de 5,7% de trabalhadores informais, isto é acréscimo de 597 mil pessoas
em tal condição. (IBGE. Desocupação fica estável, mas informalidade aumenta em maio.
Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/21582-desocupacao-fica-estavel-mas-informalidade-aumenta-em-maio.html. Acesso em 30 de junho de 2018).
2
A reforma trabalhista... • 343
governo, o que o fazia deter vantagens consideráveis, como o acesso a crédito, enquanto o setor informal operava fora do sistema de benefícios e
regulação governamental (OIT, 1972).
Inicialmente, numa perspectiva que associava desenvolvimento à
industrialização e à urbanização, a ideia de informalidade esteve fortemente vinculada à periferia do capitalismo, em contraste com a condição
salarial das economias europeias e países de “pleno-emprego”. Nos países de dinâmica industrial tardia e subordinada, como é o caso do Brasil,
aqueles indivíduos que se situavam fora da relação salarial típica, e ali
exerciam atividades a fim de garantir sua sobrevivência, correspondiam
aos informais (DRUCK, 2011, p. 89). Nesse contexto, a informalidade se
caracterizava por “rendimentos inferiores ao do setor formal, níveis de
proteção social reduzidos, jornadas intermitentes, condições de trabalho
precárias e instáveis” (ARAÚJO, 2011, p. 163).
NORONHA (2003), ao explicar a concepção da informalidade no
Brasil nos anos 1960 e 1970, utiliza a abordagem econômica da “velha
informalidade”. De acordo com o autor, sob esse prisma a informalidade é
compreendida como um fenômeno típico de sociedades em transição, nas
quais uma massa de desempregados e subempregados recém-chegados do
campo se aglomeravam nas cidades industrializadas. Aqui, o trabalho informal é classificado como subemprego e sua existência seria solucionada
com o próprio desenvolvimento.
Esse entendimento da informalidade como residual e pensada
através da dicotomia atrasado/moderno – informal/formal recebeu oposição de diversos autores, que apontam para uma relação mais dialética.
CACCIAMALI (1982, p. 108), por exemplo, apresenta o setor informal
como um espaço econômico subordinado e intersticial ao movimento
das formas de organização da produção capitalista, que continuamente
se desloca e recria, em conformidade às condições gerais de economia. Já
FRANCISCO DE OLIVEIRA, Em A Economia Brasileira: crítica à razão
dualista, originalmente escrito em 1972, explica que as economias pré-industriais latino-americanas foram criadas precisamente pela expansão
do capitalismo mundial, de modo que a relação entre o atrasado e o moderno, o informal e o formal, é simbiótica, dotada de organicidade, uma
unidade de contrários, em que o chamado ‘moderno’ cresce e se alimenta
da existência do “atrasado”.
344 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Antes vista como um problema exclusivo dos países pobres, partir dos anos 1980 a questão da informalidade chega ao primeiro mundo,
no contexto da reestruturação produtiva, desregulamentação mercantil e
realocalização industrial. Com a fragmentação da relação salarial fordista
e a franca expansão do modelo Toyota, assiste-se à desregulamentação
e flexibilização das relações de trabalho. O desemprego cresce e surgem
novas formas precarizadas de contratação, em substituição às relações trabalhistas típicas (LIMA, 2009, p. 40).
No Brasil, a partir de 1990 foram adotadas medidas de liberalização e privatização da economia, as quais intensificaram a reestruturação produtiva. Houve uma nítida ampliação das modalidades de trabalho
mais desregulamentadas, fora do padrão clássico celetista, com o significativo aumento do número de empresas de terceirização e locadoras de
força do trabalho de temporário (ANTUNES, 2009, p. 105). Sob o argumento da diminuição de encargos sociais e incentivo a contratações e formalização, os governos Collor e FHC empreenderam diversas estratégias
de desregulamentação, entre as quais é possível destacar, ilustrativamente:
a lei das cooperativas profissionais; a desindexação salarial; a restrição do
poder de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego; a denúncia
da convenção 158 da OIT, que limitava a dispensa imotivada; a restrição
do exercício da greve dos servidores públicos; a liberação do trabalho aos
domingos; a instituição do trabalho por tempo determinado, do trabalho
voluntário, do “banco de horas”, do trabalho por tempo parcial e da suspensão do contrato de trabalho (OLIVEIRA, 2011, p. 105).
Diante das transformações em curso no mundo do trabalho, a
informalidade volta a ser debatida, ressignificada, porém. NORONHA
(2003, p. 119) faz menção à abordagem da “nova informalidade”, caracterizando-a como resultado das mudanças no processo de trabalho, de
novas concepções organizacionais e novos tipos de trabalho gerados pela
sociedade pós-fordista. Essa informalidade renovada é constituída por
formas variadas de inserção no mercado de trabalho e se caracteriza pela
heterogeneidade de seus trabalhadores. Estes têm em comum a falta de
vínculos (inclusive no sentido de coletividade de trabalho) e a constante
situação de risco e incerteza que estão submetidos (DRUCK, 2011, p. 94).
O contrato de trabalho torna-se, também, flexível. Por emprego
típico compreende-se o “trabalho assalariado exercido de forma subordinada a um único empregador por meio de um contrato firmado por
A reforma trabalhista... • 345
tempo indeterminado, em tempo integral, inserido plenamente no sistema de seguridade social, cujo término ocorre por causa justificada”
(CACCIAMALI, 1982, p. 13). No mesmo sentido, FERREIRA (2005, p.
266) aponta os principais aspectos sobre os quais se assenta a relação de
trabalho típica: a subordinação jurídica, o espaço da grande empresa, a
duração indeterminada e a garantia de subsistência do vínculo de trabalho, a unicidade do empregador e a estabilidade temporal e remuneratória. A relação assalariada típica entra em declínio com o incremento de
outras formas de participação na produção.
KREIN (2007, p. 114) aponta para a nova utilização dos contratos atípicos. Até então, em sua definição clássica, seu uso era restrito a
situações específicas, tais como a substituição eventual de um trabalhador
e em setores caracterizadas pela natureza sazonal de suas atividades. Os
contratos atípicos se tornaram, porém, generalizáveis para o conjunto do
mercado de trabalho, participando do processo de redefinição do padrão
de relações de trabalho, afinados à desregulamentação econômica. As formas de contratação atípicas são classificadas em cinco grupos por Krein,
quais sejam: a) as formas clássicas, destinadas à substituição eventual ou
provisória de trabalho e a trabalhos sazonais; b) as formas destinadas a
“estimular” a contratação, através do seu barateamento, a exemplo dos
contratos temporário e parcial; c) os contratos que facilitam a inserção de
grupos vulneráveis no mercado de trabalho, como o contrato aprendiz;
d) os contratos destinados a prevenir passivos trabalhistas no futuro, tais
como o trabalho voluntário; e) os servidores públicos não efetivos, demissíveis e os contratos por tempo determinado.
As leis n. 13.467/2017 e 13.429/2017, que instituíram, respectivamente, a Reforma Trabalhista e a nova regulação do trabalho terceirizado
implicaram em alterações sensíveis no contrato individual de trabalho,
flexibilizando o modelo pretérito. Entre as modalidades de contratação
endossadas, destaca-se a figura do trabalhador autônomo, a respeito do
qual se tratará adiante.
5. O trabalhador autônomo
A Lei n. 13.467/2017 trouxe a figura do trabalhador autônomo
exclusivo, tendo acrescido ao texto celetista o artigo 442-B. O dispositivo
procura fazer uma espécie de blindagem do aspecto formal ao estipular
346 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
que a contratação do autônomo afasta a qualidade de empregado prevista
no artigo 3o da legislação, e prevê que eventual cláusula de exclusividade não é capaz de modificar a natureza do contrato formalmente estabelecido. Em indisfarçável pretensão de afastar o princípio da primazia
da realidade, obstaculiza o reconhecimento de relações empregatícias em
contratos de natureza formalmente diversa3
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
Contínua, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,
no trimestre de março a maio de 2018 a população desocupada no país
correspondia a 13,2 milhões, ao passo que a população ocupada totalizava
90,9 milhões. Os trabalhadores classificados como conta própria4 totalizavam 22,9 milhões de pessoas. Se somados aos empregados sem carteira
de trabalho assinada5, correspondente a 11,1 milhões, resultavam em 34
milhões de pessoas, número superior ao de empregados com carteira de
trabalho assinada, que é de 32,8 milhões. No mesmo período, trabalhadores domésticos foram estimados em 6,1 milhões; empregadores em 4,3
milhões de pessoas e empregados no serviço público, inclusive servidores
estatutários e militares, corresponderam a 11,5 milhões de pessoas; e trabalhadores familiares auxiliares somaram 2,1 milhões.
Não se trata, porém, de artimanha legislativa inédita. Observe-se, por exemplo, que a Lei
n. 8.949/1994, ao alterar o artigo 442 da CLT, tratou do não reconhecimento da relação
de emprego entre cooperados e cooperativas e entre cooperados e tomadores de serviços
de cooperativas. Igualmente, a Lei n. 11.196/2005 previu em seu artigo 129 a prestação de
serviços intelectuais, mesmo em caráter personalíssimo, por meio de pessoa jurídica personalizada, com a possibilidade de designação de obrigação aos sócios e aos empregados
da empresa prestadora em relação à empresa tomadora de serviços (FONTES, 2017, p. 78)
4
Na metodologia da pesquisa, pessoa que trabalhava explorando o seu próprio empreendimento, sozinha ou com sócio, sem ter empregado e contando, ou não, com a ajuda de
trabalhador familiar auxiliar.
5
Na metodologia da pesquisa, empregado é a pessoa que trabalhava para um empregador
(pessoa física ou jurídica), geralmente obrigando-se ao cumprimento de uma jornada de
trabalho e recebendo em contrapartida uma remuneração em dinheiro, mercadorias, produtos ou benefícios (moradia, alimentação, roupas etc), com ou sem carteira assinada.
3
A reforma trabalhista... • 347
KREIN e outros (2018. p. 104), ao tratarem das modalidades atípicas de contratação do trabalho e flexibilização, demonstram que o processo de pejotização engloba uma série de elementos associados às transformações do trabalhado observados nas últimas décadas, quais sejam: a
ameaça do desemprego e a intensificação da pressão, o que dificulta a resistência pelo trabalhador; a transferência do gerenciamento do trabalho
para o trabalhador, sem que sem deixe de ter o controle sobre seu trabalho
e, por fim, a pressão pela desregulamentação da jornada de trabalho, com
a crescente indistinção entre o que é e o que não é trabalho.
Transformar o trabalhador em pessoa jurídica significa, por um
lado, alijá-lo de direitos e garantias inerentes à relação de emprego: horas
extras remuneradas, intervalos e descansos remunerados, décimo terceiro
salário, direitos e benefícios previdenciários. Por outro, atrela sua sobrevivência às demandas do capital, tornado sua força de trabalho utilizável
na exara medida da necessidade do contratante. Ainda de acordo com
a PNAD-C, dados referentes ao primeiro semestre de 2018 demonstram
que a categoria de trabalhadores por conta própria foi a que trabalhou
mais horas por semana, atingindo a média de 45,8 horas, em contraste
com 39,5 dos empregados e 37,1 horas dos empregadores. A inclusão da
figura do autônomo exclusivo na reforma trabalhista pode ser compreendida como uma forma de estimular ainda mais o processo de pejotização, especialmente por meio da figura do Microempreendedor Individual
(KREIN e outros, 2018. p. 105).
348 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
6. Considerações finais
As novas contratualidades consistem em um campo fértil de discussão a respeito das possibilidades de tutela do trabalhador pelo Direito
do Trabalho tal como ele é conhecido. Em especial quando se fala da figura do trabalhador autônomo exclusivo, instituído pela Lei n. 13.467/2017,
bem como ao incentivo dessa modalidade de trabalho em detrimento da
relação clássica empregatícia, se está arrastando o trabalho para o campo
dos contratos privados, onde o empregado é transformado em um prestador de serviços, afastando-se, assim, uma indesejável imisção do Direito
do Trabalho em tal relação jurídica.
A Constituição de 1988 elevou ao nível de garantia constitucional a relação de emprego, seus contornos e responsabilidades. Embora
na Constituição conste o termo “relação de trabalho”, FONTES (2017, p.
79) leciona que a interpretação lógica e restritiva do texto constitucional
leva à percepção de que se trata, verdadeiramente, de relação de emprego,
elencando-se direitos constitucionais decorrentes deste fato. Corrobora
este entendimento o fato de que, quando houve intenção de se estender
tais direitos a outras categorias, isso foi feito expressamente, como é o caso
do trabalhador avulso.
É possível afirmar, pois, que a relação de emprego está constitucionalizada no artigo sétimo da Carta Magna, e a ela está prevista uma
série de direitos e garantias, historicamente consolidada. Se se admite
a generalização indiscriminada de modalidades atípicas de trabalho, a
exemplo do trabalhado autônomo, então estaria o legislador autorizado
a esvaziar o alcance dos direitos sociais constitucionais, a partir da disseminação de exceções ao contrato de trabalho por tempo indeterminado.
Se coube ao Constituinte eleger o valor social do trabalho como
um dos fundamentos da República Federativa, prevendo um patamar de
garantias e direitos ao trabalhador, em contraposição aos princípios da
propriedade e da livre iniciativa, o que se observa, pois, é o esvaziamento
do conteúdo da normativa da Constituição, ferindo-se o próprio pacto
constitucional – verdadeiro processo de desconstitucionalização, conforme oportunamente demonstrado no decorrer deste texto.
A reforma trabalhista... • 349
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A reforma trabalhista... • 351
NEGOCIAÇÃO INDIVIDUAL NO CONTRATO DE
TRABALHO: O FIM DA EQUIPARAÇÃO SALARIAL
PARA OS EMPREGADOS “HIPERSUFICIENTES”?
INDIVIDUAL NEGOTIATION OF THE EMPLOYMENT
CONTRACT: THE END OF THE WAGE EQUALIZATION
TO THE “HYPERSUFFICIENT” EMPLOYEE?
Phelippe Henrique Cordeiro Garcia1
Resumo: Com a Lei 13.467/2017, o Direito do Trabalho brasileiro sofre
uma reorientação abrupta, sobretudo pela subversão e tentativa de neutralização dos seus princípios estruturantes e fundamentais. A figura que
mais concentra os discursos que envolvem a “reforma” é o impropriamente chamado empregado “hipersuficiente”. A doutrina tem se dedicado a
criticar esta alteração a partir de uma análise principiológica e genérica, apontando desobediência a princípios como o da igualdade, o da indisponibilidade e o da proteção. Sem desconsiderar a importância desta
crítica, o presente estudo centra-se em realizar uma análise dogmática,
apontando contradições e incompatibilidades que a alteração pode provocar, debruçando-se sobre uma das diversas repercussões: a difícil (ou
impossível) compatibilização entre a negociação individual e a equiparação salarial. A equiparação salarial assume compromisso importante com
Graduando em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) – Curitiba/PR,
Brasil. Integrante do Grupo de Pesquisa Trabalho e Direitos, sob coordenação do Prof.
Dr. Sidnei Machado, junto à Universidade Federal do Paraná. Pesquisador bolsista pelo
CNPq. Membro da diretoria executiva da Câmara Nacional de Arbitragem Trabalhista
– CANATRA. Membro fundador do Núcleo Discente de Direito do Trabalho da UFPR.
phegarcia.ufpr@gmail.com.
1
In: ANTUNES, Daniela Muradas; NICOLI, Pedro Augusto Gravatá; RODARTE, Wanessa
Susan de Oliveira (org.).A reforma trabalhista e o direito individual do trabalho: dos
retrocessos às resistências. 1ª edição. Belo Horizonte: Initia Via, 2019 (Anais do IV
Encontro da RENAPEDTS, vol. 2). ISBN: 978-85-9547-079-8. DOI: 10.17931/95470798/
v2a16.
352 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
a concretização da igualdade no bojo das relações de emprego, tendo em
vista que é o meio pelo qual um empregado que exerce a mesma função
que outro, realizando trabalho de igual valor, adquire o direito de receber
a mesma remuneração. No entanto, a mudança provocada pela “reforma”
trabalhista visa a atomizar o Direito do Trabalho, subvertendo sua lógica
essencialmente coletiva, de modo que o empregado que receba salário acima de média e ostente diploma de curso superior passa a poder negociar
individualmente seu contrato, com preponderância aos instrumentos coletivos. Estas negociações individuais podem gerar repercussões remuneratórias, possibilitando, assim, que empregados recebam salários distintos
exercendo a mesma função. Desta forma, estaria esvaziada a noção de
equiparação salarial para os chamados empregados “hipersuficientes”?
Palavras-chave: Altos empregados; Equiparação salarial; Negociação individual; Empregado hipersuficiente.
Abstract: With the advent of the Law 13.467/2017, the Brazilian Labour
Law faces an abrupt reorientation, especially because of the subversion
and the effort to neutralize the structural and fundamental principles. The
legal figure that most concentrates the reform’s speech is the improperly
called “hypersufficient” employee. The legal literature has dedicated itself
to criticize the legislative amendment trough a general analysis, based on
principles, indicating disobedience, for example, to the principle of equality, the principle of unavailability and the principle of protection. Without
ignoring the importance of this critical analysis, this work focuses on the
dogmatic matter, especially about one of the its repercussions: the hard
(or impossible) compatibilization between the individual negotiation and
the wage equalization. The wage equalization has an important connection with the concretization of equality in the employment relationships,
because it represents an instrument through which the employee who
works at the same function of the other one, providing equal value work,
acquires the right of receiving the same wage. However, the reform aims
to atomize the Labor Law, going against its essentially collective logic, so
that the employee, who receives more than the average and has an university degree, can negotiate his contract individually, above the collective negotiations. These individuals negotiations can create remuneratory
repercussions, allowing employees to receive different wages, performing
A reforma trabalhista... • 353
the exact same work. Therefore, is the wage equalization notion completely emptied to the called “hypersufficient” employee?
Keywords: Senior executives; Wage equalization; Individual negotiation;
Hypersufficient employee.
*
1. Introdução
A Lei 13.467/2017 estremeceu as bases históricas e principiológicas do Direito do Trabalho brasileiro. À margem de tudo o que vinha
sendo construído em âmbito acadêmico, doutrinário e jurisprudencial, a
alteração legislativa absorveu os interesses e as demandas de um segmento específico da sociedade e se posicionou manifestamente em contraposição às concepções fundamentais do ramo.
Tais modificações foram postas para diametralmente confrontarem os princípios estruturantes do Direito do Trabalho, colocando em
xeque, se levadas em sua literalidade, a própria subsistência autônoma do
ramo.
A figura que mais assimilou essas concepções é a do chamado
empregado hipersuficiente2, tendo em vista que representa o grau máximo
de flexibilização e desregulamentação trabalhistas.
Trata-se, é claro, de modificação bastante polêmica que tem sido
objeto de duras reprimendas por parte dos operadores. A doutrina tem
apontado uma série de problemas decorrentes da nova previsão legal,
cujas críticas têm assumido, no geral, feições mais teóricas e principiológicas. Sem desprezar a importância destas perspectivas, o presente estudo
se dedica a realizar uma análise dogmática dos institutos, apontado alguns
desarranjos desta figura com relação a outras normas que a circundam.
Antes da reforma, o termo “altos empregados” geralmente aludia aos empregados enquadrados em cargos de confiança. Com a reforma, foi criada uma nova modalidade de
altos empregados, que podem ou não estar enquadrados nos cargos que exigem fidúcia.
Portanto, para que se evite confusão, esclarece-se que, quando for utilizado o termo altos
empregados, não estará se referindo àqueles enquadrados em cargo de confiança - os quais
serão expressamente identificados -, mas aos empregados ditos “hipersuficientes”. Neste
estudo, portanto, altos empregados e empregados hipersuficientes serão utilizados como
sinônimos.
2
354 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Não se ignora o leque de dúvidas que se abre quanto à constitucionalidade do parágrafo único do art. 444 da CLT (SOUZA, 2018, p.
278). Vários são os argumentos contrários. Esclareça-se, contudo, que este
não é o foco deste estudo, motivo pelo qual apenas serão feitas menções à
interpretação conforme a Constituição no tocante à remuneração, o que
não esgota as máculas de inconstitucionalidade da alteração pretendida
pelo legislador. O trabalho tampouco irá se referir às matérias que podem
ser objeto de negociação, previstas no artigo 611-A, cuja constitucionalidade também é duvidosa. Também não se avaliará em profundidade,
as condições reais de barganha nas negociações efetuadas pelos empregados, nem, tampouco, a disparidade negocial entre sujeitos integrantes
dos polos contratuais. A análise será feita exclusivamente em relação à
compatibilidade entre os institutos da negociação individual e equiparação salarial, que é o objeto principal deste estudo, e, para tanto, a constitucionalidade das alterações e a ausência de vício de consentimento na
negociação empreendida estarão presumidas.
A Lei 13.467/2017 inseriu o parágrafo único ao artigo 444 da CLT
que estabelece a livre estipulação do contrato de trabalho, com preponderância à lei e aos instrumentos coletivos, nas hipóteses em que o empregado seja portador de diploma de nível superior e que perceba salário
mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do
Regime Geral de Previdência Social.
Com efeito, fica claro o intuito do legislador de privilegiar a negociação individual do contrato de trabalho. Sabe-se, entretanto, que as normas não devem ser lidas isoladamente, posto que pertencem a um grande
sistema e, com ele, devem ser interpretadas, em consonância com todo o
complexo normativo.
Diante disso, exige-se que o intérprete leve em consideração as
demais normas do ordenamento na delimitação da extensão dos efeitos
de cada instituto. E um dos possíveis limitadores da negociação individual no contrato de trabalho diz respeito justamente ao direito à igualdade
nas relações de emprego e, mais precisamente, ao direito à equiparação
salarial.
É certo que, com a negociação, as partes buscam alterar e modular
as prestações atinentes a cada polo contratual. Assim sendo, considerando
que as obrigações principais do contrato de trabalho são a remuneração e
A reforma trabalhista... • 355
a prestação de trabalho, muitas vezes a negociação resultará em repercussões econômicas na remuneração do empregado.
Nesta linha, se a negociação é individual, isso significa que, a
priori, o empregado que dela participa passa a ostentar remuneração diferenciada em relação aos demais empregados que porventura exerçam
a mesma função, mas que não tenham negociado as mesmas condições.
Ocorre que o artigo 461 da CLT — que permanece vigente mesmo após a reforma, embora com algumas modificações que serão exploradas em capítulo próprio — consagrou, no Direito do Trabalho, o princípio do salário igual para trabalho igual, repercussão máxima do princípio
constitucional da igualdade na seara das relações de emprego. É, segundo CATHARINO, “intervenção legal em matéria contratual em nome da
igualdade” (1951, p. 348). Trata-se da aplicação do princípio da não discriminação em matéria de remuneração (MAGANO, 1984, p. 223).
