DOSSIÊ
PSICOLOGIA
E
RELIGIÃO
TEORIA DO APEGO E COMPORTAMENTO RELIGIOSO
ATTACHMENT THEORY AND RELIGIOUS BEHAVIOR
(*)
MARY RUTE GOMES ESPERANDIO
(**)
HARTMUT AUGUST
RESUMO
A Teoria do Apego, desenvolvida a partir dos estudos de John Bowlby, oferece uma ampla base
conceitual sobre a formação, manutenção e modificação dos vínculos afetivos. No Brasil, não
existem estudos sobre esse tema, na perspectiva da Psicologia da Religião. Considerando o
impacto da teoria Bowlbyana do apego em diversas áreas da Psicologia, o propósito deste artigo
é descrever os principais conceitos da Teoria do Apego e sua aplicação aos estudos em Psicologia
da Religião. Quer-se apresentar as principais descobertas sobre a relação entre constituição
subjetiva, comportamento religioso à luz da teoria do apego, a fim de estimular a pesquisa na
área da Psicologia da Religião, Teologia e ciências da Religião, a partir desse referencial teórico.
Sugestões para futuras pesquisas são oferecidas na conclusão deste estudo.
PALAVRAS-CHAVE: Teoria do Apego. Apego a Deus. Psicologia da Religião.
ABSTRACT
The Attachment Theory, as developed by John Bowlby, offers a broad conceptual base on the
formation, maintenance and transformation of existing affectional bonds. In Brazil, there has
not yet been any study based on this framework from the perspective of psychology of religion.
Considering the impact of Bowlby attachment theory in various areas of psychology, the
purpose of this article is to describe the main concepts of the attachment theory and its
application to the studies in the area of Psychology of Religion. The aim is to present the
primary findings on the relationship between the subjective constitution and religious
behavior in the light of the attachment theory, in order to stimulate the research in psychology
of religion, theology and sciences of religion using this theoretical framework. Some
suggestions for future research are presented in the conclusion.
Keywords: Attachment Theory. Attachment to God. Psychology of Religion.
INTRODUÇÃO
A Teoria do Apego, tal como introduzida por John Bowlby (1969, 1973,
1980), impactou significativamente os estudos em diversas áreas da Psicologia,
tais como: a Psicologia do Desenvolvimento; a Psicologia Social, da
Personalidade; e a Psicologia Clínica (KIRKPATRICK, 2005, p. 18). A aplicação da
teoria do apego aos estudos na área da Psicologia da Religião, pelos
(*) Doutorado em Teologia pela Escola Superior de Teologia (2006). Mestrado em Teologia pela Escola
Superior de Teologia (2001).Graduação em Pedagogia pela Universidade Regional do Noroeste do Estado
do Rio Grande do Sul (1992), graduação em Psicologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2003).
Atualmente é professora adjunta da Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR. Tem experiência
na área de docência teológica, com ênfase na interface Psicologia e Teologia, atuando principalmente nos
seguintes temas: Subjetividade contemporânea, Processos de subjetivação, Psicologia da Religião,Coping
Religioso, Aconselhamento Espiritual. Desenvolve pesquisas em torno do tema da Subjetividade
Contemporânea e Religiosidade, Coping Religioso, Aconselhamento. É membro do Comitê Executivo da
Society for Intercultural Pastoral Care and Counselling - SIPCC (2007). Possui página de "Psicologia da
Religião": http://psicologiadareligiao.wordpress.com/. E-mail: mresperandio@gmail.com
(**)Economista.
Mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUC-PR. Doutorando
em Teologia (PUC-PR). E-mail: Hart@ausland.com.br
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pesquisadores Kirkpatrick e Granqvist, são bastante reconhecidas. Contudo, no
Brasil, não se tem conhecimento de nenhum estudo sobre esse tema na
perspectiva da Psicologia da Religião, especificamente. A Teoria do Apego diz
respeito não apenas às emoções, comportamento, cognição, fisiologia etc. Ela
oferece uma compreensão a respeito de como todos esses elementos são
integrados em um modo organizado e funcional (KIRKPATRICK, 2005, p. 18). Em
outras palavras, ela oferece uma compreensão teórica a respeito do processo de
constituição subjetiva, do modo como o ser humano percebe, sente, escolhe, se
desenvolve e se relaciona consigo, com os outros, com o mundo. Exatamente
por isso, a Teoria do Apego deu origem a um contingente diversificado de
pesquisas, entre as quais destacam-se os trabalhos sobre as relações românticas
e os estudos no campo da religião. Assim, ao longo deste artigo, serão
apresentados os principais conceitos da Teoria do Apego e sua aplicação
específica em estudos na área da Psicologia da Religião. Na conclusão são
oferecidas algumas sugestões para futuras pesquisas a partir do referencial
teórico apresentado.
1 O CONCEITO DE APEGO EM BOWLBY
Na década de 1930, os estudos que o zoólogo austríaco Konrad Lorenz
(1903-1989) conduziu sobre a estampagem ganharam repercussão, a ponto de
esse pesquisador ganhar o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia em 1973.
Lorenz chamou atenção para o fato de que, em muitas espécies de aves, o
comportamento de apego se desenvolve de modo irreversível nos primeiros
instantes de vida, caracterizando-se como uma estampagem, uma gravação que
influencia os futuros padrões de comportamento dos indivíduos (BOWLBY, 2002,
p. 206). Embora o conceito de estampagem tenha sofrido alterações ao longo do
tempo, os estudiosos do comportamento humano têm se perguntado se nos seres
humanos ocorre algo semelhante à estampagem (BOWLBY, 2002, p. 273).
Um desses estudiosos foi John Bowlby (1907-1990), psicólogo, psiquiatra e
psicanalista britânico. Bowlby notabilizou-se por seu interesse no
desenvolvimento da criança e produziu uma vasta literatura a partir de
pesquisas realizadas nessa área, estruturando o que passou a ser conhecida
como a Teoria do Apego (Attachment Theory).
Nas pesquisas de John Bowlby,
Os elementos primordiais são observações relativas ao comportamento de
crianças de tenra idade, em situações bem definidas. À luz de tais dados, procura
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se descrever certas fases iniciais da atuação da personalidade; com base nessas
descrições, tenta-se, em seguida, realizar extrapolações com respeito ao futuro
(BOWLBY, 2004b, p. 32).
Dessa maneira, partindo do pressuposto de que é na tenra idade que se
molda o comportamento do ser humano, o método de análise parte da
observação de crianças pequenas, deduzindo, a partir do comportamento
observado, de que maneira as pessoas adultas tenderão a se comportar. Essa
abordagem parte do princípio de que
o conhecimento como construção da experiência individual é resultante de um
processo evolutivo, onde a realidade é interpretada e construída de distintas
formas.[...] Seus critérios implicam na existência de um mundo que se edifica a
partir das nossas experiências e onde, nesta interação, construímos uma
diversidade de significados e de verdades pessoais (ABREU, 2005, p. 12).
