V Seminário de Preservação de Patrimônio Arqueológico
Urnas da Cultura Maracá: Estudo e conservação
preventiva no Museu Paraense Emílio Goeldi
Taynara Soares do Nascimento Sales*
Bianca Cristina Ribeiro Vicente**
Resumo
A maior representatividade da cultura Maracá são as urnas funerárias encontradas na
superfície de cavernas, localizadas no Estado do Amapá, norte do Brasil. As urnas são
objetos confeccionados em cerâmica que podem ocorrer em três tipos: representação
humana (antropomorfa), animal (zoomorfa) ou tubular. Na Reserva Técnica de
Arqueologia do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) estão salvaguardadas algumas
coleções dessa cultura, que foram estudadas ao longo das últimas décadas,
principalmente sobre a iconografia dessas peças. Contudo, considerando os aspectos
físicos dessas, a maioria não se encontra em bom estado de conservação, o que culmina
na dificuldade de análise das mesmas, já que em uma descrição mais completa são
necessárias informações como as decorações plásticas e pintadas; intervenções
realizadas na peça (que pode ser de cunho pré-histórico, pós-coleta ou uma intercessão
contemporânea); dimensão das peças, entre outros. Essas informações são úteis para
uma eventual documentação dos objetos, o que acarreta a ser a primeira etapa de uma
conservação de acervo. Sendo assim, este artigo objetivou elencar alguns elementos
necessários à conservação preventiva desta tipologia de objetos, bem como destacar a
documentação como elemento primordial neste processo. Buscou-se analisar os
principais agentes de degradação nos diferentes momentos da trajetória da peça,
considerando o material ainda em contexto, a escavação e o acondicionamento das
urnas em espaços de salvaguarda, como as reservas técnicas. Através de levantamento
bibliográfico e um estudo de caso com uma coleção da Reserva Técnica de Arqueologia
Mário Simões são elencadas ações preventivas, com ênfase na documentação como
ferramenta que possibilita a conservação destes acervos. A preservação destes bens
garante melhores condições de pesquisar e comunicar tais patrimônios à sociedade.
Palavras-chave: cultura Maracá; arqueologia; documentação; conservação preventiva.
Introdução
*
Universidade Federal do Pará, R. Augusto Corrêa, Belém, PA, CEP: 66075-110; taynsales@gmail.com.
Museóloga, mestranda em Antropologia, com ênfase em Arqueologia (PPGA/UFPA).
**
Museu Paraense Emílio Goeldi, Av. Magalhães Barata, Belém, PA, CEP: 66040-170;
biancavicente@museu-goeldi.br. Museóloga, Me., Bolsista do Programa de Capacitação Institucional (PCI)
do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG).
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O Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) é uma instituição de referência nacional e
internacional, tratando-se de suas pesquisas científicas, acervos e projetos com a
comunidade local. Atuando em diversas áreas, o Museu se especializou nas ciências que
envolvem o meio Amazônico, tanto físico, natural e humanístico. O estudo das ciências
humanas (antropologia, arqueologia e linguística), desenvolve, além das pesquisas,
métodos de preservação dos diversos acervos que o Museu salvaguarda (PAIVA, 2014).
Segundo Barbosa (2011) e Sanjad (2010), o MPEG surgiu na segunda metade do século
XIX, ao padrão do Museu Nacional do Rio de Janeiro – pensado e dirigido por Domingo
Soares Ferreira Penna.
Sua criação foi realizada através da Associação Filomática, sociedade que se firmou com
o intuito de fundar um museu no Estado do Pará, proposta que se concretizou em 1866.
Em seus primórdios os achados arqueológicos da região constituíam-se como uma das
principais vertentes de interesse. Mesmo com alguns períodos de menor incidência de
campanhas de escavações e coletas arqueológicas, ainda hoje o museu tem a
arqueologia como uma área de pesquisa primordial.
Atualmente a Reserva Técnica Mário Ferreira Simões abriga um acervo arqueológico de
aproximadamente 120 mil objetos (inteiros e fragmentados) e 2 milhões de fragmentos
procedentes de diversas regiões da Amazônia. De importância imensurável para os
estudos sobre as culturas do período pré-colonial e colonial, a preservação se faz
imprescindível. Dentre essas coleções, estão algumas urnas Maracá, que são urnas
funerárias confeccionadas em cerâmica, encontradas na região sudeste do Estado do
Amapá e coletadas ao Museu desde o século XIX.
