A língua portuguesa em Timor-Leste: entre desafios e sucessos

De acordo com o Instituto Camões I.P., o português é a língua materna de 3,7% da população mundial, sendo a quarta mais falada no mundo/Foto: UNESCO

“O português é difícil, tem muitos verbos. Prefiro o inglês, é mais fácil. Gosto de música indonésia e de ver programas nesta língua. Os programas em português são aborrecidos”. São estas algumas das muitas justificações que se costumam ouvir quando o assunto é aprender português, língua oficial de Timor-Leste, a par do tétum.

A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) comemora, desde 20 de julho de 2009, o 5 de maio, como Dia da Língua Portuguesa e da Cultura na CPLP. Dez anos depois, em novembro de 2019, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) proclamou a data como Dia Mundial da Língua Portuguesa.

Apesar de Timor-Leste ser um dos nove países que integram a CPLP e o português ser também língua oficial, apenas 30% dos timorenses (segundo os dados dos Censos 2015) dominam a língua.

Mesmo assim, todos os anos, timorenses, juntamente com os outros países membros da CPLP presentes no país, celebram este dia com várias atividades como declamação de poesia em português, seminários, debates, workshops, concursos literários, feira do livro ou concertos e tantas outras.

A situação da língua portuguesa em Timor-Leste é particular. É língua oficial e de escolarização, a par da língua tétum, num país em que a população convive, no dia a dia, com a língua indonésia, com os idiomas locais e com o inglês.

A falta de contacto informal com o português, devido também ao facto de ser uma língua apenas aprendida dentro das quatro paredes da sala de aula, dificulta a sua aprendizagem e utilização.
Numa sociedade plurilingue como a timorense e 21 anos após a restauração da independência, importa refletir sobre o estado da língua portuguesa em Timor-Leste.

Para isso, o Diligente saiu à rua para medir pulso ao que realmente os timorenses pensam sobre a língua portuguesa, as dificuldades que enfrentam para a aprender e a importância que assume no dia a dia.

“Precisamos de dominar a língua portuguesa para que, no futuro, não necessitemos de recorrer a assessores internacionais”

Graciete Ximenes Sarmento, 44 anos, funcionária pública no Parlamento Nacional/ Foto: Diligente

“Ainda não há uma mudança significativa no progresso da língua portuguesa, porque metade dos funcionários públicos, eu incluída, ainda não fala com fluência.

Acho que ainda não há um esforço suficiente das entidades do Estado. Se fizermos os cursos de português, mas não praticamos no ambiente de trabalho e continuamos a comunicar em tétum, estamos a prejudicar o progresso da nossa aprendizagem e esquecemos tudo o que já aprendemos. Penso que a aprendizagem depende também da vontade de cada pessoa e do seu esforço para melhorar a proficiência no português.

Como funcionária do Parlamento Nacional (PN), se não souber a língua, não poderei fazer o meu trabalho devidamente. Toda a legislação está escrita nesta língua, os serviços funcionam com o português, por isso, se o dominarmos, o nosso contributo profissional será melhor.

Honestamente, no parlamento, usamos a língua portuguesa só nos momentos de apresentação de trabalho, mas no dia a dia, usamos o tétum. Acho que dominar a língua deve ser um dos requisitos na seleção dos funcionários públicos.

Também precisamos deste domínio da língua para que, no futuro, não necessitemos de recorrer a assessores internacionais, cujos salários são muito altos, para nos ajudarem a fazer o nosso trabalho. O salário de um assessor estrangeiro dá para pagar o salário a quatro funcionários timorenses.

Para aprendermos mais rapidamente, temos de nos esforçar e ter autoconfiança para ultrapassar as dificuldades. Antes de aprender português, pensava que era muito difícil, mas quando comecei a estudar, vi que podia melhorar.

Um dos grandes desafios é não haver seriedade do Estado. Queremos que todos os timorenses falem português, mas no ensino básico, as crianças aprendem em tétum, língua que não tem vocabulário suficiente para explicar conceitos científicos.

Para além disso, muitos professores que ainda estão a receber formação não preenchem os requisitos do Ministério da Educação.