Assim, a partir desse processo contínuo de construção da experiência
pessoal é que a nossa subjetividade vai se constituindo. Ela é a expressão de
nossa história, cujas marcas ao longo do tempo resultam em padrões e estilos de
significado pessoal, em “modos de existência”. Tais modos de existência não
cessam de se recriar e surgem novos. Neste sentido, vale observar que os
padrões que constituem a subjetividade são passíveis de transformações ao
longo do processo existencial.
Bowlby focalizou seus estudos no que ele denominou “sistema de apego”.
Para Bowlby, o “sistema de apego é um constructo organizacional que descreve
a complexa gama de emoções, comportamentos, cognições e modelos de
funcionamento interno envolvidos no esforço infantil de manter em um nível
confortável o sentimento de segurança” (KIRKPATRICK e SHAVER, 1990, p. 317).
Quando ameaçada ou de algum modo angustiada, a criança se engaja em
comportamentos de apego tais como o choro, o agarrar-se ao cuidador, e voltase, se possível, para ele, a fim de reforçar a proximidade e, consequentemente, o
sentimento de segurança (KIRKPATRICK e SHAVER, 1990, p. 317). Quando o nível
de segurança é alto, a criança se afasta do cuidador para explorar o ambiente e
periodicamente verifica se a “base segurança” permanece atenta e disponível.
Assim, “padrões de apego” vão se estabelecendo em função dessa relação de
apego aos cuidadores. Bowlby destacou que em todos os processos de
construção e reconstrução pessoal, as condutas derivadas da aproximação ou
distanciamento dos cuidadores apontam para uma universalidade dos
sentimentos de ligação e dependência (ABREU, 2005, p. 15). O apego é definido,
portanto, como sendo uma forte disposição da parte da prole em muitas
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espécies de mamíferos, para buscar proximidade e contato com uma figura
específica (isto é, para mostrar um comportamento de apego) e fazem isso
particularmente em situações específicas tais como quando se sentem
amedrontadas, cansadas ou doentes. Por essa razão, na Teoria do Apego dá-se
atenção especial à maneira como a as crianças reagem ao distanciamento e
posterior reaproximação da mãe ou do(a) cuidador(a). É desse modo, portanto,
que se vão criando os padrões de relacionamento com os cuidadores ou os
modelos de apego desenvolvidos em nossa história pessoal (por intermédio de
nossos relacionamentos) e que “são integrados em nossa estrutura de
personalidade na forma de modelos internos e gerais de funcionamento que
determinarão as características de nosso self frente às situações de vida”
(ABREU, 2005, p. 15). De acordo com Bowlby, “nenhuma forma de
comportamento é acompanhada por sentimento mais forte do que o
comportamento de apego. As figuras para as quais ele é dirigido são amadas, e a
chegada delas é saudada com alegria” (2009, p. 259).
Bowlby sugere duas funções para o desenvolvimento do comportamento
de apego do bebê à mãe. Uma função relaciona-se à busca de proteção dos bebês
contra predadores, sendo que a mãe representa o lugar de segurança conhecido.
Outra função, que não exclui a anterior, seria que o bebê, na companhia da mãe,
está em boa posição para aprender atividades necessárias à sua sobrevivência
(2009, p. 278-279).
Nem todos os relacionamentos são caracterizados como “relacionamentos
de apego”. Estudos conduzidos por Mary Ainsworth (1913-1999) levaram-na a
propor cinco características que são largamente reconhecidas para diferenciar
relacionamentos de apego de outros tipos de relacionamentos próximos: (1) a
pessoa apegada procura proximidade com o cuidador, particularmente quando
está assustada ou alarmada; (2) o cuidador proporciona cuidado e proteção, na
função de porto seguro; (3) o cuidador proporciona uma sensação de segurança,
na função de base segura; (4) a ameaça de separação causa ansiedade na pessoa
apegada; (5) a perda da figura de apego causa luto na pessoa apegada
(KIRKPATRICK, 2005, p. 56).
A presença da figura de apego é chamada “base segura”, que “é a
consciência de que você tem o apoio de alguém que o encoraja, em quem pode
confiar com uma certeza de 100% e a quem você pode recorrer em caso de
necessidade” (LEVINE e HELLER, 2013, p. 40). À medida que a criança se
desenvolve, seu comportamento de apego passa a ser menos frequente e menos
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intensamente ativado. Além disso, “outra mudança que ocorre com a idade é
que ele passa a ser finalizado por uma faixa cada vez mais ampla de condições,
algumas das quais são puramente simbólicas” (BOWLBY, 2002, p. 324). Assim,
fotografias, mensagens virtuais e telefonemas podem tornar-se uma maneira
relativamente eficaz de manter contato com a figura de apego. Portanto, “No
curso de um desenvolvimento sadio, o comportamento de apego leva ao
desenvolvimento de laços afetivos ou apegos, inicialmente entre a criança e o
progenitor e, mais tarde, entre adulto e adulto.” (BOWLBY, 2004a, p. 38-39).
Dessa maneira, pessoas que na infância puderam desenvolver um apego de
base segura “são aquelas que experimentaram relações mais tranquilas,
confiantes e de apoio com seus cuidadores, exibindo uma facilidade mais
acentuada em lidar com o inesperado e com a possível ausência de um apoio
psicológico”. (ABREU, 2005, p. 19). Tais pessoas, ao alcançarem a vida adulta,
estarão em condições de enfrentar o mundo de modo mais sereno nas situações
de embaraço e desconforto emocional (ABREU, 2005, p. 19).
Conquanto os padrões de apego tenham papel importante no processo de
constituição subjetiva, tais padrões podem ser mudados ao longo da vida e das
experiências com outras figuras de apego, principalmente nas relações
românticas (LEVINE e HELLER, 2013).
2 PADRÕES DE APEGO
A partir da teoria do apego de Bowlby, sua colega, Mary Ainsworth
mostrou que as crianças constroem determinados estilos ou padrões de apego
em função de suas experiências de separação, podendo ser do tipo: seguro,
evitante ou resistente/ambivalente (ou ansioso-ambivalente). Os dois últimos
tipos são característicos de um apego inseguro.