Dentro dos museus, a preservação de acervos arqueológicos ainda é um grande desafio.
Os artefatos têm seus valores fortemente vinculados às informações e possibilidades de
estudo e comunicação que provém da integridade física e documental deles.
Considerando estes aspectos o presente trabalho tem como objetivo elencar alguns
elementos necessários à conservação preventiva desta tipologia de objetos, bem como
destacar a documentação como elemento primordial neste processo.
Neste ínterim, aborda-se, a partir da discussão teórica, os diferentes elementos que
permeiam a preservação desta tipologia de acervo e, apresenta-se, através de um estudo
de caso, a importância da preservação destas peças. Baseado nos preceitos da
conservação preventiva, que busca reduzir ou prevenir potenciais danos aos acervos,
abarcando coleções ao invés de objetos individuais e prezando pela não intervenção
direta nos objetos, mas sim no contexto em que estão inseridos (CAPLE, 2011), esta
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pesquisa não realizou intervenções físicas ou químicas nas peças e teve a
documentação como principal ferramenta de preservação.
A cultura Maracá e preservação de achados arqueológicos
As urnas coletadas por Ferreira Penna quando explorava a região sudeste do atual
Estado do Amapá, a partir de 1872, foram levadas ao museu (PENNA, 1877) e fizeram
parte da etapa inicial da concretização do MPEG como instituição museológica e, já no
século XX, elas foram retomadas por meio de projetos de salvaguarda e pesquisa por
profissionais de Arqueologia (GUAPINDAIA; MACHADO, 1997; GUAPINDAIA, 2001). As
urnas funerárias coletadas através destas expedições, as quais são confeccionadas em
cerâmica, possuem elementos de representação humana (antropomorfa), animal
(zoomorfa) ou tubular, conforme é ilustrado na Figura 1, sendo que a maioria dos
vestígios encontrados remetem-se a primeira forma.
Figura 1: Exemplos de urnas de diferentes morfologias (Prancha Goeldi, 1905).
As urnas funerárias antropomorfas da cultura Maracá são em cerâmica, constituídas por
um corpo em formato cilíndrico sentadas em um banco, cabeça (tampa) e membros
superiores e inferiores, possuindo representações anatômicas humanas estilizadas,
incluindo características de gênero (feminino ou masculino) correspondentes aos ossos
depositados em seu interior (BARBOSA, 2011; GUAPINDAIA, 2008). A maioria – pode
apresentar, além de motivos pintados, ornamentações corporais em barro odelado: coifas
ou coques (decorações da tampa), braceletes, pulseiras, cintos ou uluri (decoração de
cintura) e tornozeleiras.
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A cabeça possui representações de olhos, sobrancelhas, nariz e boca, com o contorno do
rosto delimitado por um rolete e decoração em sua parte superior. O corpo possui
clavícula, mamilos, umbigo, escápulas, pélvis, coluna e órgão sexual. Os membros
apresentam epífises distais, mãos e pés com dedos. O banco possui assento,
geralmente, retangular com pernas no mesmo formato, e decoração em suas laterais (de
um lado uma cabeça e de outro uma cauda). Contêm pinturas em formatos geométricos
correlacionados nas regiões da cabeça e do corpo, cuja assimetria pode ser observada
em diferentes regiões do corpo, ou seja, um determinado elemento não necessariamente
se repete na urna, apresentando distribuição irregular. As urnas zoomorfas são, no geral,
representações de animais quadrúpedes, como o jabuti, e são compostas por cabeça,
tampa, – essas não encontradas na coleção estudada que será apresentada mais
adiante –, porém furos em volta da fenda na parte superior das urnas indicam que houve
a confecção das mesmas – corpo, cauda, banco e membros.
No Amapá, mais precisamente na área de influência da bacia do Igarapé do Lago (Figura
2), apresentaram diversos vestígios da existência da cultura pré-colonial Maracá,
principalmente as urnas fabricadas para a realização de práticas ritualísticas funerárias.
Estas são encontradas dispostas na superfície de grutas e abrigos, reconhecidos como
cemitérios de sepultamentos secundários localizados nessa região (GUAPINDAIA;
SOUZA; CARVALHO, 2001).