O Governo deve investir na qualidade da formação dos professores, como forma de encorajar os timorenses a aprenderem e usarem o português no seu dia a dia. Se os próprios professores não dominam esta língua, como é que os alunos a vão dominar?

Quanto ao currículo, penso que o português deve ser a língua de ensino desde o pré-escolar até ao ensino superior.

Vejo que, neste momento, a língua inglesa é mais usada como língua de trabalho, porque as organizações não governamentais (ONG) estabelecem centros de formação mais acessíveis comparativamente com os cursos de língua portuguesa.”

“Dominar o português é uma mais-valia para os timorenses que querem estudar ou trabalhar no estrangeiro”

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Martinha Gomes, 25 anos, estudante da Faculdade de Direito da UNTL / Foto: Diligente

“A língua portuguesa é importante para Timor, porque para trabalhar ou estudar temos de usar esta língua, sobretudo na área do Direito. É também uma mais-valia para os timorenses que querem estudar ou trabalhar no estrangeiro.

Para aprender mais rapidamente, penso que é necessário frequentar cursos e comunicar com os professores de língua portuguesa, com portugueses e brasileiros para que possamos praticar, pois, para além de frequentar cursos, comunicar nesta língua é a melhor forma de a aprendermos.

Muitas vezes, praticamos mais na escola do que em casa, porque nem todas as pessoas conseguem falar português, por isso, temos de treinar o mais que pudermos com as pessoas que dominam esta língua.

O Governo deveria disponibilizar mais cursos ministrados por docentes portugueses, porque será muito mais fácil aprender assim. Na minha opinião, muitos timorenses têm vontade de aprender, só precisam das oportunidades certas.”

“Ensinar em língua materna nas escolas dificulta o desenvolvimento da língua portuguesa”

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Emiliana de Jesus Matos, 26 anos, docente de Língua portuguesa no ISJB (Instituto São João de Brito)/ Foto: DR

“O progresso da língua portuguesa em Timor-Leste é positivo, porque o número de falantes está a aumentar. Isto deve-se à existência da Escola Portuguesa de Díli (EPD), às escolas dos Centro de Aprendizagem e Formação Escolar (CAFE), aos cursos financiados pelo Instituto Camões, ao envio de bolseiros para os países da CPLP e à formação de professores para melhorar o nível de conhecimento da língua. Apesar de os progressos serem lentos, considero que tem havido grandes avanços.

A língua portuguesa contribuiu para o processo de independência do país, durante a ocupação indonésia, facilitando a comunicação entre as frentes clandestina, armada e diplomática. Atualmente, é muito importante para a educação, principalmente, no ensino das ciências. Ajuda os professores a transmitirem e explicarem os conceitos científicos e na assimilação dos conteúdos pelos estudantes. Penso que também contribui para o bom funcionamento dos serviços públicos.

Não há uma maneira rápida de aprender esta língua. Temos, sim, de ter interesse e vontade para aprender.

Em Timor-Leste, as pessoas têm mais facilidade em falar a língua indonésia do que o português, porque a influência desta é muito maior. A maioria dos programas de televisão é em indonésio, os rótulos dos produtos alimentícios e de beleza estão nesta língua e a maioria dos timorenses ouve música indonésia. Deveríamos ouvir música portuguesa e ver programas de televisão nesta língua.

A língua portuguesa está a evoluir lentamente também devido à localização geográfica. Estamos perto da Indonésia e da Austrália e, política e economicamente, dependemos deles.

Durante a ocupação indonésia, a língua portuguesa era totalmente proibida, esse afastamento de 24 anos contribuiu para o esquecimento do português e, hoje em dia, a maioria da população timorense considera o português difícil.

Para além disso, o nosso país tem muitas línguas e o português não é a segunda nem a terceira língua que aprendemos, apesar de ser língua oficial.

Verifico também uma certa desvalorização do português por parte das organizações internacionais, cuja preferência, na redação de relatórios e na produção de materiais, vai para o inglês e o tétum, como se o português não fosse língua oficial de TL.