O experimento foi estruturado por Ainsworth e Wittig (1969) nas seguintes
etapas: a) inicialmente, o bebê permanece com a mãe; b) em seguida, a pessoa
não familiar ingressa no ambiente; c) posteriormente, a mãe se retira e o bebê
permanece com o estranho; d) a mãe retorna ao local e a pessoa não familiar sai
do ambiente; e) dando sequência ao experimento, a mãe se retira e o bebê
permanece sozinho; f) posteriormente, o estranho retorna; g) por fim, a mãe volta
ao local e a pessoa não familiar se retira do ambiente. As reações das crianças a
esse procedimento foram, então, classificadas por Ainsworth e cols. (1978) nos
três padrões de apego citados anteriormente: seguro, ambivalente, evitante
(GOMES e MELCHIORI, 2011, p. 26).
Ainsworth verificou que mesmo em culturas distintas e distantes como
África, China e Israel, os padrões de reação das crianças se repetem, apontando
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assim, para a universalidade da categorização encontrada (GOMES e MELCHIORI,
2011, p. 27).
Crianças que desenvolvem um estilo de apego ansioso-ambivalente
experienciam um medo crônico de rejeição por suas figuras de apego e se
tornam preocupadas em arrancar conforto e segurança dessas figuras. Seu
sistema de apego fica cronicamente ativado. Crianças com um estilo evitante de
apego antecipam a rejeição e a carência de resposta das figuras de apego, e
reprimem os sentimentos de apego e se comportam na defensiva contra a
rejeição. Vivenciam uma auto dependência compulsiva, mantendo uma
distância emocional, limitando a intimidade como uma defesa, uma estratégia
de autoproteção (KELLEY, 2010, p. 56).
Os diferentes padrões de apego expressam, portanto, as diferentes
“maneiras como as pessoas percebem e reagem à intimidade em
relacionamentos” (LEVINE e HELLER, 2013, p. 18). Esses diferentes padrões de
apego foram sendo construídos a partir da reação dos bebês em situações de
interação com a mãe. O comportamento das crianças foi analisado mediante a
seguinte questão que definia a reação das crianças: ‘Posso confiar que minha
mãe estará disponível e receptiva quando necessário?’ As reações observadas
nos bebês puderam ser agrupadas em três respostas: sim, talvez e não. Ou seja,
no que se refere aos modelos internos de funcionamento, na primeira resposta
(sim), a figura de apego estará sempre disponível. Na segunda resposta (talvez),
a figura de apego às vezes estará disponível, outras vezes não. E na terceira
resposta (não), a figura de apego nunca estará disponível (MANTELLI e PINHEIRO,
2011, p.10). Tais respostas formam as características dos distintos padrões de
apego acima mencionados: o apego seguro, o apego evitante e o apego ansiosoambivalente. Estudos posteriores apontaram um quarto padrão de apego, mais
raro, caracterizado como ansioso-evitante ou inseguro desorganizado/desorientado.
Os diferentes padrões de comportamento apresentam as seguintes características:
2.1 APEGO SEGURO
Para crianças enquadradas no padrão de apego seguro, a mãe é uma base
segura para a exploração do ambiente. As crianças que se comportam de acordo
com esse padrão buscam ativamente o contato e a interação com a mãe após um
período de separação, mostrando-se satisfeitas por rever a mãe. (BOWLBY, 2002,
p. 419).
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Neste padrão de relacionamento, “o indivíduo está confiante que, caso ele
depare-se com alguma situação adversa ou amedrontadora, seus pais sempre
estarão disponíveis para auxiliá-lo de forma amável e afetiva.” (ABREU, 2005, p.
60). Esse auxílio desenvolve na pessoa a segurança necessária para enfrentar
possíveis situações difíceis que o mundo possa lhe apresentar.
2.2 APEGO ANSIOSO (OU ANSIOSO-AMBIVALENTE)
Crianças que se comportam de acordo com esse padrão de apego
demonstram “uma oscilação de comportamentos entre a busca de proximidade
e a relutância ao contato materno e/ou interação com a mãe.” (ABREU, 2005, p.
60). Quando os pais se relacionam com o filho de maneira não previsível, a
criança torna-se insegura, pois não sabe se e quando receberá algum tipo de
ajuda dos pais, caso venha a requerê-la.
Crianças com padrão de apego ansioso apresentam tanto sinais de
insegurança, como tristeza e medo, quanto de intimidade, alternando
frequentemente com hostilidade. “Consequentemente, essas crianças ainda
esperam obter amor e cuidados, ao mesmo tempo em que se sentem
angustiadas com a possibilidade de serem esquecidas ou abandonadas.” (ABREU,
2005, p. 60). Esse comportamento ambíguo decorre de uma rejeição parcial e
intermitente dos pais. Crianças que desenvolvem um estilo de apego ansiosoambivalente experienciam um medo crônico de rejeição por suas figuras de
apego e se tornam preocupadas em arrancar conforto e segurança dessas
figuras. Seu sistema de apego fica cronicamente ativado.
2.3 APEGO EVITANTE
Crianças com um estilo evitante de apego antecipam a rejeição e a carência
de resposta das figuras de apego, reprimem os sentimentos de apego e se
comportam na defensiva contra a rejeição. Vivenciam uma auto dependência
compulsiva, mantendo uma distância emocional, limitando a intimidade como
uma defesa, uma estratégia de autoproteção.
“Este padrão interativo normalmente é marcado pelo conflito com pais que
se mostram disponíveis e prestativos em algumas ocasiões e, em outras, não
apresentam tal receptividade.” (ABREU, 2005, p. 59).
As crianças que se comportam de acordo com este padrão de apego
“trataram muito mais amigavelmente um estranho do que a própria mãe, não
sendo rara a demonstração de comportamentos antissociais (hostis) e,
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paradoxalmente, buscando excessivamente atenção.” (ABREU, 2005, p. 59). Com
isso, a criança desenvolve um comportamento exploratório pobre, pois tem
dificuldade em se isolar para explorar o ambiente, visto que necessita de contato
continuado.
Frequentemente, os pais de crianças com padrão de apego evitante
ameaçam os filhos com abandono, “como forma de coerção e meio de controle
de seus comportamentos”. (ABREU, 2005, p. 59). Visto que a criança compreende
que os pais não estarão disponíveis quando ela precisar, essa criança apresenta
dificuldade de estabelecer contato após o período de separação, demonstrando a
existência simultânea de procura e resistência ao contato.