MAPA
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Estas urnas costumam ser encontradas em grutas, porém no nível da superfície (Figura
3), uma característica interessante ao se pensar na conservação decorrente de seu
contexto deposicional e pós-deposicional, haja vista que isto influencia nos agentes de
degradação e suas respectivas atuações. São estes fatores que fazem com que cada
sítio e cada achado arqueológico seja extremamente particular, mesmo com as
similaridades. Por conta disso, ao trabalharmos com a conservação de acervos
arqueológicos é preciso entender como os artefatos foram encontrados em contexto,
pois:
Os achados em um sítio arqueológico são sempre resultado da interação
entre fatores bióticos, abióticos e antrópicos que alternam-se ao longo do
tempo. Este processo, em geral único, dá ao sítio a feição existente no
momento do achado. A história de cada sítio faz variar o peso de cada
fator de degradação. A velocidade e sucessão dos eventos, explica as
diferentes proporções de materiais preservados e os diferentes impactos
sobre a espacialidade original (SOUZA et al. 2001, p.483).
Figura 3: Exemplo do interior de uma gruta com urnas funerárias. Entrada da Gruta do
Jaboti. Foto: Janduari Simões, apud Barbosa, 2011.
Entender a peça em contexto é o primeiro passo, por isso é interessante que quando
possível o próprio conservador do museu que irá receber a peça possa acompanhar o
processo de escavação. Sua presença é importante tanto para se ater aos primeiros
cuidados, como para melhor compreender quais as possíveis fragilidades da peça
decorrentes deste contexto, porém, esta ainda não é uma prática comumente observada
nas escavações.
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Um segundo momento destes vestígios arqueológicos é a escavação em si, que se torna
crucial para a preservação destes artefatos. Assim, também pode apresentar alguns
riscos ao sítio e às peças coletadas. Trabalhos mal realizados podem levar à perda de
material e mesmo de informações. Portanto, sabe-se que tal trabalho deve ser feito por
profissionais qualificados, haja vista que:
The condition of excavated material is dependent on many factors
including handling during and after excavation. Unnecessary touching,
and on-site cleaning may be very damaging to artefacts and may result in
the loss of valuable evidence. Condition is also dependent on the
conservation care the material has received and whether it has been
continuous or was undertaken some time after excavation as ‘rescue’
measure (PYE, 1992, p, 392)
Ainda segundo Pye (1984), os registros de materiais arqueológicos devem iniciar na
escavação, quando o pesquisador/coletor localiza o sítio. Esse registro deve ser o mais
completo, pois toda informação é necessária e precisa acompanhar o objeto, desde o
sítio até o laboratório e/ou reserva técnica. Além de que essas informações necessitam
ser concisas e abranger não somente o objeto mas incluir as observações de campo,
como o contexto arqueológico, condição do solo, método de salvamento e seus primeiros
procedimentos, e para se tornar mais completo, o registro deverá incluir os métodos e
resultados das análises.
Os processos documentais arqueológicos do objeto passaram por diversas modificações
metodológicas ao longo do tempo e que foram aperfeiçoadas de acordo com os
interesses e objetivos das pesquisas desenvolvidas na área. Sua descrição técnica e de
localização facilitam o acesso às informações no desenvolvimento de pesquisas em torno
do mesmo. Basicamente as informações são relativas à: proveniência; área de
escavação; área de coleta de material; dimensões do objeto; características plásticas e
pintadas (geralmente atribuídas à decoração); e as informações relativas ao contexto de
paisagem dos sítios (FUNARI, 2003).
O terceiro momento é quando a peça, no caso as urnas, passam a integrar uma coleção
dentro de um museu. Ao adentrar uma instituição museológica, as peças são submetidas
ao processo conhecido como musealização, o qual engloba diferentes ações interligadas
efetuadas em culminância de sua ressignificação enquanto objeto de museu. Estas
etapas são didaticamente divididas entre a aquisição, documentação, pesquisa,
conservação e comunicação/extroversão (CURY, 1999). Neste processo, o pensamento
acerca da conservação de um achado arqueológico segue protocolos, buscando viabilizar
que boas condições de conservação sejam obtidas e prolongadas ao máximo.