Sendo, a equiparação salarial, concretização de princípio constitucional, a legislação infraconstitucional pode adotar medida que esvazie
por completo o seu âmbito de aplicação?
Noutras palavras, o que se quer dizer é que, caso se confira máxima efetividade à equiparação salarial, na prática a negociação individual
deixa de existir, repercutindo coletivamente nos contratos dos empregados daquela empresa; por outro lado, caso a efetividade máxima seja dada
à negociação individual, esvazia-se por completo o direito à equiparação
salarial e, mediatamente, o direito à igualdade nas relações de emprego
quanto a estes empregados.
O objetivo do trabalho, portanto, é responder à seguinte pergunta: caso repute-se válida a alteração trazida pela “reforma”, é possível
compatibilizar o artigo 444, parágrafo único (negociação individual) com
o artigo 461 (equiparação salarial) da CLT?
2. O coração da reforma trabalhista: o empregado
“hipersuficiente” e o negociado sobre o legislado individual
no contrato de trabalho
Liberdade de contratar e igualdade formal são traços que permitem atribuir, ao contrato, uma conotação ideológica. Até o início do século XX, vigorava a noção de que as partes deveriam ter ampla liberdade
para estipular as condições contratuais, sem que o Estado pudesse, via de
356 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
regra, interferir na vontade dos contratantes. Assim, liberdade de contratar e igualdade formal apareciam como dois pilares que sustentavam a
ideia de que aquilo que era determinado pelas partes se presumia justo,
visto que fruto da conformação da vontade de sujeitos (juridicamente)
iguais (ROPPO, 2009, p. 35).
Trata-se, aqui, de fundamentos que desempenharam importante papel no modo de produção capitalista. O contrato assume a função
de calar e ocultar “a realidade que se esconde por detrás da ‘máscara’ da
igualdade jurídica dos contraentes” (ROPPO, 2009, p. 37).
Assim, partindo dessas categorias, foi possível afirmar que tanto o
empresário, que detinha o pleno controle do mercado de trabalho, como
o trabalhador, que procurava emprego para a sua própria subsistência,
ostentavam posições de igualdade jurídica e eram igualmente livres para
determinar o conteúdo do contrato (ROPPO, 2009, p. 37). Nas relações de
emprego, entretanto, percebe-se que, se o empregado “não quiser renunciar ao trabalho e, consequentemente, à sua própria subsistência”, terá que
se submeter a todas as condições impostas pelo empregador, na lógica do
“pegar ou largar” (ROPPO, 2009, p. 38).
Diante desta visível disparidade — que ainda hoje acomete relações desta natureza —, houve a urgente necessidade de o Estado passar a
interferir nos contratos não paritários, a fim de municiar juridicamente a
parte que economicamente se encontra em posição mais vulnerável.
Foi assim que parcela do direito das obrigações se desmembrou
do Direito Civil, por força de aguçada principiologia que a distanciava da
sua concepção tradicional, e veio a formar o que atualmente se denomina
Direito do Trabalho.
Tendo, o Direito do Trabalho, mitigado a autonomia privada dos
contratantes, com a deliberada inclinação no sentido de proteger uma das
partes, não é possível conceber o negócio jurídico que serve de base para
a relação de emprego “no sentido clássico da força vinculante exclusiva no
querer individual” (SOUZA, 2018, p. 278). O contrato passa a ter conteúdo autônomo-heterônomo, no sentido de que muitas das suas condições
são preestabelecidas pelo legislador, reservando-se apenas um espaço menor para a livre estipulação entre os sujeitos (NASCIMENTO, 2013, p.
743).
A reforma trabalhista... • 357
Passou-se, portanto, a valorizar instrumentos com nítidas feições
coletivas que bem refletem a forma de organização dos trabalhadores, sobretudo no momento de nascimento do Direito do Trabalho.
Deste modo, muitas das condições do contrato de trabalho deixaram de ser determinadas pelo seu instrumento individualmente considerado e passaram a repercutir coletivamente no grupo de trabalhadores.
Exemplo disso é a tutela da igualdade nas relações de emprego em matéria
de remuneração, que não permite que o empregador fixe salários diferenciados a empregados que exerçam a mesma função (no caso brasileiro,
desde que preenchidos os demais requisitos do artigo 461 da CLT). As
negociações individuais que implicassem tal discriminação refletiam nos
contratos dos demais.
Percebe-se, portanto, que “o contrato tornou-se menos contrato (no sentido teórico-liberal), para ser mais lei e ordem pública”
(CATHARINO, 1951, p. 88), pelo próprio desenvolvimento principiológico que justificou a especialização do ramo.
No entanto, liberdade de contratar e igualdade formal reapareceram com nova roupagem, trazendo à baila discussões do final do século
XIX e início do século XX. A Lei 13.467/2017 veio com o nítido propósito
de neutralizar os princípios do Direito do Trabalho, enfraquecendo consideravelmente a tutela estatal na relação de emprego. A “reforma” amplia
e estimula as tratativas individuais e diretas entre empregados e empregadores, por meio, por exemplo, dos acordos individuais para compensação
de jornada, da rescisão do contrato de trabalho “em comum acordo”, dos
acordos extrajudiciais, dentre outros. O movimento é, como se vê, de retirada do Estado da relação de emprego e ampliação da liberdade de contratar sob o manto da igualdade (formal).
Mas o lugar no qual a neutralização e a atrofia do Direito do
Trabalho atingem grau máximo é, sem dúvida alguma, na categoria do
chamado empregado “hipersuficiente”.
Em que pese venha se consolidando o termo “hipersuficiente”,
trata-se de nomenclatura nitidamente inadequada. Faz parte do conceito
de empregado estar subordinado a outrem; subordinação que, por sua vez,
tem íntima relação com a hipossuficiência do empregado. Assim sendo,
falar-se em empregado “hipersuficiente” seria prescindir da noção de subordinação e, por decorrência, da própria noção de empregado. Percebe-
358 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
se, portanto, que há flagrante contradição lógica na expressão “empregado
hipersuficiente”, uma vez que, se “empregado”, “hipersuficiente” não é.
Fruto desta inadequação, a doutrina tem utilizado os mais variados termos para designar a nova espécie de empregado, tais como “empregado relativamente mais qualificado” (DELGADO; DELGADO, 2017,
p. 157), “alto empregado com diploma de curso superior” (CASSAR;
BORGES, 2018), “pseudossuficiente” (MELHADO, 2017, p. 140-143),
“autossuficiente” (MELHADO, 2017, p. 140-143), “hipovulnerável”
(MURADAS, 2017, p. 171), “empregado com formação superior e maior
patamar remuneratório” (GARCIA, 2017, p. 141), dentre outros. No entanto, feita a ressalva quanto a sua inadequação, apenas para que se evite
confusões sobre a espécie tratada, a expressão que será utilizada é a que
tem se consolidado na doutrina.
O artigo 444 da Consolidação das Leis do Trabalho passa, com a
reforma, a ter a seguinte redação:
Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto
de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não
contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos
coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades
competentes.
Parágrafo único. A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta
Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de
diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou
superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime
Geral de Previdência Social.
O parágrafo único inserido é o coração da Lei 13.467/2017, posto
que congrega, em maior número e intensidade, as variadas nuances ideológicas que embasaram a reforma. Há uma deliberada tentativa de se esvaziar os princípios trabalhistas e, desta forma, criar um espaço de aplicação
do Direito Civil no próprio seio do Direito do Trabalho, valorizando a
dimensão individual da relação em detrimento da coletiva.
A reforma trabalhista... • 359
Com a tentativa de esvaziamento da regulação do Estado nestes
contratos, de modo a permitir o “negociado sobre o legislado individual”3
por expressa remissão ao art. 611-A e, desta forma, elevando a autonomia
privada a grau nunca antes visto no Direito do Trabalho, vislumbra-se
um ataque frontal ao princípio da proteção, que determina a intervenção
estatal para garantia da igualdade substancial (RODRIGUEZ, 2015, p. 81).
Da mesma forma, percebe-se que o legislador, ao delimitar as
matérias que não podem ser objeto de negociação no rol pretensamente
taxativo do art. 611-B, teve o intuito de enfraquecer o princípio da irrenunciabilidade, que cria impossibilidade jurídica de o empregado voluntariamente se privar de vantagens previstas pelo Direito do Trabalho
(RODRIGUEZ, 2015, p. 142).
Outro princípio que a reforma tentou afastar é o conhecido princípio da norma mais favorável, uma das facetas do princípio da proteção,
que determina, numa situação em que incidam duas possíveis normas, a
aplicação da mais favorável ao empregado (RODRIGUEZ, 2015, p. 123).
O parágrafo único em comento estabelece expressamente que a negociação individual terá a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos4. Isto é, tenta afastar absolutamente a incidência deste
princípio.
Convém investigar, portanto, se o princípio do salário igual para
trabalho igual também restou afetado pela Lei 13.467/2017, foco principal
deste trabalho, o que será feito em capítulo próprio.
3
A doutrina não é unânime quanto ao tema e, em geral, aponta a inconstitucionalidade desta previsão. Cabe, noutro sentido, destacar interessante hermenêutica proposta por
MELHADO (2017, p. 140-143), que, partindo da própria redação, conclui que o legislador
não estabelece o negociado sobre o legislado individual. Em apertada síntese, dentre os
seus principais argumentos, pode-se apontar o de que o parágrafo único não pode ser
destacado do caput em sua leitura. Nesse sentido, cf. nota de rodapé nº. 5.
4
Não se adentrará o mérito da questão, uma vez que foge ao objeto central do trabalho.
Mas, neste ponto, é oportuno destacar posição doutrinária que advoga justamente o contrário, segundo a qual o legislador, ao determinar que a livre estipulação a que se refere o
caput do art. 444 da CLT terá “mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos”, não está prevendo que esta negociação individual se sobrepõe à lei. Nesse
sentido, MELHADO (2017, p. 140): “terão pretendido dizer os escrevinhadores da ‘reforma’ trabalhista, entretanto, que as cláusulas livremente pactuadas pelo conjectural trabalhador autossuficiente teriam a mesma ‘prevalência’ a que se refere o art. 611-A, quanto à
lei? Se pretendiam isso, falharam: escreveram outra coisa...”. Para o autor, o parágrafo único
seria limitado pelo caput, de maneira que a negociação individual não poderia contrariar
as disposições de proteção ao trabalho e as decisões das autoridades competentes.
360 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Quanto ao critério estabelecido pelo parágrafo único do artigo
444 da CLT, caminhou mal o legislador. Não que seja possível se extrair
o grau de subordinação por um critério meramente remuneratório, mas
o salário fixado como parâmetro está muito aquém daquele auferido por
empregados que, normalmente, têm algum poder real de barganha nas
negociações com o seu empregador.
Além disso, o fato de o empregado ser portador de diploma de
ensino superior, embora seja indicativo de que tenha melhores condições
de compreender os efeitos das tratativas contratuais, também é insuficiente para a sua proteção. Isto, porque a razão de ser do Direito do Trabalho,
ao estabelecer padrões mínimos a serem observados nas relações de emprego, não tem a ver propriamente com o nível de formação educacional, mas com o “descompasso econômico impeditivo de negociação em
igualdade de condições” (SOUZA, 2018, p. 279). Mesmo o empregado
que tenha pleno conhecimento das suas “opções formais” não goza, na
prática, de efetiva autonomia negocial, visto que se mantém econômica e
materialmente subordinado ao seu empregador (SOUZA, 2018, p. 279).
O fato de se estabelecer como critério a conclusão de curso superior gerará situações estapafúrdias. Por exemplo, será possível que empregados com salários superiores a dez ou cem vezes o teto do regime geral
da previdência social, dotados de relevantíssimas atribuições e enquadrados em cargo de confiança, sejam tratados como empregados comuns,
visto que não seriam portadores de diploma de ensino superior (SOUZA
JÚNIOR et alli., 2017, p. 172). Ademais, empregados que recebam o dobro
do teto se submeterão ao regime gravoso dos “hipersuficientes” mesmo
que o seu diploma nada tenha a ver com a área de atuação do empregado
(SOUZA JÚNIOR et alli., 2017, p. 172).
Ademais, o critério que utiliza o salário como parâmetro também
se afigura problemático. Primeiro, pelo valor de baixa monta, conforme
acima se referiu. Ademais, o legislador lança mão de uma presunção legal
de autonomia contratual ao passo que desconsidera que “a necessidade do
emprego como meio de subsistência não é privilégio de empregados com
renda mais modesta” (SOUZA JÚNIOR et alli., 2017, p. 171).
Ainda no tocante a este critério, é preciso alertar que se impõe interpretação restritiva quanto ao termo “salário”, no sentido de que se trata
do salário-base, e não do salário completo, pois, desta forma, além de ser
medida mais protetiva, isto faz com que o salário permaneça invariável de
A reforma trabalhista... • 361
um mês para o outro, uma vez que a liberdade negocial não pode oscilar
conforme o mês (SILVA, 2017, p. 70).
Os dois critérios, portanto, apresentam inadequações, tendo em
vista que não se dirigem à causa da assimetria contratual, que é o hipertrofiado poder do empregador de, a qualquer tempo, romper com um
contrato que é indispensável à subsistência do trabalhador, não obstante a
vedação constitucional.
Além disso, no Brasil, em alguns casos, o temor ao desemprego
tende a ser maior entre os trabalhadores mais qualificados e melhor remunerados. Primeiro, porque a oferta de postos com remuneração elevada é
mais escassa do que as demais; segundo, porque o Brasil passou por um
boom de portadores de diploma superior, fato que acaba sobrecarregando
o mercado de trabalho (MELHADO, 2017, p. 136).
O temor do desemprego é a maior causa da falta de efetiva autonomia negocial. É o que faz com que os empregados aceitem quase todas as modificações impostas pelo empregador. A Lei 13.467/2017, em
que pese tenha alterado o Direito do Trabalho de ponta a ponta, silenciou
quanto ao comando constitucional que determina a proteção contra a
despedida arbitrária, insculpido logo no primeiro inciso do artigo 7º e, se
não bastasse, ainda ampliou e flexibilizou as formas de ruptura contratual.
Curiosamente, a proteção contra despedida arbitrária constitui
justamente o ponto de partida para que se comece a pensar a negociação
individual nas relações entre empregado e empregador. Afinal, se fosse
afastado o temor do “fantasma da despedida”, o empregado teria condições de manifestar efetivamente sua vontade enquanto contratante, e não
apenas se sujeitar às imposições unilaterais do empregador.
Sem a proteção contra este inflado “direito potestativo” do empregador, ao empregado sempre restará a “liberdade de aceitar” entre as
condições contratuais previamente fixadas pelo tomador de serviços e o
desemprego (MELHADO, 2017, p. 134).
3. Trabalho igual, salário igual: o instituto da equiparação
salarial e a igualdade na relação de emprego
Durante muito tempo, o valor pago aos trabalhadores pelo trabalho prestado era livremente definido por aquele que fornecia o posto,
destituído de qualquer compromisso igualitário. A fim de se evitar que
362 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
os textos constitucional e convencionais virassem letra morta em matéria
de igualdade, o legislador regulou o instituto da equiparação salarial. O
objetivo deste instituto é evitar que trabalhadores que prestem trabalho
igual tenham tratamento salarial discriminatório (DELGADO, 2002, p.
219). Diversas são as formas pelas quais o princípio da igualdade salarial
se manifesta (DELGADO, 2002, p. 219), mas a equiparação salarial ocupa,
sem dúvida alguma, posição privilegiada.
Tendo o constituinte determinado que os trabalhadores devem
ser tratados de maneira igual, é justamente no principal direito que decorre do contrato de trabalho — isto é, na remuneração — que a igualdade deve prioritariamente produzir efeitos. Trata-se, como se percebe, de
instrumento primordial na concretização da igualdade. Justamente por
isso, a consagração deste instrumento, pela sua importância, deve ser feita
por meio de norma imperativa de Direito Positivo (CATHARINO, 1951,
p. 348).
Existem, no Direito do Trabalho brasileiro, três espécies
(MAGANO, 1984, p. 223-232) de equiparação: (i) equiparação por analogia, modalidade que está prevista no art. 358 da CLT, mas que se entende
não ter sido recepcionada pela Constituição de 1988 (DELGADO, 2002,
p. 220); (ii) equiparação por equivalência, prevista no artigo 460 da CLT,
para os casos em que não há estipulação de salário ou prova da importância ajustada, utilizando-se como paradigma o empregado que tem função
equivalente; e (iii) equiparação por identidade, prevista no artigo 461. É
sobre esta que o presente estudo se debruça.
Define-se equiparação como a “garantia atribuída ao trabalhador
de não sofrer discriminação salarial, quando o seu trabalho seja do mesmo valor de outro escolhido como paradigma” (MAGANO, 1984, p. 223).
Fala-se em garantia, pois consiste em limitação ao poder do empregador de fixar níveis salariais de acordo com as suas próprias conveniências
(MAGANO, 1984, p. 223).
Segundo DELGADO (2002, p. 219), “equiparação salarial é a figura jurídica mediante a qual assegura-se ao trabalhador idêntico salário ao
do colega perante o qual tenha exercido, simultaneamente, função idêntica, na mesma localidade, para o mesmo empregador”.
A reforma trabalhista... • 363
Para caracterizar a equiparação por identidade, é necessária a presença cumulativa dos seguintes requisitos5: (i) identidade funcional; (ii)
identidade de empregador; (iii) identidade de local de trabalho; (iv) identidade quantitativa; (v) identidade qualitativa; (vi) identidade de tempo de
serviço na mesma função.
A Lei 13.467/2017 inseriu, ainda, outros dois requisitos, quais sejam, (vii) a identidade de tempo na empresa, cuja diferença entre os empregados não pode ser superior a quatro anos e (viii) concomitância do
exercício funcional.
Ronaldo Lima dos Santos (2009, p. 214) alerta para a existência de
requisito pouco divulgado para a equiparação salarial: os trabalhadores,
paradigma e equiparando, devem estar submetidos ao mesmo estatuto jurídico. Por exemplo, mesmo que preenchidos todos os requisitos do art.
461, caso os trabalhadores estejam submetidos a legislações de naturezas
diversas, não haverá equiparação salarial6.
Iniciando pelo primeiro requisito, DELGADO (2002, p. 220) define identidade funcional como a “circunstância de os trabalhadores comparados realizarem o mesmo trabalho, englobando atribuições, poderes e
prática de atos materiais concretos”, sendo função o “conjunto de tarefas
que se reúnem em um todo unitário, de modo a situar o trabalhador em
um posicionamento específico no universo da divisão do trabalho da empresa” (DELGADO, 2002, p. 221). Função, portanto, é a atividade concretamente exercida pelo empregado, que pode ser decomposta em tarefas.
Não basta, portanto, que este feixe unitário de tarefas do equiparando seja
similar ao do paradigma. É necessário que sejam idênticos (DELGADO,
2002, p. 221).
A divisão aqui adotada é a sugerida por Octavio Bueno Magano (1984, p. 224).
“Admitindo-se a possibilidade de equiparação salarial entre trabalhadores de um mesmo
empregador, mas situados em municípios diferentes de uma mesma região metropolitana,
pode ocorrer que a diferença de tratamento salarial ou remuneratório entre os trabalhadores decorra da circunstância de eles estarem vinculados a entidades sindicais distintas, uma vez que situados em bases territoriais de sindicatos diversos da mesma categoria
profissional, e, consequentemente, sujeitos a normas coletivas diferentes. Nesta hipótese,
embora presentes os demais requisitos para a equiparação salarial, não será cabível a aplicação do instituto se a diferença remuneratória decorrer da aplicação da norma coletiva
restrita a um dos estabelecimentos do empregador, em virtude deste situar-se no âmbito de
representação de outro sindicato, estando os empregados sujeitos a estatutos normativos
distintos”. (SANTOS, 2009, p. 214).
5
6
364 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Para fins de caracterização da identidade, como bem apontado por
MAGANO (1984, p. 224), não é necessário que as tarefas desempenhadas
pelos empregados sejam exatamente iguais; basta que sejam “fundamentalmente iguais”. Isto porque é impossível que dois trabalhos, enquanto
expressões da personalidade de cada empregado, sejam absolutamente
idênticos (CATHARINO, 1951, p. 349).
O segundo requisito diz respeito à identidade de empregador.
Conforme aponta DELGADO (2002, p. 222), a previsão, embora singela,
não deixa de gerar polêmicas. Por aplicação da teoria do empregador único, com reconhecimento da solidariedade dual (ativa e passiva), era possível a equiparação entre empregados de empresas distintas, segundo jurisprudência e doutrina dominantes (DELGADO, 2002, p. 222). MAGANO
(1984, p. 228) admite a possibilidade de equiparação entre empregados
de empresas diferentes mas pertencentes a um mesmo grupo econômico.
A reforma trabalhista alterou a redação do artigo 461, passando
a limitar a equiparação ao mesmo estabelecimento. Em que pese a alteração possa restringir as hipóteses de configuração da equiparação, ela não
chega a impedir que o paradigma seja empregado de outra empresa do
mesmo grupo econômico, visto que, muitas vezes, as empresas utilizam o
mesmo estabelecimento comercial.
O terceiro requisito diz respeito à identidade de local de trabalho.
O termo empregado pela CLT, antes do advento da reforma trabalhista,
era mesma localidade, que era definida por DELGADO (2002, p. 222)
como a “circunstância de os trabalhadores comparados realizarem o trabalho para o empregador em um mesmo espaço, um mesmo lugar, uma
mesma circunscrição geográfica”.
Havia grande controvérsia doutrinária e jurisprudencial sobre a
noção de localidade. O entendimento dominante era de que não se tratava de noção tão restrita como o mesmo setor de trabalho ou o mesmo
estabelecimento, nem tão ampla como o mesmo estado ou o mesmo país
(DELGADO, 2002, p. 223). O que definia a localidade era a existência das
mesmas características socioeconômicas, que justificariam um tratamento salarial igualitário.
O legislador, deste modo, parecia originariamente ter pensado
a noção de localidade como correspondente ao município (MAGANO,
1984, p. 228). Entretanto, com o passar do tempo, a homogeneidade de
condições passou a permitir estender a noção de localidade para região
A reforma trabalhista... • 365
metropolitana (MAGANO, 1984, p. 228), desde que presentes os mesmos
condicionamentos básicos (DELGADO, 2002, p. 223).
A Lei 13.467/2017, mais uma vez, veio para restringir a hipótese legal. Trocou a expressão “mesma localidade” por “mesmo estabelecimento”, diminuindo sobremaneira o âmbito de aplicação da equiparação
salarial.
O quarto requisito é um referencial quantitativo. Realiza-se uma
análise comparativa entre a intensidade do trabalho dos empregados que
ocupam a mesma função, obtendo-se, assim, um “índice de intensidade
laborativa do trabalhador em certo tempo delimitado” (DELGADO, 2002,
p. 226-227). Portanto, inalterados os fatores de produção, é necessário
que paradigma e equiparando tenham a mesma capacidade de produção
(MAGANO, 1984, 226-227).