2.4 APEGO ANSIOSO-EVITANTE OU DESORGANIZADO/DESORIENTADO
Embora menos frequente, crianças que se enquadram no padrão de apego
ansioso-evitante “costumam apresentar comportamentos inconsistentes e
contraditórios. Por exemplo, podem receber a mãe alegremente quando ela
regressa, mas, depois, se distanciam ou se aproximam dela sem olhá-la,
parecendo estar confusos e temerosos.” (GOMES e MELCHIORI, 2012, p. 28). Esse
padrão de apego, inicialmente identificado por Main e Solomon (1986), pode se
desenvolver em crianças cujas mães não
sensibilidade adequada ao
desenvolvimento de uma relação saudável com a criança, inclusive submetendo
a criança a maus tratos. Estudos apontam que esse padrão de apego apresenta
maior risco de desenvolver quadros psicopatológicos1 (GOMES e MELCHIORI,
2012, p. 28). Nos estudos longitudinais em saúde mental sobre os laços entre
mãe e filhos com problemas na interação, Karlen Lyons-Ruth é referência
internacional2.
3 A TEORIA DO APEGO E OS ESTUDOS EM PSICOLOGIA DA RELIGIÃO
Os principais pesquisadores da Teoria do Apego e Religião são Lee A.
Kirkpatrick e Pehr Granqvist. Phillip Shaver produziu alguns trabalhos sobre o
tema3, contudo, o foco principal de seus estudos refere-se ao apego nas relações
românticas.
1
Sobre esse tema, ver Attachment Disorganization (SOLOMON; GEORGE (ed.), 1999).
2A
obra de Lyons-Ruth pode ser consultada em: http://www.researchgate.net/profile/Karlen_Lyons-Ruth.
Há uma interessante palestra de Shaver sobre apego e religião, disponível no youtube: “Perspectives from
Attachment Theory, Buddhism and Neuroscience”: https://www.youtube.com/watch?v=Mi072F-BpYE.
Além dos estudos sobre apego e relações românticas, Shaver publicou vários estudos sobre apego e abuso
na infância.
3
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TEORIA
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Na perspectiva de Kirkpatrick (2005), a teoria do apego é
consideravelmente mais profunda e mais ampla do que qualquer outra teoria
psicológica da religião. Para ele, a teoria do apego é fundamental para os
estudos da área da psicologia da religião, sobretudo por sua consistência no
entendimento de determinados aspectos de certas religiões, tais como as
crenças sobre Deus e a percepção do relacionamento com Deus em muitas
variedades do Cristianismo. Kirkpatrick e Granqvist acreditam que o
relacionamento com Deus pode ser visto frequentemente como uma relação
simbólica de apego.
No mais recente Manual de Psicologia da Religião e Espiritualidade,
editado por Paloutzian e Park (2013), agora em segunda edição, Kirkpatrick
afirma que a psicologia da religião tem vagado sem rumo por décadas, sem um
leme, isto é, sem um paradigma que ofereça uma meta-teoria que seja forte e
coerente o bastante para organizar, integrar e orientar as pesquisas transversais,
ao contrário, há uma disparidade de subdisciplinas e modelos teóricos
(KIRKPATRICK, 2013, p. 118). Kirkpatrick acredita que a solução para este
problema está na Psicologia Evolutiva. Para ele, a Psicologia evolutiva, como o
próprio nome sugere, é em última análise, uma abordagem psicológica para
entender a experiência e o comportamento humano (KIRKPATRICK, 2005, p. 20).
O autor defende que o paradigma evolutivo tem potencial não apenas para
organizar e integrar as várias subdisciplinas e as diversas questões dentro da
própria psicologia, mas também provê um fundamento para organizar e
integrar as ciências sociais como um todo. Considerando que a psicologia
evolutiva se organiza em torno das questões voltadas ao funcionamento, ela é
em geral, uma meta teoria sobre as funções do cérebro/mente, não apenas
prevendo e descrevendo o que eles fazem, mas também explicando porque
funciona de tal ou qual modo (KIRKPATRICK, 2005, p. 20-21). O autor observa
que “os mesmos processos evolutivos que tanto capacitam os pais a amar e
nutrir os seus filhos, quanto os parceiros românticos a amar um ao outro, são
também estes mesmos processos que capacitam os humanos a enganar, trair, e
inventar a guerra” (KIRKPATRICK, 2005, p. 21, tradução nossa). Neste sentido, a
teoria do apego é, segundo Kirkpatrick, uma teoria que se encaixa dentro de
uma meta teoria – a Psicologia Evolutiva – , e provê, assim, um paradigma tanto
para organizar e integrar a psicologia em geral, quanto a psicologia da religião,
em particular (KIRKPATRICK, 2005, p. 18).
Kelley (2010, p. 60) refere-se a uma afirmação de Pargament feita em uma
de suas palestras, quando ele pontua que o apego a Deus representa um dos
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construtos teóricos mais amplamente negligenciados para compreender o
relacionamento das pessoas com Deus. Lee Kirkpatrick é o pesquisador que
mais tem desenvolvido pesquisas neste campo teórico (KELLEY, 2010, p. 60). Ele
observa que a teoria do apego é um importante construto para compreender a
experiência religiosa, uma vez que o relacionamento pessoal com Deus está no
centro das religiões monoteístas, especialmente as cristãs, embora mesmo fora
das religiões cristãs, os fiéis desenvolvem uma relação pessoal com seus deuses ou
outras entidades, e este relacionamento provê uma forma de amor semelhante
àquela que o sujeito desenvolveu em sua infância com sua figura de apego.
O espaço do presente estudo não permite entrar em detalhes sobre o apego
a Deus em diferentes fases da vida. Mas existem alguns estudos cujos
pesquisadores têm demonstrado que em crianças e adolescentes há
correspondência entre suas figuras de apego e suas crenças religiosas (JUBIS,
1991; POTVIN, 1977; RICKERT e GRANQVIST, 2013). Outros pesquisadores têm
demonstrado essa mesma correspondência entre adultos e crianças, em
amostras coletadas em diferentes culturas. (LAMBERT; TRIANDIS; WOLF, 1959;
ROHNER, 1975).
4 DEUS COMO FIGURA DE APEGO
Diversos estudiosos têm procurado identificar se as relações de apego
anteriormente descritas podem ser utilizadas para analisar e compreender o
relacionamento das pessoas com Deus. Ferm (1945) nos recorda que a palavra
religião deriva do latim religare (sendo ligado) ou relegere (conectado),
denotando um relacionamento com Deus ou Jesus (KIRKPATRICK, 2005, p. 53).
Reed (1978) já observava que “toda forma de comportamento de apego,
bem como o comportamento da figura de apego, identificada por Bowlby, tem
sua correspondência próxima nas imagens do relacionamento entre Israel (ou
do adorador) e Deus” (KIRKPATRICK, 2005, p. 52, tradução nossa). Outro
pesquisador, Wenegrat (1990) também aborda a questão do apego num livro
que trata da sociobiologia e religião (KIRKPATRICK, 2005, p. 53). Também o
teólogo Kaufman (1981) argumenta que “Deus é compreendido como um
pai/mãe protetor e cuidador, que está sempre ao alcance e sempre disponível
para seus filhos quando estes estão necessitados.” (KIRKPATRICK, 2005, p. 53,
tradução nossa). Portanto, pessoas podem reproduzir na relação com Deus o
mesmo tipo de apego humano, o que permite a internalização de um Deus que
traz conforto ou segurança última em meio à dor e perda.