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Atualmente, a conservação preventiva tem sido comumente utilizada como prática basilar
aos protocolos museológicos, sendo então privilegiadas ações não interventivas nas
peças, mas sim pensando o contexto em que as coleções estão inseridas. Além disso,
também visto como prática preventiva, há um maior empenho em aumentar a eficácia de
seus registros informacionais acerca dos objetos, mesmo que alguns profissionais ainda
não vejam a documentação como uma ferramenta inerente à conservação preventiva,
considerando-a apenas como registro ou forma de fácil localização de objetos
(PANISSET, 2017).
Nos museus, os acervos costumam passar grande parte do tempo abrigados dentro de
reservas técnicas (FRONER, 2008). Estes são espaços de guarda que devem ser o mais
adequados possível para manter padrões apropriados de conservação dos acervos,
mantendo protocolos de acesso e uso dos espaços, bem como atendendo as demandas
de segurança, espaço, mobiliário, acondicionamento, iluminação e climatização de
acordo com cada acervo.
O estudo da cultura Maracá no Museu Goeldi
Desde seus primeiros momentos o MPEG já estava preocupado em coletar e conhecer
os diferentes vestígios deixados pelos povos antepassados da região amazônica. Entre
seus objetivos estava coletar o máximo de peças Etnográficas e Arqueológicas para
compor um acervo relacionado à identidade amazônica, procurando preservar e estudar
os objetos provenientes da região. A instituição, criada a partir da Associação Filomática,
visava a criação de um polo científico de história natural e do homem na Amazônia,
claros nas palavras de Ferreira Penna:
[...] apareceu aqui a ideia de formar-se uma associação destinada a criar
e fundar na capital um museu – no qual pouco a pouco se reunisse os
numerosos produtos antigos e modernos da indústria dos índios
aproveitando-se ao mesmo tempo toda a sorte de objetos de História
Natural que se pudesse obter. (PENNA, 1894, P. 28).
Com a doação de uma urna Maracá ao Museu, feita pelo Sr. Francisco da Silva Castro,
Ferreira Penna ficou bastante interessado pela Arqueologia Maracá, por ter tantas
características humanas. Então, organizou uma expedição ao rio Maracá, em 1872,
localizado no sudeste da Guiana Brasileira, onde encontrou diversos sítios arqueológicos.
Porém o que estava dentro das grutas foi o que mais chamou sua atenção: inúmeras
urnas funerárias antropomorfas depositadas em superfície.
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Denominou-as de ‘igaçabas de barro tubulares’ (BARBOSA, 2011). Porém, coletou
apenas as que apresentavam boa integridade (PAIVA, 2014). Ainda em 1872, houve
outra expedição onde Ferreira Penna encontrou mais urnas, essas, porém bastante
danificadas por ação biológica e de movimentação animal. Todavia, por apresentarem
“aspectos singulares” em suas formas e por conterem ossos humanos, os recipientes
funerários foram de grande interesse para os objetivos do então diretor do Museu
Paraense (BARBOSA, 1992).
No final do século XIX e início do XX, o Museu se consolidou como instituição científica,
estando sob a direção do zoólogo e naturalista suíço Emil August Goeldi, o qual
reorganizou e promoveu a catalogação das coleções pertencentes à instituição, de
acordo com padrões europeus. Com o amplo auxílio financeiro ofertado pelo então
governador Lauro Sodré, Goeldi incentivou e realizou expedições científicas na Amazônia
(BARBOSA, 2011; PAIVA, 2014). Com a ajuda dos dados coletados por Ferreira Penna
nas expedições anteriores, Goeldi realizou uma expedição ao rio Maracá, em 1896, com
o objetivo de arrecadar mais objetos para a coleção do Museu. Segundo Barbosa (2011),
após a expedição à Guiana Brasileira, Emil Goeldi pretendia publicar um trabalho sobre
as urnas Maracá, entretanto, não chegou a fazê-lo.
Neste período foram produzidos documentos com descrições detalhadas dos locais
visitados, incluindo desenhos e mapas, feitos por Lima Guedes. Isto demonstra que já
naquele momento a preocupação com a sistematização dos dados e com o contexto de
localização dos sítios, atribuindo grande prestígio à coleção Maracá como uma das mais
completas do Museu Paraense na época.
Novas coleções de Maracá foram formadas entre os anos de 1995 a 2002, quando a
arqueóloga Vera Guapindaia desenvolveu pesquisas de caráter sistemático através do
projeto “Estudos Arqueológicos na região do Igarapé do Lago, rio Maracá, Estado do
Amapá” com o objetivo de investigar o período pré-colonial daquela região
(GUAPINDAIA; MACHADO, 1997; GUAPINDAIA, 2001). Nesse momento, o objetivo da
investigação não era simplesmente a formação de coleções, mas responder questões
científicas
relacionadas
à
cultura
Maracá
em
seus
diferentes
aspectos.