Enquanto o requisito anterior é quantitativo, o quinto é referencial qualitativo. Diz respeito à perfeição técnica com a qual os empregados
comparados exercem a suas tarefas, que devem ser, de igual modo, idênticas (MAGANO, 1984, p. 227).
A prova de conclusão de cursos, segundo MAGANO (1984, p.
227), “consubstanciada em diplomas ou certificados, deve ser recebida
como indício de capacidade técnica, justificando, prima facie, disparidades salariais”. Na mesma linha, DELGADO (2002, p. 225-226) ensina que
a demonstração de maior qualificação técnico-profissional do paradigma,
por meio de diplomas e certificados de cursos, estágios e titulação acadêmica, por exemplo, “é conduta que favorecerá, significativamente, a tese
da diferenciação na qualidade do trabalho prestado”.
O sexto requisito é a identidade temporal. Com a reforma trabalhista, tal requisito passou a se desdobrar em dois. O primeiro, que permanece inalterado, é a exigência de que paradigma e equiparando não
tenham mais de dois anos de diferença na mesma função. Portanto, é
identidade temporal relacionada à função. Este pressuposto tem o intuito de “permitir ao empregador desenvolver uma ‘carreira’ no seio empresarial, ainda que não possua organização suficientemente evoluída para
implantar quadro de carreira”, como bem pontua DAMASCENO (1980,
p. 90).
A outra faceta da identidade temporal foi introduzida pela Lei
13.467/2017. Passa-se, com ela, a se exigir que os empregados comparados
366 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
não tenham diferença superior a 4 anos na empresa. Com efeito, trata-se
de identidade temporal relativa ao tempo de serviço na mesma empresa.
O sétimo requisito é a concomitância no exercício funcional.
Antes da “reforma” trabalhista, doutrina e jurisprudência acatavam a possibilidade de indicação de paradigma remoto. No entanto, havia autores
que, mesmo antes da alteração, já sinalizavam a necessidade da “simultaneidade do exercício funcional”, sendo esta a “coincidência temporal no
exercício das mesmas funções pelos empregados comparados”, desde que
assuma caráter permanente, ou seja, não eventual (DELGADO, 2002, p.
224). DELGADO (2002, p. 224) entende que o lapso temporal mínimo
deve ser de 30 dias, a teor da súmula 159 que já vem aplicando este prazo
para fins de configuração de vacância do cargo.
A “reforma” trabalhista tratou especificamente da matéria para
vedar o chamado paradigma remoto, exigindo, no parágrafo 5º inserido ao
art. 461 da CLT, que os empregados tenham exercido concomitantemente a mesma função. Entretanto, tal possibilidade não quedou vedada por
completo. Será possível, por exemplo, um empregado “pleitear equiparação com paradigma contemporâneo que, por sua vez, obteve equiparação
com paradigma remoto” (SOUZA JÚNIOR et alli., 2017, p. 207). A simultaneidade, todavia, é requisito necessário.
Verificadas todas as nuances indispensáveis para a análise da
equiparação salarial, cumpre perquirir quais os efeitos da negociação individual frente ao preenchimento dos requisitos equiparatórios, avaliando-se a possível compatibilidade entre ambos os institutos.
4. Negociação individual e equiparação salarial: aportes para
a compatibilização dos institutos
Não é incomum encontrar autores afirmando que a figura do “hipersuficiente” seria inconstitucional por violar a igualdade entre os empregados — embora este não seja o único argumento utilizado. O tratamento
diferenciado entre empregados, porém, não permite, isoladamente, concluir pela violação ao princípio da igualdade e da não discriminação, uma
vez que, conforme a máxima, cada qual deve ser tratado diferentemente
na medida em que se desiguala dos demais.
A pergunta, no entanto, é: estes trabalhadores encontram-se em
posição tão diferenciada dos demais a ponto de justificar tratamento desi-
A reforma trabalhista... • 367
gual em matéria de equiparação salarial, tal como ocorre quanto à jornada
de trabalho?
Conforme sublinhado alhures, a equiparação salarial cumpre
importante papel na concretização da igualdade no tocante à remuneração nas relações de emprego, em obediência ao comando constitucional.
Assim, poderia o legislador, ao permitir a negociação estritamente individual do contrato de trabalho, simplesmente afastar a equiparação salarial
para esta modalidade de altos empregados?
Não é de hoje que a aplicabilidade da equiparação aos altos empregados gera discussões. Isto ocorre, muitas vezes, em razão de a atividade desempenhada por eles ser mais complexa e diferenciada do que a
dos demais, bem como pela maior probabilidade de que os empregados
enquadrados em cargo de confiança tenham distintas qualificações entre
eles.
Portanto, é preciso destacar que o exercício de cargos que envolvam trabalhos altamente qualificados — ou mesmo o cargo de confiança
— pode dificultar a apreciação da identidade de funções, sobretudo em
razão de permitir com maior facilidade a comprovação de fatos modificativos (como a diferença de qualidade técnica, por exemplo), fato que não
tem o condão de afastar a equiparação salarial (DELGADO, 2002, p. 221).
Em princípio, todos os empregados têm direito à equiparação
(MAGANO, 1984, p. 225), pois, do contrário, estar-se-ia reconhecendo
ao empregador o poder de abusar do seu poder diretivo e distinguir empregados em mesma situação funcional (CATHARINO, 1951, p. 377). Ou
seja, tanto empregados enquadrados em cargo de confiança, como empregados cujas atividades sejam de alta complexidade, ou ainda aqueles que
exerçam profissões regulamentadas, são todos abrangidos pela disciplina
da equiparação, embora, com relação a eles, seja muito mais difícil a apuração dos requisitos (MAGANO, 1984, p. 225).
Percebe-se, portanto, que a equiparação salarial naturalmente não
tem o mesmo alcance quando se trata de altos empregados, tendo em vista
que, pela maior probabilidade de existirem fatos que afastem a incidência
do instituto, há maior dificuldade para sua caracterização.
No entanto, se por um lado a equiparação salarial tem menor alcance para estes empregados, isto não significa que ela possa ser completamente esvaziada, visto que se trata de concretização de importante princípio constitucional. Assim, se a negociação individual, tal como
368 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
pretendida pelo legislador, for reputada válida, é necessário que, por interpretação conforme a Constituição, se restrinja a sua eficácia, a fim de
compatibilizá-la com a equiparação.
Aliás, tanto não é incompatível a concomitância dos institutos da
equiparação salarial e da negociação individual que, mesmo antes da reforma, a compatibilização era feita por meio dos requisitos da identidade
qualitativa e identidade quantitativa, definindo-se quando se aplicava um
e outro, embora em menor medida.
É possível pensar, por exemplo, na situação de um professor que
esteja sempre na mídia e que, por sua notoriedade, tem o potencial de
atrair alunos para a instituição na qual leciona. Neste caso, é natural que a
instituição de ensino precise pagar expressivo plus salarial ao empregado,
a fim de garantir que o professor integre seus quadros. O empregado, nesta situação, desfruta de inequívoca posição privilegiada, em relação aos
demais, para negociar as condições do seu contrato. Negar ao professor,
que é detentor de atributos especiais, o direito ao recebimento de remuneração diferenciada é violação direta à igualdade. O valor do trabalho,
por ser intelectual7, está compreendido no potencial de atração de alunos,
permitindo, assim, o afastamento da equiparação salarial, por não preenchimento do critério quantitativo explorado acima.
O mesmo raciocínio pode ser estendido ao critério qualitativo
(identidade qualitativa). Conforme asseverado em tópico próprio, para
configuração da equiparação salarial, é necessário que o trabalho tenha
sido prestado com mesma perfeição técnica. É oportuno observar que
este requisito cumpre interessante papel na análise da compatibilidade
dos institutos.
Aludiu-se, acima, que a maior qualificação técnico-profissional
do paradigma, comprovada por meio, por exemplo, de diplomas de ensino superior, antes da reforma, seria fato muito favorável à tese contrária
à equiparação, segundo a doutrina. Observe-se que, em alguns casos, o
mesmo fato de o empregado ser portador de diploma de ensino superior
passa a ser objetivamente decisivo tanto para se reconhecer a autonomia
para negociar individualmente o contrato de trabalho como para afastar
a equiparação salarial.
7
Ressalva-se, aqui, a posição de Arnaldo Süssekind, segundo a qual não é possível a equiparação salarial em trabalho intelectual. Nesse sentido, cf. SÜSSEKIND et alli., 2003, p.
428.
A reforma trabalhista... • 369
Dois empregados de um mesmo empregador que exerçam a mesma função e tenham o mesmo tempo de empresa e de função, no mesmo estabelecimento, com mesma produtividade, podem ter remuneração
(art. 461, §1, CLT) e autonomia negocial individual (art. 444, parágrafo
único) distintas se um for portador de diploma de ensino superior e o
outro não. Percebe-se, neste caso, que o fato que passa a permitir a “livre
estipulação” do contrato de trabalho e o fato que afasta a equiparação salarial é exatamente o mesmo e deve ser levado em consideração.
Isto porque a violação da igualdade pode ocorrer tanto ao se remunerar distintamente trabalhos com mesma perfeição técnica, como
também ao se remunerar igualmente trabalhos com perfeição técnica distinta. A frustração do empregado que não se vê remunerado da mesma
forma que seu colega igualmente capacitado é a mesma daquele que é
remunerado da mesma maneira que seu colega com menos capacitação.
Não há dúvida, portanto, de que a negociação individual, que
acarrete diferença de salários entre empregados que ocupem o mesmo
cargo e recebam o montante exigido pelo legislador, é possível se um empregado tiver diploma e outro não, visto que autorizado pela própria perfeição técnica. O problema maior reside, justamente, entre empregados
que concomitantemente preencham os requisitos para a equiparação salarial e para a negociação individual.
Observe-se que, como todo instituto, a equiparação salarial pode
gerar alguns desarranjos nas relações das empresas com os seus trabalhadores, servindo, muitas vezes, de desincentivo ao empregador que quer
legitimamente conceder benefícios a um de seus empregados.
Basta imaginar a situação de uma empresa cujos empregados estejam migrando para outras do mesmo ramo que, por exemplo, queira
estrategicamente reter alguns empregados, decidindo pagar a este seleto
grupo determinado uma espécie de “bônus de retenção”, como forma de
estímulo. Embora se trate de situação claramente mais vantajosa para estes
empregados selecionados, que desfrutariam do incremento salarial, o risco de aplicação da equiparação salarial aos demais empregados, que não
foram selecionados e exercem as mesmas funções, pode fazer com que o
empregador acabe não concedendo qualquer benefício. Obviamente não
está a se tratar de situações em que o empregador intencionalmente esteja
agindo de maneira discriminatória, como seria, por exemplo, no caso de o
370 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
empregador pagar bônus apenas a empregados homens, por entender que
seriam mais capacitados.
É inegável, contudo, que o pleno reconhecimento da negociação
individual facilita a discriminação nas relações de emprego, atribuindo
um ônus maior ao empregado, que terá que desconstituir a negociação
perpetrada. Antes da reforma, caberia à empresa provar que a distinção
salarial tinha justificativa. Com a nova figura do art. 444, parágrafo único,
entretanto, caso seja lida ao pé da letra, a presunção se inverte e o ônus
de provar a ilicitude da negociação individual recai sobre o trabalhador.
Deste modo, para evitar a legitimação completa da desigualdade nestas
relações, afigura-se ainda mais necessária a sua compatibilização com o
instituto da equiparação salarial.
Para exemplificar, utiliza-se do mesmo caso de discriminação em
razão do sexo, acima exposto. Antes da “reforma”, a partir do momento
que a empregada provasse que exercia a mesma função que outro empregado — caso preenchidos os demais requisitos, é claro —, automaticamente passaria a ter direito sobre os mesmos proventos. Com a “reforma” trabalhista, caso o empregado tenha feito negociação apenas com os
empregados homens, caberá à empregada provar, além dos requisitos da
equiparação salarial, que se trata de medida discriminatória em razão do
sexo.
Admitida, portanto, a equiparação salarial aos altos empregados,
cabe a plena incidência da penalidade trazida pela Lei 13.467/2017, que
inseriu o parágrafo 6º ao artigo 461 da CLT, tratando especificamente sobre a matéria:
§ 6o No caso de comprovada discriminação por motivo de sexo
ou etnia, o juízo determinará, além do pagamento das diferenças
salariais devidas, multa, em favor do empregado discriminado, no
valor de 50% (cinquenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
Este dispositivo, mesmo que se destine a tutelar os empregados,
não está isento de críticas. Em primeiro lugar, ao instituir um critério fixo
para a multa, o legislador atinge de maneira muito mais severa os micro e
pequenos empresários se comparados com as grandes empresas. A multa,
cuja finalidade é sancionadora, deixará progressivamente de cumprir o
A reforma trabalhista... • 371
seu papel quanto maior for a empresa. Além disso, o dispositivo não faz
qualquer menção à discriminação por motivações xenófobas, etárias ou
ainda em razão de origem social, de deficiência ou doença estigmatizante,
como se estas discriminações fossem menos importantes do que as demais (SOUZA JÚNIOR, 2017, p. 208).
Viu-se que um dos requisitos para configurar a equiparação, tal
como preleciona Ronaldo Lima dos Santos, é estar sujeito ao mesmo estatuto jurídico. Assim, antes da reforma trabalhista, apenas a negociação
coletiva e a lei eram aptas a afastar a equiparação salarial. Com o reconhecimento da negociação individual, há uma tendência de que as normas jurídicas que dela decorrem também sejam, em alguma medida, utilizadas
como critério distintivo. No entanto, conforme densamente explanado,
não o será de maneira ilimitada.
Entende-se, portanto, que a forma mais adequada de garantir eficácia tanto para a negociação individual como para a equiparação salarial,
de modo a compatibilizá-las, é garantindo a igualdade de oportunidades
para os pretensos empregados negociantes.
Noutras palavras, ao se garantir a igualdade de oportunidades de
negociar aos empregados, o que se faz é reconhecer a alteração pretendida
pelo legislador (reconhecimento da negociação individual), interpretando-a conforme a Constituição e, portanto, limitando e compatibilizando
com a equiparação salarial. Neste sentido, será possível implementar a
negociação mediante “planos”, tal como já ocorre com os planos de remuneração por stock options. Nestes planos, os altos executivos têm liberdade para aderir ou não à negociação, oportunizando-se, a determinado
grupo de empregados, que eles sejam remunerados com base em ações
da empresa. Aqueles que não aderem continuam com a remuneração nos
mesmos termos. Ou seja, nestes casos, já era possível que empregados que
exercessem a mesma função recebessem de forma diferenciada.
A medida mostra-se adequada, pois, ao mesmo tempo em que se
reconhece a alteração pretendida pelo legislador, compatibiliza-a com a
tutela da igualdade nas relações de emprego, uma vez que, com o reconhecimento da igualdade de oportunidades, o empregador não poderá escolher arbitrariamente os empregados que queira beneficiar e, desta forma,
evita-se a discriminação entre empregados “hipersuficientes”.
372 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Caso desrespeitada a igualdade de oportunidades para aderir ao
plano, aí sim, será plenamente aplicável o instituto da equiparação salarial, a fim de se restabelecer a igualdade entre os empregados.
5. Considerações finais
A Lei 13.467/2017 criou a polêmica figura do empregado “hipersuficiente”, permitindo que empregados que sejam portadores de diploma
de ensino superior e recebam salário igual ou superior a duas vezes o teto
do Regime Geral de Previdência Social estipulem com ampla liberdade
o seu contrato de trabalho diretamente com o empregador, com mesma
eficácia legal e sobreposição às negociações coletivas — ao menos em sua
literalidade.
Sem avaliar os diversos argumentos em prol da inconstitucionalidade da previsão legal, bem como as matérias sujeitas à negociação e
a autonomia real do empregado, investigou-se a compatibilidade entre o
instituto da equiparação salarial e a negociação individual do contrato de
trabalho.
Levando o dispositivo inserido pela reforma isoladamente e
ao pé da letra, a conclusão seria de que a negociação individual prevaleceria em detrimento da equiparação. Contudo, sendo a equiparação
salarial a concretização dos princípios da igualdade e da não discriminação, não se admite que seja suprimida completamente pelo legislador
infraconstitucional.
Por meio de interpretação sistemática e conforme a constituição, é
necessária a compatibilização dos institutos. Diante deste problema, propôs-se que, ao intentar a negociação individual, seja garantida a igualdade
de oportunidades para aderir à negociação. Para tanto, os empregadores
poderão lançar mão do sistema de planos — tal como já ocorre com os
planos de stock options — com o intuito de operacionalizar a negociação
individual, aos quais os empregados individualmente poderão escolher
entre aderir ou não. Desta forma, ao mesmo tempo em que se reconhece a negociação individual, posto que cada qual é autônomo para decidir pela adesão ou não, garante-se também a igualdade dos empregados,
concretizada na garantia da igualdade de oportunidades para aderir ao
plano. Desrespeitada a igualdade de oportunidades, afigura-se plenamen-
A reforma trabalhista... • 373
te aplicável a equiparação salarial para se restabelecer a igualdade entre
empregados.
Portanto, por esta interpretação, é possível a coexistência dos dois
institutos no mesmo sistema, definindo-se, tal como proposto, os momentos em que cada qual prevalece. Desta forma, conclui-se que, mesmo
para os empregados “hipersuficientes”, é possível compatibilizar negociação individual e equiparação.
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A reforma trabalhista... • 375
A TERCEIRIZAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO
FACE À LEI 13.429/2017: ENTRE DIREITO
AO TRABALHO, LIBERDADE DE EMPRESA
E DISCRICIONARIEDADE DO ESTADO
OUTSOURCING OF PUBLIC SERVICE FACING LAW
13.429/2017: BETWEEN THE RIGHT OF WORK, FREEDOM
TO CONDUCT A BUSINESS AND STATE DISCRICIONARITY
Gabriel Percegona Santos1
Sidnei Machado2
Resumo: O advento das Leis 13.429/2017 e 13.467/2017 intentou grandes
modificações na estrutura do Direito do Trabalho. Uma das discussões
mais presentes na recente história brasileira diz respeito ao fenômeno da
terceirização, mais especificamente na extensão de sua aplicabilidade às
atividades-fim, inclusive no âmbito do serviço público, a exemplo das
telecomunicações. Dentro desse cenário de pretensão de redefinição das
bases nas quais se assenta o direito do trabalho, pretende este projeto, a
partir da análise de decisões do Tribunal do Superior do Trabalho entre
os anos de 2008 e 2018, identificar quais os parâmetros e diretrizes que
Bacharel e Mestrando em Direito da Universidade Federal do Paraná. Pesquisador e
extensionista da Clínica de Direito do Trabalho da UFPR (CDT-UFPR) e do Grupo de
Pesquisa em Direito Civil-Constitucional “Virada de Copérnico”. Contato: gabriel_percegona@hotmail.com.
2
Professor Adjunto de Direito do Trabalho na graduação do Curso de Direito da
Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professor Permanente do Programa de PósGraduação em Direito da UFPR. Colaborador do Programa de Pós-Graduação em
Sociologia da UFPR. Doutorado em Direito (UFPR), com pós-doutorado na Université
Paris Nanterre. Líder do Grupo de Pesquisa Clínica de Direito do Trabalho.
1
In: ANTUNES, Daniela Muradas; NICOLI, Pedro Augusto Gravatá; RODARTE, Wanessa
Susan de Oliveira (org.).A reforma trabalhista e o direito individual do trabalho: dos
retrocessos às resistências. 1ª edição. Belo Horizonte: Initia Via, 2019 (Anais do IV
Encontro da RENAPEDTS, vol. 2). ISBN: 978-85-9547-079-8. DOI: 10.17931/95470798/
v2a17.
376 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
definem o conteúdo de “atividade-fim”, bem como analisar o tratamento
jurisprudencial sobre a possibilidade ou não de terceirização do serviço
público, neste marco temporal. Assim, foi possível identificar momentos
de consolidação e fundação de entendimentos sobre a temática; após, com
a edição das leis, notam-se momentos de indefinição, rupturas e descontinuidades dos entendimentos então consolidados, e, recentemente, uma
tendência a se aplicar as mudanças trazidas pelas leis citadas, entendendo-se pela possibilidade de terceirização.
Palavras-chave: Terceirização; Serviço
Jurisprudência trabalhista; Lei 13.429/2017.
público;
Atividade-fim;
Abstract: The coming of laws 13.429/2017 and 13.467/2017 intended huge
changes in Labor Law’s structure. One of the most currently argument in
recent Brazilian history tells about the outsourcing phenomenon, more
specifically about its reach in the main activities’ applicability, including
the ones in public service, as telecommunication. In this scenario of bases
reset’s redefinition which grounds the Labor Law, this project intends,
from analyzes of Tribunal do Superior do Trabalho’s decisions, between
2008 and 2018, identify what are the guidelines and parameters that define
the “main activities’s” content, as well as analyze the case law’s treatment
about the possibility of public service’s outsourcing, in this period. Then, it
was possible to identify moments of consolidation and foundation about
the theme understands; later, with the laws edition, it is possible to notice
moments of uncertainly, ruptures and discontinuity of consolidate understandings, and, recently, there is a trend to apply the changes brought by
these laws, choosing by the outsourcing possibility.
Keywords: Outsourcing; Public service; Main activity; Case law; Law
13.429/2017.
*
A reforma trabalhista... • 377
1. Introdução
Diante das recentes reformas legislativas que atingiram o âmbito
do Direito do Trabalho, especialmente com o advento da denominada Lei
da Terceirização (Lei n. 13.429/2017, que alterou as disposições sobre o
trabalho temporário nas empresas urbanas previstas na Lei 6.019/1974), e
da Lei da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017, que alterou substancialmente a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT), vivencia-se hoje um
cenário jurídico e social em que remanescem dúvidas e incertezas acerca
do conteúdo e da extensão da aplicação destes novos dispositivos.
Quando se aborda a Lei da Terceirização e a Lei da Reforma
Trabalhista, desde logo se verificam as intensas modificações que intentaram no Direito do Trabalho e no ordenamento jurídico brasileiro, como
um todo – isso sem se considerar o aspecto transnacional que se coaduna,
em alguma medida, com tais reformas. Há evidentes efeitos, por exemplo,
no âmbito do direito previdenciário e do direito público, em especial o
direito administrativo.
Há também consideráveis impactos econômicos e sociais que ainda se estão a perceber. A identificação e a recepção destes reflexos na/
pela sociedade, que tem no trabalho um de seus elementos estruturantes, demandará tempo, observação e cuidado nas análises. Deve-se ter,
portanto, a verificação de dois momentos, um anterior e um posterior à
Lei de Terceirização, tomando-a como paradigma para se mensurar seus
impactos.