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Kirkpatrick observa que
[...]a pessoa religiosa age com fé de que Deus (ou outra figura) estará disponível
para proteger e confortar a ele ou ela em situações de perigo; em outras situações,
o simples conhecimento da presença de Deus e de sua acessibilidade possibilita a
ele ou ela abordar os problemas e dificuldades da vida cotidiana com confiança
(KIRKPATRICK, 2005, p. 52, tradução nossa).
Para Kirkpatrick, a natureza do relacionamento com Deus pode variar
tremendamente de pessoa para pessoa e de uma cultura para outra. As pessoas
podem compreender Deus como sendo mais bondoso ou mais impiedoso, mais
envolvido nas questões humanas ou mais distantes. “Em todos estes casos,
contudo, as pessoas tipicamente pensam essas características em termos de um
relacionamento.” (KIRKPATRICK, 2005, p. 55, tradução nossa). Porém, o fato “de
que pessoas têm a percepção de possuírem um relacionamento com Deus ou
Jesus, ainda mantém aberta a questão se esta é uma relação de apego.”
(KIRKPATRICK, 2005, p. 55, tradução nossa). Trata-se de fato de uma relação de
apego?Para Kirkpatrick “Deus atua efetivamente como uma figura de apego
para muitos fiéis.” (2005, p. 55, tradução nossa). O autor propõe estender a
teoria do apego para a religião, utilizando os conceitos do porto seguro, da base
segura e da regulação decorrente da ausência de segurança oferecida pela figura
de apego, para compreender a relação das pessoas com Deus.
Lembrando que para Bowlby “o sistema de apego é um sistema ‘real’ no
cérebro/mente, instanciado num circuito cerebral para organizar uma variedade
de módulos específicos num modo particular, como projetado através da seleção
natural, para cumprir as funções adaptativas” (KIRKPATRICK, 2005, p. 55,
tradução nossa), Kirkpatrick sugere que “para muitas pessoas em muitas
religiões, o sistema de apego está fundamentalmente envolvido em seu modo de
pensar, suas crenças e seu raciocínio acerca de Deus e seu relacionamento para
Deus” (KIRKPATRICK, 2005, p. 56, tradução nossa). Assim, nosso conhecimento
acerca de como o processo de apego funciona em outros relacionamentos
deveria provar-se útil para compreender os modos como pessoas interpretam
Deus e interagem com Ele.
4.1 BUSCANDO E MANTENDO A PROXIMIDADE COM DEUS
Com relação aos cinco critérios anteriormente mencionados para
caracterizar uma relação de apego, a busca por proximidade provavelmente seja
o mais difícil de diagnosticar. Pois “virtualmente todos os relacionamentos
relevantes envolvem o desejo de estar próximo à outra pessoa.” (KIRKPATRICK,
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2005, p. 56, tradução nossa). Fãs gostam de estar perto de seus ídolos,
torcedores querem aparecer ao lado de jogadores famosos. Porém, nem por isso,
Britney Spears e Neymar Jr atuam como figuras de apego para essas pessoas. De
igual modo, pais normalmente gostam de gastar tempo com seus filhos, contudo
“os filhos não são as figuras de apego dos pais.” (KIRKPATRICK, 2005, p. 56,
tradução nossa).
Uma dificuldade adicional para identificarmos a busca por proximidade
com Deus como uma característica do relacionamento humano com o divino é o
fato de que “não se pode estar fisicamente próximo a Deus do mesmo modo
como estamos fisicamente próximos a outras pessoas” (KIRKPATRICK, 2005, p.
56-57). Mesmo assim, para Kirkpatrick, é possível falarmos em proximidade
com relação a Deus, num sentido mais do que meramente metafórico. O autor
lembra que Bowlby enfatizou o sistema de apego em termos de uma
proximidade psicológica. Assim, o propósito da figura de apego seria
proporcionar um senso de segurança para a criança. “Portanto, enquanto Deus é
percebido pelos fiéis como estando prontamente acessível assim como
responsivo, o modelo de apego é potencialmente aplicável.” (KIRKPATRICK,
2005, p. 57). Os textos bíblicos corroboram esse conceito de que, embora não
seja possível estarmos fisicamente próximos a Deus, podemos confiar num Deus
onipresente.
De acordo com a fé da maioria dos cristãos, Deus (ou Jesus) sempre está
ao seu lado, segurando sua mão e provendo, cuidando. Os fiéis são
constantemente lembrados nas Escrituras, nos sermões e na literatura religiosa
que Deus sempre está próximo e disponível quando necessário. Seria difícil para
as pessoas crerem que isso é verdade para todos os fiéis simultaneamente se
Deus não fosse onipresente (KIRKPATRICK, 2005, p. 58). Nesse sentido, o
salmista exclama:
Para onde poderia eu escapar do teu Espírito? Para onde poderia fugir da tua
presença? Se eu subir aos céus, lá estás; se eu fizer a minha cama na sepultura,
também lá estás. Se eu subir com as asas da alvorada e morar na extremidade do
mar, mesmo ali a tua mão direita me guiará e me susterá. (Salmo 139.7-104).
Muitas outras passagens do Primeiro Testamento5 descrevem Deus
estando sempre ao lado do crente, segurando sua mão, observando e cuidando.
4
As citações bíblicas contidas no texto foram extraídas da Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional
(2003).
5Por exemplo, Deuteronômio 4.39, Salmo 16.8, Salmo 34.18, Salmo 73.28; 145.18, Provérbios 15.3, Isaías
66.1, Jeremias 23.23-24.
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A vida de Jesus igualmente demonstra Deus como estando próximo e disponível
àqueles que creem (KIRKPATRICK, 2005, p. 58). O Evangelho de João destaca:
“Aquele que é a Palavra tornou-se carne e viveu entre nós. Vimos a sua glória,
glória como do Unigênito vindo do Pai, cheio de graça e de verdade.” (João
1.14). Também o apóstolo Paulo fala de um Deus que está sempre disponível
para aqueles que o procuram: “Deus fez isso para que os homens o buscassem e
talvez, tateando, pudessem encontrá-lo, embora não esteja longe de cada um de
nós.” (Atos 17.27)6.