No
desenvolvimento das pesquisas foram localizados 17 sítios arqueológicos na região de
Maracá, sendo que três sítios habitação e 14 sítios cemitério (BARBOSA, 2011).
Sendo assim, percebe-se que os artefatos presentes no MPEG foram adquiridos em duas
épocas distintas referentes ao início da pesquisa arqueológica na Amazônia e o
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desenvolvimento científico no Museu Paraense Emílio Goeldi, além de fazer parte do
período de estruturação primordial desta instituição como Museu, formando assim,
coleções que refletem interesses ideológicos e científicos diferentes. No primeiro
momento, mais precisamente ainda no século XIX, as coleções eram formadas de
maneiras descontextualizadas, onde era fundamental a integridade física do objeto, a sua
estética. No segundo momento, já no século XX, foram inicializados os trabalhos
arqueológicos sistemáticos, com enfoque nas pesquisas científicas (BARBOSA, 2011).
Ainda segundo Barbosa (2011), essa mudança de perspectiva do MPEG foi essencial
para as pesquisas sobre a cultura Maracá, pois:
No século XIX e no começo do século XX, as discussões sobre as
origens da ocupação humana na Amazônia tiveram grande repercussão
ganhando contornos nacionais e internacionais. É nesse contexto que a
pesquisa sobre as urnas Maracá toma impulso. Assim, a partir da
segunda metade do século XIX surgem os primeiros artigos sobre o
assunto; o material contido nas urnas (ossos) foi submetido a análises
específicas; a região e os locais dos achados foram descritos e
revisitados e as urnas encontradas foram detalhadamente descritas
(BARBOSA, 2011, p. 11).
As pesquisas de Guapindaia (2000, 2001, 2008), apresentaram um quadro mais amplo
das características ambientais da região onde se encontram os sítios e descrição do
padrão funerário da cultura Maracá. Desde que as primeiras coleções Maracá foram
formadas, as iconografias das urnas chamam a atenção pela forma das figuras
representadas e a riqueza de detalhes decorativos plásticos e pintados na superfície das
peças. No entanto o tema iconográfico só foi abordado sistematicamente a partir do
estudo de uma das coleções formadas por Guapindaia, a coleção Gruta das Caretas
(GUAPINDAIA; MACHADO, 1997; GUAPINDAIA, 2001).
Os resultados do estudo iconográfico das peças da coleção Gruta das Caretas,
mostraram que as urnas antropomorfas apesar de aparentemente apresentarem figuras
semelhantes, possuem representações plásticas e pintadas comuns e exclusivas de cada
gênero. Na pesquisa foi mostrado que motivos pintados em faixas verticais frontais e
dorsais, e faixas horizontais superiores e inferiores são representativos de uma
linguagem coletiva. Já os motivos lineares pintados na lateral do corpo das urnas e os
adornos plásticos possuem característica de linguagem particular (BARBOSA, 2011).
Assim, se fez necessário dar continuidade ao estudo iconográfico da cultura Maracá
iniciado com a coleção já supracitada, estendendo a análise proposta por Barbosa (2011)
para as outras coleções de urnas Maracá. Neste caso, a análise realizada em 2015 teve
como proposta a análise da coleção AP-MZ-27: Gruta do Pocinho, composta de urnas
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antropomorfas e zoomorfas. O estudo dessa coleção ampliou os conhecimentos sobre as
representações iconográficas Maracá, proporcionando maior entendimento sobre os
aspectos sociais e simbólicos dessa cultura.
Durante o processo deste estudo foi constatada a importância de se ter uma peça
conservada, com o intuito de possibilitar e qualificar a análise iconográfica e os demais
procedimentos de pesquisa e comunicação da coleção. Tal constatação é aparentemente
evidente, porém, durante o processo da pesquisa in loco foi notório a interferência do
estado de conservação da peça no estudo iconográfico, já que fora imprescindível a
observação das pinturas nos objetos, que sofreram alterações decorrentes de
degradação tanto por agentes biológicos, físico-químicos, e/ou mecânicos. Deste
contexto decorre a análise apresentada a seguir.