A língua portuguesa é uma das línguas oficiais do país e tem de ser desenvolvida. O Ministério da Educação definiu o português como língua de instrução, os manuais e materiais didáticos estão escritos nesta língua. Por isso, considero que o português tem futuro em Timor-Leste, mas temos de investir na formação dos professores para que possam ensinar nesta língua, que, na minha opinião, é muito mais eficaz do que ensinar em tétum.”

“A língua portuguesa é o futuro dos meus filhos”

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Madalena de Jesus, 42 anos, vendedora ambulante e mãe de nove filhos/ Foto: Diligente

“Como mãe de nove filhos, quero que eles aprendam português e inglês para que, no futuro, possam ter um bom trabalho e uma vida digna. A língua portuguesa é o futuro dos meus filhos.

Neste momento, cuido deles sozinha, nasi bungkus, todos os dias, para poder pagar os estudos dos meus filhos e comprar comida para nós.

Graças a Deus, tenho filhos que gostam de aprender e vejo que, às vezes, em casa, falam entre eles em português, mas comigo falam tétum.

Tenho dois filhos no 1º ciclo e outro no 3º ciclo do ensino básico, consigo perceber que têm algumas dificuldades na leitura, mas esforçam-se. Talvez o português seja um pouco difícil e eu, infelizmente, não os consigo ajudar, porque não domino esta língua.”

“Os pais devem aprender português para ajudar os filhos a estudarem em casa”

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Filomena da Cruz, 55 anos, dona de casa/ Foto: Diligente

“Os meus filhos aprenderam inglês, mas a minha neta aprende português, porque a língua portuguesa é um requisito para ir para Portugal e também para trabalhar em Timor. Vejo que a minha neta consegue aprender mais rapidamente o português na escola CAFE, porque todos os seus amigos e professores comunicam nesta língua.

No entanto, em casa, é muito raro falarmos em português, porque ninguém domina este idioma. Isso preocupa-me, porque aprendem na escola, mas não praticam em casa e assim não vão melhorar. Portanto, sugiro aos pais que aprendam português, mesmo que seja o básico, para poderem ajudar os filhos em casa.”

“Aprender a língua portuguesa é um dever e uma necessidade”

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Júlio Amaral Guterres, 26 anos, técnico especializado em média no Ministério do Ensino Superior, Ciência e Cultura (MESCC) / Foto: Diligente

“Uso a língua portuguesa no meu trabalho, porque é mais confortável e também já me habituei a usá-la como um meio para compreender os documentos que uso para trabalhar.

O Governo timorense exige o uso do português, por isso, se eu quiser ter acesso aos conteúdos de outros ministérios, tenho de compreender esta língua. É mais fácil, para mim, usar o português quando comunico com outras organizações ou instituições privadas, dentro e fora do ambiente de trabalho.

Acho que o domínio da língua portuguesa deve ser um requisito de seleção para a função pública, porque uma das línguas oficiais de Timor-Leste é o português e, na administração pública, é mesmo necessário ser fluente, caso contrário, será muito difícil elaborar relatórios e realizar atividades formais. Por isso, é importante que os funcionários públicos dominem o português para facilitar o trabalho, porque os materiais mais técnicos estão todos em português ou em inglês.

Tive o meu primeiro contacto com o português no ensino pré-primário, mas aprofundei a língua quando consegui uma bolsa para estudar em Portugal e, claro, estando lá, tive mesmo de aprender a comunicar em português.

Reconheço que a sociedade timorense ainda não está habituada a falar português no seu dia a dia. Nas escolas, também não incetivam os estudantes a usarem o português. Por isso, penso que é importante investir na formação de professores, que terão de se esforçar e mudar a metodologia de ensino. É importante que os alunos sejam incentivados, desde cedo, a aprender a língua portuguesa.

O balanço que posso fazer depois de 20 anos de independência é que, atualmente, já existem muitas escolas que utilizam a língua e, no currículo, todas as disciplinas usam o português. Existem muitos estudantes que, cada vez mais, usam a tecnologia para aprender esta língua.

Para que os timorenses aprendam e usem efetivamente o português no dia a dia, o Governo deve fazer uma reforma do currículo educativo, porque a educação é a base fundamental para transformar a mentalidade de um país. É importante que os timorenses estejam conscientes de que saber português é uma necessidade.”

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