Cada tradição religiosa tem seus próprios lugares, imagens, ícones e outras
representações materiais que servem como lembretes concretos da presença de
Deus. Para Kirkpatrick, muito mais do que os lugares e representações
materiais, contudo, é na oração que se revela a busca do ser humano por
proximidade com Deus (2005, p. 59). Nesse sentido, o autor da carta aos
hebreus afirma: “Sendo assim, aproximemo-nos de Deus com um coração
sincero e com plena convicção de fé, tendo os corações aspergidos para nos
purificar de uma consciência culpada e tendo os nossos corpos lavados com
água pura.” (Hebreus 10.22). Tiago também incentiva a aproximação dos cristãos a
Deus: “Aproximem-se de Deus, e ele se aproximará de vocês!” (Tiago 4.8a).
Portanto, à luz das Escrituras, pode-se afirmar que os fiéis buscam e são
incentivados a buscar a proximidade com Deus, nos mesmos moldes que uma
pessoa apegada procura a proximidade com sua figura de apego.
4.2 DEUS COMO PORTO SEGURO
Bowlby descreve três situações que ativam os comportamentos de apego:
(1) eventos ambientais assustadores ou alarmantes, gerando estímulos que
evocam medo e angústia; (2) doença, lesão ou fadiga; (3) separação ou ameaça
de separação da figura de apego (KIRKPATRICK, 2005, p. 61).
Para avaliar se Deus atua como figura de apego para os cristãos, cabe
perguntar se essas pessoas “se voltam a Deus e apresentam comportamentos
semelhantes ao apego, diante das situações anteriormente descritas.”
(KIRKPATRICK, 2005, p. 61). Além disso, “a experiência de Deus como um porto
seguro nestas circunstâncias deveria provocar os mesmos tipos de sentimentos
de conforto e segurança proporcionados pelos apegos seguros humanos.”
(KIRKPATRICK, 2005, p. 61, tradução nossa).
6Ver
também Hebreus 10.22 e Tiago 4.8.
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Em especial nos Salmos, há o reconhecimento de Deus como o porto
seguro em situações que demandam proteção e consolo.
Deus é o nosso refúgio e a nossa fortaleza, auxílio sempre presente na
adversidade. (Salmo 46.1).
Entregue suas preocupações ao Senhor, e ele o susterá; jamais permitirá que o
justo venha a cair. (Salmo 55.22).
Mas eu, quando estiver com medo, confiarei em ti. Em Deus, cuja palavra eu
louvo, em Deus eu confio, e não temerei. Que poderá fazer-me o simples mortal?
(Salmo 56.3-4).
Porque ele me ama, eu o resgatarei; eu o protegerei, pois conhece o meu nome.
Ele clamará a mim, e eu lhe darei resposta, e na adversidade estarei com ele; vou
livrá-lo e cobri-lo de honra. Vida longa eu lhe darei, e lhe mostrarei a minha
salvação. (Salmo 91.14-16).
Os textos apresentados ilustram como, no cristianismo, o fiel pode buscar
refúgio em Deus em momentos de dificuldade ou ameaças, falando de um Deus
que está disponível e capaz de ajudar aqueles que o buscam.
4.3 DEUS COMO BASE SEGURA
A partir da perspectiva da Teoria do Apego, a função de base segura do
apego “é tão importante como a função do porto seguro, na medida em que ela
facilita a exploração confiante do ambiente e proporciona uma fonte de coragem
e eficácia para a pessoa encarar suas questões cotidianas.” (KIRKPATRICK, 2005,
p. 65, tradução nossa). Nesse sentido, a disponibilidade de uma base segura é o
antídoto para o medo e a ansiedade, conforme expresso nas passagens a seguir.
Cumprirei os votos que te fiz, ó Deus; a ti apresentarei minhas ofertas de
gratidão. Pois me livraste da morte e os meus pés de tropeçarem, para que eu
ande diante de Deus na luz que ilumina os vivos. (Salmo 56.12-13).
Pois tu tens sido o meu refúgio, uma torre forte contra o inimigo. (Salmo 61.3).
Porque és a minha ajuda, canto de alegria à sombra das tuas asas. (Salmo 63.7).
Perto está a salvação que ele trará aos que o temem, e a sua glória habitará em
nossa terra. (Salmo 85.9).
Portanto, “quando um indivíduo está confiante de que uma figura de apego
estará disponível para ele sempre que desejar, então essa pessoa estará muito
menos propensa a intensificar ou cronificar o medo, em comparação a um
indivíduo que por alguma razão não possui essa mesma confiança.”
(KIRKPATRICK, 2005, p. 65-66, tradução nossa). Sob esse aspecto, é preciso
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reconhecer “que a fé num Deus pessoal que cuida dos seus funciona
psicologicamente como uma base segura, do mesmo modo como um apego
humano.” (KIRKPATRICK, 2005, p. 70, tradução nossa). Deus, assim, é uma figura
de apego absolutamente adequada, pois está “simultaneamente onipresente,
onisciente e onipotente”, proporcionando deste modo a mais segura de todas as
bases (KIRKPATRICK, 2005, p. 70, tradução nossa).
4.4 REAÇÃO À SEPARAÇÃO E PERDA
De acordo com Ainsworth, a separação da figura de apego provoca dor, ao
passo que a ameaça de separação provoca ansiedade na pessoa apegada
(KIRKPATRICK, 2005, p. 71). Na hipótese de Deus funcionar como uma figura de
apego para as pessoas, seria de esperar que as pessoas que creem em Deus o
busquem mais intensamente em situações de perda.
Diferentemente das pessoas que funcionam como figuras de apego, Deus
não morre, não se afasta, nem pede divórcio. Porém, há situações onde a pessoa
se sente abandonada por Deus, em especial quando essa percepção ocorre em
momentos quando a pessoa mais sente a necessidade da intervenção divina.
Para o filósofo Antonio Negri, a incrível modernidade e originalidade do livro de
Jó “consiste exatamente no fato de que, desde o início, nenhuma mistificação é
concedida: o mundo apresenta-se como dualidade, como relação.” (2007, p.
47). E neste caso, numa “relação ancestral entre Deus e o homem.” (NEGRI,
2007, p. 46). Mesmo em meio a sofrimentos quase insuportáveis, Jó exclama:
“Eu sei que o meu Redentor vive, e que no fim se levantará sobre a terra.” (Jó
19.25). Jó, diante da potencial separação de Deus provocada pelo sofrimento e
pelas perdas, busca a Deus com mais intensidade e experimenta um novo
encontro com Deus: “Meus ouvidos já tinham ouvido a teu respeito, mas agora
os meus olhos te viram.” (Jó 42.5).