As Urnas Funerárias da Gruta do Pocinho
A coleção da Gruta do Pocinho é composta por partes de urnas antropomorfas (tampas e
corpos com banco), urnas zoomorfas e vasilhas. Ao todo são 22 peças nessa coleção, 16
são urnas antropomorfas: 07 contém apenas a tampa da urna, somente com a
representação da cabeça e tampo; 09 são representações do corpo – dessas, 02 estão
fragmentadas e salvaguardas como se fosse uma só (GP-28) –, onde 04 possuem
representação de banco. Já 04 são urnas zoomorfas e 02 vasilhas.
Em termos de preservação desta coleção vale ressaltar que os materiais arqueológicos
presentes na RT variam entre vasos, vasilhas e urnas funerárias em cerâmica; líticos
como pontas de flecha, machados, pilões; e muitos fragmentos, como cacos de cerâmica,
líticos, amostras de solo, entre outros; além dos materiais de cunho osteológico, e estão
salvaguardados
em
estantes
de
ferro,
com
prateleiras
do
mesmo
material.
Recentemente, mais precisamente no ano de 2015, novas estantes foram implementadas
na RT, essas que são do mesmo material, porém com sistema de rolamento, onde a
pessoa que manipula o material tem a possibilidade de bloquear a movimentação da
estante (Figuras 4 e 5).
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Figuras 4 e 5: Antigas e novas, respectivamente, estantes existentes na Reserva Técnica
Mário Ferreira Simões. Foto: Taynara Sales, 2016.
No caso de materiais de maiores dimensões, como urnas funerárias em forma de vaso,
apliques decorados, vasilhas, dentre outros, estes ficam alocados sob suportes feito em
espuma de polietileno expandido e recortado, como a forma da base do objeto, de modo
a permitir seu melhor encaixe e sustentação (Figura 6).
Figura 6: Vasos escavados, de diversas culturas indígenas, armazenados sob caixas de
polietileno. Foto: Taynara Sales, 2016.
Depois do sistema informatizado, criado no programa Access, a curadora da Reserva
Técnica, Maura dos Santos reuniu com os técnicos que trabalham na RT, e decidiram
então, que os materiais arqueológicos seriam organizados por região em que foram
escavados. Assim, cada armário possui um adesivo (Figura 7) que indica de qual região
pertencem os artefatos ali armazenados.
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Figura 7: Detalhe das estantes rolantes, com etiquetas que mostram a localização das
regiões de pesquisas arqueológicas, conforme material escavado. Foto: Taynara Sales,
2016.
Os armários também possuem uma sinalização própria, os quais se tratam de número e
letra e cada prateleira possui um algarismo romano para identificação (Tabela 1),
utilizando assim, o sistema de numeração conhecido como alfanumérico, que trata-se da
codificação elaborada a partir de letras e números. Essas sinalizações são necessárias
para a armazenagem de informação sobre a localização das peças na RT, inseridas no
sistema informatizado. Vale salientar que todas essas diretrizes de armazenamento e
documentação usadas pela curadora da RT, foram baseadas no livro “Áreas da
Amazônia Legal Brasileira para pesquisa e cadastro de sítios arqueológicos”, de autoria
de Mário Ferreira Simões e Fernanda Araújo-Costa, escrito no ano 1978.
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Tabela 1: Esquema feito pela técnica Camila Fernandes, responsável da Reserva
Técnica Mário Ferreira Simões.
A Reserva Técnica possui controle de climatização através de aparelhos de arcondicionado, procurando estabelecer um padrão de temperatura, assim como medidores
da umidade relativa do ar para o monitoramento. O controle do ambiente é monitorado
por meio
de desumidificadores, termohigrômetros e
termohigrográfos (MUSEU
PARAENSE EMÍLIO GOELDI, 2002).
O objetivo inicial da pesquisa era de realizar a análise iconográfica das urnas funerárias
antropomorfas e zoomorfas da cultura Maracá, provenientes do sítio AP-MZ-27: Gruta do
Pocinho, a fim de classificar os temas representados – da forma plástica e pintada,
buscando entender como eles estão relacionados aos aspectos que englobam as
organizações sociais do grupo. Porém, conforme já apresentado observou-se a
necessidade de melhor discussão acerca da preservação deste acervo.