Neste sentido, se insere este projeto. Analisar a Lei de Terceirização
em dois momentos. O primeiro deles, estudando os limites jurídicos a que
ela se amolda e as possibilidades fático-jurídicas para sua implementação
na esfera dos serviços públicos, mormente pelo fato desta Lei possibilitar,
em seu texto, a terceirização, inclusive para atividades-fim. Assim, num
primeiro momento, serão analisadas as diretrizes e os parâmetros que definem (ou definiram) o conteúdo de atividade-fim na jurisprudência do
TST de 2008 a 2018, trazendo-se os principais argumentos presentes nas
decisões, no sentido de identificar o vínculo de emprego e, consequentemente, a fraude, em relações de trabalho pressupostamente terceirizados,
afastando o contrato para se reconhecer o vínculo empregatício.
Posteriormente, num segundo momento, se verificará a recepção desta modificação quanto à possibilidade de terceirização de ativi-
378 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
dades-fim, traçando-se, numa linha, as modificações de entendimento,
as consolidações e as rupturas, neste ciclo hermenêutico, também muito
influenciado pela edição das leis mencionadas. Este momento é de grande
relevância, pois permite perceber os caminhos que precederam o atual
estado da arte nesta matéria, bem como atualmente se encontra a compreensão jurisprudencial sobre o tema. Isto autoriza uma atuação do operador do direito do trabalho com mais precisão e eficácia.
Num contexto em que se vem adotando reformas nas mais diversas áreas e que, não raro, se tolhem e reduzem direitos, o presente trabalho
demonstra sua relevância ao possibilitar a identificação de parâmetros e
orientações dos tribunais, no tratamento da temática, permitindo melhor
percepção dos impactos da Lei de Terceirização na sociedade brasileira,
especialmente na prestação de serviços públicos e mesmo na identificação
de certas noções de atividade-fim pela jurisprudência nacional. Isto sem
prejuízo de se realizar necessária crítica à forma e ao modelo de terceirização proposto pela nova lei, o que se revela de igual fundamentalidade
na preservação de direitos.
2. Atividade-fim: contornos e conteúdo na jurisprudência
brasileira
Pretende-se, neste trabalho, a partir da análise jurisprudencial,
identificar as diretrizes e os contornos conferidos à noção de atividade-fim pelo Tribunal Superior do Trabalho entre os anos de 2008 e 2018,
buscando-se quais os elementos considerados para se autorizar ou não
a terceirização destas atividades, especialmente no âmbito do serviço
público.
Apesar dos tribunais superiores não analisarem questões de fato,
que se constroem a partir da apreciação “real” das relações de trabalho –
ricas de meandros por sua própria natureza –, mostra-se relevante o estudo da discussão jurídica, que se dá a partir do debate fático previamente
havido.
Neste sentido, foi possível determinar os argumentos que dão
contorno à noção de atividade-fim, e que, majoritariamente, não autorizavam a terceirização destes serviços. Cumpre ressaltar, desde logo, que
houve, na década analisada, consolidação de entendimento, especialmente entre os anos de 2009 ao primeiro semestre de 2017. A partir de setem-
A reforma trabalhista... • 379
bro de 2017, conforme se explicará com maior profundidade no capítulo
seguinte, não se encontram mais resultados para o termo de pesquisa utilizado nos anos anteriores. A partir dessa data, muito se discute sobre a
aplicabilidade da lei 13.429/2017 para os contratos anteriores à sua edição,
concluindo-se não ser possível a retroação para atingi-los.
Contudo, em 2018, já se notam novos entendimentos, a partir de
argumentos diametralmente opostos ao já consolidado, no sentido de se
possibilitar a terceirização das atividades-fim. Estes novos entendimentos,
que estão começando a repercutir no TST, advêm de alguns posicionamentos do Supremo Tribunal Federal. O cenário ainda gera grandes dúvidas e discussões, mormente pelo fato de se ter discutido a possibilidade da
terceirização de atividade-fim no âmbito do STF, com repercussão geral e
efeito erga omnes, na apreciação da ADPF 324 e do RE 958.252.
Inobstante o cenário de divergência e desestruturação de entendimentos anteriormente consolidados, é importante destacar os fundamentos e as diretrizes que dão contorno à noção de atividade-fim,
mesmo para fins de contra-argumentação e resistência a entendimentos
pautados menos em questões jurídicas que em supostas “necessidades
econômico-sociais”.
Desta forma, passa-se a apresentar os principais argumentos presentes nas decisões do TST, e que permitem identificar os contornos e o
conteúdo da noção de atividade-fim.
A primeira diretriz para se verificar a existência de vínculo de
emprego entre a empresa tomadora e o trabalhador terceirizado na sua
atividade-fim é a existência de pessoalidade e subordinação. Inicialmente,
se verificava a subordinação direta3 com a tomadora, ou seja, situações
em que esta exerce o poder diretivo sobre o trabalhador, controlando sua
jornada de trabalho, a prestação de serviço etc.
Posteriormente, diante da inocuidade do conceito tradicional,
consolidou-se o entendimento de que se deveria verificar a existência de
outra forma de subordinação, distinta daquela própria das clássicas rela-
TST. AIRR – 143140-95.2005.5.03.0006. 3ª Turma. Relator Ministro Alberto Luiz
Bresciani de Fontan Pereira. DJ: 22/04/2009; TST. RR – 143100-16.2005.5.03.0006. 3ª
Turma. Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira. DJ: 22/04/2009; TST.
AIRR – 135840-13.2009.5.03.0016. 3ª Turma. Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de
Fontan Pereira. DJ: 24/11/2010.
3
380 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
ções de trabalho; passava-se a analisar, então, a presença de subordinação
estrutural, também denominada reticular ou integrativa.
Segundo Maurício Godinho Delgado (2007, p. 667), a subordinação estrutural é “a que se manifesta pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou
não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica
de organização e funcionamento.”
Desta forma, quanto a este elemento, possível concluir que a subordinação jurídica pode se evidenciar em sua dimensão subjetiva (intensidade de ordens), em sua dimensão objetiva (realização de um dos fins do
empreendimento do tomador), em sua dimensão estrutural (integração
do obreiro na organização, dinâmica e cultura do tomador de serviços)4.
Neste sentido, também é possível compreender “atividade-fim”
como aquele serviço essencial, nuclear e definitório5 da dinâmica empresarial, sem o qual a empresa não consegue dar continuidade a suas atividades6. Assim, pode-se defini-las como “as funções e tarefas empresariais
e laborais que se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador
de serviços, compondo a essência dessa dinâmica e contribuindo inclusive para a definição de seu posicionamento e classificação no contexto
empresarial e econômico”7.
De fato, o juízo de essencialidade8 – em oposição ao juízo de secundariedade ou acessoriedade – parece ser adequado para se identificar
4
Interessante julgado da lavra do ministro Maurício Godinho, tratando sobre tomadoras ligadas por meio de holding: TST. RR – 62400-43.2008.5.03.0137. 3ª Turma. Relator
Ministro Mauricio Godinho Delgado. DJ: 14/11/2012. Também analisado a subordinação estrutural, citam-se os seguintes julgados: TST. RR – 70600-83.2009.5.03.0111. 3ª
Turma. Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira. DJ: 16/06/2010; TST.
RR – 822-92.2010.5.03.0110. 8ª Turma. Relator Ministro Sebastião Geraldo de Oliveira.
DJ: 23/11/2011; TST. RR – 220-78.2013.5.03.0019. 7ª Turma. Relator Ministro Cláudio
Mascarenhas Brandão. DJ: 05/02/2014
5
TST. AIRR – 97841-96.2009.5.03.0025. 6ª Turma. Relator Ministro Maurício Godinho
Delgado. DJ: 17/11/2010.
6
TST. RR – 135400-67.2008.5.03.0140. 5ª Turma. Relatora Ministra Kátia Magalhães
Arruda. DJ: 02/03/2011.
7
TST. RR – 164400-05.2008.5.03.0111. 6ª Turma. Relator Ministro Maurício Godinho
Delgado. DJ: 10/11/2010.
8
Tratando da essencialidade da atividade à dinâmica empresarial: TST. RR – 804064.2002.5.12.0026. 6a Turma. Relator Ministro Maurício Godinho Delgado. DJ:
02/06/2010; TST. RR – 124500-08.2009.5.03.0005. 4a Turma. Relatora Ministra Maria
A reforma trabalhista... • 381
alguma atividade com características de “atividade-fim”, não se permitindo, neste caso, sua terceirização.
Além da subordinação e pessoalidade, bem como da essencialidade, possível se indicar a finalidade empresarial9 como diretriz definidora de atividade-fim. A jurisprudência toma como sinônimos os termos
finalidade, fins sociais, metas e objetivos empresariais. Assim, se a atividade se insere na consecução dos objetivos da empresa, mister tomá-la
como atividade-fim, a exemplo das práticas de call center nas empresas de
telecomunicação10.
Um importante parâmetro, elencado pela jurisprudência, para se
identificar a finalidade da empresa é a análise das previsões estatutárias11
e objetos sociais da empresa tomadora, o que permite verificar qual o sentido de sua existência, a que se destina, para que volta suas principais atividades. Quando há lei específica que trate da atividade desenvolvida por
determinada empresa, como no caso das telecomunicações, também se
aprecia o que a norma dispõe sobre a temática, com conceitos, definições,
explícitos ou implícitos12.
de Assis Calsing. DJ: 08/02/2012; TST. ARR – 942-66.2010.5.03.0036. 1a Turma. Relator
Ministro Walmir Oliveira da Costa. DJ: 27/06/2018.
9
Neste sentido: TST. RR – 62400-71.2003.5.01.0073. 1ª Turma. Relator Ministro Luiz
Philippe Vieira de Mello Filho. DJ: 12/11/2008; TST. RR – 104800-89.2009.5.03.0023.
4ª Turma. Relatora Ministra Fernando Eizo Ono. DJ: 15/08/2012; TST. RR – 98238.2010.5.03.0007. 3ª Turma. Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira.
DJ: 29/02/2012.
10
Aqui, a título de exemplo, se entende que a relação entre empresa e seus clientes, usuários, consumidores, no ramo das telecomunicações, para prestação de informações, serviços de assessoramento, auxílio técnico, retirada de dúvidas, ouvida de reclamações, constitui a finalidade destas empresas. Neste sentido, TST. RR – 302100-05.2006.5.09.0021.
6ª Turma. Relator Ministro Maurício Godinho Delgado. DJ: 07/12/2010; TST. AIRR –
103940-36.2009.5.03.0105. 2ª Turma. Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos.
DJ: 18/08/2010; TST. RR – 1544900-39.2008.5.09.0001. 6ª Turma. Relatora Ministra Kátia
Magalhães Arruda. DJ: 27/06/2012.
11
Neste sentido: TST. AIRR – 75940-50.2005.5.04.0101. 2ª Turma. Relator Ministro José
Simpliciano Fontes de F. Fernandes. DJ: 18/12/2007; TST. RR – 189700-13.2009.5.01.0491.
8ª Turma. Relatora Ministra Dora Maria da Costa. DJ: 15/08/2012; TST. RR – 14790005.2007.5.03.0140. 2ª Turma. Relator Ministro Renato de Lacerda Paiva. DJ: 25/06/2013.
12
Apreciou a definição de telecomunicação, esta compreendida como “a transmissão,
emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo
eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de
qualquer natureza” (art. 60, §1º, da Lei 9.472, de 1997): TST. RR – 70300-04.2007.5.03.0108.
4ª Turma. Relator Ministro Antônio José de Barros Levenhagen. DJ: 04/11/2009.
382 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Dois outros elementos, de caráter mais fático e objetivo, que permitem apreciar se a atividade, pressupostamente “terceirizada”, configura-se como vínculo de emprego, caracterizando-se a fraude, são a realização
dos serviços nas dependências13 da empresa tomadora e a igualdade de
funções14 com o os empregados regulares, propriamente ditos, desta empresa. Após as reformas, a depender dos entendimentos que se consolidarem, estas condições podem tornar-se menos relevantes para definição
do tema.
Assim, neste capítulo, foram apresentados os principais elementos avaliados para se classificar uma atividade como finalística ou intermediária, servindo como critério identificador da relação de emprego, a
despeito de, formalmente, existir um contrato de terceirização. Até recentemente, havia se consolidado o entendimento da impossibilidade de
terceirização da atividade-fim em serviços públicos; contudo, com as reformas legislativas, este entendimento se alterou substancialmente, como
se demonstrará a seguir.
3. A terceirização do serviço público no Brasil: aproximações
histórico-conceituais
Diante das recentes reformas legislativas que atingiram o âmbito
do Direito do Trabalho, especialmente com o advento da denominada Lei
da Terceirização (Lei n. 13.429/2017, que alterou as disposições sobre o
trabalho temporário nas empresas urbanas previstas na Lei 6.019/1974),
e da assim chamada Lei da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017, que
alterou substancialmente a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT), vivencia-se hoje um cenário jurídico e social em que remanescem dúvidas e
incertezas acerca do conteúdo e da extensão da aplicação destas novas leis.
Para além das questões jurídicas que permeiam o debate sobre
o advento destas leis – e outras que alteraram, ao longo dos anos, o con13
TST. RR – 109800-13.2004.5.04.0025. 6ª Turma. Relator Ministro Aloysio Corrêa da
Veiga. DJ: 18/11/2009; TST. RR – 32040-71.2006.5.01.0034. 4ª Turma. Relator Ministro
Fernando Eizo Ono. DJ: 15/09/2010; TST. RR – 2715500-18.2000.5.09.0014. 2ªTurma.
Relator Ministro Roberto Pessoa 24/03/2010.
14
TST. ED-RR – 58800-82.2003.5.10.0011. 6ª Turma. Relator Ministro Aloysio Corrêa da
Veiga. DJ: 17/06/2009; TST. RR – 150200-53.2009.5.03.0112. 6ª Turma. Relator Ministro
Mauricio Godinho Delgado. DJ: 01/09/2010.
A reforma trabalhista... • 383
teúdo do Direito do Trabalho –, discutem-se, sob as perspectivas da ciência política, da sociologia e da economia, os momentos anteriores à
edição das leis, numa compreensão “genética” ou histórica, mas também
os efeitos posteriores, advindos da nova legislação, numa compreensão
consequencial.
Desta maneira, na primeira ótica, é possível investigar o processo
de criação das normas jurídicas, com a apreciação dos debates dos poderes constituídos acerca da matéria, as razões para suas discussões em
determinado momento histórico, político e economicamente situado, podendo, numa análise mais complexa, se verificar os interesses – e os sujeitos – não manifestos presentes neste processo. Por sua vez, sob a segunda
ótica, é possível identificar os impactos sociais da lei, em níveis macro e
microeconômicos, e mesmo dentro do ordenamento jurídico.
Neste sentido, com a edição das Leis 13.467, em 13 de julho de
2017, e 13.429, em 31 de março de 2017, os atores jurídicos se viram sob
o véu de inúmeras incertezas, apresentando questionamentos dos mais
diversos matizes, podendo-se verificar, não raro, opiniões diametralmente
opostas acerca da mesma matéria. Após um ano de vigência, ainda remanescem dúvidas acerca da constitucionalidade e mesmo da conveniência
destas leis, consubstanciadas nos intensos debates doutrinários e jurisprudenciais vivenciados pelo Direito brasileiro contemporâneo.
A Lei da Reforma Trabalhista, que tanto alterou substancialmente
diversos dispositivos contidos na CLT como nela inseriu outros novos,
impactou consideravelmente a estrutura das relações de trabalho e do
próprio Direito do Trabalho. Exemplos destas mudanças são as que dizem
respeito à não obrigatoriedade de pagamento da contribuição sindical, à
previsão do contrato de trabalho intermitente, à regulamentação do teletrabalho, às custas e despesas processuais em caso de sucumbência, entre
outras.
No entanto, poucos meses antes, editou-se a Lei 13.429/2017 que,
alterando as disposições da Lei 6.079/1974 – esta, tratando sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas –, possibilitou a utilização deste
trabalho no desenvolvimento de atividades-fim da empresa tomadora de
serviços, hipótese anteriormente não prevista e, como novidade, apresentou a regulamentação das relações de trabalho praticadas no âmbito das
empresas de prestação de serviços, ou seja, a efetiva terceirização e não
somente a regulamentação do trabalho temporário.
384 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Além disso, o próprio conceito de trabalho temporário sofreu alteração. Pela redação atual, vê-se que “trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física contratada por uma empresa de trabalho temporário que a coloca à disposição de uma empresa tomadora de serviços, para
atender à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente
ou à demanda complementar de serviços.”
Ainda, o artigo 4º-A apresenta uma novidade em relação à antiga
concepção de temporariedade do trabalho. Com essa nova previsão, “considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade
principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que
possua capacidade econômica compatível com a sua execução.”
Nada obstante diversas alterações que merecem análise detalhada
e particularizada, o objeto do presente estudo diz respeito, especificamente, à previsão de terceirização de atividades-fim (ou atividade principal)
da empresa tomadora.
Neste capítulo, serão apresentadas algumas concepções contemporâneas sobre terceirização, suas características, limitações e possibilidades. Brevemente, será realizada uma abordagem histórica dessa figura, no
Brasil. Após, será discutida a possibilidade ou não de seu uso no serviço
público (concessionárias, bem como outros entes da administração pública indireta). Por fim, será exposto o tratamento da matéria pelo Tribunal
Superior do Trabalho, entre os anos de 2008 e 2018, indicando-se os principais argumentos debatidos, as modificações e, por vezes, consolidações
de entendimentos sobre a temática, as orientações comungadas pelo tribunal e os impactos causados pela Lei de Terceirização na jurisprudência
trabalhista.
Trazer um conceito de terceirização é tarefa difícil e não contribui
para o desenvolvimento do objeto principal deste artigo. Em decorrência da variedade de concepções, e da própria compreensão do direito do
trabalho de seus autores (alguns, entendendo pela proteção e tutela do
trabalhador, hipossuficiente da relação trabalhista, outros, compreendendo a terceirização como fenômeno necessário à flexibilização e desenvolvimento econômico), não se mostra razoável buscar uma compreensão
estática do que vem a ser o fenômeno da terceirização.
No entanto, para fins deste trabalho, terceirização se compreende
como o processo por meio do qual uma empresa (denominada tomadora)
A reforma trabalhista... • 385
contrata outra (chamada intermediária), que lhe fornece seus empregados, mantendo-se a relação empregatícia e todos seus consectários com
esta prestadora. A tomadora desconcentra algumas de suas atividades e
transfere sua realização aos empregados da contratada.
Na relação trilateral apresentada, a intermediária permanece responsável pelas obrigações trabalhistas, não se transferindo tais encargos,
a priori, à empresa tomadora, também afastando o tomador da gestão da
mão de obra. Desta forma, os requisitos necessários à configuração da
relação de emprego consubstanciados no artigo 3º da CLT15 são mantidos,
em princípio, em relação à prestadora de serviços. Diz-se “em princípio”
pois, conforme se verá com mais profundidade a seguir, a contratação por
meio de interposta empresa serviu em muitas situações para, de maneira
fraudulenta, se reduzir direitos e se vulnerabilizar trabalhadores.
Nesta situação, em que, nada obstante exista um contrato de intermediação de mão de obra (aspecto formal), estão presentes os requisitos
da relação de emprego (pessoalidade, subordinação, não eventualidade e
onerosidade) entre o trabalhador e a tomadora, mister se faz desconstituir esta formalidade, não raro formada com intuito fraudatório – como
indicado em muitas decisões analisadas –, para se reconhecer entre eles
o vínculo empregatício, responsabilizando-se a tomadora pelos encargos
trabalhistas e também, malogrado pagamento destas verbas pela empresa
prestadora, responsabilizando-a subsidiariamente.
Até muito recentemente, costumava-se conceber terceirização
como a “possibilidade de contratar terceiro para a realização de atividades que geralmente não constituem o objeto principal da empresa”
(MARTINS, 2007, p. 23). Ou ainda, como “o processo de descentralização
das atividades da empresa, no sentido de desconcentrá-las para que sejam
desempenhadas em conjunto por diversos centros de prestação de serviços e não mais de modo unificado numa só instituição.” (NASCIMENTO,
2009 p. 217). Alice Monteiro de Barros (2010, p. 452) entende que a terceirização é instituto que “permite que se transfira a terceiro atividades
reconhecidamente genéricas, secundárias, acessórias ou de suporte ao
empreendimento, de forma a permitir que a empresa envide esforços e
concentre atenção naquelas atividades centrais ou principais vertidas em
seu objeto social”.
Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não
eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
15
386 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
O trabalho temporário foi primeiramente previsto na Lei
6.019/1974, posteriormente regulamentada pelo Decreto 73.841, do mesmo ano. Em sua redação original, dispunha que “trabalho temporário é
aquele prestado por pessoa física a uma empresa, para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou à
acréscimo extraordinário de serviços”.
Inobstante as diferenças ontológicas entre terceirização e trabalho
temporário16, pode-se afirmar que a lei em comento insere-se numa lógica
neoliberal,
cuja evolução desigual e combinada até os dias atuais foi marcada por
privatizações de empresas públicas e pelo enxugamento da máquina do
Estado, com a redução das políticas públicas universais e com uma forte
ideologia norteadora das reformas do Estado – inclusive no Brasil –, que
sustentava a necessidade de introduzir no serviço público o modelo gerencial do setor privado. (DRUCK, Graça; SENA, Jeovana; PINTO, Marina;
ARAUJO, Sâmia, 2017, p. 117)
Cinco anos após a promulgação da Constituição Federal, que
conferiu grande status ao trabalho e sua valorização, o Tribunal Superior
do Trabalho editou a Súmula 331. Pode-se afirmar que por mais de 20
anos (de 1993 a 2017), esta súmula foi a principal referência normativa
sobre a terceirização no país, dada a ausência de outras regras jurídicas
que tratassem da matéria. Intentou o julgador restringir a utilização desta
figura a casos excepcionais, conforme se verá.
Desta maneira, a Súmula 331, modificada em 2011 para acréscimo de seus incisos V e VI, ficou assim editada:
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação
do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no
caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
Há relevantes diferenças em relação à duração do contrato de trabalho (o trabalho temporário tem duração de 90 dias, prorrogáveis, enquanto o de terceirização não possui tal
limitação), o regime temporário não necessita especialização (exigida no trabalho terceirizado) e em relação ao vínculo empregatício.
16
A reforma trabalhista... • 387
II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta,
não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública
direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do
tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços
quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º
8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das
obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das
obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas
as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação
laboral.
Vê-se, então, pela leitura especial do inciso III, que está autorizada a terceirização de serviços de vigilância, de conservação e de limpeza,
bem como de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que não haja pessoalidade e subordinação direta. Há evidente
intenção de se restringir o uso abusivo desta figura, inclusive em caráter
fraudatório, numa clara tentativa de proteção à higidez das relações de
trabalho, inobstante as críticas que possam ser feitas à autorização naquelas atividades, mormente ocupadas por pessoas com baixa qualificação, já
socialmente vulnerabilizadas, como o são jovens, mulheres e negros.