Para Jesus, nada poderia ser mais difícil do que conviver, mesmo que por
alguns instantes, com a realidade de estar afastado da presença do Pai. Em seu
profundo lamento pouco antes de sua morte “Meu Deus! Meu Deus! Por que me
abandonaste?” (Mateus 27.46), “Jesus lutou com o peso de ter de se separar do
Pai durante os momentos da crucificação” (ZACHARIAS, 2003, p. 163).
Por outro lado, a crença a respeito do que acontece após a morte reflete
uma potencial separação de Deus, sendo que em muitas igrejas cristãs a
separação de Deus é a essência do inferno (KIRKPATRICK, 2005, p. 71). Portanto,
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para muitos cristãos, o afastamento ou mesmo a possibilidade de afastamento
de Deus provoca dor, sofrimento e angústia.
Como visto nesta seção, para muitos cristãos sua relação com Deus
preenche os cinco critérios de uma relação de apego propostos por Ainsworth. A
pessoa apegada procura proximidade com Deus, especialmente quando está
assustada ou alarmada. Para quem crê em Deus, Ele proporciona cuidado e
proteção, na função de porto seguro, e uma sensação de segurança, na função de
base segura. E, finalmente, para muitas pessoas a ameaça de separação de Deus
causa ansiedade, ao passo que o sentimento de abandono ou de afastamento de
Deus causa dor.
Nas palavras da teóloga Maria Clara Bingemer, “o homem (sic) não pode
desapegar-se, a menos que esteja mais e mais apegado a algo, alguém diferente
de seu apego inicial.” (1990, p. 175), apontando o movimento para Deus como a
contrapartida para o desapegar-se das coisas.
Por essa razão, Deus pode ser compreendido como uma figura de apego
absolutamente adequada (KIRKPATRICK, 2005, p. 71)7.
5 DIFERENÇAS INDIVIDUAIS NO APEGO A DEUS
Uma vez que tenha ficado demonstrado que Deus pode ser compreendido
como uma figura de apego, será analisado nesta seção, de que maneira essa
relação de apego se manifesta no momento da conversão. Granqvist e
Kirkpatrick (2004, p. 226) observam que os estudiosos da Psicologia da
Religião, desde os seus pioneiros, já davam destaque à intensidade das emoções
que precedem, caracterizam e acompanham algumas experiências de conversão
religiosa. Tais experiências são marcadas por “um aumento significativo da
importância das crenças religiosas, em conjunto com a experiência pessoal de
ter encontrado diretamente o divino.” (GRANQVIST e KIRKPATRICK, 2004, p. 226).
Além disso, essas experiências normalmente são precedidas por uma fase de
sofrimento emocional. Esse período precipitante de angústia pode destacar a
função de porto seguro em Deus no processo de conversão, bem como a
necessidade de assistência com a atenuação de sentimentos de angústia com a
qual ele está associado (GRANQVIST e KIRKPATRICK, 2004, p. 226).
Para estudos referentes ao apego com Deus em pessoas adultas com idade entre 70 e 97 anos, ver a obra
de Cicirelli (2004).
7
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Granqvist e Kirkpatrick propõem duas hipóteses gerais sobre a relação
entre a experiência de apego e a religiosidade: as hipóteses da correspondência e
da compensação. Ambas as hipóteses não podem ser simultaneamente
verdadeiras, ao menos nas mesmas pessoas sob as mesmas condições. Portanto,
os autores sugerem que ambas as hipóteses sejam aplicáveis, cada uma para um
determinado perfil de pessoas e respeitadas condições específicas.
5.1 HIPÓTESE DA CORRESPONDÊNCIA
De acordo com Granqvist e Kirkpatrick, indivíduos de apego seguro na
infância estabeleceram as bases sobre as quais uma relação de apego com Deus
poderia ser construída e tem mais facilidade em adotar as normas religiosas ou
não religiosas da figura de apego da fase adulta. Para os autores, pessoas com
apego seguro estariam mais presentes na população de conversões não
repentinas. Assim, as mudanças religiosas das pessoas seguras seriam graduais,
refletindo a adoção progressiva de normas religiosas de outras pessoas significativas.
Como a segurança está mais presente entre os convertidos não repentinos, a
religiosidade desse grupo de pessoas estaria mais baseada na socialização das
normas religiosas dos pais (GRANQVIST e KIRKPATRICK, 2004, p. 104).
A figura 1 ilustra como o apego seguro experimentado pela pessoa com a
mãe e/ou o pai na infância é gradualmente substituído na fase adulta pelo apego
seguro com seu par romântico e pelo apego seguro com Deus.
Figura 1 - Hipótese da Correspondência
Apego
Romântico
Apego
com
Mãe/Pai
Infância
Apego
com
Deus
Vida
Adulta
Fonte: Kirkpatrick, 2005, p. 104.
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De acordo com a hipótese da correspondência, pessoas com apego seguro
na infância têm mais propensão em desenvolver e manter apegos seguros na
vida adulta, seja em seus relacionamentos com o cônjuge, seja em seu
relacionamento com Deus. Essa correspondência se dá em função do histórico
de figuras de apego seguras, o que permite a internalização de um Deus que traz
conforto ou segurança última em meio à dor e perda.
5.2 HIPÓTESE DA COMPENSAÇÃO
Para Granqvist e Kirkpatrick, indivíduos de apego inseguro na infância
apresentam maior necessidade de apegos compensatórios na fase adulta para
regular sua angústia e obter segurança. Nesse sentido, Deus funcionaria como
essa figura de apego substituto. De acordo com suas pesquisas, indivíduos de
apego inseguro estariam mais propensos a experimentar conversões religiosas
repentinas. Desse modo, a nova relação com Deus funcionaria como apego
substituto, auxiliando a pessoa na regulação de seus estados de angústia, e,
assim, promovendo o sentimento de segurança.
Como a insegurança está mais presente na população de convertidos
repentinos, esses indivíduos provavelmente apresentam uma religiosidade que
se baseia mais na regulação da angústia (GRANQVIST e KIRKPATRICK, 2004, p.
227). A figura 2 ilustra como o apego inseguro experimentado pela pessoa com a
mãe e/ou o pai na infância é repentinamente compensado na fase adulta pelo
apego seguro com Deus.
Figura 2 - Hipótese da Compensação
Apego
com
Mãe/Pai
Apego
com
Deus
Assim, de acordo com a hipótese da compensação, as pessoas que
experimentaram um apego inseguro nas relações humanas têm a propensão em
buscar Deus como uma figura de apego seguro através de conversões
repentinas, cujo alvo é obter a redução no nível da angústia e do sentimento de
insegurança experimentados. Nestes casos, a relação com Deus funciona como
uma figura de apego substituta, no sentido de compensar a figura humana de
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apego. Um relacionamento com Deus do tipo compensatório pode ser notado
em três situações:
1. Quando em experiências de grande estresse e perigo e a pessoa não tem
uma figura de apego suficiente ou poderosa para a proteger e somente
Deus representa um lugar seguro.