Em meio à pesquisa, foi observado que muitas peças precisavam de uma atenção
específica pois havia um grau de dificuldade para entender suas iconografias,
principalmente os motivos pintados, devido a sujidades deposta sobre a peça, advinda da
caverna na qual fora encontrada. Como dito anteriormente, toda a biografia do achado
arqueológico, desde sua escavação, possui relevância para entender seu estado de
conservação atual.
Neste caso utilizou-se então a documentação como ferramenta de um primeiro momento
de preservação. Como modo de preservação, as técnicas não se limitam apenas à
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resguardar o objeto com integridade física, mas também de métodos de documentação,
servindo para organizar e administrar o acervo dentro e fora da instituição. Essas
informações podem ser intrínsecas (dados obtidos observando sua forma, cor, textura,
dimensões, etc) e extrínsecas (dados obtidos a partir de pesquisas), ou seja, informações
que o objeto por si somente não revela senão por meio de acuradas pesquisas
(FERREZ, 1994).
Helena Dodd Ferrez (1994), em uma reflexão sobre as práticas documentais
museológicas, expõe que os objetos advindos da produção do trabalho humano e de
vestígios pré-históricos, passam pela perda e o ganho de informações ao longo de usos,
trocas, reparos, etc., e por isso são considerados como objetos testemunhos constituídos
de conteúdo acerca de uma dinâmica econômica, social, estética, simbólica, e outras cujo
valor não se extingue pela ausência de conhecimento contexto-presencial.
A documentação primária (registro, fichas, e numeração, etc.) do objeto é necessária
para o controle e segurança do acervo permanente dos museus conforme as normas
internacionais, porém, não deve ser considerado como produto acabado, e sim, como
processo para o desenvolvimento de pesquisas que tenham por objetivo a produção de
conhecimento sobre a história social e cultural onde os objetos estão imersos, como
também, sua relação com a natureza e o homem, numa concepção educativa da ação
documental.
A documentação também é importante para evitar que ocorra a perda informacional ou
mesmo do objeto, através de um agente de risco conhecido como dissociação a qual
“resulta na perda irreversível de objetos e no desmembramento de uma determinada
coleção, incluído: a perda dos objetos por extravio, perda permanente de dados sobre os
objetos e uma série de outras deficiências intelectuais e legais, que reduzem o uso e o
valor das coleções” (PANISSET, 2017, p.178).
Considerando todos estes aspectos que para o desenvolvimento deste trabalho foi
desenvolvida uma ficha que buscava registrar elementos iconográficos - pintadas e
plásticas, bem como elencar diferentes aspectos do obejtos. Esta trouxe também
relevância aos aspetos de conservação das peças. Nesta ficha foram elencados e
preenchidos os seguintes aspectos: descrição, representações anatômicas (cabeça,
corpo, base), observações, estado de conservação, dimensões e imagem, descrição da
pintura.
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Através dessa documentação foi possível realizar a análise da peça em seus diferentes
aspectos. Dentre os principais resultados obtidos, pode-se observar que a maioria não
estava em bom estado de conservação, os principais danos encontrados foram: lacunas,
rachaduras e perda de policromia.
As lacunas e rachaduras nas urnas (Figuras 8 e 9) são elementos que devem ser
considerados no momento de estipular as medidas de conservação a serem utilizadas.
Peças cerâmicas são consideradas de grande fragilidade em relação aos danos
mecânicos, por isso, o manuseio e a guarda devem ser feitos com maior atenção. Ao se
tratar de peças com lacunas e rachaduras essas tendem a estar ainda mais vulneráveis e
devem evitar manipulação desnecessária.
Figura 8: Corpo de urna funerária da cultura Maracá, urna GP-02, pertencente à Coleção
Gruta do Pocinho. Foto: Taynara Sales, 2015.
Peças provenientes da mesma gruta também foram estudadas e quando possível, houve
a recomposição de lacunas (Figura 10). Tais medidas devem ser feitas com parcimônia,
sempre ponderando a necessidade com a possibilidade de restauro. Tais intervenções
foram realizadas pelos profissionais responsáveis que atuam no laboratório de restauro
da reserva técnica.
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Figura 10: Tampa de urna funerária da cultura Maracá, na forma de cabeça humana.
Urna GP-35, pertencente à Coleção Gruta do Pocinho. Foto: Taynara Sales, 2015.