Posteriormente, conforme se indicou acima, vieram as leis
13.429/17 e 13.467/17 para dar a atual conformação legal da matéria. A
lei que instituiu a Reforma Trabalhista também alterou algumas previsões
constantes na 6.019/74, como a do artigo 4o-A, que passou a ter a seguinte
redação “considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive
sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de
serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução” (destacou-se).
388 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
O tema ganha relevo quando se questiona acerca da (im)possibilidade de terceirização de serviços públicos, notadamente no âmbito das
concessionárias, permissionárias e entidades componentes da administração pública indireta.
Druck et al (2017, p. 117) afirmam que o primeiro aceno à terceirização no serviço público brasileiro se deu em 1967, com a edição do
Decreto-Lei nº 200, que pretendeu realizar uma reforma administrativa
do aparelho estatal por meio da descentralização da administração pública, o que se fez através de concessões. Posteriormente, regraram-se quais
serviços poderiam ser contratados de forma indireta (como por exemplo, transporte, limpeza, conservação). Com o advento da Constituição
Federal de 1988, no entanto, passou-se a exigir a realização de concurso
público para o ingresso no funcionalismo.
Posteriormente, no governo Fernando Henrique Cardoso, intentou-se o que se convencionou chamar de reforma gerencial do Estado
brasileiro, cujas diretrizes fizeram com que a terceirização e a privatização
tomassem lugar de centralidade. Neste contexto reformista, grande importância tem o Decreto 2.271/1997, que possibilitou a execução de atividades, indiretamente, no âmbito da Administração Pública (nos termos
do artigo 1º, “as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão
ou entidade”). Indicam-se, por fim, duas outras leis que incentivaram a
utilização da terceirização no serviço público; são elas a Lei 9.637/1998 e a
Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/200).
Nesse sentido, entende-se que
o crescimento desenfreado da terceirização no serviço público mostrou
que a limitação da terceirização nas funções que pertencem à estrutura de
cargos do funcionalismo foi esvaziada, à medida que, na reforma do aparelho de Estado, houve uma reestruturação nas carreiras, com a extinção
de cargos públicos, permitindo-se, dessa forma, a ampliação da terceirização. (DRUCK, Graça; SENA, Jeovana; PINTO, Marina; ARAUJO, Sâmia,
2017, p. 119)
A despeito da relevância das discussões havidas especialmente na
doutrina sobre a possibilidade ou não de terceirização no serviço público, o objeto deste trabalho não permite abordá-las com minúcia, mesmo
A reforma trabalhista... • 389
porque muito dos argumentos nelas contidos serão acolhidos pela jurisprudência, a seguir analisada.
4. A terceirização do serviço público na jurisprudência do TST
(2008-2018)
4.1. Aspectos metodológicos
Realizou-se pequisa no Banco Nacional de Jurisprudência
Trabalhista (BANJUR), no domínio do Tribunal Superior do Trabalho,
abrangendo-se o arco temporal que compreende o período de setembro
de 2008 a agosto de 2018. A opção por esse marco temporal permitiu que
se avaliasse as modificações de entendimento da matéria na jurisprudência do TST ao longo dos anos, mas principalmente se identificar os efeitos
das Leis 13.429 e 13.467 neste âmbito. Assim, percebendo-se na Reforma
uma tendência de ruptura e descontinuidade de posicionamento, como
melhor se enunciará a seguir, foi possível identificar momentos próprios
anteriores e posteriores à aprovação destas leis.
Utilizou-se como chave de pesquisa os termos “terceirização e
‘serviço público’ e atividade-fim não subsidiária”. Com isso, se exclui da
análise a terceirização nos entes privados, focando-se a análise nas permissionárias e concessionárias de serviço público, bem como em outras
figuras da Administração Pública indireta. Também não foi foco de análise, neste trabalho, a temática da possibilidade ou não de se conferir responsabilidade subsidiária à Administração Pública, posto se afastar da
discussão sobre o conteúdo de atividade-fim. Ademais, a questão restou
resolvida, pois foi apreciada pelo pleno do Supremo Tribunal Federal, que
discutiu a responsabilidade subsidiária da administração pública por encargos trabalhistas gerados pelo inadimplemento de empresa terceirizada,
fixando tese de repercussão geral, assim redigida, e que posteriormente
será analisada com mais cautela: “O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao
Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja
em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº
8.666/93.”
390 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Foram analisados recursos de revista, salvo poucas exceções em
que classes processuais diferentes traziam importantes discussões ou
argumentos.
Desta forma, conforme o gráfico abaixo, que apresenta o número
de casos analisados em comparação ao total de decisões existentes para a
chave de pesquisa em cada ano, foram analisadas 391 decisões, no âmbito
do TST, entre os anos de 2008 e 2018.
400
358
Número de Decisões
350
272
300
250
165
200
150
105
100
50
4740
44
70
47
2009
2010
2011
84
41
52
2012
2013
36
40
59
37
54
20
2720
2014
2015
2016
2017
2018
1414
0
2008
Ano
Total
Analisados
4.2. Análise jurisprudencial
No ano de 2008, percebeu-se um processo de consolidação de entendimento sobre a impossibilidade de terceirização das atividades-fim
no âmbito da administração pública. Na maioria dos julgados analisados,
adotou-se este posicionamento; no entanto, nota-se, ainda, a presença de
entendimentos divergentes , especialmente quando, no âmbito das tele17
17
Entre os entendimentos que divergem, também compreendendo “atividade inerente”
como sinônimo de atividade-fim, estão: TST. AG-SEDAT – 1950976-66.2008.5.00.0000.
Rel. Min. Rider de Brito. DJ: 02/10/2008; TST. RR-347/2005.003.17.00.1, Ac. 5ª Turma, Rel.
Ministro João Batista Brito Pereira, DJ 18/4/2008; TST. AIRR – 243640-56.2003.5.02.0431.
Rel. Min. Walmir Oliveira da Costa. DJ: 26/11/2008; TST. RR-1680/2006-140-03-00, Ac. 5ª
Turma, Rel. Ministro João Batista Brito Pereira, DJ 4/4/2008. Mesmo em 2009 e 2010, houve decisões que admitiram a possibilidade de terceirização do serviço público: TST. AIRR
A reforma trabalhista... • 391
comunicações, se analisa o contido no artigo 94, II, da Lei n.º 9.472/97.
(“No cumprimento de seus deveres, a concessionária poderá, observadas
as condições e limites estabelecidos pela Agência: contratar com terceiros
o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares
ao serviço, bem como a implementação de projetos associados.”)
Neste ponto, destaca-se a discussão que permeia grande parte dos
julgados analisados e que diz respeito à distinção entre as noções de atividade inerente e atividade-fim. A depender da concepção que se possua de
“atividade inerente”, possível dois caminhos: o da possibilidade da terceirização no serviço público (compreendendo-se inerente como sinônimo
de atividade-fim) e o da impossibilidade (concebendo-os ontologicamente distintos).
Neste último sentido, possível citar o entendimento do Ministro
Maurício Godinho Delgado, reproduzido em diversos julgados. Segundo
ele,
O inciso II do art. 94 da Lei 9.472/97 (que dispõe sobre a organização
dos serviços de telecomunicações) não comporta a interpretação de poder
a concessionária contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades-fim, já que tal exegese confrontaria com o texto da Súmula 331/TST.
Estender o sentido do termo “inerente” nessa peculiar hipótese para compreendê-lo como análogo à atividade-fim, aceitando a transferência do desenvolvimento de serviços essenciais a terceiros, significaria um desajuste
em face dos clássicos objetivos tutelares e redistributivos que sempre caracterizaram o Direito do Trabalho ao longo de sua história. O fenômeno
da terceirização, por se chocar com a estrutura teórica e normativa original do Direito do Trabalho, sofre restrições da doutrina e jurisprudência
justrabalhistas, que nele tendem a enxergar uma modalidade excetiva de
contratação de força de trabalho18.
Contudo, a Seção Especializada em Dissídios Individuais – SDI-1,
do TST, em 28/05/2009, já houvera rejeitado a interpretação da expressão
– 143040-29.2007.5.23.0002. Rel. Min. João Batista Brito Pereira. DJ: 04/11/2009; TST.
E-RR - 466100-44.2002.5.21.0921. Subseção I Especializada em Dissídios Individuais. Rel.
Min. João Batista Brito Pereira. DJ: 28/05/2009; TST. AIRR - 21940-38.2006.5.01.0008.
2ª Turma. Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva. DJ: 04/03/2009; TST. AIRR - 9344035.2005.5.03.0012. 8ª Turma. Rel. Min. Márcio Eurico Vitral Amaro. DJ: 06/10/2010.
18
TST. Recurso de Revista: RR – 897-59.2010.5.03.0134. Relator: Min. Maurício Godinho
Delgado. DJ: 19/10/2011.
392 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
“atividades inerentes” que lhe conferia o sentido de atividade-fim19. Um
dos argumentos apresentados foi que a Lei Geral de Telecomunicações,
de caráter administrativo, não aborda matéria trabalhista, seus princípios,
conceitos e institutos, possuindo planos de eficácia distintos.
Outros julgados põem relevo sobre a relação entre Direito
Administrativo e Direito do Trabalho, subscrevendo o argumento acima
enumerado. Neste sentido, “não é razoável supor que diplomas legais desse
jaez, destinados a regular matérias tipicamente de Direito Administrativo,
igualmente hajam versado tema distinto e sob a ótica do Direito do
Trabalho para abrir mais uma exceção à Súmula nº 331 do TST20.”
Ainda no tocante à análise do artigo 94, II, da Lei Geral de
Telecomunicações, grande número de decisões a analisa sob uma lente
constitucional. Assim, existiria uma limitação imposta à terceirização das
atividades-fim e uma concepção restritiva do termo “inerente”.
Neste sentido, impõe-se a observação do artigo 1º, IV e 17021, ambos da Constituição Federal, sendo que este último dispõe, especialmente
em seus incisos VII e VIII: “A ordem econômica, fundada na valorização
do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social”, observando os
princípios da redução das desigualdades regionais e sociais e da busca
do pleno emprego, bem como da dignidade da pessoa humana. Ainda,
apontam-se como limites à terceirização os princípios basilares do Direito
do Trabalho, bem como os valores sociais comungados em determinado
contexto histórico.
Assim se manifestou o Min. Valdir Florindo:
Acrescente-se que a interpretação do artigo 94 da Lei nº 9.472/97 que leve
à conclusão de que há nele autorização para a terceirização da atividadeTST. RR – 586341-58.1999.5.18.0001. Relator: Min. Vieira de Mello Filho. DJ: 28/05/2009.
TST. RR – 143500-76.2009.5.03.0107. Rel. Min. João Oreste Dalazen. DJ: 15/05/2013.
Neste mesmo sentido, sobre a incompatibilidade da norma Administrativa e a Trabalhista:
TST. RR – 136100-61.2007.5.03.0016. Rel. Min. Rosa Maria Weber. 3ª Turma. DJ:
16/12/2009.
21
TST. RR – 110800-06.2007.5.03.0014. 4ª Turma. Rel. Min. Antônio José de Barros
Levenhagen. DJ: 02/12/2009; TST. RR – 48000-93.2008.5.03.0017. 4ª Turma. Rel. Min.
Antônio José de Barros Levenhagen. DJ: 04/11/2009; TST. RR – 108800-72.2008.5.03.0022.
4ª Turma. Rel. Min. Antônio José de Barros Levenhagen. DJ: 30/06/2010; TST. RR – 40546.2010.5.03.0044. 2ª Turma. Rel. Min. Maria das Graças Silvany Dourado Laranjeira. DJ:
03/04/2013.
19
20
A reforma trabalhista... • 393
-fim das empresas prestadoras de serviço corresponde não apenas a uma
inconstitucional superioridade da livre iniciativa sobre o valor social do
trabalho como também à prevalência até mesmo das relações de consumo sobre este – quando é certo que a Constituição Federal adotou um
eloquente silêncio acerca de tais relações nos principiológicos artigos 1º,
IV, e 170, caput22.
Posteriormente, no ano de 2011, houve importante consolidação de entendimento na temática, com grande repercussão no Direito do
Trabalho. Refere-se à concretização da Orientação Jurisprudencial 383,
oriunda da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, segundo
a qual:
383. TERCEIRIZAÇÃO. EMPREGADOS DA EMPRESA PRESTADORA
DE SERVIÇOS E DA TOMADORA. ISONOMIA. ART. 12, “A”, DA LEI Nº
6.019, DE 03.01.1974. (mantida) - Res. 175/2011, DEJT divulgado em 27,
30 e 31.05.2011 A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com ente da Administração
Pública, não afastando, contudo, pelo princípio da isonomia, o direito dos
empregados terceirizados às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas àqueles contratados pelo tomador dos serviços, desde que
presente a igualdade de funções. Aplicação analógica do art. 12, “a”, da Lei
nº 6.019, de 03.01.1974.
Em 2012, também advindo da Subseção de Dissídios Individuais23,
firmou-se o entendimento de que o serviço de call center é atividade-fim
das empresas concessionárias de telecomunicações, sendo que a terceirização do teleatendimento pelas empresas telefônicas configura intermediação ilícita de mão de obra, devendo ser reconhecido o vínculo de emprego desses trabalhadores terceirizados diretamente com os tomadores
de seus serviços.
De 2013 a 2017, as decisões não divergirem do indicado acima,
mantendo-se a também a argumentação, os limites e as compreensões
acerca do conteúdo de atividade-fim.
TST. RR – 1295-08.2010.5.03.0004. 2ª Turma. Rel. Min. Valdir Florindo. DJ: 21/08/2013
TST. E-ED-RR - 810-06.2010.5.03.0037. Subseção I Especializada em Dissídios
Individuais. Rel. José Roberto Freire Pimenta. DJ: 29/11/2012. Igualmente: TST. E-EDRR – 2938-13.2010.5.12.0016. Subseção I Especializada em Dissídios Individuais. Rel. José
Roberto Freire Pimenta. DJ: 08/11/2012.
22
23
394 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Contudo, os últimos resultados apresentados para a chave de
pesquisa utilizada até o momento (terceirização e “serviço público” e atividade-fim não subsidiária) têm como data de julgamento limite o dia
13/09/2017, não sendo apresentados julgados posteriores.
Para dar prosseguimento à pesquisa, a despeito deste fato não
previsto, optou-se por utilizar nova chave de pesquisa, no setor “Consulta
Unificada” do TST. Utilizou-se o termo “‘Lei 13.429’ não irretroatividade”. Afastou-se a utilização da expressão “irretroatividade”, uma vez que
se percebeu a existência de grande número de julgados que não se debruçavam com minúcia sobre a (im)possibilidade de terceirização da atividade-fim, furtando-se a afastar a possibilidade de terceirização com a
justificativa de que o contrato objeto da apreciação judicial havia sido pactuado antes da vigência da referida lei, não possuindo efeitos retroativos.
Este é o entendimento consolidado24 até o presente momento, sobre os
contratos anteriores à edição da Lei 13.429. Ademais, nesses casos, tem-se
mantido o entendimento de que a terceirização de atividade-fim é ilícita,
não tendo a Lei de Terceirização efeitos retroativos para apanhar situações
constituídas e direitos adquiridos na vigência da lei anterior, sob pena de
se violar os princípios da irretroatividade da lei nova e da segurança jurídica, garantidos pelos expressos termos dos arts. 5º, caput e inciso XXXVI
do Texto Maior e 6º da Lei de Aplicação às Normas do Direito Brasileiro.
Neste sentido, a análise do mérito abre espaço às discussões de
cunho processual – irretroatividade de lei, pedido de sobrestamento de
ações aguardando-se julgamento pelo STF, (ausência de) pré-questionamento –, de modo que as decisões do TST, no geral e ainda que lateralmente, mantém o entendimento da impossibilidade de terceirização.
Porém, algumas decisões do STF já acenam para uma mudança
diametral de entendimento, no sentido de ser possível a terceirização da
atividade-fim. Percebem-se, também, algumas decisões do TST acompanhando este novo entendimento25.
24
Por todos, verificar TST. ED-E-ED-RR – 1144-53.2013.5.06.0004. SDI-1. João Oreste
Dalazen. DJ: 03/08/2017
25
Neste sentido, demonstrando a alteração gradual de entendimento do TST, destaca-se:
TST. RR – 64-24.2017.5.06.0292. Rel. Min. Breno Medeiros, 5ª Turma, DJ: 15/08/2018.
TST. RR-185-22.2013.5.05.0421, Relator Ministro: Guilherme Augusto Caputo Bastos, 5ª
Turma, Data de Publicação: DEJT 23/03/2018.
A reforma trabalhista... • 395
Citam-se algumas manifestações do STF para embasar tal constatação. A primeira delas, advém da apreciação do RE 760.93126, datado
de 30/03/2017. Os argumentos apresentados podem ser resumidos em: 1)
a dicotomia havida entre os conceitos de atividade-meio e atividade-fim
é imprecisa, artificial e ignora a dinâmica da economia moderna, em que
há especialização, divisão de tarefas, busca pela eficiência e mutação constante do objeto social (aqui, em evidente conflito com um dos argumentos
consagrados pela jurisprudência para desautorizar a terceirização, como
se indicará a seguir); 2) não há fraude, mas estratégia empresarial na cisão
de atividades entre pessoas jurídicas distintas, “garantida pelos artigos 1º,
IV, e 170 da Constituição brasileira” (em interpretação distinta da então
comungada pelo TST, conforme se indicou alhures); 3) apresentação de
supostos benefícios da terceirização; 4) existência de dever de eficiência
da Administração Pública, empregando soluções de mercado adequadas
ao atendimento da demanda, de modo que “a terceirização não importa
precarização às condições dos trabalhadores”. A partir destes argumentos,
o plenário fixou a seguinte tese de repercussão geral, sob número 246: “‘O
inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado
não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos
termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93’”
Ainda, vislumbram-se, no âmbito do Supremo Tribunal Federal,
decisões neste mesmo sentido no exame de Reclamações Constitucionais
(entre outras, Rcl 25.508, Rel. Min. Alexandre de Moraes; Rcl 10.132, Rel.
Min. Gilmar Mendes; Rcl 25.621 MC, Rel. Min. Ricardo Lewandowski;
Rcl 19.598 MC, Rel. Min. Cármen Lúcia).
Em medidas cautelares, também já se tem decidido neste diapasão, como se vê na MC concedida nos autos da ADC n.º 48, de relatoria do
Ministro Luís Roberto Barroso, DJE 31/01/2018, em que se argumentou
que
É legítima a terceirização das atividades-fim de uma empresa. A
Constituição Federal não impõe uma única forma de estruturar a produção. Ao contrário, o princípio constitucional da livre iniciativa garante aos
26
STF. RE 760931, Relator (a): Min. ROSA WEBER, Relator(a) p/ Acórdão: Min. LUIZ
FUX, Tribunal Pleno, julgado em 26/04/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-206
DIVULG 11-09-2017 PUBLIC 12-09-2017.
396 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
agentes econômicos liberdade para eleger suas estratégias empresariais
dentro do marco vigente (CF/1988, art. 170).
Por fim, faz-se necessário realçar a discussão atualmente presente
no Supremo Tribunal Federal, em três importantes julgamentos, no ARE
791.932, sobre a possibilidade de terceirização das atividades de call center e na ADPF 324 e no RE 958.252, está com repercussão geral reconhecida, ambas sobre a própria terceirização da atividade-fim e apreciadas
conjuntamente.
No decorrer da realização deste trabalho, o Supremo Tribunal
Federal discutiu e julgou constitucional a terceirização das atividades-fim.
Desta maneira, haviam se manifestado contrariamente à terceirização das
atividades-fim o ministro Edson Fachin, que abriu a divergência, seguido pela ministra Rosa Weber e pelos ministros Ricardo Lewandowski e
Marco Aurélio; por outro lado, entendendo ser possível essa terceirização,
posicionaram-se os ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Luiz
Fux, Carmen Lúcia, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Roberto Barroso,
relator dos processos.
Frise-se que a decisão diz respeito, especificamente, à (in)constitucionalidade da Súmula 331 do TST, no entanto, certamente produzirá
efeitos na atuação nas instâncias inferiores, sinalizando o posicionamento
da Corte acerca da constitucionalidade da liberação da terceirização.
Posteriormente, foi editado o Decreto 9.507/2018, que dispõe
sobre a execução indireta, mediante contratação, de serviços da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e das empresas
públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União. São
excluídas da execução indireta os serviços que envolvam tomada de decisão ou posicionamento institucional nas áreas de planejamento, coordenação, supervisão e controle; que sejam considerados estratégicos para o
órgão ou a entidade, cuja terceirização possa colocar em risco o controle
de processos e de conhecimentos e tecnologias; que estejam relacionados
ao poder de polícia, de regulação, de outorga de serviços públicos e de
aplicação de sanção; e que sejam inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou da entidade, exceto disposição
legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal.
A reforma trabalhista... • 397
A luta hermenêutica, portanto, novamente se dará na identificação das funções inerentes ou acessórias às categorias indicadas.
Conforme se demonstrou neste capítulo, o Supremo Tribunal
Federal, em suas recentes decisões e em pouco espaço de tempo, reviu seu
posicionamento, passando a adotar argumentos diametralmente opostos
aos que até então comungava, tanto a própria corte como as instâncias
inferiores, a exemplo do TST.
5. Considerações finais
Objetivou-se, com o presente trabalho, apresentar a “trajetória”
pela qual passou a terceirização da atividade-fim na normativa e na jurisprudência brasileiras, demonstrando-se, até a edição das leis reformadoras, a consolidação de entendimentos e, posteriormente a elas, a fragmentação e a ruptura, com a identificação da tendência, especialmente a partir
do posicionamento do Supremo Tribunal Federal, de ampliação irrestrita
da terceirização, sob argumentos diametralmente opostos aos até então
consolidados.
Inobstante o aceno à terceirização irrestrita, procurou-se apresentar as diretrizes e os contornos da noção de atividade-fim, inseridos na
jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho entre os anos de 2008 a
2018, podendo-se destacar os mais presentes: atividades-fim são serviços
necessários à consecução das metas, fins e objetivos sociais; b) de caráter
essencial, inclusive à dinâmica empresarial; c) sem as quais a empresa não
consegue manter suas atividades; d) existência de subordinação estrutural. Cada uma destas direções possui características e desdobramentos
próprios, também debatidos neste artigo.
O trabalho, portanto, se insere num projeto de mapeamento dos
efeitos das reformas, permitindo identificar as características dos momentos anterior e posterior a sua vigência. Quanto ao objeto específico
deste artigo – qual seja, a terceirização da atividade-fim no serviço público – percebe-se uma tendência, encampada e já sinalizada pelo Supremo
Tribunal Federal, de se autorizar a terceirização, neste sentido, especialmente para as funções em que seja desnecessária a prestação de concurso
público.