2. Quando a figura de apego primária encontra-se situacionalmente
indisponível. Por exemplo, em função da morte da figura de apego.
Adolescentes que perdem suas figuras de apego (por morte ou outra
razão) podem se voltar intensamente para Deus que provê a segurança e
conforto que os pais já não podem dar.
3. Quando há uma história de apegos inseguros.
Granqvist e Kirkpatrick (2004), ao analisarem a correlação entre as
histórias de conversões repentinas e as histórias de apego dos convertidos,
concluem que há correlação significativa entre conversão e apego inseguro
(maternal ou paternal), sendo que o indivíduo pode se voltar para Deus como
modo de compensação também em situações de perda de um relacionamento
amoroso na fase adulta.
Embora a teoria do apego seja uma ferramenta útil para compreender os
estilos de apego com Deus, tais comportamentos ativados pelo sistema de apego
não deveriam ser vistos por uma perspectiva de juízo de valor, como uma fé
deficiente, por exemplo. Ao contrário, precisam ser vistos como uma marca da
nossa humanidade e não como uma instância com necessidade de correção. A
teoria do apego ajuda a compreender por que, em determinadas situações ou
para determinados sujeitos, a espiritualidade (ou o modo como o sujeito se
conecta com o divino) contribui mais, ou menos, no processo de luto da figura
de apego significativa. Indivíduos que internalizam Deus como incapaz de
prover conforto e senso de segurança (Deus como base segura) terão mais
dificuldade com o processo de luto, ainda que sejam pessoas que têm uma
experiência de fé. Com base no conhecimento da teoria do apego, o
aconselhador pastoral pode ajudar essas pessoas não em um modo
psicoterápico, já que a psicoterapia é papel do psicólogo. Ao ajudar as pessoas a
compreenderem o seu próprio estilo de apego a Deus, relacionando com as
razões da ansiedade e do medo, a despeito da fé e do cuidado terapêutico, o
aconselhador pastoral pode oferecer consistência no cuidado, na mensagem,
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afim de que o enlutado experiencie um apego seguro em função do modo como
oferece acessibilidade, disponibilidade e resposta (KELLEY, 2010).
CONCLUSÃO
Por oferecer uma base conceitual descritiva e abrangente a respeito da
formação, manutenção e modificação dos vínculos afetivos, a Teoria do Apego é
um constructo útil tanto para a psicologia da religião em seus estudos sobre o
comportamento religioso quanto para a psicologia evolutiva, em seus estudos
sobre a subjetividade humana.
As formulações propostas pela Teoria do Apego não são incontroversas.
Contudo, considerando o grande valor em compreender o funcionamento das
relações humanas, concordamos com Granqvist e Kirkpatrick, quando afirmam
que o melhor caminho é que investigadores deduzam e testem “hipóteses de
vários referenciais teóricos (por exemplo, a teoria do apego, psicologia do self,
psicanálise, teoria da privação)” (GRANQVIST e KIRKPATRICK, 2004, p. 246).
Somente após a realização de trabalhos que considerem os mais diferentes
pontos de partida, será possível avaliar “qual teoria ou teorias irá oferecer
explicações mais robustas, e produzir o entendimento psicológico mais
profundo” (GRANQVIST e KIRKPATRICK, 2004, p. 246) do comportamento
religioso das pessoas. Dada a multiplicidade de perspectivas atualmente
disponíveis na literatura sobre conversões religiosas, tais esforços serão
especialmente importantes para o progresso da teologia e das ciências da religião.
Pesquisas mais recentes sobre o apego sinalizam no sentido de considerar
que a maior meta do apego seria “proporcionar uma identificação e regulação
apropriada dos estados emocionais, e uma reorganização dos modelos
representacionais internos do self, do outro e do mundo como um lugar mais
acolhedor e prazeroso de se viver.” (RAMIRES, 2010, p. 31). O psicanalista Peter
Fonagy propõe utilizar o termo de mentalização para designar a capacidade de
compreender nossa experiência interior e, a partir daí, trabalhar de forma
precisa os sentimentos da outra pessoa. Assim, mediante o processo de
mentalização, cuidadores têm a capacidade de conduzir seus indivíduos
apegados para experiências de vínculos mais saudáveis do que os próprios
cuidadores experimentaram na infância8.
8Sobre
mentalização na psicoterapia, consultar a obra de Clarkin, Fonagy e Gabbard (Org.), 2013.
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Como paradigma teórico, uma meta-teoria que seja consistente e coerente
para organizar, integrar e orientar as pesquisas na área das relações humanas, a
Teoria do Apego abre um vasto campo de pesquisa a ser explorado por teólogos,
psicólogos e cientistas da religião. Há necessidade de mais estudos que
identifiquem como o estilo de apego da pessoa influencia a maneira como ela
lida com os processos de saúde emocional e espiritual. Investigar a relação entre
a cognição religiosa e vínculos de apego a Deus nas diferentes fases da vida
(infância, adolescência e vida adulta) seria uma contribuição inédita e bastante
importante na área dos estudos em psicologia da religião no Brasil. Além disso,
trabalhos que demonstrem de que maneira os conselheiros podem utilizar-se do
instrumental teórico proporcionado pela Teoria do Apego para agir mais
eficazmente no apoio aos aconselhandos, seriam de extrema relevância.
“O papel da religião no enfrentamento do luto é provavelmente um dos
principais fatores subjacentes aos achados amplamente observados de que a
religiosidade tende a aumentar à medida que as pessoas atingem seus últimos
anos de vida” (KIRKPATRICK, 2005, p. 65). Assim, o arcabouço teórico proposto
pela Teoria do Apego permitirá analisar também os processos de luto em
pessoas que perderam seus cônjuges por morte ou separação9. Um possível
desdobramento dessa investigação seria em relação ao tipo de apego com Deus
que as pessoas que perderam seu cônjuge haviam estabelecido e de que maneira
tal estilo contribuiu ou dificultou o processo de elaboração da perda e da
reconstrução da vida.
Espera-se que essa breve aproximação à teoria do apego sirva como
estímulo a futuras pesquisas com base nesse referencial teórico, tanto no campo
da Psicologia da Religião quanto na área da Teologia e das Ciências da Religião.
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Com relação ao tema do luto, o livro Luto - Estudos sobre a perda na vida humana (PARKES, 1998) é de
inestimável valor, na medida em que analisa em profundidade a perda de vínculos emocionais, sob a ótica
da Teoria do Apego.
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Recebido em o3/11/2014
Aprovado em 16/12/2014
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