Outra característica muito encontrada foi a perda de policromia (Figura 11) ou manchas
na superfície do objeto. Estes danos interferem na leitura e possibilidades de
comunicação advindas das peças. Muitos deles são causados pelas condições
encontradas nas grutas que abrigavam as urnas. A excessiva umidade relativa e a
presença de agentes biológicos como animais, fungos e plantas, são os principais fatores
que levam a estas perdas. Porém, deve-se atentar ao fato de que a ação humana
também pode desencadear esse tipo de dano, seja através de procedimentos mecânicos
ou químicos inadequados.
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Figura 12: Tampa de urna funerária da cultura Maracá, na forma de cabeça humana.
Urna GP-30, pertencente à Coleção Gruta do Pocinho. Foto: Taynara Sales, 2015.
Mesmo aqueles que ainda conservam grande parte de sua policromia e estão em melhor
estado de conservação (Figura 12) precisam ser mantidos em condições apropriadas.
Para a adequada manutenção desse material, além dos cuidados de manipulação, o
controle ambiental é fundamental, seja em termos de temperatura e umidade, mas,
principalmente iluminação, pois muitos pigmentos, através de ações fotoquímicas
acabam sendo alterados (SOUZA, 2008).
V Seminário de Preservação de Patrimônio Arqueológico
Figura 12: Urna zoomorfa GP-09, pertencente à Coleção Gruta do Pocinho. Foto:
Taynara Sales, 2015.
Com relação ao acondicionamento das peças, além do mobiliário de armários volantes,
conforme apresentado anteriormente, também se faz o uso de moldes de polietileno
(ethafoam). Este material é indicado para a utilização nos acervos museológicos por ser
considerado quimicamente estável (WINSOR, 2011). Na RT Mário Simões, este é
utilizado para elaborar moldes que se adequem às peças e com isso permitam melhor
guarda e manuseio, também aplicados a algumas peças da coleção da Gruta do Pocinho
(Figura 13).
Figura 13: Urna zoomorfa GP-10, pertencente à Coleção Gruta do Pocinho. Foto:
Taynara Sales, 2015.
Considera-se que o estado de conservação destas peças, elencado na documentação e
análise realizadas na pesquisa apresenta grandes debilidades decorrentes de seu
contexto deposicional e agentes de degradação que atuação ao longo do tempo. Tal
estado de conservação afeta diretamente as possibilidades de estudo e comunicação de
informações intrínsecas às peças, como sua iconografia e conformação. Portanto, as
práticas de conservação presentes na RT Mário Simões se mostram fundamental para a
manutenção deste patrimônio.
V Seminário de Preservação de Patrimônio Arqueológico
Considerações finais
A cultura Maracá tem sido estudada desde os primórdios do Museu Paraense Emílio
Goeldi, ainda no século XIX, com os achados arqueológicos de Ferreira Penna. Esta
relação histórica e a importância dos materiais desta cultura coletados ao longo do tempo
ressaltam a necessidade de se desenvolverem cada vez mais estudos e estratégias de
preservação deste acervo.
Apesar de estudos e práticas recorrentes, ainda se percebem inúmeros desafios
associados à preservação de acervos arqueológicos. Sendo assim, reconhece-se os
esforços da Reserva Técnica Mário Simões em sempre buscar as melhores condições
para a conservação de seus acervos, seja na readequação de mobiliário, quanto na
busca por protocolos e instrumentos de monitoramento e acondicionamento adequado.
Neste trabalho, que dentre seus objetivos visou elencar alguns elementos necessários à
conservação preventiva de urnas Maracá, foi possível analisar o desenvolvimento da
documentação e aspectos relacionados à conservação preventiva de uma coleção de
específica, a Gruta do Pocinho. Essa documentação pode ser utilizada como ferramenta
de registro de dados, como elemento de análise da peça, assim como forma de
conservação preventiva, evitando a dissociação de informações e das próprias peças.
Ademais, através da análise coleção da Gruta do Pocinho é possível destacar que foram
identificadas as lacunas e perda de policromia como os principais danos encontrados
nesta coleção. Cuidados voltados a protocolos de manuseio, acondicionamento, controle
e monitoramento se mostra extremamente necessários, buscando atentar para as
vulnerabilidades encontradas. Logo, tal estudo e prática permite maior qualidade na
manutenção e comunicação científica deste patrimônio de valor imensurável para a
Amazônia.
V Seminário de Preservação de Patrimônio Arqueológico
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