Também são recentes as alterações legislativas que possibilitaram
a terceirização da atividade-fim. Caberá, por hora, a continuidade da crí-
398 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
tica ao modelo laboral que se tem construído na recente história brasileira. Este trabalho se insere neste contexto, portanto, pois, identificando o
estado da arte anterior e a consequente e quase imediata ruptura com tal
modelo, aponta a fragilidade e insustentabilidade dos argumentos indicados, muito mais de cunho político que jurídicos.
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400 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
STF. RE 958252, Relator Min. Luiz Fux. Tribunal Pleno, julgado em
30/08/2018, Ata Nº 31, de 30/08/2018. Diário do Judiciário Eletrônico nº
188, divulgado em 06/09/2018.
TST. RR – 62400-71.2003.5.01.0073. 1ª Turma. Relator Ministro Luiz
Philippe Vieira de Mello Filho. Diário do Judiciário: 12/11/2008.
TST. ARR – 942-66.2010.5.03.0036. 1a Turma. Relator Ministro Walmir
Oliveira da Costa. Diário do Judiciário: 27/06/2018.
TST. AIRR – 75940-50.2005.5.04.0101. 2ª Turma. Relator Ministro José
Simpliciano Fontes de F. Fernandes. Diário do Judiciário: 18/12/2007.
TST. AIRR - 21940-38.2006.5.01.0008. 2ª Turma. Rel. Min. Renato de
Lacerda Paiva. Diário do Judiciário: 04/03/2009.
TST. RR – 2715500-18.2000.5.09.0014. 2ª Turma. Relator Ministro
Roberto Pessoa. Diário do Judiciário. 24/03/2010.
TST. AIRR – 103940-36.2009.5.03.0105. 2ª Turma. Relator Ministro
Guilherme Augusto Caputo Bastos. Diário do Judiciário: 18/08/2010.
TST. RR – 405-46.2010.5.03.0044. 2ª Turma. Rel. Min. Maria das Graças
Silvany Dourado Laranjeira. Diário do Judiciário 03/04/2013.
TST. RR – 147900-05.2007.5.03.0140. 2ª Turma. Relator Ministro Renato
de Lacerda Paiva. Diário do Judiciário: 25/06/2013.
TST. AIRR – 143140-95.2005.5.03.0006. 3ª Turma. Relator Ministro
Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira. Diário do Judiciário: 22/04/2009.
TST. RR – 143100-16.2005.5.03.0006. 3ª Turma. Relator Ministro Alberto
Luiz Bresciani de Fontan Pereira. Diário do Judiciário: 22/04/2009.
TST. RR – 136100-61.2007.5.03.0016. 3ª Turma. Rel. Min. Rosa Maria
Weber. Diário do Judiciário: 16/12/2009.
TST. AIRR – 135840-13.2009.5.03.0016. 3ª Turma. Relator Ministro
Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira. Diário do Judiciário: 24/11/2010.
TST. RR – 62400-43.2008.5.03.0137. 3ª Turma. Relator Ministro Mauricio
Godinho Delgado. Diário do Judiciário: 14/11/2012.
TST. RR – 70600-83.2009.5.03.0111. 3ª Turma. Relator Ministro Alberto
Luiz Bresciani de Fontan Pereira. Diário do Judiciário: 16/06/2010.
A reforma trabalhista... • 401
TST. RR – 982-38.2010.5.03.0007. 3ª Turma. Relator Ministro Alberto
Luiz Bresciani de Fontan Pereira. Diário do Judiciário: 29/02/2012.
TST. RR – 70300-04.2007.5.03.0108. 4ª Turma. Relator Ministro Antônio
José de Barros Levenhagen. Diário do Judiciário: 04/11/2009.
TST. RR – 48000-93.2008.5.03.0017. 4ª Turma. Rel. Min. Antônio José de
Barros Levenhagen. Diário do Judiciário: 04/11/2009.
TST. RR – 110800-06.2007.5.03.0014. 4ª Turma. Rel. Min. Antônio José de
Barros Levenhagen. Diário do Judiciário: 02/12/2009.
TST. RR – 32040-71.2006.5.01.0034. 4ª Turma. Relator Ministro Fernando
Eizo Ono. Diário do Judiciário: 15/09/2010.
TST. RR – 104800-89.2009.5.03.0023. 4ª Turma. Relatora Ministra
Fernando Eizo Ono. Diário do Judiciário: 15/08/2012.
TST. RR – 124500-08.2009.5.03.0005. 4a Turma. Relatora Ministra Maria
de Assis Calsing. Diário do Judiciário: 08/02/2012.
TST. RR-1680/2006-140-03-00, Ac. 5ª Turma, Rel. Ministro João Batista
Brito Pereira, Diário do Judiciário 4/4/2008.
TST. RR-347/2005.003.17.00.1, Ac. 5ª Turma, Rel. Ministro João Batista
Brito Pereira, Diário do Judiciário 18/4/2008.
TST. RR – 135400-67.2008.5.03.0140. 5ª Turma. Relatora Ministra Kátia
Magalhães Arruda. Diário do Judiciário: 02/03/2011.
TST. RR – 64-24.2017.5.06.0292. Rel. Ministro Breno Medeiros, 5ª Turma,
Diário do Judiciário: 15/08/2018.
TST. RR-185-22.2013.5.05.0421, Relator Ministro: Guilherme Augusto
Caputo Bastos, 5ª Turma, Data de Publicação: Diário Eletrônico da Justiça
do Trabalho 23/03/2018.
TST. ED-RR – 58800-82.2003.5.10.0011. 6ª Turma. Relator Ministro
Aloysio Corrêa da Veiga. Diário do Judiciário: 17/06/2009.
TST. RR – 109800-13.2004.5.04.0025. 6ª Turma. Relator Ministro Aloysio
Corrêa da Veiga. Diário do Judiciário: 18/11/2009.
TST. RR – 8040-64.2002.5.12.0026. 6a Turma. Relator Ministro Maurício
Godinho Delgado. Diário do Judiciário: 02/06/2010.
402 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
TST. RR – 150200-53.2009.5.03.0112. 6ª Turma. Relator Ministro Mauricio
Godinho Delgado. Diário do Judiciário: 01/09/2010.
TST. RR – 164400-05.2008.5.03.0111. 6ª Turma. Relator Ministro Maurício
Godinho Delgado. Diário do Judiciário: 10/11/2010.
TST. AIRR – 97841-96.2009.5.03.0025. 6ª Turma. Relator Ministro
Maurício Godinho Delgado. Diário do Judiciário: 17/11/2010.
TST. RR – 302100-05.2006.5.09.0021. 6ª Turma. Relator Ministro Maurício
Godinho Delgado. Diário do Judiciário: 07/12/2010.
TST. RR – 1544900-39.2008.5.09.0001. 6ª Turma. Relatora Ministra Kátia
Magalhães Arruda. Diário do Judiciário: 27/06/2012.
TST. RR – 220-78.2013.5.03.0019. 7ª Turma. Relator Ministro Cláudio
Mascarenhas Brandão. Diário do Judiciário: 05/02/2014.
TST. AIRR - 93440-35.2005.5.03.0012. 8ª Turma. Rel. Min. Márcio Eurico
Vitral Amaro. Diário do Judiciário: 06/10/2010.
TST. RR – 822-92.2010.5.03.0110. 8ª Turma. Relator Ministro Sebastião
Geraldo de Oliveira. Diário do Judiciário: 23/11/2011.
TST. RR – 189700-13.2009.5.01.0491. 8ª Turma. Relatora Ministra Dora
Maria da Costa. Diário do Judiciário: 15/08/2012.
TST. E-RR - 466100-44.2002.5.21.0921. Subseção I Especializada em
Dissídios Individuais. Rel. Min. João Batista Brito Pereira. Diário do
Judiciário: 28/05/2009.
TST. E-ED-RR – 2938-13.2010.5.12.0016. Subseção I Especializada
em Dissídios Individuais. Rel. José Roberto Freire Pimenta. Diário do
Judiciário: 08/11/2012.
TST. E-ED-RR - 810-06.2010.5.03.0037. Subseção I Especializada em
Dissídios Individuais. Rel. José Roberto Freire Pimenta. Diário do
Judiciário: 29/11/2012.
A reforma trabalhista... • 403
APONTAMENTOS SOBRE A
PRECARIZAÇÃO À BRASILEIRA
NOTES ON THE BRAZILIAN PRECARIOUSNESS
Alexandre Francisco Braga1
Resumo: Analisaremos as propostas de mudança de orientação trabalhista
do governo do presidente Michel Temer sob a ótica do contexto internacional. Nosso foco é a Lei nº 13.467/2017 por meio do qual o mandatário
pretende dar sequência a uma serie de precarizações que vem sendo realizadas no mundo do trabalho desde a década de 1990. Demonstraremos,
com base na literatura especializada e na crítica marxista, que essas alterações na atual legislação trabalhista propostas nas redações dos artigos 510,
611 e 620 do projeto em análise resultam na perda de proteção laboral,
na inquietação entre os trabalhadores e trabalhadoras e no desprestigio
das organizações sindicais. Pois o novo modelo de mediação das relações
entre estas e os patrões prioriza a comissão de empregados em detrimento
da representação por local de trabalho, que antes era realizada pelos sindicatos. Além de ser um retrocesso na manutenção dos direitos da classe
trabalhadora, o conjunto das mudanças sugeridas pelo Governo Federal
traz uma nova forma de escravidão humana que está inserida não somente na situação conjuntural em que o país vive, mas que lhe é basilar da
estrutura capitalista que o Brasil está, intrinsecamente, ligado.
Palavras-chave:
Precarização;
Classetrabalhadora.
Reforma
trabalhista;
Marx;
1
É bacharelando em Ciências do Estado na Faculdade de Direito da UFMG, membro do
Grupo de Estudos Trabalho e Resistências (UFMG) e é preside a Unegro (União de Negras
e Negros Pela Igualdade). Email: bragafilosofia@yahoo.com.br.
In: ANTUNES, Daniela Muradas; NICOLI, Pedro Augusto Gravatá; RODARTE, Wanessa
Susan de Oliveira (org.).A reforma trabalhista e o direito individual do trabalho: dos
retrocessos às resistências. 1ª edição. Belo Horizonte: Initia Via, 2019 (Anais do IV
Encontro da RENAPEDTS, vol. 2). ISBN: 978-85-9547-079-8. DOI: 10.17931/95470798/
v2a18.
404 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Abstract: We are going to analyze de proposes of changes in the labor
orientation of the government of the president Michel Temer under the
perspective of the international context. Our focus is the Amendment
number 13.467/2017 through which the agent intends to follow a series
of precarious situations that have been done in the labor world since the
ninety decade. We are going to demonstrate, based on the specialized literature and in the Marxist criticism, that these alterations in the current
labor legislation proposed in the essays of the articles 510,611 and 620 of
the project under analysis result in the loss of the labor protection, in the
agitation among the works and in the loss of prestige of the labor syndical organizations. For the new mediation model of the relations between
these and the bosses prioritizes the employees’ commission in detriment
of the representation by labor local, that before was performed by the syndicates. Besides being a step backwards in the management of the rights of
the working class, the set of changes suggested by the Federal Government
brings a new form of human slavery that is inserted not only in the conjunctural situation in which the country lives, but which is based on the
capitalist structure That Brazil is intrinsically linked.
Keywords: Precarious situations; Labor reform; Marx; Working class.
*
1. Introdução
O cenário de precarização das relações do trabalho no Brasil veio
no bojo da perda do projeto socialista referendada na emancipação humana e na ascensão dos programas neoliberais na economia e na sociedade.
As mudanças, no campo gerencial e no parque industrial, também contribuíram para essa situação, visto que a opção pela modernização retirou
milhares de postos de trabalho, o que contrariou as narrativas da época
de que os trabalhadores seriam os beneficiários de melhor qualidade de
vida e bem-estar. À guisa de conhecimento, conforme reportagem feita
por Oliveira (2012), da Agência Brasil, somente no setor bancário, a perda foi de 732 mil postos, em 1990 para 393 mil em 1999, uma redução
na ordem de 46,3% e de 25% de queda na área industrial. Em 1991, 42%
A reforma trabalhista... • 405
dos trabalhadores estavam sem carteira de trabalho ou eram autônomos,
Isto aconteceu tanto por causa das privatizações, da investida do capital
neoliberal e da baixa perspectiva de crescimento interno, com a proliferação do setor de serviços, da terceirização e subcontratação do processo
produtivo. Essa chamada Terceira Revolução Industrial consistiu na reestruturação produtiva. De um lado, houve o aumento do progresso técnico,
o uso de novas tecnologias com o aumento da produtividade e, do outro
lado, a constituição de um mercado de trabalho cada vez mais competitivo e seletivo, o que se refletiu, através das mudanças do fordismo para
o sistema de produção flexível, trazendo insegurança ao trabalhador por
causa do desemprego que já começara a diminuir o poder de barganha
dos sindicatos, públicos e privados. Tanto o trabalho protegido pela legislação trabalhista quanto o trabalho desprotegido foram afetados por essa
nova dinâmica. Essa nova ordem econômica vigente foi a responsável direta pelo cenário desolador em que já se encontrava o mundo do trabalho,
porém, as propostas do atual governo federal elevam, num grau avançado,
esse quadro de precarização, de fragilização e de defensiva laboral que
vimos registrando desde os anos noventa.
Nosso entendimento é que, essa proposta de alteração do escopo
de proteção trabalhista2 pelos parlamentares, não só altera nosso ordenamento jurídico, mas também a própria CLT, pois a classe trabalhadora
passa a ter, com a mudança legislativa, pouquíssima condição de resistir,
enfrentar, articular e lutar contra a exploração dos patrões, já que tanto o
alto índice de desemprego quanto a fragilidade legal a joga como classe na
condição de nova escravização humana. Pois, conforme Castel:
Foi a relação com o trabalho que mudou profundamente. Ele é daqui para frente vivido por muitos como inquietação. O medo de
perder o emprego predomina [...] Mas, é ainda sobre o trabalho,
quer se o tenha, quer este falte, quer seja precário ou garantido, que
continua a desenrolar-se, hoje em dia, o destino da grande maioria
dos atores sociais. (CASTEL, 198, p. 157).
E é justamente o medo de perder o emprego, como aponta Castel
acima, que coloca o trabalhador e sua representação política em uma reA Lei nº 13.467/2017 já está em vigor e o presidente eleito Jair Messias Bolsonaro (PSL)
tem nela e na reforma da previdência algumas de suas principais bandeiras políticas.
2
406 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
lação de inferioridade, diante as propostas feitas pelos empregadores, no
caso de relações formais de trabalho e emprego. No caso de trabalhadores
sem vínculos formais, esse medo é ainda mais perverso e traz uma inquietação ainda maior. Essa inquietação, pela insegurança quanto a estabilidade laboral e pela fragilidade da proteção legal, também, se reflete naquelas
situações já positivadas pelo poder público, portanto, protegidas pela Lei,
pois, de acordo com o estudo Justiça em Números, realizado pelo Conselho
Nacional de Justiça, tramitam 99,7 milhões de processos nos 90 Tribunais
brasileiros, sendo 70,8 milhões de processos pendentes e 28,9 milhões de
novos casos que chegaram às cortes do país no ano de 2014. Desses, 39,4%
se referem exclusivamente às causas trabalhistas. (CARDOSO, 2015).
Além dessa inquietação pela possibilidade da perda do emprego formal, há, entre a classe trabalhadora brasileira, o temor pela pouca
resolutibilidade da Justiça do Trabalho, conforme os dados relatados anteriormente. Diante disso, é possível antever uma baixa capacidade negocial dos empregados diante do patronato. A proposta feita pelo governo
do presidente Michel Temer e amparada pelo presidente Jair Bolsonaro
(PSL), Lei Ordinária nº 13.467/2017, para alterar a Consolidação das Leis
do Trabalho, de 1943, reforça essa condição de fragilidade, leva o conjunto
dos empregados à categoria de escravidão humana, pois as regras do jogo
trabalhista não os protegem de fato, na medida em que, ao contrair um
acordo profissional, os trabalhadores entram nesse jogo com pouquíssimas forças para discordar dos patrões, já que por um lado, há altas taxas
de desemprego, e por outro, o sistema protetivo, apesar de antigo, é demorado e dá uma sensação de não atender às demandas protocoladas nos
Tribunais do Trabalho.
De acordo com a juíza Valdete Souto Severo da 4ª região do
Tribunal Regional do Trabalho, em Porto Alegre:
As alterações são tantas e tão ruins, que é difícil apontar as mais
relevantes. No âmbito do direito material, as possibilidades de contratação precária, como intermitente, temporário, autônomo exclusivo; a possibilidade de jornada de 12h por acordo individual e
com supressão do intervalo de descanso; regras sobre salário, com
a possibilidade de pagamento de prêmio como se fosse indenização; regras sobre despedida, permitindo que o trabalhador renuncie aos direitos, se aderir a plano de demissão voluntária. (RUY,
2018, p.6).
A reforma trabalhista... • 407
Como afirma a juíza Valdete Souto Severo (2018), a possibilidade
de esvaziamento da atuação sindicaldá aos empregadores, além do exército de reserva de mão-de-obra disposta a receber contratos empregatícios com quase nenhuma garantia pró trabalhador, o patronato tem à sua
disposição uma legislação laboral que força a aceitação de acordos que
se sobrepõem sobre o legislado, como está explícito no Artigo 620 dessa
Lei:“As condições estabelecidas em acordo coletivo de trabalho sempre prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva de trabalho”(LEI nº
13.467/2017).
A proposta da reforma trabalhista aprovada pelo Congresso
Nacional do Brasil, em apreço, vem, portanto, no contexto internacional
de avanço das políticas neoliberais e de fragilidade trabalhista, registrada
a partir da década de 1990. Com o agravante de que, a estrutura de proteção consubstanciada na CLT e na Carta Magna, de 1988, com a vigoração
da Lei nº13.467/2017, coloca a classe trabalhadora à mercê da negociação.
Nesse novo cenário que se apresenta, a classe trabalhadora tem pouco tônus muscular para discordar ou não aceitar condições desfavoráveis de
contratação no mundo do trabalho, semelhante ao que já foi vivido pelo
Brasil durante a escravidão. Como pontuou Marx (2008), com os recentes
processos de desregulamentação laboral, o trabalho, enquanto mercadoria estranhada, coloca a classe trabalhadora em condição cada vez mais
submissa em relação à sua força de trabalho, em relação aos pouquíssimos
acordos possíveis e em relação à sua baixa capacidade de reivindicar suas
pesadas perdas de direitos. Vejamos como isso está circunscrito ao cenário externo.
2.As propostas de precarização à brasileira
As propostas de reformas trabalhistas e previdenciárias, que têm
sido adotadas no ordenamento jurídico brasileiro, estão lincadas e conectadas diretamente aos ajustes fiscais e econômicos requeridos pelo capital
neoliberal. Portanto, as exigências de alterações, no padrão de proteção
social do trabalhador, têm mais uma conotação externa, que conjuntural
nacional. O conjunto dessas reformas está ligado, umbilicalmente, à necessidade de adaptação estrutural do capital mundial, conforme já escrito
por Karl Marx.
408 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Em deferimento dessas exigências, o país tem adotado diversas
revisões no sentido de desestruturar e desregulamentar seu alicerce de
proteção da classe trabalhadora, na tendência mundial de abertura comercial que vem sendo a tônica da política econômica dos anos 1990,
com claro interesse em privilegiar aqueles ajustes necessários para gerar
ganhos de produtividade e para aumentar a lucratividade dos negócios no
cenário externo. (RAMOS, 1997, p.1). Segundo estudo de Ramos (1997):
O acirramento da concorrência internacional, a globalização da
produção e as profundas mudanças na tecnologia e nos sistemas
de gestão obrigam as empresas a buscar custos unitários do trabalho mais baixos e uma maior flexibilidade para se adaptar a um
ambiente em permanente mutação. Tendo em vista que os traços
comuns dos mercados de trabalho naquele continente são exatamente a rigidez, o excesso de regulação e os elevados custos do
trabalho, explicam-se, segundo esta visão, as altas taxas de desemprego alcançadas. (RAMOS, 1997, p.12).
Marx recorda que, no modo de produção capitalista, o burguês
não compra a força de trabalho para satisfazer as necessidades pessoais do
trabalhador, nem do adquirente. Mas, seu objetivo é aumentar o capital,
produzir mais mercadorias que contêm mais trabalho do que ele pagou
para adquirir e com o qual a venda, em forma de mercadoria, satisfaça a
parte do valor obtida gratuitamente (MARX, 2002, v. 1, p. 721), pois, a força do trabalho produz mais dividendos que seu próprio valor inicial. No
processo de acumulação capitalista, cenário à qual o Brasil está conectado,
o trabalhador existe para a reprodução sistêmica e a riqueza material não
existe para o desenvolvimento do trabalhador (MARX, 2002, v. 1, p. 724).
Nessa perspectiva, a nova organização do trabalho, oriunda das reformas
estatais que caracterizaram a década de 1990 (fordismo, taylorismo, reforma gerencial, Consenso de Washington), exigem mudanças e adaptações
do mundo do trabalho às exegeses do mercado de trabalho como a precariedade, flexibilização das jornadas, desregulamentação legislativa do trabalho, adesão aos contratos temporários e informais e, mais recentemente, a transformação dos empregos de carteira assinada em contratos via
pessoas jurídicas (PJ’s) sob regime de terceirização ou empreendedores
sociais. No seu conjunto, essas mudanças são o exemplo duro daquilo que
Mészáros (2006) prognosticou como sendo a eliminação do desperdício.
A reforma trabalhista... • 409
3. Nova forma de escravização humana
O Brasil não foi o último país a abolir a escravidão, pois depois dele
o fizeram a Coréia (1894), Irã (1928), Nepal (1921), Etiópia (1942), Catar
(1962), Omã (1970) e Mauritânia, em 1980. Porém, a própria eliminação
do trabalho compulsório, para a população negra, não teve quase nenhum
significado prático no processo societário brasileiro, já que a massa dos ex
cativos ficou sem políticas públicas de assistência social ou de inserção na
sociedade, seja da parte dos governos ou por interesse da Igreja Católica,
os principais atores políticos da época. Esse descaso social levou a uma
proliferação de miseráveis e de segregados da população branca, obrigados a viver nos rincões mais afastados e a formar as favelas nos morros das
periferias, longe das Casas Grandes e que, na essência, a abolição lhes valeu pouco, uma vez que, nas diversas regiões brasileiras ainda registramos
denúncias de práticas semelhantes ao trabalho escravo. Isto é, o modo de
produção escravista ainda grassa em nossas terras, pois de acordo com a
Free Foundation (2014), há, no Brasil, mais de 155 mil pessoas vivendo
sob o regime de escravatura moderna. A OIT (Organização Internacional
do Trabalho), à qual o Brasil é signatário, define trabalho escravo, nas palavras de sua coordenadora Patrícia Audi (2006), como:
No Brasil, há variadas formas e práticas de trabalho escravo. O conceito de trabalho escravo utilizado pela Organização Internacional
do Trabalho (OIT) é o seguinte: toda a forma de trabalho escravo
é trabalho degradante, mas o recíproco nem sempre é verdadeiro.
O que diferencia um conceito do outro é a liberdade. Quando falamos de trabalho escravo, estamos nos referindo a muito mais do que
o descumprimento da lei trabalhista. Estamos falando de homens,
mulheres e crianças que não têm garantia da sua liberdade. Ficam
presos a fazendas durante meses ou anos por três principais razões:
acreditam que têm que pagar uma dívida ilegalmente atribuída a
eles e por vezes instrumentos de trabalho, alimentação, transporte
estão distantes da via de acesso mais próxima, o que faz com que
seja impossível qualquer fuga, ou são constantemente ameaçados
por guardas que, no limite, lhes tiram a vida na tentativa de uma
fuga. Comum é que sejam escravizados pela servidão por dívida,
pelo isolamento geográfico e pela ameaça às suas vidas. Isso é trabalho escravo. Apesar de diversas denúncias de trabalho escravo
ao Comitê de Expertos da OIT desde 1985, o reconhecimento ofi-
410 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
cial do problema perante a Organização ocorreu somente em 1995.
Mesmo assim, o Brasil foi um dos primeiros países do mundo a
admitir internacionalmente a existência da escravidão contemporânea em seu território. (AUDI, 2006, p.17, grifo da autora).
O Código Penal em seu Artigo 149 define trabalho escravo da
seguinte forma:
Reduzir alguém na condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por
qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com
o empregador ou preposto: Pena - reclusão, de dois a oito anos, e
multa, além da pena correspondente à violência.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador,
com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de
documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no
local de trabalho.
As caracterizações realizadas, tanto pela OIT quanto pelo Código
Penal brasileiro, trazem categorias que se mostram presentes no texto das
alterações propostas pelo governo federal ao Congresso Nacional, lei supra, na medida em que o Artigo 8º, em seu inciso 3º, propõe a intervenção
mínima da Justiça do Trabalho, ou seja, os parlamentares querem deixar as
relações entre trabalhadores e empresários, no Brasil, sem quase nenhuma
mediação do Poder Público, justamente quando o Ministério do Trabalho
e Previdência Social conseguiu libertar 49.816 pessoas do trabalho forçado, como mostram os dados do órgão desde 1995. Portanto, sem a intervenção da justiça trabalhista, seria quase impossível identificar e punir os
empregadores que vêm cometendo esse tipo de crime. Principalmente,
porque as ações, realizadas em consonância com protocolos internacionais, têm parcerias com demais entidades da Administração Pública
como Polícia Federal, Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
República, entre outros órgãos das esferas federal, estadual e municipal.
Graças a essa parceria foi possível manter e atualizar a ‘lista suja’ do trabalho escravo, um Cadastro de Empregadores da Portaria Interministerial,
regulado pela Portaria nº 02/2011, do MTE e SEDH/PR, criado pelo go-
A reforma trabalhista... • 411
verno central, em novembro de 2003.(MINISTÉIRO DO TRABALHO,
PORTARIA Nº 02/2011). Afastar a Justiça do Trabalho das relações de
emprego e trabalho, no Brasil é, nesse diapasão, contribuir para a manutenção do trabalho cativo como propõe a Lei em comento, entre outras
consequências para a manutenção da piora da qualidade do nosso mercado de trabalho, o que se configura como um retrocesso.
Nesse viés, vão também os Artigos 611 e 620 da Lei supracitada.
Isso porque, em nossa compreensão, ambos tiram poder de negociação
dos sindicatos de categorias e jogam peso nos acordos celebrados em detrimento de diversos estatutos jurídicos já consagrados pelo ordenamento
nacional e alienígena, entre os quais a própria CLT, de 1943, e convenções
internacionais que resguardam a classe trabalhadora das investidas antissindicais e preservavam a liberdade de filiação sindical no interior das
empresas, como está previsto no Artigo 611-A, por exemplo:
A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:
I - pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais;
II - banco de horas anual;
III - intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos
para jornadas superiores a seis horas;
IV - adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE),
V - plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram
como funções de confiança;
VI - regulamento empresarial;
VII - representante dos trabalhadores no local de trabalho. (LEI
nº 13.467/2017).
Ora, em tempos de índices de desempregos altíssimos, será muito
difícil a um trabalhador querer reivindicar uma jornada de trabalho que
não seja aquela que o empregador exige, como está previsto no texto dessa
Lei, e cuja negligência dos direitos humanos, é uma questão da ordem do
dia. A jornada extenuante é, justamente, um dos objetos que caracterizam
o trabalho escravo nas investigações realizadas pela OIT. Na outra ponta,
merece igual preocupação o Art. 510-A: “Nas empresas com mais de duzentos empregados, é assegurada a eleição de uma comissão para representá-los, com a finalidade de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores”. (Art.510 da Lei nº 13.467/2017). A proposta em curso, além
412 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
de enfraquecer a sindicalização dos trabalhadores e trabalhadoras, lesiona
os dispositivos da Convenção da OIT nº 87, que ainda nem foi ratificada
pelo Brasil3. Claramente, o peso político de uma organização sindical não
pode ser comparado à comissão de empregados, pois aquela tem uma estrutura e um nível de influência maior que essa. E num momento de crise
do emprego e de perda da qualidade de vida no trabalho, para não perder
emprego e oportunidade de ganhar um salário, o desempregado, formal e
informal, vai buscar preferência em organizar-se numa comissão, na medida em que ela só se preocupa com os problemas localmente colocados,
sem fazer um debate acerca dessa relação litigiosa ou sem se preocupar
com os dilemas e impasses do mundo do trabalho de forma mais geral.
Para a juíza trabalhista Valdete Severo (2018, p.6) a previsão de representação de empregados no âmbito da empresa como forma de esvaziamento da
atuação sindical são exemplos de imposições legais extremamente nocivas
à organização coletiva dos trabalhadores e trabalhadoras.Dessa forma, a
proposta de alteração da CLT em foco, configura-se como um flagrante desrespeito à liberdade sindical. E o artigo 610, que enfatiza o acordo
coletivo, acima do que está positivado na lei trabalhista, conforma esse
conjunto de alterações que visam prejudicar a classe proletária.
Na Ideologia Alemã, de 1847, Karl Marx e Friedrich Engels, descobriram uma gigantesca parcela da humanidade como massa totalmente
“destituída de propriedade” e que se encontra em contradição com um
mundo de riquezas e de cultura, que não lhes pertence como produto de
gozo social e coletivo. É dessa massa desvalida que estamos falando como
classe proletária, obrigada a se vender cada vez mais barato, no mercado
do trabalho. O caso brasileiro configura-se nessa situação. (ALVES, 2017,
p. 1). Como recorda Gorender (1978), “o que escravidão e servidão possuem em comum é a coação extra - econômica do produtor direto, embora
suas modalidades concretas sejam diferentes para o escravo e para o servo”.
(GORENDER, 1978, p. 83). Com adoção de medidas legislativas para dar
manutenção ao regime escravocrata. (MARX, 1939). A situação brasileira
3
Como observa Válio (2014), a Convenção nº 87 é a principal norma protetora da liberdade sindical, entretanto, não foi ratificada pelo Brasil devido às limitações constitucionais
dos incisos II (unicidade) e IV (contribuição compulsória) do art.8º, que são vestígios
deixados pela ditadura na Carta Maior vigente. Embora tal norma tenha a democracia
como fundamento precípuo e o Brasil tenha sido um de seus signatários, não a ratificou e
nem poderá ratificá-la, enquanto o Texto Maior permanecer com os incisos II e IV do art.
8º em vigor.
A reforma trabalhista... • 413
atual não é nem o escravismo colonial, da qual foram os negros suas principais vítimas, e nem o uso oficial desse trabalho compulsório, na medida
em que o país não aceita, em seu ordenamento jurídico, essas situações.
No entanto, a fragilidade da legislação, em prol da classe trabalhadora,
traz à tona episódios semelhantes como já vimos na história recente do
Brasil. De acordo com Antunes4, “o senhor comprava escravo e agora aluga
o trabalhador assalariado”. Essa nova forma de escravidão moderna ou
contemporânea guarda laços e modus operandi assemelhados e rejeitados
na sociedade, mas que ainda voltam a ser práticas de forma sutil, quase
imperceptível nos contratos de trabalho e nas relações laborais que vão
surgir, caso essas reformas sugeridas pelo agente público, venham a ser
efetivadas nos próximos anos. Entre as quais: não ter um sindicato com
condições suficientes para defender os trabalhadores das violações referentes a pagamento de horas extras, de defende-los contra o assédio no
local de trabalho e, além disso, de negociar condições favoráveis aos interesses do trabalhador e da trabalhadora. Isto porque uma das alterações
na CLT é justamente para valorizar a Comissão de Empregados em detrimento da organização do sindicato por local de trabalho. A Comissão de
Empregados, por ser uma iniciativa patronal, tem muitas chances de ceder
à chantagem dos patrões do que uma iniciativa realizada pelo sindicato de
categoria. Entre outras questões, nesse sentido, o exército de reserva de
mão-de-obra oportuniza aos empregadores a dispensa e recontratação de
qualquer funcionário ao bel-prazer das empresas, caso alguns deles façam
alguma ação protetiva que contrarie os interesses dessas empresas.
Em todas essas situações, percebe-se grande desequilíbrio de forças, que vai além da mera subordinação que estigmatiza a relação
de trabalho. Há exploração abusiva da força de trabalho e, mais
do que privação da liberdade de locomoção, a liberdade de autodeterminação do trabalhador de poder colocar fim à exploração
é o que se pretende tutelar. E não há dúvida de que a liberdade de
autodeterminação, na maioria das vezes, está comprometida (...)
(HADDAD, 2013, p. 56).
4
Frase dita por Ricardo Antunes durante palestra no Seminário Reforma Trabalhista e da
Previdência Social: crítica jurídica e Teoria do Valor em Marx, realizado nos dias 7 e 8 de
junho na Faculdade de Direito e Ciências do Estado da UFMG.
414 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Sem opções de outras relações de trabalho, o trabalhador é obrigado a aceitar formas de trabalho degradantes para tentar sobreviver à
fome e à miséria, na luta por sobrevivência para si e para sua família. As
características da nova escravidão humana plasmada na reforma trabalhista do presidente Michel Temer5, põem a autodeterminação e a dignidade humana em absoluta suspeição. A essência da escravidão humana
é deste ponto de vista, a exploração da força de trabalho humana, seja a
partir de qual regramento for.
4. Considerações finais
Obviamente, do ponto de vista oficial não consta no ordenamento
nacional que, no Brasil, existe o regime de escravidão. Essa nova forma de
escravidão humana se caracteriza justamente pelo poder da sutileza em
que se dão as relações trabalhistas em nossas terras, relações essas desreguladas, desregulamentadas e à mercê da pouca possibilidade de êxitos
negociais dos trabalhadores e trabalhadoras frente ao domínio dos patrões
e das novas modalidades contratuais no mundo do trabalho. Essa é uma
realidade normal nas sociedades capitalistas. A reestruturação econômica
internacional gerou uma preocupação maior em relação à qualidade do
emprego protegido, já que esse passou a ser o grande dilema atual, pois,
em sua gênese, nas sociedades capitalistas não há interesse que o produto
do trabalho humano seja apropriado para o desenvolvimento do trabalhador, como nos mostrou a reflexão marxiana. Assim, figura no país uma
forma de precarização à brasileira, pois é dissimulada, disfarçada e extremamente nociva aos proletários e proletárias. Nesse aspecto, as mudanças
trabalhistas do presidente Michel Temer e afirmadas pelo seu sucessor Jair
Bolsonaro não são conjunturais, mas fazem parte do pacote de ajustes estruturais da sociabilidade do capital. Assim posto, a superação da crise do
trabalho e sua recente formatação, como escravidão moderna ou escravização humana contemporânea, só se realizará, a contento, com a construção decisiva da emancipação humana, sob os auspícios de uma sociedade
que dê fim às contradições que são inerentes da sociedade capitalista.
5
É preciso destacar que, caso a escravidão viesse expressa na legislação brasileira, ela
incorreria em conflito jus cogens,norma da Convenção de Viena de 1969, que o Brasil
promulgou em 14 de dezembro de 2009.
A reforma trabalhista... • 415
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A reforma trabalhista... • 417
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418 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
AS FERRAMENTAS DO DIREITO INTERNACIONAL
PARA A RESISTÊNCIA DO DIREITO DO TRABALHO
THE TOOLS OF INTERNATIONAL LAW FOR
THE RESISTANCE OF LABOR LAW
Marco Aurélio Serau Junior1
Melissa de Albuquerque2
Resumo: O presente artigo irá, inicialmente, tratar das fontes do Direito
Internacional do Trabalho, apontando, na sequência, algumas modificações trazidas pela Reforma Trabalhista, Lei 13.467/2017, que, até certo
ponto, violam princípios trabalhistas, Convenções e Tratados. O objetivo
será destacar a atuação da OIT no âmbito da prática trabalhista e reforçar
a necessidade de proteção do trabalhador.
Palavras-chave: Direito; OIT; Internacional.
Abstract: The present article will initially deal with the sources of
International Labor Law, pointing out, next, some changes brought about
by the Labor Reform, Law 13467/2017, which, to a certain extent, violate
labor principles, Conventions and Treaties. The objective will be to highlight the role of the ILO in the scope of labor practice and reinforce the
need for worker protection.
Keywords: Law; ILO; International.
Professor da UFPR - Universidade Federal do Paraná. Doutor e Mestre em Direitos
Humanos (USP). Email: maseraujunior@hotmail.com. Grupo de Pesquisa: Clínica de
Direito do Trabalho – UFPR
2
Estudante do 5º ano do Curso de Direito da Universidade Federal do Paraná. Email: melissaalbuquerque95@gmail.com
1
In: ANTUNES, Daniela Muradas; NICOLI, Pedro Augusto Gravatá; RODARTE, Wanessa
Susan de Oliveira (org.).A reforma trabalhista e o direito individual do trabalho: dos
retrocessos às resistências. 1ª edição. Belo Horizonte: Initia Via, 2019 (Anais do IV
Encontro da RENAPEDTS, vol. 2). ISBN: 978-85-9547-079-8. DOI: 10.17931/95470798/
v2a19.
A reforma trabalhista... • 419
1. Introdução
Diante de um contexto de retrocessos sociais, crises econômicas
e políticas, convém a reflexão sobre os fatores que permitam a garantia
de direitos básicos da classe trabalhadora. Além dos princípios, gerais de
Direito e específicos do Direito do Trabalho, este também deve ser informado pelos tratados, convenções e recomendações oriundas de organizações e entidades internacionais. O debate encontra importância no fato
de que a Reforma Trabalhista ainda ser recente, e não haver, portanto, jurisprudência consolidada sobre diversos temas, viabilizando, ainda mais,
a reflexão sobre quais aspectos devem ser considerados no momento da
interpretação da legislação.
Ressalta-se que a Organização Internacional do Trabalho, por
exemplo, tem um papel duplo como ferramenta de tutela do Direito
Trabalhista: as Convenções devem inspirar a legislação nacional e limitar
as alterações dos Estados-parte que retirem direitos já assegurados internacionalmente, de forma prévia, pela ratificação de acordos.
A Reforma Trabalhista trouxe inúmeros obstáculos para a efetivação dos direitos dos empregados. Destaca-se, de forma exemplificativa, a
implantação dos honorários de sucumbência, que surgem como barreira
para a interposição de ações trabalhistas. Há diversas questões que demandam perícia e que são fruto de incerteza em matéria trabalhista, o que
gera grande insegurança por parte de quem almeja pleitear o seu direito.
Embora tal situação seja observada em diversas áreas do Direito, no âmbito trabalhista a desigualdade material entre os polos da relação de trabalho é exacerbada, demandando a necessidade de tratamento protetivo.
A importância conferida à negociação em face do legislado também é algo delicado, notadamente pela assimetria das partes que compõem a relação de trabalho, já exposta acima. A arbitragem, por mera
estipulação contratual, mostra-se como ponto sensível, já que, inúmeras
vezes, o trabalhador apenas aceita as disposições, submetendo-se, sem
força de efetiva negociação. Nesses casos, é incomum uma efetiva autonomia da vontade.
As alterações trazidas pela Lei 13.467/2017 são inúmeras e a insegurança gerada torna-se uma realidade. O grande desafio é a manutenção
da proteção à classe trabalhadora, seja pela identificação de inconstitucionalidades, inclusive no que tange a violações a convenções e tratados
420 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
internacionais (bloco de constitucionalidade), seja por uma interpretação
minuciosa, que vise ser menos danosa e menos prejudicial aos sujeitos do
polo mais vulnerável da relação empregatícia.
Esse artigo, cumpre ressaltar, dedica-se mais especificamente a
demonstrar as possibilidades de resistência dos direitos trabalhistas a partir das normas de Direito Internacional do Trabalho.
2. Direito internacional do trabalho
É importante, inicialmente, a concentração sobre o Direito
Internacional do Trabalho, formado por tratados, convenções e recomendações e, na sequência, a reflexão sobre aspectos da Reforma Trabalhista.
Ao se debruçar sobre o Direito Internacional do Trabalho, convém destacar a importância das Convenções, que são acordos internacionais sujeitos à votação na Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A Conferência da OIT trata determinado assunto, delimitado em pauta,
aprovando uma Convenção ou uma Recomendação (NASCIMENTO;
NASCIMENTO, 2014).
A sede da OIT é em Genebra, a Organização tem personalidade
jurídica própria, sendo pessoa jurídica de Direito Internacional Público e
tendo adquirido imunidade de jurisdição (FRANCO FILHO, 2018).
Todos os países-membro da ONU podem se filiar à OIT, a qual
é composta basicamente pela Conferência Geral, que realiza sessões com
representantes dos países, dos empregados e dos empregadores, reuniões
que ocorrem uma vez por ano pelo menos, podendo ser intensificadas
conforme a necessidade (CORREA, 2009). Há também o Conselho de
Administração, no qual os países têm representação também nos membros do Governo, além dos empregados e dos empregadores (CORREA,
2009). Salienta-se, ainda, a existência da Repartição Internacional, composição orientada por um Diretor-Geral (NASCIMENTO; NASCIMENTO,
2014).
Algumas Convenções, entretanto, são denunciadas e perdem a
vigência no Estado-Parte, o que foi o caso da Convenção 158 da OIT. Tal
acordo internacional tratava da dispensa do trabalhador correspondente à
dispensa sem justa causa, considerando como uma ruptura contratual admitida com motivação, baseada na capacidade ou comportamento do trabalhador ou por questões econômicas, estruturais ou semelhantes, a fim
A reforma trabalhista... • 421
de que ocorresse a manutenção da empresa ou do serviço (DELGADO,
2014). Era uma ferramenta no sentido de limitar a ruptura contratual e a
consequente rotatividade dos trabalhadores, o que sensivelmente os afeta,
acarretando em insegurança e vulnerabilidade de condições (DELGADO,
2014). Houve a ratificação da Convenção de 158 da OIT em 1992, por
meio do Decreto Legislativo de 68, mas a entrada em vigor ocorreu somente em 1996 (DELGADO, 2014). No mesmo ano, o chefe do Executivo
denunciou a convenção, com depósito na OIT e declaração no Decreto de
número 2.000. O STF considerou inconstitucional tal convenção, por não
haver lei complementar para executá-la, fundamentando no artigo 7º, I,
da Constituição Federal (DELGADO, 2014).
Cabe ressaltar alguns dos tratados que o Brasil ratificou. O Tratado
de Itaipu, celebrado em 1973 com o Paraguai, se referiu a questões trabalhistas, mais especificamente às normas aplicadas em Itaipu (NASCIMENTO;
NASCIMENTO, 2014). O Tratado de Assunção, instrumento firmado em
1991, que originou o MERCOSUL, tem a previsão de compatibilização das
leis trabalhistas nos países signatários (NASCIMENTO; NASCIMENTO,
2014). Os Estados-partes, que ratificaram inicialmente tal tratado, foram
o Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. A busca principal era a constituição de um bloco com menores tarifas alfandegárias entre si, a fim de
fortalecer o aspecto econômico no contexto mundial (NASCIMENTO;
NASCIMENTO, 2014).
Essa união internacional possui países na posição de Estados
Associados: Chile, Bolívia, Equador, Colômbia, Peru e Venezuela. Um
ponto importante diz respeito às normas do MERCOSUL: são firmadas
na forma de diretivas, resoluções e decisões, incorporadas pelos países
signatários por meio do Parlamento ou do Executivo (NASCIMENTO;
NASCIMENTO, 2014).
Foi elaborada a Declaração Sociolaboral do MERCOSUL de 2015,
que trouxe princípios e direitos no campo do Direito do Trabalho. O direcionamento de tal declaração foi aos chefes do Poder Executivo dos
Estados-Partes, trazendo apontamentos sobre trabalho decente, empresas
sustentáveis, igualdade de oportunidades e de tratamento entre homens
e mulheres, trabalho dos migrantes, prevenção e erradicação do trabalho
infantil, fomento do emprego, dentre outras. Destacam-se alguns trechos
da referida disposição apenas de forma exemplificativa:
422 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
ARTIGO 2° Trabalho Decente 1. Os Estados Partes comprometem-se a: a) formular e pôr em prática políticas ativas de trabalho decente e pleno emprego produtivo, em consulta com as organizações
mais representativas de empregadores e de trabalhadores articuladas com políticas econômicas e sociais, de modo a favorecer a geração de oportunidades de ocupação e renda; b) elevar as condições
de vida dos cidadãos; c) promover o desenvolvimento sustentável
da região; 2. Na formulação das políticas ativas de trabalho decente, os Estados Partes devem ter presente: a) a geração de empregos
produtivos em um ambiente institucional, social e economicamente sustentável; b) desenvolvimento de medidas de proteção social;
c) promoção do diálogo social e do tripartismo; e d) respeito, difusão e aplicação dos princípios e direitos fundamentais do trabalho.
(...) ARTIGO 5° Igualdade de oportunidades e de tratamento entre
mulheres e homens Os Estados Partes comprometem-se, conforme
a legislação e práticas nacionais, a fomentar as políticas públicas
visando a igualdade de oportunidades e de tratamento entre mulheres e homens no trabalho, em particular no que tange ao acesso
ao emprego ou atividade produtiva, e não discriminação no acesso
a postos de relevância nas empresas e instituições públicas, remuneração, condições de trabalho, proteção social, educação, qualificação profissional e conciliação de obrigações laborais e familiares,
e o exercício do direito a sindicalização e a negociação coletiva.(...)
ARTIGO 18 Greve 1. Os trabalhadores e as organizações sindicais
têm garantido o exercício do direito de greve, observadas as disposições nacionais vigentes em cada Estado Parte. 2. Os mecanismos
de prevenção, solução de conflitos ou a regulação deste direito não
poderão impedir seu exercício ou desvirtuar sua finalidade.
No Brasil, os tratados e os acordos são aprovados pelo Congresso
Nacional, na forma do artigo 49, da Constituição Federal, e as Convenções
são ratificadas também por ele, a fim de adquirem eficácia em território
nacional.
Destacam-se, ainda, as Declarações Internacionais, que visam orientar a forma como as legislações nacionais serão elaboradas
(NASCIMENTO; NASCIMENTO, 2014). Visam frisar os princípios e direitos fundamentais do ser humano, reforçando a necessidade de proteção
ao trabalhador. Algumas dessas Declarações são: a Declaração Universal
dos Direitos do Homem (1948), a Carta Social Europeia (1965) e a Carta
A reforma trabalhista... • 423
Internacional Americana de Garantias Sociais (1945) (NASCIMENTO;
NASCIMENTO, 2014).
É importante destacar que, nos termos da Emenda Constitucional
45/04, que introduziu o § 4º, ao artigo 5º, da Constituição Federal, os
Tratados de Direito Internacional aprovados nos moldes exigidos para
a aprovação de uma Emenda Constitucional, terão validade de norma
constitucional. Os Tratados e Convenções que não obedecerem esse rito,
inclusive os anteriores à promulgação da referida Emenda, terão força
normativa supra legal, nos termos da jurisprudência remansosa do STF.
2.1 O direito internacional do trabalho e a reforma trabalhista
Pode-se dizer que o Direito Internacional do Trabalho surgiu em
1919, com a Organização Internacional do Trabalho, consolidada pelo
Tratado de Versalhes (DELGADO, 2018). Como já exposto, por meio das
Convenções da OIT, objetiva-se a influência no direito interno dos países, principalmente em um cenário de globalização. Em situações de confronto entre o direito interno do país e as regras dispostas nos diplomas
internacionais, deve prevalecer o princípio da vedação do retrocesso e o
princípio da norma mais favorável (DELGADO, 2018).
Em um cenário de inconstâncias e flexibilizações em todos os
campos, notadamente também no Direito do Trabalho, é importante reconhecer as ferramentas para a manutenção da proteção do trabalhador.
Sobre o princípio da norma mais favorável, vale dizer que há um objetivo
social que guia o Direito Trabalhista e, portanto, havendo duas ou mais
normas sobre o mesmo assunto, deve prevalecer a que for mais benéfica
ao empregado (NASCIMENTO; NASCIMENTO, 2014). Em relação à vedação do retrocesso, pode-se dizer que é um princípio constitucional que
assegura a manutenção de garantias e de direitos fundamentais.
O professor Pedro Augusto Gravatá Nicoli (2015) sustenta a importância da expansão da aplicação dos institutos de Direito Internacional,
pois, inúmeras vezes, o direito interno limita a proteção social a apenas
alguns tipos de trabalho, normalmente às atividades formais e contratuais (NICOLI, 2015). A atenção, no Direito Social Internacional, é voltada
à atividade laboral em sentido mais amplo, não se limitando apenas ao
conceito tradicional de subordinação, o que denota uma importância inquestionável a organizações como a OIT (NICOLI, 2015).
424 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Sobre tal questão, salienta-se tal trecho (NICOLI, 2015, p. 199):
Ainda que no plano das disposições constitucionais, das declarações e expressões normativas a OIT expressasse progressivamente
uma visão ampliativa nas questões sociais, como visto, ela se ocupava prioritariamente da relação de emprego padrão, formalizada,
remunerada e a prazo determinado, sustentada por exclusões que,
de alguma forma, foram assimiladas e sublimadas na dinâmica institucional da Organização. Só mesmo quando o mundo da produção deu sinais estruturais de uma mudança profunda, a partir da
década de 1970, com uma incorporação sistêmica da exploração
do trabalho fora do emprego, é que se pôde identificar com mais
clareza a expressão de movimentos contrahegemônicos no Direito
Internacional do Trabalho.
O que ocorre no âmbito do direito interno, nacional, é que a aplicação social e protetiva do direito é considerada exagerada e prejudicial à
economia. A tendência de aplicação das garantias do trabalhador sempre
se volta a ser restrita, o que é nítido com a Reforma Trabalhista e sua consequente redução de direitos. Valendo-se do fato de o capitalismo ter se
tornado global, com as inovações tecnológicas, e tendo em consideração
que, comumente, a relação de trabalho se conecta com objetivos além dos
limites territoriais dos países, parece coerente concluir que o direito também deve ser global, e não apenas um arcabouço local (NICOLI, 2015).
A aplicação do Direito Internacional do Trabalho não é comum,
de forma direta, nos Tribunais brasileiros. O contexto das alterações de
2017 na CLT retomou as discussões sobre esse direito, principalmente
em relação ao questionamento sobre a violação ou não de Convenções da
OIT (FRANCO FILHO, 2018).
Os apontamentos sobre possíveis violações seguem, em análise,
no Comitê de Peritos da OIT. Mas, independentemente das decisões sobre
as alterações pontuais, os juristas devem avaliar os casos concretos, retomando com os ideais iniciais da OIT como fatores limitantes e orientadores de quaisquer modificações legais. Inegavelmente, o direito brasileiro
tem que se moldar à realidade no sentido de abranger as novas formas de
emprego, inúmeras vezes pautadas nas inovações tecnológicas, culturais e
sociais que insurgem. Todavia, deve-se concentrar também nas desigualdades entre os polos da relação empregatícia, que ainda persistem, sem
A reforma trabalhista... • 425
adotar uma visão falaciosa de plena autonomia de vontade de ambas as
partes. Existe intensa necessidade de proteção do trabalho e manutenção
dos princípios, além da conservação dos objetivos das Convenções da
OIT, muitas vezes associando ao posicionamento e avaliação do Comitê
de Peritos e da Confederação Geral.
Uma premissa constantemente sustentada pelo senso comum é a
que a CLT está desatualizada, que foi elaborada em um contexto distinto
do atual, demandando adaptações e alterações estruturais. Entretanto, sabe-se que, ao longo dos anos, a CLT foi alvo de alterações e várias foram
suas versões: ela não conservava, antes da reforma de 2017, seu texto fiel
ao original de sua criação.
Em um cenário de retrocessos e crise institucional, convém salientar que o texto constitucional e o Direito do Trabalho somente devem
legitimar flexibilizações em situações excepcionais, com autorização legal prévia e também quando a questão envolver matéria supralegal, tema
novo criado pela própria negociação (DELGADO, 2018). Sob essa ótica,
salienta-se, portanto, que diversas alterações são exemplos de flexibilizações irregulares, que vão de encontro aos princípios trabalhistas. Salientase o seguinte trecho sobre o posicionamento do autor (DELGADO, 2018):
Observem-se alguns exemplos recorrentes de tentativas de irregular flexibilização autônoma trabalhista no cotidiano das relações
laborais: diminuição do intervalo para refeição e descanso em
jornadas superiores a seis horas, do lapso legal de uma hora (art.
71, caput, CLT) para montante inferior (usualmente, 30 minutos),
alargamento da margem de desconsideração dos minutos residuais
lançados em cartões de ponto, do lapso legal de cinco minutos em
cada fronteira de jornada (art. 58, § 1º , CLT) para 15/30 minutos
ou até mais tempo; desconsideração da natureza salarial e das repercussões contratuais do tempo gasto em horas in itinere (art. 58,
§ 2º, CLT); alargamento do prazo legal para pagamento de salários,
do parâmetro legal máximo de até o quinto dia útil do mês subsequente ao trabalhado (art. 459, parágrafo único, CLT) para lapso
temporal mais extenso.
426 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
Algumas queixas formam realizadas no Comitê de Peritos da
OIT, principalmente por parte de organizações sindicais, o que demonstra que a Organização serve de ferramenta de averiguação da proteção do
trabalhador (FRANCO FILHO, 2018). Obviamente, ainda não se tem um
Direito Internacional do Trabalhado global e unificado, que discipline e
alcance todos os países em igual proporção. Mas, com as guerras mundiais, e posteriormente até com a globalização, houve a demanda por tutela de alguns preceitos básicos a fim de garantir a dignidade do trabalhador.
Um agravante é que a Reforma Trabalhista, sancionada pela Lei
13.467, trouxe uma série de alterações a direitos conquistados em anos
em um curto intervalo de tempo, as maiores críticas se assentam no fato
da falta de debate sobre os temas que foram alvo de modificações. Nos
meses de agosto e setembro de 2017, durante o período de vacatio legis,
a Internacional Trade Union Confederation, com a Central Única dos
Trabalhadores, a Confederação Nacional das Carreiras Típicas de Estado
apontaram violações às Convenções perante o Comitê dos Peritos da OIT
(FRANCO FILHO, 2018). Uma das violações se refere ao direito de sindicalização e também de negociação coletiva: o foco era o conteúdo da
Convenção 98, de 1949, e a Convenção 154, de 1981 (FRANCO FILHO,
2018).
O Comitê entregou relatório à Confederação Internacional do
Trabalho apontando que em 15 situações presentes no artigo 611 da CLT
iria prevalecer a negociação coletiva em relação à legislação. Nessas situações descritas, ocorre a redução ou retida de alguns direitos (FRANCO
FILHO, 2018). Segue o teor do artigo 611-A da CLT:
Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho
têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: I - pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites
constitucionais; II - banco de horas anual; III - intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas
superiores a seis horas; IV - adesão ao Programa Seguro-Emprego
(PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015;
V - plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição
pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se
enquadram como funções de confiança; VI - regulamento empresarial; VII - representante dos trabalhadores no local de trabalho;
VIII - teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente;
A reforma trabalhista... • 427
IX - remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual; X - modalidade de registro de jornada de trabalho; XI - troca
do dia de feriado; XII - enquadramento do grau de insalubridade;
XIII - prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho;
XIV - prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente
concedidos em programas de incentivo; XV - participação nos lucros ou resultados da empresa.
O relatório aponta também que o limite para a negociação coletiva se assenta apenas no artigo 611-B, o que pode gerar severa desproteção
ao trabalhador (FRANCO FILHO, 2018). Segue o conteúdo do referido
artigo da CLT:
Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de
acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos: I - normas de identificação profissional, inclusive as anotações na Carteira de Trabalho e Previdência
Social; II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; III - valor dos depósitos mensais e da indenização rescisória
do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS); IV - salário
mínimo; V - valor nominal do décimo terceiro salário; VI - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; VII - proteção
do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; VIII - salário-família; IX - repouso semanal remunerado; X
- remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em
50% (cinquenta por cento) à do normal; XI - número de dias de
férias devidas ao empregado; XII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;
XIII - licença-maternidade com a duração mínima de cento e vinte
dias; XIV - licença-paternidade nos termos fixados em lei; XV proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos
específicos, nos termos da lei; XVI - aviso prévio proporcional ao
tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da
lei; XVII - normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do
Trabalho; XVIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas; XIX – aposentadoria; XX - seguro
contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador; XXI - ação,
428 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo
prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais,
até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;
XXII - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário
e critérios de admissão do trabalhador com deficiência; XXIII proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de
dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos,
salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;XXIV medidas de proteção legal de crianças e adolescentes; XXV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício
permanente e o trabalhador avulso; XXVI - liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de
não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança
ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho; XXVII - direito de greve, competindo aos
trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os
interesses que devam por meio dele defender; XXVIII - definição
legal sobre os serviços ou atividades essenciais e disposições legais
sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade
em caso de greve; XXIX - tributos e outros créditos de terceiros;
XXX - as disposições previstas nos arts. 373-A, 390, 392, 392-A,
394, 394-A, 395, 396 e 400 desta Consolidação.
Em relação aos trabalhadores considerados hipersuficientes, devido ao valor da remuneração e ao grau de escolaridade, o posicionamento do Comitê dos Peritos foi de que há uma autonomia da vontade identificada como falaciosa (FRANCO FILHO, 2018). Conforme o artigo 444
da CLT:
Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto
de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não
contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos
coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades
competentes. Parágrafo único. A livre estipulação a que se refere
o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A
desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância
sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador
de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou
superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime
Geral de Previdência Social.
A reforma trabalhista... • 429
Sabe-se que, para determinar se um trabalhador necessita de proteção é necessário ter em conta as condições do trabalho, a subordinação
jurídica e a dependência econômica, e não ter a remuneração e o grau de
escolaridade como requisitos para a definição de hipersuficiência e autonomia da vontade material (FRANCO FILHO, 2018).
Em comunicação ao governo brasileiro, a OIT afirmou que não
haveria desconsideração da Convenção 98 em relação ao tocante da
negociação coletiva, contrariando o conteúdo do relatório do Comitê
(REVISTA CONSULTOR JURÍDICO, 2018). Entretanto, a OIT propôs
que o Brasil repasse as formas que pretende aplicar os dispositivos e os
posicionamentos do governo, dos empregados e dos empregadores. Tal
relatório será elaborado no Brasil, por uma comissão que será criada e,
sem seguida, enviado à OIT, para uma resposta final, conforme informações da página eletrônica Consultor Jurídico (REVISTA CONSULTOR
JURÍDICO, 2018).
De qualquer forma, cabe salientar que, independentemente da
decisão final da Organização Internacional do Trabalho sobre os apontamentos de violação, seria competência do órgão apenas sanção moral,
mas nunca sanção de viés penal (FRANCO FILHO, 2018).
Por outro lado, o papel da Organização Internacional do Trabalho,
além de pedagógico, gera certa coerção sobre os países. Um exemplo
dessa importância da OIT foi em relação ao trabalho forçado no Brasil.
Anteriormente negado pelas autoridades brasileiras, o problema passou
a ser ponto de discussão após a influência da Comissão de Peritos e da
Comissão de Normas, e tornou-se alvo das políticas públicas de combate
brasileiras (CORREA, 2009).
Ao se analisar a Reforma Trabalhista, Lei 13.467/2017, percebe-se
que um dos seus objetivos basilares foi a aproximação dos contratos trabalhistas aos de matéria civil, estes regidos pela autonomia de vontade das
partes. O contrato intermitente, por exemplo, é uma forma contratual em
que o trabalhador é acionado para o desempenho da atividade conforme
a demanda do empregador, na forma do parágrafo 3º do artigo 442-B da
CLT.
O tema demanda atenção porque, por um lado, aparece como
vantagem para os empregadores, que irão reduzir seus gastos com direitos trabalhistas. O pagamento das parcelas ao empregado, como férias e
décimo terceiro salário, ocorrerá imediatamente ao fim da prestação de
430 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
serviço, sendo proporcional e, assim, sendo reduzido. O período, portanto, em que o indivíduo está inativo não é considerado tempo à disposição
do empregador (ROCHA, 2017).
Outro ponto que carece de análise, embora mais subjetivo, é o fato
de que o empregado passa a permanecer no local de trabalho em tempo
reduzido, o que dificulta a identificação dele com a empresa, o que, consequentemente, pode fazer com que ele não tenha entraves pessoais na hora
de demandar judicialmente contra o empregador, em caso de supressão
de seus direitos.
Todavia, é inegável que a vulnerabilidade do empregado é acentuada. Não há qualquer segurança em relação ao trabalho diário: o indivíduo fica totalmente a disposição de ser chamado para trabalhar, vivendo uma realidade de incerteza, dificultando seu planejamento pessoal de
vida, como o tempo de descanso, o tempo com familiares.
A situação gera extrema insegurança pois o sujeito passa a não
ter controle sobre sua remuneração mensal. O pagamento é realizado
ao final da atividade, de forma proporcional, assim como os demais reflexos trabalhistas, o que é delicado ao se analisar conjuntamente com o
texto constitucional, que garante o salário mínimo aos empregados, no
artigo 7º, IV. Ainda, a questão pode ser avaliada sobre o ponto de vista
da Declaração Universal dos Direitos Humanos e do Pacto Internacional
sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, respectivamente nos artigos XXIII, “3”, e 7º, “a”, II, que trazem o ideal de remuneração digna ao
trabalhador (ROCHA, 2017).
Salienta-se também, com fins exemplificativos, as horas in itinere,
que consistiam no tempo utilizado pelo trabalhador até o local de atividade profissional, local de difícil acesso ou sem serviço de transporte público, em situações em que o empregador disponibilizava meio de transporte
coletivo aos funcionários. Segue o conteúdo da Súmula 90 do TST:
HORAS “IN ITINERE”. TEMPO DE SERVIÇO (incorporadas as
Súmulas nºs 324 e 325 e as Orientações Jurisprudenciais nºs 50
e 236 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005 I - O
tempo despendido pelo empregado, em condução fornecida pelo
empregador, até o local de trabalho de difícil acesso, ou não servido por transporte público regular, e para o seu retorno é computável na jornada de trabalho. (ex-Súmula nº 90 - RA 80/1978, DJ
A reforma trabalhista... • 431
10.11.1978) II - A incompatibilidade entre os horários de início e
término da jornada do empregado e os do transporte público regular é circunstância que também gera o direito às horas “in itinere”.
(ex-OJ nº 50 da SBDI-1 - inserida em 01.02.1995) III - A mera insuficiência de transporte público não enseja o pagamento de horas
“in itinere”. (ex-Súmula nº 324 – Res. 16/1993, DJ 21.12.1993) IV
- Se houver transporte público regular em parte do trajeto percorrido em condução da empresa, as horas “in itinere” remuneradas
limitam-se ao trecho não alcançado pelo transporte público. (ex-Súmula nº 325 – Res. 17/1993, DJ 21.12.1993) V - Considerando
que as horas “in itinere” são computáveis na jornada de trabalho, o
tempo que extrapola a jornada legal é considerado como extraordinário e sobre ele deve incidir o adicional respectivo. (ex-OJ nº 236
da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001)
Este período, anteriormente considerado como tempo à disposição do empregador, assegurado pelo artigo 58, parágrafo 2º, da CLT, foi
alterado pela Reforma Trabalhista, não computando mais dessa forma.
Entretanto, sabe-se que diversos trabalhos, como os em subsolo, causam
o despendimento de longo tempo até a chegada do indivíduo ao posto de
trabalho. Convém relembrar que a Convenção 155 da OIT já considerava
o tempo de trabalho como fator importante na qualidade de vida e segurança dos empregados, de observação obrigatória por parte dos empregadores (ZIMMERMANN, 2017).
O conteúdo do artigo 611-A, que traz em seu inciso a possibilidade de negociação coletiva sobre o enquadramento do grau de insalubridade é algo delicado (FERNANDES DA SILVA, 2017). A lei, inegavelmente,
deve prevalecer nestes casos, a fim de garantir a saúde do trabalhador. Em
relação a esse compromisso, o Brasil ratificou pelo Decreto Legislativo nº
2, a Convenção 155 da OIT, no sentido de que as opções governamentais
devem ser voltadas a assegurar a saúde e a segurança nos ambientes de
trabalho. A observação dos agentes químicos, biológicos e físicos se faz
presente no rol do artigo 5º, da Convenção. Dessa forma, mostra-se como
uma contradição sustentar que a Convenção Coletiva poderá dispor sobre
o grau de insalubridade (ZIMMERMANN, 2017).
Cabe salientar o Protocolo Adicional à Convenção Americana
sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais, o “Protocolo de San Salvador”: o artigo 7º prevê as condições
432 • Anais do IV Encontro da RENAPEDTS - Volume 2
dignas ao trabalhador, limitação de horas de trabalho, segurança e higiene
no ambiente laboral, etc. Há uma notável preocupação com a forma como
o trabalho é realizado (ZIMMERMANN, 2017).
O artigo 60, parágrafo único, da CLT, que permite a jornada de 12
horas por 36 ininterruptas de descanso, sem licença prévia do Ministério
da Saúde é algo que demanda atenção, pois o indivíduo, que trabalha com
agentes químicos, biológicos e em outras condições nocivas à saúde ser
submetido a esse tipo de alteração na jornada parece extremamente prejudicial (ZIMMERMANN, 2017). A licença prévia era adotada como opção
justamente para evitar esse perigo em prorrogações de jornada de trabalho (ZIMMERMANN, 2017).
Diversos outros temas trazidos pela Reforma Trabalhista podem
ser compreendidos (e refutados) à luz das normas do Direito Internacional
do Trabalho. Essa pesquisa não se pretende exaustiva quanto a isso, apenas procurou-se indicar que a normativa internacional do Trabalho pode
consistir em roteiro de resistência à supressão dos direitos sociais.
3. Considerações finais
Verifica-se que diversas alterações trazidas pela Lei 12.467/2017
são passíveis de questionamentos. Embora a sociedade permaneça em
constante modificações, o ideal não é que o direito se torne menos protetivo, mas que se altere para englobar as novas formas de emprego: o que
muda são as formas de subordinação, o que não implica, necessariamente,
em uma autonomia da vontade plena dos trabalhadores.
Tendo como paradigma que a desigualdade entre os polos da relação de emprego ainda se mantém como uma realidade, deve-se buscar interpretações mais benéficas possíveis para o empregado. Diversos
princípios servem de reguladores do Direito do Trabalho, e os tratados,
convenções e recomendações internacionais devem orientar a aplicação
das regras trabalhistas.
A Organização Internacional do Trabalho tem órgãos como o
Comitê de Peritos e a Confederação Geral que podem ser acionados para
uma verificação sobre as alterações legislativas nacionais, no sentido de
detectar se elas violam ou não acordos internacionais firmados. Todavia,
independentemente das decisões finais da OIT, sabe-se que os tratados e
as convenções possuem todo um arcabouço de princípios e ideais, implí-
A reforma trabalhista... • 433
citos e explícitos, que merecem atenção. A busca por condições favoráveis
aos trabalhadores, disponibilização de um ambiente seguro e saudável de
trabalho, a proteção aos que desempenham atividade insalubre, o acesso
à justiça, além de outros objetivos são intrínsecos nos acordos internacionais e, consequentemente, em todo âmbito trabalhista.
Sabe-se que pouco se faz referência ao Direito Internacional do
Trabalho nas decisões trabalhistas nacionais, o que demanda atenção. Este
direito constituído além das fronteiras dos Estados-Parte deve orientar a
legislação nacional e principalmente guiar a interpretação do direito positivo. Uma primeira alternativa para a manutenção do viés protetivo é
decretação de inconstitucionalidades em algumas alterações trazidas pela
Reforma. Em um segundo momento, a solução se faz presente nas mãos
dos aplicadores e operadores do Direito, notadamente do Judiciário, no
papel de intérprete da lei.
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